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PARTE I Rodrigo Felix da Cruz e Wilton Oliver Ditada pelo Espírito CÉSAR HANZI da Colônia Recanto de Irmãos.

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PARTE I

Rodrigo Felix da Cruz

e Wilton Oliver

Ditada pelo Espírito

CÉSAR HANZI da

Colônia Recanto de

Irmãos.

2 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

"quem sabe faz muito, quem ama faz muito mais e quem ama

sabendo o que faz, realiza os feitos de Jesus.” (Augusto)

“Não importa as pedras que nos atirem, importam as flores que

colhemos.” (Irmã Margarida)

3 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Rodrigo Félix da Cruz e Wilton Oliver Ditado pelos Espíritos da Colônia Recanto de Irmãos. Publicação digital 1ª edição, Julho de 2014. São Paulo – Brasil Copyright © Todos os direitos desta obra são reservados aos autores que autorizam reproduções desde que citada á fonte. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) DA CRUZ, RODRIGO FELIX. SAGA RECANTO DE IRMÃOS. 90 p. 14 x 21 cm 1. Espiritismo Da Cruz, Rodrigo Felix. II Título

Imagem da Capa: Desenho de Wilton Oliver

espiritismoativo.weebly.com

4 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

SAGA RECANTO DE IRMÃOS

RODRIGO FELIX DA CRUZ

E

WILTON OLIVER

Ditada pelo Espírito

CÉSAR HANZI

da Colônia Recanto de Irmãos.

5 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Agradecimentos:

Em primeiro lugar agradecemos a Deus pela oportunidade de trabalho e aprendizado. Agradecemos também ao amigo César Hanzi que nos inspirou ao trabalho edificante.

6 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Sumário

Apresentação pag. 08 Introdução pag. 09 Primeira Parte (médium Wilton Oliver) 1 – Visitas à casa do irmão Hélio pag. 11 2 – Encontro doce pag. 21 3 – O papel dos mentores pag. 28 4 – O resgate de Ícaro pag. 37 5 – Na câmara de miniaturização pag. 52

6 – Preparação para o porvir pag. 55

7 – A gestação pag. 61

8 – Oportunidade para recomeço pag. 70

9 – Confissões pag. 75

10 – Equipe socorrista pag. 86

11 – Depoimento de Hanzi pag. 96

12 – Nos campos da Colônia pag. 104

13 – Reminiscências pag. 111

14 – Influências nefastas pag. 118

15 – Exposição esclarecedora pag. 125

7 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

8 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Apresentação

Os nossos amigos da Colônia Recanto de Irmãos têm inspirado e amparado os trabalhos das Equipes Luz Espírita e Espiritismo Ativo acerca do estudo, assistência espiritual, divulgação e confraternização em torno do Espiritismo desde há muito. Agora, através da bondade de um deles, César Hanzi, o porta-voz da colônia, recebemos uma educativa narrativa ambientada na Colônia Recanto de Irmão para conhecermos um pouco sobre os personagens que compõem sua história.

Desta forma é que começamos a publicar esta saga, pela qual todos nós também enriqueceremos nossos conhecimentos acerca da vida na erraticidade - o plano dos Espíritos -, até como forma de preparação para nosso retorno - inevitável e venturoso.

Muita Luz para todos nós!

Equipes Luz Espírita e Espiritismo Ativo

9 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Introdução

Caros leitores amigos,

Gostaria de deixar bem claro que não pretendo com este livro trazer grandes e novas revelações. Neste, não falarei de temas outros que grandes colaboradores da Seara do Mestre já não tenham falado e, tenho certeza que, de maneira mais esclarecedora do que eu poderia fazer.

Trago nestes poucos capítulos algumas de minhas experiências no plano espiritual, a contar do momento que cheguei à colônia Recanto de Irmãos e peço aos caros leitores que não tomem todas as minhas impressões como verdades absolutas, e sim, como uma microparcela desta, que estamos longe de conhecer.

Não repudiem nem acatem qualquer destes meus apontamentos sem antes consultar a vossa razão, colocando-os frente aos ensinamentos de nosso Mestre Jesus e de nossos outros amigos espirituais, que nos trouxeram os ensinamentos espíritas.

Fiquem com Deus, meus queridos e eternos irmãos, e boa leitura.

Cesar Hanzi

Colônia Recanto de Irmão

10 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Primeira Parte

(médium Wilton Oliver)

"quem sabe faz muito, quem ama faz muito mais e quem ama

sabendo o que faz, realiza os feitos de Jesus.” (Augusto)

11 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

1 Visitas à casa do irmão Hélio

— Não me apareceu...

— Você morreu...

— O de cima está com o açúcar dentro...

— Não machuca ele... Por favor, eu peço clemência!

— É um favor que fazemos a ele — disse o outro.

— “Meu Deus!” — pensei: “Que cena mais desesperadora!”

Senti em meu íntimo uma vontade incontrolável de fumar e me desesperei ao ver que aquela vontade era compartilhada por muitos outros que ali estavam e aguardavam desejosos mais um trago da vítima encarnada.

Foi quando o meu amigo, que naquele instante se ocupava de me fornecer maiores esclarecimentos, elucidou-me dizendo que aquele desejo que eu sentira não era meu e sim daqueles

12 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

outros tantos Espíritos que ali estavam à forma de simbiontes1, alimentando-se do vício do tabaco.

Então, Perguntei por que eu sentira aquele desejo, pois, para mim, aquilo era estranho, já que, mesmo quando no corpo físico, eu sentia repulsa pelo cigarro.

Como resposta, Miguel me esclareceu, dizendo que fazia pouco tempo que eu havia deixado as regiões inferiores e a minha nova condição exigia algum tempo para adaptação. Por isso senti tal desejo de fumar, mesmo eu não tendo o prazer pelo tabagismo, contudo, eu vibrava na mesma sintonia dos espíritos que estavam nas mesmas regiões das quais eu saíra recentemente.

Dada a questão de afinidade perispiritual, é que eu também sentira aquele desejo incontrolável de experimentar as amargas tragadas naquilo que para o corpo é um veneno lento e mortal, mas aqueles que já não dispõem do corpo físico nele encontram uma prazerosa fonte de alimento vicioso, a saber, o cigarro.

*

Na manhã seguinte, fui despertado por Miguel em um canto do quarto onde eu repousara. Ele me trouxe um belo café, o que foi muito bom porque eu estava realmente faminto.

1 Simbionte: aquele que vive por simbiose, ou seja, que se nutre por estar associado a outro indivíduo e que, neste caso específico, pode ser chamado de vampirismo – Nota do Digitador (N. D.).

13 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Hoje iremos novamente visitar o nosso amigo de ontem, Cesar! Disse-me, com o sorriso entre os lábios.

— Miguel, qual é o objetivo de uma nova visita?

— Estudo — respondeu o meu amigo.

— E hoje alguém que você ainda não teve oportunidade de avistar estará nos acompanhando.

— Eu conheço? — perguntei.

— Não exatamente. Pelo menos não é alguém que você tenha conhecido em sua passagem pelo plano físico, mas que acompanhou de perto todo seu processo reencarnatório e que deseja apresentar-se a você. Você, com certeza, irá se lembrar dela!

— Então é uma mulher?

— Em sua última encarnação o foi.

— Minha mentora?

— Nossa, meu caro amigo. Mas devo adiantar que esta também

14 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

está longe do estado que convencionamos chamar de angelitude e que ela também está na conta dos Espíritos errantes...

— Então, por que me disse que é nossa mentora? Pensei que os chamados mentores fossem anjos!

— Disse que é nossa mentora, pois ela é um Espírito já bastante evoluído em relação a nós, Cesar. Ela tem nos orientado em trabalhos no mundo físico e também no plano espiritual. Todavia, ela também recebe orientações de outros Espíritos que se encontram em estágio maior que o dela. Ser mentor, Cesar, não quer dizer simplesmente ficar parado vigiando o seu tutelado. Pensar que os mentores ou anjos da guarda, como alguns os chamam, estão fadados à monotonia da guarnição dos encarnados é reduzi-los à condição de simples babás.

— Não quis dizer isso, porém, na casa espírita que eu frequentava, enquanto encarnado, aprendi que os nossos mentores são Espíritos que se ocupam em nos guiar em nossos caminhos.

— Sim, César. Mas, daí dizer que eles se ocupam somente com isso é outra coisa. Saiba meu amigo, que esses irmãos do mais alto também recebem orientações de outros Espíritos e todos, indiretamente, as recebemos de Deus.

— Então a casa espírita me ensinou inverdades?

— Não, Cesar. Somente não se pôde dizer daquilo que não conhecia. A Doutrina dos Espíritos ainda não está concluída e nem tão cedo se concluirá, porque à medida que vamos reencarnando,

15 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

vamos nos tornando cada vez mais aptos às novas revelações. Mas isso é assunto para outro momento, Cesar. Na ocasião atual, cuidemos de nossa visita à casa do Sr. Hélio!

Quando cheguei à casa do Sr. Hélio, eu estava um tanto nervoso, pois a experiência de outro dia havia me causado certo temor de voltar às regiões mais inferiores.

— Não se preocupe Cesar. Vai ficar tudo bem! — disse-me Miguel, como quem lesse meus pensamentos.

— Não estou com medo.

— Eu não disse que estava! — sorriu para mim, e aquele sorriso me serviu como um farol para o navegador.

— Olá, meus queridos irmãos, chegaram bem na hora!

Neste momento, aproximava-se de nós uma mulher alta, com cabelos longos até a cintura, com semblante calmo e voz adocicada. Encantei-me com tanta doçura e tanta paz que naquele segundo primeiro me envolvia, trazendo-me boas lembranças.

— Que Deus a abençoe, irmã!

— A todos nós, Miguel! Vejo que você está se inteirando dos assuntos espirituais, Cesar...

16 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Fiquei parado, sem dizer uma palavra àquele ser que a mim se dirigia. Ela me fazia sentir em meu interior a presença divina.

— Perdoe-me, Cesar, não me apresentei... Meu nome é Madalena.

— Devo dizer que estou muito feliz em conhecer aquela que acompanhou toda minha encarnação.

— A felicidade é minha também, Cesar, pois muito me alegra ver um irmão nosso que foi retirado das regiões inferiores se dedicando com tanto afinco nos estudos e nos trabalhos que lhe cabem.

Enquanto a irmã Madalena falava com toda doçura e atenção, pude perceber que Miguel estava com o olhar fixo em um determinado canto da sala.

— Algum problema, Miguel? — perguntou a irmã Madalena, objetivando retomar a atenção do meu amigo.

— Desculpe-me, irmã. Eu estava observando os irmãos que acabaram de chegar e que se aproximaram de nosso querido irmão Hélio.

— Na verdade, eles já estavam aqui, Miguel. Mas você somente os percebeu agora.

— Estes são os mesmos Espíritos de outro dia?

17 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Não, Cesar. Aqueles outros foram ajudados durante o Evangelho que alguns irmãos da casa espírita vieram fazer aqui há poucos dias.

— Mas, se foi feito o Evangelho recentemente, por que outros Espíritos viciosos permanecem próximos de nosso irmão Hélio?

— Como você já deve ter observado, nosso querido irmão em questão possui o insalubre hábito de fumar e que, não raramente, quando ele está nervoso com algo, acredita que o cigarro é um calmante, e assim, Hélio não hesita em dar suas tragadas.

— Sim, tenho percebido isso.

— Pois então, Cesar. Se você já percebeu isso, os irmãos desencarnados que ainda se encontram dependentes dos vícios que possuíam quando no corpo físico, também percebendo essa fraqueza em nosso querido Hélio, estes encontram nele ótimos recursos para saciarem seus desejos mais baixos.

— Isso é o que podemos chamar de obsessão?

— Podemos dizer que o estágio que estes se encontram ainda é de vampirismo, no qual os desencarnados simplesmente usam um vício que o encarnado já possui, não precisando induzi-lo a nada. Porém, devo enfatizar que nosso irmão está sim beirando a obsessão, porquanto os Espíritos que se alimentam de seu vício o estimulam a ficar nervoso por qualquer motivo. Sabem eles que

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Hélio irá procurar no cigarro, e às vezes, em algumas doses de bebida, o calmante que lhe falta na alma. E quanto à questão do Evangelho, os irmãos de outro dia foram socorridos, mas isso não impede que Hélio ou qualquer outra pessoa nesta casa dê razão para novos Espíritos aproveitar-se de seus defeitos morais em benefício próprio.

Para mim, aquelas informações começaram a fazer sentido, dado o fato de que, quando encarnado, eu me sentia envolvido por vontades alheias às minhas e que, lembrando agora de minha querida companheira do lar, eu senti um arrependimento indescritível, pois Marisa sempre tentara me ajudar promovendo por diversas vezes encontros evangélicos em nossa casa.

— Não se martirize Cesar! — disse Miguel, que novamente parecia que praticava uma espécie de anamnésia2 psíquica acessando a todos os meus pensamentos.

— Não estou me martirizando, Miguel. Estou somente pensando nas vezes que desperdicei as boas oportunidades que me foram oferecidas...

— Melhor seria que pensasse nas oportunidades que você abraçou Cesar — disse-me minha querida mentora Madalena, que prossegui seu discursso:

—As oportunidades que ignoramos Cesar, essas não valem de nada. As que realmente fazem diferença para nós e para todos que 2 Anamnésia (ou anamnese): vaga lembrança, sutil recordação – N. D.

19 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

estão à nossa volta são as que aproveitamos e que executamos com amor, paciência e sabedoria.

Neste momento, abro um parêntese para esclarecer aos leitores amigos que outras visitas foram feitas à casa de Hélio. Entretanto, não cabe aqui contá-las em minúcias, porque isso só faria com que eu me tornasse demasiado cansativo.

Vale lembrar que em uma dessas tantas visitas, agora mais envolvido com as vibrações dos irmãos menos esclarecidos, eu estava ao lado de seu filho mais velho quando a irmã Madalena, em companhia do irmão Miguel, começou a conversar com um irmão que há muito obsidiava Hélio. Naquele momento, ouvi quando o irmão, apontando em minha direção, disse que não aceitaria qualquer ajuda que partisse da irmã Madalena e do irmão Miguel, alegando que eles estavam acobertando as faltas cometidas por mim e pelo irmão Hélio.

Fiquei pensando por alguns instantes no que havia dito aquele irmão, buscando em minha memória de onde eu poderia tê-lo conhecido. Claro que não consegui encontrar, em nenhum instante de minha última encarnação, a presença daquele outro. Sendo assim, conclui que eu e aquele irmão tínhamos nos relacionado em outras existências possíveis às quais eu ainda não havia tido a oportunidade de lembrar-me totalmente.

Terminado o evangelho, Hélio parecia mais calmo e matinha um semblante sereno. Tudo ali emanava luz. Então, enquanto estávamos retornando ao nosso recanto espiritual,

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indaguei a irmã Madalena e o irmão Miguel sobre o que aquele irmão havia dito.

— Aquele irmão, César, chama-se Ícaro — esclareceu-me Miguel.

— Por que ele disse que eu havia lhe feito mal? Não me recordo de onde ou de qual de minhas encarnações eu o tenha conhecido...

— Você lembrará quando isso lhe for útil — falou minha irmã Madalena.

— Mas, irmã, você não acha que já começou a ter utilidade que eu me recorde pelo menos disso? Pois, isso está começando a me tirar a paz!

— O que eu acho não determinará se você irá se lembrar ou não, mas quem saberá o momento certo não sou eu, e sim você!

— No momento César, podemos afirmar que Ícaro faz parte de nossa família espiritual. Ademais, todos já vivemos algumas tantas vidas sob o mesmo teto e sob a égide da mesma equipe de Espíritos a qual atualmente chamamos "mentores".

— Quer dizer então que...

— Sim, César. Ícaro é um dos nossos irmãos que, devo dizer, a exemplo da parábola do filho pródigo, o céu ficará em festa quando ele retornar ao seio do pai.

21 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Então Ícaro é também seu pupilo?

— Ícaro fora, em uma encarnação não muito distante, meu filho, juntamente com você e com Hélio. E foi nessa encarnação que nós

o fizemos tal mal pelo qual ele ainda nos quer ver pagar.

2 Encontro doce

— Não pai, não precisa...

— Agora você vai pagar a dívida de teus irmãos!

— Ei, senhor, eu não sei do que você está falando.

— Sabe o que é honra garoto? Se não souber, isso também pouco importa! A você basta saber que a tua curta vida será a paga pela honra que teus irmãos não têm!

Quando acordei, estavam ao pé de minha cama, irmã Madalena e Miguel, acompanhados de outra senhora, que eu ainda não conhecia, mas que não me parecia estranha. Tinha a nítida impressão de conhecê-la. Senti a mesma sensação de quando

22 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

conheci aquela que passei a chamar de minha mentora, mesmo

sabendo que ela não adota tal epíteto.

Levantei-me meio tonto e sentindo fortíssimas dores de

cabeça. Fiquei um pouco sentado no leito e interroguei:

— O que aconteceu comigo? Eu tive um sonho terrível! Eu não consegui entender muito bem...

— Quer nos relatar esse sonho César? — perguntou a senhora que

acompanhava Madalena e Miguel.

— Gostaria, mas não sei se conseguirei, pois não só não pude ter total entendimento do sonho como também não me lembro de muita coisa.

— Fale apenas do que se lembrar e do que conseguir assimilar —

disse a irmã Madalena, incentivando-me a relatar meu sonho.

— Eu me lembro de uma criança, de uns doze anos, que foi morta por alguns homens que diziam que ele é que iria honrar a dívida

adquirida por seus irmãos.

— O que você sentiu ao ver a criança? — perguntou-me Miguel.

— Compaixão e desejo de vingança, pois para mim, foi como se

23 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

aqueles homens houvessem feito mal a alguém que me fosse

muito querido, como um filho, talvez.

