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1 PARTE AS REFORMAS TRIBUTÁRIAS NO PLANO INTERNACIONAL

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APRESENTAÇÃO

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APRESENTAÇÃO 1PART

E

AS REFORMAS TRIBUTÁRIAS

NO PLANO INTERNACIONAL

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A REFORMA TRIBUTÁRIA NECESSÁRIA: DIAGNÓSTICO E PREMISSAS

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AS REFORMAS TRIBUTÁRIAS NO PL ANO INTERNACIONAL: A MARCHA DA INSENSATEZ

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FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRADoutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma Política Social, colaborador do Brasil Debate; autor, dentre outros livros, de Política Econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010 (Azougue Editorial, 2012).

AS REFORMAS TRIBUTÁRIAS NO PLANO INTERNACIONAL: A MARCHA DA INSENSATEZ

RESUMO

Este artigo analisa a essência do pensamento neoliberal e a influência que o mesmo exerceu na reorientação da política econômica, fiscal e tributária no capitalismo, especialmente a partir da década de 1980. Liderado inicialmente por Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos, e Margareth Thatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha, nessa década, cujas políticas econômicas balizaram o decálogo do Consenso de Washington, de 1989, o pensamento neoliberal evoluiu, nas décadas seguintes, no bojo da Terceira Revolução Industrial e do processo de globalização da economia. Fundamentando-se em novas teorias que deram centralidade aos princípios da responsabilidade fiscal e da competitividade dos tributos para garantir a estabilidade macroeconômica, procura-se analisar como estes passaram a orientar as reformas do Estado, condenando sua intervenção na economia, bem como o manejo do instrumento tributário para os objetivos do crescimento econômico e da redução das desigualdades sociais. Com essa perspectiva, analisa-se o conteúdo das reformas que foram realizadas, neste campo, por vários países capitalistas a partir dessa época, bem como os resultados com elas produzidos.

Palavras-chave: Neoliberalismo; Teorias econômicas; Estado; Política fiscal; Tributação.

INTRODUÇÃO

A guinada que conheceu a política fiscal e tributária no plano internacional após os anos dourados do capitalismo no pós-Segunda Grande Guerra, com a implementação das políticas keynesianas, teve início com os governos de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1988) e de Margareth Thatcher no Reino Unido (1979-1990).

Reagan transportou para seu governo, das telas de cinema em que atuava como ator, geralmente em filmes de faroeste, a ideia de não serem importantes as conquistas cole-tivas, mas as do caubói (do indivíduo) que percorria as regiões do velho oeste e, sozinho, uma espécie de self-made-man, conseguia, com sua coragem, habilidade e perícia, sucesso em sua empreitada. Por isso, era radicalmente contra a atuação do Estado, que acreditava sufocar com suas regras as habilidades individuais e, mais ainda, contra o seu gigantismo que, para ele, era responsável pelos problemas econômicos dos Estados Unidos na década de 1970, como o da estagnação combinado com alta taxa de inflação e de desemprego.

Thatcher desde sua juventude e de seus primeiros estudos rezou a cartilha conservadora, da qual nunca se afastou, e encantou-se com o livro de Friedrich Hayek, O caminho da servidão, que condenava a intervenção do governo na vida econômica, associando-a à emergência de um Estado autoritário e de porta de entrada do socialismo. Tendo-se

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iniciado na política ainda na década de 1950, ocupou diversos cargos em governos conservadores, como secretária ou ministra de Estado, e sempre se posicionou contrária à política tributária de altos impostos do Partido Trabalhista, denunciando-os como prejudiciais para a produção e o crescimento econômico. Eleita primeira-ministra do Reino Unido em 1979, implantou as ideias conservadoras em sua administração marcada por forte viés anti-Estado, com pulso forte e insensível às questões sociais, por isso chamada de “dama de ferro”. Junto com Reagan, simbolizou a vitória do neoliberalismo na orientação das políticas econômicas, para a alegria dos membros da Sociedade do Mont Pèlerin.

Reagan e Thatcher representaram, na verdade, a resposta conservadora ao crescimento da esquerda e dos sindicatos que se registrara nas décadas anteriores; e uma proposta também conservadora à falta de solução para os problemas da economia da época que não mais encontravam respostas no terreno teórico keynesiano, caso da estagflação. Apoiados em teorias econômicas que surgiram em oposição à de Keynes, como as do Monetarismo de Friedman e da Economia da Oferta, deram início, em suas administrações, ao desmonte do Estado do bem-estar, da tributação para os objetivos do crescimento e da redução das desigualdades e à retirada do Estado da vida econômica, por meio da privatização das empresas estatais. Com eles, a ciência econômica foi novamente lançada no mundo das trevas e, instrumentalizada para defender os interesses do capital e das camadas mais ricas da sociedade, transferiu para o mercado a solução de seus problemas e defeitos, que Keynes já demonstrara que só poderiam ser corrigidos por um único agente do sistema: exatamente o Estado que ambos repudiavam.

1. AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS DE REAGAN E THATCHER

Reagan deu início ao seu governo apoiado em quatro bandeiras: corte de impostos (do capital e dos ricos), contração dos gastos públicos, embora preservando e aumentando os gastos militares, estímulo aos investimentos privados e política monetária restritiva.

Do monetarismo de Friedman adotou a fórmula de salvar a moeda, mesmo tendo de sacrificar a economia e o emprego. Da Economia da Oferta (a supply-side), uma teoria anti-Keynesiana que ignora o papel-chave da demanda efetiva para o crescimento, a justificativa para cortar impostos do capital e das altas rendas, baseada na hipótese de que tanto os investimentos como a produção seriam estimulados; e de que, consequentemente, a arrecadação aumentaria, reduzindo os déficits públicos. Do liberalismo das teorias neoclássicas e monetarista da segunda metade do século XX, endossado e incorporado pela teoria da escolha pública, o qual difere do liberalismo dos economistas clássicos e também do de Keynes, para os quais não existe contradição entre a intervenção do Estado e a ampliação dos direitos sociais, a proposta para o Estado ser reduzido a uma dimensão mínima e restringir-se a ofertar apenas justiça interna para a sociedade. Era, em essência, a fórmula do pensamento neoliberal, que representaria o arcabouço do Consenso de Washington aprovado em 1989 e que balizaria as reformas econômicas levadas a cabo no final da década de 1980 e início dos anos de 1990, especialmente nas economias emergentes.

Reagan contava a favor para aprovar o seu programa, com uma década complicada econômica e politicamente que não deixaria boas lembranças para os norte-americanos, especialmente depois de período de maior bonança vivido até os anos de 1960. O aban-dono da conversibilidade do dólar, em 1971, a desestruturação dos mercados financeiros, a explosão dos preços das matérias-primas, o primeiro choque do petróleo, em 1973, a

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recessão de meados da década, a crise do dólar e o choque dos juros de 1978-79, a crise dos reféns do Irã no governo Carter, o segundo choque do petróleo, em 1979, tudo isso compunha um quadro que desembocou na recessão de 1979-1982, período em que Reagan assumiu e momento em que os americanos parecem ter visto, em seu programa, a possibilidade de se reencontrar com a prosperidade perdida das décadas anteriores.

Em relação à política tributária, que mais interessa à nossa investigação, Reagan sempre se declarou adversário da progressividade do imposto de renda e empenhou-se, ao longo de seu governo, em modificar sua cobrança, aliviando sua carga para o capital e as camadas mais ricas da sociedade. Foram três as legislações mais importantes que conse-guiu aprovar: 1) a Economic Recovery Tax Act (ERTA), em 1981; 2) a Tax Equity and Fiscal Responsability Act (TEFRA), em 1982; e 3) a Tax Reform Act (TRA), em 1986 (MELLO FILHO, 2010: 95).

Na Economic Recovery Tax Act (ERTA), aprovada em julho de 1981, reduziu a alíquota-teto do imposto de renda das pessoas físicas (IRPF), de 70% para 50%; e a mínima, de 14% para 11%; no caso das empresas, diminuiu os impostos sobre lucros extraordinários e permitiu a elas fazer a depreciação acelerada do capital, visando a aumentar sua lucratividade. Ao contrário do que era esperado, a arrecadação federal caiu, em média, mais de 13% durante os quatro primeiros anos após a promulgação da legislação, de 19,5% do PIB, em 1981, para 17,5% entre 1983-1986, e o imposto de renda, especialmente o das corporações, perdeu participação relativa na carga tributária (MELO FILHO, idem, p. 97-100).

Na segunda lei, de 1982, diante da queda expressiva das receitas numa velocidade bem maior que o corte dos gastos, o que estava gerando maiores desequilíbrios orçamentários, contrariando a tese do economista Arthur Laffer de que uma redução dos impostos aumentaria a arrecadação, Reagan não conseguiu resistir às pressões do próprio Partido Republicano, que lutava para mudar a imagem de que sua política favorecia os mais ricos, causando-lhe prejuízos eleitorais, e aprovou uma legislação de aumento de impostos, compensando, em parte, a redução da carga que se registrara com as mudanças introduzidas no sistema em 1981. Entre as principais medidas adotadas, destacavam-se a eliminação da depreciação acelerada do capital e a instituição de um imposto de 10% sobre os juros e dividendos recebidos pelos indivíduos (MELLO FILHO, idem, p. 101).

