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Distribuição espacial e temporal de aves aquáticas em uma área verde urbana no centro-oeste de Minas Gerais Gabriele Andreia da Silva¹ , ³, Márcio Cleib Pereira² & Débora Nogueira Campos Lobato² Introdução As áreas úmidas representam a transi- ção entre os sistemas terrestres e aquáti- cos (Accordi 2010) e, de acordo com a Convenção de Ramsar (2013), podem ser definidas como “pântano, charco, turfa, superfícies cobertas de água, de regi- me natural ou artificial, permanentes ou temporários, contendo água parada ou corrente, doce, salobra ou salgada, in- cluindo extensões de água marinha cuja profundidade da maré baixa não exceda seis metros”. Esses ambientes são mundialmente re- conhecidos por sua importância ecológi- ca (Accordi 2010) uma vez que propor- cionam vários serviços ecossistêmicos, como estocagem de água, recarga do lençol freático, regulagem do clima local, manutenção da biodiversidade, além de servir como habitat para inúmeras espécies (Piedade et al. 2012). No entanto, ape- sar de sua importância, essas áreas vêm correndo sérios riscos devido à crescente superexploração e demanda por água (Ra- msar 2013). Com o avanço acelerado da urbanização e a degradação do meio natural, tem aumentado o número de estudos sobre a di- versidade de aves em ambientes urbanos (Scherer et al. 2006, Cruz & Piratelli 2011, Sacco et al. 2015), dado que o estabele- cimento dessas áreas pode levar a perdas da heterogeneidade ambiental e à redução da diversidade biológica (Melles et al. 2003). Assim, algumas alterações antrópicas relacionadas à ur- banização, como desmatamento, poluição, alterações no fluxo de água, assoreamento (Rodrigues & Michelin 2005) e profun- didade dos ecossistemas aquáticos podem afetar a dinâmica e a diversidade de espécies (Isola et al. 2000, Colwell & Taft 2000, Erwin 2002). Como as áreas úmidas apresentam um padrão espacial em for- ma de mosaico, as aves associadas a estes ambientes raramente encontram-se distribuídas de maneira uniforme, e sua riqueza e abundância são comumente associadas às características locais (Branco 2007, Accordi & Hartz 2013). Alguns fatores como a composição biótica e abiótica estão relacionados com a estrutu- ração de suas comunidades (Pimenta et al. 2007), já que a qua- lidade do habitat é um dos fatores que pode influenciar em sua seleção (Wiens 1994, Guadagnin et al. 2005). Estudos sobre a avifauna aquática representam uma importan- te ferramenta para subsidiar a previsão e mitigação dos efeitos das alterações ambientais, bem como identificar áreas priori- tárias para conservação (Furness & Greenwood 1993, Fränzle 2003), pois possibilita a formulação de modelos de populações mínimas viáveis e fornece informações sobre a qualidade do ha- bitat (Rodrigues & Michelin 2005). Deste modo, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a riqueza e a distribuição espacial e temporal da comunidade de aves aquáticas no entorno do Parque do Gafanhoto, um fragmento de área verde urbana do município de Divinópolis, Minas Gerais. Material e métodos Área de estudo O município de Divinópolis está localizado na região centro- -oeste do estado de Minas Gerais e possui aproximadamente 213.016 habitantes (IBGE 2010). O clima da região é caracte- rizado por invernos secos e verões chuvosos, com precipitação média anual de 1.100 a 1.700 mm. A cidade possui seis áreas verdes dentro do perímetro urbano, denominadas Mata no Noé, Figura 1. Localização do Parque do Gafanhoto (círculo vermelho) e as principais áreas verdes dentro do perímetro urbano do município de Divinópolis, Minas Gerais. Destacam-se o rio Itapecerica (em azul), que corta o município, e o rio Pará (em cinza escuro), onde as aves aquáticas foram observadas. Atualidades Ornitológicas, 200, novembro e dezembro de 2017 8

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Distribuição espacial e temporal de aves aquáticas em uma área verde urbana no centro-oeste de Minas Gerais

Gabriele Andreia da Silva¹,³, Márcio Cleib Pereira² &

Débora Nogueira Campos Lobato²

IntroduçãoAs áreas úmidas representam a transi-

ção entre os sistemas terrestres e aquáti-cos (Accordi 2010) e, de acordo com a Convenção de Ramsar (2013), podem ser definidas como “pântano, charco, turfa, superfícies cobertas de água, de regi-me natural ou artificial, permanentes ou temporários, contendo água parada ou corrente, doce, salobra ou salgada, in-cluindo extensões de água marinha cuja profundidade da maré baixa não exceda seis metros”.

