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EVERALDO AUGUSTO CAMBLER 1 PARECER Consulta-nos a ADEMI ASSOCIAÇÃO DE DIRIGENTES DE EMPRESAS DO MERCADO IMOBILIÁRIO DA BAHIA, por intermédio do Dr. Walter Barreto Jr., a respeito das possíveis consequências jurídicas da publicidade, lançamento e vendas de unidades de edifícios sem registro de incorporação. Para tanto, foram apresentados à nossa consideração os quesitos que, reproduzidos ao final do Parecer, ali estão respondidos. É certo, pelos parâmetros da consulta formulada, que este Parecer tratará, por excelência, da eficácia registrária do memorial de incorporação de imóveis quanto a atos preliminares de captação de clientela, razão pela qual, preliminarmente, cuidaremos de aspectos gerais da atividade incorporativa, bem como dos sujeitos incorporativos e a relação transitiva de consumo, de maneira a melhor respaldar as opiniões aqui expostas. I Da incorporação imobiliária e seu registro Em obra de nossa lavra, Incorporação imobiliária ensaio de uma teoria geral, tivemos a oportunidade de evocar o parágrafo único do art. 28, da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e apresentar a definição de incorporação imobiliária: “(...) Considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para

Parecer - Incorporação Imobiliária - Pré-Lançamento

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Parecer a respeito das possíveis consequências jurídicas da publicidade, lançamento e vendas de unidades de edifícios sem registro de incorporação.

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  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

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    PARECER

    Consulta-nos a

    ADEMI ASSOCIAO DE DIRIGENTES DE EMPRESAS DO

    MERCADO IMOBILIRIO DA BAHIA,

    por intermdio do Dr. Walter Barreto Jr., a respeito das possveis

    consequncias jurdicas da publicidade, lanamento e vendas de unidades de

    edifcios sem registro de incorporao.

    Para tanto, foram apresentados nossa considerao os

    quesitos que, reproduzidos ao final do Parecer, ali esto respondidos. certo,

    pelos parmetros da consulta formulada, que este Parecer tratar, por

    excelncia, da eficcia registrria do memorial de incorporao de imveis

    quanto a atos preliminares de captao de clientela, razo pela qual,

    preliminarmente, cuidaremos de aspectos gerais da atividade incorporativa,

    bem como dos sujeitos incorporativos e a relao transitiva de consumo, de

    maneira a melhor respaldar as opinies aqui expostas.

    I Da incorporao imobiliria e seu registro

    Em obra de nossa lavra, Incorporao imobiliria ensaio de

    uma teoria geral, tivemos a oportunidade de evocar o pargrafo nico do art.

    28, da Lei n 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e apresentar a definio de

    incorporao imobiliria: (...) Considera-se incorporao imobiliria a

    atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construo, para

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    alienao total ou parcial, de edificaes ou conjunto de edificaes

    compostas de unidades autnomas. 1

    Em sentido geral e amplo, incorporao significa aquela

    atividade humana exercida no sentido de incluir, unir, introduzir ou ligar uma

    coisa ao corpo da outra, a que ficar pertencendo, geralmente com a

    finalidade de obteno de ganho econmico. o edifcio que se constri no

    imvel para dele fazer parte, resultando a referida atividade humana da

    reunio de manifestaes de vontade, exprimveis em contratos, que mantm

    uma relao de unidade entre si. A essa atividade denominamos incorporao

    imobiliria lato sensu.

    Como atividade humana, a incorporao imobiliria pressupe a

    coexistncia de diversos relacionamentos entre pessoas fsicas e jurdicas.

    Podemos dizer que, alm do incorporador, diferentes sujeitos compartilham o

    universo do empreendimento imobilirio, v.g., o proprietrio do terreno

    (quando o prprio incorporador no o titular do domnio), o projetista, o

    construtor (quando o incorporador no desenvolve essa atividade), o agente

    financeiro, o corretor de imveis, o adquirente.

    Em meio a toda essa atividade, exercida com o intuito de

    promover e realizar a construo de edificaes ou conjunto de edificaes

    compostas de unidades autnomas, podemos distinguir o ncleo da atividade

    incorporativa. Se certo que a atividade incorporativa realizada com o

    objetivo de promover e realizar a construo, certo tambm que o fator

    econmico constitui a razo de ser de todo o empreendimento. Sem dvida,

    salvo raras excees, o incorporador pretende alienar, total ou parcialmente,

    as unidades autnomas, objetivando ganhos pecunirios, e esta , em ltima

    instncia, a razo de todos os seus esforos.