— Como você me enxerga César? Quero dizer, como você me

considera em sua rede de relacionamento?

— Acho que, mesmo lhe conhecendo somente aqui, no plano

espiritual, Miguel, o tenho como um irmão.

— O que você sentiria se alguém fizesse mal a Miguel? Comparado ao que fizeram à criança de seu sonho? — perguntou-me a

senhora.

— Não entendo o objetivo desse interrogatório, irmã.

— Apenas responda! — advertiu-me Madalena.

— Posso dizer que o mesmo que senti em meu sonho.

— E disso, o que você pode concluir César? — continuou a

senhora.

Parei um instante e meditei sobre tudo aquilo que estávamos conversando e tentei ajuntar tudo com o sonho que

havia tido.

24 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Não foi um sonho, não é mesmo?

— Não, César. Foi uma lembrança.

— Aquela criança era Ícaro! — conclui.

— Sim, meu filho.

Naquele momento, em que a senhora me disse aquelas palavras, eu percebi nitidamente de quem se tratava e, imediatamente, meus olhos encheram-se de lágrimas à medida que a senhora agora tomava forma daquela que fora minha mãe

no plano terrestre.

Não podia conter a emoção. Abraçado à minha mãezinha, agradeci a Deus por aquela oportunidade.

— Como esperei por você, César!

— Mãe, que bom reencontrá-la. Sinto em meu peito o coração

bater como se eu ainda dispusesse de tal.

— Também estou feliz, César. E mais ainda por saber que está se esforçando em aprender as lições que nossos amigos aqui estão

lhe ofertando.

25 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Por que não a encontrei antes, mãe?

— Para tudo há seu tempo, filho! E além do mais, não permaneço neste retiro espiritual. Apenas vim aqui porque fui requisitada. E devo dizer que para mim foi uma grande surpresa, já que não havia ainda sido informada de seu socorro, pois há muito que rogava a Deus por você, meu filho.

— E a senhora aqui, onde vive, então?

— Em outra colônia próxima.

— Poderei ir viver com a senhora?

— Creio que não, César, pois estamos nos preparando para novos

momentos de nossa existência.

— Nós, quem?

— Tanto você quanto eu, César.

— Não compreendo!

— Logo você entenderá. Tenha paciência!

26 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Os amigos se retiraram do quarto e haviam me deixado a sós com minha mãezinha. Passamos o dia conversando coisas de nossa vida no plano físico. Devo dizer que é bem interessante a forma como que essas lembranças tocam o íntimo de cada um de

nós, fazendo-nos refletir cada instante recordado.

Ao fim da tarde, chegava o momento de me despedir de minha mãezinha. Mas eu sabia que, em breve, estaríamos juntos

novamente.

— César pedirei a ti que, em nome do nosso Mestre Amado, ajude-

nos com nosso querido Ícaro.

— A senhora também está sabendo dele? — perguntei surpreso.

— Sim. Como não haveria de saber? Participo dos preparativos

para o retorno dele ao mundo físico.

— Quer dizer que ele vai reencarnar?

— Em breve! E temo que esta medida seja feita de modo compulsório, pois Ícaro é um ser que ainda não quis aceitar a

imensa ajuda que sempre lhe é ofertada.

— E ele já tem uma família destinada?

— Por quê? Você gostaria de sugerir alguma?

27 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Na verdade, não é isso, mas é que pensei imediatamente na

família de Hélio.

— Você está a tão pouco tempo estudando e vejo que já assimilou bem o aprendizado que lhe está sendo dispensado. Lembre-me de parabenizar o irmão Miguel por este grande feito.

— Eu supus certo?

— Absolutamente.

— Que bom. Assim, eles terão a oportunidade de refazerem suas histórias. Naquele instante, meu coração enchia-se de felicidade e confesso que interroguei a Deus: quando eu também teria a chance de redimir-me com Ícaro?

— Não se aflija com isso — disse-me minha mãezinha.

— Deus, nosso Pai, sabe o momento certo de todas as coisas. E quando o momento chegar, prometo eu mesma, ajudá-lo em sua programação.

— Conto com isso!

— Devo ir, meu filho — disse-me, dando-me um forte abraço,

28 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

como costumava fazer em nossos dias na Terra —. Tenho tantos outros afazeres esperando o meu retorno. Fique com Deus e

lembre-se que eu sempre estarei por perto.

— Vá com Deus, mãe e até breve!

Isso foi tudo o que eu consegui dizer. Desta forma, nos despedimos temporariamente, sem tristeza que afligisse o coração; sem sentir-me constrangido a acompanhá-la, somente a sublime certeza de dever cumprido e que aquele encontro nos foi

dado como presente de Deus.

3 O papel dos mentores

A noite chegava, o irmão Miguel juntamente com irmã Madalena me convidaram para uma palestra em um núcleo de assistência espiritual.

— A palestra será sobre o trabalho desenvolvido pelos Espíritos que, costumeiramente, são chamados mentores — esclareceu-me

Miguel.

— Estou ansioso para ouvir.

— Eu também estou César. Este é um assunto interessante e você

29 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

vai poder tirar algumas dúvidas que, bem sei, você guarda em sua

cabeça incansável!

— Ou então, acumularei outras tantas... — repliquei.

Rimos enquanto pensávamos sobre o assunto que em breve seria discutido no Centro de Convenções do teatro central de nossa comunidade, o qual correspondia no plano físico ao Centro Espírita que eu, pouquíssimas vezes, havia frequentado

quando na Terra.

— Quem será o palestrante? — perguntei.

— Inácio — disse-me Miguel.

— Não o conheço!

— Não faltará oportunidade, afinal, o irmão Inácio faz um trabalho maravilhoso de socorro nas regiões inferiores. Aliás, ele era um dos dirigentes da equipe espiritual que lhe prestou auxílio, César.

— E por que não o conheço?

— Talvez você somente não saiba o nome dele, mas com certeza,

quando avistá-lo, logo o identificará.

30 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Cadê a irmã Madalena?

— Nós a encontraremos no teatro!

Na entrada do teatro era possível avistar um mastro enorme que sustentava uma bandeira com o nome da colônia que abrigava toda aquela gleba de Espíritos em processo de evolução. A arquitetura física confundia-se com a espiritual. Os presentes também eram um emaranhado de seres encarnados e desencarnados que circulavam naquele local, onde, naquele dia, iríamos receber instruções valiosíssimas para uma maior

compreensão do mundo espiritual.

Começado o evento, lá estava o irmão Inácio. Miguel tinha razão: lembrei-me de seu rosto imediatamente. Um senhor de longas barbas brancas, tom de pele escura e quase sem cabelos. Ao seu lado encontrava-se a irmã Madalena, que proferiu, no inicio dos trabalhos, uma prece emocionante, envolvendo e abraçando

os corações de todos ali presentes.

— Boa noite, meus amados irmãos! — saudou o irmão Inácio — Que o nosso querido Mestre Jesus possa envolver cada um de vocês, fazendo com que possam desfrutar de todo aprendizado

que teremos no dia de hoje.

Desta forma, começou o seu monólogo.

— Hoje falaremos de um assunto que a muitos interessa,

31 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

enquanto que outros não lhe dão a menor importância. Alguns o desdenham porque simplesmente consideram assunto resolvido e que tudo acerca dele já foi esclarecido, ou por ignorá-lo, simplesmente. Venho esta noite falar-lhes sobre o trabalho e o papel dos chamados mentores espirituais. Mas antes de nos aprofundarmos, é bom que saibamos: mentor e anjo da guarda não são nomes diferentes para a mesma coisa, porque mentores são Espíritos ainda errantes. No entanto, estes se encontram num grau de elevação moral e intelectual acima do nosso o que lhes dá total aptidão para conduzir um ou mais Espíritos, transmitindo-lhes todo o aprendizado que já tenham adquirido. Pois bem, mentor é um Espírito ainda na erraticidade que não alcançou ainda a angelitude. Sendo assim, não pode ser chamado de Anjo

Guardião.

Desta forma, aquele irmão ia dissertando sobre o assunto com sabedoria e benevolência, sem fazer com que suas palavras chegassem a nós com a pretensão de verdades absolutas.

O irmão Inácio, nos deixava a todo instante gozar do direito

de ouvir suas palavras e refletir.

Um ponto de sua palestra que me chamou muito a atenção foi o da teoria de que os Anjos Guardiões são seres que, pelo fato mesmo de terem alcançado tal estágio na escala evolutiva, são colaboradores diretos de Deus na criação de novos mundos, ajudando no trabalho ininterrupto do Pai — o que nos leva a crer que em outros bilhões de mundos, muitos deles podem neste momento, estar reencarnando como cristos, e outros, em tantos

32 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

mundos diversos, como propagadores de ideias de elevação moral

e da lei de amor que regem todo nosso Universo.

Muitas vezes, durante o discurso do Irmão Inácio, pude perceber que muitos outros irmãos iam se chegando naquele local, que se transformava num grande teatro de cores, luzes e formas, onde muitos aprendiam sobre o assunto abordado e recebiam ajuda no âmbito espiritual.

Deparei-me também com o fato de que no plano físico o senhor que fazia a palestra daquela noite repetia o discurso proferido pelo irmão Inácio. Não com as mesmas palavras, é claro, mas era precisamente a mesma ideia. Deste modo, conclui que Inácio não só palestrava a nós desencarnados, mas sim a todos os

presentes de ambos os planos.

Findado o estudo da noite, Miguel me conduziu até a Irmã Margarida, que nos aguardava à frente do teatro juntamente com

Inácio.

— É um prazer enorme conhecê-lo, irmão Inácio. Adorei a palestra e devo dizer que fico bastante feliz em saber que mitos estão sendo derrogados, pois ainda temos em nós uma necessidade de

santificarmos tudo o que nos é desconhecido.

— Vejo que você é bem observador. Devo dizer que isso você

aprendeu bem com aquela que fora sua mãe.

33 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— O senhor a conheceu?

— Digamos que por muito tempo estamos trilhando juntos os

caminhos do nosso Mestre Jesus.

— Gostaria de uma oportunidade para estagiar com o senhor. Eu

adoraria aprender um pouco mais.

— Oportunidade não vai faltar, meu querido amigo, pode deixar que te manterei informado quando surgir a vaga, para que você

possa prestar a prova de aptidão.

— Prova? — indaguei surpreso.

— É, prova! Pois para um estágio na área educacional, temos que mostrar não só conhecimento, como traquejo no trato com os

outros irmãos.

— Certo, ficarei feliz em fazer parte do grupo de estudos.

— Nós ficaremos muito contentes se Nosso Senhor assim o

permitir.

— Irmão, posso fazer uma pergunta sobre a palestra?

34 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Claro, Cesar, e se a resposta estiver ao alcance de meu

entendimento...

— Tenho certeza que sim.

— Diga.

— Há alguma forma de exemplificar de modo palpável o papel dos Espíritos que convencionamos chamar de mentores, e qual é exatamente a diferença entre os que poderiam efetivamente ser

chamados Anjos Guardiães?

— Teremos muito a ganhar com sua curiosidade em nosso grupo de estudos— disse-me o irmão Inácio, em um tom de gracejo.

Todos riram, com o que ele disse. E confesso que no momento me senti um tanto encabulado. Mas acompanhei os

demais em seus risos.

— Desculpe-me irmão, não quero parecer intrometido nem

bisbilhoteiro — tentei redimir-me.

— Não Cesar, não precisa se preocupar. Mas respondo a sua pergunta: pense em um animal que os homens na terra costumam ter como bichinho de estimação, um cão, por exemplo, ou um felino, pois bem; os sentidos morais e intelectuais das mascotes

35 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

distam uma imensidão dos sentidos morais e intelectuais do seu tutor. Neste caso podemos dizer que somos como anjos em relação àqueles. Agora se fizermos a comparação entre os humanos, encaixamo-nos perfeitamente no papel de mentor, quando atuamos como Pais. E saiba Cesar, que quando os homens na terra souberem da divina responsabilidade que é a paternidade e a maternidade, estes perceberão suas sublimes condições de mentores.

Nunca havia pensado tanto neste assunto, quanto agora. Meus novos pensamentos faziam-me deslizar por mares

infindáveis de outras questões.

— Tenha calma, Cesar! — disse-me a irmã Madalena — Teus questionamentos são bem coerentes, mas tenha a paciência para saber o momento certo para fazê-los.

— Novamente peço desculpas se estou sendo inoportuno...

— Não é isso, Cesar. É que muitas vezes estamos aptos a questionamentos, mas isso não implica dizer que estejamos prontos para o conhecimento que eles nos levariam. Posso lhe adiantar que este mar de questões que lhe assaltam a mente é pouco perto da infinidade de que, tanto você como nós desconhecemos. E você irá se acostumar com isso, e quando menos perceber, estará obtendo as respostas que deseja.

36 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Então devo concluir que ao questionar eu não estou sendo

prudente?...

— Conclusão errada, meu querido irmão — disse-me Inácio — O que irmã Madalena quis dizer é que nem sempre obteremos respostas para todas as questões que fizemos, por mais que estas questões demonstrem que aquele que as formule já esteja avançado no âmbito intelectual e que, conforme a aplicação dos conhecimentos que já possui, é que ele vai adquirindo a posição necessária para obter as respostas que deseja. E assim, como tudo no Universo, tal aptidão não se dá de imediato. Ademais, nosso Pai Criador não é imediatista, em razão disso, Ele age sempre por

meio de suas leis e de forma amável e cautelosa.

Confesso que diante de tanto ensinamento devo dizer que me senti constrangido e envergonhado, porque era como se a roupa que eu vestia estivesse suja, ou deixando-me nu diante de uma imensidão de orgulho, de vaidade e de arrogância.

Foi assim que me senti naquele momento, mas também me sentia estranhamente feliz, pois era valorosa aquela oportunidade que me estava sendo ofertada. Naquele momento, o que eu podia

pensar era como Deus estava sendo maravilhoso comigo.

37 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

4 O resgate de Ícaro

Naquela noite eu havia tido alguns sonhos com a irmã Madalena e com o irmão Miguel, em que nós procurávamos estender as mãos para alcançar alguém que estava em um lugar fundo e escuro.

Percebi que havia algumas pessoas desencarnadas lá, gritando de dentro daquele buraco com ensurdecedoras palavras de dor e agonia.

Quando finalmente consegui segurar as mãos de alguém e que as puxei para cima, eu pude perceber que a pessoa a quem eu havia ajudado era Ícaro. Neste momento senti seu olhar raivoso, como quem, ao contrário de aceitar a minha ajuda, quisesse me puxar para dentro do buraco.

— Acorde, Cesar! Está tudo bem!

— Irmã Madalena, eu estava...

— Eu sei, Cesar, estávamos lá, lembra?

— Então o que aconteceu foi real?

38 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Mais real do que podes supor.

— Pensei que fosse um sonho...

— Os sonhos são simplesmente um retorno temporário ao plano espiritual. Porém, você já está nele, e não estando você dormindo, o que lhe sucedeu foi só um transe, pelo qual você pôde presenciar todos os fatos de um modo mais tranquilo. Pois tenha certeza Cesar, poucos de nós suportamos lugares como aqueles em situações tão adversas.

— E o que aconteceu com Ícaro?

— O de sempre: ele reluta em aceitar a ajuda que lhe é ofertada.

— Senti que quando ele me olhou era como se ele quisesse me arrastar para aquele buraco. Mas também percebi algo de bom dentro dele.

Miguel respondeu:

— Ícaro não é um ser que se compraz no mal, Cesar. Ele somente acha que os responsáveis pelo mal que o acometeu lhe devem algo e que ele mesmo deve fazer esta cobrança. Por isso, Cesar, é que levamos você em estado de transe ao encontro de Ícaro.

— Não entendi — disse eu, curioso.

39 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Desejamos com isso — disse Madalena —, avaliar a reação de Ícaro ao vê-lo, pois desejamos provocar o encontro entre vocês dois. Isso claro, se assim você o desejar.

— Desejo sim, mas tenho receio do que poderá acontecer. Talvez isso possa afastá-lo ainda mais de vossos esforços.

Miguel aditou:

— Como você mesmo disse Cesar, havia algo de bom dentro de Ícaro, e quando uma semente é plantada, necessário se faz que ela seja regada para seu desenvolvimento. No momento em que você lhe ofereceu ajuda, mesmo inconscientemente, ele percebeu que você o ama, Cesar. E não há mágoa a que o amor não possa sobrepor.

Por aquela ocasião, chegavam o irmão Inácio e minha mãezinha.

— Como estou feliz em vê-los! — exclamei — Vocês irão nos acompanhar no socorro com o irmão Ícaro?

— Vejo que já decidiu por ir, Cesar — disse a minha mãe.

— Sem dúvida! Apesar de receoso, entendo que esta é uma boa oportunidade para me redimir com Ícaro.

40 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Que bom Cesar! — falou o irmão Inácio — Mas devo dizer que o lugar em que iremos encontrar Ícaro ultrapassa em desagrado o horroroso cenário em que você esteve há pouco, durante seu transe.

— Já fui alertado disso, irmão, e estou mesmo disposto a acompanhá-los nesta tarefa.

— Vamos? — apressei-me.

Inácio, no entanto, ponderou:

— Calma! Ainda temos que esperar nosso querido Hélio.

— Ele irá nos acompanhar? — indaguei.

— Sim. Esta experiência servirá para estreitar os laços entre Ícaro e ele, pois, tendo Ícaro que voltar ao plano físico em breve, deverá se sentir acolhido.

— Mas nesse caso Ícaro sentirá aversão àquele que será seu avô...! — Exclamei.

— Temos feito progresso, apesar de Ícaro não aceitar ajuda, porque como já foi dito, ele não é um Espírito que se compraz no mal, porém, se não aceita a ajuda que lhe é ofertada, ainda o faz pelo orgulho — Esclareceu-me minha mãezinha.

41 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Então, o que estamos esperando para buscar Hélio? — perguntei.

