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165R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 165179, jul./dez. 2017
Partidos políticos na visão do TSE (Palestra realizada por Luiz Carlos gonçalves,1 Eneida Desiree Salgado2 e Henrique Neves da Silva,3 no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral)
Relatores
Wagner Luiz Zaclikevis4
André Eiji Shiroma5
Resumo: No Brasil, as recentes manifestações que levaram milhares de cidadãos às ruas ilustram a insatisfação com a democracia representativa, em especial pela descrença nos partidos políticos. Em grande medida, essa insatisfação tem relação com a atuação dos próprios partidos, pouco comprometidos com uma ideologia política bem definida. No entanto, com a Constituição de 1988, fundada nos ideais de pluralismo político e partidário, os partidos políticos adquiriram a importante função de canalizar os anseios sociais por meio da mediação da relação entre o povo e o Estado na formação da vontade política, o que se vê claramente no fato de as agremiações deterem o monopólio das candidaturas. Essa valorosa perspectiva democrática, todavia, vem sendo paulatina e silenciosamente corroída por mudanças na legislação promovidas pelos partidos de maior influência que, sob o pretexto de estarem realizando a tão almejada reforma política, estão a aniquilar forças políticas de menor expressão e, com isso, enfraquecer o sistema constitucional democrático representativo. É o que o presente estudo busca demonstrar.
Palavras-chave: Partidos políticos. Democracia. Pluralismo político.
Sumário: 1 introdução – 2 A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – Debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas – 3 A isenção de responsabilidade do dirigente partidário em caso de desaprovação de contas e de atos ilícitos – 4 Novas regras para criação e funcionamento dos partidos políticos – 5 Considerações finais – Referências
1 Procurador Regional da República. Relator geral da Comissão de Juristas para a Reforma Penal. Mestre e Doutor em Direito do Estado.
2 Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Estágio de Pós-Doutoramento junto ao instituto de investigaciones Jurídicas da Univercidad Nacional Autónoma de México. Professora do Departamento de Direito Público e do Programa de Pósgraduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da UFPR. Pesquisadora e Vice-Líder do Núcleo de investigações Constitucionais da Universidade Federal do Paraná.
3 Advogado. ExMinistro do Tribunal Superior Eleitoral.4 Pósgraduado (lato sensu) em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo (2014) e em Direito Administrativo
pelo instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2013). graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba – Unicuritiba (2012). E-mail: <[email protected]>.
5 Pósgraduado (lato sensu) em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo – UP (2015). Pós-Graduado (lato sensu) em Processo Civil pelo instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2014). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba – Unicuritiba (2012). Advogado.
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WAGNER LUiz zACLikEViS, ANDRÉ EiJi SHiROMA
1 introdução
No período de redemocratização, era necessário assegurar a construção de
um Estado voltado a garantir a dignidade da pessoa, a liberdade dos cidadãos e a
soberania do povo, a fim de que as sequelas deixadas pelo regime militar fossem
superadas e uma nova era de perspectiva democrática fosse implantada. A Consti
tuição de 1988 fundouse nesses pilares, consignandose, já em suas primeiras
linhas, que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político
(art. 1º, caput e incisos, da Constituição).
Já na sequência, no parágrafo único do art. 1º, a Constituição estabelece que
“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”, de modo a deixar clara a adoção de
uma democracia representativa.
Para a consagração do sistema político adotado, atribuiuse aos partidos
políticos a importante tarefa de mediar a relação entre o povo e o Estado, organizando
as mais variadas aspirações do meio social para conduzilas ao espaço de debate
político e, enfim, formar a vontade política de Estado.6
Para tanto, garantiramse aos partidos liberdade e autonomia para seu fun
cionamento, prevendose, inclusive, o regime jurídico de direito privado, observadas
certas formas de controle impostas pela Constituição. Ou seja, para assegurar que
os partidos canalizem os anseios sociais de maneira independente, como requer
uma democracia forte e efetiva, a própria Constituição garantiu ampla liberdade e
autonomia às agremiações. O monopólio das candidaturas eleitorais pelos partidos
políticos é fruto desse ideal.