    1 Everaldo Augusto Cambler Incorporao Imobiliria ensaio de uma teoria geral, p. 19.

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    O ncleo da atividade incorporativa resume-se, a partir disso,

    em um negcio jurdico, denominado contrato de incorporao imobiliria,

    por intermdio do qual, basicamente, algum (o incorporador) obriga-se a

    promover a construo do edifcio e a transferir a propriedade das unidades

    autnomas em que o mesmo foi dividido, cabendo outra parte (o candidato a

    proprietrio ou adquirente) pagar o preo previamente ajustado. A esse

    negcio jurdico denominamos incorporao imobiliria stricto sensu.

    Contudo, de acordo com o caput do art. 32 da Lei n 4.591/64, o

    incorporador somente poder negociar as unidades autnomas, antes ou

    durante a construo do empreendimento, aps ter arquivado no cartrio

    competente de Registro de Imveis os documentos ali relacionados.

    Providenciada e registrada toda a documentao, teremos formalizado o

    registro da incorporao imobiliria. 2

    Nesse sentido, o registro da incorporao equivale ao

    arquivamento e registro dos documentos referidos no artigo 32, da Lei n.

    4.591/64 e no artigo 1, do Dec. n 55.815, de 8.3.65. A documentao,

    referida nesses artigos, ser antes examinada pelo oficial de registro de

    imveis, que responder, civil e criminalmente, caso efetue o arquivamento da

    documentao contraveniente lei ou der certido sem o arquivamento de

    todos os documentos exigidos, cabendo-lhe fiscalizar o cumprimento dos

    requisitos e exigncias legais ( 1 e 2 do art. 32 da LCI e 1 e 7, do art.

    1, do Dec. n 55.815/65).

    Caso o incorporador efetue qualquer negcio relativo s

    unidades a serem incorporadas, sem providenciar o registro do Memorial de

    Incorporao, alm do eventual questionamento jurdico quanto validade

    2 Cf. trabalho de nossa lavra Responsabilidade civil na incorporao imobiliria, p. 50.

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    dos contratos firmados, estar sujeito s sanes previstas por contraveno

    economia popular (art. 66, inc. I, da LCI).

    Com o prvio registro, os interessados podem examinar os

    papis arquivados, com todos os dados relativos ao empreendimento, o que

    proporciona maior segurana quando da assinatura das propostas de compra e

    do incio dos pagamentos. De fato, os documentos constantes do processo de

    incorporao do uma noo de como ser o edifcio, indicam as dimenses

    das fraes ideais, das unidades condominiais, as reas de utilizao comum,

    os materiais a serem utilizados, as especificaes tcnicas elementares etc.

    Resulta inequivocamente do texto legal que o memorial

    registrado no Registro de Imveis integra os contratos de incorporao,

    celebrados com os adquirentes das unidades autnomas ( 3, do art. 32, da

    LCI), no podendo ser unilateralmente modificado por qualquer das partes, de

    tal forma que, para garantia do adquirente, como se todos os dados do

    memorial estivessem transcritos no contrato de incorporao.

    Como a incorporao envolve o Incorporador e os adquirentes

    num sistema orgnico, a alterao do projeto (especialmente no que concerne

    s unidades condominiais e partes comuns), das especificaes, do plano de

    construo, no pode ocorrer sem a autorizao unnime dos interessados ou

    por expressa exigncia legal (art. 43, inciso IV, da LCI).

    II O incorporador como fornecedor

    As normas jurdicas do CPCon do guarida s relaes

    jurdicas denominadas de consumo. Essas relaes, no dizer de Carlos

    Alberto Bittar3, compreendem aquelas referentes a atividades de produo,

    3 Carlos Alberto Bittar Direitos do Consumidor, n. 14, p. 28.

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    transformao, montagem, criao, construo, importao, exportao,

    distribuio ou comercializao de bens e prestao de servios, inclusive de

    natureza bancria, financeira, creditcia e securitria, excetuadas as de cunho

    trabalhista, e desenvolvidas por entidades privadas ou pblicas.

