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PARTICIPAÇÃO COMPLEMENTAR NOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Autores: Renata Odete de Azevedo Souza, Mariana Miranda Autran Sampaio, Josyanne da Rocha Ferreira, Talita Dourado Schwartz, Ely Alves Pinheiro, Marco Aurélio Rocha Rabello, Sérgio Wilson Sefer Nóbrega, Márcia Vasconcellos Carvalho. Contato: [email protected], (21) 3231 4725/ 98366 2454 RESUMO Trata-se de auditorias realizadas pelo TCE-RJ no período de março de 2013 a março de 2014 com o objetivo de verificar se a contratação de serviços de saúde está sendo realizada segundo modelo proposto pelo Ministério da Saúde e legislação vigente nos Municípios jurisdicionados do TCE-RJ. Foram desenvolvidos papéis de trabalho (roteiros de auditoria, lista de verificação, questionário e planilhas) utilizados pelas equipes de auditoria durante a fase de execução das inspeções. Entre os 91 municípios analisados, 98% utilizam serviços de saúde privados para complementar sua rede pública, dos quais apenas 27% formalizam por meio de instrumentos próprios (contrato, convênio, contrato de gestão, termo de parceria ou outros). Merece destaque que em 100% dos municípios as relações intergestores preconizadas pelo SUS são incipientes e/ou as instituídas não são cumpridas e que cerca de 75% dos municípios possuem algum tipo de deficiência no serviço de Controle e Avaliação. As auditorias permitiram observar questões relacionadas à gestão do SUS e fatores que influenciaram os problemas identificados. A alta frequência dos achados indica fragilidades no processo de contratação de serviços de saúde, pois a maioria dos municípios apresenta problemas em relação ao planejamento, às relações entre os gestores e à formalização da relação com o setor privado. Os dados podem ser utilizados para aprimorar as políticas adotadas na execução das ações e serviços públicos de saúde. Este trabalho foi publicado como Comunicação Oral no 11° Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Abrasco.

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PARTICIPAÇÃO COMPLEMENTAR NOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DO RIO

DE JANEIRO

Autores: Renata Odete de Azevedo Souza, Mariana Miranda Autran Sampaio, Josyanne

da Rocha Ferreira, Talita Dourado Schwartz, Ely Alves Pinheiro, Marco Aurélio Rocha

Rabello, Sérgio Wilson Sefer Nóbrega, Márcia Vasconcellos Carvalho.

Contato: [email protected], (21) 3231 4725/ 98366 2454

RESUMO

Trata-se de auditorias realizadas pelo TCE-RJ no período de março de 2013 a março de

2014 com o objetivo de verificar se a contratação de serviços de saúde está sendo realizada

segundo modelo proposto pelo Ministério da Saúde e legislação vigente nos Municípios

jurisdicionados do TCE-RJ. Foram desenvolvidos papéis de trabalho (roteiros de auditoria,

lista de verificação, questionário e planilhas) utilizados pelas equipes de auditoria durante a

fase de execução das inspeções. Entre os 91 municípios analisados, 98% utilizam serviços

de saúde privados para complementar sua rede pública, dos quais apenas 27% formalizam

por meio de instrumentos próprios (contrato, convênio, contrato de gestão, termo de

parceria ou outros). Merece destaque que em 100% dos municípios as relações

intergestores preconizadas pelo SUS são incipientes e/ou as instituídas não são cumpridas e

que cerca de 75% dos municípios possuem algum tipo de deficiência no serviço de

Controle e Avaliação. As auditorias permitiram observar questões relacionadas à gestão do

SUS e fatores que influenciaram os problemas identificados. A alta frequência dos achados

indica fragilidades no processo de contratação de serviços de saúde, pois a maioria dos

municípios apresenta problemas em relação ao planejamento, às relações entre os gestores

e à formalização da relação com o setor privado. Os dados podem ser utilizados para

aprimorar as políticas adotadas na execução das ações e serviços públicos de saúde. Este

trabalho foi publicado como Comunicação Oral no 11° Congresso Brasileiro de Saúde

Coletiva da Abrasco.

