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[1] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006 PARTICIP ACÇAO Nº 16 | Nov/Dez 2006 | Apoio: 0,5 Euros | Boletim sobre temas do trabalho BLOCO DE ESQUERDA NESTA EDIÇÃO: Lei da Mobilidade, Carreiras da Função Pública, Estatuto da Carreira Docente, Ensino Superior e Política Educativa DESGASTAR O GOVER NO PAULETE MATOS

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[1]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

PARTICIPACÇAONº 16 | Nov/Dez 2006 | Apoio: 0,5 Euros | Boletim sobre temas do trabalho BLOCO DE ESQUERDA

[1]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

NESTA EDIÇÃO:Lei da Mobilidade, Carreiras da Função Pública, Estatuto da Carreira Docente, Ensino Superior e Política Educativa

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DESGASTAR O GOVERNO

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F alar em mobilidade na Administração Pública levará qualquer cidadão ou

cidadã deste país a pensar imediatamente em transferências e em agilizar a colocação de funcionários.

Ora, sabendo nós que existem certamen-te serviços com funcionários em excesso, sabemos também que, numa parte funda-mental deles, existem em número muito in-suficiente, porque são de todos e todas co-nhecidas as dificuldades de funcionamento, por manifesta falta de pessoal, de serviços tão importantes como hospitais e centros de saúde, escolas, fiscalização das florestas, inspecção de trabalho, creches e lares, co-missões de protecção de menores e, tantos, tantos outros... Seria pois positivo que se “movessem” funcionários de um para outro serviço, no sentido de melhor corresponder às suas necessidades servindo, assim, me-lhor aos cidadãos.

O Governo não apostou em medidas

sérias de combate ao desperdício, nem em fazer o retrato real de quantos funcionários existem a mais e em que serviços, promessa que José Sócrates fez no parlamento logo no início do mandato e não cumpriu. E vem agora mentir acerca das suas verdadeiras intenções com a lei - a que eufemisticamen-te chamou de “mobilidade” - aprovada no parlamento no passado dia 20 de Outubro apenas com os votos favoráveis do PS.

O que José Sócrates e o seu Governo se preparam para fazer com esta lei pode ser sintetizado em duas grandes razões:

Em primeiro lugar, o corte na despesa pú-blica, o combate ao défice, a poupança que, segundo o ministro Teixeira dos Santos, será de 955 milhões de euros, à custa da colo-cação de trabalhadores e trabalhadoras em casa com cortes de 5/6 e 4/6 nos salários que recebem normalmente.

Em segundo lugar, desvincular muitos e muitas funcionárias, por força da extinção

ou fusão de muitos organismos públicos, passando para a esfera privada serviços que deveriam ser prestados pelo Estado, aplicando aquilo que são as orientações neo-liberais de” menos Estado melhor Es-tado”. O que de facto vai acontecer é a des-caracterização completa do Estado Social tal como o conhecemos, ou seja, menos Estado, piores serviços.

José Sócrates e o seu governo assumem assim ser o pior dos patrões, concretizando o maior despedimento colectivo jamais feito em Portugal: 100 mil funcionários da Admi-nistração Pública podem ser dispensados, colocados em casa com redução de salário, ou em empresas privadas sem qualquer hipótese de escolha.

Vejamos pois, no concreto, alguns aspec-tos da Lei:

1-Cada serviço ou organismo fará, de acordo com a classificação de serviço que as chefias atribuírem, uma lista de funcioná-

MOBIL IDADE OU DESPEDIMEN TO COLECTIVO?

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rios a dispensar (lista de supranumerários).2-Esses funcionários são colocados numa

bolsa de emprego (aquilo a que chamam de mobilidade especial), passando por várias fases: a) Transição durante 60 dias ganhan-do o mesmo salário; b) Requalificação du-rante 10 meses ganhando 5/6 do salário; c) Compensação por tempo indeterminado ganhando 4/6 do salário.

3-A fase de compensação só cessa quan-do o funcionário:

-Reinicie funções que lhe podem ser ofe-recidas num qualquer outro organismo pú-blico ou privado.

-Se aposente.-Se desvincule voluntariamente.-Sofra pena disciplinar que provoque a

desvinculação.4-Os funcionários nesta situação não po-

dem exercer qualquer actividade profissional, que não a que os serviços lhes oferecerem, senão serão alvo de processo disciplinar.

5-O tempo para a aposentação conta mas, se quiserem que o salário por inteiro também conte, têm os funcionários que pagar os respectivos descontos.

Estes são alguns exemplos desta lei que demonstram que, por esta via, o Governo faz caducar os contratos de trabalho que fez com os funcionários há 20, 30 e mais anos, sem utilizar sequer as regras que aplica aos privados, constantes no pior dos Códigos de Trabalho.

O que se pretende de facto é desmoralizar as pessoas que não vão suportar esta espe-ra, esta inactividade, e levá-los a rescindir os seus contratos sem qualquer indemnização ou direito a subsídio de desemprego, sendo depois substituídos por trabalhadores com vínculos precários (contrato individual de trabalho, contratos a termo, à tarefa ou em outsorsing).

Chamar de “Mobilidade” a uma lei que vai obrigar a que os funcionários rescindam os

seus contractos “por mútuo acordo” é, no mínimo, hipócrita.

Chamar de “Mobilidade” a uma lei que coloca funcionários numa lista cujo critério principal é a classificação de serviço dada discricionariamente pelo seu chefe é, no mí-nimo, falta de respeito por quem trabalhou uma vida.

Chamar de “Mobilidade” à colocação de funcionários em casa a receber parte do seu vencimento é, no mínimo, um absurdo.

O caminho é contestá-la nos serviços, na rua, dando a conhecer a todas e a to-dos que não se temem avaliações, nem transferências, porque se querem melhores serviços. É nesse caminho que, de certeza, nos encontraremos todos, porque esta é a lei da imobilidade, da hipocrisia. Esta é a lei dos despedimentos colectivos na Função Pública.

MARIANA AIVECA

MOBIL IDADE OU DESPEDIMEN TO COLECTIVO?

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E ntre o conjunto de medidas que os anteriores governos PSD/PP e o actual

PS têm tomado no seu projecto comum de reformar a Administração Pública portu-guesa, começa a estar na ordem do dia a intenção de alterarem substancialmente as carreiras profi ssionais e o sistema remune-ratório do chamado regime geral da Função Pública. Para tal, o conselho de ministros aprovou a resolução no 109/2005 de 30 de Junho em que criou mais uma comissão responsabilizada por estudar o assunto e apresentar propostas.

COMISSÃO SEM GRAÇA MAS EM DESGRAÇA

Nos estudos e audições efectuadas, esta comissão reuniu com os sindicatos do sec-tor, os quais, perante o seu amem às inten-ções governamentais, logo a apelidaram de comissão “liquidatária” da Função Pública.

Passado pouco mais de um ano sobre ter sido criada, produziu o seu relatório. São vários os “diagnósticos” e as “perspectivas de evolução preconizadas”. Curiosamente, para além da estatística apresentada, os diagnósticos assinalam muitas das defi ciên-cias e obstáculos que impedem uma efec-tiva melhoria da Administração. Nas pers-pectivas, a comissão hesitou, identificou vantagens e inconvenientes nos caminhos a seguir mas, nas propostas, acabou sempre por sucumbir ao extremismo da contenção de custos a todo o custo. O governo é que não gostou de tanta hesitação, tantos prós e contras, quando havia é que ser pró e pró... e liquidou a Comissão liquidatária. Para dar exemplo do novo modelo desejado.

O GOVERNO QUER MEXER NAS CARREIRAS E

REMUNERAÇÕES. PARA QUÊ?

Governo, oposição de direita e comen-tadores ao serviço do poder económico são unânimes a justifi car as alterações que pretendem: é preciso adaptar as carreiras e o sistema remuneratório da Administra-ção Pública aos modelos do mercado e da gestão privada. Porquê? Porque a Admi-nistração, ao longo do século passado, em

seu entender, cresceu desmesuradamente em serviços prestados e em número de fun-cionários. Isso originou gastos excessivos e sempre crescentes a que é preciso pôr cobro e reduzir de forma drástica. Para tal, nada melhor do que usar as regras do mer-cado e da gestão privada.

Mais ainda: nada melhor do que passar a maioria dos serviços públicos e as próprias funções sociais, que até há meia dúzia de anos eram obrigações do Estado, para a mão, e para o lucro, das empresas priva-das.

Assim, para o poder vigente, para além da parte privatizada, também a parte dos ser-viços públicos que permanecer sob admi-nistração directa do Estado, embora venha a diminuir muito a sua dimensão, deve, na mesma, passar a reger-se em moldes pri-vados, precisamente, entre outros motivos (redução de custos, fl exibilidade, etc.), para acelerar o seu emagrecimento. Tendo que adaptar-se a estes objectivos já em curso, os actuais sistemas de carreiras e remu-neratório necessitam de sofrer profundas alterações.

Directamente relacionado com essas al-terações, e para permitir um conhecimento mais completo e mais sintético, apresento o seguinte quadro comparativo, introdu-zindo alguns elementos e modifi cações ao elaborado pelo “Jornal de Negócios” na sua edição de 25/09/06. O princípio básico para

o governo é a substituição do modelo de carreiras hoje existente, em que o conjunto dos funcionários se enquadra, pelo modelo privado de posto de trabalho individualmen-te considerado.

Torna-se evidente, na comparação dos dois “modelos”, para que querem os pode-res político e económico alterar as regras da Administração Pública: maior desregulação e desigualdade no recrutamento, aumento do poder e arbítrio dos dirigentes e chefi as, aumento da disputa individual dos trabalha-dores, grande redução de pessoal e des-pesa, insegurança de emprego e facilidade de despedimento, ausência de garantias de evolução profi ssional generalizada, menos direitos e condições laborais, maior discrimi-nação e desigualdade salarial, etc.

MEXER NAS CARREIRAS E REMUNERAÇÕES, SIM. MAS PARA QUÊ E COMO?

Em diametral oposição a todas estas intenções e respectivas medidas está a visão de que a Administração Pública, os seus serviços, devem ter como objectivo fundamental servir os cidadãos em geral através das funções por que estão respon-sabilizados. Não lhes cabe buscar o lucro, nem proporcioná-lo a outros, já que é a generalidade dos cidadãos quem custeia o seu funcionamento, seja pelo pagamento directo do serviço, seja indirectamente por meio dos impostos.

Mesmo a racionalização dos serviços e a maior rentabilidade dos trabalhadores públicos só tem uma justa motivação desti-nando-se a melhorar a qualidade e a rapidez dos serviços prestados e até a diminuição de custos aos utentes.

No entanto, nenhum destes objectivos está presente nas medidas já tomadas, ou pretendidas pelo Governo e pela sua mal-querida comissão. Mesmo apenas no papel, a sua menção é quase inexistente, tal é a obsessão com a contenção de custos e a privatização de serviços. Quando são referi-das a melhoria dos serviços, a aproximação ao cidadão, a rapidez do atendimento, etc., em regra é de forma enganosa para mais facilmente fazer passar o radicalismo dos

Para o poder vigente, para além da parte

privatizada, também a parte dos serviços públicos

que permanecer sob administração directa do Estado, embora venha a diminuir muito a sua dimensão, deve, na

mesma, passar a reger-se em moldes privados

função públicaATAQUE ÀS CARREIRAS

E REMUNERAÇÕES

Características Modelo de Carreira(em vigor)

Modelo de posto de trabalho(Comissão)

Recrutamento Faz-se para a base da carreira porconcurso público em iguais condiçõesde ingresso.

Para qualquer posto por selecção aefectuar por entidades “especializadas”.Facilitar a retenção ou aquisição noexterior de quadros altamentequalificados.

Requisitos deingresso

Habilitações académicas e profissionaisadequadas ao lugar a concurso.

Perfil de competências individuais.

Regulamentaçãodo sistema

Exaustiva, genérica e tendencialmenteuniforme.

Apenas as bases gerais (mínimas?).Reforço de competências ediscricionariedade dos dirigentes.

Duração doemprego

Tendencialmente vitalício. Possibilidade e facilidade dedespedimento.

Vínculos Regra e predominância do vínculopúblico. Situações excepcionais paraoutros vínculos.

Redução do vínculo público e suarestrição a algumas áreas (juízes,militares, polícias, etc.). Predominânciado vínculo privado.