Essa louvável função, todavia, acabou sendo desempenhada de maneira
defeituosa pelos partidos. Sintoma claro disso está nas manifestações populares
de 2013, nas quais se observou uma crescente onda de insatisfação com todos os
partidos políticos existentes, que logo culminou no pedido de reforma política.7
Em 2015, sob a alegação de terem incorporado o desejo social advindo das
ruas, o legislador, por meio da Lei nº 13.165, tratou de promover a alteração da
Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95), o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) e
a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97).
A reforma dessas leis, todavia, não contribui para o aprimoramento do modelo,
pelo contrário, fere o sistema constitucional democrático representativo por dificultar
6 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.7 FARAH, Marta Ferreira Santos. Política e sociedade: as manifestações de rua de 2013 e 2015. Estadão,
12 maio 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/gestaopoliticaesociedade/politicaesociedadeasmanifestacoesderuade2013e2015/>. Acesso em: jan. 2017.
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PARTiDOS POLÍTiCOS NA ViSÃO DO TSE (PALESTRA REALizADA POR LUiz CARLOS GONÇALVES, ENEiDA DESiREE SALGADO...
a ocorrência de uma equilibrada disputa eleitoral em razão do desigual tratamento
dispensado aos partidos políticos, de forma a prejudicar a renovação da classe
política, tão salutar para a efetivação da democracia.
2 A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – Debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas8
A legislação eleitoral vem sendo alvo de sucessivas alterações sob o pretexto
de se realizar a almejada reforma políticoeleitoral. Contudo, ao contrário do que se
divulga e na contramão dos anseios democráticos, as alterações acabam por dimi
nuir os competidores na arena política, como se observa, por exemplo, na redução
dos meios lícitos de propaganda eleitoral que, no final das contas, beneficia os já
detentores do mandato.
Da mesma forma, ao contrário do apregoado por seus defensores, as mu
danças da lei eleitoral também repercutem negativamente na esfera partidária, na
medida em que provocam o fortalecimento dos maiores partidos e, inversamente, o
enfraquecimento dos menores, de modo a inviabilizar uma real e equilibrada disputa
eleitoral.
O desigual tratamento dispensado aos partidos políticos, ocasionado pelas
recentes alterações da lei eleitoral, fica evidente ao se ver que a Lei nº 13.165/2015
imunizou os dirigentes partidários, e somente eles, na esfera cível e criminal;
exigiu que os apoiamentos para a criação de novos partidos sejam feitos apenas
por eleitores não filiados a nenhum outro partido; reduziu o tempo de propaganda
eleitoral gratuita para 45 dias; restringiu o acesso de partidos menores nos debates
eleitorais e diminuiu o tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão desti nados
aos partidos de menor expressão.
Tais alterações implementadas pela Lei nº 13.165/2015, todavia, não obser
vam o regime políticopartidário instaurado com a Constituição de 1988.
É relevante destacar que, no período pósditadura militar, o sistema político
brasileiro sofreu profundas modificações, muito em razão da desastrosa experiência
vivida durante a ditadura. Fundada em novos ideais, a Constituição de 1988 asse
gurou expressamente o pluralismo político como fundamento do Estado Demo crático
de Direito, proporcionando, assim, novas perspectivas democráticas a uma socie
dade duramente reprimida pelo regime totalitário:
8 Baseado na palestra de Eneida Desiree Salgado, “A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.
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A nova carta não só restaurava as bases federativas, democráticas e representativas do sistema republicano, destroçadas em nosso país pelo unitarismo da ditadura, como colocava a matéria partidária no capítulo dos direitos e das garantias individuais, fazendo uma inovação de extraordinário alcance político, em perfeita consonância com o adiantamento institucional da democracia que se renovara após o triunfo sobre os regimes totalitários de extrema direita.9
Uma das facetas do pluralismo político garantido no período de redemocratiza-
ção revelase na autonomia assegurada aos partidos políticos, na forma do caput e
parágrafos do art. 17 da Carta Magna, ressalvadas as formas de controle previstas
no próprio texto constitucional (incisos do art. 17). E desse regime constitucional dos
partidos políticos extraise o pluripartidarismo, garantia concebida para se contrapor
à repressão política do regime militar:
Em razão das sequelas deixadas pela ditadura militar que, pelo Ato institucional n. 2, impôs o bipartidarismo, como forma de fortalecer a democracia a Constituição Federal garante o pluripartidarismo possibilitando a todas as correntes políticas sua representação no panorama político, desde que consigam um mínimo de apoio eleitoral.10
Assim, o pluralismo político e seus corolários expressam, em última análise, a
impossibilidade de se restringir o funcionamento dos partidos, ressalvadas as formas
de controle previstas na própria Constituição, e de tratálos de maneira desigual no
jogo eleitoral.