Na terceira lei, de outubro de 1986, Reagan parece ter finalmente realizado a reforma de seus sonhos, simplificando o sistema e reduzindo expressivamente a progressividade: facilitou as deduções pelos contribuintes para o cálculo do imposto, aumentando consi-deravelmente o número de isentos; ampliou a base tributária das empresas, mas reduziu a alíquota-teto do IRPJ de 48% para 34%; aumentou a tributação sobre ganhos de capital dos indivíduos de alta renda, o que atraiu o apoio do Partido Democrata; no caso do IRPF, reduziu de 50% para 28% a alíquota-teto e aumentou a alíquota mínima de 11% para 15%. Note-se que nessa última medida, enquanto abrandava o peso da “mão opres-siva do governo” sobre as camadas mais ricas, tratava de aumentá-lo sobre as de menor renda (MELLO FILHO, idem, p. 102).

Em decorrência da aprovação dessa legislação, o IRPF que contava, até 1981, com 16 alíquotas diferentes, como se mostra na Figura 1, sendo a alíquota-teto de 70%, reduzida com a legislação aprovada em 1981 para 50%, viu as mesmas serem diminuídas, na prática, em 1988, para apenas duas, acrescentadas de uma “alíquota-bolha” de 33% para valores intermediários, ou seja, para rendimentos inferiores ao teto dos valores em que passou a incidir a alíquota de 28% (MELLO FILHO: 104).1

1. Foi inspirado nessa legislação que, no Brasil, o então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, também enfraqueceu, em 1988, a progressividade do imposto de renda da pessoa física em nível superior ao de Reagan, reduzindo o número de faixas de renda e de alíquotas de oito para três estabelecendo, além da faixa de isenção com alíquota de 0%, mais duas alíquotas: a mínima de 10% e a máxima de 25%.

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Com Reagan, portanto, e com as teorias anti-Keynesianas em que se apoiou a sua política econômica, a tributação e os impostos progressivos começaram a deixar para trás o papel de instrumento de coordenação do processo de desenvolvimento e de redutor das desigualdades, tal como defendera Keynes, e a se transformar em mecanismo de concentração de renda e da riqueza. Se a partir de 1932, no governo Roosevelt, a alíquota-teto do imposto de renda das pessoas físicas foi sempre superior a 60%, alcançando mais de 90% entre o início da década de 1940 e 1964, quando o governo Johnson a reduziu para 70%, Reagan cuidou de restringir consideravelmente sua progressividade, diminuindo-a para 28% e aliviando a carga tributária para as empresas, enfraquecendo o principal instrumento à disposição do Estado para corrigir os defeitos do capitalismo. Não poderia dar certo.

Considerando a recessão que se abateu sobre a economia norte-americana no triênio 1979-1982, Reagan obteve um relativo sucesso econômico ao longo de seus dois mandatos, com um crescimento médio anual de 3,4%. Este, no entanto, foi inferior ao da década de 1960, que registrou taxa média de 4,1%. Foi um crescimento inferior até ao da problemática década de 1970, com 4,4%; mas ligeiramente melhor que o dos governos Carter (3,3%), Nixon/Ford (2,8%) e Eisenhower (2,9%), perdendo para o de Kennedy/Johnson (4,9%). A taxa de desemprego, que estava em 7,5% quando Reagan assumiu, em 1981, elevou-se para 9,3% em 1983, mas depois começou a cair em virtude do melhor desempenho da economia, fechando o último ano de seu governo em 5,3%. A inflação, por sua vez, que chegou a 13,5% em 1980, devido ao choque dos juros e da crise econômica, declinou nos anos seguintes, caindo para 4% em 1988.2

Não se pode dizer, contudo, que estes resultados tenham sido fruto das políticas neoliberais que povoaram os sonhos de Reagan. Ele, na verdade, não conseguiu ir muito longe com o projeto do Estado mínimo e combinou aquelas políticas com as políticas keynesianas da demanda efetiva para recuperar a economia e sustentar uma taxa mínima de crescimento. Aqueles resultados foram fruto, assim, da diminuição paulatina da taxa de juros, que depois de bater em 19%, em 1981, oscilou entre 6% e 9% entre 1985 e 1989, injetando oxigênio na economia; da estabilização dos preços das commodities no mercado internacional, que favoreceu o combate à inflação e conteve os déficits comerciais; e, principalmente, do aumento apreciável dos gastos e da ampliação dos déficits públicos,

2. Todos estes dados, bem como os que se seguem foram retirados do trabalho de Mello Filho (2010).

Fonte: Mello Filho (2010: 104).

FIGURA 1 – EUA: ALÍQUOTAS DO IMPOSTO DE RENDA DAS PESSOAS FÍSICASEm %1981-1988

1981 1986 1988

ALÍQUOTA ACIMA ATÉ ALÍQUOTA ACIMA ATÉ ALÍQUOTA ACIMA ATÉ (%) DE

(US$) (US$) (%) DE

(US$) (US$) (%) DE

(US$) (US$)

0 0 2.300 0 0 2.480 15 0 23.900 14 2.300 4.400 11 2.480 4.750 28 23.900 61.650 16 4.400 6.500 12 4.750 7.010 33 61.650 123.790 18 6.500 8.700 14 7.010 9.390 28 123.790 22 8.700 11.800 17 9.390 12.730 24 11.800 15.000 18 12.730 16.190 26 15.000 18.200 20 16.190 19.640 31 18.200 23.500 24 19.640 25.360 36 23.500 28.800 28 25.360 31.080 42 28.800 34.100 32 31.080 36.800 46 34.100 44.700 35 36.800 48.240 54 44.700 60.600 42 48.240 65.390 59 60.600 81.800 45 65.390 88.270 63 81.800 108.300 48 88.270 116.870 68 108.300 161.300 50 116.870 70 161.300

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que fortaleceu o consumo e o investimento, ao contrário de seu discurso neoliberal. Aparentemente, em contradição com aquele discurso.

De fato, ao aumentar os gastos federais em torno de 20% no final da década de 1970, para uma média de 23% no primeiro mandato (1981-1984) e reduzir a carga fiscal para as corporações e os contribuintes mais ricos, Reagan empurrou o déficit público, de menos de 2%, em 1979, para 4%, em 1982, 6% em 1983; entre 1984 e 1985, o déficit recuou para 5% e para 3%, em média, no triênio 1986-88, beneficiando-se da recuperação das receitas registrada neste período. Como consequência, a dívida pública como proporção do PIB, que era de 32,5% no início do governo Reagan, deu um salto para 53% no final da década. Exatamente o contrário do que propunha e almejava a doutrina neoliberal.

Se não conseguiu cortar os gastos (o tamanho do Estado) na dimensão que pretendia, Reagan, no entanto, reorientou-os para favorecer as camadas mais ricas da sociedade e aumentar o poder militar do país, modificando seu perfil: enquanto aumentava a parti-cipação relativa dos gastos militares no orçamento federal, de 22% para 27%, e a conta de juros líquidos pagos aos credores do governo, de 9% para 14%, os gastos destinados aos recursos humanos conheceram pequena contração, de 54% para 50%; e os recursos físicos, em energia, recursos naturais, comércio, etc., de 11% para 6%, com o objetivo de entregar ao mercado as rédeas do processo de desenvolvimento. Junto com a política tributária de caráter mais regressivo, essa reorientação dos gastos contribuiu para piorar a distribuição de renda nos Estados Unidos durante o seu governo. Segundo Harvey (2008), “depois da implementação da política neoliberal no final dos anos 1970, a parcela da renda nacional do 1% mais rico dos Estados Unidos disparou, chegando a 15% (bem perto de seu valor pré-Segunda Guerra Mundial), próximo do final do século. (Já) o 0,1% mais rico (...) aumentou sua parcela da renda nacional de 2%, em 1978, para 6% por volta de 1999 (...)”. O Índice de Gini dos Estados Unidos evoluiu, por sua vez, de 0,403, em 1980, para 0,454, em 1993.

Mas, se neste aspecto específico da desmontagem do Estado e de redução de seu tamanho a uma dimensão mínima, Reagan não conseguiu, com a sua política, encenar o script neoliberal, ele conseguiu demonstrar, em várias outras questões, um comportamento exemplar com as políticas desejadas e demandadas pelo mercado: na desregulamentação da economia e dos mercados financeiros; no enfraquecimento dos sindicatos e dos direitos dos trabalhadores; na promoção da abertura comercial e financeira da economia; no maior favorecimento do capital e das classes mais ricas, por meio das políticas de impostos e de gastos do Estado; na adoção da tese de que existe uma taxa natural de desemprego para garantir a estabilidade da economia, com o que o governo não deve se preocupar com a implementação de políticas expansivas para sua criação, ao contrário do que pensava Keynes. Foram as sementes que, plantadas em seu governo, iluminariam as reformas insensatas da economia e do Estado que passariam a ser feitas em outros países a partir dessa época.