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INTRODUÇÃO

Nos moldes da metodologia empregada no Tema de Maior Significância

(TMS), adotada por esta Corte em exercícios anteriores nas áreas da saúde, resíduos

sólidos e educação, o Plano Participação Complementar no SUS consistiu numa etapa de

levantamento de informações e estudos preliminares, consolidado em um projeto de

fiscalização composto por inspeções nos 91 municípios jurisdicionados, com o objetivo de

verificar a contratação de serviços de saúde segundo modelo proposto pelo Ministério da

Saúde. As inspeções foram realizadas entre fevereiro de 2013 e março de 2014, cada uma

gerando um Relatório de Auditoria.

Na Constituição Federal (CF) de 1988, a saúde ganhou uma seção específica na

qual foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS). A saúde passou a ser definida como

um direito de todos e um dever do Estado, instituindo, assim, o princípio da universalidade

no atendimento à saúde, ou seja, que todos os cidadãos tenham o direito de serem

atendidos.

Para cumprir esse princípio constitucional, foi facultado aos gestores do SUS

utilizar serviços de saúde que não pertencessem ao Estado. Em seu art. 199, parágrafo 1º, a

CF define que “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do

Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou

convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.

Nesse contexto, entende-se por participação complementar em saúde toda a

forma de contratos, convênios ou outros ajustes, formalizados ou não, de um ente público

com a iniciativa privada (com ou sem fins lucrativos) para a prestação de serviços de saúde

à população.

As regulamentações do Sistema, principalmente a Lei Federal nº 8.080, de 19

de setembro de 1990, trouxeram avanços significativos para a regulação da participação

privada no SUS. Essa participação deve ocorrer somente após esgotada a capacidade de

toda a rede pública de saúde, federal, estadual e municipal. No artigo 18, inciso X, da Lei

Federal n° 8.080/90, está prevista a competência do Município para celebrar contratos e

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convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde bem como controlar e

avaliar sua execução.

Com a finalidade de estabelecer as relações entre os municípios e destes com

os estados referentes ao atendimento da população foi criado um instrumento denominado

Programação Pactuada e Integrada (PPI). A PPI juntamente com o processo de

planejamento, define e quantifica as ações de saúde para população residente em cada

território, bem como efetua os pactos entre os gestores para garantia de acesso da

população aos serviços de saúde. Tem por objetivo organizar a rede de serviços, dando

transparência aos fluxos estabelecidos e definir, a partir de critérios e parâmetros

pactuados, os limites financeiros destinados à assistência da população própria e das

referências recebidas de outros municípios. A PPI estabelece, também, as necessidades de

quais, em que quantidades, com qual qualidade, os serviços de saúde complementares

serão objeto de contrato com a iniciativa privada. (BRASIL, 2006)

Neste contexto, os contratos de prestação de serviços devem ser entendidos

como instrumentos de gestão, pois permitem a regulação e avaliação dos resultados na

prestação de serviços, o que pode resultar em melhoria da qualidade da assistência

prestada. Assim, as compras de serviços devem ser fruto de planejamento conjunto entre os

três gestores (União, Estados e Municípios), com a avaliação das necessidades da

população e da disponibilidade dos recursos financeiros. (BRASIL, 2006)

Embora exista a exigência de contratos e convênios pela normativa legal

vigente, historicamente, existia a figura do "credenciamento" criado à época do Instituto

Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS) para complementar a

capacidade da rede pública de serviços de saúde. Neste, os próprios prestadores privados

procuravam o sistema público de saúde levando sua documentação, e se “credenciavam”

para executar determinado serviço. Não havia um diagnóstico da demanda de saúde da

população. Além disso, tal figura não trazia claramente o objeto que a ser comprado, seus

valores ou formas de pagamento.

Somado ao fato histórico do credenciamento, as responsabilidades dos

municípios também foram se modificando ao longo do processo de construção do Sistema

Único de Saúde – SUS. Com a Norma Operacional Básica (NOB) 01/96, ficaram definidas

duas condições de gestão para os municípios: Gestão Plena da Atenção Básica ou Gestão

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Plena do Sistema Municipal. Os municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção

Básica não tinham a responsabilidade de elaborar contratos com os prestadores, esta cabia

ao estado. Apenas a partir da Resolução nº 4, da Comissão Intergestores Tripartite (2012),

passou a ser atribuição de todos os municípios elaborar contratos com os prestadores.

Ainda assim, a Secretaria de Estado do Rio de Janeiro mitigou tal prazo para dezembro de

2013.

Ainda hoje, muitos gestores continuam a utilizar a figura do “credenciamento”

para a complementação de serviços de saúde, de maneira não planejada, comprando o que

o prestador oferece, em detrimento dos serviços necessários para atender a sua população.