As prerrogativas partidárias expressas na Constituição foram valoradas pelo
Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da chamada cláusula de barreira,
lei editada pelo legislador ordinário que restringia o funcionamento parlamentar de
partidos que não atingissem determinado desempenho eleitoral, o que produzia con
sequências no rateio do fundo partidário e na distribuição do tempo de televisão e
rádio para a difusão dos ideais partidários, que são prerrogativas constitucionais
elementares para a existência e funcionamento dos partidos.
No julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade nºs 1.351 e 1.354,
o Supremo Tribunal Federal declarou a cláusula de barreira inconstitucional ao
fundamento de que as prerrogativas constitucionais dos partidos políticos devem
ser rigorosamente observadas pela legislação ordinária:
9 BONAViDES, Paulo. A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta. in: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes; VELLOSO, Carlos Mário da Silva (Coord.). Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 31.
10 VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 122.
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PARTiDOS POLÍTiCOS NA ViSÃO DO TSE (PALESTRA REALizADA POR LUiz CARLOS GONÇALVES, ENEiDA DESiREE SALGADO...
Relembrem: como fundamento da República, versouse o pluralismo político e, quanto aos partidos políticos, previuse a livre criação, fazendose referência, de maneira clara, ao pluripartidarismo. Tratou-se do caráter nacional das entidades para, a seguir, disporse que os partidos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, devendo ter os estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. O que se contém no artigo 17 da Carta Federal diz respeito a todo e qualquer partido político legitimamente constituído, não encerrando a norma maior a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer de inanição, quer sob o ângulo da atividade concreta no Parlamento, sem a qual é injustificável a existência jurídica, quer da necessária difusão do perfil junto ao eleitorado em geral, dado indispensável ao desenvolvimento relativo à adesão quando do sufrágio, quer visando, via fundo partidário, a recursos para fazer frente à impiedosa vida econômico-financeira. Em síntese, tudo quanto venha à baila em conflito com os ditames maiores, os constitucionais, há de merecer a excomunhão maior, o rechaço por aqueles comprometidos com a ordem constitucional, com a busca do aprimoramento cultural.11
qualquer tentativa de restrição ao funcionamento e à existência de um partido
político, portanto, tal como a cláusula de barreira, contraria a Constituição.
Não há como negar, portanto, a relevância dos partidos para a consagração da
democracia no atual sistema político brasileiro, como bem ressalta a doutrina cons
titucional segundo a qual a “ação política realizase de maneira formal e organizada
pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre
o povo e o Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no
que concerne ao processo eleitoral”.12
Nessa esteira, a fim de que a vontade política por eles mediada seja ade
quadamente aferida e transmitida para a formação da vontade do Estado, os partidos
políticos também devem aplicar internamente os princípios democráticos, como
destaca Mezzaroba:
Na perspectiva democráticopartidária de Leibholz (1980), por exemplo, a Democracia intrapartidária constituise em pressuposto mínimo para que se mantenha a racionalidade da formação da vontade do Estado, traduzindo um tipo de representação política radicalmente democrática. isto é, aquela que se coaduna com a organização racional dos mecanismos de aferição da vontade coletiva, entendendose aqui a racionalidade como princípio democrático da formação da vontade do Estado.
11 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.351. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&dociD=416150>. Acesso em: jan. 2017.
12 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 782.
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As estruturas intrapartidárias de perfil não comprometido com os ditames democráticos excluem a possibilidade de plena realização das potencialidades políticas do partido. Tal modelo de partido lembra a famosa e já mencionada Lei de Ferro da Oligarquia de Robert Michels (1982), em que a íngreme verticalidade interna dos partidos sufoca qualquer possibilidade de livre expressão de seus membros não dirigentes.13
Frente a esse cenário, a inclusão do §13 ao art. 37 da Lei nº 9.096/1995
pela Lei nº 13.165/2015,14 que impossibilita sobremaneira a responsabilização civil
e criminal dos dirigentes partidários, criou uma espécie de imunização específica
para os dirigentes, de maneira a afetar a igualdade entre os filiados e a abalar a
democracia interna, atingindo, em última análise, o próprio Estado Democrático de
Direito por prejudicar a aferição da real vontade política mediada pelos partidos.