Esses ambientes são mundialmente re-conhecidos por sua importância ecológi-ca (Accordi 2010) uma vez que propor-cionam vários serviços ecossistêmicos, como estocagem de água, recarga do lençol freático, regulagem do clima local, manutenção da biodiversidade, além de servir como habitat para inúmeras espécies (Piedade et al. 2012). No entanto, ape-sar de sua importância, essas áreas vêm correndo sérios riscos devido à crescente superexploração e demanda por água (Ra-msar 2013).

Com o avanço acelerado da urbanização e a degradação do meio natural, tem aumentado o número de estudos sobre a di-versidade de aves em ambientes urbanos (Scherer et al. 2006, Cruz & Piratelli 2011, Sacco et al. 2015), dado que o estabele-cimento dessas áreas pode levar a perdas da heterogeneidade ambiental e à redução da diversidade biológica (Melles et al. 2003). Assim, algumas alterações antrópicas relacionadas à ur-banização, como desmatamento, poluição, alterações no fluxo de água, assoreamento (Rodrigues & Michelin 2005) e profun-didade dos ecossistemas aquáticos podem afetar a dinâmica e a diversidade de espécies (Isola et al. 2000, Colwell & Taft 2000, Erwin 2002).

Como as áreas úmidas apresentam um padrão espacial em for-ma de mosaico, as aves associadas a estes ambientes raramente encontram-se distribuídas de maneira uniforme, e sua riqueza e abundância são comumente associadas às características locais (Branco 2007, Accordi & Hartz 2013). Alguns fatores como a composição biótica e abiótica estão relacionados com a estrutu-

ração de suas comunidades (Pimenta et al. 2007), já que a qua-lidade do habitat é um dos fatores que pode influenciar em sua seleção (Wiens 1994, Guadagnin et al. 2005).

Estudos sobre a avifauna aquática representam uma importan-te ferramenta para subsidiar a previsão e mitigação dos efeitos das alterações ambientais, bem como identificar áreas priori-tárias para conservação (Furness & Greenwood 1993, Fränzle 2003), pois possibilita a formulação de modelos de populações mínimas viáveis e fornece informações sobre a qualidade do ha-bitat (Rodrigues & Michelin 2005). Deste modo, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a riqueza e a distribuição espacial e temporal da comunidade de aves aquáticas no entorno do Parque do Gafanhoto, um fragmento de área verde urbana do município de Divinópolis, Minas Gerais.

Material e métodosÁrea de estudo

O município de Divinópolis está localizado na região centro--oeste do estado de Minas Gerais e possui aproximadamente 213.016 habitantes (IBGE 2010). O clima da região é caracte-rizado por invernos secos e verões chuvosos, com precipitação média anual de 1.100 a 1.700 mm. A cidade possui seis áreas verdes dentro do perímetro urbano, denominadas Mata no Noé,

Figura 1. Localização do Parque do Gafanhoto (círculo vermelho) e as principais áreas verdes dentro do perímetro urbano do município de Divinópolis, Minas Gerais.

Destacam-se o rio Itapecerica (em azul), que corta o município, e o rio Pará (em cinza escuro), onde as aves aquáticas foram observadas.

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Parque da Ilha, Lagoa do Sidil, Morro das Antenas, Mata dos Vilelas e Parque do Ga-fanhoto (Figura 1) (Divinópolis 2013).

O presente estudo foi desenvolvi-do no entorno do Parque do Gafanhoto (20°06’34”S, 44°50’47”W), localizado às margens da rodovia MG 050 e do rio Pará, curso principal de uma das bacias hidrográficas mais importantes do sistema do rio São Francisco a montante da repre-sa de Três Marias (Santos et al. 2012). O parque possui cerca de 19,2 ha e sua área de amortecimento sofre influência dire-ta de diversas atividades antrópicas, das quais destacamos as plantações de euca-lipto, pastagens com presença de bovinos e bubalinos, distrito industrial, áreas recre-ativas e de lazer e uma rodovia que liga o município à capital mineira.

