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1 PARECER TÉCNICO Referente a análise do Relatório de Impacto Ambiental sobre Usina de Produção de Gusa, tendo como proponente a empresa EBX Siderurgia Ltda., elaborado pela empresa CAL Consultoria Ambiental Ltda. Corumbá (MS) Abril - 2006

PARECER TÉCNICO - Ecoa | Em defesa da vidariosvivos.org.br/arquivos/628736443.pdf · 3 II. Avaliação Técnica 1. Aspectos Gerais - Caracterização do Empreendimento O empreendimento

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PARECER TÉCNICO

Referente a análise do Relatório de

Impacto Ambiental sobre Usina de

Produção de Gusa, tendo como

proponente a empresa EBX Siderurgia

Ltda., elaborado pela empresa CAL

Consultoria Ambiental Ltda.

Corumbá (MS) Abril - 2006

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Parecer Técnico referente ao RIMA do empreendimento denominado EBX Siderurgia Ltda., elaborado pela CAL Consultoria Ambiental Ltda.

I. Introdução

Este parecer técnico atende ao Ofício 103/06-GAB/2º. PJCC, de 27 de

março de 2006, da parte da Promotoria do Meio Ambiente de Mato Grosso do

Sul, solicitado pelo Exmo. Promotor de Justiça, Dr. Ricardo de Melo Alves

(anexo- Anexo 1). Para tanto, a Embrapa Pantanal designou técnicos

especializados para elaborar o parecer solicitado, a saber:

Titulação / Nome Formação Área de Atuação Dra. Débora F. Calheiros Bióloga Ecotoxicologia

Limnologia

Dra. Suzana Ma. de Salis Bióloga Ecologia Vegetal Dra. Guilherme de M. Mourão Biólogo Ecologia Animal MSc. Aldalgiza Ines Campolin Pedagoga Sociologia Rural MSc. Walfrido M. Tomás Veterinário Gestão de Biodiversidade MSc. Balbina M.A. Soriano Meteorologista Climatologia

Dr. Fábio Galvani Químico Química

Seguem abaixo as observações sobre os itens que foram passíveis de

análise, levando-se em conta a experiência da equipe, a não possibilidade de

acesso ao estudo completo (EIA) e ao tempo exíguo para sua avaliação.

3

II. Avaliação Técnica 1. Aspectos Gerais - Caracterização do Empreendimento

O empreendimento consiste em uma Usina de Produção de Ferro Gusa,

com geração prevista de cerca de 375.000 t/ano, a ser localizada no município

de Corumbá/MS, tendo como proponente a EBX Siderurgia Ltda.

O processo de licenciamento ambiental está sob responsabilidade do

IMAP - Instituto de Meio Ambiente Pantanal/SEMA que recebeu atribuição do

IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

para esta competência, conforme documentação anexada (Anexos do RIMA,

Capítulo 1).

O local previsto para a instalação da referida usina insere-se na

denominada Zona de Processamento de Exportação (ZPE), criada pelo

Decreto 997, de 30/11/1993 (Anexos do RIMA, Capítulo 2). Ainda segundo

consta no RIMA, o local previsto para a instalação do empreendimento seria

classificado como Pólo Siderúrgico de Corumbá, contudo apenas menciona tal

documento (Tabela 2.5, pág. 2-5), sem apresentar documentação

comprobatória. Quanto à categorização da área como ZPE, a mesma só

entraria em funcionamento após o “alfandegamento” da respectiva área pela

Secretaria da Receita Federal, observado o projeto do Conselho Nacional de

Zonas de Processamento de Exportação (CZPE, em seu Art. 2º). Entretanto,

também não é apresentada documentação comprobatória sobre a efetivação

do processo de “alfandegamento”.

Outra questão não devidamente esclarecida refere-se à origem do

carvão vegetal a ser utilizado como fonte de energia que, segundo o

documento, será adquirido por fornecedores devidamente licenciados,

localizados no Brasil e na Bolívia (págs. 2-1, 2-21 e 3-5). O mesmo se dá em

relação aos materiais fundentes (calcário e quartzito), que seriam fornecidos

por fontes locais de abastecimento já existentes e em operação corrente.

Entretanto, tais fornecedores não são citados, em especial os fornecedores de

4

carvão vegetal, para que se possa avaliá-los em termos de co-responsabilidade

em relação aos cuidados com o meio ambiente e o cumprimento da legislação.

No item 2.4.1 (pág. 2-19), consta como necessário para o funcionamento da

siderurgia 202.838 t/ano de carvão granulado e de 14.165 t/ano de carvão

pulverizado. No entanto, o relatório não menciona, por exemplo, quanto carvão

licenciado o Estado do Mato Grosso do Sul e/ou a Bolívia já produzem por ano

para se poder avaliar se há possibilidade de atender à demanda do novo

empreendimento sem incentivar o desmatamento de áreas com vegetação

nativa, tanto no Brasil quanto na Bolívia. Deve-se ressaltar que, recentemente,

duas siderúrgicas da região foram multadas pelo IBAMA por uso de carvão

proveniente de desmatamento ilegal (Anexo 2), sendo que o Mato Grosso do

Sul tem se apresentado como um eixo de produção de carvão e que o próprio

órgão (com base em Portaria do IBAMA) está questionando a exportação de

carvão vegetal feito a partir de vegetação nativa (Anexo 3).

Corumbá foi classificada no RIMA em questão como um pólo “Bom” a

“Excelente”, quanto ao fator “Carvão”, no “ranqueamento” comparativo com

outras áreas de siderurgia do país, sendo um empreendimento considerado

como muito favorável devido à possibilidade de haver fornecimento via “floresta

plantada própria” (pág. 2-4, Tabela 2.4). Contudo, o documento não menciona

a área total de silvicultura e nem sua localização no Brasil ou na Bolívia.

Também não há menção quanto a esta “floresta própria” já estar sendo

plantada, nem qual seria a produção estimada para se comparar com as

necessidades do empreendimento (cerca de 217 mil t/ano, pág. 2-19).

Na Tabela 2.4 (pág. 2-4), o fator logística foi considerado como de

“Razoável” a “Excelente”, tendo como justificativa a “proximidade de ferrovia

com operação eficiente”. No entanto, são notórios os problemas relacionados à

falta de manutenção da Ferrovia Novoeste, com vários acidentes registrados

em toda a linha, como os ocorridos recentemente (Anexo 4) por

descarrilamentos devido à falta de manutenção dos dormentes. Assim, a

análise do empreendedor mostra-se equivocada ao considerar o Pólo Corumbá

como “excelente” para a instalação do empreendimento, quanto aos fatores em

5

questão, a curto e médio prazos, já que se refere ao “primeiro ciclo de colheita

da floresta plantada” e ao “re-aparelhamento da ferrovia existente”. Refere-se,

inclusive, à região como sendo a que conduz à melhor relação de

competitividade, entre as regiões que já detêm Pólos produtores de gusa de

mercado no Brasil (pág. 2-4).

O documento não menciona outro problema de logística, relacionado ao

modal hidrovia. Na fase de seca do rio Paraguai na região (outubro-dezembro)

há dificuldades no transporte fluvial, prejudicando os embarques e a entrega

dos produtos, pois não se consegue transportar as quantidades programadas.

Outro fator importante e, contudo, também não aventado, é a possibilidade de

retorno de um ciclo de anos mais secos, como o ocorrido na década de 60, em

que as secas foram bem expressivas e associadas a cheias pouco expressivas

(Figura 1). Em ambos os casos, a logística hidroviária ficaria extremamente

comprometida. Cabe lembrar que desde 1998, há indicativos do

comportamento hidrológico de que este processo poderia estar voltando a

ocorrer (Galdino1, 2006 comunicação pessoal).

A cronologia dos eventos relacionados à exploração das ocorrências

minerais na região foi apresentada (pág. 2-5, Tabela 2.5). De fato, a extração

mineral (a lavra) é histórica na região, já a industrialização é mais recente sem

que haja monitoramento regular das emissões de particulados e outros

compostos, uma vez que o Estado de Mato Grosso do Sul não tem um órgão

fiscalizador para esse tipo de indústrias, como a CETESB-SP e FEEMA-RJ. O

RIMA afirma que a área destinada a antiga ZPE tem “forte apelo” e “vocação

industrial” (pág. 2-6). No entanto, embora o Decreto de sua criação date de

1993, esta área ainda não foi licenciada para tal fim, conforme prevê a Política

Nacional do Meio Ambiente (Lei N° 6.938, de 31 de agosto de 1981) e o

Estatuto das Cidades (Lei Nº 10.257, de 10 de Julho de 2001, Art. 41), pois o

município de Corumbá ainda não tem o seu Plano Diretor, o qual está em fase

de elaboração.

1 Sérgio Galdino. Pesquisador da área de Hidrologia da Embrapa Pantanal. E-mail: [email protected].

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1960-61

1970-71

1980-81

1990-91

2000-01

ANO HIDROLÓGICO

NÍV

EL (m

)

MínimoMédioMáximo

Figura 1 - Níveis do rio Paraguai, na régua limnimétrica de Ladário (MS), de 1900 a 2005, com os valores máximos, mínimos e médios. Fonte: Serviço de Sinalização Náutica D’Oeste, VI Distrito Naval-Marinha do Brasil, adaptado por Galdino2, dados não publicados.

Segundo o Estatuto das Cidades: “Art. 41. O plano diretor é obrigatório

para cidades:

I - com mais de vinte mil habitantes; II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal; IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico; V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. § 1º No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas...” A área prevista para a instalação do empreendimento apresenta, na

verdade, de uma área com forte vocação agrícola, pois apresenta solos férteis

excelentes do tipo Chernossolo (= Brunizém Avermelhado) associado a solos

2 Sérgio Galdino. Pesquisador da área de Hidrologia Embrapa Pantanal. E-mail: [email protected].

7

do tipo Cambissolo Eutrófico (Spera et al., 1997). No mapa temático (Anexos,

do RIMA Capítulo 4-Mapas Temáticos) consta erroneamente a ocorrência de

Argissolo ao invés de Chernossolo. No texto do RIMA (pág. 4-147) é

comentado apenas a existência do Cambissolo, solo que tem alguma restrição

em relação à mecanização agrícola. Atualmente, estes solos férteis aliados à

presença de fonte de água potável (córrego Piraputangas) possibilitam que 17

famílias se mantenham na região somente com o cultivo da terra e criação de

pequenos animais sem auxílio formal do governo.