Além de abalar a democracia interna dos partidos, a Lei nº 13.165/2015 alte
rou o art. 7º, §1º, da Lei dos Partidos Políticos para fazer constar que só poderão
dar apoiamento à criação de uma nova sigla eleitores não filiados a outros partidos,
o que fere as prerrogativas constitucionais asseguradas às agremiações, em especial
o pluralismo político e partidário, por dificultar o quórum necessário para a criação
de novas siglas e restringir a liberdade política do eleitor.
A própria redução do período de campanha eleitoral para 45 dias, conforme a
nova redação do art. 36 da Lei nº 9.504/97 dada pela Lei nº 13.165/2015, tende
a congelar as forças políticas, gerando uma situação de favorecimento daqueles que
já estão numa situação de poder, uma vez que estes mais facilmente conseguem
acesso aos meios de comunicação em comparação aos demais candidatos. O mero
exercício do mandato proporciona maior projeção da imagem dos já mandatários e
candidatos à reeleição, colocando-os em vantagem em face dos demais candidatos
que possuem somente 45 dias para divulgar a candidatura.
Destaca-se, ainda, a nova redação do art. 46 da Lei nº 9.504/1997, que prevê
que somente os candidatos de partidos com representação superior a nove depu
tados têm participação obrigatória nos debates eleitorais:
Art. 46. independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação superior a nove Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte: [...]. (Grifos nossos)
Tal mudança da lei eleitoral exclui dos debates as vozes e os pensamentos dos
partidos pequenos, o que inviabiliza a disputa eleitoral em um ambiente isonômico
13 MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005. p. 5152.14 Art. 36, §13, da Lei nº 9.096/1995.
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e sufoca as minorias, ferindo as premissas do sistema político inaugurado com a
Constituição de 1988:
Em primeiro lugar, esse estado de coisas impõe aos candidatos um tratamento desigual. Os candidatos que participam dos debates têm maior projeção na mídia, têm um espaço privilegiado de contato com o eleitor e difusão de suas ideias. Candidatos de partidos que não possuem deputados federais perdem essa excelente oportunidade. Há quem sustente que a legislação não poderia respaldar a participação em debates de candidatos nãorepresentativos, pois são candidatos de “partidos nanicos”, que não possuem representatividade alguma. Mais ainda: que assegurar a participação de todos os candidatos inviabilizaria a própria realização dos debates, porque as emissoras de TV não teriam interesse em sua realização quando obrigadas a convidar mais de quatro candidatos, eis que haveria uma quantidade excessiva de candidatos, muitos dos quais seriam “inexpressivos”.
Ora, a República tem como um de seus fundamentos o “pluralismo político” (Art. 1º, inciso V da Constituição). O “pluripartidarismo” é crité rio a ser necessariamente observado no contexto da liberdade de organização partidária (Art. 17). De que adianta então a Constituição assegurar a criação e o funcionamento de tantos partidos quantos sejam livremente criados por setores da sociedade para a representação e de fesa de determinadas concepções políticas se, na hora de disputar a representatividade eleitoral em mandatos, essa liberdade não se materializa em igualdade de oportunidades?
Se os partidos políticos legalmente criados e registrados não possuem deputados federais, terão mais dificuldade de tê-los quanto menos espaços e oportunidades tenham de acesso à mídia e ao eleitor. Grandes partidos brasileiros da atualidade começaram “nanicos” e cresceram na preferência do eleitorado também a partir da maior exposição, maior contato com o eleitor e propagação de suas plataformas por via da comunicação social.15
Nesse tema, vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.488, decidiu conferir interpretação conforme
ao art. 46 da Lei nº 9.504/1997, com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015:
para esclarecer que as emissoras ficam facultadas para convidar outros candidatos não enquadrados no critério do caput do art. 46, independentemente de concordância dos candidatos aptos, conforme critérios objetivos, que atendam aos princípios da imparcialidade e da isonomia e o direito à informação, a ser regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral.16
15 gENTiL, Maurício. Debates eleitorais e pequenos partidos. Infonet, 23 ago. 2016. Disponível em: <http://www.infonet.com.br/blogs/mauriciogentil/ler.asp?id=190337&titulo=mauriciomonteiro>. Acesso em: 12 jun. 2016.