A resposta veio pelo irmão Inácio, com a calma e a paciência que lhe é peculiar:

— Esperamos o retorno dele ao sono, porquanto no momento que você despertou do seu transe, ele também se despertou. Logo ele voltará a repousar o corpo físico e então nos encontraremos.

— Mas nós já não devemos ir para lá, a fim de prepararmos o ambiente para ele? — repliquei.

— Alguns outros irmãos já estão fazendo isso e a qualquer momento Hélio estará em sono profundo. Aguardemos! — completou Inácio.

Nesse momento interpelou a Irmã Madalena:

— Sugiro que façamos nossa oração para nos prepararmos, e também para que nós enviemos bons pensamentos a Ícaro, a fim de quebrar seus resquícios de orgulho que lhe cega, assim como por Hélio, para que ele se sinta seguro e harmonizado o suficiente para ser trazido ao nosso encontro o mais breve possível.

Iniciada a prece eu podia sentir cada palavra com o íntimo do meu ser, palavras que eram proferidas por irmã Madalena e tiritavam em meu coração, trazendo-me aos olhos gotas de

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lágrimas, que nasciam no íntimo brilhando em minha face. Era como ouvir uma canção composta pelo próprio Criador, interpretada por Jesus.

Alegrei-me de fazer parte de todo aquele trabalho no qual pude presenciar a emissão de fluidos coloridos, como o mais belo jardim de flores, que emanava em uma direção, que eu desconhecia, mas tinha a certeza de que se endereçava a Ícaro e a Helio.

Concluída a prece, fomos agraciados com a chegada de Hélio que parecia já conhecer os trabalhos dos quais faria parte dentro em breve.

Hélio era frequentador assíduo de uma casa de oração espírita, e muitas vezes, ajudava nas tarefas do plano espiritual — quando não se entretinha nas voltas noturnas que costumava fazer.

— Bem, agora não temos mais por quem esperar — disse minha mãezinha. — Podemos ir. Ícaro nos espera. Estamos com uma segura impressão de que nosso irmão irá aceitar nossa ajuda, pois tenho certeza de que a experiência que teve há pouco com Cesar o balançou bastante. Devemos insistir com a mesma estratégia de abordagem.

— Está certa, irmã Clarisse! — corroborou irmão Inácio — Que Deus guie os nossos passos!

Desse modo seguimos ao encontro de Ícaro.

43 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

*

Fora dos portões do recanto espiritual, a escuridão parecia ser a única coisa existente. Tive a real impressão de que ali não faltava somente a luz, mas faltava a vida; tudo que podia sentir era frio constante e um sentimento de abandono indescritível.

Finalmente paramos de caminhar e neste ponto nosso irmão Inácio pediu que fizéssemos um circulo e juntássemos as mãos. Assim o fizemos.

Uma luz de poder arrebatador começou a emanar do alto. Quando percebi, estávamos todos volitando pelo menos três metros do solo. Finalmente quando a luz alcançou o chão, pude perceber que não havia piso sólido e sim um monte de corpos que rastejavam em torno de um fosso, do qual outros tantos corpos entravam e saiam num mar de dor, agonia e desespero.

Naquele instante, eu esquecia a falta de vida que momentos antes eu julgava existir.

Percebia que minha apática e total cegueira moral impedia de ver quantas vidas existiam naquele lugar, no mínimo asqueroso.

Aquele meu momento de autoanálise fora interrompido pela voz de Inácio:

— Cesar, ponha-se no solo! Estamos todos lhe enviando toda força

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de que precisa para a melhor condução de seu diálogo com o nosso querido irmão Ícaro.

Obedecendo às ordens de Inácio, eu passei vagarosamente sobre aquele monte de corpos, que me percebiam minha presença, porque continuavam rastejando de um lado para o outro.

Senti em diversos momentos os pensamentos deles que atravessavam meu perispírito, e, como se eu fosse uma nuvem de gás, absorvia todos os sentimentos que encobriam aqueles irmãos.

Afinal consegui chegar próximo de Ícaro, que diferente dos outros, não rastejava. Estava sentado sobre uma pedra, como que pensando profundamente em algo.

— Diga-me uma coisa — disse-me Ícaro, antes mesmo que eu lhe falasse algo.

— O que vocês fizeram quando souberam de minha morte?

Eu não sabia o que responder. Procurava o que falar quando o irmão Inácio posicionou-se nas costas de Ícaro, e — eu não sei como, pois eu ainda não era capaz de fazê-lo — o Irmão Inácio me ditou telepaticamente tudo o que eu deveria dizer a Ícaro.

— Nós lamentamos muito, meu irmão! Hoje você tem uma chance que muitos outros irmãos gostariam de ter. Neste momento, meu amado irmão, eu te peço perdão, se meu erro de outrora serviu de

45 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

motivo para os seus assassinos te privassem de uma vida mais duradoura. Mas saiba Ícaro, esses irmãos que você julga terem lhe feito mal, na verdade, só te ajudaram a voltar mais rapidamente para o verdadeiro lar.

— Você, chama isso de lar?

— Não, meu irmão, não este...

Por algum impulso, uma tela se plasmou em nossa frente e por ela era possível ver a Colônia Recanto de Irmãos. Eu me sentia como um médium, pois nenhuma daquelas palavras provinha de meus pensamentos, mas sim do Irmão Inácio. E aquela tela plasmada, sem dúvida, era obra de algum outro amigo que estava na caravana de socorro.

— Eu não sinto raiva de você e nem do Alvinho — resmungava o irmão a ser socorrido. — Sinto raiva de Deus! Não consigo entender por que aquilo tinha que acontecer comigo...

— Você está buscando as respostas nos lugares e nas coisas erradas — disse minha mãe, juntando-se a nós.

— Clarisse...? — indiferente, exclamou Ícaro — Ou devo dizer "maninha"? O que você faz junto dele? Ele foi o culpado por minha morte!

— Pensei ter ouvido você dizer há pouco que não sentia raiva, nem de Álvaro e nem de Julio, não é mesmo Ícaro?

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— Sim.

— Então, não há motivos para traçar esta linha divisória entre nós.

Ainda insensível Ícaro proferiu:

— Essa não é a primeira vez que você me diz isso.

— Vamos fazer um trato: — propôs a mulher — Venha conosco para a colônia e lá você será cuidado; tomará um bom banho, comerá alguma coisa, então depois conversaremos. Se mesmo depois disso você quiser voltar para cá, nós não vamos nos opor à sua escolha.

— Eu não sou uma pessoa ruim... Também não sou burro, e não vou descansar enquanto Alvinho não acertar sua dívida.

— Suponho que você não poderá fazer isso — Ela disse convicta. Neste momento alguns outros Espíritos que eu não tinha avistado até aquele momento envolveram Ícaro. Ele gritava e xingava a todos, sem parar de falar em vingança.

Na verdade, nenhum irmão encostou as mãos em Ícaro, mas ele parecia desmaiar com a intensidade da luz que se fez ver naquele instante.

47 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Desacordado, então, levamos o nosso querido irmão para o hospital de nossa colônia.

*

Passei aquela noite ali muito ao lado da cama de Ícaro, com muita esperança na espera que ele se desperte, abra seus olhos e veja o cuidado que lhe fora dispensado e assim, finalmente aceite ajuda.

— Suponho que Ícaro não despertará tão cedo, Cesar — disse meu amigo Miguel.

— Como assim? — surpreso, questionei.

—Temíamos por isso, César: Ícaro já estava se degradando e começando a se esquecer de que é um ser criado por Deus. Os poucos sentimentos humanos que ainda lhe restavam estavam se perdendo; o ódio, o rancor e a angústia que lhe tomavam estavam fazendo dele um monstro.

— Mas ele não é mau! — exclamei.

— Ninguém o é, César, mas nos tornamos maus por não sabermos andar no caminho do bem.

— E o que vai acontecer com ele?

Docemente, Miguel completou:

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— Estamos indo à casa de Hélio. Se você quiser vir conosco, lá irá descobrir por você mesmo.

Eu havia passado a noite inteira acordado, e, estranhamente, não me sentia cansado. Por isso, decidi acompanhar Miguel à casa de Hélio.

— Posso fazer uma pergunta sobre o trabalho desta noite?

— Claro César. Ficarei feliz se puder responder.

— A minha mãe não se chamava Clarisse, porém o irmão Inácio se dirigiu a ela com esse nome, assim como Ícaro também o fez, chamando-a de irmã...

— Sim, e qual a dúvida?

— Por que a minha mãe não adotou a forma física e nome da última encarnação e sim de outra?

— O porquê eu não poderei te responder. Acho que só ela o poderá, mas algumas razões parecem bem claras.

— Como por exemplo?

— Você acha que Ícaro iria reconhecê-la se ela não se apresentasse como a personagem áurea?

49 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Por que não? Ele não me reconheceu com o meu físico atual?

— Seu caso é bem diferente, afinal, você tinha muitas coisas em comum com ele, e perispiritualmente, vocês se identificam muito, isso faz com que Ícaro, quando olha para você e para Hélio, não enxergue senão as personagens Álvaro e Júlio.

— Entendi.

— Helio está para despertar, vamos?

— Claro.

*

Chegamos à casa de Helio e ficamos alguns momentos aguardando-o do lado de fora do quarto. Helio demorou um pouco para sair.

Devo dizer que as paredes daquela casa não eram barreiras para Miguel e eu, mas, por uma questão de respeito às intimidades de Lia e Hélio, nós preferimos aguardar ali no corredor.

Durante o café, encontrava-se somente o casal, pois seu filho mais velho — Diogo — ainda não havia acordado.

Hélio comentou a experiência que teve durante a noite, falou de nosso socorro a Ícaro, evidentemente, sem saber com clareza de quem se tratava aquele Espírito.

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Falou também de algo que não havia presenciado, quando relatou a sua esposa que havia encontrado com Diogo e sua namorada Rafaela, e que ambos estavam num hospital, quando receberam a informação de que ela estaria grávida, e foi nesse momento que indaguei Miguel.

— Eu não me recordo disso...?

— Isso aconteceu depois do socorro de Ícaro; na verdade, isso não foi algo que ocorreu verdadeiramente, e sim, um presságio que servirá para Hélio e sua esposa se prepararem para a chegada de um novo membro na família.

— E como se deu esse envolvimento? Quer dizer, como foi feito para Hélio sonhar com isso? — perscrutei com interesse.

— Enquanto estávamos no hospital junto a Ícaro, nossas irmãs Madalena e Clarisse cuidaram de acompanhar Hélio de volta ao seu corpo. Nesse ínterim, elas foram lhe implantando ideias que o fizeram plasmar toda a situação que ele acaba de relatar.

— Então, o que Hélio falou foi fruto de simples sugestionamento?

— Não minimize a coisa desta forma.

— Não é isso, não é esta a minha intenção...

— O sugestionamento é a forma que as irmãs usaram para

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implantar na mente de Hélio aquelas ideias, porém, quem plasmou tudo foi ele próprio. Claro que com a ajuda de outros amigos que já esperavam por isso.

Minhas dúvidas se multiplicaram e então expus:

— Então, quer dizer que as outras pessoas que ele encontrou em sonho não estavam lá verdadeiramente?

O irmão respondeu tranquilamente:

— Neste caso, propriamente dito, não. Mas há casos, e não raros, que todas as personagens estejam presentes, pois é mais fácil e prático para os Espíritos amigos conduzirem o encarnado até certo local do que plasmarem situações e às vezes até remodelarem seu perispírito, para que possam imitar esta ou aquela pessoa.

— Então a namorada de Diogo é quem receberá a alma de Ícaro em seu ventre? — propus minha dedução.

— Estamos trabalhando para isso.

— E algo pode mudar? — perguntei.

— Boa parte do planejamento de Ícaro já está concluída. Neste momento, enquanto dorme, ele está recebendo instruções e tomando conhecimento de tudo. Claro que não podemos precisar

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ainda quando a ligação da alma de Ícaro será efetivada, porquanto ainda dependemos de instruções de amigos superiores. Até lá César, muita coisa pode acontecer.

— Imprevistos?

— Sim, porém com grande utilidade para todos.

5 Na câmara de miniaturização

Do dia em que trouxemos Ícaro à Colônia até aquela visita à casa de Hélio, passaram-se aproximadamente dois meses.

Ícaro continuava em profundo sono, e como fora dito por Miguel, ele continuava a receber instruções e a tomar conhecimentos para sua nova estadia no plano físico. Aos poucos, Ícaro adquiria uma nova forma física e perispiritual. Seus traços foram ficando cada vez mais jovens, era o chamado processo de miniaturização que André Luiz noticiou em seus livros.

Tive a oportunidade de lhe falar várias vezes em seus sonhos — porque era assim que nos comunicávamos. E eu, instruído por nossos amigos, ia estreitando os laços com Ícaro, ganhando sua confiança e o seu perdão.

Em uma dessas conversas, falamos dos planos para o futuro, e Ícaro, agora se mostrando mais receptivo, declarou o

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medo que sentia, porque ainda alimentava o desejo de vingança; além disso, muito embora não sabendo explicar, sentia-se desejoso de justiça — leia-se, vingança. Declarava que Deus era ingrato, por não punir a seu contento, tanto o Hélio quanto a mim.

Falei-lhe do progresso que ele já estava tendo e que ele não deixasse aquele sentimento derrubar tudo que havia conquistado até o momento.

— Não pretendo ser hipócrita! Não sinto por você ou por Hélio a menor simpatia — disse-me ele, mas não mostrava raiva em suas palavras, somente um desabafo sincero.

— Entendo quão difícil é o perdão, meu irmão, mas também tenho fé em nosso Pai criador, que o tempo de nos perdoarmos está próximo.

— Você sabe: o que vocês estão fazendo é contra a minha vontade, não é?

— Mas é necessário. Nem sempre a nossa vontade está de acordo com as nossas necessidades de evolução.

— E o tal de livre-arbítrio, onde fica? — perguntou-me Ícaro.

— Nossa capacidade de escolhermos isso ou aquilo está em função do conhecimento que temos do todo. Seria impossível mensurar a utilidade de algo que desconhecemos! Você seria capaz de me

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dizer qual a utilidade do som para quem não ouve, ou a utilidade da luz para quem a ignora?

— Você sempre com respostas recheadas de analogias e comparações que pretensiosamente esperam concluir o assunto, quando na verdade, vocês não são nada objetivos. Mas chega desse assunto! Enquanto vocês estudam e decidem por mim, eu analiso o melhor jeito de sair daqui.

Naquele instante percebi que Ícaro não tinha conhecimento de que dormia, ele tinha a real impressão de estar preso, em um lugar que, apesar de belo e confortável, ele não desejava nele estar.

Resolvi então deixá-lo para não excitar seu estresse.

— Devo ir, meu irmão. Logo voltarei para conversarmos mais. Assim eu saí. Exclamei minha despedida, no que Ícaro me disse:

— Falei que não sentia a menor simpatia por Hélio e por você, mas não pense que sinto raiva. Talvez se você tivesse vivido o que eu vivi neste longo tempo, entenderia o que se passa comigo, e aí saberia que para o cego a luz tem alguma importância, diferente do que aqueles que enxergam supõem, pois estes sim ignoram a importância da luz, assim como os culpados ignoram o peso da injustiça para as vítimas.

Calei-me. Novamente me despedi, mas desta vez profundamente tocado por aquelas palavras, proferidas por Ícaro, que minha opinião estava espiritualmente doente, e para minha

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surpresa apresentava manifestações de inteligência e racionalidade.

*

Os dias se passavam e cada vez mais Ícaro persistia em seus intentos de sair do hospital onde recebia ajuda. Ele, claro, tinha conhecimento de que logo voltaria à vida física na terra, mas lutava de forma angustiante contra isso.

A cada nova visita que lhe fazia, eu podia perceber que sua forma perispiritual ia tomando lentamente as dimensões de uma criança.

Acompanhei todo o processo de mutação que se deu com Ícaro e, sempre que possível, mantinha longos diálogos com ele, sempre com a sublime missão de mostrar-lhe que esta sua nova existência seria para ele uma oportunidade de se livrar de suas mágoas e de todo e qualquer sentimento inferior que ainda pudesse guardar em relação a mim e a Hélio.

6 Preparação para o porvir

Naquela noite, fomos à casa de Hélio.

Tudo parecia tranquilo. Hélio levantou-se da cama assim que adentramos o corredor que levava até seu quarto. Tive a

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impressão que Helio ao sair do quarto havia me avistado e então

ensaiei uma fuga na intenção de esconder-me.

— Qual o problema, César? — perguntou-me Miguel, que como

sempre me acompanhava.

— Podia jurar que Hélio me viu.

— E que problema há nisto?

— Nenhum, eu creio. Mas é que algo mecânico me impulsionou à fuga, eu não sei dizer exatamente porque, mas talvez se Hélio

avistasse um de nós poderia sentir-se mal.

— Acho bom você ir se acostumando com isso, pois em breve

nosso amigo manterá contato visual conosco.

— Hélio desenvolverá clarividência?

— Em verdade ele já a possui, e, muitas vezes, nem percebe que

pessoas a quem se dirige no dia a dia estão desencarnadas.

— Como pode ser? — curioso, indaguei.

— Aos poucos Helio começará a discernir, pois ele apenas está

começando os seus estudos espíritas.

57 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Você diz que em breve ele estará mantendo contato visual

conosco? E diz que eu deveria me acostumar com isso?

Miguel foi enfático na resposta:

— Sim.

— Então quer dizer que eu não irei reencarnar tão cedo?

— Não se aflija com isso agora, César, tudo há seu tempo.