Direitos Estatuto do funcionário público comdireitos próprios, generalizados etendencialmente uniformes.

Aproximação das condições de trabalhoàs do sector privado (horários, faltas,férias, etc.). Uniformização entrefuncionários e contratados.

Carreiras Grande nº de carreiras do regime gerale especiais. Regras claras e rígidas deevolução.

Redução do nº de carreiras e categorias.Simplificação e fluidez diminuindo aimportância da carreira.

Quadros depessoal

Definidos com a criação do serviçosendo previstas todas as carreiras e o nºde lugares para cada uma. Possibilidadede avaliação anual (balanço social) massem reflexos práticos.

Facilidade de alterar o nº e posições dostrabalhadores através de apreciação anuale segundo critérios dos dirigentes.

Mobilidade entrecarreiras

Regras de mudança entre carreiras(reclassificação, reconversão econcursos). Dificuldade na reconversãoe concursos.

Facilidade resultante da maior indefiniçãodas carreiras e dos critérios do pontoanterior.

Avaliação dedesempenho

Antes limitava a progressão àclassificação de “regular” e a promoçãoà de “bom”. Hoje é necessário “bom”para mudar de escalão e há quotas para“muito bom” (20%) e “excelente” (5%)(este permite subir de categoria semconcurso).

Aumentar o papel da avaliação emacréscimos remuneratórios sob a forma deprémios ou aumentos salariaisdiferenciados.Possibilitar o despedimento.

Experiênciaprofissional

Peso dominante para a que é obtidadentro da carreira.

Utilização da totalidade da experiênciaprofissional para promover adiferenciação individual e a polivalência.

Remuneração Estatutariamente definida consoante aevolução na carreira. Sistemaretributivo comum no regime geral eidêntico dentro de cada carreira.Conjunto de bases indiciárias diferentesmas definidas.

Variável e personalizada em função daavaliação de desempenho e de outroscritérios dos dirigentes.

Custos compessoal

Os decorrentes dos mecanismos deevolução nas carreiras e categorias e doaumento salarial anual…

Tecto financeiro para as promoções emaior capacidade de controlo pelosdirigentes das despesas com pessoal.

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[5]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

cortes e ataques aos funcionários.Assim, mexer nas carreiras e nas remune-

rações só faz verdadeiro sentido em função de melhor servir a população.

Sob este ponto de vista, quaisquer mu-danças nas carreiras devem ser motivadoras dos funcionários não pela disputa entre eles mas sobretudo pela sua valorização pessoal e colectiva; reduzindo o número de carreiras e categorias não por mero economicismo mas para evitar sobreposição e dispersão desnecessária de tarefas e funções; facili-tando a mobilidade entre carreiras e funções consoante as melhores aptidões de cada um; proporcionando mais formação e realização profi ssional; satisfazendo à generalidade dos trabalhadores a justa expectativa de chegar ao topo da carreira; corrigindo injustiças re-

lativas entretanto acumuladas na aplicação do actual sistema; contendo a crescente desigualdade entre carreiras de base e de topo e contendo o alargamento do leque sa-larial de modo a garantir maior justiça social. Avaliando o esforço individual não através da discriminação e do jogo de penalizações e prémios, mas do espírito de equipa, do cumprimento dos objectivos do serviço e da satisfação dos utentes. Exigindo e garantindo o exemplo dos dirigentes e a partilha dos objectivos e da avaliação dos serviços, como forma de estimular a rentabilidade de cada funcionário.

Para tudo isto, as intenções e medidas governamentais são completamente desa-justadas e contraproducentes.

VICTOR RUIVO

Características Modelo de Carreira(em vigor)

Modelo de posto de trabalho(Comissão)

Recrutamento Faz-se para a base da carreira porconcurso público em iguais condiçõesde ingresso.

Para qualquer posto por selecção aefectuar por entidades “especializadas”.Facilitar a retenção ou aquisição noexterior de quadros altamentequalificados.

Requisitos deingresso

Habilitações académicas e profissionaisadequadas ao lugar a concurso.

Perfil de competências individuais.

Regulamentaçãodo sistema

Exaustiva, genérica e tendencialmenteuniforme.

Apenas as bases gerais (mínimas?).Reforço de competências ediscricionariedade dos dirigentes.

Duração doemprego

Tendencialmente vitalício. Possibilidade e facilidade dedespedimento.

Vínculos Regra e predominância do vínculopúblico. Situações excepcionais paraoutros vínculos.

Redução do vínculo público e suarestrição a algumas áreas (juízes,militares, polícias, etc.). Predominânciado vínculo privado.

Direitos Estatuto do funcionário público comdireitos próprios, generalizados etendencialmente uniformes.

Aproximação das condições de trabalhoàs do sector privado (horários, faltas,férias, etc.). Uniformização entrefuncionários e contratados.

Carreiras Grande nº de carreiras do regime gerale especiais. Regras claras e rígidas deevolução.

Redução do nº de carreiras e categorias.Simplificação e fluidez diminuindo aimportância da carreira.

Quadros depessoal

Definidos com a criação do serviçosendo previstas todas as carreiras e o nºde lugares para cada uma. Possibilidadede avaliação anual (balanço social) massem reflexos práticos.

Facilidade de alterar o nº e posições dostrabalhadores através de apreciação anuale segundo critérios dos dirigentes.

Mobilidade entrecarreiras

Regras de mudança entre carreiras(reclassificação, reconversão econcursos). Dificuldade na reconversãoe concursos.

Facilidade resultante da maior indefiniçãodas carreiras e dos critérios do pontoanterior.

Avaliação dedesempenho

Antes limitava a progressão àclassificação de “regular” e a promoçãoà de “bom”. Hoje é necessário “bom”para mudar de escalão e há quotas para“muito bom” (20%) e “excelente” (5%)(este permite subir de categoria semconcurso).

Aumentar o papel da avaliação emacréscimos remuneratórios sob a forma deprémios ou aumentos salariaisdiferenciados.Possibilitar o despedimento.

Experiênciaprofissional

Peso dominante para a que é obtidadentro da carreira.

Utilização da totalidade da experiênciaprofissional para promover adiferenciação individual e a polivalência.

Remuneração Estatutariamente definida consoante aevolução na carreira. Sistemaretributivo comum no regime geral eidêntico dentro de cada carreira.Conjunto de bases indiciárias diferentesmas definidas.

Variável e personalizada em função daavaliação de desempenho e de outroscritérios dos dirigentes.

Custos compessoal

Os decorrentes dos mecanismos deevolução nas carreiras e categorias e doaumento salarial anual…

Tecto financeiro para as promoções emaior capacidade de controlo pelosdirigentes das despesas com pessoal.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA REGIONAL DOS AÇORES QUER

PROMOVER QUALIDADE À CUSTA DO

ANONIMATO!

ASSIM como os trabalhadores da Admi-nistração Pública a nível nacional, também os trabalhadores da Administração Pública Regional sofrem com as medidas impostas pelo Governo: a destruição do vínculo laboral, a destruição do sistema de carreiras, o conge-lamento da progressão nos escalões e ainda a criação de quadros de Ilha e de uma bolsa de emprego regional. Esta última funcionará atra-vés da rede de Internet, o que será discrimina-tório para muitos que ainda não têm acesso a este meio, sendo o próprio Governo Regional a reconhecer que aquele meio de comunicação não é ainda de natureza universal. Mais, fi ca ao critério dos serviços a publicação ou não da oferta de emprego, na imprensa regional, e assim fi cará seriamente prejudicado quem não estiver atento ou não dispuser de Internet.

O Vice-Presidente do Governo Regional dos Açores, Sérgio Ávila, anunciou em conferência de imprensa que “a população dos Açores vai poder participar, a partir de Janeiro de 2007, na avaliação do desempenho dos funcionários públicos das Ilhas, através de um formulário anónimo”, o que, no ponto de vista daquele governante, contribuirá para a promoção da qualidade nos serviços públicos. Mais, “os res-ponsáveis pela avaliação interna dos funcioná-rios dão a sua avaliação que, posteriormente, os responsáveis políticos de cada departa-mento cruzam com as informações do público (...). A realidade é que esta avaliação nada terá de objectiva e dependerá, não do verdadeiro desempenho dos funcionários, mas sim de simpatias e/ou pequenas vinganças pessoais e partidárias, alimentadas pelo anonimato. Será esta a melhor forma de promover a exce-lência e o bom funcionamento dos serviços?

Para a administração pública poder dar uma boa resposta e prestar bom serviço à comuni-dade tem de ter trabalhadores respeitados e motivados. Isto não se consegue desmotivan-do-a todos os dias. Perguntamos, com tantos subsídios vindos da União Europeia, não é possível modernizar, dar melhor resposta aos utentes e garantir que todos os trabalhadores tenham formação na sua área de trabalho, tais como Higiene e Segurança no Trabalho que tanta falta fazem, a nível de escolas, creches, matadouros, câmaras, etc.

Seriamente falando, as oportunidades de emprego são muito escassas, os jovens re-cém-formados não têm alternativas de em-prego e vamos ter de enfrentar o flagelo da emigração, tão bem conhecido dos açorianos.

São estes que têm estado e estarão aten-tos, e prontos para participar em todas as formas de luta pelos seus direitos.

Pela dignidade do Trabalho!

EULÁLIA BENDITO (FUNCIONÁRIA PÚBLICA E DIRIGENTE SINDICAL)

EUGÉNIA SILVEIRA (PROFESSORA)

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[6] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

Considerando que, além dos docen-tes, a escola integra um conjunto

diversificado e relevante de outros pro-fissionais, cuja acção é essencial na organização e funcionamento dos esta-belecimentos de ensino e no processo educativo, o Decreto-Lei nº 515/99 do Governo de António Guterres, entretanto re-jeitado por José Sócrates, propunha moder-nizar a gestão dos recursos humanos das escolas. Para tal, foi criado um novo regime jurídico que apontava para a mobilidade e sentenciava o fim de carreiras como a de Auxiliar de Acção Educativa (AAE) a pretexto da criação de uma nova, a de Assistente de Acção Educativa que, curiosamente, tem a mesma sigla (AAE).

A passagem pelo governo da direita, en-tão unida (PSD/CDS), acabou por contrapor ao Dec. Lei 515/99 que, à época, mereceu a discórdia dos sindicatos para mais tarde os mesmos o virem a defender como mal

menor, a manutenção da carreira de Auxiliar de Acção Educativa, redefinindo o acesso à carreira de Assistente de Acção Educativa e assumindo, através do D-L nº 184/2004, que o 515 assentava numa visão de-masiado especializada das carreiras. Vai daí, introduz uma maior flexibilidade na gestão dos recursos humanos das escolas como instrumento de colocação de pessoal do quadro concelhio e de mobilidade entre quadros concelhios a pretexto da densida-de populacional em mutação e rede viária. Nesta lógica, de grande instabilidade para os trabalhadores, trancam-se as admissões para o quadro, enquanto se generaliza, de forma escandalosa e galopante, a preca-rização da Função Pública, com particular incidência nas escolas, justificada pelo ne-cessário emagrecimento do Estado. Os contratos individuais de trabalho acabaram por ser a “varinha mágica”, previamente “le-gitimada” em Lei, para resolver os próprios

engulhos criados com tais pseudo reformas da Administração Pública a que se propuse-ram os governos do PS e do PSD.

Os resultados práticos traduziram-se fundamentalmente em esvaziar a verda-deira função que estas reformas anunciam no papel, quando se diz que o sistema educativo não pode deixar de ter em conta as especiais características do papel dos recursos humanos, que, não directamente implicados no processo educativo em si, constituem um factor indispensável ao sucesso deste, na ver-tente da organização e funcionamento dos estabelecimentos de educação ou do ensino e do apoio à função educati-va. Nar realidade, a carreira profissional de Auxiliar de Acção Educativa é cada vez são mais desvalorizada.

ILUSÕES E DESILUSÕESA novidade da carreira de Assistente, que

auxiliares de acção educativa

CADA VEZ MAIS DESVALORIZADOS NA ESCOLA

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[7]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

ainda não saiu de meras intenções desta reforma, acabou por ter como factor positivo entre os AAE o aumento da expectativa de evolução na carreira profissional e o aumen-to da sua escolaridade e formação. Foi no-tório este impacto nas pessoas que vislum-braram uma oportunidade de evolução na carreira. Mas a verdade é que, neste campo, o 184, assumido com unhas e dentes pelo governo de Sócrates, continua a ser adiado e as expectativas de progressão dos poten-ciais candidatos começam a esmorecer.