A Lei Estadual 6.803/80 (pág. 3-3 do RIMA) afirma que “... as zonas

destinadas à instalação de indústrias sejam definidas em esquema de

zoneamento urbano, aprovado por lei, que compatibilize as atividades

industriais com a proteção ambiental”. Além disso, a mesma lei classifica as

zonas industriais. No caso da região de Maria Coelho, local de instalação do

empreendimento, a classificação recairia na categoria “Zonas de uso

diversificado”, às quais se destinam “à localização de estabelecimentos

industriais, cujo processo produtivo seja complementar das atividades do meio

urbano ou rural que se situem, e com elas se compatibilizem,

independentemente do uso de métodos especiais de controle de poluição, não

ocasionando, em qualquer caso, inconvenientes à saúde, ao bem-estar e à

segurança das populações vizinhas”. Mais uma vez constata-se, porém, que a

falta do zoneamento urbano (Plano Diretor) em Corumbá e a falta da

categorização do tipo de zona industrial a ser projetada para a área em

questão, inviabiliza legalmente sua indicação com a área/distrito industrial ou

ZPE. Isso compromete a análise apresentada pelo RIMA no que se refere à

qualificação da área para indústrias.

Em relação ao termo de doação da área, no documento assinado pelo

governador e anexado ao RIMA, consta que a área foi doada visando a criação

de 500 empregos diretos. No entanto, a EBX informa que serão criados apenas

238 empregos, sendo 60 trabalhadores terceirizados, o que totaliza somente

178 empregos diretos (Tabela 2.18, pág. 2-27), em notório desacordo com o

objetivo da doação.

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2. Avaliação Ambiental

1a. Flora São mencionadas somente algumas das principais espécies observadas

na área do empreendimento, com nomenclatura desatualizada (p. ex: Tabebuia

avellanedae e Anadenanthera macrocarpa) evidenciando pouca atenção da

equipe que realizou o levantamento florístico. São apresentados poucos dados

sobre a vegetação no RIMA, não possibilitando uma avaliação mais detalhada,

já que o EIA não foi disponibilizado para análise. No entanto, cabe destacar

que o RIMA deixou de mencionar (Item 4.3.1, pág. 4-75) a ocorrência da

palmeira bocaiúva (Acrocomia aculeata), espécie abundante na área do

empreendimento e culturalmente importante para a região, cuja polpa é retirada

por algumas mulheres da comunidade de Antonio Maria Coelho para confecção

da farinha vendida no mercado local de Corumbá (Brasil, 2002; Galvani et al.,

2005; Salis & Juracy, 2005).

O RIMA não cita a ocorrência de espécies endêmicas até agora

identificadas na região, em especial na área alta do município de Corumbá.

Entre estas espécies estão a Aspillia grazielae dos campos de altitude e a

Gomphrena centrota das bancadas lateríticas. Também não cita a ocorrência

de Sideroxylon (= Bumelia) obtusifolium, listada como ameaçada de extinção

no Brasil pelo IBAMA.

1b. Fauna

De um modo geral o levantamento da fauna (Item 4.3.2 Págs. 4-78 a 4-

94) está deficiente e não foi realizado detalhadamente na região do

empreendimento. Não se pode considerar, então, que: “... os resultados obtidos

neste levantamento, permitem considerar que a metodologia empregada na

coleta de dados foi adequada para acessar parte da composição faunística das

comunidades vegetais estudadas.” (pág. 4-94).

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Também não há especificação de requerimentos de habitats para

espécies indicadoras nem para espécies raras, endêmicas ou ameaçadas que

possam existir na área sob impacto direto e indireto do empreendimento. Nada

foi citado sobre ictiofauna das áreas próximas ao empreendimento, como as

áreas inundáveis do Pantanal a menos de 2 km do local da instalação da

indústria. Nada foi feito ou citado sobre qualidade da água nos mananciais,

incluindo características limnológicas ou níveis de contaminação basais (linha

de base) destes habitats, os quais podem ser alterados pelo empreendimento

ou suas emissões. Estas informações são importantes para uma análise de

riscos à biodiversidade.

Muitos erros foram detectados, sugerindo que a equipe é pouco

experiente em relação à biogeografia regional, e que realizou os trabalhos de

forma no mínimo descuidada. A seguir estão algumas informações que

embasam tal afirmação:

• Item 4.3.2.2.1 - Mastofauna

Página 4-87: Identificação errada de Callithrix argentata melanura,

citado como Cebus apella, a partir de uma foto de animal atropelado.

Página 4-90: Rastro de anta (Tapirus terrestris), identificado como de

capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) (ver Lima Borges & Tomás, 2004), a

partir de uma foto; crânio identificado como de Cebus apella, mas aparentando

ser de Aotus azarae.

Página 4-91: Veado catingueiro (Mazama gouazoubira), identificado a

partir de foto como M. americana (veado mateiro).

• Avifauna – Item 4.3.2.2.3

Páginas de 4-91 a 4-93. A revisão de aves ocorrentes na área de

estudo, ou potencialmente ocorrentes, está muito pobre, negligenciando a

10

existência de espécies endêmicas da região (pelo menos duas espécies do

gênero Pyrhura).

Espécies citadas como endêmicas do Cerrado erroneamente, já que

todas elas ocorrem em mais de um ecossistema. O termo Bioma está aplicado

de forma equivocada.

• Herpetofauna – Item 4.3.2.2.4

Dados obtidos por meio de entrevistas relatam espécies inexistentes na

região, como Eunectes murinus (anaconda da Amazônia e outras regiões do

Brasil). As observações diretas também apresentam falhas, citando espécies

inexistentes como jacaré-tinga (Caiman crocodilus), que é espécie amazônica.

A ocorrência de Bothrops alternatus é questionável para a região.

1c. Recursos Hídricos

Na caracterização climática da região apresentada no documento

analisado (pág. 4-24 do RIMA) que é a base de dados para a interpretação em

várias análises realizadas, há erros importantes que devem ser corrigidos: as

normais climatológicas utilizadas para a caracterização do comportamento

médio dos parâmetros meteorológicos referem-se ao período de 1961 a 1990

(Brasil, 1992), e não a “... 1975 e 1990 (INMET, 1992)”. A Figura 4.11 (pág

4.26) reporta, na verdade, os valores da variação mensal da precipitação de

Campo Grande e não de Corumbá, como mencionado na legenda (pág 4-26) e

o mesmo engano se repete na página 4-48.

No item sobre Água Potável e Industrial (Item 2.7.3, pág. 2-25), é citado

que a água necessária para o funcionamento da siderurgia (cerca de 2.000

m3/h, Tabela 2.16) será obtida por meio de seis poços artesianos instalados no

local do empreendimento a poucos metros do córrego Piraputangas.

Calculando-se para valores diários, seriam necessários 48.000 m3/dia, um valor

muito expressivo. Como comparação, para se ter uma idéia da magnitude da

demanda de água prevista para a operação da Usina, no abastecimento

11

urbano do Município de Corumbá a empresa de saneamento local, SANESUL,

faz uso de 1.440 m3/h (Urt3, 2006 comunicação pessoal). Ou seja, a demanda

prevista para atender o empreendimento é maior do que a demanda de uma

cidade de cerca de 100.000 mil habitantes. Entretanto, o relatório afirma (pág.

2-25) que dos 2.000 m3/h apenas 40 m3/h seriam necessários para reposição

das perdas por evaporação, o que implica que os demais 1.860 m3/h seriam

reaproveitados em processo de recirculação, conforme cálculo do balanço

hídrico. Contudo os cálculos apresentados estão incorretos (pág. 2-25). Se faz

necessário, então, realizar e/ou conferir os cálculos de balanço hídrico por meio

de auxílio técnico especializado, pois a partir destes determinou-se o valor de

apenas 40 m3/h para reposição. Além disso, esse valor deve variar de acordo

com a época do ano, em períodos em que há maior evaporação.

Para o cálculo de infiltração foram utilizados valores de

evapotranspiração e não de evaporação, e os valores médios de temperatura e

precipitação dos últimos dez anos (pág. 2-40). O valor de temperatura utilizado

(28,4oC) foi muito alto para a média anual de 25,1oC do período 1961-1990,

segundo Soriano (1997), quanto ao valor de chuva (1.137 mm/ano), foi bem

próximo da média da normal climatológica 1961-1990 que é 1.118,0 mm/ano.

Contudo, seria mais acertado o uso de dados com base numa série histórica

maior, ao invés de apenas a média dos últimos dez anos, e, como dito acima,

levar em consideração eventos/períodos extremos.

Não foram realizados estudos prévios sobre a determinação da

capacidade hídrica subterrânea na área, capaz de garantir o fornecimento da

vazão requerida, mesmo em época de seca, e sem prejuízo aos outros

usuários tanto na área de Influência Direta (AID - de 1.000 a 2.600 m; pág. 4-

2), quanto na Indireta (AII – de 2.600 a 5.000 m; pág. 4-2). Além disso, se faz

necessário o licenciamento prévio para perfuração de poços artesianos junto

ao órgão competente, no caso a Gerência de Controle Ambiental da

SEMA/IMAP, o qual não está anexado ao RIMA.

3 Marco Aurélio Urt - Técnico da SANESUL. Telefone: (67) 3231-4133/ 3231-4333

12

Quanto a fontes de água superficiais, o próprio RIMA (pág. 4-63) aponta

que não há dados de vazão do córrego Piraputangas. As águas desse córrego

foram consideradas potáveis, segundo resultado de apenas três análises

coletadas em uma única data (pág. 4-14), embora para se afirmar isso, seriam

necessárias uma freqüência maior de coletas. Os valores de Turbidez

apresentados na tabela da página 4-14, se expressos na unidade NTU (não

informada), estão elevados quando comparados aos dados da Embrapa

Pantanal, coletados no mesmo córrego em 19/10/2005, em três pontos à

jusante do empreendimento. Nessas coletas foram obtidos valores entre 2,1 a

14,5 NTU em condições de não alteração por chuva. Em condições de chuva

ou pós-chuva, o córrego em questão sofre alta variação como fruto da

alteração provocada pela grande quantidade de material particulado

proveniente de áreas à montante: pátio das mineradoras e pátio de embarque

de minério, bem como de vias não pavimentadas.