Thatcher era bem mais preparada intelectualmente do que Reagan. Mesmo assim, e sem ter vivido as aventuras hollywoodianas individualistas, estrelou, ao lado dele, como a principal atriz da “revolução neoliberal”, e partilhou com Reagan a obsessão contra o Estado e a insensibilidade às questões sociais. Iluminada pelas ideias anti-Estado de Hayek, as reformas econômicas que realizou no Reino Unido durante sua gestão, foram inspiradas na experiência chilena, do ditador Augusto Pinochet, que foi assessorado por economistas da Universidade de Chicago, centro de excelência do pensamento neoliberal, os quais ficaram conhecidos como Chicago-boys, formados sob a orientação de Milton Friedman. Não estava em boa companhia.

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Em substância, não há grandes diferenças entre os programas econômicos de Reagan e de Thatcher. Ambos foram orientados para reduzir o tamanho do Estado, restringir os gastos com o welfare-state, diminuir a carga tributária para as empresas e as camadas mais ricas da sociedade, com o objetivo de reverter o déficit público, derrubar a inflação, sanear a economia e pavimentar o caminho para libertar o capital do jugo das regulamentações estatais e do poder dos sindicatos dos trabalhadores, que comprometiam, na sua visão, a competitividade da produção, em decorrência dos elevados salários a eles pagos.

A implementação de algumas dessas políticas nos dois países deu-se, contudo, de forma diversa em função da prioridade e ênfase conferida por cada um destes governos aos seus propósitos. Por isso, geraram resultados um pouco diferentes em relação ao desempenho de suas economias, embora, ao fim e ao cabo, ainda que ambos não tenham conseguido desmontar o Estado de Bem-estar, como inicialmente pretendiam, alcançaram o principal objetivo que as motivou: beneficiar os setores mais ricos e poderosos da sociedade com uma fatia maior da renda nacional.

Ao contrário de Reagan, que combinou políticas monetaristas com keynesianas e aceitou operar com déficits e dívida pública mais elevados para acomodar a redução de impostos que implementou com sua política e também para expandir os gastos militares, Thatcher fez da contenção do déficit seu principal cavalo de batalha, convicta de que tal medida derrubaria a inflação. Ao mesmo tempo implementou uma política monetária bem mais rígida e, assim, diferentemente de Reagan, fez a opção por não abrir tanto a mão da arrecadação, visando a melhorar a situação das contas públicas, o que tornou o seu ajuste bem mais severo, ou, como alguns analistas costumam apontar, “mais puro, do ponto de vista da ortodoxia”, do que o americano.

De fato, embora em conteúdo semelhante à de Reagan, a política tributária de Thatcher pode ser vista como um pouco menos benevolente, principalmente em se tratando dos impostos sobre as corporações, devido ao propósito de proteger a arrecadação. É bem verdade que o centro de gravidade da tributação se deslocou, com ela, do imposto de renda para o incidente sobre o consumo, com o aumento significativo da alíquota dos impostos indiretos, principalmente do imposto sobre o valor agregado (IVA), que passou a ter uma alíquota mínima de 15%, gerando impactos inflacionários, como aponta Fernandes (1995: 22). Contudo, em relação ao imposto de renda, o tratamento foi um pouco diferente entre as pessoas físicas e jurídicas.

No caso das pessoas físicas, a alíquota máxima no caso dos rendimentos do trabalho era, à época, de 83% e de 98% para as rendas do capital (aluguéis, juros e dividendos), um recorde absoluto até os dias atuais, conforme Piketty (2014: 620, nota de pé de página nº 34). A reforma de Thatcher reduziu essa alíquota máxima para 40%, o que, em termos relativos, praticamente se aproxima da redução feita por Reagan, de 50% para 28%. No tocante ao imposto das empresas, apesar da introdução de mudanças nas regras da depreciação acelerada, a reforma fiscal não as teria favorecido, em virtude da maior preocupação com as receitas para debelar o déficit público, pois, como constata Fernandes (idem, p. 22), sua participação no pagamento de impostos passou de 2,5% para 5% do PIB. E, no conjunto, ao contrário do que ocorreu no governo Reagan, a carga tributária aumentou de 35,3% do PIB, em 1980, para 39,1%, em 1986, depois de se situar em 33%, em 1979, no governo trabalhista.

Mas Thatcher se beneficiou, também, para a melhoria das contas públicas, mais que os Estados Unidos, onde o poder estatal não era tão acentuado, do amplo, profundo e agressivo programa de privatização das empresas estatais dos setores siderúrgico,

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de telecomunicações, material de transportes, aviação, construção naval, transportes rodoviário e de cargas, de eletricidade e de água, que rendeu, à época, 15 bilhões de libras para o Tesouro britânico e transferiu cerca de 600 mil empregos para o setor privado, emagrecendo expressivamente o Estado e expondo esses setores às forças da concorrência do mercado como recomendava o ideário neoliberal. O sucesso alcançado, neste campo, tornaria essa experiência um paradigma para as reformas do Estado que passariam a ser encetadas, a partir dessa época, em outros países, passando a ocupar papel destacado neste cardápio (FERNANDES, 1995: 21).

Com o tratamento de choque dado na economia, nos moldes ortodoxos, Thatcher conseguiu reduzir significativamente o déficit público e derrubar a inflação de 10,5%, em 1979, para 5,4%, em 1982, mas colheu resultados pífios em termos de crescimento econômico, inferior à média dos países da OCDE, enquanto a taxa de desemprego aumentava dramaticamente, saltando de 1,5 milhão de desocupados, em 1979, para 4 milhões, em 1986; e chegou ao fim de sua gestão com 2 milhões de desempregados.

Mais coerente com os princípios neoliberais do que Reagan, para salvar a moeda, de acordo com o figurino ortodoxo, sacrificou, assim, a economia e o emprego e apro-fundou o processo de desindustrialização britânico, apesar dos ganhos que obteve com o petróleo do Mar do Norte (FERNANDES, idem, p. 22-23). Como resultado dessa política, aumentou expressivamente a desigualdade no país, com a parcela do 1% mais rico dobrando sua participação na renda nacional de 6,5% para 13%, a partir de 1982, tal como ocorreria na administração Reagan nos Estados Unidos, elevando os níveis de pobreza, com o Índice de Gini passando de 0,25, em 1979, para 0,34, em 1990 (HARVEY, 2008). Para não deixar dúvidas sobre sua insensibilidade social, Thatcher ainda aprovou, em 1988, o Poll Tax, que terminou sendo abolido em 1991 e que lhe custou o posto de primeira-ministra, segundo Piketty (2014: 482 e 616, nota de pé de página nº 3), um imposto local que previa uma taxa do mesmo montante para cada pessoa adulta, independentemente de seu nível de renda e, por isso, altamente regressivo.

Embora tenham perseguido como objetivo o desmonte do Estado de bem-estar e ensaiado avanços concretos nessa direção, nem Reagan, nem Thatcher conseguiram, contudo, muito sucesso nessa empreitada, o que frustrou, em parte, seus planos de reduzir o Estado a uma dimensão mínima. Depois que foi dado o grande salto na sua estruturação após a Segunda Grande Guerra Mundial, o Estado de bem-estar adquiriu uma dinâmica autopropulsora e se integrou à estrutura social e política das sociedades industriais, passando a fazer parte de sua essência, conforme King (1988: 53), tornando difícil seu desmantelamento. Apesar disso, suas políticas foram incorporadas ao cardápio de orientação neoliberal que passou a presidir as propostas de reforma da economia e do Estado e que tiveram como documento aprovado, em 1989, denominado Consenso de Washington, seu exemplo mais acabado.

De qualquer forma, fazendo um balanço das administrações Reagan e Thatcher, mas sem entrar no mérito das classes e setores que mais delas se beneficiaram, o economista Martin Feldstein (2013), que foi assessor de Reagan, considera os dois governantes revo-lucionários em termos de ideias e políticas, as quais, para ele, trouxeram melhoras tão profundas para as economias dos Estados Unidos e da Inglaterra que não havia como voltar atrás, pois seria retrocesso. No caso específico da tributação, no entanto, embora não se tenha retornado, de fato, aos níveis vigentes antes de esses governantes terem assumido o governo, as alíquotas do imposto de renda voltaram a ser aumentadas, como se verá mais à frente, restaurando-se, pelo menos em parte, o seu poder de contribuir para a redução das desigualdades de renda.

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2. O CONSENSO DE WASHINGTON

O chamado Consenso de Washington foi um projeto de reformas econômicas patrocinado pelo Banco Mundial, FMI e governo norte-americano com o objetivo de discutir – e propor – políticas econômicas para os países da América Latina, consideradas capazes de modernizar seu parque produtivo, erradicar suas mazelas e colocá-los na trilha do desenvolvimento sustentado (OLIVEIRA, 2012: 65). Na prática, fazia parte da estra-tégia norte-americana adotada logo após a queda do muro de Berlim, de ampliar e fortalecer os espaços para aumentar o poder de competição da economia dos EUA frente às grandes potências mundiais, casos do Japão e Alemanha, o que exigia a remoção de barreiras à produção e circulação de capitais, a desregulamentação das economias com as quais os EUA se relacionavam, a reforma do Estado – considerado um entrave para estes objetivos – e o reconhecimento, por esses países, do direito à propriedade intelectual (OLIVEIRA, idem, p.66). Para isso, as políticas neoliberais que haviam sido testadas “no Chile do general Pinochet e, em termos mundiais, nos Estados Unidos e Grã-Bretanha nos governos de Reagan e Thatcher” (GOMES, 2000) encaixaram-se como uma luva.

