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165 R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 165-179, jul./dez. 2017 Partidos políticos na visão do TSE (Palestra realizada por Luiz Carlos Gonçalves, 1 Eneida Desiree Salgado 2 e Henrique Neves da Silva, 3 no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral) Relatores Wagner Luiz Zaclikevis 4 André Eiji Shiroma 5 Resumo: No Brasil, as recentes manifestações que levaram milhares de cidadãos às ruas ilustram a insatisfação com a democracia representativa, em especial pela descrença nos partidos políticos. Em grande medida, essa insatisfação tem relação com a atuação dos próprios partidos, pouco comprometidos com uma ideologia política bem definida. No entanto, com a Constituição de 1988, fundada nos ideais de pluralismo político e partidário, os partidos políticos adquiriram a importante função de canalizar os anseios sociais por meio da mediação da relação entre o povo e o Estado na formação da vontade política, o que se vê claramente no fato de as agremiações deterem o monopólio das candidaturas. Essa valorosa perspectiva democrática, todavia, vem sendo paulatina e silenciosamente corroída por mudanças na legislação promovidas pelos partidos de maior influência que, sob o pretexto de estarem realizando a tão almejada reforma política, estão a aniquilar forças políticas de menor expressão e, com isso, enfraquecer o sistema constitucional democrático representativo. É o que o presente estudo busca demonstrar. Palavras-chave: Partidos políticos. Democracia. Pluralismo político. Sumário: 1 Introdução – 2 A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – Debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas – 3 A isenção de responsabilidade do dirigente partidário em caso de desaprovação de contas e de atos ilícitos – 4 Novas regras para criação e funcionamento dos partidos políticos – 5 Considerações finais – Referências 1 Procurador Regional da República. Relator Geral da Comissão de Juristas para a Reforma Penal. Mestre e Doutor em Direito do Estado. 2 Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Estágio de Pós-Doutoramento junto ao instituto de investigaciones Jurídicas da Univercidad Nacional Autónoma de México. Professora do Departamento de Direito Público e do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da UFPR. Pesquisadora e Vice-Líder do Núcleo de investigações Constitucionais da Universidade Federal do Paraná. 3 Advogado. Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. 4 Pós-Graduado (lato sensu) em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo (2014) e em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2013). Graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba – Unicuritiba (2012). E-mail: <[email protected]>. 5 Pós-Graduado (lato sensu) em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo – UP (2015). Pós-Graduado (lato sensu) em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2014). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba – Unicuritiba (2012). Advogado.

Partidos políticos na visão do TSE e Henrique Neves da ......os regimes totalitários de extrema direita.9 Uma das facetas do pluralismo político garantido no período de redemocratiza-ção

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Partidos políticos na visão do TSE (Palestra realizada por Luiz Carlos gonçalves,1 Eneida Desiree Salgado2 e Henrique Neves da Silva,3 no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral)

Relatores

Wagner Luiz Zaclikevis4

André Eiji Shiroma5

Resumo: No Brasil, as recentes manifestações que levaram milhares de cidadãos às ruas ilustram a insatisfação com a democracia representativa, em especial pela descrença nos partidos políticos. Em grande medida, essa insatisfação tem relação com a atuação dos próprios partidos, pouco comprometidos com uma ideologia política bem definida. No entanto, com a Constituição de 1988, fundada nos ideais de pluralismo político e partidário, os partidos políticos adquiriram a importante função de canalizar os anseios sociais por meio da mediação da relação entre o povo e o Estado na formação da vontade política, o que se vê claramente no fato de as agremiações deterem o monopólio das candidaturas. Essa valorosa perspectiva democrática, todavia, vem sendo paulatina e silenciosamente corroída por mudanças na legislação promovidas pelos partidos de maior influência que, sob o pretexto de estarem realizando a tão almejada reforma política, estão a aniquilar forças políticas de menor expressão e, com isso, enfraquecer o sistema constitucional democrático representativo. É o que o presente estudo busca demonstrar.

Palavras-chave: Partidos políticos. Democracia. Pluralismo político.

Sumário: 1 introdução – 2 A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – Debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas – 3 A isenção de responsabilidade do dirigente partidário em caso de desaprovação de contas e de atos ilícitos – 4 Novas regras para criação e funcionamento dos partidos políticos – 5 Considerações finais – Referências

1 Procurador Regional da República. Relator geral da Comissão de Juristas para a Reforma Penal. Mestre e Doutor em Direito do Estado.

2 Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Estágio de Pós-Doutoramento junto ao instituto de investigaciones Jurídicas da Univercidad Nacional Autónoma de México. Professora do Departamento de Direito Público e do Programa de Pós­graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da UFPR. Pesquisadora e Vice-Líder do Núcleo de investigações Constitucionais da Universidade Federal do Paraná.