Torna-se cada vez mais evidente que o documento da reforma do Ministério da Educação é uma panaceia que criou tanto ilusões como desilusões, assim como o justo descontentamento, mas, acima de tudo, o descrédito de que a questão da nova carreira surja nos tempos mais próximos. Sendo assim, e como estão congeladas as admissões para o quadro da F.P., um outro já numeroso contingente de trabalhadores

sem vinculo se perfila, mas, neste caso, reina apenas a esperança de virem a ter oportunidade de acesso à tal carreira mais valorizada profissionalmente, carreira esta que as políticas seguidas até aqui parecem não ter interesse prático em efectivar de forma a dignificar, de facto, o papel dos não docentes.

DIFERENTES PATAMARESOs trabalhadores das escolas vivem, pois,

em patamares de dois ou mais níveis. Os que são do quadro, e se limitam a aguardar pela reforma, agora mais adiada, sem pers-pectivas de qualquer incentivo profissional. E os outros patamares, cada vez em maior número, que asseguram o normal funcio-namento das escolas, formados por dife-rentes tipos de contratos que estão muito à margem dos direitos do regime jurídico do pessoal não docente, restando-lhes apenas os deveres e o agravamento da lei geral a que estão sujeitos, como uma espécie de trabalhadores de segunda que o Estado fomenta no seu seio de forma tão descarada e vergonhosa.

Ora, se já os trabalhadores do quadro são frequentemente arredados das filosofias de participação e envolvimento nos pro-jectos educativos das escolas, o cenário é deveras desolador para os precários. Para estes, o entusiasmo e predisposição para a construção de uma escola de qualidade não existe e muito menos a disponibilidade a serem eleitos para órgãos de gestão da escola como o Conselho Pedagógico ou Assembleia de Escola. Isto, quando a de-gradação das relações de trabalho no seio das escolas aumenta, dia após dia, com as medidas governamentais, como é o caso do controverso sistema de avaliação, que é de tal forma uma embrulhada que nem os seus autores parecem saber desembrulhar o seu complexo mecanismo, ainda que an-

tes disso lancem a confusão e façam o país perder tempo com um sistema que apenas pretende dividir para reinar.

DESENRASCAR É PRECISOA realidade actual das escolas no que

toca aos AAE é deveras preocupante e devia merecer a atenção de todas as comunida-des locais e educativas, porque estes são o elemento fundamental na humanização das escolas, são quem está mais próximo dos alunos e das alunas, em quem muitos segredos da vida são confiados, muitos problemas sociais e familiares. São profissio-nais insubstituíveis a quem os governantes desprezam e pouco valorizam. Assiste-se assim, cada vez mais, ao abandono desta carreira, descaracterizada e invadida pela precariedade, e ao recurso a formas de con-tratação que contribuem para degradar o ambiente escolar, tornando-o frio e distante, pouco afectivo. Este processo agudiza-se com a proliferação do uso e abuso dos trabalhadores dos Planos Ocupacionais (POC), vindos das mais díspares profissões que, ao fim de 20, 30, ou mesmo 35 anos de trabalho na fábrica, sentem-se deslocados do seu universo produtivo a que estiveram ligados durante uma vida e cujo prémio foi o desemprego. Aumenta também o velho recurso, porventura a mais indignante forma de exploração que incide sobretudo sobre as mulheres, feita por serviços públicos, como são as tarefeiras pagas a preços miseráveis e limitadas, em grande parte, a duas ou quatro horas diárias sem qualquer vínculo.

É, cada vez mais, com tais métodos que está a ser garantido o funcionamento das escolas, como se a questão da educação fosse uma ingrata obrigação do Estado que é preciso desenrascar todos os anos para ir funcionando mais coisa menos coisa até ao fim do ano lectivo. Para o próximo ano, ou-tros desempregados voltarão a tapar os fu-ros deste sistema, isto se até lá a nossa luta não lhe puser fim. É uma luta que não é só sindical, é de todas as partes que compõem as comunidades educativas, que necessi-tam de ter uma verdadeira consciência de como as sucessivas politicas estão a tratar a educação no seu todo. A desresponsabi-lização do Estado, e o resultado final desta politica economicista que visa escancarar as portas, também neste sector, aos tubarões que querem abocanhar partes rentáveis, só pode originar mais discriminação no acesso ao ensino e precarizar mais os diferentes profissionais que travam, no momento, uma das mais duras batalhas contra o governo do PS, apostado em fazer o trabalho sujo que o capital lhe confiou.

JOSÉ LOPES (OVAR)DELEGADO SINDICAL

(SINDICATO DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA DO CENTRO)

Aumenta também o velho recurso, por ventura a mais indignante forma

de exploração que incide sobretudo sobre as

mulheres, feita por serviços públicos, como são as

tarefeiras pagas a preços miseráveis e limitadas, em

grande parte, a duas ou quatro horas diárias sem qualquer vínculo. É, cada

vez mais, com tais métodos que está a ser garantido o funcionamento das escolas

CADA VEZ MAIS DESVALORIZADOS NA ESCOLA

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[8] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

A s novas propostas que o Ministério da Educação apresentou para a al-

teração do Estatuto da Carreira Docente têm uma única coisa subjacente: medidas economicistas, sob a demagogia irrealista e subjacente, de que a economia do país apenas tem de evoluir através da contenção dos gastos do estado mesmo que para isso tenham de acabar com os serviços públicos – Escolas públicas de qualidade e para todos!

As novas propostas do Ministério preten-dem:

— reduzir os efectivos docentes;— precarizar o vínculo laboral;— flexibilizar as relações laborais;— reconverter profissionalmente muitos

dos profissionais que não cumpram os objectivos de excelência propostos pelo Ministério.

A obsessão pelo défice está sempre pre-sente, até na contratação dos professores. No ano lectivo passado, o Ministério reduziu o número de contractos a cinco mil e este ano situam-se nos seis mil e quinhentos. Mas, para aumentar ainda toda esta situa-ção de instabilidade e confusão, às actuais Câmaras de todo o país foi-lhes permitido avançar com a celebração de contractos individuais de trabalho para professores leccionarem actividades de enriquecimento curricular nas escolas.

Para além de todas as medidas penaliza-doras e autistas, criadas em gabinetes sem auscultação prévia da verdadeira realidade actual das escolas e dos docentes, o que mais sobressaiu da forma negocial com a plataforma sindical foi a arrogância e ligeire-za do modo como foram tratadas todas as questões. O Bloco de Esquerda não pode, de forma alguma, compactuar com um governo e um Ministério que não faz outra coisa senão hostilizar constantemente to-dos os professores. Ainda que contrariando aquilo que alguns querem fazer passar na opinião pública pelos média, a plataforma sindical não aceitou assinar, até agora, este inaceitável, diria até obsceno, estatuto que visa terminar com os direitos e expectativas criadas por todos os profissionais.

Este estatuto prevê adaptar e equiparar a avaliação dos professores ao resto da fun-ção pública. Não podemos aceitar tal coisa, até porque os professores sempre foram um corpo especial dentro da função pública,

ainda que mal tratados e ignorados pelos sucessivos executivos.

Mal vai o país que maltrata desta forma os professores e que parte do pressuposto que todos os professores são maus!

A esquerda não pode aceitar um estatuto que prevê números clausus para profissio-nais excelentes e muito bons. Todos têm direito a ser bons profissionais e não podem ser impedidos disso.

O governo, com estas propostas insen-satas, obriga um professor que pretenda ser titular a submeter-se a um concurso, sendo que este poderá, eventualmente, ser excluí-do, ao longo de toda a sua vida profissional, de tal cargo porque o lugar de titular da sua escola está preenchido! Ainda que, para isso, só possam candidatar-se a esses luga-res os profissionais do 8º,9 e 10º dos actuais escalões (note-se que os professores do actual 10º escalão nunca o fariam, porque veriam os seus ordenados regredir com a actual proposta!). É isto que este governo pretende! Impedir os profissionais de ascen-derem em carreira para não pagar!

O Novo Estatuto prevê a extinção dos quadros de escola e a criação de um quadro de Agrupamento, o que lhe permitirá flexibili-zar os vínculos laborais.

O Ministério quer poupar dinheiro às cus-tas dos professores que têm a sua carreira actualmente congelada!

O Novo Estatuto da Carreira Docente pro-põe ainda uma coisa completamente absur-da, que é aumentar a carreira dos professo-res de vinte e seis anos actuais para trinta e dois anos, ou seja, mais seis anos. Mais uma vez, a esquerda não pode aceitar tal facto, até porque a média de anos nas carreiras

de professores nos países da OCDE são de vinte e quatro anos!

A Esquerda apela para que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a cons-titucionalidade de algumas normas deste novo estatuto que perece de erros estrutu-rantes e inaceitáveis.

Não é aceitável que professores em final de carreira, com reduções de horas lectivas perfeitamente justas vejam, neste momento, a sua carga horária aumentar com medidas desajustadas e ineficazes como as aulas de substituição! Estas medidas não são inovadoras deste Ministério! As aulas de substituição já foram implementadas nos anos setenta e abandonadas por não res-ponderem positivamente ao seu objectivo. Este Ministério apenas pretende atropelar o funcionamento da escola pública para todos e de qualidade. O governo quer acabar de vez com os serviços públicos, mais pare-cendo um governo de extrema-direita; se-não, vejamos o art. 91 do novo estatuto que impõe que todos os professores permane-çam nas escolas em todas as interrupções de actividades lectivas, ainda que para isso possam organizar o serviço de avaliação antecipadamente.

Esta proposta de estatuto não serve! Não é possível negociar com um Ministério prepotente e autoritário que apenas cede em pequeníssimas matérias, que, do nosso ponto de vista, não são cedências mas mais que obrigações: note-se o caso da conta-gem do tempo de serviço das parturientes.

Esta proposta vai ficando, para além de tudo, cada vez mais obsoleta e, em alguns pontos, ridícula: por exemplo, o caso da avaliação dos professores pelos pais, que agora, em ultima redacção, passa apenas a ser efectuada com a concordância do docente. Aspectos como este, entre outros, são o descalabro e os pés de barro deste governo.

O Ministério da Educação quer, a todo o custo, fechar as negociações, tendo re-cebido no passado dia 31 de Outubro os sindicatos em separado para obter alguma concordância! Mas o processo negocial falhou em todas as frentes1!

Os professores lutarão pelos seus direitos conquistados ao longo do pós vinte e cinco de Abril.

PAULO TELES SILVA1 Até hoje, 04/11/06, dia em que este artigo foi

escrito.

Esta proposta de estatuto não serve e não é

possível negociar com um Ministério prepotente e autoritário que apenas cede em pequeníssimas matérias, que, do nosso ponto de vista, não são

cedências mas mais que obrigações: note-se o caso da contagem do tempo de serviço das parturientes

e d u c a ç ã oARROGÂNCIA SEM PRECEDENTES

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[9]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

e d u c a ç ã oHoje, que é o dia internacional da crian-

ça, faz todo o sentido colocar a educa-ção das crianças e dos jovens no centro do debate parlamentar, trazendo à discussão a política educativa do governo, muito parti-cularmente para rejeitar a forma desastrosa como a Ministra da Educação transforma o que devia ser uma política mobilizadora para resolver os graves problemas da educação com que o país se defronta, numa ofensa para com os profissionais que dão corpo e rosto a essa política.

Romper com o cerco de anos de um modelo de desenvolvimento fundado na exploração intensiva do trabalho precário pouco qualificado que conduziu Portugal a uma extraordinária fragilidade obriga a equacionar seriamente o papel da escola pública e obriga a um programa concertado da sua qualificação.

Obriga, sobretudo à resolução dos pro-blemas maiores com que nos defrontamos hoje e que no essencial se traduzem em bai-xos níveis de proficiência cognitiva, elevadas taxas de insucesso escolar e elevadas per-centagens de abandono escolar precoce. Só uma escola pública de qualidade pode começar a resolver estes problemas.

Insucesso e exclusão são os grandes ma-les de que padece a educação em Portugal. Tratar os professores como se de um bando de malfeitores se tratasse não só não resol-ve nenhum destes problemas como resulta na desvalorização da sua função social e no agravamento da sua desmobilização.