16 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.488. Disponível em: <http://
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A decisão de certa forma contribui para a isonomia de tratamento ao impedir o
veto dos demais candidatos à participação de outros candidatos que não atingiram
o critério do caput do art. 46, mas não soluciona a questão em definitivo, pois se
a emissora decidir por não convidar tais candidatos de participação facultativa, o
prejuízo irá persistir.
Por fim, a diminuição do tempo de rádio e televisão para a propaganda eleitoral
dos partidos com menor representatividade, conforme o art. 47, §2º, i e ii, da Lei
nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015, também acaba por ofen
der os princípios constitucionais relativos ao sistema políticopartidário de ideal
democrático, já que reduz drasticamente não apenas as chances, mas também a
real participação das minorias no espaço de debate político.
Essa disparidade na distribuição do tempo de propaganda no horário eleitoral
gratuito fundada no desempenho eleitoral dos partidos políticos muito se assemelha
à chamada cláusula de barreira, já julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal nas ADis já referidas, oportunizandose a lembrança de que, “ainda que,
como ocorre no texto constitucional português, não haja uma vedação expressa na
Constituição brasileira, o princípio fundamental do pluralismo político e o princípio
constitucional da necessária participação das minorias vedam sua existência”.17
Pelo exposto, a reforma da Lei Eleitoral pela Lei nº 13.165/2015 acabou por
ferir os princípios constitucionais alçados como fundamentos do Estado Democrá
tico de Direito, pois conduz à manutenção de poder nas mãos de grandes partidos e
à paulatina eliminação dos partidos de menor expressão.
É necessário ter a consciência de que não se resolve a política fora da política,
isto é, a consagração da democracia só será alcançada se as disputas políticas forem
resolvidas dentro do espaço político. Leis cada vez mais restritivas que interferem
no funcionamento e praticamente aniquilam partidos menos expressivos fogem ao
ambiente de discussão política e violam o sistema constitucional democrático repre
sentativo. O mínimo de interferência reguladora para o máximo de democracia.18
www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=5488&classe=ADi&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: jan. 2017.
17 SALgADO, Eneida Desiree. Os princípios constitucionais eleitorais como critérios de fundamentação e aplicação das regras eleitorais: uma proposta. Estudos eleitorais, Brasília, v. 6, n. 3, p. 103129, set./dez. 2011.
18 Baseado na palestra de Eneida Desiree Salgado, “A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.
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3 A isenção de responsabilidade do dirigente partidário em caso de desaprovação de contas e de atos ilícitos19
Segundo Alvim, a obrigação de prestar contas “é de suma importância para
a saúde democrática e partidária, e decorre das funções públicas que os partidos
exercem”.20 A relevância do tema mereceu, inclusive, disciplina constitucional, con
soante a previsão do art. 17, iii, da Constituição Federal.
A Lei nº 13.165/2015, ao alterar o art. 36, §13, da Lei nº 9.096/1995 (Lei
dos Partidos Políticos), imunizou, na esfera cível e criminal, os dirigentes partidários
pela desaprovação das contas partidárias e por atos ilícitos atribuídos aos partidos
políticos, ressalvadas as condutas dolosas que importem em enriquecimento ilícito
e lesão ao patrimônio partidário:
Art. 36. [...]
§13. A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido.
Notase que, mesmo se tratando de responsabilização do agente em razão
de desaprovação das contas partidárias, referido dispositivo nada mais é que uma
extrapolação da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, i, letra “l”, da Lei
Complementar nº 64/90, que versa sobre os atos de improbidade administrativa.
Referido dispositivo legal, com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015, ainda
demonstra uma latente inconstitucionalidade se analisado sobre dois prismas: (i) a
igualdade entre os cidadãos; (ii) a democracia interna partidária.
Ora, os dirigentes das demais pessoas jurídicas de direito privado,21 diferen
temente dos partidos políticos, não gozam da proteção jurídica prevista pelo §13
do citado art. 36 da Lei dos Partidos Políticos. E tal diversidade de tratamento não
veio acompanhada de nenhuma justificativa minimamente razoável, o que, de plano,
revela a ofensa à isonomia.