    Em sua obra Da incorporao imobiliria, Melhim

    Namem Chalhub observa que, apesar do regime especial de proteo do

    adquirente institudo pela Lei n 4.591/64, o CDC veio a equiparar, de forma

    indireta, o contrato de incorporao ao contrato de consumo, ao classificar o

    imvel como produto e incluir a construo e a comercializao de produtos

    entre as atividades que caracterizam a figura do fornecedor.4

    Parece no haver dvida de que a relao jurdica

    incorporativa, na maior parte das vezes, alcanada pelas normas do CPCon,

    principalmente quando o prprio Cdigo, no 1, do art. 3, faz meno ao

    objeto da relao de consumo - o produto - , que poder ser: qualquer bem,

    mvel ou imvel, material ou imaterial.

    Dissemos na maior parte das vezes porque, em algumas

    situaes, muito embora estejamos diante de uma relao jurdica

    incorporativa, no conseguimos delinear a relao jurdica de consumo. Essas

    situaes acontecem porque a relao jurdica de consumo somente

    reconhecvel em razo dos sujeitos que dela participam e luz de uma

    situao que, em comum, lhes diz respeito. Toda vez que pudermos identificar

    o consumidor hipossuficiente como destinatrio final do produto ou servio,

    estaremos diante de uma relao de consumo (art. 2 do CPCon), tendo o

    Cdigo do Consumidor equiparado aos consumidores todas as vtimas do

    evento, ainda que no tenham sido destinatrias finais (art. 17 do CPCon),

    todas as pessoas determinveis ou no, expostas s prticas nele previstas (art.

    4 Melhim Namem Chalhub, Da incorporao imobiliria, p. 290.

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    29 do CPCon) e a coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que

    haja intervindo na relao de consumo (pargrafo nico, do art. 2, CPCon).

    O que importante perceber que a relao jurdica de

    consumo no est afeta, exclusivamente, a uma situao objetiva, seno que

    envolve, tambm, uma direo subjetiva, determinvel pela ligao dos

    sujeitos a essa situao. No dizer de Antnio Hermen Benjamin, o tratamento

    dado pelo CPCon responsabilidade pelos acidentes e vcios do produto ou

    servio procurou superar, de uma vez por todas, a dicotomia clssica entre

    responsabilidade contratual e extracontratual, porquanto a responsabilidade

    civil do fornecedor deixa de ter por fundamento a relao contratual ou o fato

    ilcito para se materializar em razo da existncia de um outro tipo de vnculo:

    a relao jurdica de consumo, seja ela contratual ou no.5

    A relao jurdica incorporativa confunde-se com a relao

    jurdica de consumo toda a vez que o incorporador, no exerccio de sua

    atividade de produo - promover e realizar a construo de edificaes ou

    conjunto de edificaes compostas de unidades autnomas -, oferece (nos

    termos do art. 30 do CPCon, a oferta, desde que suficientemente precisa,

    obriga o incorporador, integrando o contrato que vier a ser celebrado) no

    mercado seu produto - bem imvel e material - e o aliena ao interessado em

    adquirir, como destinatrio final, o produto incorporvel - fraes ideais de

    terreno vinculadas a unidades autnomas, a serem construdas ou em

    construo, sob regime condominial.

    O que ir determinar a ligao dos sujeitos incorporativos

    situao jurdica de consumo ser a qualificao subjetiva de

    vulnerabilidade e a qualidade objetiva de destinatrio final ftico.

    5 Cf. Toshio Mukai ... [et al.] Comentrios ao Cdigo de Proteo a Consumidor, nota ao art. 12, p.

    44.

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    De qualquer modo, a relao incorporativa pode ser

    identificada com a relao transitiva de consumo. Transitiva porque a

    identificao dessas relaes jurdicas depende tanto da qualificao subjetiva

    do consumidor - que no possui o conhecimento especfico, prprio, do

    negcio, o que sem dvida o coloca em situao desvantajosa em relao ao

    incorporador - quanto da qualificao objetiva do adquirente, destinatrio

    final do bem incorporvel e responsvel pelo pagamento das parcelas do

    preo.