3 Advogado. Ex­Ministro do Tribunal Superior Eleitoral.4 Pós­graduado (lato sensu) em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo (2014) e em Direito Administrativo

pelo instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2013). graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba – Unicuritiba (2012). E-mail: <[email protected]>.

5 Pós­graduado (lato sensu) em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo – UP (2015). Pós-Graduado (lato sensu) em Processo Civil pelo instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2014). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba – Unicuritiba (2012). Advogado.

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WAGNER LUiz zACLikEViS, ANDRÉ EiJi SHiROMA

1 introdução

No período de redemocratização, era necessário assegurar a construção de

um Estado voltado a garantir a dignidade da pessoa, a liberdade dos cidadãos e a

soberania do povo, a fim de que as sequelas deixadas pelo regime militar fossem

superadas e uma nova era de perspectiva democrática fosse implantada. A Consti­

tuição de 1988 fundou­se nesses pilares, consignando­se, já em suas primeiras

linhas, que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa

humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político

(art. 1º, caput e incisos, da Constituição).

Já na sequência, no parágrafo único do art. 1º, a Constituição estabelece que

“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição”, de modo a deixar clara a adoção de

uma democracia representativa.

Para a consagração do sistema político adotado, atribuiu­se aos partidos

políticos a importante tarefa de mediar a relação entre o povo e o Estado, organizando

as mais variadas aspirações do meio social para conduzi­las ao espaço de debate

político e, enfim, formar a vontade política de Estado.6

Para tanto, garantiram­se aos partidos liberdade e autonomia para seu fun­

cionamento, prevendo­se, inclusive, o regime jurídico de direito privado, observadas

certas formas de controle impostas pela Constituição. Ou seja, para assegurar que

os partidos canalizem os anseios sociais de maneira independente, como requer

uma democracia forte e efetiva, a própria Constituição garantiu ampla liberdade e

autonomia às agremiações. O monopólio das candidaturas eleitorais pelos partidos

políticos é fruto desse ideal.

Essa louvável função, todavia, acabou sendo desempenhada de maneira

defeituosa pelos partidos. Sintoma claro disso está nas manifestações populares

de 2013, nas quais se observou uma crescente onda de insatisfação com todos os

partidos políticos existentes, que logo culminou no pedido de reforma política.7

Em 2015, sob a alegação de terem incorporado o desejo social advindo das

ruas, o legislador, por meio da Lei nº 13.165, tratou de promover a alteração da

Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95), o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) e

a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97).

A reforma dessas leis, todavia, não contribui para o aprimoramento do modelo,

pelo contrário, fere o sistema constitucional democrático representativo por dificultar

6 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.7 FARAH, Marta Ferreira Santos. Política e sociedade: as manifestações de rua de 2013 e 2015. Estadão,

12 maio 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/gestao­politica­e­sociedade/politica­e­sociedade­as­manifestacoes­de­rua­de­2013­e­2015/>. Acesso em: jan. 2017.

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PARTiDOS POLÍTiCOS NA ViSÃO DO TSE (PALESTRA REALizADA POR LUiz CARLOS GONÇALVES, ENEiDA DESiREE SALGADO...

a ocorrência de uma equilibrada disputa eleitoral em razão do desigual tratamento

dispensado aos partidos políticos, de forma a prejudicar a renovação da classe

política, tão salutar para a efetivação da democracia.

2 A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – Debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas8

A legislação eleitoral vem sendo alvo de sucessivas alterações sob o pretexto

de se realizar a almejada reforma político­eleitoral. Contudo, ao contrário do que se

divulga e na contramão dos anseios democráticos, as alterações acabam por dimi­

nuir os competidores na arena política, como se observa, por exemplo, na redução

dos meios lícitos de propaganda eleitoral que, no final das contas, beneficia os já

detentores do mandato.

Da mesma forma, ao contrário do apregoado por seus defensores, as mu­

danças da lei eleitoral também repercutem negativamente na esfera partidária, na

medida em que provocam o fortalecimento dos maiores partidos e, inversamente, o

enfraquecimento dos menores, de modo a inviabilizar uma real e equilibrada disputa

eleitoral.

O desigual tratamento dispensado aos partidos políticos, ocasionado pelas

recentes alterações da lei eleitoral, fica evidente ao se ver que a Lei nº 13.165/2015

imunizou os dirigentes partidários, e somente eles, na esfera cível e criminal;

exigiu que os apoiamentos para a criação de novos partidos sejam feitos apenas

por eleitores não filiados a nenhum outro partido; reduziu o tempo de propaganda

eleitoral gratuita para 45 dias; restringiu o acesso de partidos menores nos debates

eleitorais e diminuiu o tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão desti nados

aos partidos de menor expressão.

