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LICITAÇÃO – FRACIONAMENTO – LEGALIDADE CONDICIONADA À IMPREVISIBILIDADE DA DESPESA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA. (Nota 1) EMENTA: Licitação – Dispensa – Fracionamento de despesa. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: Arts. 23 e 24 da Lei nº 8.666/93. 1. Se as despesas forem previsíveis, mas ocorrer planejamento inadequado, ou seja, se a Administração tiver condições de prever a quantidade do objeto a ser utilizada no exercício financeiro, mas não o faz, será reputada ilegal, caracterizando fracionamento de despesa. A situação terá contornos diversos se vislumbrada sob o enfoque da nova posição esposada por Marçal Justen Filho, sendo possível e lícito, no seu entender, realizar as contratações conforme forem se concretizando as necessidades administrativas. 2. Se as despesas forem realmente imprevisíveis, o raciocínio será idêntico independentemente de qual postura dentre as duas expostas se adote: poderão ser realizadas várias contratações ao longo do exercício financeiro, considerando-se a despesa pertinente a cada qual, dada a total impossibilidade de exigir da Administração atuação diversa (no sentido de considerar as novas necessidades quando da contratação anterior). Não será obrigatório realizar licitação ainda que o somatório das despesas extrapole o limite da contratação direta. A Consulente informa que foi realizada uma licitação por itens em 2001, sendo compradas 36 fitas de videocassete VHS 120 minutos, no valor unitário de R$ 3,93. E que se fez necessária uma compra de mais 100 fitas. Em face disso, questiona se há algum impedimento legal para essa nova aquisição, via parcelamento de compras, como a falta de planejamento da Administração? Indaga, ainda, se o valor de dispensa do art. 24, II, que hoje é de R$ 8.000,00, engloba só as fitas de videocassete VHS 120 minutos ou abrange outros materiais constantes do mesmo procedimento licitatório, como fitas para filmadoras, entre outros materiais de escritório. Preliminarmente, é mister observar que, embora a presente consulta englobe dois questionamentos, esses serão abordados conjuntamente dada a sua estreita relação (fracionamento e bens de mesma natureza). A aferição da modalidade de licitação cabível e da possibilidade de realizar dispensa em razão do valor é tema extremamente controvertido. Vários critérios foram desenvolvidos pela doutrina especializada, no intuito de orientar a atuação administrativa: a identidade e a similaridade de objetos; a anualidade orçamentária; o elemento da despesa; a capacidade do particular que fornecerá o bem ou prestará o serviço. Esta consultoria, embora esteja repensando com cautela seu posicionamento, postula, atualmente, pela mescla entre a identidade e a similaridade de objetos e a anualidade orçamentária, até em vista dos entendimentos das Cortes de Contas, em regra mais rigorosos. Ao nosso ver, a Administração deverá identificar, dentro do que for previsível, os objetos de mesma natureza ou natureza similar a serem contratados ao longo do exercício financeiro, utilizando a modalidade pertinente ao somatório dos valores estimados; quando se estiver diante de contrato com possibilidade de prorrogação (art. 57, I, II e IV, da Lei nº 8.666/93), deve-se considerar todo o período de possível duração do contrato. Será possível dividir as contratações em tantas parcelas quantas forem econômica e tecnicamente viáveis, desde que respeitada a modalidade correspondente ao todo, nos termos do art. 23 da Lei e parágrafos. Nesse sentido é a Pergunta e Resposta veiculada no ILC nº 65, jul./99, p. 548. Com efeito, parece-nos ser esse o melhor entendimento, considerando o dever da Administração de prever e planejar seus gastos, aplicando os recursos públicos da melhor forma possível.