    O artigo 3, caput, apresenta o conceito de fornecedor

    como sendo toda pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, com ou sem

    personalidade jurdica (englobando os entes despersonalizados) que

    desenvolva atividades de produo, montagem, criao, construo,

    transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao de

    produtos ou prestao de servios.

    A partir desse conceito, podemos identificar o

    incorporador como sujeito da relao jurdica de consumo. Muito embora a

    norma no traga expressa referncia figura do incorporador, o conceito a

    referido de tal forma abrangente que tambm engloba o sujeito

    empreendedor da atividade incorporativa o qual, de certa forma, desenvolve

    quase todas as atividades descritas no art. 3, ou seja, realiza a produo das

    unidades condominiais, planeja a montagem da incorporao, cria o produto

    imobilirio, promove a transformao do bem imvel de modo a torn-lo

    atrativo comercializao, alm de ser potencialmente um prestador de

    servios, desenvolvendo e lanando o produto no mercado de consumo.6

    6 A srie de atos coordenados e unificados que constitui a atividade desenvolvida pelo incorporador,

    muito embora no esteja expressamente mencionada no art. 3, da Lei n 8.078/90, que define a configurao

    jurdica do "fornecedor", est, sem sombra de dvida, inserida dentro da sistemtica estabelecida pelo Cdigo

    do Consumidor, desde que presente a relao jurdica de consumo.

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    De fato, o incorporador, nos termos da LCI, pode ser

    pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangeira, que

    desenvolve atividade de produo, montagem, criao, construo e

    comercializao de unidades condominiais, quando proprietrio do imvel

    incorporvel. Quando no, o incorporador atua igualmente como prestador de

    servios, intermediando as negociaes entre os demais sujeitos

    incorporativos (dono do terreno, adquirentes, agente financeiro, construtora).

    Desenvolver atividade significa que o incorporador um

    profissional do ramo imobilirio, exercendo continuamente a sua atividade de

    maneira organizada, com o objetivo de comercializar as unidades

    condominiais. Diante disto, o incorporador constitui uma empresa, seja na

    condio de pessoa fsica ou jurdica, possuindo, para exercer sua atividade

    de maneira organizada, todo o conhecimento tcnico relativo sua rea de

    atuao, o que o qualifica como um profissional do ramo imobilirio e no

    desqualifica as obrigaes incorporativas como de resultado (as obrigaes de

    meio so peculiares queles que exercem certas atividades laborativas, v.g.,

    mdico, advogado).

    O CPCon refere-se a fornecedor como aquele que

    desenvolve atividade de produo, montagem, comercializao, etc. Ora,

    como bem denota Carlos Roberto Gonalves,7 a atividade no significa a

    pratica de atos isolados, mas a de atos continuados e habituais, o que

    caracteriza algum como produtor. Portanto, considerado fornecedor o

    incorporador, que exerce de maneira organizada a atividade de promoo e

    coordenao da construo para a alienao de unidades condominiais, como

    Esta norma do CPCon procura dar a maior abrangncia possvel para o conceito de "fornecedor", de

    maneira que todo aquele que provisione o mercado de consumo, de produtos ou servios, inclui-se no plo

    oposto ao do consumidor na relao jurdica de consumo (cf. Arruda Alvim [et al.], Cdigo do consumidor

    comentado, p. 17). 7 Carlos Roberto Gonalves Responsabilidade civil, n. 56, p. 268-70.

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    no fornecedor quem celebra um nico contrato de venda de seu

    apartamento ou casa.

    III Extenso dos conceitos de oferta e aceitao

    Entendida a relao jurdica incorporativa como integrante

    da sistemtica encontrada no Cdigo de Defesa do Consumidor, estenderemos

    nossos comentrios a alguns princpios merecedores de especial ateno,

    incidentes nas relaes jurdicas de consumo.

    O Cdigo de Defesa do Consumidor evidencia, no

    Captulo III, quais so os direitos bsicos do consumidor, distinguindo-se,

    dentre eles, os contemplados em dois incisos do art. 6.. Em primeiro lugar, o

    inc. IV assegura proteo contra a publicidade enganosa, alm de mencionar

    os mtodos comerciais coercitivos ou desleais. Importante destaque deve ser

    dado, neste passo, aos anncios das unidades condominiais, que devero

    conter as especificaes reais de metragem, bem como o cuidado que dever

    ser tomado na elaborao do memorial descritivo da incorporao,

    especialmente na parte que faz referncia especificao de materiais, muito

    comumente encartados na categoria dos similares.

