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627 PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA: ESTUDO DE CASO * Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Metodista – IPA. ** Orientadora do artigo, Mestre em Direito e Professora do Curso de Bacha- relado em Direito do Centro Universitário Metodista – IPA. Raphaela Gauer* Ana Lucia Brunetta Cardoso** RESUMO A multiparentalidade é um instituto do direito de família reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Repercussão Geral nº 622, no qual a paternidade sócio afetiva se encontra no plano de igualdade em relação a paternidade biológica. Sendo assim entende-se que a alteração no conceito da família é um fenômeno cultural, haja vista que ela sofre mutações no espaço e no tempo, caso contrário, já estaria extinta. Nesse sentido, tanto a paternidade, quanto a maternidade não são mais exercidas apenas por dois indivíduos, mas sim por um amplo núcleo de pessoas e com isso surgiu a paternidade socioafetiva. No Brasil, os casos de multi- parentalidade são comuns, mas ainda geram debates extensos sobre como a filiação socioafetiva influencia a família e quais as suas consequências. Palavras-chave: Multiparentalidade. Parentalidade Socioafetiva. Supremo Tribunal Federal. Repercurssão Geral. Filiação SOCIO-AFFECTIVE PARENTING: CASE STUDY ABSTRACT Multiparentality is an institute of family law recognized by the Federal Supreme Court through General Repercussion No. 622, in which affective

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PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA:ESTuDO DE CASO

* Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Metodista – IPA.

** Orientadora do artigo, Mestre em Direito e Professora do Curso de Bacha-relado em Direito do Centro Universitário Metodista – IPA.

Raphaela Gauer*Ana Lucia Brunetta Cardoso**

RESUMOA multiparentalidade é um instituto do direito de família reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Repercussão Geral nº 622, no qual a paternidade sócio afetiva se encontra no plano de igualdade em relação a paternidade biológica. Sendo assim entende-se que a alteração no conceito da família é um fenômeno cultural, haja vista que ela sofre mutações no espaço e no tempo, caso contrário, já estaria extinta. Nesse sentido, tanto a paternidade, quanto a maternidade não são mais exercidas apenas por dois indivíduos, mas sim por um amplo núcleo de pessoas e com isso surgiu a paternidade socioafetiva. No Brasil, os casos de multi-parentalidade são comuns, mas ainda geram debates extensos sobre como a filiação socioafetiva influencia a família e quais as suas consequências. Palavras-chave: Multiparentalidade. Parentalidade Socioafetiva. Supremo Tribunal Federal. Repercurssão Geral. Filiação

SOciO-affEctivE paREnting: caSE StUdy

aBStRactMultiparentality is an institute of family law recognized by the Federal Supreme Court through General Repercussion No. 622, in which affective

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paternity is at the level of equality in relation to biological parenthood. Therefore, it is understood that the change in the concept of family is a cultural phenomenon, since it undergoes mutations in space and time, otherwise it would be extinct. In this sense, both paternity and mo-therhood are no longer exercised only by two individuals, but by a broad core of people and with this came the socio-affective parenting. In Brazil, cases of multiparentality are common, but they still generate extensive debates about how socio-affective affiliation influences the family and what its consequences. Key words: Multiparentality. Socio-Affective Parenting. Federal Court of Justice. General Repercussion. Affiliation

1.intROdUçãOA família brasileira sofre alterações constantemente, se mos-

trando cada vez menos convencional, isto é, não existe um “mo-delo familiar” a ser seguido. Esses núcleos podem ser formados por dois pais, duas mães, um pai e duas mães e diversas outras convenções de pessoas com uma finalidade em comum: o afeto.

Com base no afeto que surgiram os novos meios familiares sendo necessário uma atenção especial por parte do Direito para análise desse comportamento para que o ordenamento jurídico também se modificasse a fim de manter as garantias constitu-cionais a esses indivíduos que formam novos núcleos familiares.

A partir dessa necessidade se faz necessária uma análise do que consiste a parentalidade socioafetiva com base na Repercus-são Geral nº 622, proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 24 de agosto de 2017, que reconheceu a existência da relação de afeto em conjunto com a relação biológica entre os indivíduos da mesma família, mas que não compartilhavam laços efetivamente sanguíneos, mas sim afetivos.

A multiparentalidade é um instituto do direito de família reconhecido em âmbito federal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal por meio da Repercussão Geral nº 622, no qual a paternidade socioafetiva pode existir em conjunto com a paterni-dade biológica, isto é, não há uma hierarquia entre as duas formas.

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A família não é somente um fenômeno natural, mas cultu-ral. Sendo assim, ela é capaz de sofrer variações no tempo e no espaço. Dessa forma, se não houvesse novas mutações familiares, esta já teria sido extinta.

Tanto a paternidade, quanto a maternidade não são mais exercidas apenas por dois indivíduos, ela pode ser exercida com mais de dois, com isso surgiu a paternidade socioafetiva. No Bra-sil, os casos de multiparentalidade são comuns, e ainda geram debates extensos sobre como a filiação socioafetiva influencia a família e quais as suas consequências. Sendo esse um dos temas atuais que merece ser discutido pela sociedade brasileira.

Com base na decisão é de suma importância a análise dos conceitos de parentalidade afetiva, principalmente como ela ocorre nos casos em que se faz presente a multiparentalidade, no que consiste esse termo e a sua aplicação direito brasileiro em conformidade com a decisão da Suprema Corte, bem como os benefícios ou e possíveis empecilhos, divergências de en-tendimento e formas para resolução de conflitos em função da referida repercussão.

2.O cOncEitO dE faMÍLiaHistoricamente, família possui uma relação simbiótica com a

sociedade, uma vez que ela a forma, mas também necessita dela para se reformular. Isto é, a família é todo e qualquer ambiente no qual o ser humano mantém relações de afeto, sendo assim, a origem da sociedade, mas também é um instituto capaz de sofrer diversas modificações com o passar dos anos.

Em conformidade com a Constituição Federal de 19881, a família é um pilar basilar da sociedade e em função disso possui ampla proteção pelo Estado. A interação humana com o restante do mundo ocorre, em primeiro plano, na família, que se encarrega de amparar e moldar o indivíduo como forma de fortalecer a sua própria instituição política

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Antigamente, principalmente no meio rural, a família era maior e abrangia as relações em linha reta, tais como pais e filhos, quanto as relações colaterais como tios e primos. Com o aumento da população e o desenvolvimento que acarretou o êxodo rural, visando o desenvolvimento econômico industrial, o núcleo familiar passa a ser composto numericamente entre pais e filhos, alguns casos podem até incluir os avós2. Nesse sentido, podemos perceber que a família como conceito extenso envolvia todas as pessoas ligadas pelo vínculo sanguíneo e oriundas de uma base ancestral comum.

A família strictu sensu compreende as relações consanguíneos em linha reta, bem como os colaterais em até quarto grau. Essa realidade está mais próxima dos parâmetros atuais, mas com a presença mínima com base no conceito anteriormente adotado, isto é, a presença dos entes colaterais.

Desde o Código Civil de 1916 até a Constituição Federal de 1988 a família era única e exclusivamente matrimonial, ou seja, só teria validade no plano jurídico se formada mediante o casa-mento. Os demais planos familiares eram rechaçados, no qual a relação além do casamento ou a união estável era considerada concubinato. Com o passar do tempo e as mudanças na legislação, outros padrões familiares surgiram, e com isso, a marginalização desses grupos também. O marco principal dessas mudanças é a Constituição de 1988, evidenciando que os modelos familiares podem ser estendidos à união estável e a família monoparental e, com o entendimento dos últimos anos, a família pluriparen-tal, haja vista que o vínculo matrimonial entrou em desuso para caracterizar a família.

Fábio Ulhoa Coelho faz uma breve análise sobre a família, a partir da psicanálise, sociologia e antropologia, realizando uma cor-relação com o direito das famílias contemporâneo. Eis o conceito:

2 MADALENO, Rolf. Direito de família. - 8. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.81

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Para a história e sociologia, ela é o conjunto de pessoas que habitam a mesma casa. A antropologia já a define em função da interdição de relações sexuais incestuosas. Na psicanálise, a definição parte dos papéis psicológicos desempenhados pe-las pessoas. (...) A natureza das relações familiares horizontais e verticais mudou significativamente na família contemporânea, quando comparada à tradicional e romântica. As relações horizontais deixaram de se fundar exclusivamente na mono-gamia vitalícia e passaram a admitirtambém a monogamia sucessiva como padrão. A autoridade do pai foi substituída pela igualdade dos sujeitos em relação matrimonial. Não há mais a necessidade da celebração do ritual do casamento para consti-tuição do vínculo horizontal e formação da família. Em alguns países, não é mais imprescindível que os sujeitos da relação sejam de sexos opostos. (...) Além da superação do fundamento biológico dos vínculos familia res, outra forte tendência do direito de família aponta para a primazia da afeição. A fa-mília, dispensada das pesadas funções que vinha e, em certa medida, vem exercendo, tem meios para ser, enfim, o espaço da afetividade. Essa tendência tem sido chamada de despatrimonialização do di-reito de família. Esse ramo jurídico, realmente, se dedica cada vez mais a questões como direito de visita, guarda conjunta, primazia dos interesses dos filhos e outros que transcendem os aspectos me-ramente patrimoniais.Mas a despatrimonialização do direito de família é irrefreável. Somente levando às últimas consequências o fundamento afetivo de constituição dos laços familiares poderá o direito de família, por exemplo, dar soluçãosatisfatória aos inúmeros conflitos que surgirão das técnicas de fertilização assistida, como o uso indevido dos gametas ou embriões, a descoberta da identidade do doador do sêmen, a deficiência na prestação dos serviços de guarda de material genético etc.3

3 COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito civil: família, sucessões – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 38-44.

