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Paris, Capital Do Sec XIC - W. Benjamin

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Resenha da obra incompleta de Walter Benjamin. Trabalho realizado para a Disciplina arte, memória e patrimônio do doutorado em História da UFSC.

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Universidade Federal de Santa CatarinaCentro de Filosofia e Ciências HumanasDepartamento de HistóriaPrograma de Pós-Graduação de História CulturalHST 3676000 – Seminário da Linha: Arte, Memória e Patrimônio I– Mestrado.HST 510003 – Seminário da Linha: Arte, Memória e Patrimônio II– Doutorado.Professora Maria de Fátima Fontes Piazza e-mail: [email protected] HELOISA KALB

Texto: BENJAMIN, Walter. Paris, Capital do século XIX. In: Walter Benjamin. Trad. Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Ática, 1985. p. 30-92

Paris, Capital do Século XIX está no livro Sociologia, organizado por Flavio Kothe e é considerada uma obra fundamental de Walter Benjamin, fazendo parte de seu grande projeto de análise da emergência da cultura burguesa no século XIX.

Esta obra é um livro inacabado, trata-se de um conjunto de anotações disperas e de citações das mais diversas, trazendo muitas vezes uma visão incerta do que Benjamin está por concluir. « A fragmentação da escrita, as repetições, a superposição de temas, nos encerram na incompletude da obra, deixando uma sensação de arbitrariedade que o trabalho criterioso e diligente dos editores não consegue dirimir » (Renato Ortiz, 2000).

Nesta obra, Benjamin discorre sobre os célebres planos do barão Haussmann, prefeito do Sena no governo de Napoleão III, em 1853, de engrandecer e embelezar a cidade de Paris, sempre de acordo com as estratégias de defesa contra possíveis levantes civis. Paris é um exemplo de cidade que cresce e se urbaniza em extensão, extravasando suas muralhas, incorporando no espaço urbano as aglomerações vizinhas.

Os encontros de Benjamin com Adorno e Horkheimer foram essenciais para que ele abordasse nesta obra temas aproximados de Marx, da hausmannização, combate de barricadas, ferrovias, bolsa de valores, história econômica, além das sessões dedicadas a Marx, Saint-Simon e Fourier. O livro retrata o periodo de 1828 a 1913 da cidade parisiense, conforme afirma Ortiz (2000).

O conceito de fantasmagoria, bastante utilizado pelo autor, vem da leitura do caráter fetichista da mercadoria. Outro conceito, usado por Benjamin, é o que alegoria, que seria uma figura de linguagem na qual se diz algo para significar outra coisa. Tal expressão se aproxima de Baudelaure, que entende a cidade a partir de um objeto alegórico.

Todos estes temas e conceitos advindos da pesquisa de Benjamin são parte integrante do que ele entende da cidade, sua configuração, seus fluxos, revelando coisas que estão além da percepção sensorial, percepções que transcendem. Assim, entender Paris do século XIX é entender a modernidade que vinha ali surgindo, por meio de suas « Passagens ». Conceito que primeiro seria adotado no título dessa obra, que após encontros com alguns teóricos foi alterado para « Paris, capital do século XIX ».

Benjamin diferencia a Paris de Balzac para a de Baudelaire. « A distância que se intepõe entre elas é preenchida pelas transformações urbanisticas, pelo advento da luz elétrica e dos bondes, pela invenção do cinema, e dos novos estilos arquitetônicos em ferro e vidro, estações ferroviários e grand-magasins » (Ortiz, 2000).

Paris se desloca de um passado do Antigo Regime para através das « passagens » se encontrar na Modernidade. Assim, Benjamin, por meio das alegorias que revela Paris, concretiza tais abstrações a partir das realidades da iluminação a gás, sistema ferroviário, fotografia, vitrines, magazines, etc. Mostra os indivíduos inseridas nessa nova realidade, com seus modos de vida, medos e desejos.