Parecer sobre fracionamento de compra Licitação

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LICITAÇÃO – FRACIONAMENTO – LEGALIDADE CONDICIONADA À IMPREVISIBILIDADE DA DESPESA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA. (Nota 1) EMENTA: Licitação – Dispensa – Fracionamento de despesa. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: Arts. 23 e 24 da Lei nº 8.666/93. 1. Se as despesas forem previsíveis, mas ocorrer planejamento inadequado, ou seja, se a Administração tiver condições de prever a quantidade do objeto a ser utilizada no exercício financeiro, mas não o faz, será reputada ilegal, caracterizando fracionamento de despesa. A situação terá contornos diversos se vislumbrada sob o enfoque da nova posição esposada por Marçal Justen Filho, sendo possível e lícito, no seu entender, realizar as contratações conforme forem se concretizando as necessidades administrativas. 2. Se as despesas forem realmente imprevisíveis, o raciocínio será idêntico independentemente de qual postura dentre as duas expostas se adote: poderão ser realizadas várias contratações ao longo do exercício financeiro, considerando-se a despesa pertinente a cada qual, dada a total impossibilidade de exigir da Administração atuação diversa (no sentido de considerar as novas necessidades quando da contratação anterior). Não será obrigatório realizar licitação ainda que o somatório das despesas extrapole o limite da contratação direta. A Consulente informa que foi realizada uma licitação por itens em 2001, sendo compradas 36 fitas de videocassete VHS 120 minutos, no valor unitário de R$ 3,93. E que se fez necessária uma compra de mais 100 fitas. Em face disso, questiona se há algum impedimento legal para essa nova aquisição, via parcelamento de compras, como a falta de planejamento da Administração? Indaga, ainda, se o valor de dispensa do art. 24, II, que hoje é de R$ 8.000,00, engloba só as fitas de videocassete VHS 120 minutos ou abrange outros materiais constantes do mesmo procedimento licitatório, como fitas para filmadoras, entre outros materiais de escritório. Preliminarmente, é mister observar que, embora a presente consulta englobe dois questionamentos, esses serão abordados conjuntamente dada a sua estreita relação (fracionamento e bens de mesma natureza). A aferição da modalidade de licitação cabível e da possibilidade de realizar dispensa em razão do valor é tema extremamente controvertido. Vários critérios foram desenvolvidos pela doutrina especializada, no intuito de orientar a atuação administrativa: a identidade e a similaridade de objetos; a anualidade orçamentária; o elemento da despesa; a capacidade do particular que fornecerá o bem ou prestará o serviço. Esta consultoria, embora esteja repensando com cautela seu posicionamento, postula, atualmente, pela mescla entre a identidade e a similaridade de objetos e a anualidade orçamentária, até em vista dos entendimentos das Cortes de Contas, em regra mais rigorosos. Ao nosso ver, a Administração deverá identificar, dentro do que for previsível, os objetos de mesma natureza ou natureza similar a serem contratados ao longo do exercício financeiro, utilizando a modalidade pertinente ao somatório dos valores estimados; quando se estiver diante de contrato com possibilidade de prorrogação (art. 57, I, II e IV, da Lei nº 8.666/93), deve-se considerar todo o período de possível duração do contrato. Será possível dividir as contratações em tantas parcelas quantas forem econômica e tecnicamente viáveis, desde que respeitada a modalidade correspondente ao todo, nos termos do art. 23 da Lei e parágrafos. Nesse sentido é a Pergunta e Resposta veiculada no ILC nº 65, jul./99, p. 548. Com efeito, parece-nos ser esse o melhor entendimento, considerando o dever da Administração de prever e planejar seus gastos, aplicando os recursos públicos da melhor forma possível.