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Nos ditames de PERLINGIERI, a atual definição de família é:

Formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realiza-ção dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes.4

Pelo entendimento de Orlando Gomes, em 1957, “o direito de família é a parte do direito civil que são reguladas as delações derivadas do casamento e do parentesco”5. Já Pontes de Miranda, em suas lições reflete o seguinte sobre a área no sentido de:

O direito de família estuda e regra: a) as relações do par andrógino (homem e mulher); e é lamentá-vel que os códigos Civis quase só refiram à união legalizada, sacramental; b) As relações do círculo família, tal como persiste hoje. Dela haveriam de ser excluídas as de curatela dos loucos, intoxicados etc., pelo deverem pertencer à parte geral.6

3. EvOLUçãO da faMÍLia cOnfORME OS avançOS cOnStitUciOnaiS

A entidade familiar possui proteção integral do estado, ela é constituída por qualquer dos pais e seus descendentes e, a partir dela são formados os casamentos, a união estável e a monopa-rentalidade. Porém, não faz muito tempo que o sistema jurídico adota esse conceito, uma vez que o núcleo familiar era conhecido antigamente somente pelo casamento civil e os filhos oriundos daquela relação em específico ou por meio da adoção.

4 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Cons-titucional. In: CASSETARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2017. p. 31.

5 GOMES, Orlando. Introdução do Direito Civil. Rio de Janeiro: Revista Fo-rense, 1957, p. 445

6 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito de família. 3ª ed., São Paulo: Max Limonad, v. I, 1947, p. 49.

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Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o con-ceito de família era taxativo, válido somente a partir do casamen-to, conforme os ditames do Código Civil de 1916, destacando, também, a Lei do Divórcio que conferia culpa como um motivo para a separação do casal a fim de manter o matrimônio como a principal representação do afeto entre dois indivíduos. Isto é, a felicidade pessoal era sacrificada em nome da manutenção do poder familiar, no caso, o casamento7.

Vale ressaltar que a promulgação da Carta Magna trouxe diversas mudanças ao ordenamento jurídico brasileiro, entre elas a dignidade da pessoa humana que, para VELOSO (2005)8, pode ser considerado um divisor importante para o direito de família pois o traz como um dos preceitos fundamentais da República Federativa do Brasil. Desse modo, DIAS (2015)9 confirma outros avanços constitucionais trazidos em 1988, entre elas a igualdade entre homens e mulheres, ampliando o conceito de família, que passou a ser protegida na pessoa de todos os membros. A refe-rida proteção incluiu a união estável, ao casamento e à família monoparental.

Sobre a proteção especial da família por parte do estado, podemos analisar da seguinte forma:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reco-nhecida a união estável entre o homem e a mulher

7 NORONHA, Maressa Maelly Soares; PARRON, Stênio Ferreira. A Evolução do Conceito de Família. Disponível em: http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170602115104.pdf. Acesso em 30 abr. 2019

8 VELOSO, Zeno. Comentários à lei de Introdução ao Código Civil- Arts. 1º à 6º. Belém UNAMA, 2005.

9 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed, ver., atual.e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 32

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como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pes-soa humana e da paternidade responsável, o pla-nejamento familiar é livre decisão do casal, com-petindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Portanto, no art. 226 encontra-se a não-vinculação do ca-samento com a instituição familiar, ou seja, na eventualidade do divórcio, a instituição familiar não seria dissolvida juntamente com o casamento, a fim de garantir a preservação das relações familiares, em seu §2º, reconheceu a união estável entre homem e mulher. Ainda no art. 226, em seu §6º foi reconhecida a separação judicial por mais de um ano, ou separação de fato por mais de 2 anos, posteriormente modificadas pela Emenda Constitucional nº 66/2010, que suprimiu o lapso temporal para a dissolução do casamento por meio do divórcio, sem a necessidade de prazo mínimo ou análise de causas para a anulação do matrimônio

No art. 227, alterado pela Emenda Constitucional 65/2010, foram descritos os deveres da família em relação às crianças, adolescentes, jovens, e por fim, no art. 228 foi estabelecida a inimputabilidade dos menores de 18 anos, questão atualmente debatida acerca da maioridade penal.

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A partir da ideia de igualdade, a família passou a ter maior notoriedade entre seus membros, principalmente entre homens e mulheres que passaram a possuir os mesmos direitos quanto a tomada de decisões, o sustento e a criação dos filhos sem a neces-sidade de hierarquia entre eles. Diante a ausência de hierarquia entre os mesmos da família, firmou-se a noção do pluralismo familiar com base na previsão legal da existência da união estável e da família monoparental10. Porém, não foram tutelados novos arranjos familiares na constituição, tais como a união homoafetiva e a multiparentalidade, apesar de que em ambos os casos existe o reconhecimento jurisprudencial, doutrinário e com base na aplicação do instituto da analogia.

Os valores trazidos pela constituição acabaram eliminando a forma tradicional em que as famílias se formavam, em confor-midade com o Código Civil de 1916, assinalando a necessidade de um modelo descentralizado, igualitário e democrático, cujo elemento principal é o afeto, independentemente de como o nú-cleo familiar ou por quantas pessoas ele seria instituído11.

Com o Código Civil de 200212 estabeleceu em seu art. 1.593 que as relações de parentesco podem de ordem natural, quando envolver a consanguinidade, por afinidade, decorrente de casa-mento ou união estável, e civil, quando decorrer de adoção. Isto é, adotou o modelo descentralizado trazido pela Constituição Federal.

O referido dispositivo, abre o precedente para a existência de diversas modalidades de parentesco, inclusive o socioafetivo, no qual os laços afetivos podem originar o vínculo parental, com todos os efeitos dele decorrentes, o que elimina o conceito

10 REZENDE, Adriana Silva F. de; TEIXEIRA, Sangella Furtado; FERREIRA, Oswal-do M.; RANGEL, Tauã Lima Verdan. A evolução da família. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 13, no 1525. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/4570/a-evolucao-familia>. Acesso em: 1 mai. 2019.

11 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Direito das Famílias. v. 6. 4 ed. Salvador: JusPODIVM, 2012.p.40-41.

12 BRASIL, Código Civil de 2002.

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existente nos arts. 330 e 336 do CC/1916, no qual restringia o vínculo parental às relações consanguíneas e adotivas.

4.O afEtOPrimeiramente, para maior compreensão da parentalidade

socioafetiva, devemos conceituar a afetividade que, para Adriana Caldas do Rego de Freitas Dabus Maluf, consiste em:

A relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém intimo ou querido, como um estado psicoló-gico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem, sendo, também, considerado como o laço criado entre homens, que, mesmo sem características sexuais, continua a ter uma parte de amizade mais aprofundada.13

Dessa forma, podemos relacionar a existência da afetividade, desde que ela esteja vinculada ao parentesco. De acordo com os dicionários jurídicos, o parentesco ainda não pode ser ampla-mente definido, pois a afetividade não seria vinculada apenas às relações consanguíneas. Para Plácido e Silva, o parentesco pode ser conceituado da seguinte maneira:

Derivado do latim popular parentatus, de parens, no sentido jurídico quer exprimir a relação ou li-gação jurídica entre pessoas, unidas pela evidência de fato natural (nascimento) ou de fato jurídico (casamento, adoção). Nessa razão, embora origina-riamente parentesco, a relação entre os parentes traga um sentido de ligação por consanguinidade, ou aquela que se manifesta entre as pessoas que descendem do mesmo tronco, no sentido jurídico, o parentesco abrange todas as relações ou nexos entre as pessoas, provenha de sangue ou não.14

13 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus, Direito das Famílias: amor e bioética. In: CASSETARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2017. p. 10.

14 SILVA, De Plácido, Vocabulário Jurídico. 25ª edição. Rio de janeiro. Forense, 2004, p. 1005

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Verifica-se que, no conceito de Plácido e Silva, em nenhum momento foi mencionada a questão da socioafetividade. O indício realizado foi ao final do texto, no qual o autor mencionou que o parentesco abrange todas as relações ou nexos pessoais, seja de sangue ou não.

Com base no seu conceito, a afetividade seria o princípio que fundamenta o Direito das Famílias em função das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia nas questões de caráter patrimonial ou biológico. O afeto foi impulsionado com o advento da Constituição de 1988, no qual consagrou a existência de múltiplos núcleos familiares além do tradicional matrimônio com diversos reflexos na doutrina e na jurisprudência. De acordo com LÔBO (2016)15o referido princípio está inserido em conjun-to com ao da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), da solidariedade (art. 3º, inc. I) e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família.

Maria Berenice Dias confirma que:

O que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença do sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo. Cada vez mais a ideia de família afasta-se da estrutura do casamento. A família de hoje já não se condiciona aos paradigmas originários: casamento sexo e procriação.16

15 LÔBO, Paulo. Direito de Família e os Princípios Constitucionais. Tratado de Direito das Famílias. 2ª edição, Belo Horizonte: IBDFAM, 2016. P. 119-120

16 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 4ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 40.