Tais alterações implementadas pela Lei nº 13.165/2015, todavia, não obser­

vam o regime político­partidário instaurado com a Constituição de 1988.

É relevante destacar que, no período pós­ditadura militar, o sistema político

brasileiro sofreu profundas modificações, muito em razão da desastrosa experiência

vivida durante a ditadura. Fundada em novos ideais, a Constituição de 1988 asse­

gurou expressamente o pluralismo político como fundamento do Estado Demo crático

de Direito, proporcionando, assim, novas perspectivas democráticas a uma socie­

dade duramente reprimida pelo regime totalitário:

8 Baseado na palestra de Eneida Desiree Salgado, “A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.

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WAGNER LUiz zACLikEViS, ANDRÉ EiJi SHiROMA

A nova carta não só restaurava as bases federativas, democráticas e representativas do sistema republicano, destroçadas em nosso país pelo unitarismo da ditadura, como colocava a matéria partidária no capítulo dos direitos e das garantias individuais, fazendo uma inovação de extraordinário alcance político, em perfeita consonância com o adian­tamento institucional da democracia que se renovara após o triunfo sobre os regimes totalitários de extrema direita.9

Uma das facetas do pluralismo político garantido no período de redemocratiza-

ção revela­se na autonomia assegurada aos partidos políticos, na forma do caput e

parágrafos do art. 17 da Carta Magna, ressalvadas as formas de controle previstas

no próprio texto constitucional (incisos do art. 17). E desse regime constitucional dos

partidos políticos extrai­se o pluripartidarismo, garantia concebida para se contrapor

à repressão política do regime militar:

Em razão das sequelas deixadas pela ditadura militar que, pelo Ato institucional n. 2, impôs o bipartidarismo, como forma de fortalecer a democracia a Constituição Federal garante o pluripartidarismo possi­bilitando a todas as correntes políticas sua representação no panorama político, desde que consigam um mínimo de apoio eleitoral.10

Assim, o pluralismo político e seus corolários expressam, em última análise, a

impossibilidade de se restringir o funcionamento dos partidos, ressalvadas as formas

de controle previstas na própria Constituição, e de tratá­los de maneira desigual no

jogo eleitoral.

As prerrogativas partidárias expressas na Constituição foram valoradas pelo

Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da chamada cláusula de barreira,

lei editada pelo legislador ordinário que restringia o funcionamento parlamentar de

partidos que não atingissem determinado desempenho eleitoral, o que produzia con­

sequências no rateio do fundo partidário e na distribuição do tempo de televisão e

rádio para a difusão dos ideais partidários, que são prerrogativas constitucionais

elementares para a existência e funcionamento dos partidos.

No julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade nºs 1.351 e 1.354,

o Supremo Tribunal Federal declarou a cláusula de barreira inconstitucional ao

fundamento de que as prerrogativas constitucionais dos partidos políticos devem

ser rigorosamente observadas pela legislação ordinária:

9 BONAViDES, Paulo. A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta. in: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes; VELLOSO, Carlos Mário da Silva (Coord.). Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 31.

10 VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 122.

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PARTiDOS POLÍTiCOS NA ViSÃO DO TSE (PALESTRA REALizADA POR LUiz CARLOS GONÇALVES, ENEiDA DESiREE SALGADO...

Relembrem: como fundamento da República, versou­se o pluralismo polí­tico e, quanto aos partidos políticos, previu­se a livre criação, fazendo­se referência, de maneira clara, ao pluripartidarismo. Tratou-se do caráter nacional das entidades para, a seguir, dispor­se que os partidos adqui­rem personalidade jurídica na forma da lei civil, devendo ter os estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. O que se contém no artigo 17 da Carta Federal diz respeito a todo e qualquer partido político legitimamente constituído, não encerrando a norma maior a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer de inanição, quer sob o ângulo da atividade concreta no Parlamento, sem a qual é injustificável a existência jurídica, quer da necessária difusão do perfil junto ao eleitorado em geral, dado indispensável ao desenvolvimento relativo à adesão quando do sufrágio, quer visando, via fundo partidário, a recursos para fazer frente à impiedosa vida econômico-financeira. Em síntese, tudo quanto venha à baila em conflito com os ditames maiores, os constitucionais, há de merecer a excomunhão maior, o rechaço por aqueles comprometidos com a ordem constitucional, com a busca do aprimoramento cultural.11

qualquer tentativa de restrição ao funcionamento e à existência de um partido

político, portanto, tal como a cláusula de barreira, contraria a Constituição.