    Vale ressaltar que o art. 32, 3., da Lei n 4.591/64 j

    previa o dever, por parte do incorporador, de indicar, nos anncios,

    impressos, publicaes, propostas, contratos preliminares ou definitivos, o

    nmero do registro realizado no registro de imveis ( 1.), in verbis:

    3. O nmero do registro referido no 1., bem

    como a indicao do cartrio competente, constar,

    obrigatoriamente, dos anncios, impressos, publicaes,

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    propostas, contratos, preliminares ou definitivos,

    referentes incorporao, salvo dos anncios

    classificados.

    Como o Cdigo do Consumidor no faz qualquer ressalva

    a respeito do tipo de anncio veiculado, classificado ou no, parece-nos que a

    exceo apontada na Lei n 4.591/64 no mais pode prevalecer.

    Mais do que as condies de contratao contidas no

    memorial de incorporao, toda informao prestada ao adquirente, verbal ou

    escrita, desde que suficientemente precisa, seja ela fornecida diretamente, por

    intermdio de material promocional (v.g., folhetos, reprints, propaganda etc.),

    seja atravs de prepostos ou representantes autnomos (v.g., empresa

    corretora), vincula o incorporador ao benefcio prometido, sujeitando-o ao

    sistema coercitivo estabelecido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor para

    obter-se o cumprimento da obrigao.

    O Cdigo de Defesa do Consumidor hoje consagra a

    responsabilidade pr-contratual, concedendo instrumentos de defesa contra o

    fornecedor de produtos ou servios que se recusa a cumprir a oferta (art. 35) e

    considera prtica abusiva recusar atendimento s demandas dos

    consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda,

    de conformidade com os usos e costumes (art. 39, inc. II).

    A lei de consumo d oferta e aceitao, desde que

    obedecidos certos requisitos, uma extenso maior do que aquela enunciada

    pelo CC/02 art. 429 (A oferta ao pblico equivale a proposta quando

    encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrrio resultar das

    circunstncias ou dos usos. Pargrafo nico. Pode revogar-se a oferta pela

    mesma via de sua divulgao, desde que ressalvada esta faculdade na oferta

    realizada.).

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    A propsito do princpio da vinculao contratual da oferta

    e at mesmo de uma simples mensagem publicitria, observa Antnio

    Junqueira de Azevedo que, apresentada a oferta, o fornecedor cria um direito

    potestativo para o consumidor; este pode aceitar, ou no, o negcio que se

    prope; o fornecedor est em pura situao de sujeio. Se houver aceitao

    pelo oblato, o contrato est concludo.8

    No que tange especificamente atividade da incorporao

    imobiliria, a regra do Cdigo de Defesa do Consumidor importa at mesmo

    na atribuio do status de promitente comprador quele que aceitou a oferta,

    como observa Marco Aurlio Bezerra de Melo:

    A regra do CPDC [arts. 30 e 35] vem completar a lei

    das incorporaes, de tal modo que, mesmo que o

    consumidor no averbe o contrato no Registro de Imveis,

    estar ele investido da condio de promitente comprador,

    com todos os direitos que essa espcie de contrato

    confere.9

    O lanamento da incorporao, aps o registro da documentao

    relacionada no art. 32 da Lei n 4.591/64, assume as feies de uma oferta ao

    pblico, que vincula o incorporador mesmo antes de ser efetivamente aceita

    pelo eventual interessado na aquisio. O incorporador est obrigado a

    respeitar os termos do memorial de incorporao, considerando-se que o

    mesmo integra, para todos os fins de direito, o contrato incorporativo que vier

    a ser celebrado (art. 30 da Lei n 8.078/90).

    8 Antnio Junqueira de Azevedo, Responsabilidade pr-contratual no Cdigo de Defesa do

    Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pr-contratual no Direito Comum, in Revista de

    Direito do Consumidor, Instituto Brasileiro de Poltica e Direito do Consumidor/Revista dos Tribunais, vol. 8,

    1996, p. 30. 9 Marco Aurlio Bezerra de Melo, Proteo do consumidor - fora vinculante da oferta na aquisio

    de lotes e unidades autnomas na incorporao imobiliria. In Carta Forense, n 47, abril/2007, p. 48.