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A família é objeto de uma nítida transição, deixa de ser somente um núcleo reprodutivo para a continuidade de um “so-brenome” durante as suas gerações, mas passa a ser encarada como uma manifestação de afeto e apoio mútuo. Surgem, de, novos arranjos familiares, à luz da sobreposição da dignidade da pessoa humana sobre o patrimônio, do afeto sobre o casamento. Sobre a temática, Lôbo (2010, p.64) esclarece:

A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto, à frente, da pes-soa humana nas relações familiares.17

Atualmente os membros de uma família procuram felicida-de, a realização pessoal e amparo mútuo. O laço que mantém esse ideal é o amor que cada membro sente um pelo outro, no qual a função principal do núcleo familiar é garantir que seus membros recebam o afeto que julgam necessário para atingi-rem seu pleno desenvolvimento por meio da solidariedade, da assistência e do amor.

Ainda assim, a afetividade não se confunde com afeto como um fato psicológico ou anímico, ela consiste no dever imposto aos pais em relação aos filhos e vice-versa, uma vez que deixará de existir somente com o falecimento de um dos sujeitos ou com a perda do poder familiar. O afeto não decorre necessariamente da verdade biológica, uma vez que a certeza da origem genética não é o suficiente para caracterizar a filiação, principalmente nos casos em que já esteja constituída a convivência duradoura entre

17 LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010

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os pais socioafetivos com seus filhos. A origem genética pouco importa para delinear a relação entre pais e filhos, haja vista que a paternidade biológica não substitui a convivência, a construção de laços afetivos e o vínculo firmado entre os indivíduos membros de um núcleo formado por ligações afetivas.

Desse modo, a presença da afetividade junto aos demais institutos e princípios do direito das famílias é uma forma de facilitar as demais construções teórico-práticas que podem surgir ao longo do tempo. O pluralismo familiar previsto na Constituição demonstra que a aplicação do princípio da afetividade, todas as famílias são tuteladas pelo Estado. O afeto é o elemento norteador do direito de família, que por sua vez está intrínseco em cada núcleo familiar por meio de atitudes de vida e o cotidiano que estabelece os laços familiares.

Por fim, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti ainda afirma:

O afeto é o elemento essência das relações inter-pessoais, sendo um aspecto do exercício do direito à intimidade garantido pela Constituição Federal. A afetividade não é indiferente ao Direito, pois é o que aproxima as pessoas, dando origem aos rela-cionamentos que geram relações jurídicas, fazendo jus ao status de família ‘eudemonista’, doutrina que considera ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana.18

Sobre o referido princípio, no entendimento de Rolf Madaleno:

O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de paren-

18 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade: possibili-dade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008. P. 223

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tesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. Necessaria-mente os vínculos consanguíneos não se sobrepõem aos liames afetivos, podendo até ser afirmada, em muitos casos, a prevalência desses sobre aqueles. O afeto decorre da liberdade que todo indivíduo deve ter de afeiçoar-se um a outro, 166 decorre das relações de convivência do casal entre si e destes para com seus filhos, entre os parentes, como está presente em outras categorias familiares, não sendo o casamento a única entidade familiar.

Maior prova da importância do afeto nas relações humanas está na igualdade da filiação (CC, art. 1.596), na maternidade e pa-ternidade socioafetivas e nos vínculos de adoção, como consagra esse valor supremo ao admitir outra origem de filiação distinta da consanguínea (CC, art. 1.593), ou ainda através da inseminação artificial heteróloga (CC, art. 1.597, inc. V); na comunhão plena de vida, só viável enquanto presente o afeto, ao lado da solidarie-dade, valores fundantes cuja soma consolida a unidade familiar, base da sociedade a merecer prioritária proteção constitucional.19

Caio Mario Pereira da Silva complementa que:

Os vínculos de afetividade projetam-se no campo jurídico como a essência das relaçõesfamiliares. O afeto constitui a diferença específica que define a entidade familiar. É o sentimentoentre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diuturno, em virtude de uma origemcomum ou em razão de um destino comum que conjuga suas vidas tão intimamente, que as tornacônjuges quan-to aos meios e aos fins de sua afeição até mesmo gerando efeitos patrimoniais, seja depatrimônio moral, seja de patrimônio econômico.(...)as famílias

19 Madaleno, Rolf, Direito de família - 8. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2018.p. 145-146

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reconstituídas nascem de um novorelacionamento (casamento ou outra união), onde um dos cônjuges ou companheiro (ou ambos)compõe a família com filhos de relações anteriores. Nesta convivência familiar todos trazemexperiências anteriores e se veem diante do desafio de criar novos espaços de afetividade.20

A afetividade representa um dos princípios basilares do direito de família, diante da possibilidade da existência de afeto sem a necessidade de relações consanguíneas – assunto a ser abordado na sequência -. O afeto consiste na livre e espontânea vontade de compartilhar uma vida em comum, com a mútua assistência entre os membros de determinado núcleo. Como consequência, há maior lealdade entre os membros da família, que se auxiliam e incentivam em função do forte sentimento que nutrem um pelo outro.

5.a cOnvivência A convivência faz parte do vasto rol de diretos-deveres

da família. Além disso, ela se faz necessária para priorizar o melhor interesse da criança e da proteção, quando estamos falando somente dos filhos. A convivência também se mostra importante para o desenvolvimento psicossocial dos membros de uma família, ajudando-a desenvolver-se psicologicamente e moldando a sua personalidade.

O princípio da convivência familiar consiste na relação afeti-va diurna e duradoura estabelecida pelas pessoas que compõem a família em função dos laços de parentesco ou não, em um am-biente em comum. Para a existência do referido princípio não se faz necessária a convivência no mesmo lar, ou seja, o espaço físico, pois as atuais condições de vida e o trabalho de cada um faz com que alguns membros da mesma família não vivam sob o mesmo

20 Pereira, Caio Mário da Silva,Instituições de direito civil: direito de família – 26. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 45-46

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teto, mas convivam de mesma forma, sem a perda do referencial do ambiente comum. Como instrumento principal podemos tra-zer a tecnologia e os diversos meios de comunicação (internet, vídeo-chamadas) que possibilitaram que as pessoas pudessem se manter próximas sem a necessidade da presença “física”.

As relações familiares são formadas principalmente com os ideais de convivência e afeto, no qual pessoas interligadas por laços sanguíneos primam pelo bem-estar, felicidade e sucesso de seus semelhantes. O direito à convivência familiar é dirigido aos membros de determinado núcleo familiar, além do Estado e à sociedade como um todo. No Brasil, por exemplo, a convivência não se esgota somente no núcleo (pais e filhos). Em muitas famí-lias a convivência é estendida aos avós, tios, primos e padrinhos, integrando um vasto ambiente solidário. Na prática, o direito a convivência se mostra tão importante que influenciou em decisões que asseguram aos avós o direito de visita aos netos.

Podemos utilizar o mesmo conceito para as famílias socioafe-tivas que por sua vez se formam em função dos vínculos afetivos estabelecidos entre pessoas que convivem no mesmo ambiente, primando, essencialmente, o bem-estar de todos os envolvidos.

6.a paREntaLidadE SOciOafEtiva Antigamente as famílias eram limitadas às questões genéti-

cas e biológicas, decorrentes do casamento ou da união estável. Hoje em dia a entidade familiar possui diversas formas e padrões, afirmando a teoria de que o vínculo principal entre os membros do núcleo seria o afeto. Sendo assim, o parentesco afetivo e psi-cológico mudou e também ampliou o conceito de paternidade (ou parentalidade), estendendo-o aos vínculos afetivos.

Para Mariana Chavesa parentalidade socioafetiva consiste:

O reconhecimento da parentalidade socioafetiva o reconhecimento da parentalidade socioafetiva não implica – necessariamente – em uma punição aos

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familiares consanguíneos. Biologia e afeto podem – e devem – caminhar juntos, de mãos dadas, sempre que tal fato se mostrar benéfico às partes, tomando em consideração o princípio absoluto e inafastável do melhor interesse da criança ou adolescente.21

Com o passar dos anos, o conceito de família mudou junta-mente com seus membros, isto é, a família deixou de ser apenas a figura paterna e materna, podendo ser também multiparental, por meio da parentalidade socioafetivas, ideais trazidos pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002.

Ainda assim, o Código Civil22 apresenta as espécies de paren-tesco, definindo-as como natural ou civil, esclarecendo, ainda, que ele pode resultar das relações consanguíneas ou de outra origem

“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, confor-me resulte de consanguinidade ou outra origem”

A doutrina tem identificado elementos em que a jurispru-dência possa interpretar o artigo de forma mais abrangente, isto é, incluindo o parentesco socioafetivos a partir da análise do dispositivo. Diante da analogia realizada, o Enunciado 256 do CJF23 consolidou o entendimento da seguinte forma:

“Enunciado 256 do CJF – art. 1593. A posse do es-tado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”

Sendo assim, o parentesco socioafetivo já foi reconhecido em nosso ordenamento jurídico, inclusive, o princípio do paren-

21 CHAVES, Marianna. Multiparentalidade: a possibilidade de coexistência da filiação socioafetiva e filiação biológica. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/24472/multiparentalidade-a-possibilidade-de-coexistencia-da--filiacao-socioafetiva-e-filiacao-biologica. Acesso em: 11 de mai de 2019.

22 BRASIL. Código Civil de 2002.23 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar,

III Jornada de Direito Civil. Art. 1593 do Código Civil. Enunciado nº 256.