Não há como negar, portanto, a relevância dos partidos para a consagração da

democracia no atual sistema político brasileiro, como bem ressalta a doutrina cons­

titucional segundo a qual a “ação política realiza­se de maneira formal e organizada

pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre

o povo e o Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no

que concerne ao processo eleitoral”.12

Nessa esteira, a fim de que a vontade política por eles mediada seja ade­

quadamente aferida e transmitida para a formação da vontade do Estado, os partidos

políticos também devem aplicar internamente os princípios democráticos, como

destaca Mezzaroba:

Na perspectiva democrático­partidária de Leibholz (1980), por exemplo, a Democracia intrapartidária constitui­se em pressuposto mínimo para que se mantenha a racionalidade da formação da vontade do Estado, traduzindo um tipo de representação política radicalmente democrática. isto é, aquela que se coaduna com a organização racional dos mecanismos de aferição da vontade coletiva, entendendo­se aqui a racionalidade como princípio democrático da formação da vontade do Estado.

11 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.351. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&dociD=416150>. Acesso em: jan. 2017.

12 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 782.

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WAGNER LUiz zACLikEViS, ANDRÉ EiJi SHiROMA

As estruturas intrapartidárias de perfil não comprometido com os ditames democráticos excluem a possibilidade de plena realização das poten­cialidades políticas do partido. Tal modelo de partido lembra a famosa e já mencionada Lei de Ferro da Oligarquia de Robert Michels (1982), em que a íngreme verticalidade interna dos partidos sufoca qualquer possi­bilidade de livre expressão de seus membros não dirigentes.13

Frente a esse cenário, a inclusão do §13 ao art. 37 da Lei nº 9.096/1995

pela Lei nº 13.165/2015,14 que impossibilita sobremaneira a responsabilização civil

e criminal dos dirigentes partidários, criou uma espécie de imunização específica

para os dirigentes, de maneira a afetar a igualdade entre os filiados e a abalar a

democracia interna, atingindo, em última análise, o próprio Estado Democrático de

Direito por prejudicar a aferição da real vontade política mediada pelos partidos.

Além de abalar a democracia interna dos partidos, a Lei nº 13.165/2015 alte­

rou o art. 7º, §1º, da Lei dos Partidos Políticos para fazer constar que só poderão

dar apoiamento à criação de uma nova sigla eleitores não filiados a outros partidos,

o que fere as prerrogativas constitucionais asseguradas às agremiações, em especial

o pluralismo político e partidário, por dificultar o quórum necessário para a criação

de novas siglas e restringir a liberdade política do eleitor.

A própria redução do período de campanha eleitoral para 45 dias, conforme a

nova redação do art. 36 da Lei nº 9.504/97 dada pela Lei nº 13.165/2015, tende

a congelar as forças políticas, gerando uma situação de favorecimento daqueles que

já estão numa situação de poder, uma vez que estes mais facilmente conseguem

acesso aos meios de comunicação em comparação aos demais candidatos. O mero

exercício do mandato proporciona maior projeção da imagem dos já mandatários e

candidatos à reeleição, colocando-os em vantagem em face dos demais candidatos

que possuem somente 45 dias para divulgar a candidatura.

Destaca-se, ainda, a nova redação do art. 46 da Lei nº 9.504/1997, que prevê

que somente os candidatos de partidos com representação superior a nove depu­

tados têm participação obrigatória nos debates eleitorais:

Art. 46. independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gra­tuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por emis­sora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação superior a nove Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte: [...]. (Grifos nossos)

Tal mudança da lei eleitoral exclui dos debates as vozes e os pensamentos dos

partidos pequenos, o que inviabiliza a disputa eleitoral em um ambiente isonômico

13 MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005. p. 51­52.14 Art. 36, §13, da Lei nº 9.096/1995.

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PARTiDOS POLÍTiCOS NA ViSÃO DO TSE (PALESTRA REALizADA POR LUiz CARLOS GONÇALVES, ENEiDA DESiREE SALGADO...

e sufoca as minorias, ferindo as premissas do sistema político inaugurado com a

Constituição de 1988:

Em primeiro lugar, esse estado de coisas impõe aos candidatos um tratamento desigual. Os candidatos que participam dos debates têm maior projeção na mídia, têm um espaço privilegiado de contato com o eleitor e difusão de suas ideias. Candidatos de partidos que não pos­suem deputados federais perdem essa excelente oportunidade. Há quem sustente que a legislação não poderia respaldar a participação em debates de candidatos não­representativos, pois são candidatos de “partidos nanicos”, que não possuem representatividade alguma. Mais ainda: que assegurar a participação de todos os candidatos inviabilizaria a própria realização dos debates, porque as emissoras de TV não teriam interesse em sua realização quando obrigadas a convidar mais de quatro candidatos, eis que haveria uma quantidade excessiva de candidatos, muitos dos quais seriam “inexpressivos”.