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

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    O legislador buscou disciplinar, em prol do consumidor, o

    contedo da oferta, devendo ser ela correta, clara, precisa, ostensiva e

    inteligvel, sobre as caractersticas do produto ou servio, qualidade, preo,

    garantia, entre outros dados especficos a cada tipo de produto art. 31 do

    CDC. 10

    Realizada a oferta, esta vincula o ofertante, que dever satisfazer

    os termos desta, sob pena de se ver obrigado a cumpri-la de maneira

    coercitiva, podendo o consumidor, ainda, optar pela aceitao de outro

    produto ou prestao de servio equivalente ou resolver o contrato, com

    direito restituio de quantia eventualmente antecipada, com correo

    monetria, alm das perdas e danos, por desventura sofridas pelo mesmo.

    A lei permite ao consumidor, ainda, caso acione o fornecedor

    para exigir o cumprimento da oferta, optar entre diversas hipteses,

    escolhendo aquela que lhe parea mais vantajosa. Poder inclusive, se assim

    desejar, formular pedidos em ordem sucessiva (art. 84 do CDC), sendo que o

    consumidor pleitear o que deseja e, se no puder obter esse algo, far com

    que o juiz aprecie o outro pedido na mesma sentena, tendo negado o pedido

    precedente.

    Veiculada a oferta por intermdio de tcnicas publicitrias,

    expressas em jornais, revistas, panfletos etc., esta dever ser elaborada de tal

    forma que o adquirente fcil e imediatamente a identifique (art. 36 do CDC),

    integrando, da mesma forma que as negociaes preliminares, o contrato

    incorporativo, constituindo elemento preponderante no convencimento do

    comprador, motivando a venda de um determinado bem e exercendo decisiva

    influncia sobre o comportamento das pessoas, alterando ou reforando

    7 Cf. Arruda Alvim [et al.], Cdigo do consumidor comentado, p. 191-2.

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

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    valores e idias.11

    IV Pesquisa de mercado

    Refere-se a consulta eventualidade de se realizar

    pesquisa imobiliria mediante anncios antes do registro do memorial de

    incorporao.

    Trata-se de prtica que tem sido observada no mercado,

    ultimamente, que no se encontra regulamentada de maneira explcita.

    Em princpio, a prtica lcita para qualquer atividade;

    visa investigar as disponibilidades do mercado que se quer atingir e orientar

    o empresrio em relao ao produto, ao preo e demais elementos tpicos do

    negcio.

    Embora a prtica no esteja prevista na Lei 4.591/64, esse

    diploma legal permite ao incorporador realizar uma espcie de avaliao

    prvia do mercado.

    Trata-se de mecanismo denominado prazo de carncia e

    est disciplinado no art. 34 da Lei 4.591/64, limitado a seis meses, dentro do

    qual o incorporador poder fazer oferta pblica do empreendimento e, se

    8 Cf. Toshio Mukai, et al., op. cit., p. 158. Exemplificativamente, transcrevemos trecho do acrdo proferido pelo TACMG Ap. 192.134-8 rel. Salatiel Resende 30.11.1995, nos termos seguintes: As

    benfeitorias constantes de folheto publicitrio como parte integrante de conjunto arquitetnico, por serem

    capazes de exercer influncia decisiva no comportamento dos compradores, devem ser realizadas pela

    construtora, sob pena de se configurar propaganda enganosa, no se admitindo, para eximir-se do

    compromisso, a alegao de tratar-se de especificaes estranhas ao contrato (ADCOAS n. 8150495).

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

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    nesse perodo concluir pela inviabilidade econmica do empreendimento,

    poder desistir da realizao do empreendimento, restituindo queles que

    aderiram ao negcio as quantias que tiver recebido a ttulo de sinal e parcelas

    do preo.

    O prazo de carncia, entretanto, tambm pressupe o

    prvio registro do memorial de incorporao e tem prazo de validade de seis

    meses, a contar da data do registro.