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tesco não reside somente no ato material por meio do vínculo biológico. Para Belmiro Pedro Welter24, a filiação socioafetiva pode ocorrer mesmo quando não houver um vínculo biológico ou jurídico, uma vez que os pais criam seus filhos por mera opção, dando-lhes amor, carinho e cuidado. Portanto, o denominado “filho de criação” também pode fazer parte da mesma família, aonde prepondera o amor, e como vínculo probatório, o afeto.

Em suma, a parentalidade socioafetiva consiste no vínculo de parentesco civil entre pessoas que não compartilham vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrên-cia do forte vínculo afetivo formado entre elas. Inclusive, vale a ressalva de que, caso comprovada a relação parental por meio da afetividade, os filhos socioafetivos possuem os mesmos direitos dos biológicos, em detrimento da igualdade prevista pela Cons-tituição Federal, entendimento também consolidado pelo Enun-ciado nº 6 do Instituto Brasileiro de Direito de Família25 que diz:

“Enunciado nº 6 IBDFAM: Do reconhecimento ju-rídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental”

Como exemplo prático, podemos citar que um pai consi-dere o filho de sua atual companheira como se seu filho fosse, independentemente do vínculo genético entre ele e o menor em função do elo afetivo, o amor e o respeito mútuo constituído a partir da convivência firmada entre eles. Essa convivência e o vínculo afetivo passa a surtir efeitos no mundo jurídico e, caso ambos concordem, o pai afetivo pode registrar o filho de sua

24 WELTER, Belmiro Pedro, Filiação biológica e socioafetiva: igualdade. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: síntese, 2002, p. 133, nº 14.

25 BRASIL, Instituto Brasileiro de Direito de Família, Flávio Tartuce, José Fernando Simão e Mário Luiz Delgado, X Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte, 2013,Enunciado nº 6.

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companheira como seu filho, gerando direitos e obrigações em função da filiação.

A família, como dito anteriormente, passa por diversas modificações, inclusive sociológicas e jurídicas, uma vez que o Estado se mostra mais presente. Essa presença ocorre por meio da Constituição Federal que normatiza a família, mas também permite uma interpretação ampla sobre as formas de família, que podem ser monoparental, pluriparental, consanguínea ou socio-afetiva. Além disso, a própria constituição prioriza os direitos fundamentais de todos os membros da família, acompanhando a evolução social. Em suma, a família moderna possui proteção estatal com efeito erga omnes, que é adotado em diversos países independentemente das diretrizes políticas e ideológicas.

Podemos analisar que a família moderna é amparada pelo princípio da solidariedade que fundamente a presença da afeti-vidade em seu conceito e existência, dando a ela extrema impor-tância no exercício da função social de valorizar o ser humano. Por esse motivo que a família nos modelos atuais é sempre socioafetiva, por ser um grupo social unido com base no afeto e na convivência, gerando efeitos jurídicos.

Diante disso, podemos perceber que o Direito Civil é cons-titucionalizado, isto é, segue os ditames estabelecidos na Carta Magna, com base nas noções de dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF/1988), de solidariedade social (art. 3°, I, CF/1988) e de igualdade entre os filhos (art. 5°, caput, e 227, §6°, da CF/1988).

Maria Berenice Dias26 reflete que as famílias estão em cons-tante mudanças, inclusive com os avanços científicos realizados com o decorrer dos anos. Em função da referida realidade, a busca para classificação dos vínculos familiares julga necessário o reconhecimento de novos referenciais, tais como a filiação socioa-

26 DIAS, Maria Berenice, Entre o ventre e o coração, 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_595)4__entre_o_ventre_e_o_coracao.pdf> Acesso: 31 de mai. 2019

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fetiva no qual a posse do estado de filho e a “adoção à brasileira” quebraram o paradigma de que a família seria formada somente por laços genéticos.

Dessa forma, a paternidade não consiste somente na verda-de jurídica ou biológica, mas sim pelo elo afetivo firmado entre pais e filhos, cuja origem se legitima a partir dos sentimentos dos envolvidos.

6.1 Os efeitos da parentalidade socioafetivaPara sua existência, a parentalidade socioafetiva possui re-

quisitos, no qual o principal deles é a afetividade, que é gerado pela convivência. Atualmente, as relações consanguíneas e afeti-vas são autônomas de qualquer justificação para a constituição da família, sendo inegável a importância da convivência harmo-niosa entre os membros da família, sendo a afeição entre elas o elemento mais importante, uma vez que não basta somente a manutenção biológica do conjunto pais-mães-filhos.

Nesse sentido, ante a possibilidade do reconhecimento de mais de um vínculo familiar, o TJ-DF determinou como possí-vel a existência de dois tipos de relações familiares, o que será aprofundado posteriormente, ou seja, é possível a coexistência pacífica da parentalidade socioafetivas e da biológica

CONSTITUCIONAL E FAMÍLIA. AÇÃO DE RECO-NHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA COM REGISTRO DE MULTIPARENTALIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO PREEXISTENTE. RECONHECIMENTO SIMULTÂNEO DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO. DUPLA MATERNIDADE. POSSIBILIDADE. TESE FIXADA PELO STF COM REPERCUSSÃO GERAL. SENTENÇA REFORMADA. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao conceder repercussão geral ao tema n. 622, no leading case do RE 898060/SC, entendeu que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios. 2.

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Consoante se infere do referido julgado, houve uma mudança no entendimento sobre o tema da multi-parentalidade, em virtude da constante evolução do conceito de família, que reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 3. In casu, constatada a coexistência de dois vínculos afeti-vos; quais sejam, com os pais socioafetivos e com a mãe biológica, não havendo qualquer oposição de nenhuma das partes sobre o reconhecimento da multiparentalidade, o seu reconhecimento é medida que se impõe. 4. Recurso provido. Sentença reformada. (TJ-DF 20160110175077 - Segredo de Justiça 0003593-61.2016.8.07.0016, Relator: JOSA-PHA FRANCISCO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/10/2017, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 14/11/2017.Pág: 521/525)

Desse modo, a parentalidade socioafetiva pode ser classifica-da de duas formas: a parental registral e a parental por afinidade.

Como mencionado anteriormente, o parentesco socioafetivo por afinidade consiste na relação afetiva paterna ou materna, sem a necessidade de relação biológica ou registro civil. Por exemplo: filho de cônjuge ou companheiro, no qual o padrasto criou e educou o menor.

Vale ressaltar que nos casos de separação, o pai ou mãe so-cioafetivo possui o direito de ver a criança, haja vista que o víncu-lo afetivo não se desfaz, conforme o art. 1595 §2º do Código Civil. O referido dispositivo está amparado pelos princípios do melhor interesse da criança e o da afetividade, desde que as partes, por ato de vontade, queiram manter a convivência, não podendo ser exigida a visitação por parte do padrasto ou madrasta27.

27 MALUF, Carlos Alberto Dabus, MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas, As relações de parentesco na contemporaneidade - prevalência a priori entre a parentalidade socioafetiva ou biológica - Descabimento - Definição em cada caso concreto do melhor interesse dos filhos - Multiparentalidade - Reco-nhecimento em Casos Excepcionais. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 33/2014, p. 19 - 43, Jan - Jun, 2014.

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A parentalidade socioafetivas gera diversos efeitos, abran-gendo diversas áreas do direito. Nesse sentido, serão descritas somente as principais que podem contribuir para o assunto do presente artigo.

6.1.1. A extensão da parentalidade socioafetivaA extensão da parentalidade formada entre pais e filhos

socioafetivos pode alterar a “ordem” da arvore genealógica de uma família, dando aos filhos novos ascendentes e colaterais, gerando, portanto, irmãos socioafetivos, avós e tios.

Na hipótese de irmãos socioafetivos, a interpretação do art. 1521 do Código Civil que versa sobre os impedimentos legais deveria ser revista, uma vez que o inciso IV do referido artigo determina a impossibilidade de casamento entre irmãos unila-terais ou bilaterais, referindo-se apenas aos irmãos biológicos. O regramento das relações de parentesco estão inseridas no art. 1591 do CC, dividindo-as em linha reta ou colateral, mas segundo o Código, o parentesco pode ser natural ou civil, conforme con-sanguinidade ou outra origem - que abre margem para inserção da parentalidade socioafetiva -. Sendo assim, quando se faz pre-sente a paternidade ou maternidade socioafetiva são contados, em linha reta, pelo número de gerações, e na colateral, pelo mes-mo número, subindo de um dos parentes até o ascendente em comum, descendo até o próximo. Na prática, quando constituída esta relação, todos os membros serão tratados como se de sangue fossem, estabelecendo uma relação de igualdade com as mesmas consequências do parentesco biológico. Assim, a aplicabilidade dos artigos mencionados anteriormente é válida para os casos de filiação socioafetiva, sem a necessidade de alteração na legis-lação, uma vez que a doutrina e a jurisprudência já aplicam os mesmos ditames sem a necessidade de modificações, com base nos princípios gerais do direito das famílias28.

28 Cassettari, Christiano, Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos, 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015.p. 113-114.

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Desse modo, a regra do art. 1521 do Código Civil também vale para as famílias formadas pela socioafetividade. Não podendo haver casamento entre os parentes em linha reta (os cônjuges dos irmãos dos filhos socioafetivos serão seus parentes por afinida-de, vedando, também, o matrimonio na hipótese de adoção com quem foi casado com o adotado - nora ou genro - e do adotado com quem foi cônjuge do adotante - padrasto ou madrasta -) Da mesma forma, a proibição supramencionada inclui os parentes colaterais até terceiro grau, não podendo os filhos socioafetivos constituírem matrimonio com seus sobrinhos.