Ora, a República tem como um de seus fundamentos o “pluralismo político” (Art. 1º, inciso V da Constituição). O “pluripartidarismo” é crité rio a ser necessariamente observado no contexto da liberdade de organi­zação partidária (Art. 17). De que adianta então a Constituição asse­gurar a criação e o funcionamento de tantos partidos quantos sejam livremente criados por setores da sociedade para a representação e de fe­sa de determinadas concepções políticas se, na hora de disputar a repre­sentatividade eleitoral em mandatos, essa liberdade não se materializa em igualdade de oportunidades?

Se os partidos políticos legalmente criados e registrados não possuem deputados federais, terão mais dificuldade de tê-los quanto menos espaços e oportunidades tenham de acesso à mídia e ao eleitor. Grandes partidos brasileiros da atualidade começaram “nanicos” e cresceram na preferência do eleitorado também a partir da maior exposição, maior contato com o eleitor e propagação de suas plataformas por via da comunicação social.15

Nesse tema, vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da

Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.488, decidiu conferir interpretação conforme

ao art. 46 da Lei nº 9.504/1997, com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015:

para esclarecer que as emissoras ficam facultadas para convidar outros candidatos não enquadrados no critério do caput do art. 46, indepen­dentemente de concordância dos candidatos aptos, conforme critérios objetivos, que atendam aos princípios da imparcialidade e da isonomia e o direito à informação, a ser regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral.16

15 gENTiL, Maurício. Debates eleitorais e pequenos partidos. Infonet, 23 ago. 2016. Disponível em: <http://www.infonet.com.br/blogs/mauriciogentil/ler.asp?id=190337&titulo=mauriciomonteiro>. Acesso em: 12 jun. 2016.

16 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.488. Disponível em: <http://

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WAGNER LUiz zACLikEViS, ANDRÉ EiJi SHiROMA

A decisão de certa forma contribui para a isonomia de tratamento ao impedir o

veto dos demais candidatos à participação de outros candidatos que não atingiram

o critério do caput do art. 46, mas não soluciona a questão em definitivo, pois se

a emissora decidir por não convidar tais candidatos de participação facultativa, o

prejuízo irá persistir.

Por fim, a diminuição do tempo de rádio e televisão para a propaganda eleitoral

dos partidos com menor representatividade, conforme o art. 47, §2º, i e ii, da Lei

nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015, também acaba por ofen­

der os princípios constitucionais relativos ao sistema político­partidário de ideal

democrático, já que reduz drasticamente não apenas as chances, mas também a

real participação das minorias no espaço de debate político.

Essa disparidade na distribuição do tempo de propaganda no horário eleitoral

gratuito fundada no desempenho eleitoral dos partidos políticos muito se assemelha

à chamada cláusula de barreira, já julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal

Federal nas ADis já referidas, oportunizando­se a lembrança de que, “ainda que,

como ocorre no texto constitucional português, não haja uma vedação expressa na

Constituição brasileira, o princípio fundamental do pluralismo político e o princípio

constitucional da necessária participação das minorias vedam sua existência”.17

Pelo exposto, a reforma da Lei Eleitoral pela Lei nº 13.165/2015 acabou por

ferir os princípios constitucionais alçados como fundamentos do Estado Democrá­

tico de Direito, pois conduz à manutenção de poder nas mãos de grandes partidos e

à paulatina eliminação dos partidos de menor expressão.

É necessário ter a consciência de que não se resolve a política fora da política,

isto é, a consagração da democracia só será alcançada se as disputas políticas forem

resolvidas dentro do espaço político. Leis cada vez mais restritivas que interferem

no funcionamento e praticamente aniquilam partidos menos expressivos fogem ao

ambiente de discussão política e violam o sistema constitucional democrático repre­

sentativo. O mínimo de interferência reguladora para o máximo de democracia.18

www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=5488&classe=ADi&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: jan. 2017.

17 SALgADO, Eneida Desiree. Os princípios constitucionais eleitorais como critérios de fundamentação e aplicação das regras eleitorais: uma proposta. Estudos eleitorais, Brasília, v. 6, n. 3, p. 103­129, set./dez. 2011.

18 Baseado na palestra de Eneida Desiree Salgado, “A constitucionalidade das restrições impostas aos pequenos partidos – debates, divisão do horário eleitoral gratuito e outros temas”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.

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PARTiDOS POLÍTiCOS NA ViSÃO DO TSE (PALESTRA REALizADA POR LUiz CARLOS GONÇALVES, ENEiDA DESiREE SALGADO...

3 A isenção de responsabilidade do dirigente partidário em caso de desaprovação de contas e de atos ilícitos19

Segundo Alvim, a obrigação de prestar contas “é de suma importância para

a saúde democrática e partidária, e decorre das funções públicas que os partidos

exercem”.20 A relevância do tema mereceu, inclusive, disciplina constitucional, con­

soante a previsão do art. 17, iii, da Constituição Federal.