No documento sob análise (apenas o RIMA e não o EIA completo) há

ainda referência a apenas uma sondagem prévia sobre quantidade e qualidade

da água subterrânea (pá. 4-13) e ainda realizada em “período de estiagem”.

Não houve instalação de linígrafos no período de maior precipitação para

determinação da altura máxima do lençol freático em toda a área do

empreendimento e entorno. Assim, com base na referência DZ-1313 (Item 7.1)

mencionada no próprio documento (pág. 2-39), a cota mais baixa do fundo dos

dois aterros industriais previstos (págs. 2-39 a 2-42) deveria ser no mínimo

2,00 m acima da cota mais alta do lençol freático determinada para o regime de

máxima precipitação. Assim, não se pode determinar a cota mais alta sem

estudos hidrológicos completos na área do empreendimento. Além disso, a

determinação de que a “distância do fundo do aterro ao topo do lençol seja

maior que 1,5 m” (págs. 2-40 e 2-42), pode não ser adequada já que o

recomendado é no mínimo 2,00 m e os estudos apresentados no RIMA não

são consistentes.

Estão previstos dois aterros industriais de 48 x 48 m, com área média da

camada de 2.272 m2 e altura da camada de rejeitos de 7 m, a receber 35.000

13

t/ano, ou seja, dois aterros de grandes dimensões (pág. 2-40). Contudo, nas

páginas 4-13 e 4-64, no Capítulo sobre Diagnóstico Ambiental, menciona-se

que o lençol freático na área do empreendimento é baixo, devido à influência

do Córrego Piraputangas e à baixa permeabilidade do solo. Assim, a água de

chuva percolada na pilha de rejeitos previstos (descrito como material da

classe IIA – Não perigosos / não inertes, pág. 2-39 do RIMA) tem alto

potencial de atingir o lençol freático contaminando-o, devido à sua posição

superficial e à possibilidade, que nunca deve ser descartada, de ocorrência de

acidentes. Uma falha grave deste documento é a não descrição detalhada da

composição química dos referidos rejeitos para que se pudesse corroborar sua

classificação.

Não fica claro também porque, para os cálculos referentes ao

dimensionamento dos tanques de concreto (40.000 L cada) que receberão a

água percolada no aterro industrial da área de estocagem da “Escória

Granulada de Alto-Forno” e da área de estocagem do “Pó Balão” e “Lama do

Espessador” (sem novamente mencionar a possível composição desses

resíduos), foram utilizadas as médias anuais dos valores de evapotranspiração

ao invés de dados de evaporação. Seria mais acertado o uso de dados com

base numa série histórica maior, ao invés de apenas a média dos últimos dez

anos. Neste caso dever-se-ia utilizar os valores máximos de precipitação e/ou

a média dos meses de maior precipitação, bem como valores mínimos de

temperatura nos meses mais chuvosos, para garantir uma maior segurança

nos cálculos do nível de saturação de água na pilha de rejeitos, da vazão de

saída de cada pilha de rejeitos e, por conseguinte, do dimensionamento de tais

tanques. Eventos/períodos extremos de precipitação x tempo de precipitação

devem, portanto, ser levados em consideração.

Acidentes relacionados à falha no dimensionamento de tanques de

contenção sempre ocorrem, justamente pelo desconhecimento da magnitude

de possíveis eventos críticos e da previsão sobre o período de recorrência dos

mesmos. Há o exemplo do acidente de grandes proporções ocorrido

recentemente (Anexo 5), onde houve o rompimento do(s) tanque(s) de

14

contenção da Mineradora Rio Pomba (MG), com gravíssimas conseqüências

ambientais.

Na página 3-12 há a menção quanto a um tratamento da água que

percola na área das pilhas de rejeitos, e que é recolhida por meio de um

sistema coletor que permita a retenção de toda a água residual de percolação

em um tanque de concreto de 40.000 L. Contudo, no documento, não é citado

nenhum sistema de tratamento dessas águas residuais nem sua composição,

como atesta a frase na pág. 2-40 do RIMA: “Este líquido inicialmente será

analisado para determinar seus constituintes, podendo, posteriormente, ser

utilizado para resfriamento da escória onde será evaporado”. Exceto ao se

reportarem a procedimentos de limpeza periódica e esgotamento do tanque, 1

vez a cada 4 dias no período de máxima intensidade de chuva, com

possibilidade de recirculação da água (pág. 2-42), mas sem maiores detalhes

sobre qual será o destino do material esgotado e qual a qualidade dessa água

a ser reaproveitada. O mesmo ocorre quanto à água de refrigeração do Forno,

Timpas e Ventaneiras e do Sistema de Limpeza de Gases (SLG), a qual será,

segundo o documento, re-utilizada em todos esses processos. No entanto, não

citam a alteração da composição da água ao lavar/resfriar todos esses

sistemas, nem o que se faz com o tratamento da “lama” gerada e qual sua

classificação como resíduo. Apenas na Tabela 5.7 (pág. 5-21) é que se

consegue a informação de que na operação dos mini alto-fornos (MAF) o

sistema SLG irá gerar resíduos altamente perigosos (Classe I- perigosos para destinação final): cianeto, fenóis e amônia, sem informar a magnitude das

concentração que esses contaminantes seriam produzidos, os cuidados

necessários quanto às medidas de armazenamento, tratamento, destino e

segurança na manipulação de tais resíduos de extrema toxicidade (Anexos 6, 7

e 8). Deve-se ressaltar que os cianetos apresentam incompatibilidade a calor e

umidade gerando fumaça tóxica (Anexo 6).

É mencionado (pág. 6-14) que haverá terceirização para o tratamento

dos efluentes gerados no sistema SLG, contudo não há menção quanto aos

cuidados de manuseio e estocagem prévia do efluente bruto. Provavelmente

15

será necessário um outro aterro industrial, para armazenamento antes do

transporte desses resíduos para tratamento pela empresa contrata para tal. No

caso de acidente e vazamento desses resíduos para o ambiente, o risco de

contaminar os mananciais tanto superficiais quanto subterrâneos é alto. Em

meio líquido (pH abaixo de 7,0 como o observado no córrego Piraputangas,

pág. 4-14) há a formação de gás cianídrico, letal a seres humanos e com potencial carcinogênico, mutagênico e tóxico ao sistema reprodutor dos animais (Anexo 6). No caso dos resíduos de fenol e amônia a toxicidade para

a vida aquática é bem conhecida, sendo a amônia considerada como muito tóxica para a vida aquática, peixes em especial, e o fenol como tóxico para a vida aquática, e ambos causam severos danos à saúde humana se

inalados, ingerido ou absorvido pela pele (Anexos 7 e 8).

O relatório apresenta dados da vazão e precipitação do rio Paraguai na

área das estações de São Francisco e Porto Murtinho, muito distantes da área

do empreendimento, respectivamente bem à montante e bem à jusante (pág. 4-

62 a 4-63). A área de efeitos diretos e indiretos do empreendimento é drenada

para a baía do Jacadigo, em região próxima e à jusante da área urbana de

Corumbá e Ladário. A estação mais apropriada para comparações, ao menos

quanto a níveis limnimétricos, seria a estação de Porto Esperança localizada

pouco mais a jusante.

Como visto, o córrego Piraputangas não dispõe de sistemas de

determinação de nível e vazão. Assim, o documento apresenta falha grave ao

correlacionar a vazão do rio Paraguai com a de um córrego, embora admitam

que tal estimativa é extremamente grosseira (pág. 4-63).

A oferta de água proveniente do uso do aqüífero profundo, do lençol

freático e das águas superficiais deve ser avaliada, incluindo as áreas de

recarga, pois com o aumento da extração de minério nas morrarias do entorno,

as nascentes já estão sendo afetadas segundo relato de moradores da região,

categorizando conflito de uso do recurso hídrico antes mesmo da instalação de

empreendimentos industriais. Segundo o documento (pág. 4-64), na área do

16

empreendimento a recarga do aqüífero ocorre por meio das chuvas sazonais e

pelo aporte da água da Serra do Urucum, mas não especifica os locais.

Tais estudos deveriam ser realizados antes de qualquer possível

instalação industrial e/ou outras concessões de licenças de ampliação das

atividades mineradoras, pois o aumento da demanda na ordem de

requerimento desses tipos de empreendimentos tem potencial para ultrapassar

a possibilidade de oferta tanto dos recursos hídricos superficiais quanto

subterrâneos, em especial na época de seca. Cabe salientar que alguns

moradores da região já se queixam da diminuição da oferta de água, sendo,

portanto, infundada a informação do referido RIMA (págs. 4-64 e 4-137) quanto

à inexistência de conflitos e incompleta quanto a presença de propriedades à

jusante do empreendimento, por exemplo outro balneário (Menck). É

importante ressaltar que as áreas AID e a AII abrangem as principais áreas de

lazer da região: os balneários de piscinas naturais, muito apreciados pela

população local pelas águas límpidas e de temperatura agradável, capazes de

amenizar o forte calor característico do período entre setembro e março. Na

página 4-137 do RIMA sob análise, no item 4.4.2.11 das Condições de Lazer

da região, faz-se extensa menção sobre a importância dos balneários para o

lazer da população local.

A Lei de Recursos Hídricos (9.433/97) garante o pleno direito ao uso da

água, baseado no princípio dos “usos múltiplos”, ou seja, todos os usos devem

ser garantidos sem prejuízo dos demais. Desta forma, salienta-se a importância

da estimativa do potencial hídrico da região, avaliando-se as demandas atuais

e futuras, para que o recurso água seja distribuído de forma equânime e sem

prejudicar os usuários já estabelecidos e os serviços da natureza, garantindo a

manutenção dos seus processos ecológicos.

Cabe ressaltar que o os córregos que nascem nas morrarias da parte

alta (área não inundável formando uma península na planície do Pantanal: ver

figuras 2 e 3) são as únicas fontes de água potável próximas das cidades de

Corumbá e Ladário, além do rio Paraguai e seu uso tem sido compartilhado

17

pela população rural há muito tempo para diversas atividades, incluindo

abastecimento de assentamentos do Incra. Este compartilhamento pode ser

seriamente afetado por atividades que comprometam a quantidade e qualidade

de água potável na parte alta de Corumbá.

A área de influência direta do empreendimento foi considerada dentro de

um raio de 2.600 m onde entram áreas de nascentes do córrego Piraputangas

e de áreas inundáveis do Pantanal (Item 4.1.2, pág. 4-1). Estas áreas são

extremamente sensíveis a qualquer forma de poluição que possa ser drenada

(o sentido do relevo, pág. 4-23, leva qualquer escoamento para o Pantanal) ou

emanada do empreendimento (os ventos predominantes também levam para a

área de inundação no Pantanal, pág. 5-16), alcançando a Lagoa do Jacadigo.