O que a Ministra da Educação está a fazer é o mesmo que um realizador de cinema que matasse a sua personagem principal. Sem ela o realizador fica sem argumento. Sem professores a Ministra da Educação fica sem actores que levem a cabo aquilo que precisa de ser uma reforma profunda mas também agregadora, mas também res-ponsabilizadora de todos os intervenientes na educação.

A escola não resolve sozinha os proble-mas que decorrem da pobreza extrema, da exclusão social, do desemprego, da violên-cia desumanizada das nossas cidades.

Não só não os resolve como é ela mesma a primeira vítima e é ela mesma que reflecte os primeiros sinais do agravamento das contradições sociais em que vivemos.

Contudo, não sendo a solução milagro-sa de todos os males, ela é um parceiro fundamental na promoção de progresso, de coesão, de emancipação. Não existe transformação social sem conhecimento

nem técnica; não existe transformação so-cial sem arte nem criatividade; não existe transformação social sem sentimentos nem afectos.

Revalorizar a educação é por isso a chave de qualquer projecto de desenvolvimento. Para tanto é essencial que a escola recupere um sentido e um valor para aquilo que são as suas competências específicas no cam-po da educação.

Não basta produzir pequenas reformas que podem dar pequenos passos para pro-duzir pequenas mudanças. E isso foi tudo o que o Governo conseguiu produzir ao longo deste ano de governação.

Falta todo o resto, falta atribuir um valor real aos saberes de forma a ser capaz de seduzir as crianças, os jovens e os adultos para essa extraordinária aventura que é a descoberta do conhecimento.

Falta tornar a escola numa escola verdadei-ramente inclusiva, que não desiste de nenhu-ma das suas crianças, que conhece e interpe-la as comunidades onde está inserida.

Falta desenhar projectos educativos que se dirigem a todos e a todas mesmo às pessoas que já desistiram de ter um projecto de vida.

Tudo isto é o que falta para colocar a edu-cação na fasquia mais alta da exigência.

E tudo isto está por fazer. Não vale vir a Ministra da Educação e fazer batota ao jogo, transferindo responsabilidades pela falência da organização escolar e do poder político exclusivamente para os professores, inju-riando toda uma classe pelo caminho.

Queremos uma escola exigente, uma escola exigente tem que ter profissionais de grande qualidade. Por isso, quando hoje dis-cutimos as escolhas para a carreira docente acusamos as propostas do governo de não cumprirem essa finalidade fundamental: a de colocar a qualificação dos docentes no centro das medidas propostas.

Queremos discutir modelos de avaliação que valorizem o desempenho dos profes-sores, que lhes confiram responsabilidade, que reforcem a sua profissionalidade e que reconheçam a importância e o peso social do seu desempenho. No entanto não é pos-sível equacionar modalidades de avaliação se não forem paralelamente equacionados os modos e modelos de formação inicial e contínua, bem como a forma de certificar as

entidades formadoras que têm responsabili-dade nesta área. Assim como não é possível equacionar um modelo de avaliação que não corresponda a um reconhecimento sis-temático da qualidade do desempenho.

Não nos conformamos com soluções fáceis e populistas como as que o gover-no colocou em cima da mesa. Deixar os professores reféns de pressões individuais dos pais ou dos resultados dos alunos dá a aparência de promoção da participação mas não é outra coisa que não seja um exer-cício de deformação do papel da avaliação, demolidor da decência mais elementar.

Conhecemos o papel perverso que os rankings das escolas desempenharam. Sob a capa de transparência de informação tive-ram um papel determinante no agravamento de processos de guetização das escolas. Conceber a avaliação dos professores e a sua progressão na carreira dentro da mes-ma lógica teria como resultado a criação de guetos dentro de guetos e seria extraordina-riamente demolidor para a escola pública.

A avaliação dos professores tem que ser instrumento para a retribuição das boas prá-ticas pedagógicas e didácticas, tem que ser ao mesmo tempo um instrumento de afe-rição das necessidades de formação e de correcção de escolhas e percursos, assim como não pode deixar de ser equacionada na relação dinâmica entre o docente en-quanto indivíduo e enquanto parte de uma organização complexa.

Não é possível portanto aceitar um mode-lo de avaliação que tem um objectivo escon-dido que é o de conter e retardar o acesso dos docentes aos níveis mais remunerados da carreira docente.

A defesa da escola pública não pode ficar limitada a declarações generosas de inten-ções que não correspondem às políticas que produzem. A escola pública é o garante da democracia em educação, ela é território privilegiado para colocar a educação ao ser-viço do desenvolvimento, por isso é indis-pensável que o mesmo grau de exigência de qualidade que lhe conferimos seja conferido à políticas educativas onde não pode haver lugar para cedências nem para a ausência de rigor nem para facilidade populista das propostas, e muito menos para a genera-lização da culpabilização dos professores que devem ser protagonistas privilegiados da mudança.

ALDA MACEDO

MATAR O PERSONAGEM PRINCIPALIntervenção na Assembleia da República no passado

dia 1 de Junho

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[10] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

S ão os mais novos ou as mais novas, os mais qualifi cados ou as mais qualifi ca-

das, mas também aqueles e aquelas que estão com contratos a prazo, por vezes há mais de 20 anos, impossibilitados(as) de ter uma carreira, como é o caso de leitores e leitoras no ensino universitário e de docen-tes equiparados(as) no ensino politécnico – o desemprego chegou ao Ensino Superior e, se nada for feito em contrário, a situação só tenderá a agravar-se ainda mais nos pró-ximos anos. Quem está dentro, pode sair; quem está fora – milhares de bolseiros e de bolseiras - não pode entrar!

O fi nanciamento estatal das instituições do Ensino Superior público é feito tendo maioritariamente em conta o número de estudantes de cada instituição que, como se sabe, diminuiu drasticamente, embora tenha havido uma ligeira recuperação este ano, em virtude do insucesso escolar no En-sino Secundário e da quebra demográfi ca. Para além do mais, os cortes orçamentais, que atingem para este ano uma percenta-gem que nalguns casos chega aos 7,5%, colocam as escolas numa situação insus-tentável, impossibilitando, nalguns casos, o pagamento integral dos salários em 2007. Perante a situação, procede-se ao despe-dimento cego daquelas e daqueles que po-dem ser despedidos, independentemente de todos os critérios de qualidade: sai quem tem contratos a prazo. No caso do Ensino Politécnico, com uma carreira altamente precária (3/4 da classe docente), muitas vezes são professores ou professoras com doutoramento. A lógica é suicida: despedir quem tem mais qualifi cações conduz o país a um beco sem saída, prejudica a qualidade de ensino, signifi ca um retrocesso a uma si-tuação anterior ao 25 de Abril. Paralelamen-te, assiste-se à generalização de situações ilegais ou de duvidosa legalidade: são feitos contratos por dois, cinco ou onze meses;

um contrato a 100% passa a metade ou mesmo a 30% por cento, a recibos verdes ou ... a nada.

Se a situação é aflitiva para quem está (ainda) dentro das instituições, ela é deses-perada para quem está de fora: bolseiros/as de investigação, altamente qualifi cados/as, vêem-se impossibilitados/as de concorrer e de entrar no sistema. Não há lugares disponíveis, não se fazem concursos, o corpo docente está a envelhecer e não há sangue novo. Em última análise, é o futuro do país que está a ser irremediavelmente com-prometido.

A ARMADILHA DE BOLONHAA situação de de-

sespero no Ensino Superior chega no momento em que a maioria das inst i tu ições p rocedeu ou es t á a p ro -c e d e r a uma re-estruturação que, na maioria dos casos, reduziu a licenciatura de quatro para três anos, num processo que sobrecarregou a classe docente até ao limite das suas forças, dado que, por ausência de legislação atempada por parte da tutela, a reforma foi, por vezes, tardia, apressada e pouco refl ectida. Para quem está dentro do sistema, o horário de trabalho alargou-se às 50 ou mesmo 60 horas semanais, sendo que a sobrecarga de alguns e de algumas vai ter como resultado o despedimento de outros e de outras ou

eventualmente dos(as) mesmos(as). Independentemente da apreciação do

processo de Bolonha, em si, a sua aplicação em Portugal, como em outros países, tem sido particularmente perversa e tem sido aproveitada pelos governos não só para diminuir o fi nanciamento às instituições do

ensino superior, mas também para criar ou para aumentar as propinas. No

entanto, e contrariamente ao que normalmente se pensa, Bolo-

nha implica, entre outras coisas, uma forma de

trabalho com os/as estudantes que

ter ia como c o n s e -

quência não o d e s -

p e -d i m e n t o

de docentes, mas a contratação de muitos(as) mais. Um sistema voca-cionado para a aquisição passiva de

conhecimentos seria (seria, mas não está a ser na maioria dos casos) substituído por

outro, baseado na aprendizagem dos alunos e das alunas e centrado na

aquisição de competências, o que levaria a um tipo de

trabalho muito mais per-sonalizado. Ora, em

Portuga l , para além da falta

de f inan-c i a -

SEM SUBSÍDIO DE DESEMPREGO, A CLASSE VIVE A SITUAÇÃO

MAIS DIFÍCIL DESDE O 25 DE ABRIL

colocam as escolas numa situação insus-tentável, impossibilitando, nalguns casos, o pagamento integral dos salários em 2007. Perante a situação, procede-se ao despe-dimento cego daquelas e daqueles que po-dem ser despedidos, independentemente

de investigação, altamente qualifi cados/as, vêem-se impossibilitados/as de concorrer e de entrar no sistema. Não há lugares disponíveis, não se fazem concursos, o corpo docente está a envelhecer e não há sangue novo. Em última análise, é o futuro do país que está a ser irremediavelmente com-

A ARMADILHA DE BOLONHAA situação de de-

sespero no Ensino Superior chega no momento em que a maioria das inst i tu ições p rocedeu o u e s t á a p ro -c e d e r a uma re-estruturação que, na maioria dos casos, reduziu a licenciatura de quatro para três anos, num processo que sobrecarregou a classe docente até ao limite das suas forças, dado que, por ausência de legislação atempada por parte da tutela, a reforma foi, por vezes, tardia, apressada e pouco refl ectida. Para quem está dentro do sistema, o horário de trabalho alargou-se às 50 ou mesmo 60 horas semanais, sendo que a sobrecarga de alguns e de algumas vai ter como resultado o despedimento de outros e de outras ou

sido particularmente perversa e tem sido aproveitada pelos governos não só para diminuir o fi nanciamento às instituições do

ensino superior, mas também para criar ou para aumentar as propinas. No

entanto, e contrariamente ao que normalmente se pensa, Bolo-

nha implica, entre outras coisas, uma forma de

trabalho com os/as estudantes que

ter ia como c o n s e -

quência DE BOLONHA quência DE BOLONHAnão o d e s -

p e -d i m e n t o

de docentes, mas a contratação de muitos(as) mais. Um sistema voca-cionado para a aquisição passiva de

conhecimentos seria (seria, mas não está a ser na maioria dos casos) substituído por

outro, baseado na aprendizagem dos alunos e das alunas e centrado na

aquisição de competências, o que levaria a um tipo de

trabalho muito mais per-sonalizado. Ora, em

Portuga l , para além da falta

de f inan-c i a -

docentes do ensino superior

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[11]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

SEM SUBSÍDIO DE DESEMPREGO, A CLASSE VIVE A SITUAÇÃO

MAIS DIFÍCIL DESDE O 25 DE ABRILmento crónico das instituições, existe uma lei que relaciona o número de estudantes com o número possível de docentes (vulgo ETIs), que não foi alterada e que faz com que seja impossível cumprir, na prática, aquilo que teoricamente se procura implementar com Bolonha: um acompanhamento per-sonalizado do percurso de cada estudante. Assim sendo, as horas e horas passadas a pensar cursos e caminhos alternativos, alguns deles estimulantes e inovadores, transformar-se-ão, se a situação não for al-terada, num exercício teórico e burocrático, destinado a mostrar para fora o que (não) se pode fazer cá dentro e que rapidamente será destroçado na primeira avaliação internacio-nal. Por outro lado, a própria reforma foi logo ferida pela impossibilidade de contratação de novos(as) docentes, o que fez com que os cursos sejam muitas vezes o refl exo dos recursos humanos já existentes. A ideia de investimento no futuro está completamente ausente nas políticas para o Ensino Supe-rior, sendo substituída por uma espécie de gestão diária dos problemas, alguns deles criados ou agravados pelas sucessivas leis dos vários governos. Em Portugal, as despe-sas por estudante do ensino superior estão bastante abaixo da média dos países da OCDE, para além de terem diminuído entre 1995 e 2003 (1).