Seguindo a mesma lógica, os cônjuges ou companheiros vincula-se aos parentes do outro por afinidade, limitando-se aos ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge, afinidade esta que não se extingue com a dissolução do relacionamento. Reco-nhecida a paternidade ou maternidade socioafetiva, o(s) filho(s) formam vínculos com os parentes, acarretando todos os direitos decorrentes da parentalidade, inclusive pensão alimentícia, direito à visita e questões previdenciárias.

6.1.2. A prestação de alimentos em face da parentalidade socioafetiva

Da mesma forma que a parentalidade socioafetiva se estende aos descendentes, ascendentes e colaterais, há também o prece-dente para a prestação de alimentos, uma vez que o dispositivo do Código Civil não apresenta um rol específico.

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis

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à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

A própria jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 2018 reconheceu a obrigatoriedade do paga-mento de alimentos socioafetivo, incluindo no caso o instituto da multiparentalidade.

APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE PARENTESCO. IN-VESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E ALIMENTOS. 1. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CONCOMITAN-TEMENTE AO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO BIOLÓGICO PARA TODOS OS EFEITOS. CABIMENTO. DIREITO INDISPONÍVEL DO AUTOR. EXAME GE-NÉTICO (DNA). RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO E SEUS REFLEXOS QUE SE IMPÕEM INDEPEN-DENTEMENTE DE PERQUIRIÇÕES ACERCA DA EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO COM O PAI REGISTRAL. TESE DE REPERCUSSÃO GERAL FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RE Nº 898.060. 2. ALIMENTOS. FILHA MENOR DE IDADE AO TEMPO DO AJUI-ZAMENTO DA AÇÃO. PRESUNÇÃO DAS NECES-SIDADES. AFERIÇÃO DO BINÔMIO ALIMENTAR. AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DAS POSSI-BILIDADES DO ALIMENTANTE. FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS CONFORME VALOR OFERTADO EM CONTESTAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. 1. A investigação de paternidade pelos filhos em rela-ção aos pais biológicos é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, sendo bastante para o julgamento de procedência da pretensão, incluindo reflexos patrimoniais, a prova genética que atesta a veracidade da alegação inicial, independentemente de qualquer perquirição acerca do desenvolvi-mento de vínculo socioafetivo com o pai registral. Tema julgado no Plenário do Supremo Tribunal Federal STF com repercussão geral reconhecida, à

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conclusão de que a existência de paternidade so-cioafetiva não exime de responsabilidade o pai bio-lógico. Assentou o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomi-tante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (RE nº 898.060, Min. LUIZ FUX, julgado em 21/09/2016, Tribunal Pleno). 2. Nada obstante tenha a alimentanda implementado a maioridade no curso da demanda, certo que é faz jus ao pensionamento desde a citação, momento em que suas necessidades ainda eram presumidas, motivo por que devem ser fixados os alimentos. A obrigação alimentar deve ser fixada na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, o que significa dizer, por outras palavras, que os alimentos devem ser fixados observando-se o binômio necessidade (do alimen-tando) - possibilidade (do alimentante), visando à satisfação das necessidades básicas dos filhos sem onerar, excessivamente, os genitores. Hipótese em que inexiste prova das reais necessidades da alimentanda e das condições financeiras do ali-mentante, o que leva à fixação dos alimentos tendo como referência o salário mínimo e o valor ofer-tado pelo genitor para o caso de procedência do pedido. APELAÇAO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70078738317, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 26/09/2018)

O reconhecimento da necessidade da prestação de alimentos nas relações familiares que envolvam a socioafetividade foi re-conhecido, também, pelo Conselho da Justiça Federal29 por meio do Enunciado nº 341.

29 BRASIL, Conselho da Justiça Federal. Coordenador-Geral: Min. Ruy Rosado de Aguiar, IV Jornada de Direito Civil. Art. 1.696 do Código Civil, Enunciado nº 341.

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“Enunciado 341 do CJF – Art. 1.696. Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar”

Christiano Cassetari30 entende que a parentalidade socioa-fetiva abrange diversas relações de parentesco do mesmo núcleo familiar, não tão somente pais e filhos. Dessa forma, em analogia ao que já ocorre nos casos de filiação biológica, o dever de prestar alimentos é recíproco entre os demais familiares, em conformi-dade com o disposto no art. 1694 do Código Civil. Isto é, o filho socioafetivo pode requerer a prestação alimentícia de avós, bisa-vós, tios, irmãos etc., assim como também poderá constar no polo passivo da relação como aquele que deve cumprir a obrigação.

A prestação de alimentos se trata de prestar alimentos, no que diz respeito ao parentesco e, por consequência os pais possuem o vínculo de solidariedade que une os membros de um mesmo grupo familiar sobre a comunidade de interesses e o auxílio quando necessário31

O Código Civil vigente, em conformidade com o art. 229 da Constituição Federal, impõe por meio do art. 1.696 a reci-procidade do direito de perceber a prestação alimentícia entre os pais e filhos, sendo extensiva aos ascendentes, recaindo aos mais próximos na ausência de outros. Destaca-se, do mesmo modo, que o art. 1.697 do diploma civilista determina a ordem em que a referida prestação alimentar deve ocorrer na ausência de ascendentes, o cumprimento da obrigação se transfere aos descendentes, respeitando as normas sucessórias.

Desse modo, mesmo não sendo explicita na legislação, a posse do estado de filho é um forte indício para a declaração de filiação socioafetiva. Portando, gera efeitos jurídicos como a

30 CASSETTARI, op. cit., p. 120. 31 GOMES, Fernando Guidi Quintão, A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E SEUS EFEI-

TOS NA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS. Trabalho de Conclusão de Curso do Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, 2008, p. 50

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obrigação alimentar, uma vez que sempre foi tratado como filho e membro da família, devendo ser reconhecida a relação filial e as demais consequências oriundas dela.

Esse entendimento é adotado pelos magistrados a fim de reconhecer a relação de filiação socioafetiva, ensejando à pres-tação de alimentos. Inclusive, Maria Berenice Dias ratifica da seguinte maneira:

Quem é amado tem direitos. Como o afeto gera ônus e bônus, aí se situa a natureza da obrigação alimentar. Por isso se trata de obrigação recíproca, pois quem tem direitos também tem encargos. Somente a exigibilidade da obrigação alimentar está condicionada à presença da necessidade. (...) Às vezes, a necessidade é presumida, como ocor-re com os sujeitos ao poder familiar. Fora dessa hipótese, basta alguém comprovar a ausência de possibilidade para prover o próprio sustento para ter o direito de exigir alimentos de quem o amou. (...) Não basta procurar a lei que preveja a obriga-ção alimentar e nem condicionar a imposição do encargo à presença de uma situação que retrate paradigmas pré-estabelecidos. Ao magistrado cabe identificar a presença de um vínculo de afetividade. Dispensável, a certidão de casamento ou o registro de nascimento. A formalização dos relacionamen-tos é desnecessária para o estabelecimento dos vínculos afetivos e, via de consequência, para o reconhecimento de direitos e imposição de obri-gações recíprocas.32

6.1.3 A parentalidade socioafetiva para fins de registroA filiação socioafetiva abrange inovações em relação à guar-

da e alimentos, mas no que tange aos efeitos patrimoniais não

32 DIAS, Maria Berenice, Alimentos, sexo e afeto, 2010. Disponível em http://www.mariaberenice.com.br/artigos.php?subcat=&codigo=#anc. Acesso: 18 de mai. 2019

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existem garantias na legislação. A interpretação prática depende do posicionamento dos magistrados no caso concreto33.

Como mencionado anteriormente, a filiação socioafetiva está inserida na prestação de alimentos, uma vez que estaria equiparada com a filiação biológica. Teoricamente, as questões que envolvem direito sucessório não poderiam ser diferentes, portanto, os filhos oriundos de relações familiares baseadas na socioafetividade estão equiparados aos demais. Essa afirmação ocorre principalmente com base no princípio da igualdade que está cada vez mais presente no direito das famílias, juntamente com a dignidade da pessoa humana e a não-discriminação entre os filhos.

Lembramos que a discriminação entre os filhos biológicos era muito comum nos núcleos familiares, no qual somente àque-les considerados “de sangue” possuíam direito sobre os bens etc. Atualmente, os filhos socioafetivos não são discriminados, em conformidade com os princípios acima descritos.

O TJDFT entende que os filhos socioafetivos fazem jus a ter seus direitos sucessórios resguardados. Eis a decisão do acórdão:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. AUSÊNCIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. CONFIGURADA. ANULAÇÃO DE REGISTRO. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS E DIREITOS SUCESSÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A despeito da comprovação por meio de exame de DNA da inexistência de filiação biológica, tal fato, por si só, não é capaz de romper com a filiação socioa-fetiva construída por mais de uma década entre pai e filho, uma vez que o êxito da ação negatória de paternidade depende da demonstração, con-comitante, de inexistência de vínculo biológico e

33 Bastos, Diana Santos, Bonelli, Rita Simões, Filiação Socioafetiva e o Di-reito de Sucessão. Disponível em: <https://bastosesodre.jusbrasil.com.br/artigos/359784302/filiacao-socioafetiva-e-o-direito-de-sucessao>. Acesso: 18 de mai. 2019

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socioafetivo ou da comprovação de vício de con-sentimento. 2. Excepcionalmente é permitida a anulação do registro em caso de comprovação de vício de consentimento, nos termos do art. 1.604, do Código Civil, o que não se observa na espécie. 3. O reconhecimento da paternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhes são inerentes, inclusive direitos hereditários e obrigação alimentar, não sendo admitido pela simples vontade da parte que tais efeitos sejam afastados. 4. Apelação conhecida e não provida. (Acórdão n.1127864, 00158537420148070006, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES 7ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/10/2018, Publicado no PJe: 17/10/2018.