Da mesma forma, considerandose que, no nosso modelo de Estado Demo
crático, a democracia interna partidária é pressuposto mínimo para que o partido
19 Baseado na palestra de Luiz Carlos gonçalves, “A isenção de responsabilidade do dirigente partidário em caso de desaprovação de contas e de atos ilícitos”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.
20 ALViM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.21 Lei nº 9.096/95: “Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destinase a assegurar,
no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”.
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WAGNER LUiz zACLikEViS, ANDRÉ EiJi SHiROMA
consiga aferir as aspirações do meio social e, assim, contribuir para a formação
da vontade do Estado,22 qualquer evento que tenda a impedir a realização dessa
democracia interna prejudica o Estado democrático como um todo.
E é justamente esse malefício que a imunização dos dirigentes partidários
proporciona, pois cria, dentro do partido, figuras oligárquicas intocáveis.
A Procuradoriageral da República, por compartilhar do entendimento, ajuizou
a Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.478, pela qual almeja a declaração de
inconstitucionalidade do dispositivo:
Essa imunidade inconstitucional vem disfarçada pela presença de condicionantes. Seria possível responsabilizar dirigentes partidários apenas se, agindo dolosamente, houverem enriquecido ilicitamente e causado dano ao partido. Por esse dispositivo, causar dano ao erário, por exemplo, seria juridicamente irrelevante. Condutas descobertas a despeito da aprovação das contas ficam excluídas; condutas culposas, idem. Crimes que não tenham patrimônio como objeto jurídico (como a lavagem de bens, crimes contra a fé pública e boa parte dos crimes contra a administração pública, entre inúmeros outros) não autorizarão responsabilização. Ademais, mesmo que sejam feridas, por dirigentes partidários, normas jurídicas protéticas do patrimônio público e privado, se o resultado não se produzir (ou seja, se os crimes forem tentados) a imunidade será total.
O mesmo ocorre diante do ressarcimento cível de pessoas lesadas por condutas partidárias, sejam ou não filiadas, e diante da prática por ato de improbidade administrativa. Somente se, cumulativamente, tais condutas gerarem enriquecimento ilícito aos dirigentes e danos ao partido (novamente aqui o patrimônio público foi desprezado pela norma legal), será possível responsabilizálos.23
É interessante que, como bem colocado pela PgR, a responsabilização dos
dirigentes partidários, diferentemente da responsabilização de todos os demais
dirigentes de pessoas jurídicas, só ocorre se houver dano material, impedindose a
responsabilização pela tentativa. Assim, se o ilícito não gerar prejuízos ao partido e
não houver enriquecimento pessoal, os dirigentes saem ilesos.
A incongruência se mantém ao se ver que crimes contra a Administração
Pública não poderão recair sobre os dirigentes partidários, que só poderão ser respon
sabilizados por improbidade administrativa, por exemplo, caso haja enriquecimento
ilícito e lesão ao patrimônio do partido, e não ao patrimônio público.
É evidente, todavia, que o prejuízo causado aos partidos políticos – e não à
sociedade – não é o critério adequado para determinar a responsabilização cível e
22 MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005.23 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Procuradoria geral da República. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
5.478. Petição inicial. p. 89. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=10330257&tipo=TP&descricao=ADi%2F5478>.
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criminal numa república, pois cria um privilégio inaceitável aos dirigentes partidários
que inclusive tendem a se perpetuar frente às suas siglas:
A regra culmina por criar estamento ultraprivilegiado, uma quasenobreza: condes, duques, e barões partidários que podem praticar atos ilícitos, desde que o façam por meio de partidos políticos e cuidem de não enriquecer com eles nem de lesar... o partido. Se a lesão for à sociedade bra sileira, a imunidade desses supracidadãos, ainda assim, prevalece.24
É certo que não há nenhuma solução para nossa democracia que não passe
pelo fortalecimento dos partidos, pois as agremiações, segundo o modelo represen
tativo adotado, são o berço da discussão política. Contudo, mudanças como a em
comento, que ao invés de fortalecerem o partido tendem a privilegiar somente seus
dirigentes, corrompem o sistema e enfraquecem a democracia.