A diminuição do orçamento das institui-ções do Ensino Superior surge no momento em que vai aumentar o financiamento à investigação científica: projectos como o do acordo com o MIT consumiram uma boa parte dos recursos que não existem nas instituições. Acreditar que se pode desen-volver a investigação, asfi xiando o ensino, afastando-o ainda mais dos padrões inter-nacionais de referência, é um processo que a existência de milhares de bolseiros(as) não contratados(as) pelas instituições na-cionais, já provou não funcionar, o que foi

aliás denunciado pela própria associação, num comunicado divulgado no passado dia 30 de Outubro. Não se contesta o in-cremento da investigação científi ca, mas a cegueira que leva a privilegiar determinadas áreas em detrimento de outras, e a fazer com que a criação de núcleos de excelên-cia implique, por si só, a desqualificação absoluta de todos os outros sectores não contemplados. Retomando o comunicado da Associação de Bolseiros de Investigação Científica – ABIC (http://forum.bolseiros.org/viewtopic.php?t=1575), a contratação de 500 bolseiros por cinco anos não impede o desemprego dos milhares que não vão poder entrar no sistema.

Perdidas entre os múltiplos projectos a que é necessário concorrer e as múltiplas reformas que é preciso realizar, com pouco dinheiro, as instituições do ensino superior, frágeis e, por vezes, dominadas por inte-resses corporativos, entraram em crise. O queixume transformou-se numa forma quo-tidiana de sobrevivência o que, conjugado

com o excesso de trabalho, retirou à classe docente, já de si pouco combativa, mas capaz de grandes mobilizações no passado, capacidade de reacção. No entanto, nunca o descontentamento foi tão grande!

Entre o medo de perderem o emprego ou de serem colocados(as) num quadro de excedentes, hipótese que foi posta num semanário por um Reitor, sem que haja qual-quer informação concreta sobre o assunto, e o cansaço acumulado, os docentes e as docentes vivem um futuro incerto, com a ameaça de encerramento de cursos e de instituições, sem que haja uma garantia de se saber o que vai ficar em relação ao que se projectou. Aqueles e aquelas que foram despedidos(as) tentam arranjar algo para sobreviver, sem poderem recorrer ao subsídio de desemprego que não existe para os(as) docentes do Superior, inconsti-tucionalidade só compreensível pela lógica do Bloco Central: tanto o PS como o PSD são favoráveis à sua criação quando estão na oposição; quando chegam ao poder ou se «esquecem» das promessas eleitorais ou votam contra os projectos apresentados e apoiados por outros partidos.

Os Sindicatos cujos sites se aconselha a visitar (www.fenprof.pt/superior/ e www.snesup.pt/) desdobram-se em iniciativas, seguem atentamente situações concretas, confrontam-se com as promessas não cum-pridas do Ministro. Sabemos que vivemos numa caldeira pronta a explodir. Até quan-do?

TERESA ALMEIDA

1 Alguns, mas não todos, destes dados do relatório da Ocde, «Education at a Glance», estão disponíveis em http://www.oecd.org/document/52/0,2340,en_2649_34515_37328564_1_1_1_1,00.html

Independentemente da apreciação do processo de Bolonha, em si, a sua aplicação em Portugal, como em outros países, tem sido particularmente

perversa e tem sido aproveitada pelos

governos não só para diminuir o fi nanciamento às instituições do ensino

superior, mas também para criar ou para aumentar as

propinas

rior, sendo substituída por uma espécie de gestão diária dos problemas, alguns deles criados ou agravados pelas sucessivas leis dos vários governos. Em Portugal, as despe-sas por estudante do ensino superior estão bastante abaixo da média dos países da OCDE, para além de terem diminuído entre 1995 e 2003 (1).

A diminuição do orçamento das institui-ções do Ensino Superior surge no momento em que vai aumentar o financiamento à investigação científica: projectos como o do acordo com o MIT consumiram uma boa parte dos recursos que não existem nas instituições. Acreditar que se pode desen-volver a investigação, asfi xiando o ensino, afastando-o ainda mais dos padrões inter-nacionais de referência, é um processo que a existência de milhares de bolseiros(as) não contratados(as) pelas instituições na-cionais, já provou não funcionar, o que foi

que é necessário concorrer e as múltiplas reformas que é preciso realizar, com pouco dinheiro, as instituições do ensino superior, frágeis e, por vezes, dominadas por inte-resses corporativos, entraram em crise. O queixume transformou-se numa forma quo-tidiana de sobrevivência o que, conjugado

docentes do ensino superior

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[12] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 200612] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

O IDEAL EDUCATIVO E OS DESÍGNIOS DO MERCADOANTONIO DAVID CATTANIPROFESSOR TITULAR DE SOCIOLOGIANA UFRGS - BRASIL

OBRAS CITADAS:

CATTANI, Antonio David. Trabalho e Autonomia. Petrópo-lis, Editora Vozes, 2000

CATTANI, Antonio David. A ação coletiva dos traba-lhadores. Porto Alegre: SMCultura - Palmarinca, 1991.

GAULUPEAU, Yves. La France à l’École. Paris, Gallimard, 1992

LAVAL, Christian (org.) Le nouvel ordre éducatif mondial. Paris, Editions Nou-veaux Regards, Syllepse, 2002.

PAIVA, Vanilda (org.) Perspec-tivas e dilemas da Educação Popular. Rio de Janeiro, Graal, 1984

TRINDADE, Hélgio (org.) Uni-versidade em ruínas na repú-blica dos professores. Petrópolis, Editora Vo-zes, 1999.

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[13]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

Ideal educativo ou processo

educativo global ou, ainda, educação eman-

cipatória, são algumas das inúmeras expressões

que remetem a um conjun-to complexo de concepções

humanistas e idealistas sobre o papel da educação e que animaram

e animam fi lósofos, cientistas sociais, educadores e ativistas libertários. Em face do infi nito da liberdade o ser

humano precisa da educação para crescer moralmente, para superar as limitações sócio-históricas, livrando-se das relações de dependência e de opressão.

O conhecimento da sociedade e o indivíduo foi enriquecido por contribuições de pensadores que recusaram o positivismo

naturalista e o dogmatismo metafísico e religioso que imperaram durante séculos. Antes mesmo das elaborações iluministas, Comenius (l592-l670) desenvolveu princípios de absoluta modernidade e pertinência que aparecem hoje traduzidos na idéia de omnilateralidade-politécnica. Omnes, Omnia, Omnimo: todos devem participar da educação, todos devem ser educados em tudo o que for necessário para humanizar-se, a educação deve elevar o ser humano por inteiro em todas as dimensões.

Aprofundando estas idéias e se opondo à concepção essencialista da natureza humana, Kant amplia a fi losofi a do sujeito introduzindo uma refl exão inovadora sobre a educação necessária para promover o indivíduo emancipado, autônomo, não submetido às leis arbitrárias. A humanização precisa ser construída e é na “educação que repousa o grande segredo do aperfeiçoamento do ser humano” (Über Pädagogik, 1803). Para Kant, saber e liberdade são indissociáveis. Para sair da menoridade o indivíduo precisa sapere aude, ousar saber e assim, ter as condições para libertar-se das tutelas inibidoras e opressoras. A necessidade de uma educação associada à cidadania, direitos humanos e progresso social aparece como resultado de refl exões racionalistas sobre o sujeito abstrato e, também, de iniciativas que visam por em prática, concretamente, o que a fi losofi a teorizava. Condorcet (1743-l794) no Relatório e Projeto de Decreto sobre a Organização Geral da Instrução Pública (l792) apresenta um detalhado conjunto de medidas legislativas para articular instituições e princípios assegurando a todos os cidadãos as condições para a conscientização sobre direitos e sobre os meios para combater a dependência produzida pela ignorância. Condorcet introduz três elementos fundamentais cuja legitimidade não cessou de aumentar até os dias de hoje. O primeiro, que será retomado por Alexander Neill, Celestin Freinet e Paulo Freire entre outros, refere-se à construção democrática do conhecimento.

Cada indivíduo possui parcelas singulares de saber podendo ser mobilizadas para facilitar e tornar prazeroso o processo de aprendizagem ao mesmo tempo em que questionam o saber estabelecido e contribuem para a ampliação geral do conhecimento. Nenhuma autoridade, nenhum saber ofi cial, nenhuma verdade imposta pode impedir o desenvolvimento de novas percepções e valores tampouco impedir o ensino de teorias contrárias a uma política restrita ou a interesses particulares. O segundo, diz respeito à educação como processo permanente. A verdadeira educação não pode ser limitada a uma idade específi ca e a um tempo reduzido na vida do indivíduo. O terceiro princípio é o mais importante de todos: Condorcet, revolucionário de 1789 e constituinte de 1792, sustenta com veemência que não existe partilha do poder sem partilha do saber.

O ideal educativo emancipatório foi sendo aperfeiçoado no mundo todo desde então graças a múltiplas contribuições teóricas e ao enriquecimento advindo de experiências diversas em escolas, programas de alfabetização, de educação popular e de formação contínua de adultos.

O projeto educativo emancipatório está associado a uma fi losofi a política construída a partir dos conceitos de Civilização, Autonomia e Autovalorização. O primeiro deriva de “civilis” expressando o processo social de criação cumulativa no domínio material e intelectual, porém não sendo um processo automático natural nem tampouco uma mudança inespecífi ca. É um conjunto de valores historicamente ampliado dentre os quais destacam-se: a universalização de procedimentos construídos sem imposições ou nivelamentos tirânicos; o alargamento substancial da política através da participação consciente e responsável; a realização individual sem conotações auto-sufi cientes; e o respeito fraterno ao outro, à sua liberdade e diferença (Cattani, 1991, pp.17 a 21). Autonomia remete à idéia de liberdade e autodeterminação, a capacidade de tomar decisões conscientes e responsáveis sem dependências, imposições e avassalamento de espécie alguma. Por fi m, autovalorização, como sinônimo de qualifi cação e aperfeiçoamento contínuo com vistas à competência moral.

O ideal educativo tem como objetivo qualifi car todos os cidadãos, torná-los autodidatas no sentido pleno do termo, ou seja, qualifi cando-os para participar conscientemente da vida social e do trabalho livre, garantindo assim a sobrevivência física, a criação cultural, enfi m, a realização individual e coletiva (Cattani, 2000 – cap. IV).

Segundo estas perspectivas, a educação assume um papel essencial da qualifi cação com vistas à autonomia. Seu conteúdo é defi nido pela construção democrática, solidária e extensiva do saber.

O ideal educativo tem como objetivo qualifi car

todos os cidadãos, torná-los autodidatas no sentido pleno do termo, ou seja,

qualifi cando-os para participar conscientemente da vida social e do trabalho

livre, garantindo assim a sobrevivência física, a criação cultural, enfi m,

a realização individual e coletiva

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[14] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

Sua abrangência é, necessariamente, a mais ampla possível e, nesse sentido, ela se opõe aos mecanismos e princípios elitistas e excludentes e, sobretudo à falsa meritocracia. Educados segundo esses princípios, os seres humanos são capazes de construir reflexivamente projetos de vida e de sociedade. A competência moral decorrente ajuda a avaliar a história, a criar bases para o julgamento e a crítica e, sobretudo, para construir o futuro articulando autonomia e responsabilidade social.

Entendida dessa maneira a educação é uma maravilhosa utopia que embora jamais tenha sido realizada, plena e permanentemente, motivou ativistas sociais nos quatro cantos do mundo. Ela se materializou, com maior ou menor efetividade, em Iasnaia-Poliana, em Summerhill, em Yverdon, nas Écoles du Peuple, nos Centros de Cultura Popular, no Movimento de Educação de Base, nos Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos, nas escolas do MST e em tantas outras experiências e iniciativas.

Como não poderia deixar de ser, o ideal do saber para todos como fator de progresso humano e social construído de forma laica, democrática e participativa, por um lado, padeceu de limitações decorrentes das suas próprias formulações; por outro, encontrou fortíssimas resistências dos detentores do poder.

No primeiro caso, por mecanismos complexos e apesar das boas intenções, a educação libertária apresenta inconsistências teóricas e conceituais (Paiva, 1984). Questiona-se, por exemplo, sobre quem educa o professor do projeto emancipatório. Os impasses são também de natureza material. Considerando a hegemonia do sistema vigente, como mobilizar os imensos recursos necessários para fazer face à nova ordem educativa mundial patrocinada pela OMC, pelo Banco Mundial e pela OCDE? (Laval, 2002).