Tendo como relator o economista John Wiliamson, do Institute for International Economics, o Consenso produziu um decálogo das reformas que deveriam ser realizadas nos países que enfrentavam dificuldades, as quais Nogueira Batista (1994) sintetizou como convergindo para dois objetivos básicos: “de um lado, para a drástica redução do Estado e a corrosão do conceito de Nação; de outro, para o máximo de abertura à importação e à entrada de capital de risco. Tudo em nome de um grande princípio: o de soberania absoluta do mercado autorregulável nas relações econômicas tanto internas quanto externas”.

Desse decálogo nasceram as propostas de reforma, que ficaram conhecidas como “reformas de primeira geração”, que seriam adotadas pelos países que, acreditando em seu poder miraculoso, caso do Chile, México, Argentina, Uruguai, dentre outros, e Brasil mais tardiamente, com mais ênfase a partir do governo Collor de Mello, colocaram em movimento as rodas da fábula neoliberal. Dentre essas reformas destacavam-se a abertura e desregulamentação da economia, a retirada do Estado da vida econômica, por meio do processo de privatização das empresas estatais, da redução da carga tributária, especialmente sobre o capital e as camadas mais ricas da sociedade, e o abandono das políticas sociais e regionais, transferindo a correspondente responsabilidade para o mercado, como demiurgo da felicidade geral.

Embora alguns destes países tenham inicialmente experimentado melhoras em sua economia, levantamento feito por Moniz Bandeira (2002) da situação em que estavam no final da década de 1990, revela o estado lastimável e crítico em que quase todos se encon-travam, dardejados por crises periódicas, alto desemprego, elevada vulnerabilidade às crises externas, aumento acentuado das desigualdades e da pobreza. A situação da economia mundial, também envolta em crises sucessivas, até mesmo pelo efeito-contágio de um mundo globalizado, também padecendo de um crescimento bem menos expressivo do produto, de elevado nível de desemprego e crescente aumento da desigualdade, apenas confirmava que o processo de liberalização e financeirização da economia, ao contrário do que defendia o credo neoliberal, teria provocado mais desarranjos do que o sistema anterior.

Mas, foram as crises financeiras que se abateram sobre o mundo nos anos 1990, atingindo, em cadeia, o México, países do Sudeste Asiático, Rússia, Brasil, Argentina, desnudando os malefícios da desregulamentação e liberalização dos mercados, e revelando as limi-tações para o mercado operar livremente como produtor da eficiência e da equidade, que levou um analista a considerar que “o ajuste neoliberal teria ido longe demais”

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(AFFONSO, 2003: 89) e que seria necessário, para salvar o capital, mudar a rota para não perder o rumo.

Treze anos depois, os principais autores do Consenso, fariam um balanço dos resultados das políticas implementadas na América Latina, que se encontra no livro Depois do Consenso de Washington, de 2004. Nele, se constata, de modo geral, a decepção com as esperanças que o mesmo despertara nos países que realizaram as reformas propostas, mas não colheram os frutos nele prometidos.

Williamson (2004, p. 269-71), no entanto, discorda que a estratégia do Consenso estivesse equivocada e atribui o insucesso, de um lado, ao fato de as reformas não terem sido levadas suficientemente adiante; e, de outro lado, aos choques externos da década (México, países asiáticos, Rússia, Brasil, Argentina), que interromperam o progresso que vinha sendo alcançado, como se os choques também não fossem, pelo menos em parte, fruto da própria arquitetura do Consenso. Quando muito, considera que a proposta de liberalização da conta de capital destes países pode ter sido precipitada, causando danos para essas economias e prejudicado seu desenvolvimento (idem, p. 286).

Por isso, elenca uma nova agenda de reformas para serem retomadas, que chama de “segunda geração”, mas que pouco diferem do projeto original do Consenso de 1989, a não ser em termos de aprofundamento (idem, p. 282), a elas acrescentando a necessi-dade de se incorporar, ao projeto, uma agenda de construção institucional e uma agenda social, para garantir, de um lado, a aplicação mais rígida e disciplinada das propostas e, de outro, maior adesão social ao projeto. Àquela altura, no entanto, o radicalismo do pensamento neoliberal já vinha sendo contido pelos próprios defensores do mercado, pelos estragos que provocara no funcionamento da economia.

3. A NOVA INDUMENTÁRIA LIBERAL NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO

O fracasso das políticas liberais mais radicais nos anos 80 e início da década de 1990 coincide, no plano internacional, com o avanço do processo da Terceira Revolução Industrial e do processo de globalização da economia. Na realidade econômica que emerge neste período, em que as fronteiras nacionais começam a ser derrubadas para que o capital comercial e financeiro possa transitar livremente de um país para outro em busca de maior rentabilidade, o pensamento econômico evolui das posições mais ideológicas e dogmáticas, que marcaram a primeira fase do neoliberalismo, para se estruturar e justificar, em bases teóricas mais elaboradas, a razão de o Estado ter de se manter à margem do sistema econômico e de renunciar à política fiscal e tributária como instrumentos de política econômica.

No novo consenso que se forma entre as correntes teóricas que passam a ser dominantes, a do Neoinstitucionalismo e a da Nova Economia Política, conforme Affonso (2003), reconhece-se não ser o mercado nem autorregulável, nem capaz de conduzir a economia ao ponto de eficiência do “ótimo de Pareto”, sendo inevitável o trade-off entre eficiência, equidade e democracia, necessitando de um Estado para ajudá-lo a se autorregular e garantir sua reprodução. Abandona-se, assim, a oposição estéril entre “Estado e Mercado”, que conduziu às propostas do Estado mínimo para propor alternativas que conciliem e otimizem sua atuação conjunta.

Nascem dessa visão as propostas de reforma do Estado, chamadas de “segunda geração”, visando a torná-lo eficiente, ágil e capaz de contribuir para o funcionamento dos “mercados

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livres” e da concorrência, atuando como avalista da estabilização econômica. Para isso, é-lhe proibido operar com irresponsabilidade fiscal, ou seja, gerar déficits públicos e um nível de endividamento que desperte desconfiança nos agentes econômicos sobre sua capacidade de solvência, à medida que tal situação tenderia a desencadear movimentos instabilizadores sobre o comportamento futuro das principais variáveis macroeconô-micas, borrando a estabilidade macroeconômica. O princípio da responsabilidade fiscal de um Estado capaz de se manter confiável para seus credores, assegurado pela existência de instituições sólidas, legais ou informais, sobre o controle de seus gastos e de endivida-mento, adquire, assim, papel central na nova ordem que nasce do pensamento ortodoxo sobre a atuação do Estado.3

De outro lado, diante da queda das fronteiras nacionais com o processo de globalização, ao Estado passa-se a recomendar também limpar de sua estrutura os impostos que podem prejudicar a competitividade da produção e/ou afugentar, do país, os fatores de maior mobilidade espacial para outros territórios que oferecem tratamento tributário mais favorável. Significa reformar as estruturas tributárias em direção a uma desejável harmonização, no plano internacional, eliminando e/ou reduzindo os que prejudicam a competitividade do país, como os incidentes sobre a produção, os investimentos e as exportações, e os que afugentam os fatores de maior mobilidade espacial, como o Capital, produtivo e financeiro, a mão de obra mais qualificada, deslocando o fardo tributário para os de menor mobilidade, como o consumo, os salários, a propriedade imobiliária. Nessa perspectiva, em nome do princípio da competitividade, tornada norma superior da tributação, o Estado deve renunciar ao manejo dos impostos para atingir objetivos econômicos e sociais.

Por harmonização deve-se entender, assim, do lado da tributação indireta, a extinção de impostos que prejudicam a competitividade por encarecer a produção nacional, caso dos impostos cumulativos, e a adoção de impostos sobre o valor agregado (IVA), que não modificam os preços relativos e permitem a plena desoneração dos investimentos e das exportações de sua cobrança e a igualação do imposto cobrado sobre o produto importado e o produzido localmente. Em relação à tributação direta, a integração da cobrança do imposto de renda da pessoa física com a jurídica, seguindo o padrão das alíquotas estabelecidas internacionalmente, independentemente das condições estruturais da economia, do nível de desenvolvimento do país e de seu grau de desigualdade social, sugerindo-se, também, deixar de tributar a riqueza acumulada (o patrimônio) pela sua maior facilidade de migrar para outros países no mundo globalizado.

Não é preciso muita reflexão para perceber que tais princípios, o da responsabilidade fiscal e o da competitividade, podem muito bem entrar em conflito. Países com níveis mais elevados de endividamento para os padrões internacionais encontrarão limites para levar adiante reformas tributárias de modernização de seus sistemas, à luz das propostas deste novo paradigma, à medida que implicam a corrosão de suas receitas tributárias, comprometendo o compromisso com a política de responsabilidade fiscal.