Naquele instante, pensei em quão sublime é a vida. Pensei nas diversas transmutações que temos ao incorporar a esta ou aquela personagem na terra; e que atitudes pequenas como um abraço, acordar um pouco mais cedo só para poder ver o nascer do sol, passar uma ou duas horas ouvindo seu filho falar sobre o dia na escola, narrando muito feliz inúmeras vezes que aprendeu a ler esta ou aquela palavra, situações assim, quando vivenciadas em sua plenitude, nos fazem evoluir de modo arrebatador. Sendo assim, direcionei meus pensamentos a Ícaro, para que ele sentisse um pouco daquela maravilhosa sensação que se apossara de mim.

— Não vamos acompanhar Hélio? — interroguei a Miguel.

— Não. Hoje viemos aqui para prestar atenção em seu filho, que,

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em breve terá em seus braços um presente enviado por Deus. Viemos conversar com esse jovem, que em sua tão pouca idade,

recebe tamanha responsabilidade.

— E quantos tantos outros jovens não estão na mesma situação...! — exclamei.

— Tem razão, meu caro. Mas há muitos que trabalham em função destes, porque para a sociedade em geral, o que é encarado como irresponsabilidade pura e simples, não é senão uma ferramenta para que seres, que não desejando o incomodo ao corpo físico,

possam fazê-lo.

Neste ponto eu questionei:

— Mas se eles não querem, por que há esta imposição?

— Não somos detentores de plenas capacidades de escolha, pois há coisas que ainda desconhecemos, o que nos faz inaptos à joeira. Portanto, meu amigo, o retorno ao corpo somático encerra uma vastidão de benesses que estes irmãos ignoram. Saiba Cesar, seu trabalho junto a Ícaro nos é de extrema importância, pois todas as conversas que você teve com ele lhe serão exemplificadas durante seu estágio na terra, e assim, ele tendo absorvido o devido conhecimento, guardará para sempre tais ensinos.

Ali permanecemos por algum tempo, vimos Hélio descer as

59 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

escadas, e após ter-se demorado poucos minutos, retornou a seu

quarto, unindo-se novamente em sono tranquilo com sua esposa.

Enfim, adentramos ao quarto de Diogo, o filho de Hélio. Havia outras entidades lá dentro, dentre elas, aquela que fora minha mãe, ao lado de Ícaro. Não pude disfarçar a surpresa ao vê-lo, pelo que, interroguei ao meu orientador:

— Como poderia ser, Miguel?

Bondosamente, ele respondeu-me:

— Enquanto nosso jovem dorme na terra, nosso amado Ícaro dorme no plano espiritual, desta forma, estando liberto da roupagem da carne, Diogo pode ser conduzido ao encontro de

Ícaro.

— Mas então, por que estamos aqui, se nossa Colônia está em

outro local?

— Não há barreiras para o pensamento. Os Espíritos amigos que estão cuidando de Ícaro neste momento obtiveram a permissão divina para conduzir este encontro aqui mesmo, no lar de Hélio. Mesmo que, fisicamente, por assim dizer, o estimado socorrido aqui não esteja. Desta forma, quando encarnar, não se sentirá deslocado e guardará boas lembranças destes momentos vividos aqui. O retorno de Ícaro já está para acontecer, eu temo por sua relutância, devo dizer que nosso amigo é um abençoado, pois

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conta com o carinho de muitos irmãos que o auxiliam neste processo. Desse modo, o que faz com que Ícaro permaneça relutante à ideia de renascimento é o simples fato de que ele será neto de Hélio, a quem ele não quer bem. Como disse, suas conversas o tem feito perceber aos poucos o grande bem que lhe será o retorno à Terra. Há irmãos César, que estão reencarnando sem o menor amparo espiritual, e outros tantos tem seu retorno

dirigido por grupos de Espíritos ainda em dor e sofrimento.

— Mas por que Deus permite tal situação?

— Os irmãos que encarnam sem o devido amparo, estes logo retornam à erraticidade, pois é para estes um modo de refazerem sua forma perispiritual. Já os que encarnam sob a diligência de Espíritos ainda inferiores, Deus os permite, pois, mesmo sem o desejarem, estão ambos contribuindo no processo incessante da evolução.

Naquela noite, Diogo e Ícaro conversaram longamente. Diogo estava nitidamente emocionado, fato que tilintou no fundo da alma de Ícaro, que, ao final do encontro, abraçou Diogo em choro copioso, chamando-o de pai.

Alguns meses se passaram e finalmente Ícaro embarcou na viagem carnal, agora sob o gênero feminino, recebendo o nome de Clara. Ao tomá-la no seio de seu lar, Diogo foi envolvido pela emoção comum de pai diante de um novo fruto, sem nenhum resquício da identidade espiritual que abraçava ali.

61 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

7 A gestação

Após o encontro com Diogo, Ícaro havia aceitado o retorno ao plano físico, porém muitos outros pontos precisariam agora ser colocados em prática, a começar pelo processo de esquecimento do passado. Ícaro não poderia levar consigo as reminiscências da vida anterior, da qual ele somente guardava mágoas.

Fiquei muito entusiasmado, pois a irmã Madalena havia me dito que eu iria acompanhar esse processo, porque, antes de qualquer coisa, aquele fato ímpar me seria particularmente um aprendizado proveitoso.

Naquela mesma tarde, fui ao local onde Ícaro fora encaminhado para os últimos arranjos perispirituais, que lhe colocariam em condições reais de aderir novo estágio na dimensão física.

Por aqueles instantes, no corredor onde fiquei aguardando, uma senhora que cuidava da limpeza do recinto se aproximou de mim com olhar doce.

— Você já está aí há um bom tempo...

— Não me dei conta, espero não estar atrapalhando — respondi.

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— Absolutamente, não se preocupe com isso! Na verdade, você só está ajudando.

— Queria fazer mais — falei pesaroso.

— A vontade em fazer já é algo grandioso.

Depois de uma pausa, ela me perguntou:

— Gostaria de conhecer o resto deste setor do hospital?

— Eu posso?! — perguntei entusiasmado.

— Claro, vamos!

Desta forma, fomos caminhando pelos brancos e iluminados corredores daquele lugar, que parecia uma incubadora em escala aumentada.

— Sabe irmã — dizia eu, enquanto caminhávamos —, Tenho vindo muitas vezes a este local, desde que Ícaro veio para cá, mas ainda não sei se este prédio tem algum nome. Por exemplo, o Centro de Convenções se chama Maria de Nazaré, e me parece bem óbvia a homenagem; e outras salas menores também possuem placas com respectivos nomes, que suponho ser em homenagens a personagens queridos da colônia.

63 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Sim, são sim — ela me confirmou.

— Não sei se foi desatenção minha, mas não me lembro de ter visto nenhum letreiro na fachada do prédio. Ele não tem nome?

— Tem sim, caro amigo, o nome do prédio em que estamos é Casa de Repouso e Auxílio Irmã Margarida. Aqui nós tratamos de casos simples de socorros, reparações perispirituais e preparativos para irmãos que irão reencarnar. E você tem razão, não há nenhum letreiro na fachada — falou sorrindo, ao final.

— Então o planejamento reencarnatório de Ícaro foi todo elaborado aqui?

— Não amigo César, esse é outro departamento, aqui nós cuidamos dos arranjos físicos que darão as condições ideais para o Espírito reencarnante e também cuidamos para que o período de gestação não seja algo desconfortável para a mãe, o que facilmente aconteceria no caso do irmão Ícaro.

— Pensei que isto já tivesse sido feito desde que Ícaro chegou aqui.

— Não! — disse-me ela — Quando Ícaro chegou à nossa humilde casa Assistencial, tínhamos a certeza de que ele seria mais um caso de encarnação compulsória e com grande chance de aborto espontâneo, pois sua estrutura já estava a se destoar das condições básicas para a elaboração de um corpo habitável.

64 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Porém este quadro mudou quando você se dispôs a acompanhá-lo em seus sonhos, conversando com nosso amigo. Você fez com que ele se encorajasse a uma nova aventura na terra. Sendo assim, o processo reencarnatório efetivamente começa agora, neste local que chamamos incubadora.

Ri ao ouvir aquela expressão, pois há pouco eu havia feito uma idêntica comparação com uma incubadora.

Em seguida, exprimi mais dúvidas:

— Como se explica o fato de Ícaro, ao longo de minhas visitas, ainda na outra ala, já ter a sua forma perispiritual reduzida ao tamanho de um feto humano?

— Cada palavra que você lhe dirigia com amor, simplesmente fazia com que nosso amigo se desligasse de suas mágoas, dando a seu perispírito a flexibilidade que lhe é peculiar. Esses momentos de flexibilidade são tão proveitosos, por assim dizer, pela equipe que monitora estes casos e que faz a redução e modelagem perispiritual...! Porém, Ícaro ainda não estava ligado àquela que será sua mãe, e por isso não patenteia o inicio do processo reencarnatório.

— Nossa! Complicado tudo isso...

Ela riu e completou:

— É sim, mas você acaba se acostumando.

65 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Irmã, ainda não sei o seu nome?

— Margarida. É assim que todos me chamam. Perdoe-me por não ter me apresentado antes. Acredito que foi muito deselegante de minha parte.

— Não irmã, não precisa se desculpar, não foi minha intenção constrangê-la.

— Não constrangeu César, mas me alertou. Da próxima vez ficarei mais atenta para não cometer a mesma deselegância.

— Irmã Margarida, gostaria de voltar para junto de Ícaro.

— Claro, César. Acompanharei você e de lá me encaminharei para os meus outros afazeres. Aqui o trabalho é ininterrupto.

Chegamos ao local onde estava Ícaro. A Irmã Margarida nos deixou e retomou às suas atividades diárias.

Vi que ela parou no meio do corredor para falar com um homem alto e esguio, a quem eu ainda não havia conhecido. Ele olhou para mim e acenou com a mão. Eu lhe devolvi o cumprimento e fiquei a pensar se ele me conhecia, mas não me demorei muito com esse pensamento, pois aprendi que por aqui todos parecem se conhecer, e pelo que tenho observado, de alguma forma, ou em algum momento, nós já nos encontramos.

66 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Voltei então minha atenção para Ícaro, que agora tinha sua forma perispiritual reduzida, semelhante a um feto vultoso, ou seja, sem definição de traços físicos.

Uma equipe de médicos e enfermeiros o acompanhava de perto. Eles pareciam estar manipulando alguma coisa que eu não sabia bem o que era, mas que tinha ação direta na estrutura física de Ícaro.

Naquele, momento, julguei que o que aqueles irmãos estavam fazendo era a modelagem do corpo somático ideal para a nova experiência de Ícaro na esfera terrena.

Ali fiquei a obsevar este trabalho por longo tempo e tive a oportunidade de servir como doador, quando um dos médicos que ali trabalhava chamou-me à sala convidando-me a permanecer em estado de prece em favor do nosso irmão.

— Como poderia ajudar? — perguntei.

— Você, caro amigo, guarda em si uma vontade adimensional de ajudar este nosso irmão. Desta feita, fluidos que desprendem de você são muito utilizados por nós neste processo de organização perispiritual. Estando nosso irmão ainda na condição de Espírito desencarnado, não podemos, por enquanto, usar fluido animal para este fim; pois aqui não se trata de auxilio a um irmão com necessidades de refazimentos físicos, por assim dizer, e sim de elaboração de um novo corpo orgânico.

67 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Fiquei absorto com tanta informação. Naquele primeiro momento, confesso não ter entendido muito bem o que aquele irmão havia me dito. Mas procurei me concentrar apenas em permitir que o que houvesse de bom em mim a ser doado em prol de Ícaro, assim fosse feito.

— Muito prazer, Augusto! — disse-me o médico, ao fim da sessão de elaboração somática — Espero não ter-lhe causado confusão, caro amigo.

— Certamente, causou, mas sei que em breve, entenderei tudo isso.

— Fique à vontade para perguntar. Terei o prazer em ajudar, se eu puder, é claro.

Então, aproveitei para perscrutar:

— Fiquei confuso, pois não sabia como poderia ser útil nesses trabalhos. Nem mesmo sabia como fazer para que meus fluidos pudessem chegar até Ícaro.

— Como eu já lhe disse César, você guarda em seu íntimo grande vontade de ajudar e esta vontade basta para que não haja barreiras para o desprendimento das suas boas energias.

— Mas é possível fazer isso sem ter conhecimentos?

68 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

O bondoso interlocutor me respondeu:

— Perfeitamente, porém, isso não anula a necessidade de se obter conhecimentos daquilo que se realiza. É com o conhecimento unido com a vontade real que fazemos os prodígios que Jesus disse sermos capazes de fazer. Sabe César, se na Terra os homens tivessem um pouco de vontade verdadeira, ou seja, da fé de que o Cristo nos fala, fariam grandes obras das quais eles mesmos duvidam. Foi por isso que o convidei a entrar na sala de elaboração. No momento quando você entrou, pude te esclarecer sobre alguns pontos de nosso trabalho. Assim, você começou a ter noção do que se passava naquele instante. A partir daí, você contribuiu um pouco mais, porque sabia o motivo de participar daquele trabalho. Sabia que encontramos em muitos ambientes de socorro espiritual grandes dificuldades somente por que alguns irmãos encarnados, que se dispuseram a ajudar, desconhecem sua própria importância e que, ao longo das tarefas, se perdem enfatizando os trabalhos alheios e, com isso, não conseguem direcionar seus próprios pensamentos.

— Não imaginei que isso fosse tão importante!

— Suponho que você tenha frequentado um centro de amparo espiritual algumas vezes, certo?

— Sim, mas nada que me coloque no patamar de espírita, eu acho...

— Bom, quanto a isso, devo dizer que não é o fato de frequentar

69 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

uma instituição que lhe dará a alcunha de espírita. Porém, isso é um outro assunto. Nas vezes em que frequentou uma casa de amparo, o amigo deve ter recebido o chamado passe, certo?

— Sim — confirmei.

— Pois bem, esses passes, que muitos aqueles que aplicam nem sabem por que o fazem, na verdade, são doações de fluidos peculiares dos Espíritos encarnados. Muitos médiuns passistas, desconhecendo essa origem, deixam de imprimir sua vontade e relegam a nós, Espíritos, a função de dirigir essas energias, o que fazemos com enorme devoção. No entanto, nosso trabalho, terá sempre maior eficácia se a vontade do doador interagir com nossos esforços. Entenda a palavra vontade por fé racional. Sendo assim, é como se esses irmãos dissessem "estou aqui, mas não sei o que fazer; que seja feita a vontade de Deus". É claro que Deus, nosso Pai Criador sempre haverá de querer o bem a todos os seus filhos, mas Ele nos deu a sublima tarefa de trabalharmos em função do bem comum, proporcionando o bem singular de todos que nos procuram. E se não nos entregarmos verdadeiramente a essa tarefa, falo da necessidade de assumirmos nossos papeis nos trabalhos abarcados, unindo nossa vontade ao conhecimento adquirido, será como agir comodamente, para não dizer displicentemente.— Então suponho que isto que o amigo acabou de fazer comigo foi me dar a oportunidade de saber o porquê eu doava fluidos a Ícaro, além de conhecer a finalidade de tudo isso, correto?

— Sim, mas não somente isso. Deixo um convite a você para que busque informações sobre o assunto. Que você se instrua César,

70 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

pois quem sabe faz muito, quem ama faz muito mais e quem ama sabendo o que faz, realiza os feitos de Jesus.

8 Oportunidade para recomeço

Naquele instante, Miguel juntou-se a nós, com o sorriso de sempre. Aliás, seu bom humor jamais deixou de contagiar a todos

ao seu redor.

— Vejo que já conheceu o irmão Augusto — disse-me ele.

— Ah, sim. O irmão está me passando instruções básicas sobre os pródomos da formação perispiritual para que o Espírito possa reencarnar.

— E nosso aluno, como está se saindo, professor? — Miguel

indagou, dirigindo-se a Augusto.

— Professor? Eu? — respondeu Augusto, em tom de gracejo, afastando o rótulo que lhe fora atribuído — O nosso amigo aqui está repleto de algo que falta a muitos: vontade de ajudar e de aprender. Seria um bom tarefeiro em nossos trabalhos, aqui no hospital.

— Eu poderia? — perguntei com empolgação.

71 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Mas Miguel foi enfático:

— Por enquanto, não, César. Entendo sua vontade e, devo dizer que compartilho da mesma opinião de Augusto. Entretanto, não podemos abraçar toda e qualquer tarefa, sem antes concluirmos os compromissos anteriormente assumidos. Não se esqueça de que você tem estudos a realizar antes de se candidatar para trabalhos complexos, como os de auxílio aos irmãos sofredores ou nas tarefas de reposição energética a encarnados e tantas outras atividades exercidas aqui neste posto de socorro espiritual.

Contudo, insisti:

— Mas eu ainda não fui aceito no grupo de estudos da Colônia. Sendo assim, suponho dispor de algum tempo livre.

— Lembra-se do que Inácio lhe falou sobre “prestar prova de aptidão”, quando no surgimento de vagas? — o amigo Miguel

replicou.

— Sim, recordo-me.

— Pois bem, estava a sua procura para lhe dar a boa notícia de que três vagas surgirão no grupo de estudo, porque dois alunos irão desenvolver tarefas mais avançadas, além de mais um que irá reencarnar. Desse modo, você deverá, desde já, começar seus preparativos.

72 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Que notícia maravilhosa, Miguel! — comemorou Augusto, que

em seguida voltou-se para mim dizendo: — Não acha César?

— Sim, claro. — falei um pouco pesaroso.

— Que houve amigo? — perscrutou-me Augusto.

— Não sei, sinto-me triste. Sei que a novidade é muito boa, mas... É como se eu perdesse algo, ou alguém... Não sei ao certo.

— Não lamente, meu amado amigo — falou-me Miguel. — Iremos

manter contatos.

Compreendendo suas palavras, deduzi:

— É você que irá reencarnar, não é mesmo?

Miguel, com um branco sorriso, confirmou.