As amostragens ocorreram em três pon-tos distintos: o primeiro ponto (Rio) é um trecho do rio Pará, com área de 24.136 m², represado pela Usina Hidrelétrica (UHE) do Gafanhoto (Figura 2A). Nesse local, a lâmina d’água estava completa-mente coberta por uma espécie de ma-crófita aquática (Eichhornia crassipes). O segundo ponto de amostragem (Bre-jo) é uma área úmida permanentemente alagada de 26.136 m² (Figura 2B), que apresentava uma grande diversidade de macrófitas aquáticas, dentre elas Salvi-nia auriculata Aubl., Typha domingensis Pers., Nymphaea caerulea Savigny, Eich-hornia crassipes (Mart.) Solms, Polygo-num hydropiperoides Michx., Polygonum lapathifolium (s.l.), Begonia cucullata Will, Cyperus esculentus L., Ludwigia tomentosa (Cambess.) H. Hara, Ludwigia octovalvis (Jacq.) P.H.Raven e Pontede-ria cordata L. (Ana Angélica Barros com. pess.). O terceiro ponto (Lagoa) está situ-ado a 600 m acima dos locais citados an-teriormente (Figura 2C) e constitui uma lagoa artificial com uma área de 9.343 m² onde dominam macrófitas aquáticas das espécies T. dominguensis e S. auriculata, apresentando uma margem destituída de mata ciliar.

Delineamento amostralA avifauna foi amostrada entre novem-

bro de 2014 e outubro de 2015, totali-zando 80 dias de amostragem e 240 h de observação. Em cada um dos três pontos de amostragem, as aves foram observadas das 07:00 h às 10:00 h, com uma hora de observação em cada ponto.

Foram contabilizados todos os espé-cimes vistos e ouvidos, sendo anotadas

Figura 2. Pontos amostrais no entorno do Parque do Gafanhoto, Divinópolis, Minas Gerais. (A) Rio Pará, presença de Eichhornia crassipes recobrindo a lâmina

d’água (Foto: Fonseca 2015); (B) Brejo, presença de E. crassipes e outras espécies de macrófitas aquáticas recobrindo a lâmina d’água (Foto: Cleib 2015) e (C) Lagoa, presença de Salvinia auriculata recobrindo a lâmina d’água (Foto: Fonseca 2015).

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as espécies e a quantidade de indivíduos. As espécies observadas fora do período de amos-tragem e/ou em locais próximos aos pontos de observação foram anotadas e contabilizadas como registros adicionais. Para a observação e contagem dos táxons, foram utilizados binóculos e máquinas fotográficas, e para a identificação, consultas a guias de campo (Sick 1997, Gwyn-ne et al. 2010, Sigrist 2013). As espécies foram agrupadas em guildas alimentares com o auxílio de bibliografias (Petry & Scherer 2008, Scherer et al. 2010, Souza et al. 2014) e observações em campo. A nomenclatura e a ordenação taxonô-mica seguiu Piacentini et al. (2015) e o grau de ameaça das espécies a Deliberação Normativa do COPAM 147/2010.

Os dados climatológicos de pluviosidade mensal foram obtidos através do Banco de Dados Meteo-rológicos para Ensino e Pesquisa (BDMEP) do Ins-tituto Nacional de Meteorologia (Inmet 2016). O agrupamento por estação seca e chuvosa seguiu o critério utilizado por Rubim (2013), baseado no índice pluviométrico mensal, sendo a esta-ção chuvosa e quente (verão) de outubro a abril (precipitação > 100 mm) e a estação seca e fria (inverno) de maio a setembro (precipitação < 60 mm). A suficiência da amostragem foi deter-minada através da curva de acumulação de espécies a partir do estimador Jackknife de primeira ordem utilizando o programa EstimateS ® versão 9.1.0.

ResultadosForam registradas 30 espécies de aves aquáticas no entorno

do Parque do Gafanhoto durante o período de novembro de 2014 a outubro de 2015, sendo oito registros contabilizados como adicionais (Tabela 1). A família mais representativa foi Ardeidae com oito espécies (26,67%), seguida por Rallidae com cinco (16,67%) e Anatidae com quatro (13,33%). Verifi-cou-se que a curva de acumulação apresentou um aumento da riqueza de espécies até aproximadamente o 20º dia de coleta e depois estabilizou, indicando adequada suficiência amostral (Figura 3).