Mesmo que o Estado conte com contas mais equilibradas, a corrosão das receitas tributárias que resultaria dessas reformas nas condições recomendadas pode conduzi-lo a um novo desequilíbrio, a menos que o mesmo renuncie ou reduza o seu papel de provedor de políticas públicas essenciais para a sociedade, o que constitui, ao fim e ao cabo, o grande objetivo perseguido com essas propostas.

Não causa surpresa, dessa forma, que as reformas no sistema tributário que passaram a ser realizadas em vários países, a partir da década de 1990, não tenham sido feitas

3. Para uma visão mais aprofundada, ver Oliveira (2012) e Affonso (2003).

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nem na velocidade, nem na dimensão e nem de forma disseminada no mundo, como pretendido por este paradigma. Isso por poderem, de um lado, provocar o desmonte do Estado Social, e, de outro, comprometer ainda mais o princípio da responsabilidade fiscal, abrindo o caminho para a eclosão de crises ainda mais severas do que as que o sistema tem enfrentado, acompanhadas de ampliação das tensões sociais.

Nos Estados Unidos, país com o Estado Social mais magro dentre os países desenvolvidos, conforme Piketty (2014: 499), e que abraçou as bandeiras do neoliberalismo a partir da década de 1980, a alíquota do imposto de renda das pessoas físicas foi aumentada de 28% da era Reagan para 39,6% na administração de Bill Clinton, em 1993, para os rendimentos superiores a US$ 250 mil, nível em que permaneceria até 2001. Neste ano, o presidente George Bush, do Partido Republicano, retomando as ideias de Reagan na economia, reduziu-a para 35%, mas a administração de Barack Obama novamente a elevou para 39,6%, uma das medidas adotadas para enfrentar a crise do subprime. Na Inglaterra, a alíquota-teto das pessoas físicas retornaria, em 2010, ao nível de 50%, distanciando-se da alíquota mais amigável de 40% do governo Thatcher, embora depois tenha sido rebaixada para 45%, em 2013.

Nos demais países desenvolvidos da Europa, em especial na França e Alemanha, que não acompanharam as sandices de Reagan e Thatcher de exagerado rebaixamento das alíquotas deste imposto, mantendo-as em torno de 50% a 60% entre 1930 e 2010 (PIKETTY, 2014: 495), assistiu-se também a um movimento de redução dessas alíquotas, mas não para o nível das registradas nos países da América Latina, em especial no Brasil, que acreditou com mais entusiasmo no conto da carochinha do pensamento ortodoxo de que não se devem taxar pesadamente os fatores de maior mobilidade espacial para não afugentar, além do capital, a mão de obra especializada do país. Segundo Piketty (2014: 499), “a ideia de que os executivos americanos fugiriam de imediato para o Canadá ou para o México e não haveria mais pessoas competentes e motivadas para dirigir as empresas nos Estados Unidos não só é contraditória com a experiência histórica e com todos os dados das empresas de que dispomos: ela vai contra o bom senso”.

Como mostra a Figura 2, a alíquota-teto do IRPF, em 2015, permanecia em níveis iguais ou superiores a 50% para os países da OCDE como a Bélgica (50%), Holanda (52%), Suécia (57%), Dinamarca (53%), Japão (50,8%), e, entre 40% e 50% para Alemanha e França (45%), Itália (43%), Noruega (47%), Portugal (48%) e Reino Unido (45%), sendo de 39,6% nos Estados Unidos. Entre os países da América Latina, Argentina (35%), Chile (40%), Colômbia (33%), México e Nicarágua e Peru (30%) contavam, no mesmo ano de 2015, com alíquotas-teto superiores à do Brasil, de 27,5%. Entre os países emergentes relacionados, a alíquota do Brasil era também inferior à da China (45%), da Índia (34%) e da Turquia (35%).

Na mesma figura, é possível constatar ser a alíquota de 27,5% do Brasil bem inferior à alíquota média registrada para os países da OCDE, que se mantém em nível superior a 40%, e também à dos países da América Latina, com 32,6% e à do conjunto dos países do mundo, com 32,3%. Não estranha, assim, a mais reduzida contribuição do imposto de renda das pessoas físicas para o financiamento do Estado vis-à-vis o resto do mundo, e o fato de o sistema tributário brasileiro ser altamente regressivo.

Em relação ao imposto de renda cobrado sobre o lucro das empresas, a redução das alíquotas tem ocorrido de forma mais rápida e intensa do que a registrada para as pessoas físicas, como se constata na Figura 2, com a média mundial das alíquotas tendo caído de 29,4%, em 2003, para 23,5%, em 2015. Em alguns países desenvolvidos, como o Reino

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Unido, Portugal, Suécia, Dinamarca, essas já haviam atingido ou se aproximado de 20% neste último ano, com os Estados Unidos, com uma alíquota de 40%, destoando do conjunto destes países.4 De qualquer forma, uma tendência que deve continuar manten-do-se com o predomínio das recomendações do novo consenso macroeconômico de desoneração do capital e de harmonização das estruturas tributárias.

Aparentemente, o Brasil aparece nessa relação, como um dos países que mais taxa os lucros do capital, com uma alíquota de 34%, inferior apenas às da Argentina (35%), Estados Unidos (40%), Emirados Árabes (55%) e Índia (34,6%), constituída por 15% da alíquota básica, mais 10% de um adicional sobre a parcela do lucro que exceder R$ 240 mil, e 9% relativo à cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Aparentemente, porque, diferentemente de outros países, em especial os da OCDE, o Brasil conta com esquema muito amigável de tributação dos lucros distribuídos na forma de dividendos, que são isentos, e de subtaxação dos que são feitos para os acionistas sob o título de Juros sobre o Capital Próprio (JCP), os quais podem ser deduzidos para o cálculo do imposto a pagar da empresa como despesas operacionais. Além disso, a existência de regimes especiais de tributação no país, caso do Simples e do Lucro Presumido, contribuem para tornar essas alíquotas estatutárias praticamente uma ficção.

A Figura 3 mostra, por sua vez, o quão distante o Brasil se encontra dos países desenvolvidos da OCDE em termos de taxação dos rendimentos do capital e das pessoas físicas. Enquanto na média da OCDE, o imposto de renda representou 34,1% de sua receita total (ou 11,5% do PIB) no ano de 2015, no Brasil não passou de 21%%, incluindo

PAÍSES ALÍQUOTAS-TETO IRPF ALÍQUOTAS IRPJ 2003 2010 2015 2003 2010 2015

Desenvolvidos Alemanha Bélgica Dinamarca Estados Unidos Espanha França Holanda Itália Japão Noruega Portugal Suécia Reino Unido

Emergentes e América Latina Argentina Brasil Chile China Colômbia Índia México Nicarágua Paraguai Peru Turquia Uruguai Venezuela

Média OCDE Média América Latina Média Mundo

48,50 50,00 59,00 35,00 45,00 48,10 52,00 45,00 50,00 55,30 40,00 57,00 40,00 35,00 27,50 40,00 45,00 35,00 30,00 34,00 ... ... 30,00 45,00 0,000 34,00 43,30 32,11 34,19

45,00 50,00 55,38 39,60 43,00 41,00 52,00 43,00 50,00 47,80 45,88 56,56 50,00 35,00 27,50 40,00 45,00 33,00 30,00 30,00 30,00 ... 30,00 35,00 25,00 34,00 40,76 31,84 31,25

45,00 50,00 53,41 39,60 47,00 45,00 52,00 43,00 50,84 47,20 48,00 57,00 45,00 35,00 27,50 40,00 45,00 33,00 33,99 35,00 30,00 ... 30,00 35,00 30,00 34,00 41,02 31,55 31,29

39,58 33,99 30,00 34,00 35,00 34,33 33,00 38,25 42,00 28,00 25,00 28,00 30,00 35,00 34,00 16,50 33,00 35,00 36,75 34,00 NA 32,00 27,00 30,00 35,00 34,00 29,42

29,41 33,99 25,00 40,00 30,00 33,33 25,50 31,40 40,69 28,00 25,00 26,30 28,00 35,00 34,00 17,00 25,00 33,00 33,99 30,00 NA 10,00 30,00 20,00 25,00 34,00 24,69

29,72 33,99 22,00 40,00 28,00 33,33 25,00 31,40 33,86 27,00 21,00 22,00 20,00 35,00 34,00 24,00 25,00 25,00 34,61 30,00 30,00 10,00 30,00 20,00 25,00 34,00 23,52

FIGURA 2 – EVOLUÇÃO DAS ALÍQUOTAS DO IMPOSTO DE RENDADA PESSOA FÍSICA E JURÍDICAEm %PAÍSES SELECIONADOS2003-2015

Fonte: KPMG. Global Tax Rate Survey, vários anos.

4. Se levadas em conta as deduções oferecidas às empresas para o cálculo do imposto, a alíquota de 40% do IRPJ nos Estados Unidos é apenas teórica, estando mais próxima, na prática, dos demais países da OCDE.

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FIGURA 3 – IMPOSTO SOBRE A RENDA TOTAL, INDIVIDUAL (IRPF) E DAS CORPORAÇÕES (IRPJ)Em % da Receita e do PIBOCDE E BRASIL 2015

a CSLL, ou 6,8% do PIB. Estes números revelam que, apesar da tendência de redução do imposto de renda para o capital e os rendimentos das pessoas físicas, devido aos motivos anteriormente apontados, o Brasil tem-se destacado em relação a este conjunto de países, como completamente descomprometido com o princípio da justiça fiscal.