Já na página 4-12, item 4.2.1.3 referente à Hidrogeologia, afirma-se que

o córrego está fora do limite do terreno da EBX, mas na verdade o Córrego

Piraputangas faz o limite sul do empreendimento, estando, portanto, sob

influencia direta do empreendimento.

1d. Ar

As estimativas de emissões atmosféricas de material particulado ou

Partículas Totais em Suspensão (PTS) geradas na etapa de operação da Usina

(Item 2.11, Tabela 2.21, pág. 2-36) vão desde 0,28 g/s a 1,73 g/s, o que

equivale ao lançamento de 24 kg/dia a 149 kg/dia ou de 8 t/ano a 54t/ano.

Estes valores são muito expressivos, pois são as emissões já controladas pelo

uso de filtros. Todavia, tais estimativas só se reportam a PTS, não sendo

calculadas estimativas para os demais compostos potencialmente emitidos,

frutos da queima de carvão e do processamento do ferro a ferro gusa. As

emissões previstas de SO2, NOx e fluoretos deveriam ter sido calculadas,

assim como as de metais pesados potencialmente emitidos como chumbo e

cádmio, outros metais como cobre e zinco, além do arsênico. No processo de

queima há a formação de óxidos destes compostos, tornando-os altamente

tóxicos e poluentes (Accioly et al., 2000; Muñoz, 2002). Também não foi levado

18

em consideração, o potencial de formação de ozônio na atmosfera, poluente

com alto grau de toxidez.

No entanto, ao menos os óxidos de nitrogênio são citados como agente

poluente a serem emitidos pelo empreendimento, no item Impactos na

Qualidade do Ar (Item 5.2.3.1; Tabela 5.6, pág. 5-19), que se refere às Medidas

Mitigadoras Intrínsecas / Fontes Potencialmente Poluidoras da Qualidade do

Ar. Nesta tabela os óxidos de nitrogênio são previstos para serem emitidos

quando do uso do Gás de Alto Forno (GAF) em processos de queima e

aquecimento, sem apresentar medida mitigável na fonte, ou seja, haverá

formação e emissão deste resíduo.

Do mesmo modo, o documento só apresenta resultados do modelo

matemático de dispersão para os valores de concentração de PTS (pág. 5-14).

Embora todos os demais compostos têm potencial de danificar culturas

agrícolas e, o mais importante, afetar a saúde dos moradores da área de

influência direta, em especial, e indireta, de acordo com a dispersão dos

poluentes. Como área de influência direta e indireta, incluem as comunidades

de Maria Coelho, Mato Grande, assentamento “Grito por uma terra”, fazendas e

sítios, bem como o Parque Natural Piraputangas e a área de Pantanal do

entorno e, na ocorrência de vento sul (frentes frias no inverno), tem potencial

de atingir também as áreas urbanas de Corumbá e Ladário. Já que o

empreendimento localiza-se ao sul da área urbana.

Os cálculos sobre a capacidade natural de dispersão da região foram

baseados no uso da série de dados de apenas um ano (2004) da estação

meteorológica da Aeronáutica localizada no bairro do Aeroporto em Corumbá

(pág. 4-29). Como será discutido em detalhes no item seguinte, a estação

Aeroporto localiza-se em ambiente muito diverso das condições do local do

empreendimento, em especial quanto ao regime de ventos, caracterizando-se

como um microclima diferenciado, embora sem estudos comprobatórios,

contrariando o documento (pág. 4-29), que afirma que a estação está “situada

na área de estudo”. Desta forma, os resultados obtidos em relação à

19

estabilidade atmosférica não são confiáveis, por não apresentarem

significância científica. Segundo o próprio documento “a qualidade do ar é

função das características das fontes de emissão, da quantidade e tipos de

poluentes emitidos e das situações microclimáticas, que atuam diretamente nos

mecanismos de dispersão atmosférica, podendo agravar ou atenuar as

concentrações de poluentes do ar numa determinada região” (pág. 4-28).

Concluiu-se “que as condições de dispersão naquela área podem ser

consideradas satisfatórias”, uma vez que as classes de maior estabilidade,

“classes E e F (estável e extremamente estável), responsáveis por condições

adversas de diluição de contaminantes do ar, apresentaram freqüências de

ocorrência de cerca de apenas 7% e 4%, respectivamente”.

Na verdade, estudos mais detalhados (ao menos de um ano) poderiam

ter sido realizados para melhor embasar as previsões, com possibilidade de

comparação/ajuste do modelo com os dados de ambas as estações locais

(Aeroporto e INMET).

Menciona-se no RIMA a Resolução CONAMA 05/89, que institui o

Programa Nacional de Qualidade do Ar, com classificação das áreas em

termos de usos pretendidos, em Classe I, II e III. No caso da área de Maria

Coelho, a Classe I se aplicaria, pois a área compreende: “áreas de

preservação, lazer, turismo, tais como Parques Nacionais e Estaduais,

Reservas e Estações Biológicas, Estâncias Hidrominerais e Hidrotermais.

Nestas áreas deverá ser mantida a qualidade do ar em nível mais próximo

possível do verificado sem a intervenção antropogênica” (pág. 3-7). Assim, a

instalação do empreendimento na região pode ser questionada, pois para se

conhecer de fato a qualidade do ar sem intervenção humana, medidas “branco”

ou de “base” estas devem ser determinadas de forma cientificamente

significativa na área do empreendimento.

Segundo a Resolução CONAMA 03/90 (pág. 3-8), o monitoramento da

qualidade do ar é atribuição dos Estados e em caso do Estado não deferir as

áreas de Classe I, II e III mencionadas na Resolução 05/89, como é o caso do

20

Mato Grosso do Sul, serão adotados os padrões primários de qualidade do ar

estabelecidos na 03/90 e que são menos restritivos (Tabela 4.4, pág. 4-39).

• Monitoramento do Material Particulado

Os dados sobre concentração de material particulado no ar (Partículas

Totais em Suspensão - PTS), obtidos junto à Urucum Mineração S.A. (pág. 4-

43), são referentes a um período de 2 anos e 9 meses (01/02/2002 a

30/11/2004, pág. 4-47), porém realizada em apenas três pontos (pág. 4-44, Fig.

4-22). Contudo, não foi informado no RIMA o método de amostragem e de

análise em relação à freqüência de amostragem, ou seja, se foram diárias,

semanais, quinzenais ou mensais, bem como o horário de coleta e a duração

do monitoramento.

Ao se analisar os resultados de PTS e a localização dos pontos de

amostragem apresentados, eles parecem ser indicativos, na verdade, dos

níveis relacionados a uma possível influência da fábrica de cimento Itaú e da

siderúrgica Ferro Ligas, pois dois desses pontos de coleta localizam-se em

áreas próximas às duas fábricas e à rodovia, uma via asfaltada e de tráfego

relativamente intenso (HV-2), e à uma área com bastante vegetação, atrás do

morro (HV-3) (pág. 4-44, Fig. 4.22). No caso do terceiro ponto, denominado

“Estrada para Ladário“ (HV-1, fig. 4.22 do RIMA), na verdade, trata-se de uma

área próxima à rodovia e à uma via de acesso que liga a BR 262 à área urbana

de Ladário, em frente da empresa Ferro Ligas, ambas asfaltadas. Portanto, não

condizente com o afirmado no documento: “... essa estação de monitoramento

está localizada às margens de uma via não pavimentada, sujeita, portanto, a

emissões de poeira do solo provocadas pelo tráfego de veículos” (pág. 4-50).

Os padrões primários de qualidade do ar do CONAMA (os quais, uma

vez ultrapassados, poderão afetar a saúde da população) (Tabela 4.4, pág. 4-

39) determinam: 80 µg/m3 por ano para MGA (média geométrica anual) e 240

µg/m3 para 24 h. Como estes dados são mensais, o melhor,é comparar com o

padrão anual e não com o de 24 h. Desta forma, os três pontos monitorados

21

apresentaram valores acima do padrão anual em praticamente todos os meses

de 2002 (fig. 4.27, pág. 4-49), em especial nos meses mais secos (maio-

outubro). No ano de 2003 (fig. 4.28, pág. 4-49), o mesmo pode ser observado

para os meses de junho a dezembro (exceto para o ponto Ladário (HV-1) em

nov./03 e Vitória Régia (HV-3) em dez./03; no mês de abril de 2003 os três

pontos excederam o limite anual e nos meses de fevereiro e março, apenas

Ladário apresentou valores menores. No ano de 2004 os valores foram

menores (a maioria abaixo de 200 µg/m3) (fig. 4.29, pág. 4-49), refletindo

alguma mudança de operação das referidas indústrias ou instalação de algum

dispositivo de filtração.

Na Tabela 4.8 onde se apresenta a concentração anual de Partículas

Totais em Suspensão e o número de vezes em que houve ultrapassagens do

padrão, há a informação de que os valores no Ponto Previsul teriam

ultrapassado o padrão 63 vezes, o que evidencia, na verdade, um sério

problema de saúde pública já em ocorrência. O próprio documento afirma: ”...

Quanto às concentrações de 24 horas, ocorreram violações ao padrão durante

todo o período monitorado, nas três estações.” (pág. 4-47). O ponto localizado

no bairro Previsul (HV-2) apresentou os valores mais elevados nos anos de

2002-03, provavelmente devido à predominância dos ventos de leste para

oeste, sem o anteparo de proteção dos morros, recebendo a pluma de

transporte de poluentes emitidos pela siderúrgica Ferro Ligas e talvez também

pela cimenteira, tendo apresentado valores acima dos padrões anuais e diários

na maioria dos meses amostrados (em especial nos meses de seca). No ano

de 2004, o mesmo ocorreu em relação ao padrão anual, mas não no diário

(Figs. 4.27 a 4.29, pág. 4-49).

Assim, a afirmação constante na página 4-57 do RIMA em relação ao

comprometimento da área urbana de Corumbá por PTS: “... Entretanto, é

bastante evidente que a principal fonte de contaminação é o grande número de

vias não pavimentadas da região”, não apresenta base científica, uma vez que

a localização dos pontos de amostragem não dá base para esta afirmação.