Augusto, então, quebrou o gelo:

— Bem, meus queridos amigos. Creio que desejam ficar a sós para conversarem. César, meu irmão, não se entristeça, mas ao contrário, sinta-se alegre e jubiloso, pois nosso estimado irmão recebe a permissão divina para retornar ao âmbito físico e colocar em prática tudo o que aqui aprendeu. E nós temos a certeza de

73 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

que Deus nos dará todos os meios de auxiliá-lo em sua nova trajetória. Não presuma ser possuidor deste amigo que tanto lhe quer bem. Se você não compreender que essa nova experiência compreende um grande passo em seu longo caminho, estará sendo egoísta e não o ajudará em nada. Hoje você teve uma grande oportunidade, ajudando a Ícaro. Não desfaça isso tomando para si

uma decisão que não lhe cabe, César.

Ouvi atentamente as palavras de Augusto ao mesmo tempo em que as lágrimas gravitavam o meu rosto. Então, Miguel olhou

para mim e disse:

— Amigo, amo-te, tal qual o Senhor, nosso Deus, também nos ama. Vejo essas lágrimas, que ora fogem perdidas de teus olhos, e me sinto penalizado.

Porém, sei que logo essas gotas serão somente a expressão da gratidão que tu tens a Deus, por conceder-me tamanha honra. E então, meu amado irmão, cada lágrima brotada de teus olhos que venha a desenhar em ti um sorriso bobo será em mim um pingo de

amor fraterno.

Abraçamo-nos demoradamente. Augusto ainda estava conosco e também compartilhou dessa manifestação de irmandade. Logo após, ele despediu-se, desejando a Miguel e a

mim todo o sucesso nesta nova fase de nossas existências.

Dali, Miguel e eu seguimos para a praça central, onde permanecemos a conversar por mais um longo tempo.

74 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Pensei que você já não precisasse mais encarnar — eu disse a

Miguel, demonstrando ainda certo pesar em minha fala.

— Por que não precisaria César? Eu sou tão ou mais imperfeito que qualquer outro irmão que ainda, de algum modo, está ligado

ao planeta Terra.

— Mas você me parece ser tão correto, amigo. Não percebo em você qualquer sinal de imperfeição que justifique mais um

imperioso estágio na vida terrena.

— Engano seu, meu amigo. Tenho muitos defeitos, carências que não demonstro aqui, pois num lugar como este não temos oportunidades de exteriorizá-las. Aqui na Colônia, tudo é muito positivo e, em ambiente assim, fácil é para nós, mesmo tão imperfeitos, seguirmos toda essa quase perfeição. Porém, em um lugar como na Terra, onde nem tudo é tão harmonioso e onde homens bons dividem o mesmo espaço com outros tantos nem tão empenhados no bem, onde pessoas a todo o tempo nos ofertam situações amargas, que nos servem de testes, as quais, quase sempre, nos fazem recuar e abdicar dos bons ensinos aqui adquiridos, extravasando nossa ira contra aqueles que nos ferem pelo orgulho. Sabe, César, eu não sou menos imperfeito do que você, e se por hora tenho o prazer de lhe servir de orientador, é

pelo simples fato de que aqui cheguei primeiro.

— Se não for um incomodo a você, Miguel, gostaria de saber como foi seu retorno ao plano espiritual.

75 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

9 Confissões

— Na minha última aventura no plano físico, devo dizer que falhei, pois coloquei termo a ela propositadamente.

Fui tomado de surpresa pela confissão de Miguel e, de pronto, demandei-lhe:

— Não entendi, esclareça-me, por gentileza.

— Eu retornei ao plano espiritual por meio do suicídio, César.

— Desculpe-me por fazê-lo recordar — falei um tanto encabulado.

— Não se desculpe meu irmão. É claro que me sinto muito envergonhado e arrependido pelo ato tresloucado, mas hoje entendo a graça de Deus, que me oferta mais uma chance. E foi bom você ter me lembrado disso, porque assim você começa a ver que tenho necessidade de reencarnar. Coloquei termo a minha vida por motivos que hoje bem sei que são muito fúteis. A bem da verdade, qualquer motivo será sempre fútil diante de tamanha falta. Tenho medo de falhar novamente.

76 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

E porque começara a embargar a voz, Miguel fez uma pausa e mudou de assunto.

— Sabe, hoje pela manhã tive a oportunidade de conhecer o lar que irei habitar — disse ele mostrando um largo sorriso.

— Que ótimo, meu amigo! — falei envolvendo Miguel com a mesma felicidade com que ele me falava aquelas palavras.

E agora, eu é que parecia estar fazendo o papel de orientador, ao que Miguel observou:

— Vá se acostumando com isso, meu bom amigo.

— Com o que? — perguntei.

— Falo desses momentos em que você precisará me abraçar e dizer “Estou aqui”, “Não desista”, pois eu vou precisar muito ter você por perto.

— Ficarei honrado em acompanhá-lo, se esta for a vontade de Deus. Mas bem sei que se assim suceder, meu trabalho não será muito difícil.

Rimos, e agora toda alegria típica de Miguel voltava e ele já não lamentava mais o passado que eu o havia feito recordar.

77 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Não aposte muito, meu amigo. Darei muito trabalho — falou-me.

— Obrigado, Miguel.

— Pelo quê, César?

— Por tudo que você está fazendo por mim, desde o momento em que aqui cheguei.

— Sendo assim, penso que sou eu quem deve lhe ser grato, porque do momento que você chegou aqui, tive a oportunidade de exercer essa tarefa de acompanhá-lo.

— César, tenho uma coisa para lhe mostrar e uma pessoa para lhe apresentar, pessoa essa que deseja muito nos falar.

— O que é e de quem se trata? — indaguei curioso.

— Venha!

Segui Miguel até o Centro de Estudos.

O prédio ocupa quase toda a Colônia, fazendo um semicírculo, que é apenas interrompido ao meio pelo enorme prédio que constitui o Centro de Convenções do Recanto.

Quando entramos no Centro de Estudos, pude ver no chão,

78 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

em letras garrafais, o nome do prédio: Centro Educacional de Desenvolvimento Artístico e Tecnológico Bauhaus3.

Fiquei curioso e logo sabatinei a Miguel.

— Qual o significado desse nome “Bauhaus”, amigo?

— Aqui, a exemplo da Escola Alemã de Artes, nós procuramos desenvolver a liberdade do pensamento artístico e unir os conhecimentos científicos à beleza das artes, a fim de catalisar a capacidade que ambos têm de espiritualizar o ser.

Aquela foi a primeira vez que entrei na biblioteca — um lugar indescritível! Senti-me uma formiga dentro daquele ambiente de prateleiras altas, forradas de livros dos mais diversos assuntos. Fiquei extasiado!

Observei a movimentação de amigos que volitavam de um lado para outro e pude perceber que algum não liam os livros que tinham em mãos, mas, como numa espécie de interação, misturavam-se ao conteúdo daquele objeto de saber e absorviam os ensinos ali existentes.

Acerca disso, perguntei ao amigo que me acompanhava:

3 Bauhaus ou a Staatliches-Bauhaus (literalmente, casa estatal da construção) foi uma escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda que funcionou entre 1919 e 1933 na Alemanha. A Bauhaus foi uma das maiores e mais importantes expressões do que é chamado Modernismo no design e na arquitetura, sendo a primeira escola de design do mundo – N. D.

79 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Miguel, o que se aprende aqui? Percebo que alguns irmãos não volitam e outros tantos que leem os livros normalmente, enquanto alguns, por exemplo — disse eu, apontando para o alto, onde voejavam alguns irmãos —, aqueles parecem sugar o conteúdo dos livros...!

— Aqui se aprende desde boas práticas alimentares até conhecimentos profundos de artes, ciências e filosofia. Aqueles irmãos que estão sentados estudando nos livros são iniciantes, assim como você, e ainda não aprenderam as técnicas para absorvimento fluídico de conteúdo. Também ainda não sabem volitar, por isso não estão lá no alto das prateleiras.

— Nunca o vi volitando, Miguel, você não sabe?

— Sei, sei sim — disse-me Miguel.

— Gostaria de ver, quer me mostrar?

— Você já me viu no dia que prestamos socorro ao Ícaro. Estávamos todos volitando, inclusive você

— É verdade, mas não falo disso; quando digo que não o vejo volitar, quero dizer que você não se desloca dessa forma, pelo menos, não quando em minha companhia.

— Penso que não seria muito elegante de minha parte não acompanhá-lo na caminhada.

80 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Naquele momento chegamos a uma porta à direita do salão principal da biblioteca. Miguel bateu e do outro lado nos foi possível ouvir a permissão para que entrássemos.

— Olá, meus amigos! — cumprimentou-nos um homem de semblante jovem, traços gregos, prontamente afável — Sentem-se, por favor. Quero que saibam desde já que para mim é uma verdadeira honra recebê-los.

— Nós é que agradecemos senhor Laerte — falou-lhe Miguel.

— Por favor, “senhor” não, pois somos amigos! Não necessitamos dessas formalidades.

— Olá, prazer! Meu nome é César — falei de pronto, tomando a liberdade de me apresentar.

— Laerte — falou-me gentilmente. — Faço de suas palavras as minhas, acrescidas de agradecimentos, pois Miguel e Inácio me falaram de seu trabalho junto a Ícaro. Sinto-me imensamente feliz por recebê-lo em nosso grupo de estudos mediúnicos.

— Como assim? Eu já vou fazer parte do grupo?

— Ainda não, meu irmão — falou-me Laerte —. Antes fará um preparatório junto ao nosso irmão Inácio, para que você tenha bases, para a prova de aptidão, mas isso não será problema para você, eu tenho certeza.

81 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Já estou ficando com medo desta tão falada avaliação.

Eles riram.

— Às vezes, você é engraçadamente espontâneo — disse Miguel.

— Bem, amigos — interviu Laerte — pedi para que vocês viessem aqui por dois motivos. Primeiro, para que Miguel receba seu projeto de reencarnação, ou seja, que faça suas escolhas entre as sugeridas, conforme o seu perfil.

Laerte entregou a Miguel um interessante dispositivo, que ele guardou debaixo do braço.

— Segundo motivo pelo qual os solicitei aqui — continuou Laerte —, é que esta noite Diogo e Rafaela pretendem ter uma noite romântica. Sabemos que muitos irmãos que não estão nada felizes com o amparo que Ícaro recebeu de nós farão de tudo para que os planos traçados não se concretizem. Peço-lhes, então, que os irmãos possam acompanhar a Irmã Clarisse e a Irmã Madalena na caravana que tratará de manter o ambiente propício para que não haja perniciosas interferências, mas somente boas ações, emanações essas que farão com que Ícaro faça a ligação com aquela que será sua mãe.

— Irmão, eu agradeço a oportunidade — comecei falando —, mas não creio ser apto à execução de um trabalho desta importância.

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— Você não será muito exigido, César. Somente cuidará em ajudar àqueles que serão socorridos, pois muitos irmãos que dali se aproximarem serão imediatamente tomados de um sono irresistível, resultado dos fluidos calmantes deixados por nós, que cuidamos da harmonia do ambiente. Sendo assim, amigo, você não estará envolvido com o trabalho da manutenção harmônica propriamente dita e sim com a importante tarefa de recolher e trazer para nosso hospital os irmãos que aqui poderão receber os devidos cuidados.

Após breve pausa, Laerte continuou:

— Você também, Miguel, ficará responsável por esta mesma tarefa. E não se preocupem, pois irmãos de outras colônias também estarão junto a vocês, já que nem todos os amigos que receberão socorro serão trazidos para cá.

Laerte então nos acompanhou até a porta de entrada da biblioteca e novamente nos agradeceu, desta vez com um beijo em nossas faces.

Com um amável sorriso, dirigiu-se a Miguel:

— Querido irmão, estude bem as propostas e lhe adianto que entre elas, há uma surpresa que, acredito eu, irá lhe agradar muito.

83 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Estudarei com carinho e tenho certeza que todas me serão de grande valia — falou Miguel.

Saímos da biblioteca e fomos para o hospital.

*

Eu ainda repousava no quarto onde acordei quando aqui cheguei. Nesses tempos eu tinha o hospital como minha moradia e achava que assim continuaria sendo.

Aqui na colônia não temos casas; todos dividem espaços comunitários.

Os amigos que são recém-chegados passam um bom tempo morando no hospital, até que se engajem em alguma atividade. Eu, por exemplo, logo que comecei a frequentar as aulas preparatórias ministradas pelo Irmão Inácio, passei a morar no Centro de Estudos, mas temos outros lugares, todos definidos conforme as atividades.

Irmãos que trabalham e estudam no Centro Tecnológico — que é uma extensão do Centro de Estudos — dormem e se alimentam por lá mesmo. E o mesmo se dá com os irmãos que exercem atividades nos campos da colônia.

Chegando ao meu quarto, lá estava Irmã Margarida, arrumando-o.

84 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Não precisa se incomodar irmã — falei.

— Não é nenhum incômodo! Faço isso com grande prazer, e suponho que você queira descansar um pouquinho, afinal teve um dia bem agitado e logo mais fará parte de trabalhos demasiado cansativos. Sendo assim, bom será repousar por algum tempo — falou-me ela com enorme doçura e presteza.

— A senhora é muito gentil, Irmã!

— Que é isso, César?! Só faço o meu trabalho, nada mais que isso.

— E é muito humilde também.

Com sorriso espontâneo, ela me advertiu timidamente:

— Se você continuar me elogiando tanto assim, corro um sério risco de me tornar vaidosa.

— Não creio que a senhora se deixe levar por isso. Sabe que os elogios, na verdade, são frutos de minhas sinceras observações.

— Eu agradeço o carinho e você sabe que a recíproca é verdadeira.

— Irmã, posso lhe fazer uma pergunta?

85 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Claro, meu querido.

— O hospital tem o nome em sua homenagem, não é mesmo?

— Eu creio que sim, este foi um presente que a Irmã Madalena me concedeu, com a graça de Deus, mas o porquê da pergunta César?

— Nada demais — falei, agora me arrumando na cama para descansar —. Eu percebi, quando nos falamos hoje cedo, no jeito encabulado que a Irmã me falou do prédio.

— Encabulada, eu? — disse sorrindo.

— Só um pouquinho.

— Bem, meu querido amigo, vou deixá-lo para que descanse um pouco, espero que tenha boas lembranças.

— Lembranças? — interroguei a mim mesmo.

Quis perscrutar sobre isso, no entanto, já me sentia incontrolavelmente sonolento. De fato, nem me lembro de ter visto a Irmã Margarida sair do quarto.

86 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

10 Equipe socorrista

Adormeci, não sei dizer por quanto tempo. Fui despertado mais tarde por Miguel, que estava acompanhado de mais alguém. Lembrei-me imediatamente deste, pois, mais cedo, o havia visto no corredor a conversar com a irmã Madalena, quando

educadamente me acenou.

— Pronto para os trabalhos da noite? — falou-me Miguel — Este é Afonso. Ele vai nos ajudar nas tarefas de transporte dos amigos

que virão para cá.

— Prazer, meu nome é César! — cumprimentei o novo amigo — Nos vimos hoje cedo no corredor da incubadora, certo?

— Isso mesmo — concordou meu interlocutor.

Afonso é um jovem, magro, alto, de ar sereno e meio sisudo. Confesso que ao primeiro contato com ele, tive a impressão de que ele carregava um aspecto um tanto triste, mas na medida em que o

fui conhecendo, conclui que isso não era mais do que timidez.

— As irmãs Madalena e Clarice estão nos esperando — alertou-

nos Miguel.

87 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Vamos! Não podemos nos atrasar de forma alguma —

corroborou Afonso.

Saímos então do quarto onde eu repousava e nos dirigimos à praça central da colônia. Lá estavam as referidas irmãs: Madalena e minha querida mãezinha, a quem todos aqui chamam por Clarice.

Quando nos juntamos ao grupo, logo tratei de abraçá-la demoradamente aquela que fora minha progenitora e depois

tomei o cuidado de assim proceder com os demais presentes.

A equipe que ali estava, em número de dez, era composta pelos amigos: Madalena, Clarice, Celma, Rute, Miguel, Afonso, Aristides, Gabriel e Estevão, além de mim.

O grupo, agora completo, avançou para o local de encontro

onde se desenvolveriam os trabalhos.

Estávamos agora na casa de Rafaela, namorada de Diogo. Ela, estudante de medicina, morava em companhia de outras duas colegas de curso, que naquela ocasião estavam ausentes. Conforme a irmã Madalena nos adiantou, também essas colegas recebiam auxílio, desde algum tempo, a fim de que reinasse a harmonia entre todas elas, porquanto se temia muito pela reação dos pais de Rafaela, quando soubessem da notícia de sua gravidez.

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Nesse contexto será justamente no círculo de amizade que Rafaela

encontrará apoio para levar à frente essa gestação.

Os pais de Rafaela também estavam recebendo todo o auxílio que nos era possível fornecer, porém, somente sua mãe parecia aderir às boas emanações, segundo as observações da irmã Madalena, que nos alertou o fato de que a dureza do coração de seu pai favorecia a permanência de ideias perniciosas sugeridas por aqueles que, por motivos mil, ainda se compraziam

no mal.

Juntamente com nossa equipe havia dois outros grupos, cada qual composto de dez voluntários. Quando todos estavam reunidos, a irmã Madalena pediu que nos apresentássemos.

Assim procedemos.

Todo o ambiente ali era amigável e harmonioso. Após as saudações, a benfeitora tomou a palavra e proferiu uma linda prece, rogando a Deus que todos nós ali presentes fôssemos ferramentas divinas. Solicitou ainda que todo e qualquer irmão que lá estivesse com outras intenções que não as do bem, recebesse de nós a ajuda carecida para sua corrigenda, bem como recebesse do Mestre Jesus a salutar oportunidade de se iniciar no labor de sua seara. Desta forma, deu-se por aberto o tratamento.

Rafaela ainda se encontrava em aula na faculdade, a

89 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

exemplo de Diogo. Amigos de outras tarefas já os envolviam com

fluidos balsâmicos.