Paralelamente, ainda há gestores que não assumiram a responsabilidade pela elaboração de

contratos com seus prestadores. A formalização dos serviços prestados ao SUS ainda é

bastante precária, apesar de constar desde a Constituição Federal de 1988 que as

instituições privadas só podem participar de forma complementar do Sistema Único de

Saúde mediante contrato de direito público ou convênio. Segundo Matos & Pompeu

(2003), ainda não foi consolidada uma prática de contratação de serviços de saúde pelos

gestores públicos no Brasil.

Em 2007, o Ministério da Saúde elaborou orientações aos gestores a fim de

induzir o processo de contratação dos prestadores nos estados e municípios. No Manual de

Orientações para Contratação de Serviços no Sistema Único de Saúde do Ministério da

Saúde (BRASIL, 2007) menciona-se que, do total de 44.194 estabelecimentos de saúde

cadastrados à época no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde – CNES, 89%

prestavam algum serviço ao Sistema Único de Saúde – SUS. Entretanto, havia um

contingente de 87,6% destes sem contrato com o setor público e, os que o fizeram, na

maioria das vezes, não atualizaram essas relações de acordo com as necessidades de oferta,

ocorrendo o que se poderia chamar de recontratação daqueles prestadores que já vinham

participando da rede complementar e cujos contratos já estavam sem validade e sendo

pagos por indenização.

Não se conhecem estudos posteriores sobre o tal assunto. Ademais, a partir das

auditorias realizadas por esta Corte, havia indícios de que esta situação ainda fosse

realidade para grande parte dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Assim, foi

necessário traçar um panorama de como os Municípios jurisdicionados do TCE-RJ

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utilizavam da participação complementar em saúde e, nos que se valeram deste recurso,

verificar se estava sendo utilizada a forma preconizada pela legislação do SUS.

Este trabalho foi publicado como Comunicação Oral no 11° Congresso Brasileiro

de Saúde Coletiva da Abrasco.

OBJETIVO GERAL

O trabalho teve como objetivo verificar se a contratação de serviços de saúde

está sendo realizada segundo modelo proposto pelo Ministério da Saúde e legislação

vigente nos Municípios jurisdicionados do TCE-RJ.

METODOLOGIA APLICADA

O presente trabalho baseou-se na metodologia já utilizada pelo Tribunal de

Contas do Estado do Rio de Janeiro quando da realização de auditorias para “Tema de

Maior Significância (TMS)”.

Os estudos realizados permitiram a identificação de pontos críticos ao bom

funcionamento da complementação de serviços de saúde do SUS no âmbito municipal, os

quais foram convertidos nas questões de auditoria que nortearam o planejamento das

inspeções.

Foram selecionados três componentes de análise relacionados às questões de

auditoria, conforme quadro abaixo:

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Tabela 1: Questões de Auditoria e Fontes de Critérios

QUESTÃO DE AUDITORIA FONTES DE CRITÉRIO

Planejamento em Saúde

O Município realiza as etapas

propostas pelo Ministério da Saúde à

identificação da necessidade de

complementação de Serviços no

Sistema Único de Saúde?

Constituição da República Federativa do

Brasil, 1988;

Lei Federal n° 8.080, de 19.09.1990;

Decreto n° 7.508, de 28.06.2011;

Portaria MS/SAS n° 1.034, de

05.05.2010;

Manual de Orientações para Contratação

de Serviços no Sistema Único de Saúde,

2007.

Complementação dos serviços de

saúde do SUS com prestadores

privados

A formalização da complementação

dos serviços de saúde com

prestadores privados (lucrativos ou

não) atende ao proposto pelo

Ministério da Saúde e pela legislação

vigente?

Lei Federal n° 8.080, de 19.09.1990;

Manual de Orientações para Contratação

de Serviços no Sistema Único de Saúde,

2007;

Portaria MS/SAS n° 1.034, de

05.05.2010;

Lei Federal n° 8.666, de 21.06.1993.

Controle e Avaliação

Existe estrutura definida de controle

e avaliação no município para

acompanhar possíveis contratações

de serviços de saúde?

Lei Federal n° 8.080, de 19.09.1990;

Portaria MS/SAS n° 423, de 19.07.2002;

Portaria MS/GM n° 399, de 22.02.2006;

Portaria MS/GM n° 1.559, de

01.08.2008.