No segundo caso, os problemas são ainda mais graves. Destacaremos apenas duas situações que impedem a realização do ideal educativo emancipatório. Trata-se da concepção elitista de educação e das estratégias relacionadas à educação corporativa como dimensões dos desígnios do mercado ou do capital.

A concepção elitista da educação é respaldada por eminentes pensadores que, sob vários aspectos, marcaram profundamente os planos educacionais ao longo dos dois últimos séculos. Voltaire, o mais brilhante representante do enciclopedismo iluminista defendia sem pejo que para “o bem da sociedade, os conhecimentos do povo não devem se estender além do que exigem suas ocupações habituais” (cfe. Gaulupeau, 1992, p. 20) no que foi acompanhado pelo precursor dos teóricos liberais Destutt de Tracy para quem “os filhos da classe operária

precisam desde cedo tomar conhecimento e, sobretudo, adquirir os hábitos e os costumes do trabalho penível ao qual se destinam. Eles não podem portando, perder muito tempo nas escolas.” (idem, ibidem, p. 68).

O elitismo se manifestou, direta ou indiretamente, nas elaborações de personagens de vários campos do conhecimento e em importantes organizações políticas, sociais e religiosas. Por exemplo, a religião católica promoveu ao longo dos séculos a formação da nobreza e da aristocracia enquanto desenvolvia práticas assistencialistas e acomodatícias para a população pobre. Em 1878, Leão XIII na Encíclica Quod Apostilici Muneris pontifica sobre a necessidade de favorecer as atividades produtivas tradicionais destinadas aos operários para que “ao amparo da religião, habituem seus sócios a manterem-se contentes com seu destino, a suportarem com merecimento a fadiga e a levarem uma vinda sempre quieta e tranqüila.” A orientação majoritária não mudou desde então: as melhores escolas e universidades das ordens religiosas mais qualificadas continuaram formando as classes abastadas e para a população pobre são desenvolvidos programas assistencialistas mantenedores da situação de subserviência.

O elitismo também se vincula ao Darwinismo Social promovido pelos sociólogos Herbert Spencer e Vilfredo Pareto no final do século XIX e que reaparece hoje em nos posicionamentos de eminentes cientistas (por exemplo, nas declarações racistas de Richard Herrnstein e Charles Murray, autores da The Bell Curve: Intelligence and Class Structure in American Life) e estão subjacentes nas formulações do filósofo Karl Popper e, sobretudo, no pensamento de Friedrich Hayek, prêmio Nobel de

Economia e o principal mentor intelectual do neoliberalismo.

Nos séculos XIX e XX consolidou-se a idéia de sistemas de formação diferenciados. De um lado, escolas destinadas a fornecer rudimentos de instrução, saberes técnicos especializados e aprendizado de operações úteis às empresas. De outro, escolas e universidades para formar e cultivar a elite dirigente. Em face das necessidades ampliadas de reprodução do capital no industrialismo, as elites econômicas perceberam rapidamente os limites dessa espécie de eugenismo caso os dois sistemas permanecessem estanques Por isso, a formação elitista foi aberta para os alunos mais brilhantes do sistema destinado às classes menos favorecidas. Tornado permeável, o sistema mais avançado pode operar uma lenta e criteriosa triagem de expoentes não originados nas elites. O elitismo aristocrático e exclusivista foi cedendo lugar à lógica meritocrática. O resultado não foi a partilha mas a inclusão de novos sujeitos no espaço de poder e com ele comprometido.

As hierarquias constituídas a partir da educação erguem-se como sólidas estruturas materiais e ideológicas contrárias à educação emancipatória para todos. Verdadeiros bastiões contra a igualdade de oportunidades e de direitos, elas são legitimadas pelos alguns quadros teóricos das Ciências Sociais, em especial, o Funcionalismo, e da Economia, particularmente o neoliberalismo. Para ambos, a estratificação social resulta de desempenhos diferenciados e da necessidade de regulação e integração sistêmica. O liberalismo regressivo sustenta que na “sociedade aberta” e no “livre mercado” cada indivíduo ocupa o lugar que corresponde ao seu esforço e à sua contribuição para o produto social. Em outras palavras, cada um tem o que merece. Vigendo a concorrência extremada como propõem os neoliberais a identidade subordinada e os lugares inferiores não resultariam da violência e das relações de poder desiguais e sim do resultado da derrota dos indivíduos menos capazes. Ao concordar com esse princípio, os indivíduos acabam interiorizando a inferioridade como uma segunda natureza.

O elitismo disfarçado em meritocracia e a reprodução das desigualdades pela educação são processos de difícil identificação. Mesmo assim, enfrentam resistências teóricas e práticas na academia e na fábrica obrigando o capitalismo a articular estratégias supletivas para garantir a dominação e assegurar a sua legitimidade. Nada que é social é definitivo e o sistema dominante não se desenvolve em terreno apaziguado e domesticado necessitando revolucionar continuamente o espaço produtivo e os arcabouços ideológicos. As políticas conservadoras que buscam

As políticas conservadoras que buscam subordinar a

educação às necessidades de acumulação do capital envolvem neste início do século XXI a chamada

“educação corporativa” ou “educação empresarial”. Ao caráter conservador e reprodutor da educação tradicional agregam-se

novas iniciativas de caráter formativo que, em grande

medida, atendem aos desígnios do mercado

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[15]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

subordinar a educação às necessidades de acumulação do capital envolvem neste início do século XXI a chamada “educação corporativa” ou “educação empresarial”. Ao caráter conservador e reprodutor da educação tradicional agregam-se novas iniciativas de caráter formativo que, em grande medida, atendem aos desígnios do mercado. Dissemos em grande medida porque não se trata de um processo homogêneo, com características e conseqüências unitárias. De maneira simplificada, é possível destacar três dimensões da educação corporativa.

A primeira abrange práticas já desenvolvidas anteriormente no seio das empresas: estágios formativos, treinamento especializado, atualização de técnicas e saberes. Neste caso, o que era feito pelo departamento de recursos humanos ou pela divisão de treinamento recebe um novo nome, mais charmoso e atual. Socialmente, é diferente para o trabalhador dizer estar cursando a “universidade corporativa” em vez de estar fazendo treinamento. Em alguns casos, a formação interna corresponde a um verdadeiro adestramento para o trabalho mas é conhecida sob o belo nome de “comunidade educativa”. O mundo dos negócios usa com freqüência essa linguagem edulcorada para cativar especialmente os jovens. Por exemplo, o candidato ao emprego não passa mais pela peneira do estágio seletivo mas sim, por um programa de trainnee... Essa primeira dimensão da educação empresarial não é sempre negativa. Seus limites dizem respeito ao caráter impositivo da sua realização e de seus conteúdos destinados à rentabilização do negócio. Mas, para o trabalhador envolvido a incorporação de novos conhecimentos e qualificações pode valorizá-lo no mercado de trabalho. Esse benefício individual, por vezes quase personalizado, deve ser comparado com o que representa como custo social uma vez que os gastos com formação são deduzidos do imposto de renda devido pela empresa. Ou seja, a empresa deixa de recolher tributos cuja destinação deveria ser pública para se beneficiar das vantagens publicitárias com sua “escola” ou “universidade”, além de “fazer bonito” no balanço social. As atividades internas financiadas com dinheiro público não passam pelo crivo dos Tribunais de Conta, do Ministério Público, do Conselho Federal ou Estadual de Educação a exemplo do que acontece com universidades e escolas públicas.

Existe um outro aspecto envolvendo se não uma questão de ética pelo menos uma questão de respeito aos referenciais mais nobres da educação. Trata-se da apropriação do substantivo universidade. De acordo com a etimologia, universidade (do latim universitas proveniente do latim clássico universus), designa a instituição

que tem as funções educativas mais abrangentes, mais completas, enfim, universais. É simplesmente ignominioso utilizar esse substantivo para identificar atividades circunscritas à área de atuação de uma empresa. Já existe a famosa a “Universidade do Hambúrguer” da rede Mac Donald’s. Logo teremos a “universidade do cimento” a “universidade da margarina” e por que não a “universidade do xampu para cabelos oleosos”?

A segunda dimensão corresponde ao “comércio ou a indústria da educação”. Nesse caso, não existem diferenças entre a empresa com atividades produtivas ou comerciais e sua sucursal no ramo da educação. A lógica de funcionamento e os objetivos são exatamente os mesmos. Os princípios produtivistas, o tratamento dos alunos como “clientes” e o lucro a qualquer custo definem um perfil de instituição na qual os valores da educação, a importância da pesquisa e da produção de conhecimento são totalmente ignorados. Os Estados Unidos foram pioneiros da criação dessas organizações claramente mercantis. Dilvo Ristoff lembra alguns casos emblemáticos como o do ex-vendedor de copiadoras Xerox, dono da Education Alternatives Inc. A gestão dessa empresa, via franchising, a exemplo de uma cadeia de lanchonetes, permitiu a ocupação do espaço aberto pela redução da educação pública em vários estados com resultados que depois de alguns anos se revelaram desastrosos. Existem colleges e universidades cotadas na bolsa de valores cujo desempenho é rigorosamente avaliado não pelo Ministério da Educação mas pela evolução do índice Dow Jones ... (Trindade, 1999).

No Brasil essas experiências proliferaram nos últimos anos sem controles públicos mais acurados. Financistas, donos de clínicas médicas, de cursinhos pré-vestibulares, de

grandes imobiliárias, aplicam na educação com a mesma lógica especulativa válida para uma instituição financeira ou para uma empresa industrial. Não obtendo o retorno esperado no investimento, vendem, transferem ou fecham o negócio.

Enquanto as duas dimensões anteriores da “educação corporativa” na pequenez de propósitos são explícitas e se dão mais facilmente a conhecer, a terceira é complexa e representa o contraponto mais contundente ao ideal educativo. Ela remete ao processo de exacerbação da lógica capitalista a todas as esferas da vida humana. Trata-se da infiltração de políticas conservadoras buscando subordinar a educação às necessidades de acumulação do capital; trata-se da imposição de uma lógica mercantil, pragmática, produtivista e utilitarista à formação escolar e universitária e à produção do conhecimento.

Os desígnios do mercado para a educação não são um modismo passageiro. As estratégias em curso envolvem investidas materiais e ideológicas em empresas de educação e, também, na esfera pública buscando moldá-la de forma a atender necessidades pontuais dos setores produtivos. Malgrado a mediocridade dos objetivos do mercado os argumentos parecem convincentes: a educação deve preparar os indivíduos para o mercado de trabalho; de nada adianta formar os estudantes em conteúdos que não os habilitam a se inserirem na esfera produtiva.

É necessário resgatar a recusa kantiana de considerar a educação apenas nos limites impostos pela sociedade muito especialmente por uma sociedade marcada pelos maiores índices de desigualdade do planeta. A educação, instrumento de aperfeiçoamento humano e social, não pode estar limitada às demandas de uma esfera produtiva que remunera seus trabalhadores com salários que estão entre os menores do mundo; por empresas despóticas que recusam a instalação de comissões de fábrica, que impedem ou corrompem a atuação sindical livre; por empresas que alardeiam responsabilidade social mas mantém regimes fabris marcados pelo autoritarismo e pela precarização das relações de trabalho.

Condorcet considerava como essencial na formação do gênero humano o saber que leva à partilha do poder. A “educação corporativa” é exatamente o contrário desse princípio. Ela é parte das estratégias dominantes de acomodar e apaziguar os conflitos no espaço de trabalho e assim consolidar a assimetria de poder. Face aos desígnios mesquinhos e medíocres do mercado para a educação é importante lembrar a frase sobre o ideal educativo sintetizado por Paulo Freire: “A verdadeira educação é prática da liberdade”.

Os desígnios do mercado para a educação não são um modismo passageiro. As estratégias em curso

envolvem investidas materiais e ideológicas em

empresas de educação e, também, na esfera

pública buscando moldá-la de forma a atender

necessidades pontuais dos setores produtivos

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[16] PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

D urante a Marcha pelo Emprego, o Blo-co de Esquerda apresentou um Projec-

to de Lei sobre o Teletrabalho que pretende regular os direitos do teletrabalhador.