Os dois outros grupos de trabalhadores que ajudam nas tarefas daquele dia eram das colônias Casa de Maria e Cidade

Lírios.

Eu tive grande surpresa, pois aquela que fora minha mãezinha dirigia as tarefas do grupo da Casa de Maria. O dirigente

do outro grupo era o irmão Maurício.

Após a irmã Madalena passar as ordens para o grupo, dirigimo-nos todos para nossos afazeres. Alguns verificavam as condições ambientes a fim de localizar possíveis desarranjos nos fluidos colocados mais cedo, antes de nossa chegada.

Nós, que iríamos tratar da acolhida aos irmãos que seriam socorridos, cuidamos de preparar nossos equipamentos — entre outras coisas, maca e kit de proteção, que consiste em loções tais que, quando lançadas sobre o irmão em dor e sofrimento, promove-lhe um estado de sublimação, deixando-os inalcançáveis às suas próprias más inclinações. Claro que esse efeito é passageiro, porém nos fornece tempo suficiente para levar o irmão em segurança para o hospital.

Agora parecia que tudo estava pronto, ao que disse irmã Madalena.

90 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

— Bom trabalho a todos nós! Que o Mestre Jesus nos capacite a

doar a todos o mesmo amor que Deus nos dispensa todos os dias!

Ao fim daquela fala da irmã Madalena, já nos era possível observar o número incontável de entidades que ali estavam como que parasitas rastejando no ambiente. Logo, tratamos de socorrer aqueles que se encontravam em uma espécie de sono para que os outros que, ainda conscientes, porém sonolentos e débeis, não os

alcançassem e não desfizessem os efeitos calmantes dos fluidos.

Naquele dia, tive o prazer de conhecer os amigos Aristeu e Maria Aparecida, que com grande presteza me forneciam experiência naquela atividade.

A irmã Madalena tomou o cuidado de formar as equipes de trabalho unindo os irmãos das distintas colônias a fim de nos proporcionar a oportunidade de somar experiências diversas e de

expandir nossa rede de relacionamentos.

O relógio na parede da sala marcava treze e trinta quando Rafaela adentrou o apartamento. Neste momento, os ânimos daqueles que pretendiam mal influenciá-la pareceram ser catalisados, mas ela era envolvida por uma espécie de manto magnético que impedia que os fluidos desarranjados pudessem

alcançá-la.

Rafaela entrou no apartamento cantarolando, jogou a bolsa e alguns livros no sofá e se dirigiu ao telefone. O irmão Aristeu,

91 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

percebendo a minha distração — pois eu prestava atenção a

Rafaela —, tratou de alertar-me:

— Amigo César, preciso de ajuda com este nosso irmão. Poderia

me dar uma pequena força aqui?

— Desculpe-me, irmão — respondi — me distraí!

— Não se preocupe — disse Maria Aparecida, docemente. — Esta

é sua primeira vez?

— Sim.

Ela continuou com a mesma presteza:

— Isso é normal, e, na verdade, é até salutar, pois toda e qualquer observação feita é ferramenta de aprendizado. Só temos de cuidar

para não nos desviarmos dos objetivos de nossa estadia aqui.

— Sim, sei... E obrigado por me chamar atenção a isso. Ficarei

mais atento — prometi.

— Não se preocupe — interveio Aristeu —, somos todos aprendizes.

Deste momento em diante, não mais prestei atenção ao

92 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

ambiente físico, nem vi o momento quando Diogo chegou ao

apartamento.

Somente interrompemos as nossas atividades ali quando a

irmã Madalena nos ordenou:

— Pronto, meus amados irmãos. Nosso trabalho aqui está encerrado. Agora vamos deixar que a equipe responsável pela

ligação somática faça sua tarefa.

Dirigindo-se a mim, ela acrescentou:

— César, acompanhe os irmãos Aristeu e Maria Aparecida até o hospital de nossa Colônia. A irmã Margarida vos espera para que auxiliem nas tarefas de triagem.

Agora, irmã Madalena volta-se para Miguel:

— Miguel, por favor, acompanhe os irmãos Alberto e Sônia à

Cidade Lírios.

E assim ela procedeu, direcionando cada subgrupo de três em três para as respectivas atividades a serem desenvolvidas, agora na acolhedora segurança das colônias. Somente Afonso não fora enviado para os trabalhos em uma das colônias, pois a irmã Madalena lhe solicitou que ficasse ali à espera da equipe de

93 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

ligação, e que, caso houvesse qualquer ameaça de desordem no

ambiente, ele a convocasse imediatamente.

Desta maneira, todos seguiram para as respectivas tarefas. Quando chegamos à Colônia, fomos prontamente recebidos pela irmã Margarida. Lá já se encontravam outros amigos que haviam participado dos trabalhos na casa de Rafaela, que, do mesmo modo que Aristeu, Maria Aparecida e eu, ficamos encarregados de

auxiliar na triagem.

Disse a irmã Margarida:

— Esses são todos os irmãos que ficarão por aqui, na Colônia. Porém, há muitos outros que não permanecerão entre nós, mas que já devemos lhes dispensar auxílio. Precisamos que vocês tratem de despertá-los, lentamente, a fim de sondar informações sobre eles. Procurem saber seus nomes, pois isso facilita o processo. Depois, mantenham um diálogo com eles com o propósito de saber se eles reconhecem seu estado de desencarnado; se sabem onde estavam e se sabem onde estão

agora. Entenderem? Alguma dúvida?

Ao fim daquelas orientações, levantei a mão prontamente:

— Pois não, amigo César?... — concedeu-me a vez.

— Como é que vamos saber quem é que ficará nesta Colônia e quem será encaminhado para a outra?

94 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Ela não tardou em nos elucidar:

— Vocês não saberão. O seu trabalho será o de despertar os

amigos e mantê-los, na medida do possível, conscientes.

— Certo! — falei.

— Então, mãos à obra! — exprimiu o irmão Aristeu.

Ali labutamos por longo tempo, às vezes fazendo o despertamento, outras vezes conversando com os irmãos, verificando-lhes o nível de consciência. Foi-nos possível observar algumas vezes que alguns deles, quando despertos, pareciam, de certo modo, reconhecer o lugar onde se encontravam. Alguns perguntavam se ali era o Lar das Flores, outros indagavam se

aquele recinto era um hospital no plano espiritual.

Esses fatos me causaram certa curiosidade e tive a preocupação de não me esquecer deles para posteriormente

interrogar a irmã Margarida.

Ao término daqueles afazeres, a irmã Maria Aparecida e o irmão Aristeu foram ter com a irmã Margarida e eu os acompanhei.

95 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Irmã — começou falando Maria Aparecida —, há algo mais ao

que possamos ser úteis?

A resposta veio de imediato:

— Creio que não. Obrigado pela colaboração prestada aos irmãos. A ajuda de vocês nos foi de grande valia, como sempre. Vocês sabem que fico muito contente cada vez que os recebemos em

nosso Recanto.

— Nós é que agradecemos a oportunidade que a senhora nos proporcionou — replicou Maria Aparecida, de igual candura às

palavras da interlocutora. — Assim sendo, pedimos licença.

A irmã Margarida lançou-se à frente, agraciando Maria Aparecida com um caloroso abraço e o mesmo fez a Aristeu e a mim.

Deste modo, deixamos o hospital.

Quando alcançamos a escada da frente do prédio, Aristeu

virou-se para mim e disse:

— Amigo César, estamos indo às regiões dos campos da Colônia

visitar uma velha amiga. Gostaria de nos acompanhar?

96 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Respondi entusiasmado:

— Sim, claro! Não conheço essa parte da Colônia...

— Estamos certos de que vai gostar. Vamos lá?

11 Depoimento de Hanzi

Ali mesmo, defronte o hospital, esperamos pelo transporte, porque a área rural da Colônia fica bem afastada. Como eu ainda não desfrutava da volitação, os irmãos ponderaram que seria melhor seguirmos de aeróbus.

Durante a viagem, pudemos conversar mais e nos conhecer um pouco melhor. Aristeu falou-me do tempo de sua estadia na colônia Cidade dos Lírios e aproveitou a oportunidade para narrar sua última aventura na Terra. Disse-me que era professor de nível superior, com formação em História, sendo especialista em Egiptologia e História greco-romana. Confessou ele que se envaidecera muito dos títulos conquistados e que pouca importância dava às questões religiosas; disse ainda que teve dois filhos, sendo cada um de determinada mãe, pois havia sido bígamo. Sua vida dupla somente foi descoberta após sua partida

da dimensão física.

97 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Acrescentou ter sido detentor de muitas posses, pelo que sentiu maior dificuldade no desenlace perispiritual, pois em todo momento era lembrado com amargura — por suas duas esposas e por seus dois filhos.

— Não era religioso, mas acreditava na existência de Deus, ao menos vagamente — confessou ele.

No entanto, uma de suas mulheres dizia-se católica fervorosa e talvez isso tenha lhe ajudado um pouco, uma vez que Ana Luzia — a tal —, mesmo se sentindo traída e guardando alguns resquícios de mágoa, por vezes entregava-se às preces em

prol do falecido esposo.

Ele aditou que, pós-desencarne, por longo tempo permaneceu preso ao ambiente familiar — por vezes no endereço de uma de suas mulheres e por outras vezes no endereço da outra.

Quando finalmente começou a se desligar de tudo aquilo, iniciou-se em seu íntimo um sentimento de autorrepreensão em virtude de seus atos descabidos, dando início a um novo processo de sua estadia no plano espiritual. Aristeu expôs que a partir de então começou a reconhecer seus erros e por isso passou a não se perdoar. Ponderou que tudo aquilo poderia ser diferente, mas, segundo ele mesmo, ainda não admitia que Deus pudesse estender-lhe a mão, porque, ainda que não fosse fiel a nenhuma crença, acreditava piamente que aquela condição em que se

encontrava lhe seria perpétua.

98 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Porém, passado o tempo e cansado de toda aquela penúria, Aristeu, em um momento de sufocante agonia, solicitou ajuda, sendo então alcançado pelos irmãos da Cidade dos Lírios.

Percebendo que eu dedicava toda a atenção em sua

história, Aristeu continuou:

— Desencarnei por complicações no fígado, devido o abuso de bebidas alcoólicas. Não faz muito tempo que estou na Colônia e, por ter dado brecha às minhas más inclinações, por vezes ainda

sinto dores figadais.

Esse fato me chamou a atenção em especial, pelo que

interroguei:

— Há quanto tempo o irmão está na Cidade dos Lírios?

— Pelos cálculos humanos, uns dois anos.

— Nossa! — exclamei — Desculpe-me pela intromissão, mas por

todo esse tempo e o irmão ainda guarda as dores desse gênero?...

Um tanto contrariado, ele respondeu:

— Infelizmente sim, amigo César. Se bem que, em raros momentos. Quando me desvio do caminho reto, quando mesmo

99 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

que em pensamento, eu suponho sorver uma mísera porção de

fluidos alcoólicos.

Depois de breve pausa, ele prosseguiu:

— Mas isso me serve de alerta, pois me faz reviver momentos que eu não desejo.

— Entendo — falei fraternalmente.

Aristeu não fez cerimônia para me relatar mais sobre suas

vivências:

— Hoje participo de um grupo de apoio, que reúne amigos em semelhante processo de recuperação. Nossa equipe se reúne aqui mesmo na Colônia Recanto de Irmãos. Você até poderia nos

visitar, um dia desses...

— É de lá que nos conhecemos — interviu Maria Aparecida, que até aquele momento guardava-se em silencio, em atenção à

palestra de Aristeu.

Ela continuou:

— Eu também abusei de químicos, enquanto na Terra, e não me limitei ao consumo de álcool, comportamento esse que abreviou

100 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

minha estadia na carne em apenas vinte e sete anos. Retornei ao mundo espiritual como suicida, onde experimentei toda sorte de dor que se pode imaginar. Entretanto, graças a Deus, os amigos da Casa de Maria vieram em meu socorro. Desconheço como o auxílio se sucedeu... Recordo somente do tempo em que andava a procura de meios de abrandar a agonia que sentia. Então, por vezes, encontrei alguns grupos de Espíritos viciados, que sugavam os fluidos entorpecentes em rodas de jovens encarnados e também dependentes. Em um desses momentos, liguei-me fortemente a um usuário que, para minha ventura, vivia em lar espírita. Foi então durante uma reunião, em que os familiares leram textos que exaltavam o amor e a caridade cristã, que os

amigos da Colônia me convenceram a lhes acompanhar.

Fiquei extasiado com aquelas narrativas e pude perceber o quanto sou agraciado por Deus, pois a breve passagem que tive nas regiões escuras não corresponde a um terço dos percalços que aqueles irmãos viveram.

— E você, amigo César...? — indagou-me Maria Aparecida — Como foi seu retorno ao mundo dos Espíritos?

— Fui vítima de afogamento. Dirigia meu carro em alta velocidade, em razão de minha esposa estar prestes a dar a luz ao nosso primeiro filho. Perdi o controle do automóvel, lançando-o ao rio, sem nenhuma chance de salvação. Marisa, a minha mulher, perdeu o bebê na mesa do parto. Quando tomei consciência de que já não fazia parte do mundo físico, desesperei-me e comecei a procurar alguma forma de saber notícias de Marisa e de meu filho, pois ainda não sabia que a criança não havia sobrevivido. Nesse

101 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

período de busca, deparei-me com mil situações em que eu obsediava pessoas, sem me aperceber disso. Todo lugar por onde eu passava, e que eu pudesse topar com alguém semelhante às minhas condições de lamúria, ali me achegava, despejando meus pensamentos negativos. Aquilo para mim era como um divã, onde me deitava para derramar toda a minha angústia e de lá saia leve e pronto para continuar minha busca por informações dos parentes. Quando finalmente encontrei o caminho de minha antiga residência, parecia tarde demais, pois Marisa não mais morava ali. Mesmo assim, resolvi ficar, porque aquele cenário, de algum modo, me dava uma sensação de segurança, enquanto que lá fora tudo era incerto e sem forma. Pelo período em que me instalei naquela casa, pude perceber que às vezes me era possível produzir ruídos nos objetos e, na medida em que compreendi a maneira pela qual aquilo se dava, julguei ter encontrado um jeito de chamar a atenção da minha querida esposa. Sabia, àquela altura, que aquela família que ali havia se instalado, não tinha comprado o imóvel, habitando-o por concessão de aluguel. Sendo assim, tal família efetuava depósitos mensais em nome de minha senhora. Comecei então a produzir os fenômenos com mais frequência a fim de que, incomodados com a situação, os inquilinos a chamassem para averiguar o lugar. A partir daí, seguiria Marisa até seu novo endereço e finalmente poderia voltar a viver perto de minha família.

Respirei fundo, e dei continuidade ao meu depoimento:

— Demorou um bom tempo até que aquela família entrasse em contato com Marisa. Porém, quando isso aconteceu, coloquei em prática os meus planos. Assim que a avistei, meu coração se

102 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

encheu de ânimo novamente. Sentia-me inteiramente vivo e num impulso irresistível, saltei para abraçá-la. Devo dizer que foi somente ao ver Marisa que me dei conta de quanto tempo já havia passado desde meu desencarne. Aquele acidente fatal tinha ocorrido no ano de mil e novecentos e setenta e cinco, quando estava nos meus vinte e nove anos de idade. Marisa era dois anos mais velha do que eu. Naquele momento, tomei o cuidado de observar o calendário fixado à parede da sala. Estávamos no segundo dia do mês de dezembro do ano de mil e novecentos e setenta e oito. Três anos apenas havia se passado e minha amada, agora nos seus trinta e quatro anos, aparentava ter muito mais. Pensei no tempo que havia ficado perdido perambulando de um lado para outro no meio da escuridão, ora em um lugar agonizante, outrora em lugares que se assemelhavam a bordeis, onde o sexo, as drogas e as paixões de toda sorte são os grandes atrativos. Nunca me utilizei desses recursos, mas nesses ambientes, sempre encontrei pessoas que ali estavam somente a mascarar suas tristezas e, como disse antes, era por meio delas

que eu encontrava o meu divã.

Prossegui em minha narrativa:

— Não tinha nenhuma consciência do mal que as causava. Finalmente cheguei ao novo endereço de Marisa. Ao entrar na casa, deparei-me com um enorme vazio. A maioria dos móveis ainda estava guardada em caixas, exceção feita a alguns itens de cozinha, com destaque para alguns pratos e talheres usados e encostados na pia. Impressionei-me com a cena, pois muito me admirava ver aquele cenário que em nada condizia com a prendadíssima Marisa, que outrora fora minha esposa.

103 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Naquele momento as lágrimas escorriam em meu rosto,

então pedi forças a Deus e continuei:

— Logo, pensei em nosso filho. Queria vê-lo. Tinha vontade de conhecê-lo. Imaginei que estivesse dormindo em algum quarto, na parte superior daquela casa. Aprecei-me em subir as escadas e quando cheguei ao corredor, imediatamente, identifiquei o aposento do meu bebê, já que a porta estava ornada com enfeites infantis. Fiquei parado por alguns instantes procurando dentro de mim as forças necessárias para entrar. Meus olhos inundaram-se em lágrimas e eu estava radiante, apesar do misto de medo e

alegria que de mim se apossara.

— Por fim, entrei. E ao contrário do resto da casa, o quarto estava impecável. Tudo muito bem organizado, cada coisa em seu lugar e artigos de muito bom gosto. De pronto, pensei que aquele ambiente era guardado com muito carinho por aquela que fora minha doçura na Terra. Entretanto, notei que ali não havia ninguém. Supus então que Marisa pudesse ter deixado nosso filho sob a guarda de sua mãe, enquanto resolvesse as pendências com

seus inquilinos.