22

São apresentados ainda (Tabela 4.10, pág. 4-51) dados de

concentração de PTS na Estação Escola Castro Alves (Fig. 4.24), próxima à

via férrea na Estação Maria Coelho, medidos pela Mineração Corumbaense

S.A. de 01/07/2004 a 03/05/2005. Os resultados não apresentam valores acima

do padrão da média anual ou diário, variando apenas entre 42,3 a 4,9 µg/m3.

Os resultados parecem evidenciar que, embora a Escola seja próxima a área

de embarque e transporte de minério, os valores de PTS estão abaixo da

norma estabelecida.

• Monitoramento de Gases Poluentes

As análises para a determinação da concentração dos gases

regulamentados pela Resolução CONAMA 03/90 de qualidade do ar (SO2, NO2

e O3), via metodologia de tubos passivos, foram feitas em 20 pontos bem

distribuídos na área urbana das duas cidades, exceto nos bairros mais ao sul

de Corumbá onde não foram localizados pontos de amostragem (Fig. 4.24,

pág. 4-46). Porém não é citado o tempo de amostragem em que os filtros

ficaram expostos, nem em que horário do dia ou em que épocas do ano as

medidas foram realizadas, se na época de seca ou de chuva, nem se foram em

dias de semana e/ou em finais de semana e feriados (quando as atividades

diminuem) nem se foram dias intercalados ou seguidos. Portanto, sem essas

informações, não se tem base científica para afirmar que (Pág. 4-57): “... Com

relação aos gases regulamentados pela resolução CONAMA 03/90, as

concentrações medidas apontam que a região de Corumbá não apresenta

qualquer comprometimento da qualidade do ar quanto aos poluentes SO2, NOx

e O3”.

Pelo menos em relação ao ozônio, gás extremamente tóxico quando

formado na camada atmosférica passível de ser inalado, os valores

apresentados não condizem com a realidade do período de seca na região,

quando queimadas são uma constante. Recentes medições realizadas por

meio de um analisador contínuo de O3 (na semana de 24 de agosto de 2005)

23

instalado no campus da UFMS-CEUC, apresentaram variações de 40-70 ppb

(Lacerda4, dados não publicados). Os valores obtidos pela empresa de

consultoria foram extremamente baixos (abaixo de 5,0 ppb ou 10 µg/m3) (Fig.

4.34, pág. 4-56 do RIMA). Cabe lembrar que o padrão para 1 hora é de 80 ppb

ou 160 µg/m3 (Tabela 4.4, pág. 4-39). Os valores de 40 ppb foram obtidos à

noite, quando não há formação de O3 (formado na atmosfera a partir de óxidos

de nitrogênio - NOx sob radiação solar), ou seja mesmo à noite as

concentrações são elevadas. Portanto, a afirmação constante também na

página 4-56: “... Os resultados obtidos para as concentrações de ozônio nas

várias localidades amostradas indicam valores muito pouco representativos

para esse poluente no sentido de comprometer a qualidade do ar”, ou ainda na

página 4-57 “... O Ozônio é o poluente... de acordo com as concentrações

determinadas pelo monitoramento, a região não apresenta, no momento,

qualquer comprometimento com a formação destes.”, não poderiam ter sido

feitas, pois não apresentam, conseqüentemente, base científica.

Outros possíveis compostos, como CO, fumaças e partículas inaláveis,

também passíveis de serem emitidos por sistemas de combustão à carvão, não

foram em nenhum momento discutidos, apesar de constarem na Resolução

CONAMA 03/90 (Tabela 4.4, pág. 4-39)

Ressalta-se que nas tabelas 4.13 e 4.15 as concentrações estão

expressas em mg/m3, e os padrões em µg/m3, o que confunde o leitor leigo que

é o alvo principal na elaboração de um RIMA. Neste caso assumiu-se como

erro de impressão, considerando os valores obtidos em µg/m3.

A análise da composição química do material particulado foi realizada

em uma única estação de amostragem (Tabela 4.9, pág. 4-50), não sendo

informado onde tais análises foram realizadas e nem o limite de detecção do

método para cada elemento. Todavia, também não há informações detalhadas

sobre o método e sobre o período e freqüência de amostragem. Ferro e

Manganês não podem ser considerados metais pesados, no que se refere a 4 Moacir Lacerda. Prof. Dr. em Física da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]

24

efeitos toxicológicos. Nesta tabela constam os valores de concentração de ferro

no ar (Fe= 1,34 µg/m3) como a mais elevada. Contudo, não se poderia afirmar

no documento em sua página 4-50: “... Embora tal concentração seja muito

pouco significativa, demonstra, mais uma vez, que a grande fonte de emissão

de material particulado é representada pelas vias não pavimentadas da região,

onde o minério de ferro recobre grande parte delas.” Tal afirmação também não

apresenta base científica uma vez que a amostragem foi realizada em apenas

um local, não representando obviamente um espaço amostral que englobe toda

a área urbana. Este local, inclusive, fica ao lado da Rua Senador Paulino Lopes

uma rua sem asfalto, recoberta por minério de ferro e com intenso tráfego de

caminhões pesados carregados de minério de ferro e manganês para a área de

embarque fluvial de minério da empresa Urucum Mineração (Fig. 4.24).

Em relação aos padrões de emissão para instalação de novas fontes de

combustão externa, segundo Resolução CONAMA 08/90 (Tabela 4.6; pág. 4-

41), as áreas de instalação de empreendimentos poluidores são classificadas

como: Classe I (Preservação), nestas áreas fica proibida qualquer atividade

econômica que gere poluição do ar, ou seja, são áreas a serem

atmosfericamente preservadas (Unidades de Conservação com exceção das

APAs); e Classe I (Conservação), áreas a serem atmosfericamente

conservadas (lazer, turismo, estâncias climáticas, hidrominerais e

hidrotermais), além das Classes II e III, menos exigentes. Desta forma, o fato

da região de Maria Coelho apresentar uma Unidade de Conservação (Parque

Natural Piraputangas) bem como estabelecimentos de lazer e turismo em áreas

contíguas a do empreendimento, determina sua classificação,

incoerentemente, em ambas as Classes I. Isso dificulta a decisão sobre qual

padrão de emissão dever-se-ia basear, no caso do empreendimento sob

análise (<70 MW), já que se pode indicar desde a proibição total de atividade

econômica que gere poluição do ar ou padrões de 120 a 2.000 g/MKcal para

emissão de partículas totais e dióxido de enxofre, respectivamente, além do

padrão para fumaça (Ringelmann no.1). Contudo, devido à falta de dados sobre

as emissões de fumaça e SO2, não há meios de conferir em qual das Classes

as emissões da Usina recairiam.

25

O potencial de poluição atmosférica gerado pelo empreendimento não

pôde ser avaliado com precisão, uma vez que houve falhas e omissões nos

cálculos e previsões apresentados, embora houvesse meios de fazê-lo. Não se

pôde avaliar, portanto, se as estimativas estão ou não em acordo com os níveis

estabelecidos na Resolução CONAMA 03/90 nem garantir que a operação da

Usina não venha a “tornar o ar: impróprio, nocivo ou ofensivo à saúde,

inconveniente ao bem estar público, danoso aos materiais, à fauna e flora,

prejudicial ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da

comunidade”, de acordo com a referida Resolução (pág. 4-35).

3. Avaliação de Impactos Segundo o RIMA em análise, na operação da usina serão gerados

emissões atmosféricas, efluentes líquidos e resíduos sólidos (pág. 2-35). Mais

adiante mencionam como subprodutos apenas a escória e os gases de

processo (pág. 3-12). Contudo, em nenhum momento mencionam a

composição química completa de todos os subprodutos/resíduos, efluentes e

emissões potencialmente gerados.

Também há informações contraditórias no RIMA em relação a produção

anual de escória de alto-forno, na página 2-19, figura 2.9 consta como 60.000

t/ano enquanto que na pág. 3-12, 35.000 t/ano para os dois fornos.

Não fica claro, entretanto, se o destino da escória produzida será o

aterro industrial a ser construído ou se o processo de aproveitamento para a

construção civil, na mistura com o cimento, será também utilizado (págs. 2-38 e

3-12). Em ambos os casos, mas especialmente no caso da utilização pela

fábrica de cimento, necessitar-se-ia de uma listagem completa de todos os

possíveis compostos químicos componentes desta escória e suas respectivas

concentrações para que se pudesse ter controle da composição final deste

cimento, evitando contaminação de operários e moradores das futuras

construções, como base para se autorizar/licenciar tal co-processamento.

Evidencia-se uma falha grave em relação a informação sobre a

composição química dos efluentes líquidos a serem gerados (Tabela 5.7, pág.

26

5-21), pois no Relatório sob análise não houve nenhuma menção anterior ao

fato da operação da Usina gerar agentes poluentes altamente perigosos como

cianeto, fenóis e amônia provenientes do sistema de limpeza de gases na

operação dos mini alto-fornos, nem em relação a possível concentração de

cada um desses compostos no efluente final. Como medida mitigadora

intrínseca eles colocam apenas a “recirculação da água de lavagem”. Contudo,

não esclarece quais serão os procedimentos quanto aos resíduos

contaminados com esses compostos altamente perigosos, capazes de causar

intoxicações agudas com evidentes riscos à saúde e ao meio ambiente,

incluindo a possibilidade de óbitos (Anexo 6).

• Resultados de simulações de material particulado em suspensão

Simulações- A simulação sobre dispersão de poluentes no ar (pág. 5-14)

apresentada no RIMA afirma representar o incremento de poluentes no ar nos

níveis de concentração observados numa região. Contudo, eles apresentam

apenas simulações referentes “às concentrações máximas e médias de

Partículas Totais em Suspensão, que podem vir a ocorrer ao nível do solo na

região” (pág. 5-14). Os demais poluentes passíveis de serem lançados em

emissões da Usina foram omitidos da discussão. Além disso, toda simulação

precisa apresentar margens de erros (desvio padrão, erro padrão, intervalo de

confiança, etc) para os valores obtidos e neste ponto o RIMA é omisso. Sem

margem de erro fica impossível averiguar a precisão das previsões sobre

concentração e dispersão dos poluentes e assim julgar se são adequadas e

confiáveis.