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Anote-se que, por "natureza" dos bens e serviços, para fins de verificar a similaridade, deve-se entender espécie de um gênero. Exemplificando: sabão, detergente e desinfetante não são idênticos entre si, mas guardam fortes traços de similaridade, pois são todos do gênero "materiais de limpeza". Sobre a utilização da modalidade pertinente ao total, Carlos Ari Sundfeld escreve: "Com isso objetiva-se sobretudo evitar que, por meio do fracionamento do objeto a ser licitado e conseqüente abertura de múltiplas licitações, acabe-se utilizando modalidade licitatória mais singela, em detrimento da competitividade, embora o porte econômico das várias parcelas exigisse, se enfeixada em um único contrato, modalidade mais ampla".(Nota 2) Observe-se que a preservação do princípio da moralidade é, explicitamente, a base do comentário acima. Observe-se, ainda, que ele tem total cabimento para fundamentar a adoção da tese esposada por esta Consultoria, acima delineada: é necessário que se preserve a competitividade e se busque a fiel aplicação da Lei de Licitações, obrigando que se eleja a modalidade e afira a possibilidade de dispensa considerando todos os objetos cuja necessidade seja previsível durante o respectivo lapso temporal (exercício orçamentário ou provável duração do contrato). Do contrário, chegar-se-ia ao cúmulo de admitir-se a realização, basicamente, de convites e dispensas de licitação fundadas no incisos I e II do art. 24. Contudo, Marçal Justen Filho, rechaçando todos os critérios inicialmente indicados nesta consulta, em posição totalmente inovadora, escreve: "Com o maior respeito, não me parece que essa solução seja extraível do texto normativo. Está a se adotar uma interpretação que não encontra suporte na Lei. O entendimento defendido nesta obra é diverso. As posições acima indicadas, das quais (respeitosamente) se discorda, conduzem à exacerbação do princípio da globalização da despesa. Acarretam o dever de considerar conjuntamente despesas que são distintas e autônomas. É verdade que a Lei não proíbe que se considerem em conjunto contratações distintas, a fim de determinar o regime jurídico aplicável à sua contratação. Ou seja, a interpretação ora combatida não conduz a atos inválidos. A questão, porém, não é essa. O problema não está em se avaliar se é proibido somar todas as despesas de um exercício para escolher a modalidade de licitação em face do valor global. O núcleo da controvérsia reside em determinar se tal é obrigatório. Sempre será possível realizar concorrência em hipóteses em que é obrigatório o convite (ou, mesmo, em casos de dispensa em virtude do valor irrisório da contratação – opinião nem sempre compartilhada pelos especialistas). O que se afirma é que a solução preconizada nas interpretações ora combatidas transforma uma faculdade em um dever. Tais interpretações, levadas às últimas conseqüências, conduziriam à quase inutilidade de caracterização de hipóteses de dispensa previstas no art. 24, incs. I e (especialmente) II. Mais ainda, todos os casos acabariam sendo enquadrados como de concorrência. Ora, essa não é a vontade legislativa. Em suma: deve excluir-se a alternativa que conduza à institucionalização da concorrência e que possa impossibilitar em termos absolutos a dispensa, o convite e a tomada de preços. Logo, essas alternativas devem ser prestigiadas tanto quanto a concorrência".(Nota 3) Ainda: "Como decorrência, parece-me que a Lei não impõe a solução que tem sido difundida. A Administração dispõe da faculdade de programar suas contratações e de tratá-las autonomamente, respeitados limites muito menos rigorosos do que se tem admitido. Não é possível tratar objetos semelhantes como parcelas de uma única contratação. Ainda quando a natureza dos objetos for a mesma se as contratações não puderem ser realizadas conjunta e concomitantemente, não haverá o dever de somatório. Assim, por exemplo, não haveria sentido em a Administração realizar uma única contratação para comprar todo o material de expediente necessário para o seu consumo durante o exercício inteiro. Não vejo fundamento para, não obstante realizar cinco ou dez licitações diversas ao longo do tempo, ser a Administração compelida a escolher a modalidade a partir do valor global dos desembolsos".(Nota 4)

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De todo o complexo raciocínio desenvolvido pelo renomado jurista, extrai-se, afinal, a conclusão de que, no seu entender, seriam três as regras para eleição da modalidade e aferição do cabimento da dispensa pelo valor: 1ª - parcelas de uma determinada contratação que forme um todo devem ser consideradas conjuntamente; 2ª - bens de natureza similar e que devam ser executados no mesmo local e conjunta e concomitantemente devem ter seus valores somados; 3ª - parcelas específicas do todo e parcelas que devam ser executadas em locais diversos autorizam tomar como parâmetro seus valores isolados. Para o autor, a necessidade da Administração deve ser avaliada momentaneamente, culminando em contratações autônomas, a serem, conseqüentemente, autonomamente consideradas.