4 Novas regras para criação e funcionamento dos partidos políticos25
A Lei nº 13.165/2015 também modificou a Lei nº 9.096/95, de modo que o
§1º do art. 7º da Lei dos Partidos Políticos passou a ter a seguinte redação:
§1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerandose como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.
Com a nova redação, os seguintes requisitos são necessários para o registro de
novo partido: (i) período de dois anos para a coleta dos apoiamentos; (ii) apoiamento
fornecido somente por eleitores não filiados a outro partido político; (iii) número de
apoiadores correspondente a, no mínimo, 0,5% dos votos válidos da última eleição
geral para deputados federais; (iv) apoiadores distribuídos em no mínimo 9 estados
da Federação; (v) pelo menos 0,1% do eleitorado deve ter votado em cada um do
mínimo de 9 estados.
24 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Procuradoria geral da República. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.478. Petição inicial. p. 14. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=10330257&tipo=TP&descricao=ADi%2F5478>.
25 Baseado na palestra de Henrique Neves da Silva, “Novas regras para criação e funcionamento dos partidos políticos”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.
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Contra a alteração da lei, o Partido Republicano da Ordem Social – PROS ajuizou
a Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.311, questionando a necessidade de
os apoiadores não estarem filiados a outras agremiações, cujo pedido cautelar de
suspensão de eficácia foi indeferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em
acórdão que contou com a seguinte ementa:
AÇÃO DiRETA DE iNCONSTiTUCiONALiDADE. LEi NACiONAL N. 13.107, DE 24 DE MAçO DE 2015. ALTERAçãO DA LEi DOS PARTiDOS POLíTiCOS E DA LEi ELEiTORAL (LEi 9.096/1995 E 9.504/1997). NOVAS CONDiÇÕES LEGAiS PARA CRiAÇÃO, FUSÃO E iNCORPORAÇÃO DE PARTiDOS POLÍ-TiCOS. APOiO DE ELEiTORES NãO FiLiADOS E PRAZO MíNiMO DE CiNCO ANOS DE EXiSTêNCiA DOS PARTiDOS. FORTALECiMENTO DO MODELO REPRESENTATiVO E DENSiFiCAÇÃO DO PLURiPARTiDARiSMO. FUN DA-MENTO DO PRiNCíPiO DEMOCRÁTiCO. FiDELiDADE PARTiDÁRiA. iNDEFERiMENTO DA CAUTELAR. 1. A Constituição da República assegura a livre criação, fusão e incorporação de partidos políticos. Liberdade não é absoluta, condicionandose aos princípios do sistema democráticorepresentativo e do pluripartidarismo. 2. São constitucionais as normas que fortalecem o controle quantitativo e qualitativo dos partidos, sem afronta ao princípio da igualdade ou qualquer ingerência em seu fun-cionamento interno. 3. O requisito constitucional do caráter nacional dos partidos políticos objetiva impedir a proliferação de agremiações sem expressão política, que podem atuar como “legendas de aluguel”, fraudando a representação, base do regime democrático. 4. Medida cautelar indeferida.26
O Tribunal Superior Eleitoral, depois da publicação da Lei nº 13.165/2015,
editou a Resolução nº 23.465/2015, que disciplina detalhadamente o procedimento
de criação dos partidos, observadas as regras da Lei dos Partidos Políticos.
Dessa resolução, dois pontos merecem destaque. O primeiro relativo à nova
sistemática prevista para a conferência dos apoiamentos necessários à criação do
partido como meio de evitar a duplicidade na contagem. O segundo diz respeito ao
procedimento previsto para assegurar a democracia interna partidária, com a qual
não se coaduna a perpetuação das comissões provisórias. O art. 39 da Resolução/
TSE nº 23.465/2015 estabelece:
Art. 39. As anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 120 (cento e vinte) dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo razoável diverso.
§1º Em situações excepcionais e devidamente justificadas, o partido político pode requerer ao Presidente do Tribunal Eleitoral competente a prorrogação do prazo de validade previsto neste artigo, pelo período necessário à realização da convenção para escolha dos novos dirigentes.
26 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.311. DJE, 4 fev. 2016.