    Em sua obra Da incorporao imobiliria, Melhim

    Namem Chalhub refere-se ao risco de inviabilidade econmico-financeira do

    futuro empreendimento e ao prazo de carncia como mecanismo de

    avaliao do mercado, observando: para resguardar o incorporador e os

    adquirentes desse risco de insucesso, a lei criou um mecanismo pelo qual o

    incorporador pode realizar uma avaliao prvia das condies de viabilidade

    econmico-financeira do negcio, uma espcie de consulta prvia, aps a

    qual decidir se ir, efetivamente, levar avante a incorporao ou se desistir

    (...). A denncia da incorporao, dentro do prazo de carncia, medida de

    avaliao da viabilidade do negcio, no contexto do mercado...12

    Respostas aos quesitos

    Formularam-se-nos os seguintes quesitos, os quais

    encontram-se, um a um, devidamente respondidos.

    12 Da incorporao imobiliria, cit., pp. 56-58.

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

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    1) possvel ao incorporador instalar e operar stand de vendas para o

    pblico consumidor mesmo sem proceder venda, apenas divulgando o

    produto, sem o registro da incorporao imobiliria?

    Em nosso sentir, a resposta negativa a esse quesito, ainda

    que ausente qualquer atividade negocial, pois a lei de incorporaes exige

    a divulgao do nmero do registro em todo o tipo de publicidade

    articulada, estando a englobada a veiculada no stand de vendas.

    Vale lembrar, ainda, o que antes dissemos quanto

    divulgao do produto atravs de prepostos ou representantes autnomos

    (v.g., empresa corretora), que vincular o incorporador ao benefcio

    prometido, sujeitando-o ao sistema coercitivo estabelecido pelo Cdigo de

    Defesa do Consumidor para a obteno do cumprimento da obrigao.

    2) possvel a incorporadora fazer reserva a qualquer ttulo, com

    recebimento de valores ou garantias (cheques) de clientes, sem o registro

    da incorporao imobiliria? E sem o recebimento de valores ou

    garantias (cheques)?

    A chamada reserva, com o recebimento de valores ou

    garantias constitui, na verdade, modalidade de contrato preliminar, hoje

    regulado nos arts. 462 e seguintes do CC/02, assim considerado aquele

    ajuste que, exceto quanto forma, contm todos os requisitos essenciais

    ao contrato a ser celebrado. Essa espcie de ajuste, a nosso ver, afronta o

    caput do art. 32 da Lei de Condomnio e Incorporao, que abrange toda

    a negciao relativa a unidades condominiais autnomas.

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

    16

    Desde que no contenha qualquer requisito essencial

    inerente ao futuro contrato a ser celebrado, como, por exemplo, a fixao

    ou o recebimento de valares ou garantias, a reserva no estar

    mascarando qualquer atuao negocial do incorporador, razo pela qual,

    a nosso ver, no constituir afronta ao caput do art. 32 da Lei de

    Condomnio e Incorporao.

    3) possvel ao incorporador veicular algum tipo de publicidade em

    jornais, televiso, tapume de obra, site, panfletos, folhetos, folder,

    outdoors, sem o registro da incorporao imobiliria?

    Como procurou-se demonstrar, a lei exige a divulgao do

    nmero do registro em anncios, impressos, publicaes da incorporao

    imobiliria, estando, a nosso ver, a englobada a veiculao de todo tipo

    de publicidade em jornais, televiso, tapumes de obra, site, panfletos,

    folhetos, folder, outdoors, razo pela qual entendemos que tal veiculao

    constituiria violao da norma do 3, do art. 32, da Lei n 4.591/64.

    Logo, no possvel ao incorporador veicular qualquer

    tipo de publicidade sem o registro da incorporao.

    4) Algumas incorporadoras tm distribudo folders com todas as

    informaes do empreendimento imobilirio ainda sem registro de

    incorporao, fazendo constar a seguinte observao: Este material

    destina-se a pesquisa imobiliria ou Este material destina-se a uso

    exclusivo dos corretores. Este procedimento legal? As incorporadoras

    que utilizam desse expediente esto constituindo reserva de mercado,

    em detrimento de outras, que participam do mercado com registros

    imobilirios?

    Em nosso sentir, a mera afirmao Este material destina-se a pesquisa

    imobiliria ou Este material destina-se a uso exclusivo dos

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

    17

    corretores no descaracteriza a natureza do material distribudo,

    verdadeiro anncio, impresso ou publicao atinente incorporao

    imobiliria, constituindo evidente afronta legislao posta. Esse

    procedimento, portanto, ilegal.