Este movimento de redução do imposto cobrado sobre a renda e os lucros não tem sido diferente em relação ao imposto que incide sobre o patrimônio ou sobre a riqueza acumulada, o que é justificado para evitar que a mesma seja transferida para outros países que oferecem tratamento tributário mais favorável. De uma maneira geral, vários países deram início à redução de alíquotas e/ou mesmo à extinção destes impostos, especialmente no caso do que é cobrado sobre as heranças e doações, na onda neoliberal que se alastrou pelo mundo capitalista a partir da década de 1980, enfraquecendo um dos instrumentos mais importantes para estancar ou mesmo reverter o aumento das desigualdades.

A respeito do Imposto sobre Heranças e Doações alguns comentários são necessários. Este foi um imposto altamente progressivo tanto nos Estados Unidos, com alíquotas variando entre 70% e 80% de 1930 a 1980, como no Reino Unido, quando estes países ainda trilhavam o caminho da busca por maior igualdade (PIKETTY, p. 494). Com Reagan e Thatcher, esse entusiasmo arrefeceu e continuou perdendo mais força ainda com as ideias renovadas do pensamento liberal, a partir da década de 1990.

No Brasil, depois de extinto pela reforma tributária de 1965-66, o Imposto sobre Heranças e Doações foi recriado com a Constituição de 1988, mas nunca mereceu maior atenção por parte dos governos estaduais responsáveis por cobrá-lo. Com a alíquota máxima de 8% estabelecida pelo Senado Federal, foi cobrado, durante um

Fontes: OCDE: Revenue Statistics Comparative Tabels. HTTps://stats.oecd.org/index.aspx?DataSetCode; Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. CETAD – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Carga Tributária de 2015. Notas: (1) inclui receita da CSLL. (2) A Receita Federal divulga os dados do imposto de renda e de seu recolhimento pelas pessoas físicas e jurídicas, mas uma parcela expressiva deste imposto (+ de 50%) aparece apenas como imposto retido na fonte, sem identificação de sua origem, se da pessoa física ou jurídica. Isso dificulta que este cálculo seja feito com precisão.

PAÍSES

IMPOSTO DE RENDA TOTAL

IRPF IRPJ

% Receita % PIB % Receita % PIB % Receita % PIB Alemanha 31,2 11,6 26,5 9,8 4,7 1,7 Bélgica 35,7 16,0 28,3 12,7 7,4 3,3 Chile 36,4 7,5 9,8 2,0 21,0 4,3 Coreia do Sul 30,3 7,6 17,2 4,3 13,1 3,3 Dinamarca 65,2 29,0 55,2 25,3 5,6 2,6 Espanha 28,3 9,6 21,3 7,2 7,0 2,4 Estados Unidos 49,1 12,9 40,5 10,6 8,5 2,2 França 23,5 10,6 18,9 8,5 4,6 2,1 Holanda 27,7 10,4 20,5 7,7 7,2 2,7 Irlanda 43,0 9,9 31,6 7,3 11,3 2,6 Itália 31,8 13,8 26,0 11,3 4,7 2,0 Japão 31,2 9,6 18,9 5,8 12,3 3,8 Noruega 39,4 15,1 27,9 10,7 11,5 4,4 Portugal 30,2 10,4 21,2 7,3 9,0 3,1 Reino Unido 35,3 11,5 27,7 9,0 7,5 2,5 Suécia 35,9 15,5 29,1 12,6 6,9 3,0 Turquia 20,3 5,1 14,6 3,7 5,7 1,4 Média OCDE 34,1 11,5 24,4 8,4 8,9 2,8 Brasil (1) 21,0 6,8 ND (2) ND (2) ND (2) ND (2)

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A REFORMA TRIBUTÁRIA NECESSÁRIA: DIAGNÓSTICO E PREMISSAS

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POSIÇÃO NO RANKING

PAÍS

ALÍQUOTA MÁXIMA (%)

1 Japão 55 2 Coreia do Sul 50 3 França 45 4 Reino Unido 40 5 Estados Unidos 40 6 Espanha 34 7 Irlanda 33 8 Bélgica 30 9 Alemanha 30 10 Chile 25 11 Grécia 20 12 Holanda 20 13 Finlândia 19 14 Dinamarca 15 15 Turquia 10 16 Islândia 10 17 Polônia 7 18 Suíça 7 19 Itália 4 Média simples OCDE 15 Comparativo com Brasil 8

bom tempo, apenas sobre a transferência de imóveis por motivo de morte (causa mortis), e com alíquotas que dificilmente superam o nível de 5%. Somente nos últimos anos, em virtude da grave crise fiscal em que esses governos se encontram mergulhados, começou a haver maior empenho em sua cobrança, estendendo-a para outras formas da riqueza acumulada, mas a arrecadação desse imposto continua irrisória até os dias atuais.

A Figura 4 mostra as alíquotas do Imposto sobre Heranças e Doações vigentes em alguns países. Como se percebe, enquanto, em média, nos países da OCDE a alíquota é de 15%, atingindo níveis bem mais elevados em países que ainda acreditam na sua importância para barrar o maior avanço do processo de concentração da renda e da riqueza, como o Japão, a Coreia do Sul, França e, até mesmo, Estados Unidos e Reino Unido, no Brasil, sua alíquota não passa de 8%.

Não estranha, assim, que a arrecadação do imposto sobre a propriedade, em geral, e sobre as heranças e doações, seja irrisória no Brasil. Como mostra a Figura 5, enquanto, em média, nos países da OCDE, o primeiro respondeu por 5,5% da receita total em 2015, e o segundo por 0,4%, no Brasil estes percentuais não foram além de 4,4% e 0,3%. Chama-se a atenção, no entanto, para a importância que este imposto geral sobre a propriedade ainda assume em países como Estados Unidos, Bélgica, Espanha França e Reino Unido.

O fato inegável é que, assim como tem acontecido com o imposto sobre a renda, também o imposto sobre o patrimônio vem-se enfraquecendo, de modo geral, nestes tempos de globalização, como instrumento colocado à disposição do Estado para corrigir um dos defeitos congênitos do capitalismo, qual seja, a tendência do sistema de aumentar, no tempo, a concentração da renda e da riqueza, colocando sérios riscos para a própria reprodução.

FIGURA 4 – ALÍQUOTAS MÁXIMAS DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE E A HERANÇAEm %OCDE E BRASIL

Fonte: Cole, Alan. Estate and inheritance taxa around the world. in: http://Taxa Foundation.org/article-and-inheritance-taxes-around-world

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AS REFORMAS TRIBUTÁRIAS NO PL ANO INTERNACIONAL: A MARCHA DA INSENSATEZ

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Neste quadro, o Brasil situa-se numa condição ainda mais dramática: além de cobrar muito pouco o imposto da renda tanto das camadas mais ricas da sociedade e também das rendas do capital, subtaxa também o patrimônio, transformando o sistema tributário em um instrumento contrário a qualquer compromisso com a justiça fiscal e com o papel que este poderia desempenhar de contribuir para, pelo menos, atenuar os dois outros problemas do sistema apontados por Keynes: sua incapacidade de gerar empregos para a população trabalhadora, devido à fraqueza da demanda efetiva, e a instabilidade a ele inerente decorrente, dentre outros motivos, de movimentos especulativos que o excessivo crescimento da riqueza financeira provoca.

Em contrapartida ao movimento de redução das bases de incidência dos impostos diretos passou-se a assistir, a partir da década de 1990, com a globalização da economia e a formação dos blocos regionais, reformas nas estruturas da tributação indireta diante da necessidade de sua harmonização entre os países que se inserem neste processo, sob pena de prejuízos para aqueles que mantiverem impostos que penalizam a produção, os investimentos e as exportações. Derivada do princípio da neutralidade, a norma da competitividade condena tratamentos tributários diferenciados aos fatores de produção de alta mobilidade territorial (incluindo o trabalho mais qualificado) e a imposição de gravames, em geral, sobre a produção.

Diante dessas novas recomendações, não poucos países deram início à limpeza de suas estruturas tanto de impostos que distorcem os preços relativos – caso mais notório dos impostos de incidência cumulativa – quanto de impostos incidentes sobre os investimentos, as exportações e a folha de salários (encargos trabalhistas que aumentam o custo-país), aperfeiçoando os impostos sobre o valor agregado (IVA) para garantir a integração competitiva do país ao mercado comum regional e à economia global.