As espécies mais abundantes foram Jacana jacana, Amazo-netta brasiliensis e Gallinula galeata, e as menos abundantes foram Pardirallus nigricans, Aramides cajaneus e Mesem-brinibis cayennensis. Nos meses de fevereiro e março foi possível observar filhotes de A. brasiliensis, G. galeata e J. jacana na Lagoa e no Brejo. Durante todos os meses (exceto dezembro de 2014) houve a presença de juvenis de J. jacana nas áreas.

Destacamos o registro de Tringa solitaria, um migrante bo-real, observado de novembro de 2014 a abril de 2015 e outubro de 2015. Essa espécie foi frequentemente observada no Brejo, com raros registros nos outros pontos. Outra espécie migratória também registrada foi um indivíduo jovem de Charadrius semi-palmatus forrageando sobre as macrófitas aquáticas na Lagoa em novembro de 2014. Além disso, foram registradas duas espé-cies de aves ameaçadas de extinção no estado de Minas Gerais, Mycteria americana e Platalea ajaja.

Em relação às guildas alimentares, 73,33% das espécies fo-ram consideradas onívoras, 20% piscívoras e 6,67% insetívoras. As aves apresentaram maior abundância durante a estação seca,

Figura 3. Curva de acumulação de espécies das aves aquáticas observadas no entorno do Parque do Gafanhoto, Divinópolis,

Minas Gerais, durante o período de novembro/2014 a outubro/2015.

com o mês de maio exibindo maior quantidade de indivíduos (Figura 4A). Analisando separadamente cada ponto, a maior abundância de indivíduos na Lagoa ocorreu durante o período chuvoso (Figura 4B).

O Brejo e a Lagoa apresentaram maior riqueza de espécies, 20 e 17 espécies, respectivamente. Na região brejosa foi observada a maioria dos registros adicionais efetuados, com cinco das oito espécies registradas, sendo elas Dendrocygna autumnallis, M. americana, Anhinga anhinga, Himantopus melanurus, P. ajaja e Tringa flavipes.

DiscussãoEmbora o entorno do Parque do Gafanhoto seja uma área

antropizada, a riqueza de espécies observadas nesse estudo foi expressiva quando comparada a outros trabalhos com comuni-dades de aves aquáticas em áreas urbanas no sudeste brasileiro (Rodrigues & Michelin 2005, Rubim 2013, Lemos et al. 2013, Ribeiro & Ferreira 2014).

Algumas características como a variação vegetacional (Pi-menta et al. 2007), a heterogeneidade temporal de habitat, a configuração da paisagem (Rubim 2013), o esforço amostral, e o número de habitat acessados (Branco 2007), podem influenciar os padrões de riqueza das aves aquáticas observadas. A presença de remanescentes florestais, áreas alagadiças, macrófitas aquáti-cas distintas, alguns bancos de areia formando pequenas praias e pequenas lagoas artificiais, faz com que essa heterogeneidade ambiental presente na área de estudo propicie uma diversidade estrutural de habitat que pode oferecer alimento, esconderijo e sítios de nidificação para diferentes espécies.

Os jaçanãs apresentam uma grande plasticidade ecológica, podendo permanecer nos mesmos locais após várias altera-ções, como desmatamento, fragmentação do habitat (Nunes & Piratelli 2005). Isso pode ajudar a explicar sua presença duran-te todos os meses e a grande abundância em alguns dos pontos amostrais. Além disso, Nannopterum brasilianus apesar de ser uma espécie comum de ambientes aquáticos (Sick 1997), não foi observado em nenhum dos pontos amostrados. O principal fator limitante da ocupação dessa espécie em um dado local é a disponibilidade de recurso alimentar (Pimenta et al. 2007). Como N. brasilianus são nadadores, e geralmente capturam suas presas durante o nado ou quando estão parcialmente imer-

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sos na água (Sick 1997), o alto nível de eutrofização com as macrófitas aquáticas recobrindo toda a lâmina d’água nos lo-cais de estudo, têm demonstrado que a espécie tende a evitar esses locais.