As simulações apresentadas baseiam-se em valores considerados no

RIMA como representativos da região do empreendimento, e foram obtidos na

estação climatológica do Aeroporto de Corumbá, apenas no ano de 2004. Uma

boa simulação, ou uma boa modelagem, depende da representatividade dos

dados em que se baseia. Desta forma, quanto maior a base e a qualidade da

massa de dados mais significativos será o resultado da modelagem. Este tipo

de extrapolação de dados de uma área para outra, bem diferentes em termos

27

de microclima, não pode ser considerada representativa, pois o

empreendimento localiza-se no sopé de montanhas de mais de 1.000 metros,

relativamente distantes do citado aeroporto e atrás de uma outra cadeia de

morros mais baixos que margeia a maior parte da área urbana de Corumbá,

localizada entre esses morros e o rio Paraguai. Estes aspectos com certeza

influenciam bastante o clima e o padrão de ventos em Maria Coelho, local do

empreendimento, diferentemente do que ocorre no Aeroporto. Além disso, o

uso de dados coletados em apenas um ano é inconsistente em uma região na

qual a variação climática observada indica que as chuvas, por exemplo, podem

ser de 650,2 a 1.510 mm por ano (Soriano, 1997) e em 2004 as chuvas ficaram

abaixo do esperado 34%, isto é, 964,7 mm contra o esperado 1.118,2 mm.

Quanto aos ventos, ao longo do ano há variação extrema de ventos em função

das estações do ano, o que não foi incorporado nos modelos, que se basearam

em valores médios e, portanto, incompletos, ainda mais em regiões em que os

valores climáticos são extremos.

Assim, pelo exposto acima, não há bases científicas para se afirmar

(pág. 5-18): “... Assim sendo, face aos resultados apresentados, conclui-se que

a operação da EBX não ocasionará impactos significativos na qualidade do ar

de sua área de influência, não comprometendo dessa forma a região de

entorno”. O mesmo se pode assinalar quanto à afirmação (pág. 5-27): “Os

testes e simulações realizados em relação à emissão de poluentes

atmosféricos mostraram a ausência de risco de contaminação da população ou

do meio ambiente. Trata-se portanto de um empreendimento cujos impactos

negativos sobre o meio ambiente são pequenos e que deverá adotar medidas

para evitá-los, minimizá-los e compensá-los.”

Ainda no que se refere aos resultados de dispersão, não foi considerado

que a direção preponderante da dispersão dos poluentes é sobre o sistema

inundável da baía do Jacadigo, que se inicia a menos de 2 km do

empreendimento (Figuras 5.2, 5.3, 5.4 e 5.5 do RIMA). Este sistema se

caracteriza por inundações alimentadas pelo extravasamento do rio Paraguai,

seguido de isolamento de um corpo d’água de extensão variável cuja

diminuição do seu volume hídrico é causada principalmente por evaporação. A

28

baía só se comunica com o rio Paraguai por um determinado período de

tempo, por meio de um canal localizado na porção sudoeste ou, durante a fase

de enchente, por áreas de planície em que ocorre o extravasamento do rio

Paraguai. O escoamento via canal principal ocorre em período de cheias e de

vazante, sendo interrompido no período seco. Em anos mais secos, a ligação

entre rio e baía pode nem ocorrer (Figura 2). Desta forma, o sistema Jacadigo

se caracterizaria muito mais como uma área de concentração, e não de

dispersão, de eventuais poluentes. O sistema Jacadigo recebe ainda a água de

drenagem de diversos córregos provenientes das morrarias da região,

proveniente das vertentes das encostas da Morraria de São Domingos e

Urucum, entre eles o Piraputangas, o Urucum, o Arigolândia, o Tromba dos

Macacos, etc., e quaisquer poluentes carreados por via aquática superficial ou

subterrânea podem levar à degradação gradativa do sistema.

Mesmo prevendo-se emissões aceitáveis de poluentes, como as

calculadas nas simulações apresentadas neste RIMA, embora relacionadas

apenas aos valores de PTS, o efeito acumulativo pode ser grave, a médio e

longo prazo, afetando a qualidade do ar e da água, alterando características

dos ecossistemas aquáticos e sua biota. É preciso ressaltar que as imagens de

satélite apresentadas no RIMA correspondem a um período de alguns anos

muito secos, durante os quais o Jacadigo está reduzido em sua extensão.

Entretanto, em anos de chuvas mais intensas, numa normal climática de cerca

de 1.100 a 1.200 mm de pluviosidade anual, o sistema se expande (Figura 3).

Este problema, que pode potencialmente afetar a baía Jacadigo e, por

conseguinte, atingir o rio Paraguai à jusante em anos muito cheios, se aplica a

qualquer empreendimento poluidor instalado na área de Maria Coelho.

29

Rio

Parg

uai

LadárioCorumbá

EBX

Puerto Suarez

Rio

Parg

uai

LadárioCorumbá

EBX

Puerto Suarez

Figura 2. Esquema hidrológico da baía do Jacadigo, em relação à localização do empreendimento EBX em Maria Coelho (círculo azul claro). As linhas contínuas vermelhas indicam o afluxo de água do rio Paraguai na época de cheia para a baía; a linha vermelha descontínua indica a drenagem sazonal da baía; a linha amarela indica os limites da baía em anos/épocas de cheia (ver a Figura 3). A linha branca indica o contorno da parte alta do município de Corumbá, ou seja, a área não inundável.

30

Figura 3 – Imagem de Satélite LANDSAT-5 TM da fase de cheia no ano de 1988. Observa-se a parte alta de Corumbá, com a área de influência direta aproximada do empreendimento (círculo amarelo) e a baía do Jacadigo em sua extensão máxima de espelho d’água, atingindo área bem próxima à região de Maria Coelho.

• Medidas Mitigadoras Não há menção sobre os possíveis impactos fora da área onde o

empreendimento será construído. A avaliação desses impactos é fundamental nos seguintes aspectos:

Fontes de carvão - desmatamento incentivado pela demanda de carvão e

subseqüente implantação de pastagens e lavouras, em áreas relativamente

distantes do empreendimento, tanto no lado brasileiro como na Bolívia. Muitas

espécies ameaçadas estarão sujeitas ao aumento da destruição e

31

fragmentação de habitats, além da diminuição das populações, com

conseqüentes riscos demográficos e genéticos no longo prazo. Isto afeta a

sustentabilidade do empreendimento no que se refere ao aspecto ecológico,

porque esta análise precisa ser feita levando-se em conta toda a cadeia

produtiva siderúrgica. Um exemplo de como este tipo de fonte energética pode

afetar uma região foi dado pelo governo da Bolívia, o qual está impedindo a

conclusão de uma usina siderúrgica da EBX no lado boliviano da fronteira

porque tinha como base energética a proposta de uso de carvão vegetal

oriundo de florestas nativas. O governo boliviano optou por preservar os

recursos florestais do país e priorizar o uso do gás como fonte de energia e

carbono para a redução do ferro (Anexo 9 a, b).

Transporte de insumos - nada se fala no RIMA sobre os impactos nas rodovias

municipais, estaduais e federais, incluindo riscos de acidentes, com o aumento

do transporte de carvão vegetal e outros insumos (calcário, etc) para a

siderúrgica. As rodovias não são estruturadas para suportar tráfego de cargas

pesadas, especialmente a BR 262, que atravessa área inundável e, portanto,

sujeita a graves danos estruturais devido à infiltração de água em épocas de

cheia. Este é um problema já evidente e tende a se agravar com o aumento do

transporte de cargas, previsto para cerca de 37 caminhões por dia (25

caminhões/dia tipo gaiola para carvão vegetal; e outros 18 caminhões/dia de 10

t de carga com calcário e quartzito).

Poluição do sistema Jacadigo - nada se fala sobre as possíveis ações para evitar a poluição do sistema Jacadigo e as prováveis conseqüências, até porque este tipo de risco foi negligenciado no RIMA. Cabe lembrar que a lagoa do Jacadigo é fonte de água para uso humano, para dessedentação de animais para boa parte dos assentados/mentos do lado oeste da BR 262, bem como importante área de pesca em épocas cheias.

Impactos na fauna e flora - como visto, os impactos na flora e fauna podem

extrapolar em muito os limites do empreendimento e, portanto, mereceriam um

estudo detalhado no RIMA. Isso não aconteceu, já que o RIMA se restringe a

32

listar espécies que ocorrem na região, sem fazer nenhuma análise sobre riscos

que estariam sofrendo, tanto direta como indiretamente. O Maciço do Urucum é

a área mais rica em espécies de primatas no Estado, bem como de orquídeas,

o que mostra sua importância biológica. Além disso, existem espécies de aves

que só foram detectadas nesta região, como Pyrhura molinae e P. hypoxantha.

Esta última espécie ainda não foi re-encontrada depois de seu primeiro registro

no final do século IX.

A região, vizinha à área do empreendimento e do distrito de Maria Coelho,

ainda é pobre em levantamentos zoológicos e botânicos, e mereceria uma

abordagem mais cautelosa quando se trata de industrialização, já que as fontes

de poluição podem afetar as matas de encosta do Maciço do Urucum e,

conseqüentemente, sua biodiversidade.

Observa-se ainda que mesmo para algumas atividades mencionadas

como impactantes nas Tabelas 5.6 a 5.8 (págs. 5-19 a 5-22) não são propostas

medidas mitigadoras, sendo que algumas são consideradas como “não

mitigável” ou “não mitigável na fonte”, ou ainda “não mitigável na fonte, mas

com medida mitigadora a ser proposta no escopo dos Programas Ambientais”,

como discutido adiante.

Na Tabela de Análise Relacional, referente ao Capítulo Avaliação dos

Impactos e Prognóstico Ambiental (págs. 5-28 a 5-34), volta-se a salientar que

não se poderia ter adotado juízo de valores qualitativos com base nos cálculos

e simulações apresentados quanto ao impacto Aumento das expectativas e

incertas da população (apenas na fase de construção e considerada de

magnitude baixa), Alteração na qualidade do ar (poeiras e gases), Aumento da

geração de efluentes líquidos, Aumento da geração de resíduos sólidos,

Alteração do cotidiano da população local e Interferências com o uso e

ocupação das terras (apenas na fase de construção).