Por fim, Christiano Cassetarisalienta que as questões su-cessórias devem ser tratadas com cautela em relação à socioa-fetividade:

No que tange a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, conclui-se que serão aplica-das todas as regras sucessórias na parentalidade socioafetiva, devendo os parentes socioafetivos ser equiparados aos biológicos no que concerne a tal direito. Porém, devemos ver com cautela o direito sucessório, pleiteado post mortem, quando o autor nunca conviveu com o pai biológico em decorrência de ter sido criado por outro registral, e dele já ter recebido a herança. Acreditamos que a tese da socioafetividade deve ser aplicada às avessas, ou seja, também para gerar a perda de direito, pois, se a convivência com o pai afetivo pode gerar o direito sucessório pela construção da posse do estado de filho, caso ela não existisse poder-se-ia afirmar que não haveria direito à herança no caso em tela.34

34 CASSETTARI, op. cit., p. 130

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Dentre os efeitos e avanços da parentalidade socioafetiva, podemos mencionar o Provimento 63/2017 do CNJ, cujo reco-nheceu a paternidade ou maternidade socioafetiva no registro de nascimento dos filhos. O referido provimento foi aprovado considerando a ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva, os princípios da afetivi-dade e da dignidade da pessoa humana como fundamento para caracterização da filiação civil e a possibilidade de parentesco de origem diversa da consanguinidade.

O provimento unifica no território nacional a autorização do reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais, ou seja, extraju-dicialmente, tornando desnecessária a provocação das varas de família e da infância e juventude.

Pelo disposto na determinação do CNJ, quaisquer pessoas maiores de 18 anos, pouco importando o estado civil, podem reconhecer a parentalidade socioafetiva, exceto irmãos e ascen-dentes e que sejam 16 anos mais velhos do que o filho no qual se pretende reconhecer a socioafetividade. A partir do Provimento 63 basta o comparecimento em qualquer cartório de registro de pessoas naturais - podendo ser diverso em que foi lavrada a certidão de nascimento - na posse dos documentos pessoais juntamente com a concordância dos genitores que realizaram o registro do menor35.

O próprio Conselho Nacional de Justiça reconheceu expres-samente o instituto da multiparentalidade, desde que respeitado o limite registral de dois pais e duas mães no campo de filiação do menor, consolidando a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto a multiparentalidade (Recurso Extraordinário 898.060-SC,

35 BARANSKI, Julia Almeida. A parentalidade socioafetiva no Provimen-to 63/2017 do CNJ. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-19/tribuna-defensoria-parentalidade-socioafetiva-provimen-to-632017-cnj>. Acesso: 31 de mai. 2019.

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que instaurou a Repercussão Geral 622) em que a parentalidade socioafetiva não se sobrepõe em relação à biológica, mas ambas se-riam consideradas equivalentes no que tange aos efeitos jurídicos.

7.a MULtipaREntaLidadEComo mencionado anteriormente, a evolução da sociedade

é uma das causas para a evolução da família. Atualmente, com constitucionalização do direito civil, bem como a pluralidade fa-miliar surgiram diversos núcleos familiares diferentes, mas todos com os objetivos semelhantes: a comunhão de vida, realização pessoal dos membros, respeito e proteção.

Com essas alterações, a filiação também se tornou objeto de mudanças, cujo princípio norteador é o afeto, servindo, também para a definição de vínculos parentais. A própria Constituição Federal, por meio do art. 227, assegura a igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem (biológica ou socioafetiva), vedando toda e qualquer atitude de cunho discriminatório, as-segurando direitos e deveres a todos membros da prole.

Primeiramente, devemos conceituar a multiparentalidade como a possibilidade jurídica dada ao genitor biológico e do ge-nitor afetivo de invocarem os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade – princípios regentes do direito das famílias – para garantir a manutenção de vínculos parentais. Quanto a sua estrutura, a família multiparental não possui um padrão, tornando a ideia de que a família monogâmica com vínculos somente genéticos obsoleta. Outro ponto interessan-te é a questão patrimonial, que deixa de ser o foco, mas sim o direito dos indivíduos, prevalecendo as relações interpessoais junto a sociedade.

Inclusive, Maria Goreth Valadares também afirmou ser pos-sível o reconhecimento da multiparentalidade em artigo sobre o tema, no qual aduz:

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O Direito, como guardião das relações sociais, deve se ater às mudanças advindas das relações familiares, tendo uma postura ativa. Julgar pela impossibilidade jurídica da pluriparentalidade em todo e qualquer caso concreto, sob o pretexto de que uma pessoa só pode ter um pai ou uma mãe, não atende as expectativas jurídicas de uma sociedade multifacetada.36

O direito das famílias evoluiu ao ponto de tornar possível a tutela da multiparentalidade, rompendo o paradigma de que as famílias devem seguir o modelo binário, tanto em relação aos casais heterossexuais quanto aos casais homossexuais, garantindo a ideia de múltiplos pais e mães.

A realidade desses grupos familiares tem sido ressaltada nos casos julgados pelos Tribunais, bem como pelo Supremo Tribu-nal de Justiça, envolvendo a admissibilidade de múltiplos pais e mães. Por exemplo: casos em que os pais biológicos pleiteiam o acréscimo de seus nomes no registro do filho, ou até inclusão de nome e sobrenome daqueles que criaram o indivíduo no registro de nascimento juntamente com os pais biológicos37.

Devemos observar a diferença da multiparentalidade para as demais formas de parentalidade, haja vista que ela consiste na ideia de 3 ou mais pessoas como genitores, com dois ou mais pais ou mães, diferente da biparentalidade que é composta por dois pais, duas mães ou pai e mãe38.

36 VALADARES, Maria Goreth Macedo. Uma Análise Jurídica da Pluriparenta-lidade: da Ficção para a Vida como ela é. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre, v. 14, n. 31, p. 82-100. In Faria, Cristiane, Multiparentalidade: existência construída pelo afeto, 2018, Revista dos Tribunais vol. 998/2018, p. 27 - 41.

37 LOBO, Paulo, Parentalidade, Socioafetividade e Multiparentalidade. Disponível em:<http://genjuridico.com.br/2018/05/09/parentalidade--socioafetividade-e-multiparentalidade/> Acesso: 19 de mai. 2019.

38 BUNAZAR, Maurício. Pelas portas de Villela: um ensaio sobre a plu-riparentalidade como realidade sócio jurídica. Revista IOB de Direito de Família. P.69. nº 59, p. 63-73, abr-mai. Síntese. Porto Alegre. 2010.

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O reconhecimento da multiparentalidade ocorre por meio da inclusão no registro de nascimento do indivíduo, no qual será acrescentado o nome do pai ou mãe socioafetivo juntamente com o nome dos pais biológicos. Na multiparentalidade há a afirmação do direito de convivência no núcleo familiar, ou seja, a paternidade socioafetiva pode ser exercida sem a exclusão do vínculo biológico e vice-versa.

As ações ajuizadas objetivando o reconhecimento da multipa-rentalidade devem priorizar o interesse do menor, caso presentes no processo, sendo necessária a atuação do Ministério Público. Quanto a produção de provas, serão admitidas todas plenas em direito, sejam documentais, testemunhais e periciais, uma vez que o reconhecimento da multiparentalidade não é reversível. As provas produzidas nos autos são de suma importância para evitar o abuso de direito, em muitos casos as ações podem ser confundidas em meros interesses patrimoniais do que efetiva-mente de afeto, que uma vez reconhecida a multiparentalidade, o indivíduo possui os mesmos direitos que os filhos biológicos. Como exemplo, podemos mencionar as questões de direito su-cessório que, quando reconhecida a multiparentalidade, o filho se torna herdeiro necessário de seus pais, possuindo direitos de ambas as famílias (biológica e socioafetiva) em função do conceito de multiparentalidade que ocorre com a inclusão da família no registro do indivíduo39.

Renata de Lima Rodrigues assinala o seguinte sobre a mul-tiparentalidade:

Sendo assim, defendemos a multiparentalidade como alternativa de tutela jurídica para um fenô-meno já existente em nossa sociedade, que é fruto,

39 Bertoldo, Daniela Lusa, MENDES, Jennifer Helena, SILVA, Luiz Guilherme Santana, MARTINEZ, Adilsen Claudia. MULTIPARENTALIDADE E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA: EFEITOS JURÍDICOS, Revista do Curso de Direito da Uni-versidade Braz Cubas, V1 N1, 1-1. Maio de 2017

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precipuamente, da liberdade de (des)constituição familiar e da consequente formação de famílias reconstituídas. A nosso sentir, a multiparentalidade garante aos filhos menores que, na prática, convivem com múltiplas figuras parentais a tutela jurídica de todos os efeitos que emanam tanto da vinculação biológica como da socioafetiva, que, como demons-trado, em alguns casos, não são excludentes, e nem haveria razão para ser, se tal restrição exclui a tutela aos menores, presumidamente vulneráveis. Assim, caso seja rompida a convivência familiar com quaisquer das figuras parentais – formadas por vínculos biológicos, presumidos ou socioafetivos –, o menor terá mecanismos jurídicos capazes de proteger seus direitos fundamentais, especialmente enumerados para preservar a possibilidade de seu desenvolvimento pleno, pois, através do convívio e do cuidado diário, tornaram-se dependentes da assistência provida por cada um deles, tanto no âmbito material, quanto na seara existencial, de modo a gerar os mesmos efeitos do parentesco.40

Em suma, a multiparentalidade é a materialização do que ocorre no mundo dos fatos dentro do meio jurídico. Assim, a existência do direito de convivência familiar em que a criança ou adolescente tanto da família biológica, em conjunto com a família socioafetiva.