A presença de espécies ameaçadas e migratórias ressalta ain-da mais a importância do parque como um potencial sítio de descanso ou pernoite durante a migração. Mycteria americana e P. ajaja registradas entre 18 a 25 de março de 2015, durante o período chuvoso, encontram-se enquadradas como Vulnerá-veis à extinção no estado de Minas Gerais (Copam 2010), devi-do à diminuição dos números populacionais (Drummond et al. 2008). Carvalho (2013) observou essas espécies em uma cidade próxima à área de estudo (Iguatama/MG) e ressaltou a região como importante ponto habitual de migração.

Quanto aos hábitos alimentares, a onivoria foi o padrão mais representativo (Petry & Scherer 2008, Scherer et al. 2010, Souza et al. 2014, Ribeiro & Ferreira 2014). Esta alta frequência da guilda dos onívoros, é frequentemente relatada como um efeito tampão contra flutuações na disponibilidade de alimento, fazen-do com que hábitos alimentares especialistas sejam desfavorá-veis (Scherer et al. 2010, Souza et al. 2014), podendo ser utiliza-do como um grande indicativo de perturbações na comunidade (Petry & Scherer 2008).

A maior abundância de indivíduos registrados durante o pe-ríodo de seca, também foi observado em outros estudos (Ro-drigues & Michelin 2005, Souza et al. 2014). Além da maior abundância das espécies no período de seca, Tavares & Sici-liano (2013), também observaram maior riqueza de espécies durante o mesmo período, ressaltando que nessa época existe maior acessibilidade ao alimento, favorecendo o aumento do número de espécies. Entretanto, Rubim (2013) não evidenciou nenhuma diferença sazonal quanto à riqueza e abundância de espécies.

Jacana jacana ocorreu em maior número de indivíduos duran-te a estação seca, provavelmente por corresponder ao período de repouso reprodutivo da espécie (março a agosto), quando mos-traram-se gregários e convivendo em bandos (Nunes & Piratelli 2005). Amazonetta brasiliensis também foi abundante durante o mesmo período (Rubim 2013). Durante a estação seca, plantas e sementes que servem de alimento para A. brasiliensis estão mais acessíveis, devido à predominância de lâminas d’água com baixa profundidade (Tavares & Siciliano 2014). Apesar de D.

viduata pertencer à mesma família de A. brasiliensis, a espécie apresentou maior abundância durante a estação chuvosa. Nunes & Tomas (2008) pontuam que D. viduata é uma espécie migra-tória que reduz sua abundância ou desaparece completamente no período de seca, e retornam em números expressivos durante o período chuvoso. Além disso, a maior abundância de G. galeata durante a estação chuvosa coincide com a estação reprodutiva da espécie, contribuindo para o aumento do número de indivíduos na área de estudo (Telino-Júnior et al. 2003).

A baixa riqueza de espécies encontrada no Rio provavelmente pode ser explicada pelo predomínio de uma espécie de macró-fita aquática (E. crassipes) que recobria toda a lâmina d’água. Isto pode estar limitando tanto o acesso aos recursos quanto a variabilidade de espécies que se adaptam a esse tipo de ambien-te. Além do mais, como o trecho do Rio trata-se de um local represado pela UHE do Gafanhoto, a oxigenação e a qualidade da água pode estar diminuindo, o que pode afetar toda a cadeia trófica.

A baixa profundidade do curso d’água adequada para alimen-tação de diferentes espécies pode estar relacionada com a maior diversidade de espécies encontrada no Brejo e na Lagoa. Nesses locais o acesso às presas e áreas de pouso e descanso ficam mais acessíveis, principalmente, para captura de presas bentônicas, plantas e sementes que servem de alimento às aves aquáticas (Tavares & Siciliano 2013). Assim, habitat considerados es-truturalmente mais complexos podem oferecer uma quantida-de maior de micro-habitat, quando comparados a habitat mais simples, sustentando assim uma quantidade maior de espécies (Pianka 2000).