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§2º A prorrogação do prazo de validade dos órgãos provisórios não desobriga o partido de adotar, com a urgência necessária, as medidas cabíveis para a observância do regime democrático a que está obrigado nos termos dos arts. 1º, 2º e 48, parágrafo único, desta resolução.
As mudanças da Lei dos Partidos Políticos acompanhada da resolução do Tri
bunal Superior Eleitoral surgem como reação ao panorama políticopartidário atual,
em que se constata elevado número de partidos políticos registrados, muitos dos
quais possuem irrisória atuação política. São 35 partidos políticos registrados junto
ao TSE, mas poucos alcançam o número de votos superior ao número necessário de
apoiadores para sua criação e outros sequer lançam candidatos:
A contemporânea democracia partidária não está livre de críticas. No particular, Ferreira Filho (220, p. 124) ressalta alguns vícios presentes no sistema brasileiro, no qual constata a existência de número excessivo de partidos, a inautenticidade deles e o exacerbado individualismo que marca nossa cultura. quanto ao primeiro, há cerca de 30 partidos com registro definitivo no TSE. A maioria é formada por partidos nanicos, de diminuta expressão no contexto sociopolítico, e cuja sobrevivência se deve ao aluguel de suas legendas – por isso, são conhecidos como partidos ou legendas de aluguel. Na verdade, não passam de pequenas oligarquias a serviço de uma ou outra personalidade, fechadas, pois, à renovação e ao intercâmbio de ideias.27
De fato, o elevado número de partidos políticos enseja dúvidas sobre a real
existência de tantas ideologias diferentes. Por isso, a imposição de requisitos é rele-
vante para evitar “certa distorção pela facilidade de criação de novos partidos no
Brasil, fazendo com que eles, infelizmente, não representem aspirações ideológicas,
e sim sirvam como siglas de aluguel para candidatos inescrupulosos”.28
A importante função pública desempenhada pelos partidos políticos de media
ção entre o Estado e a sociedade, para os que recebem isenção tributária e recursos
públicos por meio do fundo partidário, justifica, nos limites constitucionais, um atento
acompanhamento das agremiações que possuem irrisória ou mesmo nenhuma
representatividade política.
Da mesma forma, muito em razão das circunstâncias políticopartidárias con
temporâneas, a limitação temporal das comissões provisórias é benéfica para a
con sagração da democracia, que não é alcançada sem que seja assegurada a demo
cracia intrapartidária.29
27 gOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 84.28 VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 122.29 MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005.
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5 Considerações finais
No nosso sistema constitucional democrático representativo, os partidos polí
ticos têm relevante função, em especial na mediação da relação entre o povo e o
Estado, por meio da aferição dos anseios sociais e sua canalização para a formação
da vontade do Estado. Embora esse papel não tenha sido desempenhado de maneira
eficiente pelas agremiações, clamar por sua extinção mais prejudica do que contribui
para o aprimoramento da democracia.
O legislador, sob o pretexto de ter incorporado as aspirações populares advindas
das manifestações de rua ocorridas recentemente, as quais ilustraram a insatis
fação social com a atuação dos partidos políticos de modo geral, promoveu uma
reforma da legislação políticoeleitoral por meio da Lei nº 13.165/2015. No entanto,
grande parte das modificações esbarra nos princípios constitucionais do pluralismo
político e seus corolários.
Ao contrário do que se divulga, o fortalecimento da democracia passa pelo for
talecimento e aprimoramento dos partidos políticos, aos quais se deve assegurar, de
maneira razoável, igualdade de oportunidades no jogo político e principalmente nas
eleições, atentandose para os desvios e manipulações do sistema pelos grandes
partidos, que não raras vezes sufocam ou exploram a atuação política de partidos
menos expressivos.
ReferênciasALViM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
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gENTiL, Maurício. Debates eleitorais e pequenos partidos. Infonet, 23 ago. 2016. Disponível em: <http://www.infonet.com.br/blogs/mauriciogentil/ler.asp?id=190337&titulo=mauriciomonteiro>. Acesso em: 12 jun. 2016.
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informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
zACLikEViS, Wagner Luiz; SHiROMA, André Eiji. Partidos políticos na visão do TSE (Palestra realizada por Luiz Carlos gonçalves, Eneida Desiree Salgado e Henrique Neves da Silva, no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral). Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 165179, jul./dez. 2017.