Mais do que definir de uma forma biblio-gráfica e sistemática o conceito de Teletra-balho, importa compreender que o mesmo consiste na deslocação geográfica do posto de trabalho para fora da empresa, e afecta-rá, na generalidade dos casos, a forma de organização de grupos, avaliação laboral e a própria forma como a pessoa, o trabalhador, define os tempos de trabalho e de lazer.

É consensual a constatação de que a glo-balização e a emergência da sociedade de informação, aliada ao desenvolvimento dos meios de comunicação, está a alterar rápida e profundamente o mundo do trabalho. As mudanças que daqui decorrem impõem que se procure um equilíbrio para novas formas de organização de trabalho, mais flexíveis no tempo e no espaço, mas que não deixem de garantir e desenvolver ao mesmo tempo a segurança dos trabalhadores, que tenderão necessariamente a ser desagregados da tradicional relação com o local de trabalho e, portanto, ameaçados nos seus direitos. O poder político tem a responsabilidade de observar e compreender a nova realidade e de criar as condições necessárias para en-contrar esse equilíbrio e, simultaneamente, responder aos desafios sociais emergentes de tal mudança.

Surgindo como uma inovação organiza-cional, o Teletrabalho está em expansão e a difundir-se nas sociedades tecnologicamen-

te mais desenvolvidas, por isso, é importante compreender os problemas sentidos e as di-ferenças existentes nesses mesmos países.

Existem várias abordagens sobre Teletra-balho, sendo que as experiências nos EUA e na Europa têm resultados algo diferentes, embora se denote um aumento geral no número de teletrabalhadores. Nos EUA, foi efectuada uma abordagem mais individu-alista sob a perspectiva da prestação de serviços pelo teletrabalhador, o que levou à exploração dos trabalhadores e ao con-sequente desagrado com esta forma de organização, e, por isso, a uma diminuição do número de teletrabalhadores durante alguns anos. Na UE, as experiências mais sérias tiveram o envolvimento dos sectores público e privado, com vista à descentrali-zação do trabalho. Um dos conceitos mais interessantes foi o da criação de redes de

centros de teletrabalho, como Escritório de Vizinhança. A idéia seria a de criar um Cen-tro de Teletrabalho com base numa infra-es-trutura imobiliária já existente (desocupada ou inutilizada), fora dos grandes centros urbanos, que agruparia teletrabalhadores de várias empresas públicas ou privadas. Esta idéia sugere o aproveitamento dos espaços públicos e privados não utilizados, fora das cidades, reconvertendo-os com vista à cria-ção de emprego de base tecnológica.

OS RISCOS...Os teletrabalhadores, sendo isolados do

ambiente de trabalho colectivo, tornam-se menos comunicativos com os colegas e com a própria organização, o que dificulta a coor-denação do trabalho e o desenvolvimento do dinamismo e sinergias próprias do trabalho quase sempre feito em equipa, ainda que funcionalmente diverso. Ao mesmo tempo, a extrema competitividade gerada hoje entre trabalhadores e a dificuldade de avaliação dos níveis de produtividade dos mesmos por parte dos empregadores e coordenadores, gera nestes uma forte desconfiança em rela-ção à sua própria capacidade de avaliação de resultados individuais dos teletrabalhadores e sentem o Teletrabalho como um entrave aos seus usuais procedimentos de gestão e liderança.

Os teletrabalhadores isolados do local de trabalho tradicional sentem grandes dificul-dades em progredir nas carreiras, devido à menor visibilidade de si próprios e do seu trabalho, e também por estarem desligados

Surgindo como uma inovação organizacional, o Teletrabalho está em

expansão e a difundir-se nas sociedades

tecnologicamente mais desenvolvidas, por isso é importante compreender

os problemas sentidos e as diferenças existentes

teletrabalhoIMPEDIR A LEI DA SELVA

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[17]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

trabalho temporárioPS CEDE TUDO AOS PATRÕES

As Multinacionais de Trabalho Tem-

porário instaladas em Portugal pediram uma Lei que as favoreces-se, sendo que o actual Governo correspon-deu de imediato, ten-tando, através do seu grupo parlamentar, fazer passar a inquali-ficável Proposta de Lei sobre esta matéria.

Cons ide ro que , após a entrada em vi-gor do actual Código do Trabalho, que serviu para comprometer seriamente os direitos d@s trabalhador@s, o Projecto de Lei do Grupo Parlamentar do PS constitui o maior ataque aos direitos de quem trabalha.

O referido Projecto - cujo floreado ridículo inicial e a respectiva linguagem cuidado-samente estudada não passam de mano-bras políticas para iludir os mais distraídos - implica, entre outras coisas, a eternização da precarização laboral, possibilitando, inclusivamente, que as empresas possam manter 99% de pessoas com vínculos não efectivos, ou seja, precários.

O Bloco de Esquerda, que desde há mui-to tem vindo a acompanhar esta problemá-tica a nível nacional e internacional, avançou com um Projecto de Lei sobre esta mesma matéria, de forma a limitar ao máximo a existência de Trabalho Temporário e defen-dendo a política do Pleno Emprego.

Enquanto partido responsável e atento às novas realidades laborais, o Bloco ape-nas permite a hipóte-se de haver Trabalho Temporário em casos de actividade sazonal e/ou substituição tem-poral de trabalhadores em regime de férias ou baixa médica.

Estávamos cons-cientes que o Grupo Parlamentar do PS e os partidos de Direita

se iam opor à nossa proposta, tendo em conta que a mesma, para além de limitar sobremaneira o Trabalho Temporário, ia também terminar com a prática abusiva das empresas na promoção de vínculos precá-rios, não contávamos era com a rejeição do PCP a esta proposta só pelo facto de não ter partido do seu Grupo Parlamentar. Afinal, está ou não o PCP interessado em com-bater o Trabalho Precário e juntar-se aos demais partidos e organizações que estão a dinamizar esta luta?

O Bloco de Esquerda continuará na sua luta sem tréguas contra o Trabalho Precário e o Desemprego. O mesmo seria de espe-rar de outros partidos de Esquerda que, infelizmente, estão mais interessados no protagonismo político que, aliado ao carac-terístico “sectarismo”, em nada ajuda a luta das classes mais desfavorecidas.

RUI VIEIRA

ESTES DOIS TRABALHADORES NÃO SÃO IGUAIS

UM DELES TEM OS DIAS CONTADOS

da interacção pessoal necessária com os co-legas e com as estruturas de coordenação.

A SITUAÇÃO

ACTUAL E POSSÍVEIS OPORTUNIDADES

Portugal apresenta um elevado desen-volvimento do sector terciário quando com-parado com outros sectores de actividade económica, contrariado pelo atraso na apli-cação das novas tecnologias da informação e pelo elevado custo da sua utilização. Ao mesmo tempo, temos a litoralizaçao do investimento e do desenvolvimento econó-mico, sendo que existe um grande custo na estrutura imobiliária das empresas, citas, na sua maioria, nos grandes centros urbanos.

É indiscutível o grande interesse social do Teletrabalho, desde logo como instrumento para criar novos empregos e neles integrar cidadãos com deficiência, promover o de-senvolvimento regional, diminuir o tráfego rodoviário nos centros urbanos, aumentar a disponibilidade de tempo do trabalhador em benefício da vida familiar e social.

Já existem algumas iniciativas sobre Tele-trabalho por parte de algumas (muito poucas), empresas, mas unicamente sedeadas nos grandes centros urbanos, o que mais uma vez não deixa de ser surpreendente, pois o Teletrabalho define-se, em boa parte, pela sua capacidade de distribuição espacial, desde que a infra-estrutura tecnológica o permita.

ILAÇÕES A RETIRARA utilização ou não do Teletrabalho como

uma ferramenta progressista para uma nova organização do trabalho é algo que depende do estado, das empresas e do trabalhador. O estado terá, antes de tudo, duas atribuições essenciais: estabelecer regulamentação que proteja o trabalhador nos seus direitos e pro-mover a descentralização através do empre-go fora dos grandes centros urbanos.

Quanto às empresas, será mais um mo-mento em que observaremos a real capaci-dade de inovação organizacional, de mudan-ça dos métodos de trabalho, dos paradigmas da avaliação laboral, algo que não poderá ser imputado ao trabalhador. Será testada a relação de confiança entre o patronato e o trabalhador. Serão postos em causa os usuais métodos de troca de informação e co-municação institucional. Será necessária uma nova forma de organização da vida pessoal e profissional do trabalhador.

Teremos, agora e no futuro próximo, a opor-tunidade de reflectir sobre algo que se afigura inevitável, e que, mais tarde ou mais cedo mudará a forma de prestação e organização do trabalho em imensas áreas de actividade. Não deve, portanto, o receio de criação de no-vas formas de exploração laboral, limitar-nos a aproximação, reflexão e proposta para o tema em causa. Não precisam de licença os legisladores da exploração laboral, e nós não precisaremos de licença para defender um caminho alternativo e moderno.

RUI MAIA

O projecto-lei do PS implica, entre outras coisas, a eternização

da precarização laboral, possibilitando, inclusivamente, que as

empresas possam manter 99% de pessoas com vínculos não efectivos,

ou seja, precários

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imigraçãoUM MURO ATÉ AO CÉU

“No Fortress Europe”, ou Não à For-taleza Europa, é uma campanha

lançada pelo GUE/ NGL com o objectivo de chamar a atenção para o drama diário de milhares de pessoas, homens e mulheres, que diariamente cruzam o mediterrâneo na esperança de trabalho e uma vida melhor.

Esta campanha alerta para a urgência do encerramento de todos os centros de de-tenção temporária para imigrantes clandes-tinos, reforçando que, de um ponto de vista legal e humanitário, é inaceitável deterem-se pessoas que não cometeram qualquer tipo crime senão o de imigrar.

Nos 25 Estados-Membros existem 178 centros de detenção, locais onde reina a in-justiça, a desumanidade, autênticas prisões, sobrelotadas, onde a violência sobre os imi-grantes impera, onde é proibida a actividade das organizações não governamentais de direitos humanos, onde jornalistas e activis-tas não podem entrar.

Não se sabe ao certo o que se passa den-tro destas estruturas porque o seu acesso é limitado. Sabe-se, porém, que os imigran-tes, e também muitos refugiados, permane-cem ali, não andam nem para a frente, nem para trás.. Ficando, simplesmente, a meio caminho.

Mas comecemos pela expressão “Forta-leza-Europa”. Esta surge na sequência dos Acordos Schengen, inicialmente assinados por cinco estados-membros, França, Ale-manha, Bélgica, Luxemburgo e a Holanda, com o objectivo de suprimir os controlos fronteiriços entre estes países e determinar uma política comum de vistos. Aos poucos, o espaço Schengen foi aumentando, in-cluindo quase todos os estados-membros, com excepção do Reino Unido e Irlanda.

Os Acordos tinham como objectivo prin-cipal facilitar a liberdade de circulação dos nacionais destes estados-membros, mas, para compensar esta “liberdade” dentro da área Schengen, era determinante impedir a entrada de cidadãos de estados terceiros.

Inevitavelmente, foram adoptadas medidas de coordenação comuns, cada vez mais restritivas, relacionadas com vistos, direito de asilo e verificações nas fronteiras exter-nas.

Presentemente, entre muitas outras me-didas restritivas relativas ao direito à mobi-lidade dos migrantes, para além dos Centro de Detenção, destaco duas: o Frontex e a Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o re-gresso de nacionais de países terceiros em situação irregular.

Começando pelo Frontex. A missão desta agência da União Europeia consiste no auxí-lio aos estados-membros para a implemen-tação de regras comunitárias com o objecti-vo de um controlo mais eficaz nas fronteiras externas. Este auxílio apresenta-se sob a forma de um corpo policial Europeu, alta-mente especializado, destinado a proteger as fronteiras externas dos imigrantes e re-fugiados.

Quanto à Directiva do Parlamento Euro-peu e do Conselho, o seu maior objectivo é a criação de um quadro harmonizado relativo ao procedimento do retorno dos migran-tes. Esta directiva aplica-se aos cidadãos nacionais de países terceiros que entram, na Europa, de uma forma ilegal, ou aqueles cuja autorização para residir expirou.

A directiva articula quatro capítulos: a cessação da permanência irregular; a deci-são de retorno (repatriação); as detenções administrativas (até seis meses); a detenção noutro estado-membro.

Esta directiva é, sem sombra de dúvida, a confirmação das restrições à imigração executada pelos estados-membros.