A Lei nº 13.165/2015, ao alterar o art. 36, §13, da Lei nº 9.096/1995 (Lei

dos Partidos Políticos), imunizou, na esfera cível e criminal, os dirigentes partidários

pela desaprovação das contas partidárias e por atos ilícitos atribuídos aos partidos

políticos, ressalvadas as condutas dolosas que importem em enriquecimento ilícito

e lesão ao patrimônio partidário:

Art. 36. [...]

§13. A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes parti­dários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irre­gularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido.

Nota­se que, mesmo se tratando de responsabilização do agente em razão

de desaprovação das contas partidárias, referido dispositivo nada mais é que uma

extrapolação da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, i, letra “l”, da Lei

Complementar nº 64/90, que versa sobre os atos de improbidade administrativa.

Referido dispositivo legal, com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015, ainda

demonstra uma latente inconstitucionalidade se analisado sobre dois prismas: (i) a

igualdade entre os cidadãos; (ii) a democracia interna partidária.

Ora, os dirigentes das demais pessoas jurídicas de direito privado,21 diferen­

temente dos partidos políticos, não gozam da proteção jurídica prevista pelo §13

do citado art. 36 da Lei dos Partidos Políticos. E tal diversidade de tratamento não

veio acompanhada de nenhuma justificativa minimamente razoável, o que, de plano,

revela a ofensa à isonomia.

Da mesma forma, considerando­se que, no nosso modelo de Estado Demo­

crático, a democracia interna partidária é pressuposto mínimo para que o partido

19 Baseado na palestra de Luiz Carlos gonçalves, “A isenção de responsabilidade do dirigente partidário em caso de desaprovação de contas e de atos ilícitos”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.

20 ALViM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.21 Lei nº 9.096/95: “Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina­se a assegurar,

no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”.

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consiga aferir as aspirações do meio social e, assim, contribuir para a formação

da vontade do Estado,22 qualquer evento que tenda a impedir a realização dessa

democracia interna prejudica o Estado democrático como um todo.

E é justamente esse malefício que a imunização dos dirigentes partidários

proporciona, pois cria, dentro do partido, figuras oligárquicas intocáveis.

A Procuradoria­geral da República, por compartilhar do entendimento, ajuizou

a Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.478, pela qual almeja a declaração de

inconstitucionalidade do dispositivo:

Essa imunidade inconstitucional vem disfarçada pela presença de con­dicionantes. Seria possível responsabilizar dirigentes partidários apenas se, agindo dolosamente, houverem enriquecido ilicitamente e causado dano ao partido. Por esse dispositivo, causar dano ao erário, por exemplo, seria juridicamente irrelevante. Condutas descobertas a despeito da apro­vação das contas ficam excluídas; condutas culposas, idem. Crimes que não tenham patrimônio como objeto jurídico (como a lavagem de bens, crimes contra a fé pública e boa parte dos crimes contra a administração pública, entre inúmeros outros) não autorizarão responsabilização. Ade­mais, mesmo que sejam feridas, por dirigentes partidários, normas jurí­dicas protéticas do patrimônio público e privado, se o resultado não se produzir (ou seja, se os crimes forem tentados) a imunidade será total.

O mesmo ocorre diante do ressarcimento cível de pessoas lesadas por condutas partidárias, sejam ou não filiadas, e diante da prática por ato de improbidade administrativa. Somente se, cumulativamente, tais con­dutas gerarem enriquecimento ilícito aos dirigentes e danos ao partido (novamente aqui o patrimônio público foi desprezado pela norma legal), será possível responsabilizá­los.23

É interessante que, como bem colocado pela PgR, a responsabilização dos

dirigentes partidários, diferentemente da responsabilização de todos os demais

dirigentes de pessoas jurídicas, só ocorre se houver dano material, impedindo­se a

responsabilização pela tentativa. Assim, se o ilícito não gerar prejuízos ao partido e

não houver enriquecimento pessoal, os dirigentes saem ilesos.

A incongruência se mantém ao se ver que crimes contra a Administração

Pública não poderão recair sobre os dirigentes partidários, que só poderão ser respon­

sabilizados por improbidade administrativa, por exemplo, caso haja enriquecimento

ilícito e lesão ao patrimônio do partido, e não ao patrimônio público.

É evidente, todavia, que o prejuízo causado aos partidos políticos – e não à

sociedade – não é o critério adequado para determinar a responsabilização cível e

22 MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005.23 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Procuradoria geral da República. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

5.478. Petição inicial. p. 8­9. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=10330257&tipo=TP&descricao=ADi%2F5478>.