Combinada com a recomendação de a base da tributação ser deslocada para os fatores de menor mobilidade territorial, tais mudanças, para se viabilizarem, dependem de o Estado

PAÍSES

IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE GERAL

IMPOSTO SOBRE HERANÇA E DOAÇÕES

% Receita % PIB % Receita % PIB Alemanha 2,9 1,1 0,6 0,2 Bélgica 7,8 3,5 1,6 0,7 Chile 4,4 0,9 0,3 0,1 Coreia do Sul 12,4 3,1 1,3 0,3 Dinamarca 4,1 1,9 0,5 0,3 Espanha 7,7 2,6 0,8 0,3 Estados Unidos 10,3 2,7 0,5 0,5 França 9,0 4,0 1,2 0,6 Holanda 3,8 1,4 0,6 0,2 Irlanda 6,4 1,5 0,7 0,2 Itália 6,5 2,8 0,1 0,0 Japão 8,2 2,5 1,2 0,4 Noruega 2,9 1,1 0,0 0,0 Portugal 3,7 1,3 0,0 0,0 Reino Unido 12,6 4,1 0,7 0,2 Suécia 2,4 1,0 0,0 0,0 Turquia 4,9 1,2 0,1 0,0 Média OCDE 5,5 1,9 0,4 0,1 Brasil (1) 4,4 1,5 0,3 0,1

FIGURA 5 – IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE GERAL E SOBRE HERANÇAS E DOAÇÕES NA RECEITA TOTALEm %OCDE 2015

Fontes: OCDE: Revenue Statistics Comparative Tabels. HTTps://stats.oecd.org/index.aspx?DataSetCode REV2,5; Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. CETAD – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Nota: (1) Carga Tributária de 2015.

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A REFORMA TRIBUTÁRIA NECESSÁRIA: DIAGNÓSTICO E PREMISSAS

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contar com uma base mais ampla da tributação direta para compensar perdas de receitas que podem ocorrer em decorrência do estreitamento da base da tributação indireta com a substituição de impostos cumulativos, mais produtivos, por impostos sobre o valor agregado, e de não se estar defrontando com elevados desequilíbrios fiscais. Se isso não se verificar, o princípio da competitividade tributária pode chocar-se com o princípio da responsabilidade fiscal, colocando dificuldades para o país avançar em sua modernização no caso de não poder correr riscos de perder receitas.

O fato é que, enquanto no plano internacional vários países, especialmente os integrantes de blocos regionais, avançaram no aprimoramento de suas estruturas de tributação indireta, o Brasil não conseguiu levar adiante nenhuma proposta nessa direção, embora várias tenham sido apresentadas para apreciação do Congresso. Isso por ter passado a dar absoluta prioridade, a partir de 1999, ao princípio da responsabilidade fiscal, ou à geração de elevados superávits primários para pagar (parcialmente) os juros da dívida pública e evitar o crescimento descontrolado de seu estoque, não podendo, por isso, abrir mão de receitas.

Com as bases da tributação direta erodidas com as mudanças realizadas pelo então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, em 1988, e com a “revolução everardiana”, de 1995, na cobrança do imposto sobre as rendas do capital, não restou espaço – e nem a tentativa de recuperá-lo por nenhum governo – para que o imposto de renda suprisse as necessidades de recursos do Estado nessas condições.5 Como consequência, ao preservar e até mesmo ampliar a participação dos impostos indiretos e, dentre estes, dos impostos nocivos à competitividade, para garantir as receitas necessárias para honrar os compromissos com o pagamento dos juros da dívida, diante de uma estrutura altamente enfraquecida de impostos diretos, o sistema tributário no Brasil, além de instrumento historicamente divorciado do princípio da equidade, transformou-se, também, em instrumento que opera contra a competitividade da economia e contra o crescimento econômico.

5. Uma análise mais detalhada da evolução do sistema tributário

no Brasil e das medidas adotadas por Maílson da Nóbrega e Everardo Maciel, secretário da Receita Federal, em 1995, para reduzir a tributação da renda das pessoas físicas e jurídicas, se encontra em

Oliveira (2017).

FIGURA 6 – COMPOSIÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA, POR TIPO DE IMPOSTOSEm %OCDE E BRASIL2015

Fontes: OCDE: Revenue Statistics Comparative Tabels. HTTps://stats.oecd.org/index.aspx?DataSetCode REV2,5; Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. CETAD – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. (1) Carga Tributária de 2015.

PAÍSES RENDA

PATRIMÔNIO

CONSUMO

OUTROS TOTAL CARGA TRIBUTÁRIA

(% PIB) Alemanha 31,2 2,9 27,8 38,1 100,0 37,1 Bélgica 35,7 7,8 23,8 32,7 100,0 44,8 Chile 36,4 4,4 54,1 5,1 100,0 20,5 Coreia do Sul 30,3 12,4 28,0 29,3 100,0 25,2 Dinamarca 63,1 4,1 31,6 1,2 100,0 45,9 Espanha 28,3 7,7 29,7 34,3 100,0 33,8 Estados Unidos 49,1 10,3 17,0 23,6 100,0 26,2 França 23,5 9,0 24,3 43,2 100,0 45,2 Holanda 27,7 3,8 29,6 38,9 100,0 37,4 Irlanda 43,0 6,4 32,6 18,0 100,0 23,1 Itália 31,8 6,5 27,3 34,4 100,0 43,3 Japão 31,2 8,2 21,0 39,6 100,0 30,7 Noruega 39,4 2,9 30,4 27,3 100,0 38,3 Portugal 30,2 3,7 38,4 27,7 100,0 34,6 Reino Unido 35,3 12,6 32,9 19,2 100,0 32,5 Suécia 35,9 2,4 28,1 33,6 100,0 43,3 Turquia 20,3 4,9 44,3 30,5 100,0 25,1 Média OCDE 34,1 5,5 32,4 28,0 100,0 34,0 Brasil (1) 21,0 4,4 49,7 24,9 100,0 32,6

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AS REFORMAS TRIBUTÁRIAS NO PL ANO INTERNACIONAL: A MARCHA DA INSENSATEZ

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Comparada à estrutura dos países da OCDE, como mostra a Figura 6, a do sistema tributário brasileiro revela a grande distância que entre elas existe, mesmo considerando as mudanças na composição de seus impostos que se tem verificado com o predomínio das ideias neoliberais a partir da década de 1980. Enquanto no conjunto dos países da OCDE, a participação dos impostos diretos na arrecadação total foi, em 2015, de 39,6%, no Brasil essa participação situou-se em 25,4%, com a dos impostos indiretos representando, respectivamente, 61% e 75%. Dentre os impostos indiretos, os cobrados sobre o consumo representaram, por sua vez, 32% nos países da OCDE, e 50% no Brasil, com o agravante, neste caso, de que parcela apreciável dos mesmos incidem “em cascata”, prejudicial para a questão da competitividade da produção nacional. Não se trata de estrutura que se possa considerar ajustada com princípios caros às finanças públicas, mesmo em tempos neoliberais, necessitando urgentemente de uma reforma de profundidade para corrigir suas principais mazelas.

CONCLUSÃO: REVERTENDO A MARCHA DA INSENSATEZ

Bárbara Tuchman em seu livro de 1985, A marcha da insensatez, relata vários episódios históricos em que eram fortes as evidências de que as decisões tomadas pelos governos poderiam resultar em desastre, contrariando seus próprios interesses, mas episódios nos quais, por alguma razão desconhecida, os autores neles envolvidos ignoraram os fatos da época. A mesma situação parece estar-se repetindo, na atualidade, com as tendências do sistema capitalista de retirar do Estado o papel de agente coordenador do processo de crescimento e de redutor das desigualdades sociais.

Keynes, que nunca foi socialista, muito menos comunista, deixou claro em sua obra-prima, A teoria Geral (1983), que o sistema capitalista apresentava defeitos congênitos, dentre os quais, o aumento da concentração da renda e da riqueza, os quais, se não corrigidos, por meio da ação do Estado com a cobrança de impostos progressivos, complementada com uma política regressiva de gastos, o conduziria, inexoravelmente, para o colapso.

Keynes foi um ardoroso defensor do sistema capitalista, mas não confundia os interesses privados, particulares, com os interesses gerais, e sabia muito bem que sem um mínimo de solidariedade, o mesmo enfrentaria problemas para se reproduzir e que o seu triunfo dependia de o Estado dispor de condições para adotar políticas econômicas para deter ou reverter sua tendência de provocar desigualdade, desemprego e instabilidade.

O ressurgimento das ideias liberais, com novas vestes a partir da década de 1980, apoiadas em teorias exóticas de economistas que, em nome de uma improvável defesa dos interesses gerais defendem os interesses privados, como coloca Piketty (2014: 500), negam ao Estado o desempenho dessas funções, recolocando o sistema na trajetória prevista por Keynes, com as crises tornando-se mais rotineiras, o crescimento mais lento, o desemprego maior, junto com o aumento das desigualdades e da pobreza.

Nem todos participam, no entanto, dessa marcha da insensatez por perceberem o desfecho de uma tragédia anunciada, caso se mantenha a trajetória de isentar os ricos e punir os pobres com a cobrança de impostos e de se avançar no desmonte do Estado do bem-estar. A proposta de reforma tributária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apresentada para aprovação com este objetivo, recebeu a repulsa de 400 milionários e bilionários americanos, entre eles de George Soros, Warren Buffett e Robert Crandall, que se manifestaram, em carta, contra o corte de impostos dos mais ricos. Para eles, “propostas como essas, que beneficiam os ricos, exacerbariam a atual

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A REFORMA TRIBUTÁRIA NECESSÁRIA: DIAGNÓSTICO E PREMISSAS

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disparidade na distribuição de renda nos Estados Unidos em que a parcela de 1% mais rica detém 42% da riqueza”. Um exagero e um desatino.