Os procedimentos de auditoria abrangeram a análise documental visando

determinar a conformidade da organização e funcionamento da Secretaria Municipal de

Saúde com as regras legais e padrões normativos mínimos que regem a matéria.

As técnicas de auditoria compreenderam, conforme o caso, observação direta,

análise do Sistema de CNES, exame da documentação original, conferência de

instrumentos de ajuste realizados com prestadores privados, questionário, entrevista,

exame de registros auxiliares e correlação das informações obtidas.

A seguir, serão apresentados os resultados das inspeções realizadas entre

fevereiro de 2013 e março de 2014.

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RESULTADOS

As auditorias realizadas abrangeram todos os 91 municípios jurisdicionados do

TCE-RJ, o que possibilitou elaborar o perfil do Estado em relação à situação da

participação complementar do SUS, com exceção do município do Rio de Janeiro. As

visitas permitiram observar de perto questões relacionadas à gestão do SUS e fatores que

influenciaram os problemas identificados. Os dados levantados também podem ser

utilizados para aprimorar as políticas adotadas na execução das ações e serviços públicos

de saúde.

Perfil dos jurisdicionados

Entre os dados levantados, destacam-se as informações consideradas mais

relevantes para traçar o perfil dos municípios:

Tabela 2: Dados gerais dos municípios

População dos municípios (IBGE, 2010) 9.669.483 hab.

Municípios que utilizam de serviços de saúde privados para

complementar sua rede

89

Municípios com participação complementar formalizada por meio de

instrumentos próprios

24

Municípios que possuem serviços de controle e avaliação,

formalizados ou não

75

A população atingida pelas ações de auditoria refere-se à maioria do Estado,

excetuando-se apenas o município do Rio de Janeiro. Entre os 91 municípios analisados,

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98% utilizam serviços de saúde privados para complementar sua rede pública de saúde, o

que indica a importância da abordagem deste tema em uma auditoria com tamanha

abrangência. Do total de municípios que utilizam este recurso, apenas 27% formalizam por

meio de instrumentos próprios (contrato, convênio, contrato de gestão, termo de parceria

ou outros), o que corrobora a necessidade de realizar ações para orientação quanto aos

procedimentos que devem ser adotados pela Administração Pública com a finalidade de

formalização dessas relações.

Outro dado relevante foi em relação ao serviço de Controle e Avaliação,

importante componente da gestão municipal do SUS que tem como uma de suas principais

finalidades o acompanhamento dos contratos firmados com os prestadores privados, do

qual cerca de 81% dos municípios possuem tal setor em funcionamento, estando ou não

formalizado por meio de ordenamento jurídico.

As demais informações levantadas serão abordadas entre os resultados da

auditoria, relacionando com os achados e situações encontradas.

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Achados de auditoria

Apresenta-se a seguir os dados consolidados dos achados e situações encontradas

como resultado das auditorias realizadas nos 91 municípios1.

Gráfico 1: Frequência dos Achados

94,51100,00 97,80

17,58

58,24

0

20

40

60

80

100

Achado 1 e 2 Achado 3 Achado 4 Achado 5 Achado 6

Pe

rce

ntu

al d

e m

un

icíp

ios

Achado 1 Os mecanismos de identificação da relação entre demanda das necessidades de saúde

e oferta de serviços de saúde não subsidiam a necessidade de complementação de

serviços de saúde no SUS.

Achado 2 Inexistência de mecanismos de identificação da relação entre demanda das

necessidades de saúde e oferta de serviços de saúde, inclusive para subsidiar a

necessidade de complementação de serviços de saúde no SUS

Achado 3 As relações intergestores preconizadas pelo SUS são incipientes e/ou as instituídas não

são cumpridas.

Achado 4 A formalização da complementação dos serviços de saúde com prestadores privados

(lucrativos ou não) não atende ao proposto pelo Ministério da Saúde e pela legislação

vigente.

Achado 5 Não existe estrutura definida de Controle e Avaliação no município para acompanhar

possíveis contratações de serviços de saúde.

Achado 6 A estrutura de Controle e Avaliação no município para acompanhar possíveis

contratações de serviços de saúde não atende ao estabelecido pela normatização.