ConclusãoEste estudo demonstra a importância do Parque do Gafanhoto

no município de Divinópolis (MG) como um importante local de refúgio da vida silvestre, abrigando diversas espécies de aves aquáticas, até mesmo migratórias e ameaçadas de extinção. No entanto, a importância da conectividade do parque com os outros fragmentos de área verde dentro do perímetro urbano pode ser demonstrada em estudos futuros que evidenciem o fluxo de es-pécies entre essas áreas e a manutenção das funções ecológicas desses ecossistemas. Essas pesquisas poderão subsidiar medidas mitigatórias dos impactos urbanos sobre os recursos hídricos e a biodiversidade associada.

Figura 4. Abundância (linhas) e a precipitação média mensal (barras) durante o período de novembro/2014 a dezembro/2015 no entorno do Parque do Gafanhoto, Divinópolis, Minas Gerais. (A) Abundância das espécies de aves aquáticas nos três pontos amostrados (Rio, Brejo e Lagoa). (B) Abundância das espécies de aves que foram observados na Lagoa.

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AgradecimentosSomos gratos a Santos D’Angelo (Unimontes), Bianca

Vieira (University of Glasgow) e Gislaine Disconzi (CNAA), pela ajuda na identificação e confirmação de duas espécies: Charadrius semipalmatus e Himantopus melanurus. A Ana Angélica Barros (UERJ) pela identificação das plantas aquá-ticas. A Júlio Sousa pela confecção do mapa. A Filipe Fonse-ca pelas fotografias do Rio e Lagoa. A Daniela Amorim pelo auxílio em campo, leitura e sugestões no manuscrito. A José Acílio, Rone Lasmar, Gabriela Eustáquio e Daniel Almeida pelo apoio em campo durante o desenvolvimento do projeto.

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¹ Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.

² Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG, Divinópolis, Minas Gerais, Brasil.

³ E-mail: [email protected]

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Tabela 1. Espécies de aves aquáticas registradas no entorno do Parque do Gafanhoto em Divinópolis/MG, durante o período de novembro/2014 a outubro/2015, de acordo com a guilda, presença e ausência nos pontos amostrados e grau de ameaça. Legenda: (A, Ausência; P, Presença); (INS, Insetívoro; ONI, Onívoro; PIS, Piscívoro); (LC, Pouco Preocupante; VU, Vulnerá-vel); Asterisco = Registro realizado fora do período de coleta e/ou do ponto de observação.

Família/Espécie Nome popular Guilda Lagoa Brejo Rio Grau de AmeaçaAnatidaeDendrocygna viduata irerê ONI P P P LC*Dendrocygna autumnalis marreca-cabocla ONI P A A LCCairina moschata pato-do-mato ONI A P P LCAmazonetta brasiliensis ananaí ONI P P P LCCiconiidae*Mycteria americana cabeça-seca PIS A P A VUAnhingidae*Anhinga anhinga biguatinga PIS A P A LCArdeidaeTigrisoma lineatum socó-boi ONI P P A LC*Nycticorax nycticorax socó-dorminhoco ONI A A A LCButorides striata socozinho ONI P P P LCBubulcus ibis garça-vaqueira ONI P P P LCArdea cocoi garça-moura ONI P P P LCArdea alba garça-branca ONI P P P LCSyrigma sibilatrix maria-faceira ONI A P A LCEgretta thula garça-branca-pequena ONI P P P LCThreskiornithidaeMesembrinibis cayennensis coró-coró ONI A P A LCPhimosus infuscatus tapicuru-de-cara-pelada ONI P P P LC*Platalea ajaja colhereiro PIS A P A VURallidaeAramides cajaneus saracura-três-potes ONI A P P LCLaterallus melanophaius sanã-parda ONI P P P LCPardirallus nigricans saracura-sanã ONI P A A LCGallinula galeata galinha-d’água ONI P P A LCPorphyrio martinicus frango-d’água-azul ONI P A A LCCharadriidae*Charadrius semipalmatus batuíra-de-bando ONI P A A LCRecurvirostridae*Himantopus melanurus pernilongo-de-costas-brancas INS A P A LCScolopacidaeTringa solitaria maçarico-solitário ONI P P P LC*Tringa flavipes maçarico-de-perna-amarela ONI A P A LCJacanidaeJacana jacana jaçanã ONI P P P LCAlcedinidaeMegaceryle torquata martim-pescador-grande PIS P P P LCChloroceryle amazona martim-pescador-verde PIS P P P LCChloroceryle americana martim-pescador-pequeno PIS A P P LC

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