No caso do impacto Alteração na qualidade do ar (poeiras e gases), a

magnitude foi considerada no documento como média e de caráter irreversível

e permanente, porém a abrangência apenas como local. No que se refere ao

impacto Aumento da geração de efluentes líquidos, o relatório a menciona

como de pequena magnitude e de abrangência apenas local, contudo admitem

33

seu caráter de irreversibilidade e permanência. No entanto, não há novamente

informação (coluna Medidas Mitigadoras) sobre qual seria o modo de

armazenamento e/ou tratamento desses resíduos, que como visto, deles fazem

parte cianeto, fenóis e amônia, de alta toxicidade e periculosidade, sendo

questionável sua categorização como de pequena magnitude. Mesmo que tais

resíduos sejam transportados e/ou tratados fora da área de abrangência do

empreendimento (pág. 6-14), não se pode considerá-los como de abrangência

local, uma vez que acidentes podem ocorrer no processo de transporte, por

exemplo, e atingir áreas da planície pantaneira.

Mais adiante (Capítulo 6 – Programas Ambientais; pág. 6-1), volta-se a

abordar as medidas mitigadoras para cada impacto identificado, com as

propostas de mitigação dos mesmos, com maior detalhamento. Entretanto, na

Tabela 6.1 (Pág. 6-1), todos os agentes poluentes listados, agora de forma

mais completa, não têm sua Classe como resíduo apresentada ou a

composição química/concentrações previstas para que se pudesse avaliar se

os Programas Ambientais propostos são realmente os mais adequados.

Propõem-se como Programa Ambiental referente a emissões

atmosféricas e qualidade do ar (Programa de Monitoramento) (pág. 6-13),

apenas “...a instalação de uma rede de medição de PTS, para avaliação

sistemática da qualidade do ar na região.”. Contudo, novamente pode-se

questionar o porque de se propor o monitoramento apenas de PTS e não dos

demais poluentes passíveis de serem eliminados por empreendimento deste

tipo ou, ao menos, os previstos na Resolução CONAMA 03/90. Salienta-se que

a proposta de Programa Ambiental referente à qualidade da água do sistema

de limpeza de gases (SLG) (Item 6.2.5.2, pág. 6-14), está muito aquém do

necessário (texto de apenas meia página), não tendo uma discussão adequada

sobre o armazenamento, tratamento e destino dos resíduos resultantes desta

atividade, que como visto anteriormente são de alta periculosidade (cianeto,

fenóis e amônia). Mencionam apenas que “... a água será removida do circuito

e conduzida a terceiros para tratamento adequado.”, sem maiores detalhes.

O item Detalhamento do Sistema de Gestão Ambiental (Item 6.2.10.3,

pág. 6-31) está incompleto, sem informações que subsidiem uma avaliação

34

criteriosa sobre os cuidados e ações propostas para um sistema de gestão

ambiental eficiente que possam garantir como afirmado: “... qualidade de vida

na região onde será inserida a Usina, através de acompanhamento e avaliação

contínuos dos Programas...”.

4. Aspectos Socioeconômicos

Analisando o Relatório de Impacto Ambiental apresentado pela EBX

Siderurgia Ltda., constatou-se, no que concerne aos aspectos sócio-

econômicos, contradições entre o que propõe o referido relatório e o que tem

acontecido na prática. A maior contradição é observada no Capítulo 6, páginas

6-15 a 6-19 - Programa de Comunicação Social e páginas 6-19 a 6-23 -

Programa de Atendimento a População Atingida, das quais se destaca:

1- Item 6.2.6.2 - Justificativa: “Todo Programa de Comunicação Social a ser desenvolvido deve ter, como premissa básica, minimizar dúvidas e/ou receios que possam causar qualquer tipo de desconforto ou falsa esperança a uma população, informando-a claramente sobre as principais atividades que irão ser realizadas numa determinada região, bem como sobre as intenções do Empreendedor no que se refere às ações ambientais. Desta forma, o estabelecimento de um bom relacionamento com a população é estratégico em todo o processo de instalação do Empreendimento, bem como em sua fase de operação” (pág. 6-16).

2- Item 6.2.7.4 - Programa de Atendimento a População Atingida: “Direito

de Negociação: O reassentamento involuntário diz respeito a um determinado número de famílias que terão de promover uma reconstrução particular de seu quadro de vida, modificado, num dado momento, pelas exigências de construção do empreendimento. Assim sendo, essas famílias têm direito de participar e opinar sobre as soluções que lhe serão oferecidas, seja de maneiras individual, seja de maneira coletiva. Nesse sentido, os tratamentos propostos devem ser vistos como parâmetro inicial de negociação com as famílias afetadas. Isso implica a adoção de um planejamento negociado das relocações, onde as intenções e decisões sejam tornadas públicas de maneira clara e transparente e a legitimidade das aspirações da população seja democraticamente aceita, para que possa ocorrer um processo de construção de acordos socialmente justos e economicamente viáveis...” (págs. 6-20 a 6-21).

35

O Povoado de Antonio Maria Coelho, segundo cadastro das Agentes

Comunitárias de Saúde, possui atualmente 165 habitantes que vivem há

décadas neste local. Desde o mês de novembro de 2006, a Embrapa Pantanal

tem realizado visitas a esta comunidade com o objetivo de instalar um projeto

de pesquisa participativa na localidade. Em reunião realizada com os

moradores foram levantados dados históricos, sócio-econômicos, culturais e

ambientais do povoado. Apurou-se que as famílias convivem de forma

sustentável com o meio ambiente, produzindo hortifrutigranjeiros para consumo

e comercialização. Esta é uma das poucas comunidades que ainda extrai a

polpa da bocaiúva, que é utilizada para produção e comercialização de farinha

usada em bolos e sorvetes, sendo um alimento de valor cultural para toda a

região (Brasil, 2002; Galvani et al., 2005; Salis & Juracy, 2005). As mulheres

desta comunidade são as responsáveis por esta atividade extrativista

tradicional que está se tornando cada vez mais rara na região. A existência

desta atividade na área do empreendimento sequer foi mencionada no RIMA,

apesar da grande importância cultural para a população de toda a região e

mesmo do Estado, já que esta farinha só é conhecida aqui. No Estado do

Paraná, por exemplo, comunidades tradicionais extrativistas como esta, no

caso os “faxinais”, têm sido reconhecidas como comunidades que se mantém

de forma sustentável e conservam o ambiente.

Na época da primeira visita, 12 de novembro de 2005, os moradores

mostraram preocupação com boatos de que seriam desapropriados para

instalação de indústrias no local. No entanto, os moradores se disseram

desinformados sobre que tipo de indústria e sobre quais as famílias que seriam

diretamente atingidas pela desapropriação, além de questões que interferem

no meio ambiente, principalmente quanto à água. Em visitas posteriores

observou-se que a angústia dos habitantes aumentava na mesma proporção

em que aumentavam as dúvidas relacionadas à instalação da nova indústria.

Observa-se, assim, que não houve, tanto por parte da Empresa EBX

Siderurgia Ltda nem da Empresa de Gestão de Recursos Humanos e

Patrimônio - EGRHP, até o momento, preocupação em apresentar e discutir

com a comunidade os impactos resultantes deste empreendimento. Outra

36

questão relatada pelos moradores é em relação à entrada de pessoas

estranhas nos sítios, sem autorização, para medição das propriedades. Estes

fatos têm assustado os moradores que não sabem quem autorizou e qual o

objetivo de tais medições. Relato da senhora Rosalina Soares, residente no

local há mais de 40 anos, afirma o recebimento de um pedido de reintegração

de posse, por oficial de justiça do Município de Corumbá, com prazo de 20 dias

para que a mesma desocupasse a área. Este pedido de reintegração de posse

pode ser comprovado no processo 008.97.02001-7, do Tribunal de Justiça do

Estado de Mato Grosso do Sul (www.tj.ms.gov.br) (Anexo 10).

Os moradores relatam também que os filhos adultos de algumas

famílias, pressionados pela situação, tentaram realocar-se na Fazenda São

Gabriel, para a qual foram as famílias do Acampamento de trabalhadores rurais

sem-terras “Grito por uma Terra”. No entanto, a precária situação dos

acampados na citada fazenda fez com que os mesmos desistissem e

retornassem ao convívio de suas famílias.

Estas questões relacionam-se diretamente à posse da terra e meios de

reprodução social das famílias afetadas. O não esclarecimento e apresentação

do projeto previamente à comunidade diretamente atingida ferem os direitos do

cidadão à informação, além de ocasionarem pressão emocional e angústia pela

incerteza em relação ao futuro dessas famílias. Além disso, a entrega, por

oficial de justiça, de documentos exigindo reintegração de posse caracteriza

contradição com o proposto no Item 6.2.7 - Programa de Atendimento à

População Atingida, constante do próprio RIMA apresentado pelo

empreendedor.

Além destas questões, considera-se que há necessidade de esclarecer

a população em geral e de forma mais detalhada a Comunidade de Antonio

Maria Coelho em relação à geração de empregos pelo empreendimento.

Analisando o RIMA observa-se que serão 2.600 a 3.156 empregos

temporários, durante aproximadamente 09 meses (pág. 2-31 a 2-33).

Há necessidade de esclarecer também quantos exatamente, dos 178

empregos efetivos serão garantidos para a população local, pois está claro no

RIMA que estes demandam qualificação específica que a população local não

37

tem. Por outro lado, há que se esclarecer se no município existe estrutura para

qualificação da mão-de-obra demandada pelo empreendimento.

Na verdade o próprio empreendedor coloca que: “... Os impactos

positivos do empreendimento em termos de geração direta de emprego e

renda, são também reduzidos em função de seu porte e tempo de implantação.

Terão temporariamente uma importância sensível dada a situação de

desemprego e falta de alternativas de renda.” O impacto maior, contudo

temporário, será apenas na fase de construção, com 2.600 empregos diretos e

556 indiretos.

A não participação da comunidade nas discussões preliminares

contraria as orientações dos movimentos sociais e das políticas públicas no

trato com comunidades tradicionais.

Mesmo não detalhando a metodologia o RIMA afirma que: “Durante a

pesquisa de campo realizada para elaboração dos Estudos Ambientais se pôde

observar que a população dos municípios de Ladário e Corumbá e, mais

especificamente, a população que mora na área do entorno da Usina, não se

motiva com a possibilidade de instalação do Empreendimento. Isto se deve ao

receio de que a região como um todo venha a sofrer impactos decorrentes do

aumento da poluição atmosférica e sonora e também da ocorrência de fluxos

em busca de postos de trabalho. Os receios quanto às conseqüências da

instalação da Usina, tendem a aumentar em decorrência da falta de

esclarecimentos sobre seu processo de construção e operação e sobre os

impactos daí decorrentes. Nesses termos, as preocupações identificadas

mostraram-se principalmente associadas a emissão de gases, aquecimento da

temperatura ambiente, explosões e remoções de população que vivem nas

imediações. (pág. 5-2)”

Ou seja, o próprio empreendedor está ciente e constata a apreensão

legítima dos moradores de Maria Coelho e da população local em relação a

dúvidas e preocupações quanto à instalação de uma atividade de alto potencial

poluidor em sua região.