OBS: O achado 2 foi encontrado somente no município de Cambuci. Para fins de análise este foi agrupado ao

achado 1

Legenda

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Entre os achados previstos na auditoria, três foram identificados em mais de 94%

dos municípios, dos quais destaca-se “As relações intergestores preconizadas pelo SUS são

incipientes e/ou as instituídas não são cumpridas” presente em 100% dos casos. Isso

demonstra que a maioria dos municípios apresenta problemas em relação ao planejamento em

saúde, às relações entre os gestores e à formalização da relação com o setor privado. Os

achados 4 e 5 relacionam-se à estrutura do serviço de Controle e Avaliação e indicam que

mais de 75% dos municípios possuem algum tipo de deficiência neste setor, dos quais 17,58%

nem estão em funcionamento.

A avaliação das situações encontradas permite entender melhor os fatores que

levam à determinação do achado. A seguir encontram-se essas informações consolidadas.

Tabela 3: Principais situações encontradas referentes aos Achados 1 e 2.

Principais Situações Encontradas % de municípios

Não utilização de diagnósticos existentes da demanda de saúde e da oferta

de serviços de saúde para identificar a necessidade de sua

complementação.

64,84

Deficiência no diagnóstico da demanda de saúde no município. 62,64

Deficiência no diagnóstico da oferta de serviços de saúde no município. 51,65

Não atualização do CNES. 36,26

Ausência de mecanismos que identifiquem a necessidade de

complementação de serviços.

28,57

Não realização/atualização da programação físico-orçamentária das

unidades.

20,88

Ausência de diagnóstico da demanda de saúde no município. 18,68

Ausência do diagnóstico da oferta de serviços de saúde no município. 4,40

As situações encontradas referentes ao primeiro achado indicam, principalmente,

problemas na realização do planejamento em saúde, como ausência ou deficiências nos

diagnósticos, tanto das necessidades de saúde, quanto das ofertas de serviços, que deveriam

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ser elaborados nos instrumentos de gestão. E mesmo que tais diagnósticos estejam presentes,

a maioria não utiliza essas informações para identificar a necessidade de complementação dos

serviços de saúde.

Vale destacar também, que quase 30% dos auditados não possuem mecanismos

para identificação dessa necessidade de complementação, ou seja, não utiliza nenhum

mecanismo para levantamento dos serviços indisponíveis na rede pública e que necessitam ser

complementados.

A auditoria realizada também buscou informações sobre ferramentas específicas

como a programação físico-orçamentária das unidades. Os dados apontaram que uma parte

significativa dos municípios não a utiliza como um instrumento de planejamento das unidades

de saúde.

Outro dado relevante identificado é que uma parcela importante não mantém

atualizado o Sistema Nacional de Estabelecimentos de Saúde, sistema informatizado do

Ministério da Saúde que permite acompanhar atualizações referentes aos estabelecimentos de

saúde localizados nos municípios.

Tabela 4: Principais situações encontradas referentes ao achado 3

Principais Situações Encontradas % de

municípios

Inexistência do Termo de Garantia de Acesso. 100,00

Ausência de efetivação de algumas pactuações estabelecidas. 96,70

Utilização de mecanismos de pactuações concorrentes com os

preconizados pelo SUS. 28,57

Não atendimento às relações estabelecidas na PPI pelo município auditado. 25,27

Existência de estabelecimento de saúde sob gerência de outra esfera

(estadual) instalado no município sem formalização por Termo de

Cooperação entre Entes Públicos. 15,38

Desconhecimento do pactuado na PPI. 8,79

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Diante dos dados apresentados, vale observar que as pactuações estabelecidas na

Programação Pactuada e Integrada não estão sendo operacionalizadas de forma eficiente, pois

a maioria das situações aponta para a ausência de efetivação e atendimento das relações

estabelecidas na PPI. Isso é reforçado ainda pela existência de mecanismos concorrentes de

pactuação em 26 municípios, indicando que estes podem estar utilizando de outros meios para

conseguir acesso aos serviços não atendidos.

Essa constatação pode estar relacionada ao fato de que as pactuações não foram

formalizadas por meio do Termo de Garantia de Acesso, documento previsto na legislação e

que não foi encontrado em nenhum município.

Outro fato importante relacionado com as relações intergestores é a ausência de

formalização por meio do Termo de Cooperação entre Entes Públicos que deveria ser firmado

entre o Estado e os municípios sempre que houver unidade de saúde sob gerência de um e no

território do outro, observado em 14 municípios auditados.

Tabela 5: Principais situações encontradas referentes ao achado 4.