O autor divide o século XIX e início do XX em duas modernidades. Uma fruto da Revolução Industrial, com o surgimento do vapor, das ferrovias e mecanização das fábricas e das indústrias, da criação do proletariado e patronato e o consequente crescimento das cidades. Também aqui surgem a fotografia e, por conseguinte, a imprensa. Gerando atritos entre fotógrafos e pintores. O romance em forma de folhetim ganha força, se

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popularizando no público feminino. E ao mesmo tempo, aumenta a procura pelas assinaturas de jornais. A indústria têxtil faz surgir as magasins de nouveautés, entre a década de 1830 e 1840, renovando completamente o comércio de alfaiataria, exterminando com os costureiros autônomos, tornando a roupa uma mera mercadoria de valor.

O segundo século XIX, já distante da Revolução Industrial da primeira fase, vem se mostrar a partir de 1880, quando um outro sistema técnico se desenvolve. E o telégrafo sem fio, a eletricidade, o automóvel, a indústria química e o cinema que se desenvolvem.

Muitas das características da primeira fase se prolongam na segunda, não podendo ser determinista tal análise. Porém alguns eventos como a criação de grandes magazines (estilo lojas de departamentos) com grandes vãos tem o seu surgimento exclusivamente na segunda fase.

Benjamin lembra também das modificações urbanísticas que ocorrem em Paris. A abertura de ruas por Hausmann interligou pontos da cidade que viviam como ilhas, isoladas no meio urbano. Comunicou, da mesma forma, a periferia ao centro, convergindo em estações de trens. Até 1828 não havia transporte público na cidade, e para que isso pudesse ocorrer, Hausmann teve que « destruir » parte da cidade. Benjamin entende que houve o fim do isolamento no interior da cidade e o desenraizamento do indivíduo de sua territorialidade local. Esses dois movimentos se completam, pois caindo as antigas ruelas e muralhas, abrem-se grandes vias para a circulação das pessoas.

Com essa nova circulação, há a mudança de ação do flâneur, que agora por causa das vitrines expondo mercadorias dia e noite, se senti atiçado pelo apetite consumista. O consumidor, pela primeira vez, se vê como massa, pois se identifica com o valor de troca, o dinheiro, o indivíduo cede lugar à multidão.

Benjamin contrapõe o significado de multidão ao de individualidade. A aglomeração de pessoas abafa o indivíduo. Ele não é mais ninguém, ele é como todos, sem nenhuma heterogeinidade, é o anônimo. Ninguém o reconhece mais nas calçadas. Afinal, como qualquer um, tem dinheiro (mais ou menos) para se tornar consumidor, na lógica capitalista, se fundindo num mesmo padrão, transformando-se em massa. O flâneur torna-se uma mercadoria. O flâneur é fruto desta modernidade.

Após a Revolução Francesa, quando são garantidos direitos aos seres humanos, mas principalmente aos que trabalhavam, libera o homem da posse/propriedade de seu senhor, dono de terras e coloca esse indivíduo, agora livre, para olhar e descrever o urbano. Ele respira a cidade, anda por ela, como que entre labirintos a se encontrar surpresas, como um viajante em busca da novidade. Ele está fora de casa, e portanto, habita o indeterminado, sente-se em casa em qualquer lugar.

O flâneur, em Benjamin, olha a cidade como moradia e como paisagem. Pois seria sua moradia, já que ali habita, e se insere como nativo, porém também como paisagem, uma vez que a proximidade do quadro que o envolve deve ser vista com distância. Esse estranhamento na percepção do flâneur se assemelha à profissão do sociólogo.

A atividade de flânerie é, portanto, intelectual, que o autor exprime por duas metáforas, o do caçador e do detetive. Onde se segue as pegadas para descobrir o verdadeiro local da caça e do ‘assassino’. E também é visto, por Benjamin, como uma atividade voltada à arte. Mais que isso, à vida boêmia. « O boêmio caracteriza-se por sua mobilidade, vive entre as classes sociais, nao pertence a nenhuma delas, e nao se fixa permanentemente em nenhum lgar » (Ortiz, 2000).

O flâneur é também um ato político, contra o sistema da época reinante, contra as apetites burguesas e o vociferante gás do trabalho industrial. Mais que isso, o flâneur se posiciona em face da mercantilização do conhecimento e das artes.

ReferênciasORTIZ, Renato. Walter Benjamin and Paris - individuality and intelectual work. Tempo Social; Rev.Sociol. USP, S. Paulo, 12(1): 11-28, May 2000.