Em contexto tal, o 9º Enunciado do IBDFAM41 frisa:

“Enunciado n º 9 do IBDFAM: a multiparentalidade gera efeitos jurídicos.”

40 RODRIGUES, Renata de Lima, Multiparentalidade e a nova decisão do STF sobre a prevalência da verdade socioafetiva sobre a verdade biológica na filiação. Disponivel em: https://www.ibijus.com/blog/12-multiparentalidade--e-a-nova-decisao-do-stf-sobre-a-prevalencia-daverdade-socioafetiva-sobre--a-verdade-biologica-na-filiacao Acesso: 20 de mai. 2019

41 BRASIL, Instituto Brasileiro de Direito de Família.Flávio Tartuce, José Fernan-do Simão e Mário Luiz Delgado, X Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte, 2013, Enunciado nº 9.

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8. a REpERcUSSãO gERaL nº 622 dO SUpREMO tRi-BUnaL fEdERaL

A prevalência ou equiparação da parentalidade socioafetiva em face da biológica foi a julgamento no Supremo Tribunal Fede-ral o Recurso Extraordinário nº 898060, proferido pela Ministra Carmem Lúcia, como relator o Ministro Luiz Fux admitindo a coexistência de parentalidades simultâneas, em que:

“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitantemente baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais” 42

A presente decisão contou, também, com a atuação do Ins-tituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) como amicus curiae, representado pelo advogado Ricardo Calderón que declara:

A decisão institui a multiparentalidade e mantém os pais afetivos e biológicos. Trata-se de uma de-cisão muito importante, pois afirma o princípio da afetividade nas relações familiares e consolida o elo socioafetivo como suficiente vínculo paren-tal. Além disso, avança no sentido de reconhecer a possibilidade jurídica da multiparentalidade43

Na mesma situação, o advogado ainda afirma que a distinção de filhos legítimos e ilegítimos deixou de existir. As formas de paternidade, seja socioafetiva ou biológica, devem ser reconhe-cidas em condições de igualdade material, principalmente em casos em que as duas possam expor a vínculos afetivos relevantes, defendendo a preservação do reconhecimento da parentalidade

42 MULTIPARENTALIDADE: Vínculos que se entrelaçam. IBDFAM, Ed. 29, Outubro/Novembro 2016

43 MULTIPARENTALIDADE: Vínculos que se entrelaçam. IBDFAM, Ed. 29, Outubro/Novembro op. cit

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socioafetiva ante o fundamento exclusivo na origem biológica. Dessa forma, a parentalidade socioafetiva é reconhecida como o elemento suficiente para a consagração do vínculo parental, uma vez que este é utilizado pela jurisprudência.

Sendo assim, a socioafetividade se perfila ao lado das filia-ções biológicas, registral e adotiva, haja vista que decorre de uma relação concreta, firmada a partir do afeto entre os envolvidos.

Christiano Cassettari complementa:

Muitos doutrinadores propugnavam pela neces-sidade de se reconhecer a multiparentalidade. Entendo que as filiações biológica e socioafetiva podem coexistir e, inclusive, já são consideradas equiparáveis em vários estados da Federação.44

Ricardo Calderón diz que o tema “filiação” foi recebido no STF como uma repercussão geral que trataria de uma possível “prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica”. Nas palavras do Ministro Relator Luiz Fux, constantes do acórdão do plenário virtual que aprovou a presença do instrumento processual:

Essa possibilidade de prevalência em abstrato de uma modalidade sobre a outra não parecia indica-da, sendo que esse era um dos riscos do resultado desse processo, poderia até causar um retrocesso no direito de família brasileiro.

A tese foi aprovada em sede de repercussão geral, porém, não reconheceu a prevalência entre a filiação socioafetiva em detrimento da biológica, mas manteve a ideia de equidade entre elas, ou seja, ocorre a coexistência de ambas paternidades. Sobre a prevalência, ela possui o seguinte teor:

44 MULTIPARENTALIDADE: Vínculos que se entrelaçam. IBDFAM, 2016, passim

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“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

Por fim, eis a ementa da decisão:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GE-RAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTI-TUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FA-MÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONS-TITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDA-DE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDU-ÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIO-NAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PAREN-TAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POS-SIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. [grifos acrescidos]

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Diante da decisão proferida podemos destacar os principais efeitos da decisão45:

a) O reconhecimento jurídico do princípio da afetividadeNo julgamento, os ministros mencionaram diversas vezes o

referido princípio, efetivando a tese firmada sobre a afetividade. Inclusive, o princípio foi citado na manifestação do Min. Celso de Mello, defendendo a ampla doutrina do direito de família sem qualquer objeção em relação ao reconhecimento da socioafeti-vidade pelos demais ministros no caso.

b) Vínculo socioafetivo e biológico em igual grau de hierar-quia jurídica

Outro aspecto de ampla relevância é a presença da filiação socioafetiva e biológica em grau de igualdade no aspecto jurídico, ou seja, sem hierarquia entre si. Até então, o Supremo Tribunal de Justiça manteve o entendimento da prevalência da filiação bio-lógica sob a afetiva nos casos de reconhecimento de paternidade apresentados pelos filhos.

Importante também é a manifestação do Relatorno sentido de:

Se o conceito de família não pode ser reduzido a modelos padronizados, nem é lícita a hierarquiza-ção entre as diversas formas de filiação, afigura-se necessário contemplar sob o âmbito jurídico todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais (como a fecundação artificial homóloga ou a inseminação artificial hieróloga – art. 1.597, III a V do Código Civil de 2002); (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pela afetividade.46

45 Calderón, Ricardo Lucas. Reflexos da decisão do STF de acolher socioafe-tividade e multiparentalidade. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-25/processo-familiar-reflexos-decisao-stf-acolher-socioafetivi-dade-multiparentalidade#_ftn5>. Acesso: 20 de mai. 2019.

46 Voto do Min. Relator Luiz Fux, ao julgar o RE 898060/SC, p. 14

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Por isso, é importante frisar que a equiparação de vínculos ocorre em função do princípio da igualdade entre os filhos, pre-visto na legislação por meio dos dispositivos: art. 227, §6º da Constituição Federal de 1988, art 1.596 do Código Civil e art. 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

c) Possibilidade jurídica da multiparentalidade O maior avanço entre todos os outros da referida decisão

é de fato o reconhecimento da multiparentalidade de forma expressa. O voto do ministro Luiz Fux é firme no sentido do re-conhecimento da pluriparentalidade:

Da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pre-tender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. (...) Por isso, é de rigor o reconhecimento da dupla parentalidade.47

De modo geral, a referida decisão trouxe diversos benefícios e avanços não somente ao Direito das Famílias, mas ao ordena-mento jurídico brasileiro de modo geral. Porém, como toda ino-vação e novos entendimentos, vários questionamentos acabam surgindo, tais como as questões sucessórias, como herança, no sentido de o filho em relação aos múltiplos pais ou mães e vice--versa ou até sobre o pagamento de alimentos.

Anderson Schreiberressalta:

Há, ainda, o generalizado receio de que a posição adotada pelo STF possa gerar demandas merce-nárias, baseadas em puro interesse patrimonial. Argumenta-se que a corte teria aberto as portas do Judiciário para filhos que somente se interessam

47 Trecho do voto do Min. Relator Luiz Fux, ao julgar o RE 898060/SC, p. 17-19.

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pelos pais biológicos no momento de necessidade ou ao se descobrirem como potenciais herdeiros de fortunas. Nesse particular, competirá aos juízes e tribunais separar, como sempre, o joio do trigo, empregando os mecanismos disponíveis na ordem jurídica brasileira para se evitar o exercício de uma situação jurídica subjetiva em descompasso com seu fim axiológico-normativo. O abuso do direito e a violação à boa-fé objetiva têm plena aplica-ção nesse campo, sendo de se lembrar que são instrumentos que atuam não apenas no interesse particular, mas também no interesse público de evitar a manipulação de remédios que são conce-didos pelo ordenamento não de modo puramente estrutural, mas sempre à luz de uma finalidade que se destinam a realizar.48

Ainda assim, não compete à Suprema Corte resenhar o entendimento de todo o sistema jurídico nacional, o STF deve somente fixar paradigmas - como foi feito com a Repercussão Geral 622 - que reconheceu a igualdade entre a parentalidade socioafetiva e a biológica, mas as questões que exigem mais de-talhes aos poucos serão esclarecidas por meio da doutrina e da jurisprudência utilizando a referida repercussão.

Sendo assim, a multiparentalidade é uma das formas mais justas de reconhecimento da paternidade de um filho que é ama-do igualmente por ambos os pais, ou mães, sem a necessidade de romper o vínculo com outro. Relembrando, também, que a parentalidade socioafetiva põe em prática o princípio da digni-dade da pessoa humana e da afetividade, utilizando como base o amor, o afeto e a assistência mútua.