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criminal numa república, pois cria um privilégio inaceitável aos dirigentes partidários

que inclusive tendem a se perpetuar frente às suas siglas:

A regra culmina por criar estamento ultraprivilegiado, uma quase­nobreza: condes, duques, e barões partidários que podem praticar atos ilícitos, desde que o façam por meio de partidos políticos e cuidem de não enri­quecer com eles nem de lesar... o partido. Se a lesão for à sociedade bra sileira, a imunidade desses supracidadãos, ainda assim, prevalece.24

É certo que não há nenhuma solução para nossa democracia que não passe

pelo fortalecimento dos partidos, pois as agremiações, segundo o modelo represen­

tativo adotado, são o berço da discussão política. Contudo, mudanças como a em

comento, que ao invés de fortalecerem o partido tendem a privilegiar somente seus

dirigentes, corrompem o sistema e enfraquecem a democracia.

4 Novas regras para criação e funcionamento dos partidos políticos25

A Lei nº 13.165/2015 também modificou a Lei nº 9.096/95, de modo que o

§1º do art. 7º da Lei dos Partidos Políticos passou a ter a seguinte redação:

§1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando­se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.

Com a nova redação, os seguintes requisitos são necessários para o registro de

novo partido: (i) período de dois anos para a coleta dos apoiamentos; (ii) apoiamento

fornecido somente por eleitores não filiados a outro partido político; (iii) número de

apoiadores correspondente a, no mínimo, 0,5% dos votos válidos da última eleição

geral para deputados federais; (iv) apoiadores distribuídos em no mínimo 9 estados

da Federação; (v) pelo menos 0,1% do eleitorado deve ter votado em cada um do

mínimo de 9 estados.

24 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Procuradoria geral da República. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.478. Petição inicial. p. 14. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=10330257&tipo=TP&descricao=ADi%2F5478>.

25 Baseado na palestra de Henrique Neves da Silva, “Novas regras para criação e funcionamento dos partidos políticos”, apresentada no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em abril de 2016.

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Contra a alteração da lei, o Partido Republicano da Ordem Social – PROS ajuizou

a Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.311, questionando a necessidade de

os apoiadores não estarem filiados a outras agremiações, cujo pedido cautelar de

suspensão de eficácia foi indeferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em

acórdão que contou com a seguinte ementa:

AÇÃO DiRETA DE iNCONSTiTUCiONALiDADE. LEi NACiONAL N. 13.107, DE 24 DE MAçO DE 2015. ALTERAçãO DA LEi DOS PARTiDOS POLíTiCOS E DA LEi ELEiTORAL (LEi 9.096/1995 E 9.504/1997). NOVAS CONDiÇÕES LEGAiS PARA CRiAÇÃO, FUSÃO E iNCORPORAÇÃO DE PARTiDOS POLÍ-TiCOS. APOiO DE ELEiTORES NãO FiLiADOS E PRAZO MíNiMO DE CiNCO ANOS DE EXiSTêNCiA DOS PARTiDOS. FORTALECiMENTO DO MODELO REPRESENTATiVO E DENSiFiCAÇÃO DO PLURiPARTiDARiSMO. FUN DA-MENTO DO PRiNCíPiO DEMOCRÁTiCO. FiDELiDADE PARTiDÁRiA. iNDE­FERiMENTO DA CAUTELAR. 1. A Constituição da República assegura a livre criação, fusão e incorporação de partidos políticos. Liberdade não é absoluta, condicionando­se aos princípios do sistema democrático­representativo e do pluripartidarismo. 2. São constitucionais as normas que fortalecem o controle quantitativo e qualitativo dos partidos, sem afronta ao princípio da igualdade ou qualquer ingerência em seu fun-cionamento interno. 3. O requisito constitucional do caráter nacional dos partidos políticos objetiva impedir a proliferação de agremiações sem expressão política, que podem atuar como “legendas de aluguel”, fraudando a representação, base do regime democrático. 4. Medida cautelar indeferida.26

O Tribunal Superior Eleitoral, depois da publicação da Lei nº 13.165/2015,

editou a Resolução nº 23.465/2015, que disciplina detalhadamente o procedimento

de criação dos partidos, observadas as regras da Lei dos Partidos Políticos.

Dessa resolução, dois pontos merecem destaque. O primeiro relativo à nova

sistemática prevista para a conferência dos apoiamentos necessários à criação do

partido como meio de evitar a duplicidade na contagem. O segundo diz respeito ao

procedimento previsto para assegurar a democracia interna partidária, com a qual

não se coaduna a perpetuação das comissões provisórias. O art. 39 da Resolução/

TSE nº 23.465/2015 estabelece:

Art. 39. As anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 120 (cento e vinte) dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo razoável diverso.

§1º Em situações excepcionais e devidamente justificadas, o partido político pode requerer ao Presidente do Tribunal Eleitoral competente a prorrogação do prazo de validade previsto neste artigo, pelo período necessário à realização da convenção para escolha dos novos dirigentes.