Principais Situações Encontradas % de municípios

O Plano Municipal de Saúde vigente ou suas revisões não contemplam a

necessidade de complementação de serviços de saúde.

91,21

Ausência de aprovação no Conselho Municipal de Saúde da necessidade

de complementação dos serviços de saúde com prestadores privados.

82,42

Participação complementar de serviços de saúde com prestadores

privados não formalizada por meio de instrumento próprio (contrato,

convênio, contrato de gestão, termo de parceria ou outros).

71,43

Ausência de justificativa formal na contratação dos serviços de saúde

e/ou na quantidade de procedimentos a serem contratados.

52,75

Prestadores privados sem inscrição no CNES. 31,87

Nesse contexto, foi comum encontrar compras de serviços de saúde que não

respeitavam as etapas necessárias ao planejamento da necessidade de complementar a rede

assistencial pública e à formalização dessa prestação de serviços com a iniciativa privada.

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Assim, a necessidade de complementação dos serviços de saúde não estava presente em cerca

de 91% dos Planos Municipais de Saúde, não sendo aprovada pelos Conselhos Municipais de

Saúde de 75 municípios.

Como resultado, as contratações foram feitas sem planejamento, sendo que em

mais da metade dos municípios não foram encontrados registros que demonstrassem a

necessidade dos serviços a serem contratados e o quantitativo a ser adquirido.

Merece destaque o elevado percentual de municípios com participações

complementares sem o devido instrumento de formalização, apesar de constar desde a

Constituição Federal de 1988 que as instituições privadas só podem participar de forma

complementar do Sistema Único de Saúde mediante contrato de direito público ou convênio.

Além disso, apesar da legislação exigir que as instituições privadas de assistência

à saúde contratadas ou conveniadas mantenham registro atualizado no Cadastro Nacional de

Estabelecimentos de Saúde – CNES, em 29 municípios foram constatados prestadores sem

inscrição nesse Cadastro.

Tabela 5: Situações encontradas referente aos achados 5 e 6.

Situações Encontradas % de municípios

Inexistência/deficiência na estrutura administrativa para a execução do

serviço de Controle e Avaliação.

39,56

Inexistência/insuficência de recursos humanos capacitados para

desenvolver as ações do serviço de Controle e Avaliação.

35,16

Inexistência/deficiência na estrutura física do serviço de Controle e

Avaliação.

29,67

Inexistência/insuficiência de equipamentos para o desenvolvimento das

ações do serviço de Controle e Avaliação.

27,47

Inexistência de ordenamento jurídico formalizando o serviço de

Controle e Avaliação.

23,08

Inexistência do serviço de Controle e Avaliação. 18,68

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Cabe registrar a inexistência do serviço de Controle e Avaliação em 17

municípios, setor fundamental no planejamento e gestão do sistema de saúde, principalmente

no acompanhamento das contratações de serviços de saúde.

Embora 75 municípios tenham o serviço implantando, em 21 o serviço não está

formalizado. Apesar de implantados apenas 22 possuem estrutura adequada, muitos não

possuem estrutura administrativa, estrutura física, recursos humanos e equipamentos

necessários ao desenvolvimento das ações de controle e avaliação.

CONCLUSÃO

Conclui-se diante dos resultados analisados que a alta frequência dos achados nos

3 componentes analisados, indicam fragilidades gerais no processo de contratação de serviços

de saúde, relacionadas ao processo de gestão municipal do Sistema Único de Saúde.

Com base nos dados apresentados, foram sugeridas a adoção de medidas com a

finalidade de aprimorar o planejamento em saúde, municipal e regional, com vistas a

subsidiar a complementação de serviços de saúde no SUS; rever as pactuações intergestores,

melhorando o acesso aos serviços de saúde pactuados; adequar a formalização da

complementação de serviços de saúde com prestadores privados ao proposto pelo Ministério

da Saúde e pela legislação vigente e estruturar o serviço de Controle e Avaliação.

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BIBLIOGRAFIA

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______. Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.

______. Ministério da Saúde. Portaria n° 399, de 22 de fevereiro de 2006.

______. Ministério da Saúde. Manual de Orientações para Contratação de Serviços no

Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.

COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE. Resolução n° 4, de 19 de julho de 2012.

MATOS, C. A.; POMPEU, J. C. Onde estão os contratos? Análise da Relação entre os

prestadores de serviços privados e o SUS. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro,

v. 8, n. 2, p. 621-628, 2003.