— Desci as escadas e encontrei Marisa chorando. Ela segurava nas mãos o álbum de fotografias de nosso enlace matrimonial. Aproximei-me dela e fiz algum esforço para que ela pudesse sentir minha presença. Pude ouvi-la sussurrar meu nome e em seguida, olhando para o horizonte, indagar a Deus o porquê de tanto sofrimento. Desabafou em íntima e longa conversa, pelo que,

104 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

durante seu lamento, foi que descobri que ela havia perdido o

fruto do nosso amor.

— Revoltei-me contra Deus desequilibradamente. Dilacerava-me o peito mais esta decepção e de novo coloquei-me a andar a esmo a fim de esquecer tudo aquilo e fugir da tristeza que condizia agora com a vida de Marisa. Não suportaria vê-la definhar sozinha, sabe-se lá até quando.

— Foi então que, mesmo revoltado, propus-me a me ajoelhar e solicitar alguma ajuda. Pensei que, se Deus realmente se

importasse, Ele haveria de me ajudar no auxílio à minha esposa.

— Neste momento, os anjos desta Colônia vieram em meu socorro. Disseram-me que eu mesmo poderia ajudá-la, porém que, antes, era imperioso que eu me permitisse ser ajudado. Até que, com a graça de Deus, hoje estou aqui.

12 Nos campos da Colônia

— Que ótimo ouvir a sua história, César! — exclamou Maria Aparecida.

— Curioso. Somente agora me dei conta de que, desde o momento

que aqui cheguei, esta é a primeira vez que conto minha história.

105 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Falei espontaneamente, sem pensar muito nas palavras. Entretanto, logo percebi que, na verdade, nunca o fizera, porque, de algum modo, todos com quem eu tinha tido contato até aquele momento, ou sempre souberam do que havia ocorrido comigo ou simplesmente não tivéramos oportunidade de discorrer sobre o

assunto.

— Chegamos — disse Aristeu — e, ao que parece, a irmã Maria

Madalena já nos espera — concluiu.

A irmã Maria Madalena veio nos receber. Trajava roupa característica de camponesa; calçava botas e usava um chapéu fixado na cabeça por um lenço amarrado até o queixo. Para esclarecimento do leitor, amiga que acabava de conhecer não é a mesma Madalena que me acompanhava no Hospital da Irmã Margarida. Então, Maria Madalena aproximou-se e nos cumprimentou:

— Sejam bem-vindos, meus amigos!

Maria Aparecida, em um salto só, lançou-se nos braços da outra, externando toda a alegria em vê-la. Aristeu também a abraçou com júbilo e, em seguida, a senhora, dirigindo-se a mim, falou:

— Venha, filho! Venha cá e me dê um abraço!

106 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

Abracei-a, timidamente, ao que ela logo reagiu, dizendo:

— O que é isso, garoto? Dê-me um abraço de verdade! Assim… — e me apertou contra seu corpo, com extremo entusiasmo e eu logo

me senti acolhido.

Ela continuou:

— Prazer! Meu nome é Maria Madalena Araújo Feitosa.

Falou seu nome inteiro como quem acenava todo o orgulho e felicidade de ser quem era.

— Prazer, irmã. Meu nome é César Hanzi.

— César, o quê? — indagou ela, demonstrando estranheza ao

ouvir meu sobrenome.

— Hanzi — repeti.

— Nossa! Que nome mais difícil — exclamou ela.

Achei toda aquela espontaneidade algo sublime, pois tudo o que aquela senhora falava parecia vir direto do coração, sem passar pela censura da razão, a exemplo das crianças, que dizem

107 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

tudo de forma tão espontânea e honesta, sem nunca deixarem de

ser delicadas, o que somente evidencia a sua inocência.

Nem precisava dizer que, de pronto, apaixonei-me por aquele ser indiscutivelmente amável. Ela pegou em meu braço e me puxou, levando-me para um passeio a fim de me dar a conhecer os campos nos quais trabalhava. Em pouco tempo, mostrou-me tudo que ali se fazia: mostrou-me as plantas que serviam para os estudos no Centro de Biologia, para desenvolvimento de novas técnicas agrícolas ou mesmo de novas espécies vegetais e que servirão de alimento num futuro próximo; mostrou-me também os próprios vegetais utilizados nas refeições aqui da colônia; exibiu-me o cultivo das flores, que além de enfeitarem toda a colônia, ainda são aproveitadas para

harmonização nos trabalhos de doutrinação e em muitos outros.

Ao fim do rápido tour, em meio às plantações, a irmã perguntou-me em que esfera espiritual eu residia.

— Moro aqui mesmo — respondi.

E a doce senhora, em adorável espontaneidade, respondeu:

— Não me lembro de tê-lo avistado em lugar nenhum por aqui

antes.

Disse-me isso como que não acreditando na possibilidade de eu ali residir sem que ela disso tivesse conhecimento.

108 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

E continuou seu discurso:

— Sabe, eu sou muito conhecida nessas bandas. Você já até deve ter ouvido falar de mim. Eu sou a mãe desta menina aqui — exclamou isso enquanto abraçava Maria Aparecida. — E só Deus mesmo pra ajudar a gente na lida do dia a dia, do sol a sol, porque só quem sofre na pele as dores do desvario, sabe a importância do castigo. Sabe, filho, eu posso dizer a você que, hoje sou feliz porque o tanto que penei na Terra me fez mais forte e consciente de que o futuro é sempre bom, quando a gente aceita as coisas

como sendo tudo da parte de Deus.

A irmã Maria Madalena tinha todas as características de uma mulher que sempre trabalhou para conseguir o seu sustento e de sua família. Quando começou a dirigir-se a mim, como que me aconselhando, parecia também realizar uma autoanálise, na qual reconhecia a importância de entender quem ela era e a importância que sua existência na Terra teve na composição do

ser imortal.

Achei tudo aquilo muito lindo e guardo esse momento com muito carinho em minha memória.

— Mãe, não creio que o amigo César esteja interessado em ouvir essas coisas — interrompeu Maria Aparecida, mostrando-se um

tanto encabulada.

— Que é isso, irmã? Estou adorando ouvi-la — falei, fraternalmente, desejando que a outra continuasse a doar-me

109 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

mais de seus amáveis conselhos, pois aquilo, de algum modo,

lembrava-me meus avós.

Passamos o resto do dia a conversar. A irmã Maria Madalena nos serviu chá de ervas que ela havia colhido naqueles instantes. À sombra de uma frondosa árvore florida, encerramos aquele dia.

Maria Aparecida e Aristeu puderam alijar a saudade que eu sentia da irmã Madalena e eu fiz uma bela e nova amizade. Além disso, tive a oportunidade de conhecer outra parte da colônia, que começava a tomar proporções maiores para mim, ou seja, do que

aquelas a que eu estivera circunscrito.

Em nossa despedida, a irmã Maria Madalena entregou a cada um de nós um punhado de flores a fim de que nos lembrássemos daqueles bons momentos que passamos juntos.

Dirigimo-nos, assim, à estação de transporte. Lá chegando, Maria Aparecida e Aristeu entraram no coletivo, que fazia viagens extracolônia e eu embarquei no que me levaria de volta ao centro

do Recanto.

Na viagem de volta, vim pensando em como era grande aquela morada semimaterial e que era realmente uma cidade, na qual o Centro de Estudos, a Biblioteca, o Hospital e o Centro de Convenções constituíam o seu núcleo. E, além dali, existiam as outras regiões adjacentes como a que eu acabara de visitar. Então,

110 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

pensei que muitas outras regiões ainda eu poderia conhecer. Não demorou muito e adormeci, por me sentir um tanto cansado. Somente acordei quando o transporte pousou na estação próxima ao Hospital da Colônia. Meio sonolento, eu guardava ainda as impressões das imagens que me foram reveladas no breve cochilo durante a viagem.

À porta do posto socorrista, encontrei-me com Afonso, que parecia, naquele momento, também estar de chegada.

— Olá, amigo, César — cumprimentou-me, sorridente.

— Olá, Afonso. O irmão está chegando agora?

— Sim. Acabo de vir da casa de Rafaela. Saí assim que a equipe responsável por fazer a ligação chegou naquele local, conforme as

instruções da irmã Madalena.

Então, indaguei, enquanto caminhávamos adentrando o hospital:

— Isso quer dizer que a essa hora Ícaro está ligado à Rafaela?

— Ainda não, meu amigo. A equipe de ligação, neste momento, está cuidando das condições perispirituais de Rafaela, até que haja a nidação. A partir daí é que se fará a união propriamente dita. E isso pode levar mais ou menos tempo, pois respeita as condições orgânicas de cada mulher. Por essas horas, Ícaro somente está

111 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

abotoado mentalmente àquela que será sua mãe — esclareceu-me

o amigo.

— Entendo — falei como que solicitando maiores esclarecimentos.

E Afonso assim o faria.

13 Reminiscências

— Sabe, César — disse-me Afonso — o caso de Ícaro é bem singular. Não temos muitos iguais, aqui na Colônia. O Recanto cuida de planejamentos reencarnatórios na maioria das vezes em longo prazo. Como o caso de Ícaro exigia certa urgência, e, claro, pela bondade divina assim nos foi permitido atuar, nosso irmão não pôde, como de praxe, acompanhar aqueles que serão seus pais. Assim sendo, o período de gestação de Rafaela será bem turbulento, pois Ícaro manifestará fortemente os seus

sentimentos.

Chegamos à porta do aposento a mim designado e Afonso

despediu-se dizendo:

— Pois bem, amigo: descanse um pouco e ao nascer do sol virei aqui para seguirmos juntos ao Centro de Estudos a fim de

112 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

assistirmos aos vídeos gravados pela equipe de ligação.

Certamente, obteremos grande aprendizado.

—Combinado, Afonso. Estarei esperando e obrigado pelo trabalho de hoje e pelos esclarecimentos que acabou de me passar.

— Sou eu que agradeço meu caro, pela sua disposição em nos ajudar.

Já em meu quarto, tomei um banho, pois ainda sentia-me carecido dos hábitos higiênicos adquiridos na Terra. Logo após, deitei-me e despendi bom tempo visualizando o teto, como que buscando lembranças das imagens que havia tido há pouco,

durante a viagem de retorno ao centro da Colônia.

Comecei a penetrar nas imagens familiares que me vieram à mente: visualizei-me em uma mesa de jantar, porém, eu não possuía este meu aspecto físico atual, e a julgar pelo meu vestuário e os dos demais convivas que ali estavam, conclui que a cena ocorria no século XIX. À mesa, além de mim, figuravam-se quatro pessoas, sendo uma delas uma criança, à qual logo identifiquei como sendo Ícaro, pois já o havia visto naquela

composição física, em outra ocasião.

Pensando melhor naquelas imagens, de pronto percebi

113 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

tratar-se de lembranças de outra vida e fiz um esforço maior para

me concentrar, a fim de recordar o máximo de eventos possíveis.

Àquela mesa, conversávamos algo sobre seminário. Alguém dentre nós pleiteava seguir a vocação sacerdotal católica, o que parecia despertar grande contentamento em todos ali. Não demorou muito para eu perceber que aquela havia sido a minha família e que eu era quem estava para seguir a ordem eclesiástica. Lembrei-me também de que o patriarca da casa, sentado à ponta da mesa, referiu-se à jovem que estava ao seu lado, chamando-a de Clarice. Imediatamente, deduzi que esta se tratava da mesma entidade que outrora havia sido minha mãezinha no meu último estágio na dimensão terrena, e compreendi a razão de os amigos

aqui na Colônia a chamarem pelo referido nome.

À medida que eu me esforçava para recobrar as lembranças, as imagens iam sendo representadas cada vez mais vívidas em mim. Desse modo, conclui que o outro rapaz, que se sentava ao meu lado, era Álvaro — que agora vive como Hélio. Entretanto, para mim, ficou somente a dúvida de quem era o patriarca, pois não percebia nele qualquer ligação com pessoas

que eu tivesse conhecido aqui no Recanto.

Não conseguindo alcançar mais informações, resolvi dormir um pouco e guardar os questionamentos para o dia

seguinte.

Levantei-me antes da aurora. Enquanto Afonso não chegava, detive-me em apreciar a fuga dos primeiros raios da

114 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

estrela-mãe de nosso planeta. Matizes desprendiam-se daquela fonte de luz e calor. Era-me possível identificar cada minúcia daquele esplendoroso evento, à medida que cada minúscula centelha chocava-se com a atmosfera ambiente. Eu não poderia ser testemunha de algo mais sublime naquela hora. Era como ver o próprio Criador tocando-nos com suas bênçãos. Mirei o alto e

simplesmente agradeci por tudo aquilo.

— Lindo, não é mesmo? — disse Afonso, entrando no meu quarto

e cessando minha solitária apreciação.

—Não tenho palavras… — confessei, emocionado.

— Sei bem o que sente meu amigo. A vontade que temos é a de

permanecer nessa contemplação interminavelmente…

— Exatamente! — concordei.

Afonso, todavia, propôs:

— Entretanto, se quisermos fazer mais do que admirar a obra divina, imperioso é que façamos parte dela. Assim, para tanto Ele, Deus, Pai amoroso, nos deu a gloriosa ferramenta do trabalho.

Enfim, o amigo está pronto para mais uma jornada prática?

— Certamente. Estou bastante entusiasmado.

115 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Depois, indaguei:

— Miguel nos acompanhará?

— Sim, claro. E penso que ele já esteja à nossa espera.

Seguimos, então, ao Centro de Estudos e dessa vez não entramos pelo salão da biblioteca, mas utilizamos a entrada

oposta, que fica imediatamente ao lado do Hospital.

Prontamente encontramos Miguel, que, como sempre, nos saldou com grande sorriso

Adentramos em uma sala ali mesmo no piso térreo. Instalamo-nos em nossas poltronas e, empolgados, esperamos pela palestra que nos esclareceria os trabalhos do dia anterior na casa da Rafaela.

Finalmente, todos que participaram daquelas recentes atividades se encontraram na sala, num número aproximado a cinquenta confrades. Como de praxe, antes do início do estudo, a irmã Madalena sugeriu que nos silenciássemos por alguns instantes a fim de que cada um de nós, de um modo particular,

firmasse o pensamento em Deus, em oração íntima.

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Durante o tempo em que ficamos em meditação, conversando com Deus, era-nos possível ouvir uma suave melodia, que aos poucos preenchia todo o ambiente. A música conduzia-me o pensamento e eu tinha a certeza de que aquele som provinha diretamente do Pai, pois nada, pelo menos naquele

momento, parecia ser mais arrebatador.

Ao final daquela melodia, a irmã Madalena solicitou que o irmão Augusto se apresentasse, com o propósito de conduzir os

estudos.

Tomando a palavra, Augusto saudou-nos e iniciou a sua

exposição.

— Como sabem irmãos, ontem tivemos um dia deveras assoberbado. Alguns de vocês são estreantes nesse campo de trabalho e nós esperamos que este tenha sido o início de outros tantos. Quero parabenizar a todos pelo bom desempenho nas tarefas a que cada um se dignou realizar, uma vez que este mesmo êxito em nossas atividades proporcionou-nos as primeiras investidas para o enlace de nosso amigo Ícaro àquela que será sua mãe. Reconhecemos que o caso de nosso amigo reencarnante é, no mínimo, interessante para nossos estudos e oferece particularidades que eu mesmo, por mais tempo e experiência que tenha nesse tipo de serviço, não hesitarei em buscar auxílio de irmãos mais gabaritados. Como já nos é conhecido, nossa Colônia tem tratado de vários processos reencarnatórios, entretanto, todos com singular semelhança no que tange ao tempo em que se realizam...

117 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

O amigo que falava há tão pouco tempo, já nos encantava com tanta doçura e com sua presteza em nos trazer ao conhecimento, os pormenores daquele processo reencarnatório, então, fez uma breve pausa, lançando-se para um lado da sala, e, acionando um aparelho, fez com que à nossa frente aparecesse uma tela holográfica. Feito isso, Augusto continuou seus apontamentos.

— Sendo assim, meus irmãos, venho aqui mostrar a vocês o material que nossas câmeras têm registrado durante algum

tempo.

Posicionando a mão direita à frente da tela, Augusto fez um movimento como que se arrastasse algo, e, logo após, nos foi possível ver a imagem da casa de Rafaela.

A palestra nem havia começado e eu já estava empolgadíssimo com aquilo tudo que se apresentava. A reprodução da tela revelava-nos toda a interação entre os dois planos existentes naquele local. Não me demorei nas observações naquela hora, pois Augusto retomava a sua palestra.

118 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

14 Influências nefastas — Aqui temos as imagens — disse Augusto, continuando sua palestra — de nosso campo de atuação: a casa de Rafaela. E, conforme os irmãos já perceberam, as imagens nos permitem a visualização de ambos os níveis de existência. As cenas que vemos agora são registros de cinco semanas antes de nossas atividades auxiliadoras. Notemos a grande massa de entidades enfermas que

coexistem no local.

À medida que Miguel falava, as cenas modificavam-se na tela como que obedecendo aos pensamentos do amigo palestrante, em uma perfeita sincronia entre imagens e palavras.

Prosseguiu a palestra:

— Esses irmãos, tão desejosos de sensações materiais, ligam-se de forma parasítica aos personagens encarnados que ali residem, com enfáticas investidas sobre Rafaela, pois esses infelizes adoentados ali se encontram por ordens de entidades que lhes tomam como escravos, entidades essas que têm por única intenção frustrarem os planos reencarnatórios de Ícaro.

Nesse momento, em especial, a tela dividia-se em quatro partes iguais, mostrando-nos um mosaico de distintas imagens que, no entanto, guardavam entre si algo em comum. A isso, Augusto chamou nossa atenção, apontando para os números no

canto inferior direito das imagens:

119 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Observem queridos amigos, que essas quatro cenas diferentes que aparecem aqui aconteceram no mesmo instante. Analisemos bem cada uma delas e anotemos nossas observações para que discutamos ao final da palestra.