26 BRASiL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.311. DJE, 4 fev. 2016.

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§2º A prorrogação do prazo de validade dos órgãos provisórios não desobriga o partido de adotar, com a urgência necessária, as medidas cabíveis para a observância do regime democrático a que está obrigado nos termos dos arts. 1º, 2º e 48, parágrafo único, desta resolução.

As mudanças da Lei dos Partidos Políticos acompanhada da resolução do Tri­

bunal Superior Eleitoral surgem como reação ao panorama político­partidário atual,

em que se constata elevado número de partidos políticos registrados, muitos dos

quais possuem irrisória atuação política. São 35 partidos políticos registrados junto

ao TSE, mas poucos alcançam o número de votos superior ao número necessário de

apoiadores para sua criação e outros sequer lançam candidatos:

A contemporânea democracia partidária não está livre de críticas. No particular, Ferreira Filho (220, p. 124) ressalta alguns vícios presentes no sistema brasileiro, no qual constata a existência de número excessivo de partidos, a inautenticidade deles e o exacerbado individualismo que marca nossa cultura. quanto ao primeiro, há cerca de 30 partidos com registro definitivo no TSE. A maioria é formada por partidos nanicos, de diminuta expressão no contexto sociopolítico, e cuja sobrevivência se deve ao aluguel de suas legendas – por isso, são conhecidos como partidos ou legendas de aluguel. Na verdade, não passam de pequenas oligarquias a serviço de uma ou outra personalidade, fechadas, pois, à renovação e ao intercâmbio de ideias.27

De fato, o elevado número de partidos políticos enseja dúvidas sobre a real

existência de tantas ideologias diferentes. Por isso, a imposição de requisitos é rele-

vante para evitar “certa distorção pela facilidade de criação de novos partidos no

Brasil, fazendo com que eles, infelizmente, não representem aspirações ideológicas,

e sim sirvam como siglas de aluguel para candidatos inescrupulosos”.28

A importante função pública desempenhada pelos partidos políticos de media­

ção entre o Estado e a sociedade, para os que recebem isenção tributária e recursos

públicos por meio do fundo partidário, justifica, nos limites constitucionais, um atento

acompanhamento das agremiações que possuem irrisória ou mesmo nenhuma

representatividade política.

Da mesma forma, muito em razão das circunstâncias político­partidárias con­

temporâneas, a limitação temporal das comissões provisórias é benéfica para a

con sagração da democracia, que não é alcançada sem que seja assegurada a demo­

cracia intrapartidária.29

27 gOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 84.28 VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014. p. 122.29 MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005.

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5 Considerações finais

No nosso sistema constitucional democrático representativo, os partidos polí­

ticos têm relevante função, em especial na mediação da relação entre o povo e o

Estado, por meio da aferição dos anseios sociais e sua canalização para a formação

da vontade do Estado. Embora esse papel não tenha sido desempenhado de maneira

eficiente pelas agremiações, clamar por sua extinção mais prejudica do que contribui

para o aprimoramento da democracia.

O legislador, sob o pretexto de ter incorporado as aspirações populares advindas

das manifestações de rua ocorridas recentemente, as quais ilustraram a insatis­

fação social com a atuação dos partidos políticos de modo geral, promoveu uma

reforma da legislação político­eleitoral por meio da Lei nº 13.165/2015. No entanto,

grande parte das modificações esbarra nos princípios constitucionais do pluralismo

político e seus corolários.

Ao contrário do que se divulga, o fortalecimento da democracia passa pelo for­

talecimento e aprimoramento dos partidos políticos, aos quais se deve assegurar, de

maneira razoável, igualdade de oportunidades no jogo político e principalmente nas

eleições, atentando­se para os desvios e manipulações do sistema pelos grandes

partidos, que não raras vezes sufocam ou exploram a atuação política de partidos

menos expressivos.

ReferênciasALViM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.

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FARAH, Marta Ferreira Santos. Política e sociedade: as manifestações de rua de 2013 e 2015. Estadão, 12 maio 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/gestao­politica­e­sociedade/politica­e­sociedade­as­manifestacoes­de­rua­de­2013­e­2015/>. Acesso em: jan. 2017.

gENTiL, Maurício. Debates eleitorais e pequenos partidos. Infonet, 23 ago. 2016. Disponível em: <http://www.infonet.com.br/blogs/mauriciogentil/ler.asp?id=190337&titulo=mauriciomonteiro>. Acesso em: 12 jun. 2016.

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179R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 165­179, jul./dez. 2017

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informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

zACLikEViS, Wagner Luiz; SHiROMA, André Eiji. Partidos políticos na visão do TSE (Palestra realizada por Luiz Carlos gonçalves, Eneida Desiree Salgado e Henrique Neves da Silva, no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral). Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 165­179, jul./dez. 2017.