O argumento neoliberal de que a ação do Estado emperra o crescimento econômico e de que a cobrança de impostos dos mais ricos inibe a poupança e o investimento não encontra acolhida em nenhuma teoria econômica mais séria, nem na realidade dos fatos. Desde que essa política passou a ser implementada, a partir da década de 1980, o crescimento tornou-se mais lento e errático, a instabilidade aumentou, mantendo a economia numa persistente situação de crise, e as desigualdades aumentaram, juntamente com o desemprego e a pobreza.

Se se pretende reverter este quadro, como recomenda o bom senso, para evitar o colapso do sistema, é necessário deixar de lado a visão tosca do pensamento conservador de ser a ação do Estado deletéria para a atividade econômica e a falsa ideia de que as forças do mercado detêm o poder de resolver, por seus próprios mecanismos, os problemas do sistema. Uma visão que só se sustenta, teoricamente, quando se abstrai da população como um conjunto heterogêneo de pessoas, distribuídas em classes sociais, entre ricos e pobres, considerando que todos agem racionalmente em busca de seus próprios interesses e que dispõem das mesmas condições de igualdade. Uma falácia do pensamento ortodoxo.

É necessário, também, deixar de associar impostos progressivos a qualquer tipo de socialismo, e passar a vê-los como antídoto necessário para corrigir os rumos do sistema capitalista, pois como bem coloca Piketty (idem, p. 492):

“O imposto progressivo constituiu sempre um método mais ou menos liberal para se reduzirem as desigualdades, pois respeita a livre concorrência e a propriedade privada enquanto modifica os incentivos privados, às vezes radicalmente, mas sempre de modo previsível e contínuo, segundo regras fixadas com antecedência e debatidas de maneira democrática, no contexto de um Estado de direito. O imposto progressivo exprime de certa forma um compromisso ideal entre justiça fiscal e liberdade individual”. No Brasil, os desafios são ainda maiores por serem maiores as desigualdades e mais elevados os níveis de pobreza. Sem contar ainda com um Estado do bem-estar consolidado e convivendo com uma estrutura tributária altamente regressiva, como foi visto, aquele começou a ser desmontado nos últimos anos para ceder espaços, atendendo às demandas da ortodoxia, para o pagamento de juros para a riqueza financeira, o que paralisou o crescimento econômico, aumentou o desemprego, as desigualdades e pobreza, como têm registrado os últimos índices colhidos sobre essas questões. Ainda que se considere que uma reforma tributária progressiva não seja suficiente para resolver todos os problemas estruturais do país, é consenso de que, sem ela, não se conseguirá recompor a capacidade de financiamento do Estado, libertá-lo da encrenca fiscal em que se meteu ao favorecer o capital e as camadas mais ricas, desobstruir os caminhos do crescimento e permitir que se rume na direção de uma maior e desejável igualdade social. |

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AS REFORMAS TRIBUTÁRIAS NO PL ANO INTERNACIONAL: A MARCHA DA INSENSATEZ

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A REFORMA TRIBUTÁRIA NECESSÁRIA: DIAGNÓSTICO E PREMISSAS

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FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRADoutor em Economia pela Unicamp, membro da Plataforma Política Social, colaborador do Brasil Debate e autor, dentre outros, do livro Política Econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010 (Azougue Editorial, 2012).

NOTA SOBRE A INSENSATA REFORMA TRIBUTÁRIA DE TRUMP

Donald Trump conseguiu aprovar a sua proposta de reforma tributária nos Estados Unidos em dezembro de 2017. Não se trata de uma reforma que tenha qualquer preocupação com a questão da justiça fiscal e com uma melhor distribuição do ônus tributário entre os norte-americanos. Mesmos os economistas da Universidade de Chicago, centro de excelência do pensamento neoliberal, preocupados com os seus efeitos sobre a dívida pública, concordam que a reforma de Trump pode prejudicar a economia dos Estados Unidos e aumentar a concentração de renda por favorecer os mais ricos.

Cerca de 400 milionários norte-americanos assinaram um manifesto contra a reforma de Trump. Para eles, “propostas dessa natureza, que beneficiam os mais ricos, exacerbariam a atual distribuição de renda nos Estados Unidos, onde a parcela de 1% mais rica detém 42% da riqueza”. Entre estes milionários, figuram George Soros, Warren Buffett, Steven Rockfeller, Ben Cohen e Robert Crandall, que entendem de capitalismo e de seus defeitos congênitos que podem conduzir ao seu colapso, mas não foram ouvidos.

Trump e seus assessores econômicos defendem que a reforma aprovada vai gerar mais crescimento, e que a perda de arrecadação estimada de US$ 1,5 trilhão em dez anos será compensada com o aumento do consumo e dos investimentos. Uma falácia. Bob Crandall, um dos assinantes do manifesto, colocou isso de forma clara: “Tenho uma renda alta. Se ela sobe, não vou investir mais. Simplesmente vou poupar mais”. Evidências históricas desmentem as verdades de Trump e de seus assessores sobre os efeitos dos tributos na economia.

Na década de 1980, Ronald Reagan embarcou na canoa furada da Teoria da Economia da Oferta, que ignora a questão da demanda para o crescimento, atribuindo à oferta um poder que essa não dispõe para sustentá-lo e rebaixou os impostos dos ricos e das empresas. Colheu um pouco mais de crescimento frente à recessão de 1979-1982, não comprovadamente por causa dessa redução, mas da política monetária menos restritiva implementada após o choque dos juros no final da década de 1970. Em contrapartida, viu o déficit público se elevar e a dívida americana dar um salto de mais de 20 pontos percentuais do PIB, com elevado desemprego e considerável ampliação das desigualdades sociais. Em 1993, Bill Clinton elevou os impostos sobre a renda e, nem por isso, a economia se contraiu, registrando um desempenho apreciável. George Bush novamente reduziu estes impostos, mas não surfou na onda do crescimento esperado. Barack Obama voltou a aumentá-los em 2013, com os Estados Unidos apresentando uma trajetória de recuperação da crise do subprime que vai-se consolidando.

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NOTA SOBRE A INSENSATA REFORMA TRIBUTÁRIA DE TRUMP

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A reforma de Trump não deve conhecer destino diferente das de Reagan e de Bush, como alertam os economistas vacinados contra o conto da carochinha do pensamento neoliberal sobre os efeitos da redução dos impostos na economia. Seus principais beneficiários são as corporações, seguindo as tendências mundiais de desoneração de impostos cobrados sobre os lucros das empresas para não comprometer a competitividade da produção, em tempos de globalização, com a alíquota estatutária do imposto de renda rebaixada de 35% para 21%, aproximando-se da média dos países da OCDE.

Mas Trump, embora pretendesse inicialmente maior redução de impostos também para as pessoas físicas, com a diminuição para 35% da alíquota-teto do imposto de renda incidente sobre seus rendimentos, também conseguiu aprovar alguns mimos e alívio para as mais ricas, ainda que temporariamente até 2025, com a redução do teto de 39,6% para 37% e o aumento das isenções tributárias sobre as heranças. De acordo com o Centro de Políticas Tributárias dos Estados Unidos, ainda que o governo tenha procurado vender a ideia de que haveria uma diminuição geral para todos os contribuintes, as mudanças devem beneficiar mais os 1% mais ricos, que terão uma diminuição média de 5,7% dos impostos federais em 2018, percentual que fica entre 0,4% e 1,7% para os 99% restantes.

Apenas três certezas parecem estar-se tornando consenso sobre os resultados que se podem esperar da reforma tributária de Trump: 1) o já frágil Estado Social norte-americano deve emagrecer mais ainda, já que, com a queda esperada da arrecadação de US$ 1,5 trilhão nos próximos dez anos, deverão faltar recursos para os programas sociais; 2) as desigualdades sociais devem aumentar, com a combinação de uma menor taxação sobre os ricos e a diminuição dos gastos sociais, exacerbando as tensões sociais; 3) a dívida pública norte-americana, hoje na casa dos US$ 20 trilhões, deve continuar em progressiva expansão com o esperado aumento do déficit nos próximos anos, afetando negativamente as expectativas sobre a situação financeira do governo, como ensina o pensamento econômico dominante.

Trump com seus assessores econômicos, regiamente pagos para resgatar fantasias e farsas teóricas, confundindo interesses particulares com os interesses gerais, movem para trás a roda da ciência econômica e desprezam o bom senso em termos de economia. Quem perde com isso é o próprio sistema econômico capitalista, que se torna mais vulnerável às ondas de instabilidade, às crises e ao aumento das tensões sociais.

A premonição do economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia de 2001, em artigo publicado no Project Syndicate, de novembro de 2016, intitulado “O que a economia demanda de Trump”, sobre o que esperava representar o seu governo nos Estados Unidos, não poderia ser mais acertada: “Minha bola de cristal, um tanto desfocada, mostra uma mudança das regras, mas não no sentido de corrigir os graves erros da revolução de [Ronald] Reagan, um marco na jornada sólida que deixou tantos para trás. Em vez disso, a situação vai piorar, pois ainda mais pessoas serão excluídas do ‘sonho americano’.” |

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