Devido outro movimento da mão de Augusto, a tela voltou a ser única e, dessa vez, a cena evidenciava fatos ocorridos com

Rafaela.

Uma dezena de Espíritos incrivelmente mutilados circundava-a. Dois deles me chamaram bastante a atenção, pois a todo o momento aproximavam-se de nossa irmã, encostando a boca em seu ventre, na altura do umbigo, e, numa espécie de sucção, puxavam-lhe fluidos animalizados.

Era-nos possível observar as energias saindo do centro gástrico de Rafaela e penetrando os perispíritos daqueles outros. Percebi ainda que, diferentemente desses dois, os demais tratavam de implantar-lhe nos outros centros de força, pequenas partes de uma substância semelhante a uma massa. As entidades, inclusive, depositavam grande parte desse material no centro

genésico.

Após esse momento, de imagens fechadas, a tela se abriu revelando-nos agora maiores detalhes do plano físico. Foi então que pudemos ver melhor a disposição das personagens de ambos os planos. Rafaela estava na varanda do apartamento, segurava um copo com bebida alcoólica e fumava. Ao seu lado estava sua

120 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

amiga Juliana, ambas rodeadas pelas entidades enfermiças que as obsediavam. Elas conversavam entretidamente e, conforme nossas observações, influenciadas especialmente por dois indivíduos invisíveis que, em contraponto aos colegas, estavam bem trajados e em nada, pelo menos visualmente, aparentavam possuir quaisquer anomalias.

De imediato, tive a impressão de que aqueles dois seriam finalmente Espíritos que estavam ali para auxiliá-las e penso que esse tenha sido o pensamento de todo aquele grupo de

aprendizes.

E, como que percebendo nossos pensamentos, Augusto

deixou que ouvíssemos o diálogo.

— Nossa! Que loucura! — dizia Rafaela à amiga.

— O que foi? — Juliana perguntou, sorrindo, porém, sem entender sobre o que a outra falava.

Rafaela, parcialmente ébria, continuou:

— Já parou para pensar?… A gente mora no sétimo andar…

— Sim, e daí?

121 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Olha, Ju… Imagina só como seria cair daqui?… Acho que faria

um estrago bem grande, você não acha?

— Que ideia é essa? — indagou Juliana, denotando em sua fala um misto de repugnância e estranheza. — Acho que você já passou da conta dessa bebida!

— Não, é sério… Sabe, hoje eu nem fui para a aula. Estou desde cedo curtindo uma preguiça que nem sei de onde vem, mas que está me sugando todas as forças. Por três ou quatro vezes, vim até aqui, na varanda, e era como se algo me dissesse para eu me atirar. Eu sei que é algo estúpido, mas confesso que isso passou

mesmo pela minha cabeça.

Juliana olhou assustada para a amiga e nesse instante nos

foi possível ouvir a voz da entidade que tentava lhe falar:

— "Conte! Conte a ela que você já pensou o mesmo. Diga a ela que você já atentou contra a própria vida! Diga a ela que você a entende e que ela tem razão. Fale que, às vezes, o melhor da vida é

não estar vivo! Vamos! Diga!" — falava-lhe o Espírito, enfático.

Então, Juliana parecendo ter ouvido o sussurro do ser espiritual infeliz, respirou fundo e se dirigiu à amiga, cautelosamente retirando o copo das mãos de Rafaela, dizendo:

— Sabe, Rafa, acho que devemos dormir. Chega, por hoje! Vamos

122 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

deitar e pensar um pouco na vida! Não falamos muito em Deus por aqui. Sendo assim, vamos tentar absorver mais dele e um pouco

menos de álcool.

Naquele momento, a entidade que tentava obsidiar Juliana, sentindo-se contrariada, saltou em direção a Rafaela, fazendo com que ela, em um único impulso, lançasse-se para agarrar o copo, na tentativa de resgatá-lo.

Sem sucesso, Rafaela, então, pulou habilidosamente para o outro lado do parapeito do apartamento, permanecendo, assim, pendurada, ao mesmo tempo em que fazia ameaças de se soltar,

caso a amiga não lhe devolvesse a bebida.

Juliana desesperou-se e gritou pela amiga Gabriela, que, até o presente, não havia percebido nada, uma vez que escutava música em altíssimo volume, em outro cômodo daquele apartamento. Ouvindo os chamados, Gabriela não se demorou em vir ao seu socorro. Chegando à varanda, deparou-se com Rafaela a

gritar do outro lado.

Enquanto as duas amigas tentavam acalmar aquela que ameaçava cometer suicídio, as entidades intensificavam suas investidas na tentativa de fazer com que Rafaela se soltasse. A cada palavra de Juliana e Gabriela, a outra esbravejava e gritava

insultos e palavrões.

Gabriela, que era mais temperamental, não suportando os insultos da amiga, logo, contaminou-se com as baixas energias

123 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

preponderantes no local. No entanto, Juliana parecia, cada vez mais, reunir forças e não se deixava influenciar por qualquer

pensamento que denotasse inferioridade.

Não tardou e as imagens começaram a nos apontar a quantidade de Espíritos amigos que ali também se encontravam, mas que, devido à densa camada de fluidos negativos, não nos fora possível vislumbrar até aquele momento. A confusão permaneceu por mais algum tempo, até que os Espíritos benfeitores

encontrassem maior abertura entre as personagens encarnadas.

Gabriela, por se sentir demasiadamente irritada, havia se afastado daquela sala. Essa sua atitude aumentou significativamente a perturbação de Rafaela, mas, em contrapartida, possibilitou à Gabriela o desligamento das entidades que, no calor da discussão, influenciavam-na

fortemente.

Agora, com os ânimos mais acalmados, Gabriela começou a ensaiar uma prece, solicitando ajuda para a amiga. Um nevoeiro, cada vez mais espesso, circundava Rafaela, que, aos nossos olhos, parecia não perceber que aquele ambiente já era tomado de

renovadas vibrações.

As entidades adoentadas envolviam Rafaela tenazmente e, aproveitando-se do gozo que ela sentia em ser o centro das atenções, pois a essa altura dos acontecimentos, pessoas já se aglomeravam na frente do edifício e também a incentivavam na promoção daquele tumulto. Então, Rafaela como que ouvindo a

124 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

música profana que os espíritos cantavam, balançava-se de um

lado para outro, no ritmo exato daquela melodia umbralina.

Antes que Rafaela se desse conta, Juliana aproximou-se, segurou firme as mãos da amiga em desequilíbrio e, sem proferir qualquer palavra, fitou-a profundamente, ao passo que de seu centro frontal emanava um fio de luz, o suficiente para dissipar a névoa em torno de Rafaela, que, então, como quem desperta de profundo sono, tomou-se de susto ao aperceber-se do local onde

estava.

No plano extrafísico, as imagens tomavam formas mais clarividentes. Pouco a pouco o ambiente redefinia-se a nos revelar um estado de graça, estado esse que refletia diretamente na dimensão física, que, vagarosamente, aderia-se às boas

emanações.

Enquanto isso, as entidades que não comungavam daquela paz, sentindo-se desconfortáveis e mostrando indizível contrariedade, puderam somente afastar-se e, pelo menos naquela noite, assim permaneceriam, pois também uma barreira, semelhante a uma cerca elétrica e envolta de grande esfera de força, fora levantada a fim de proporcionar proteção àquele local.

125 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

15 Exposição esclarecedora

Novamente, Augusto passou a mão na frente da tela e esta se dividiu em duas partes. A da esquerda mostrava o desfecho daquele episódio, na casa de Rafaela, enquanto a da direita revelava uma senhora que, como eu tomaria conhecimento mais tarde, se tratava da mãe de Rafaela. Essa senhora, em profunda concentração, orava por sua filha e ao seu lado entidades amigas inspiravam algo que não nos era possível captar pelos sons daquele aparelho projetor, entretanto, como aquela máquina registrava as manifestações do pensamento, nos era fácil entender os conselhos dos benfeitores, que, atentos aos acontecimentos do plano físico, alertavam a matrona do perigo pelo qual passava

Rafaela.

Observamos que os números exibidos na parte inferior de cada tela novamente denunciam que ambos os eventos ocorriam em sincronia.

Augusto fez uma pausa na exibição do filme para nos esclarecer:

— Como podemos perceber caros amigos, nossos irmãos estavam por esses dias mergulhados em grande abismo de influências ignorantes. Nessa breve passagem, nos foi possível observar alguns fatos que escapariam ao observador mais descuidado, como, por exemplo, podemos pontuar o perfil dos irmãos que

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influenciavam nossas amigas encarnadas, durante sua conversa na sacada do apartamento. Aquelas entidades fazem grande oposição aos nossos trabalhos e, ao contrário do que muitos pensam, não são entidades que sofrem aflições físicas no mundo espiritual, absolutamente. Aliás, as vestes daqueles dois denotavam muito bem um perfil diferenciado. Pois, tenham certeza que os Espíritos que sofrem no plano extrafísico são Espíritos que, além do apego ao corpo físico e à vida material, ignoram sua própria condição. Quando digo que aquelas entidades não sofrem, refiro-me à falsa impressão que se guarda a respeito delas. Alerto para o fato de que não podemos agir com ingenuidade, tomando esses irmãos como vítimas quando, na verdade, eles mesmos têm conhecimento dos efeitos que decorrerão de suas más atitudes e ainda assim, voluntariamente, escolhem andar por esses caminhos. Esses amigos, que temos mais na conta de enfermos morais, diferem e muito dos que podemos efetivamente chamar de sofredores, pois, esses últimos sim, são vítimas daqueles outros, conquanto, não compreendendo seu estado, vivem no limiar dos dois planos, submetendo-se às vontades daqueles, em troca das migalhas de forças animalizadas. Portanto, não desdenhemos a inteligência e as capacidades que as entidades contrárias aos nossos trabalhos possuem, a fim de não colocarmos a perder toda a semente que já foi plantada. Não nos deixemos ser enganados pela boa aparência que esses irmãos exteriorizam. Antes, tomemos a precaução de perscrutar os sentimentos pelos quais são movidos. Nas palavras do apóstolo Paulo, “não acreditemos em todos os Espíritos. Antes, verifiquemos se falam em nome de Deus”. Afirmo, meus amados irmãos, que esta máxima não se aplica somente ao plano físico. Novas imagens se apresentaram nas telas holográficas, agora nos mostrando a cena congelada do momento em que as entidades depositavam o material de textura pastosa nos centros de força de

Rafaela.

127 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Aqui, amados amigos — continuou Augusto —, vemos aqui alguns irmãos escravizados sorvendo fluidos de nossa irmã, ao mesmo tempo em que depositam denso material insalubre, que tem por objetivo impedir o bom funcionamento dos chacras. Notemos que esses Espíritos aplicam grande quantidade desse insumo no centro genésico, e não é para menos, pois esse centro de força é responsável pelas energias sexuais, tão intensas e necessárias ao ser encarnado. Bloqueando esse centro, em especial, as entidades objetivam anular as potencialidades orgânicas de nossa irmã, a fim de que ela torne-se inapta a receber

Ícaro em seu ventre.

Augusto fez uma breve pausa, como que, com isso, estivesse explorando nossos pensamentos a fim de verificar o

grau de compreensão que alcançávamos.

Nesse ínterim, um rapaz perquiriu o palestrante:

— O irmão me poderia esclarecer uma dúvida?

— Sim, Rael — falou Augusto, com presteza.

— Não compreendo como essas entidades, tão doentes e tão viciosas, podem tornar uma mulher estéril. Não seria isso contrário às leis divinas? Ou seja, afirmar que alguém pode barrar a lei de encarnação, que possibilita a nós Espíritos errantes a sublime oportunidade de nos refazermos em sucessivos estágios

128 – Rodrigo F. Cruz e Wilton Oliver – ditada por CÉSAR HÁNZI da Colônia Recanto de Irmãos

no orbe terreno, é o mesmo que dizer que podemos desfazer as leis de Deus, e, se assim fosse possível, no caso da reencarnação,

não seria ela uma lei divina, já que seria passível de mudança…

Augusto esboçou doce sorriso e, com a mesma doçura,

respondeu:

— Devo dizer que a observação do amigo obedece admirável lógica. Porém, não podemos avaliar a situação por um único lado do prisma. Falamos até o momento dos objetivos que movem as entidades enfermas, o que não implica dizer que serão alcançados necessariamente. Do mesmo modo, que esses irmãos investem suas forças em seus maus intentos, nós outros aplicamos as nossas em ajudar os amigos na Terra. Sendo assim, juntando todos os pesos e medidas, a escolha será sempre da personagem que estagia no corpo físico. Em síntese, podemos dizer que as energias mal formuladas só encontrarão berço no corpo que lhe ofereça tais possibilidades. Do mesmo modo ocorre com as energias renovadoras, que o Universo incessantemente nos oferece. Com efeito, meus amados irmãos, nossa amiga se tornará incapaz de ser mãe se ante as enfermidades da alma sobrepujar-lhe a vontade de seguir no bem, o firme propósito de realizar a tarefa que lhe compete realizar. Como conclusão, podemos dizer que não seriam as entidades doentes que anulariam a lei natural, do mesmo modo que não se pode transformar o homem bom em mau. A questão levantada por aquele colega nos suscitou outras, quando, então, tomei a liberdade de também inquirir o amigo expositor:

— Augusto…

129 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

— Sim, César…

— Entendo que não é possível tornar estéril uma mulher, todavia, essa mesma regra aplica-se a um caso contrário, quero dizer: é possível que uma mulher organicamente incapaz de gerar uma vida possa vir a engravidar?

— Novamente, solicito que antes de se expressar qualquer julgamento é imperioso que conheçamos todas as causas dos efeitos observados. Entendemos que, no caso desenhado pelo companheiro, a personagem feminina não seria desprovida da dádiva materna sem motivo razoável. Entretanto, se por seus próprios méritos ela consegue abater as mazelas que lhe impuseram tamanha prova, pode Deus, em sua misericórdia, torná-la capaz de oferecer a algum Espírito a chance de um novo período de aprendizagem na carne. E não tomemos isso como milagre, pois, sendo o corpo orgânico o estágio mais denso da manifestação do ser espiritual na Terra, está ele em total condição de sofrer todas as modificações que já tenham sido operadas em fases mais sutis. Sendo assim, amigo César, pergunto-lhe, a título de reflexão: é possível um homem mau tornar-se um homem bom?

A questão de Augusto sugeriu-me outro questionamento, mas, porque eu não queria parecer inconveniente, abstive-me de formulá-lo. Contudo, o nobre instrutor, parecendo ter acesso aos meus pensamentos, continuou:

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— Amáveis irmãos, os questionamentos levantados por nossos companheiros Rael e César nos oferecem campos vastos para outras tantas profundas interrogações. Os amigos podem então indagar: será que esses Espíritos tenazes em sua ignorância têm a capacidade de provocar o aborto?

Ao passo que Augusto levantou essa questão, olhou-me, obtendo de minha parte um tímido sorriso, que denunciava que

aquela interrogação, sim, derivava de meus pensamentos.

O amigo palestrante, em meio às manifestações de sins e

nãos, continuou com seus esclarecimentos:

— Mais uma vez, convido a todos para uma observação mais rica dos fenômenos que se desenham. É atitude prudente tomar posse de todos os fatores que compõem a paisagem para que não façamos julgamentos equivocados e não causemos ruídos nas experimentações que tal ou tal Espírito careça em sua caminhada. Conquanto sendo tal experimentação o impedimento de desenvolvimento de um feto, temos de entender, antes de qualquer coisa, que essa situação será para todos os envolvidos um meio de crescimento. Dessa forma, é necessário que sejam consideradas uma infinidade de causas, que fatalmente teriam conduzido a esse efeito. Peço licença aos amigos para ressaltar o caso que ora estudamos e as particularidades que podem comprometer a gestação de nossa irmã Rafaela. Àquela altura o ambiente era sereno e descontraído. Augusto, apesar de seu aspecto sério, deixava-nos todos bem confortáveis.

131 – SAGA RECANTO DE IRMÃOS

Isso parecia aumentar expressivamente nosso nível de

compreensão do assunto tratado.

— Nosso querido companheiro encarnante — continuou o expositor — encontra-se em estado letárgico, mas nem por isso está desprovido de suas habilidades intelectuais e, por que se encontra em tal condição, não está impedido de manifestar sua vontade. É do conhecimento de todos que nosso amigo está em vias de voltar ao claustro físico, de modo compulsório. Casos bem comuns entre Espíritos endurecidos que, por permanecerem em monoideísmo, acabam por perder as formas perispirituais comuns ao estado humano da evolução. Quanto a isso, vale lembrar que o retrocesso que se dá é meramente físico, por assim dizer, ele é dado pela obstinada permanência do Espírito em um mesmo campo de ideias. Só esse ponto já é um fator de risco a uma gestação saudável, pois muitos Espíritos nessas condições ligam-se ao ventre materno somente para recobrar as formas humanas e se prepararem para uma encarnação na melhor estrutura física que lhe convenha. Entendemos que as gestações interrompidas são para os pais, que aguardavam esperançosos pelo seu rebento, algo que pode ser bastante dolorido. Porém, se nos dispusermos a fazer uma leitura completa dos acontecimentos, procurando reconhecer as causas, facilmente identificaremos que os efeitos guardam em si os reflexos de desvios pretéritos. Este é, caros amigos, um ponto que pode intervir de modo peremptório no

evento encarnatório de nosso amigo.

Enquanto Augusto prestava-nos auxílio no campo dos esclarecimentos, eu não pude deixar de pensar em Ícaro, que, estava agora prestes a ligar-se efetivamente ao ventre de Rafaela,

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e que, mesmo tendo reconhecido o imperioso de sua hospedagem carnal, ainda guardava fortemente o desejo impiedoso de realizar justiça conforme seu recuado entendimento.

Detido nesses pensamentos, porém sem deixar de acompanhar as palavras de Augusto, pus-me a orar.

***

(a saga continuará em breve)

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