A directiva legaliza as detenções adminis-trativas aos migrantes, o que significa que os centros de detenção vão continuar. Os mecanismos de protecção às pessoas mais vulneráveis, como os menores e idosos, necessitam de ser fortalecidos; existe uma fraca regulação na reunificação familiar; a proibição de reentrar num estado-membro poderá inibir o direito ao asilo.

Parece-me essencial sublinhar que uma das razões que leva os refugiados e imigran-tes a entrarem ilegalmente na Europa é a extinção, por parte dos governos, de todas as opções legais para a imigração daqueles que querem livrar-se de condições de vida insustentáveis: conflitos, perseguições e adversidades.

Ao desenharem-se medidas como estas limita-se o direito à mobilidade, dificulta-se a imigração legal, constrói-se a fortaleza. É necessária uma abordagem transversal para a imigração que incida, em primeiro lugar, na legalização de todos os imigrantes em situ-ação irregular, na abertura de canais legais para a imigração, no combate ao tráfico de pessoas, na protecção do direito de asilo, em políticas de integração na sociedade de acolhimento e na cooperação com os paí-ses de origem da imigração.

MÓNICA FRECHAUT

Nos 25 Estados-Membros da UE existem 178 centros

de detenção, locais onde reina a injustiça, a

desumanidade, autênticas prisões, sobrelotadas,

onde a violência sobre os imigrantes impera, onde é proibida a actividade das organizações não

governamentais de direitos humanos, onde jornalistas

e activistas não podem entrar

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[19]PARTICIPACÇÃO | NOV/DEZEMBRO 2006

Em várias reuniões sindicais surgiram activistas opinando pela marcação rá-

pida de uma greve geral. Este debate é mui-tas vezes inquinado, porque parte de con-ceitos diferentes do que é uma greve geral, porque parte de avaliações das lutas actuais que não corresponde verdadeiramente à realidade, porque parte de vontades exclusi-vamente sindicais e não de visões de classe sobre o problema, porque têm, por vezes, objectivos a atingir que não os da classe trabalhadora…

Vejamos algumas notas sobre o assunto:1. Conceito. Uma greve geral, hoje,

não tem o mesmo sentido, as mesmas características e condições de há 20 ou 30 anos. O conceito de greve geral, hoje, será mais o de uma greve política – uma luta onde se apela à participação de todos e se marcam posições claras. Nas actuais condições, não é mais uma greve onde todo o país fi ca paralisado. A última greve geral de 10 de Dezembro de 2002, sinalizada em primeiro lugar pelo Bloco, era indispensável. Porque o movimento sindical não podia deixar de afi rmar a sua oposição ao pacote laboral.

2. As condições objectivas são também muito diferentes. Em primeiro lugar, porque uma condição objectiva caracteriza o proletariado de hoje: a fragmentação e a precariedade. Acresce o elevado nível de desemprego. E as condições a conseguir para essa greve geral não passam por ir somando greves atrás de greves, desgastando os sectores mais activos da luta.

3. O agravamento da luta derrota o governo? Todos os dados indicam que não. As lutas são mais de resistência e de protesto. O governo está determinado a cumprir o plano liberal da burguesia, no entanto, muitas vezes induz a ideia de “é o que se pode fazer, a direita ainda queria pior”. E o governo vai mantendo, apesar do desgaste que as lutas lhe provocam, uma elevada taxa de aprovação em sondagens.

4. Porquê o sucesso do protesto geral

e da manif dos professores? Os dados parecem indicar que a “malta quer ir de-monstrar que está chateada com o governo, a malta está revoltada, foi enganada”. E isso sente-se em particular na base de apoio do PS nomeadamente na administração pública. Portanto, a fase parece ser mais de protesto, menos de “vamos derrotar o governo” ou acreditar que “vamos impedir as medidas do governo”. Não signifi cando isto que através da luta não se obte-nham ganhos pontuais a favor dos tra-balhadores.

5. Depois há outras condições políticas a ter em conta: o governo pretendeu dividir os trabalhadores do público e do privado, muitos funcionários públicos andam com medo de ir parar aos supranumerários (a presença em plenários está fraca), o dinheiro do dia da greve faz falta, a repressão é imensa, as lutas são poucas, a solidariedade com elas ainda menos (veja-se o Metro), os transportes já não param com a mesma facilidade, os metalúrgicos perderam papel, sindicatos da CGTP já assinam contratos colectivos com caducidade incluída…

6. E o centro táctico da resposta sindical? Afi rmamos a independência dos sindicatos,

não queremos comandar d i recções ou dirigentes sindicais, mas devemos e podemos assinalar opiniões coincidentes ou divergentes. As questões da segurança social, precariedade, contratação colectiva, salários, defesa dos direitos estão no centro das lutas e a CGTP tem-nas analisado positivamente. Também nas formas das lutas a CGTP tem estado positiva: afi rmação de protesto geral, iniciar protestos ao fim-de-semana (para evitar descontos), apresentação de alternativas, por exemplo na segurança social. A Manifestação Nacional e Geral do próximo dia 25 de Novembro, onde iremos participar, enquadra-se claramente na resposta que temos de dar a todos estes ataques do governo. A convergência de lutas é positiva e deve continuar. O objectivo da luta é desgastar o governo, não desgastar os trabalhadores!

7. O referendo à despenalização da IVG dificulta a luta? Em alguns lugares têm-se ouvido afirmações de que “o referendo vai retirar visibilidade à luta de classes”, o “referendo vem empatar as lutas”. Cabe dizer que a luta sindical é só uma das componentes da luta de classes. Na sua luta contra a burguesia, contra os conceitos mais conservadores que impregna, interessa, e muito, à classe trabalhadora ganhar o referendo. Mobilizar os trabalhadores para votar é mesmo uma importante tarefa dos sindicatos e das CTs. A visão de que o referendo “empata” não é uma visão classista, é uma visão pseudo-sindicalista atrasada. O referendo não empata as lutas, pelo contrário, até ajuda os trabalhadores a discutirem política. A coincidência da posição pelo sim do PS e de Sócrates não atrapalha a oposição à sua política. E a vitória no referendo pode impulsionar os trabalhadores em ganhar confiança e outro ânimo para TODAS as lutas futuras.

FRANCISCO ALVES E VICTOR FRANCO

A Manifestação do próximo dia 25 de Novembro,

onde iremos participar, enquadra-se claramente na resposta que temos de dar a todos estes

ataques do governo. A convergência de lutas é

positiva e deve continuar. O objectivo da luta é desgastar o governo,

não desgastar os trabalhadores!

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Page 20: PARTICIPACÇAO CÇAO - esquerda.net · missões de protecção de menores e, tantos, ... direitos e condições laborais, ... Mesmo a racionalização dos serviços e a maior rentabilidade

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O s meses que se aproximam, até à realização do referendo sobre a

Interrupção Voluntária da Gravidez, são meses de intenso trabalho de esclareci-mento, mas, sobretudo, de mobilização. Cada um de nós deve ter consciência que a participação na votação, e a vi-tória do Sim, signifi carão a primeira vi-tória da Esquerda, em muitos anos, em Portugal. E cada um de nós terá que ter consciência do que essa vitória poderá signifi car como alento e como caminho para outras lutas e para futuras vitórias.

Como mulher e como trabalhadora, não me parece que haja necessidade de discutir grandemente a forma de como chegarmos aos nossos colegas nos locais de trabalho. Como mulher e como trabalhadora sei o que leva uma mulher a optar por interromper uma gravidez. E, claramente, sei como o transmitir. Todos sabemos. Todos sabemos transmitir aos nossos colegas que a luta pela Escolha, é uma luta da justiça contra a descriminação, da verdade contra a hipocrisia, da responsabilidade contra a insegurança e, muitas vezes, a morte. Todos saberemos transmitir aos nossos colegas que o que está em causa é a luta por uma maternidade e uma paternidade conscientes, é a luta por ter fi lhos desejados. Por ter crianças amadas. Adolescentes apoiados e compreendidos. Homens inteiros. É a luta contra a hipocrisia de achar que as preocupações com a vida devem acabar no momento do nascimento. E é, também e fundamentalmente, a luta pela dignidade da mulher que a impeça de ser julgada, humilhada e condenada por um acto doloroso, mas que ela entende indispensável para a sua vida

como Mulher e como Mãe.Mas como mulher de

Esquerda parece-me que é fundamental

que consigamos t r a n s m i t i r a t o d o s a consciência da importância desta luta e desta vitória. É

necessário que as Comissões de

Trabalhadores, as Organizações Sindicais, façam, diariamente até ao Referendo, um trabalho de mobilização. Temos que chegar a cada trabalhador e a cada trabalhadora. A cada jovem. E temos que aproveitar para lhes lembrar a hipocrisia dos que falam em vida, quando uma jovem mulher para arranjar emprego tem que se comprometer a não engravidar, quando uma mulher, se engravida, deixa imediatamente de ser chamada pelas empresas de trabalho temporário ou não vê o seu contrato de trabalho renovado. E é constantemente pressionada para não usar os seus direitos de assistência à família ou ao fi lho menor.

E estes esclarecimentos servirão também para separar as águas de quem vê no Referendo sobre a despenalização da IVG um passo decisivo para a dignificação da mulher mas não se esquece que essa dignifi cação passa por tantos outros passos, pelo trabalho com direitos, pela estabilidade no emprego, pelo fim da chantagem...e aqueles que vêem no Referendo, sobretudo, uma forma de se “limparem” dos constantes atropelos e atentados a todos os outros direitos.

Umas palavras sobre a necessidade ou não de referendo. Pela minha parte sempre o considerei necessário. Sobretudo, e se mais razões não houvesse, porque conheço a Direita deste País. A Direita deste País não é a Direita de Simone Veil. E a Direita deste Pais um dia, possivelmente, voltará a ter uma maioria na AR. E é uma Direita retrógrada, revanchista, vingativa, falsamente moralista. Que não se coibiria de, com o pretexto de que a Esquerda tinha “legalizado o aborto” contra a vontade dos portugueses, voltar a alterar a Lei, na primeira oportunidade.

Contudo, neste momento, essa discussão deixou de fazer sentido. O Referendo está marcado e temos que o vencer. Espero que o Movimento Sindical não fi que refém de uma posição, da qual não vale agora a pena discutir a razão ou falta dela, e intervenha activa e seriamente nesta luta. A bem dos trabalhadores. A bem das mulheres. A bem da Esquerda. E como garantia de novas vitórias no Futuro.

Finalmente, uma palavra sobre a táctica perversa da Direita que pretende vender a ideia de que se o Não ganhar as mulheres não serão penalizadas se recorrerem à interrupção clandestina da gravidez, porque, imediatamente a seguir, apresentarão na AR um projecto de Lei para que a Lei não alterada...não seja cumprida.

Este tipo de impunidade que a Direita pretende não é novo. E existe em tantos outros lugares e momentos da nossa vida colectiva. Mas não podemos pactuar com este tipo de manobras. Sob pena de estarmos a deixar que se desvirtuam as bases fundamentais do Estado de Direito. No Estado de Direito as leis devem ser cumpridas. E, quem as não cumpra, julgado e penalizado. A alteração da lei é a única forma de impedir que mulheres sejam julgadas e penalizadas por interromperem a gravidez a seu pedido, até às dez semanas. Tudo o resto são manobras ilegais, antidemocráticas, próprias de Estados em que a impunidade vence a Justiça. Que os trabalhadores e a Esquerda não podem permitir que Portugal, defi nitivamente, se torne.

VAMOS ACABAR COM A CRIMINALIZAÇÃO DAS MULHERES!

ISABEL FARIA

referendoMOBILIZAR PARA A VITÓRIA

entende indispensável para a sua vida como Mulher e como Mãe.

Mas como mulher de Esquerda parece-me

que é fundamental que consigamos t r a n s m i t i r a t o d o s a consciência da importância desta luta e desta vitória. É

necessário que as Comissões de

com direitos, pela estabilidade no emprego, pelo fim da chantagem...e aqueles que vêem no Referendo, sobretudo, uma forma de se “limparem” dos constantes atropelos e atentados a todos os outros direitos.

Temos que chegar a cada trabalhador e a cada trabalhadora. A cada jovem. E temos

que aproveitar para lhes lembrar a hipocrisia

dos que falam em vida, quando uma jovem mulher para arranjar emprego tem que se comprometer a não

engravidar