    Cumpre observar, no entanto, que, dentre as atividades exercidas pelo

    incorporador, no em sentido estrito, mas em sentido amplo,

    perfeitamente lcita a realizao de efetiva pesquisa de mercado,

    objetivando a avaliao da viabilidade econmica do empreendimento.

    Quando feita com lisura, a pesquisa de mercado mostra-se essencial ao

    sucesso do empreendimento, inclusive no que diz respeito escolha do

    produto mais adequado s exigncias contemporneas do mercado.

    A expresso reserva de mercado ambigua, pois comporta diversos

    significados, como, por exemplo, monoplio, dominao de mercado. A

    nosso ver, a ilegalidade dos expedientes, antes citados, aproximam a

    conduta descrita da concorrncia desleal e ofendem a livre iniciativa,

    protegida constitucionalmente, devendo, esses procedimentos, ser

    denunciados junto ao Poder Pblico.

    Destarte, as incorporadoras que utilizam desse expediente,

    alm de ofenderem a Lei de Condomnio e Incorporaes, agem em

    detrimento de outras empresas incorporadoras que atuam no mercado

    com o prvio registro do memorial de incorporao.

    5) possvel ao incorporador instalar placas ou totens em terrenos de sua

    propriedade, anunciando a implantao de futuro lanamento de

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

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    empreendimento imobilirio, sem o registro da incorporao, informando

    a tipologia e imagens do produto?

    Reiterando o que antes foi dito na resposta ao terceiro

    quesito deste parecer, a lei exige a divulgao do nmero do registro em

    anncios, impressos, publicaes da incorporao imobiliria, estando, a

    nosso ver, a englobados totens ou placas informadores da tipologia e

    imagens do produto, razo pela qual entendemos que tal veiculao

    constituiria violao da norma contida no 3, do art. 32, da Lei n

    4.591/64.

    Logo, no possvel ao incorporador instalar placas ou

    totens em terrenos de sua propriedade, anunciando a implantao de

    futuro lanamento de empreendimento imobilirio e informando a

    tipologia e imagens do produto sem que, antes, tenha sido registrado o

    memorial de incorporao.

    6) Em caso negativo, pode o incorporador instalar placa em terreno de sua

    propriedade, informando, apenas, a possibilidade de futuro lanamento

    sem qualquer identificao, tipologia ou imagens do produto a ser

    lanado naquele imvel, exemplificativamente com a seguinte mensagem:

    Aguarde breve lanamento imobilirio da Incorporadora X, telefone

    xxxx-xxxx ?

    Entendemos que, nessa hiptese, a situao mostra-se

    distinta das demais, pois, o recurso de marketing chamando a ateno

    para futuro empreendimento, sem qualquer vestgio de oferta, proposta

    ou condies negociais no afronta disposies da Lei de Condomnio e

    Incorporaes ou do Cdigo de Defesa do Consumidor.

  • EVERALDO AUGUSTO CAMBLER

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    7) Existe a possibilidade de se divulgar, por qualquer meio de comunicao,

    a venda de unidades imobilirias sem o registro da incorporao, com as

    frases futuro lanamento, pr-lanamento, aguarde lanamento,

    ou esclarecendo que o registro de incorporao est em andamento?

    Essa prtica constitui uma reserva legal de mercado?

    Como consta da resposta ao quarto quesito apresentado por

    V.Sas., entendemos que meras afirmaes como futuro lanamento,

    pr-lanamento, aguarde lanamento ou o esclarecimento de que o

    registro da incorporao est em andamento, no descaracteriza a

    natureza do material distribudo, verdadeiro anncio ou publicao

    atinente incorporao imobiliria, constituindo evidente afronta

    legislao posta.

    Essa prtica, assim como referido na resposta ao quarto

    quesito, nos parece ofensiva, no s Lei de Condomnio e Incorporao

    e ao Codigo de Defesa do Consumidor, mas tambm caracteriza conduta

    geradora de concorrncia desleal e atentatria livre iniciativa.

    Este o nosso parecer, s.m.j.

    So Paulo, 01 de julho de 2008

    EVERALDO AUGUSTO CAMBLER