(Nota 5) Em qualquer caso – adotando-se a linha de raciocínio desta Consultoria ou a do doutrinador mencionado –, a imprevisibilidade dos fatos ocorridos subseqüentemente à licitação ou à contratação direta por dispensa em razão do valor autoriza a realização de outra contratação direta sob tal fundamento ou de licitação em modalidade mais restrita que a utilizada para a contratação anterior. Nesse sentido, certeiras são as palavras do jurista quando escreve que "Não há como estabelecer o dever de prever o imprevisível, nem de tratar conjuntamente dois contratos quando nem se podia imaginar a existência de um deles".(Nota 6) Assim, por exemplo, realizada uma tomada de preços em momento anterior, uma ocorrência imprevisível autorizará a realização de um convite ou uma dispensa em razão do valor, conforme o caso. Em outras palavras, não haverá obrigatoriedade de considerar o valor pertinente ao total (contrato anterior + despesas oriundas das necessidades surgidas posteriormente), ainda que se trate de objeto de mesma natureza. Isso posto, veja-se: a) Se as despesas forem previsíveis, mas ocorrer planejamento inadequado, ou seja, se a Administração tiver condições de prever a quantidade do objeto a ser utilizada no exercício financeiro, a realização de várias dispensas em razão do valor (art. 24, I e II), por exemplo, será reputada ilegal, caracterizando fracionamento de despesa. De igual forma caracterizará fracionamento indevido a adoção de modalidade inferior àquela aplicável ao somatório das despesas realizadas em momentos distintos, mas dentro do mesmo exercício orçamentário. A situação terá contornos diversos se vislumbrada sob o enfoque da nova posição esposada por Marçal Justen Filho, sendo possível e lícito, no seu entender, realizar as contratações conforme forem se concretizando as necessidades administrativas. b) Se as despesas forem realmente (e comprovadamente) imprevisíveis, o raciocínio será idêntico independentemente de qual postura dentre as duas expostas se adote: poderão ser realizadas várias contratações ao longo do exercício financeiro, considerando-se a despesa pertinente a cada um, dada a total impossibilidade de exigir da Administração atuação diversa (no sentido de considerar as novas necessidades quando da contratação anterior). Não será obrigatório realizar licitação ainda que o somatório das despesas extrapole o limite da contratação direta, bem como poderá ser adotada a modalidade aplicável a cada uma das contratações isoladamente consideradas. Portanto, se no caso concreto as despesas eram previsíveis, ou seja, se de antemão a Administração tinha condições de prever que haveria necessidade de mais 100 fitas (talvez mais, pois não se sabe se essas atenderiam às necessidades da Administração até o fim do ano, que está apenas na metade) nesse mesmo exercício financeiro impõe-se o somatório(Nota 7) dos quantitativos para fins de definição da modalidade licitatória. Assim, por exemplo, se a soma da quantidade de fitas resultar em um convite, já tendo sido empregada tal modalidade para a primeira aquisição, para essa nova contratação deverá, de igual forma, ser

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adotado o convite, ainda que essa aquisição isoladamente considerada não ultrapasse o limite da dispensa.(Nota 8) Por derradeiro, no que tange ao somatório das fitas com os outros itens que integraram a mesma licitação, como visto acima, deve-se apenas considerar os de mesma natureza, ou seja, as fitas para filmadoras, não havendo necessidade de considerar os materiais de escritório. Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Consultoria Zênite, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente. -------------------------------------------------------------------------------- (Nota 1) Orientação jurídica a consulta formulada por assinante do ILC cuja identificação foi propositadamente omitida, elaborada pela Consultoria Zênite. (Nota 2) Carlos Ari Sundfeld, Licitação e contrato administrativo, 2ª ed., 1994, p. 67. (Nota 3) Marçal Justen Filho, Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 7ª ed., p. 216. (Nota 4) Marçal Justen Filho, Ob. cit., p. 219. (Nota 5) Essa informação não se encontra expressa na obra mencionada e foi obtida através de contato pessoal com o autor. (Nota 6) Marçal Justen Filho, Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 7ª ed., p. 220. (Nota 7) Importante destacar novamente que nesse somatório devem ser computados todos os bens de mesma natureza e não apenas as fitas de videocassete. (Nota 8) Note-se que na presente consulta partiu-se da premissa de que o contrato relativo à primeira aquisição não se encontra mais em vigor, razão pela qual não foram tecidos comentários sobre acréscimo contratual, com fundamento no art. 65, I, "b", e § 1º. Até mesmo porque o percentual de 25% estabelecido na Lei como limite máximo para acréscimos e supressões não seria bastante para atender à demanda atual da Administração, que é muito mais que 100% (277%) da quantidade inicialmente contratada.