48 SCHREIBER, Anderson, STF, Repercussão Geral 622: a Multiparenta-lidade e seus efeitos. Disponível em:<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/stf-repercussao-geral-622-a-multiparentalidade-e-seus--efeitos/16982>. Acesso: 20 de mai. 2019

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Vale ressaltar que a multiparentalidade é o oposto da adoção unilateral, haja vista que não há substituição entre os genitores pelos pais socioafetivos, mas sim o acréscimo de um vínculo, antigo ou não, para o indivíduo.

A multiparentalidade também decorre do princípio da pro-teção e, em caso de coexistência de vínculos parentais afetivos e biológicos, ou somente afetivos, é uma obrigação constitucional reconhecê-los. Em se tratando de uma realidade, a justiça já a admite mesmo não havendo lei expressa que possibilite o registro de uma pessoa em nome de dois de dois genitores.

Atentando para esta realidade, diversas decisões por todo o país admitem a inserção do nome de mais de um pai ou mãe no registro de nascimento do filho, sem a exclusão do nome do genitor biológico. As hipóteses mais comuns são aquelas em que após a morte de algum dos genitores, é consolidado o vínculo afetivo com quem a pessoa exercia as funções parentais. Mesmo assim essas hipóteses possuem certas ressalvas, principalmente nos casos envolvendo direito sucessório, no qual é de suma im-portância o período de provas, para que não haja somente um interesse patrimonial e não afetivo49. Nesses casos, o magistrado deve observar as provas e demais alegações.

Na prática, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ade-riu à Repercussão Geral nas decisões proferidas pelo segundo grau seja para fins de registro, alimentos ou reconhecimento de paternidade, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA CUMULADA COM ALTE-RAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PLEITO DE RECONHE-CIMENTO DA PATERNIDADE SOCIAFETIVA E, VIA

49 DIAS, Maria Berenice, Oppermann, Marta Cauduro, Multiparentalidade: uma realidade que a justiça começou a adotar. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_13075)MULTIPARENTALI-DADE__Berenice_e_Marta.pdf>. Acesso: 20 de mai. 2019

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DE CONSEQUÊNCIA, DA MULTIPARENTALIDADE. CABIMENTO. DETERMINAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL, NOS TERMOS DO REQUERIDO. Embora a existência de entendimento no sentido da possibilidade de conversão do parentesco por afinidade em parentesco socioafetivo somente quando, em virtude de abandono de pai ou mãe biológicos e registrais, ficar caracteriza a posse de estado da filiação consolidada no tempo, a vivência dos vínculos familiares nessa seara pode construir a socioafetividade apta a converter a relação de afinidade em paternidade propriamente dita. Sob essa ótica, a filiação socioafetiva, que encontra ali-cerce no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, realiza a própria dignidade da pessoa humana, constitucionalmente prevista, porquanto possibilita que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social vivenciada, enaltecendo a verdade real dos fatos. Multiparentalidade que consiste no reconhecimento simultâneo, para uma mesma pessoa, de mais de um pai ou mais de uma mãe, estando fundada no conceito plu-ralista da família contemporânea. Caso dos autos em que a prova documental acostada aos autos e o termo de audiência de ratificação evidenciam que ambas as partes, maiores e capazes, desejam o reconhecimento da filiação socioafetiva e da multiparentalidade, o que, ao que tudo indica, não traria qualquer prejuízo a elas e a terceiros. Genitor biológico da apelante que está de acordo com o pleito, sendo que o simples ajuizamento de ação de alimentos contra ele em 2008, com a respectiva condenação, não descaracteriza, por si só, a existência de parentalidade sociafetiva entre os apelantes. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70077198737, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 22/11/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE PARENTESCO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE

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CUMULADA COM RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PATERNIDADE BIOLÓGICA CONCOMITAN-TEMENTE AO RECONHECIMENTO DO VINCULO SOCIOAFETIVO. CABIMENTO. TESE DE REPERCUS-SÃO GERAL FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FE-DERAL NO JULGAMENTO DO RE Nº 898.060. PRE-CEDENTES. SENTENÇA REFORMADA. Cabível o reconhecimento da se demonstrada a existência sumultânea de vínculo biológico e socioafetivo. O fato de os pais registrais não aceitarem a inclusão do pai biológico no assento de nascimento do menino não é fundamento, por si só, para negar a pretensão do autor, que se escora em direito per-sonalíssimo relativo ao exercício da paternidade. Acerca do tema, assentou o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento de filiação concomi-tante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (RE nº 898.060, Min. LUIZ FUX, julgado em 21/09/2016, Tribunal Pleno). APELA-ÇÃO PROVIDA POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70079349171, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 24/04/2019)

Felizmente o Poder Judiciário em face da Repercussão Ge-ral 622 e teses sobre a parentalidade socioafetiva consolidou a legitimidade das famílias plurais como detentores de direitos e deveres, mantendo o entendimento do pluralismo familiar. Sendo assim, nos aspectos jurídicos, a família brasileira possui diversas faces, seja ela monoparental, biparental ou pluriparental, conforme os acórdãos acima trazidos, a jurisprudência aplicou o entendimento da Suprema Corte quanto a multiparentalidade, reconhecendo-a e mantendo o foco nas relações afetivas e na dignidade dos entes familiares, para posteriormente analisar as questões patrimoniais.

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9. cOnSidERaçõES finaiSDessa forma, fica claro que o Direito das Famílias sofreu

alterações ao longo dos anos, principalmente com o advento da Constituição Federal de 1988 e posteriormente com a constitu-cionalização do Direito Civil.

Com a alteração no conceito de família, considerando obsole-ta a ideia de que a família deve procriar somente, com a visão do homem como chefe da família e a existência apenas de vínculos familiares biológicos formando núcleos biparentais (somente pai e mãe), passando a priorizar o afeto e a construção de relações familiares com apoio mútuo, respeito e igualdade entre os ge-nitores objetivando a comunhão de vida, as relações familiares passaram a admitir o conceito da parentalidade socioafetiva a partir da formação de núcleos afetivos e não somente biológicos, apesar de que a socioafetividade se mostra presente no cotidiano das famílias brasileiras há gerações.

A partir dessa concepção, com apoio dos princípios norte-adores do direito, a parentalidade socioafetiva se mostra cada vez mais presente nas famílias brasileiras e em função dessa realidade surgiu a multiparentalidade, reconhecida em sede de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal.

A referida decisão demonstra a inclusão de novas formas de se constituir uma família, podendo coexistir ambos os vínculos, sem a necessidade de exclusão de um deles. Assim, tornou-se possível a existência de ambos (vínculo socioafetivo e biológico) sem a prevalência de um em face do outro, em conformidade com a dignidade da pessoa humana respeitando a liberdade de escolha do indivíduo ao formar a sua família da forma que bem entender.

Como mencionado, uma das consequências da decisão da Suprema Corte demonstra que o filhopode optar por reconhecer ambos os vínculos, havendo parentesco com seus genitores so-cioafetivos e biológicos, no qual o seu nome pode ser composto, incluindo o nome dos pais socioafetivos em conjunto com os ge-

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nitores. Além disso, o caráter alimentar e sucessório se mantém como o já utilizado pelo ordenamento jurídico, aplicando o ins-tituto da analogia, ou seja, o filho socioafetivo possui os mesmos direitos e deveres como qualquer outro.

Dessa forma, defende-se que o reconhecimento da multipa-rentalidade demonstra um avanço para o Direito de modo geral, uma vez que garante aos filhos socioafetivos os mesmos direitos garantidos como se biológico fosse incluindo o seu direito de es-colha para manter a convivência com os pais e demais parentes biológicos e socioafetivos, respeitando a liberdade de escolha, dignidade, e integridade do indivíduo sua dignidade e integridade amparado pelo princípio da proteção

Por fim, podemos entender a importância da Repercussão Geral para o Direito das famílias, uma vez que o afeto se torna o principal foco para a construção de um ambiente familiar sau-dável, independentemente da “quantidade” de pais ou mães que formam o núcleo. Em contexto tal, é necessário que o Judiciário também permaneça atento às questões que envolvem a multipa-rentalidade, haja vista que a principal crítica – entre as diversas realizadas até o momento – sobre o entendimento firmado ver-sa as questões de direito sucessório quanto ao patrimônio, as chamadas “ações mercenárias”. Porém, penso que mesmo com a crítica o reconhecimento da multiparentalidade possui como foco principal o respeito da liberdade de escolha do indivíduo ao não precisar reconhecer para fins jurídicos entre o genitor biológico e o socioafetivo, priorizando as relações baseadas no amor e reciprocidade.

Por fim, concluo que a multiparentalidade está de fato in-serida na sociedade, proporcionando melhores condições para a evolução do ser humano. Mesmo assim, cabe ao legislador,com o auxílio do Poder Judiciário, aplicar de forma benéfica a teoria da não sobreposição do vínculo afetivo em face do biológico. Sobre a sua aplicação, é de suma importância salientar que o

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Judiciário possui os mecanismos para manutenção e execução eficiente da multiparentalidade. Mesmo assim, por se tratar de um tema com reconhecimento recente, cabe a doutrina e a juris-prudência realizarem uma construção teórica de teses a fim de pacificar eventuais questionamentos que surgirão sobre o tema no transcorrer do tempo.

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