Por outro lado, volta-se a ressaltar que em Maria Coelho está a maioria

dos clubes de lazer da região, os quais compartilham a água que nasce na

38

morraria de Santa Cruz e São Domingos. Lazer e indústrias potencialmente

poluentes são incompatíveis. Além disso, não há localização alternativa para

estes clubes na parte alta dos municípios de Corumbá e Ladário, mesmo

porque as fontes de água doce são escassas na região. Não é por outro motivo

além da água em quantidade e qualidade adequada que os clubes se

concentram em Maria Coelho. Assim, haverá um impacto social também neste

aspecto, porque afeta diretamente a qualidade de vida de boa parcela da

população de Corumbá e Ladário: os usuários dos clubes nos finais de

semana.

5. Unidades de Conservação

Na página 3-13, o documento afirma que baseado na Resolução

CONAMA 13/90, o órgão responsável pela Unidade de Conservação (UC), no

caso do Parque Natural Piraputangas, o Município de Corumbá, juntamente

com os órgãos licenciadores e de meio ambiente, definirá as atividades que

possam afetar a biota da UC. É muito difícil não definir um empreendimento

siderúrgico como atividade que afetará a médio e longo prazo a biota da

referida UC, bem como a saúde da população do entorno. O empreendimento

encontra-se na Zona de Amortecimento desta UC e abrange trecho da Área de

Preservação Permanente (APP) do córrego Piraputangas, que pela foto de

satélite apresentada no RIMA parece estar bastante comprometida. Neste

caso, é preciso uma análise mais detalhada (Seixas5, 2006 comunicação

pessoal):

Considerando que o Parque Natural Piraputangas é uma Unidade de

Conservação criada pelo poder público municipal, na categoria de manejo

denominada Parque e por tanto é uma área de proteção integral e uso indireto,

ao qual deve cumprir as funções primárias, previstas pela Lei nº 9.985, de 18

de julho de 2000 (Art. 2º, VI e IX), ou seja, “manutenção dos ecossistemas

livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso

5 Gláucia Seixas. Programa de Doutorado em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected].

39

indireto dos seus atributos naturais” e “aquele que não envolve consumo,

coleta, dano ou destruição dos recursos naturais”;

Considerando que além de todos os mecanismos necessários para

manutenção da integridade ambiental do interior da área a Lei nº 9.985 (Art.º

25) prevê a existência de uma zona de amortecimento, definida no Art. 2º, XVIII

como “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas

estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar

os impactos negativos sobre a unidade”;

Considerando que o Poder Público Municipal, gestor da Unidade de

Conservação, é “o órgão responsável pela administração da unidade

estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos

recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma

unidade de conservação” (Art. 25, § 1o) e que “os limites da zona de

amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que

trata o § 1o poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou

posteriormente” (Art. 25, § 2o);

Considerando que o Art.º 27 da Lei nº 9.985, prevê que as UC’s devem

dispor de um Plano de Manejo definido no Art. 2º, XVII, como “documento

técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade

de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem

presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a

implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” e que o

Plano de Manejo deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir de sua

criação (Art. 27, § 3o), incluindo a zona de amortecimento.

Considerando que o Art. 36 da Lei nº 9.985, prevê que “no caso de

licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto

ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com

fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA,

o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade

de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto

neste artigo e no regulamento desta Lei” e que “quando o empreendimento

afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o

40

licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido

mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade

afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá

ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo” (§ 3o.);

Considerando que o Art. 38 da Lei nº 9.985 “a ação ou omissão das

pessoas físicas ou jurídicas que importem inobservância aos preceitos desta

Lei e a seus regulamentos ou resultem em dano à flora, à fauna e aos demais

atributos naturais das unidades de conservação, bem como às suas

instalações e às zonas de amortecimento e corredores ecológicos, sujeitam os

infratores às sanções previstas em lei”.

Assim, entendemos que o empreendimento da EBX, conforme previsto

no RIMA, será implantado em área contígua ao Parque, portanto, certamente

em parte da área de amortecimento do Parque Natural Piraputangas. Portanto,

é necessária uma autorização prévia da Prefeitura Municipal de Corumbá, que

é o gestor da UC. Essa deverá se manifestar quanto aos possíveis impactos

negativos do empreendimento para a UC e propor medidas mitigadoras e

compensatórias, podendo, inclusive, propor a não implantação do mesmo,

tendo em vista integridade de suas funções primárias (proteção integral e uso

indireto) da UC.

Cabe ao Gestor da UC a elaboração do plano de manejo, no prazo

previsto em lei, onde serão definidos os limites e normas da zona de

amortecimento. No caso de omissão do Poder Público Municipal quanto à

elaboração do referido documento no prazo previsto, sugerimos seguir o

princípio de precaução, ou seja, utilizar o limite previsto na Resolução

CONAMA n 13/90, que é um entorno de 10 km.

A definição de uma área de vegetação natural entre o limite da UC e a

planta industrial não pode ser considerada uma medida compensatória e sim

mitigadora. Também o tamanho dessa área deverá seguir princípios e estudos

específicos, segundo os impactos negativos do empreendimento a integridade

da UC.

41

III. Considerações Finais

Uma vez que os pesquisadores da Embrapa Pantanal, como também a

maioria dos demais pesquisadores da região, não têm formação técnica na

área de tecnologia industrial em siderurgia, na área de resíduos sólidos/aterros

industriais, ou mesmo na área de acústica (emissão de ruídos) ou Análise de

Riscos sugere-se a consulta a especialistas independentes que possam emitir

parecer técnico sobre a qualidade do documento nesses temas. Faz-se

necessário comprovar a eficiência, atualidade e segurança da tecnologia

proposta para a produção de ferro gusa, e quanto à existência de alternativas

tecnológicas mais eficientes e menos impactantes, bem como em relação às

especificações e eficácia dos sistemas de controle de poluentes e dos aterros

industriais, dos cálculos de emissão de ruídos, da eficiência do modelo de

dispersão de poluentes utilizado e checagem das estimativas calculadas.

No RIMA analisado não foram apresentadas estimativas e cálculos de

Análise de Risco, o que é uma falha grave, uma vez que uma usina deste porte

apresenta alto potencial de riscos à integridade física e à saúde da população e

ao meio ambiente; há uma única menção na Tabela 4.1 (pág. 4-2), referente a

delimitação da Área de Influencia Direta do empreendimento e a área de

referência para a referida Análise, a saber 220 m.

O fato do processo de licenciamento estar sob responsabilidade do

órgão gestor estadual é questionável, pois o empreendimento em questão não

pode ser considerado como capaz de apresentar apenas “impacto regional”

(pág. 3-1). O rio Paraguai é um rio transfronteiriço, pertencendo, portanto à

esfera da União, e o empreendimento encontra-se na área de influência desse

rio, conforme mencionado no próprio documento (pág. 3-10): “Desta forma há

de se ter em consideração a competência da união, excludente das demais”.

Quaisquer impactos que venham a ocorrer com potencial de contaminação dos

corpos d’água relacionados, na área de drenagem do sistema de lagoa

marginal Baía do Jacadigo, alcançarão direta e/ou indiretamente o rio Paraguai,

sendo carreados para jusante, atingindo os países rio abaixo: Bolívia, Paraguai

e Argentina. Além disso, o Pantanal é um bioma considerado Patrimônio

Nacional pela Constituição Federal (1988), o que lhe confere certas

42

prerrogativas de cunho federal, como legislação específica (Art. 225,

Constituição Federal) onde a exploração sustentável se daria por força dessa

lei, contudo ainda não regulamentada, segundo o Superintendente do IBAMA-

MS, Sr. Nereu Fontes, em entrevista recente (Anexo 4).

O RIMA apresentou falha grave ao omitir informações sobre a geração

de resíduos perigosos, citando apenas brevemente resíduos tão perigosos e

altamente tóxicos (Classe I), tanto para o homem quanto para biota, como

amônia, fenóis e cianeto (Tabela 5.7, pág. 5-21). Com relação aos efluentes

líquidos, gerados na operação de lavagem e resfriamento (SLG), há

necessidade de um melhor esclarecimento no tocante à terceirização do

tratamento para garantir a co-responsabilidade no gerenciamento desses

resíduos altamente perigosos.

Por fim, não se pode deixar de fazer referência ao fato do

empreendimento estar previsto para se localizar no Pantanal, numa região

considerada também Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera

(UNESCO, 2000). Trata-se, pois, de um ambiente onde as ações quanto à

conservação ambiental e manutenção dos seus processos ecológicos deveriam

ser extremamente cuidadosas, com responsabilidade de toda a sociedade e

garantida pelo poder público, dando bases para se atingir o desenvolvimento

sustentável e a formação de sociedades sustentáveis como versa a Agenda 21

(Brasil, 2000).

Desta forma, o documento objeto deste parecer apresenta

comprometedora lacuna de dados e informações que apontam para a

necessidade de se refazer avaliações e/ou incluir aspectos de base técnica que

melhor embasem a avaliação das condições de segurança à saúde humana e

ao meio ambiente.

Cabe ressaltar que quaisquer empreendimentos que vierem a ser

instalados em Maria Coelho e proximidades podem apresentar vários dos

problemas aqui discutidos, especialmente aqueles relacionados a localização

da ZPE e suas implicações ambientais.

43

Este é o nosso parecer.

______________________________ ______________________________

Dra. Débora F. Calheiros Dra. Suzana Ma. de Salis. CRB 06787-01 CRB 05117-01

_____________________________

_______________________________

MSc. Aldalgiza I. Campolin Dr. Guilherme de M. Mourão CRB 04241/86

_____________________________

_______________________________

MSc. Walfrido M. Tomás MSc. Balbina M.A. Soriano CRV 0644-MS CREA MS2907D

_______________________________________ Dr. Fábio Galvani CRQ 04159727

44

IV. Bibliografia ACCIOLY, A.M.A; FURTINI NETO, A.E.; MUNIZ, J.A.; FAQUIN, V.; GUEDES,

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