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1 PATRÍCIA SIQUEIRA LOPES KARNIOL A ODDISÉIA DE UM CERTO ULISSES... Monografia apresentada a comissão avaliadora do curso de pósgraduação Latusenso do Instituto de Psicologia da USPUniversidade de São Paulo, como parte integrante dos requisitos para obtenção do Título de Especialista em Psicoterapia Psicanalítica e Psicanálise (coord. Profa. Dra. Kayoko Yamamoto). Área de concentração: Psicologia Clínica. Orientador: Prof. Dr. Roberto Kehdy. São Paulo, 2010.

PATRÍCIA SIQUEIRA LOPES KARNIOL A ODDISÉIA DE UM … fileMonografia apresentada a comissão avaliadora do curso de pós‐graduação Latu ... Na evolução da Psicanálise Winnicott

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PATRÍCIA SIQUEIRA LOPES KARNIOL 

 

 

 

A ODDISÉIA DE UM CERTO ULISSES... 

 

 

 

Monografia apresentada a comissão avaliadora do curso de pós‐graduação 

Latu‐senso  do  Instituto  de  Psicologia  da USP‐Universidade  de  São  Paulo,  como 

parte  integrante  dos  requisitos  para  obtenção  do  Título  de  Especialista  em 

Psicoterapia Psicanalítica e Psicanálise (coord. Profa. Dra. Kayoko Yamamoto).  

 

 

Área de concentração: Psicologia Clínica. 

 

Orientador: Prof. Dr. Roberto Kehdy. 

 

São Paulo, 2010. 

 

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1. DEDICATÓRIA 

 

Oh! Narciso, que falta você me faz... 

Este  trabalho  dedico  especialmente  a  você,  meu  querido  analista...  (in 

memorian). 

 

  Dr. Narciso Coelho Neto, você  foi mais do que um analista, você  foi meu 

amigo, meu  colega  de  jornada,  permanecerá  vivo  dentro  de mim  para  toda  a 

Eternidade! 

 

 

 

 

 

   

 

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2. AGRADECIMENTOS 

 

2.1  AO MEU MARIDO 

 

  Ao meu marido, Isac, meu grande amor, também um grande pesquisador e 

professor da mente humana, o meu melhor modelo. Com quem tenho o privilégio 

em dividir minhas inquietações profissionais, além de desfrutar da sua intimidade, 

criatividade e bom humor. 

  Vocë  sabe  os  créditos  que  você  tem  neste  trabalho,  obrigada  pela 

disponibilidade e contribuição aos meus estudos. 

  Você sempre comigo! Te amo. 

 

 

   

 

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2.2. À MINHA FAMÍLIA, PELA LUZ QUE REPRESENTA EM MINHA VIDA. 

 

  Obrigada  pai  pela  essencial  contribuição  à minha  formação.  Com  quem 

aprendi sobre o valor e o prazer do trabalho. Exemplo de perseverança. A minha 

mãe, onde quer que você esteja, por me ensinar  tanto sobre a  importância dos 

estudos. As minhas irmãs, Adriana e Izabella, também à Gedalva, Mateus, ao meu 

enteado  Guilherme  e  a  Camillie,  pelo  que  vocês  são,  pela  convivência 

estimulante,  capacidade  de  doação,  bondade  e  pelos  ensinamentos  que 

constantemente me  proporcionam.  Às minhas  enteadas,  pelo  simples  fato  de 

existirem e me propiciarem certos entendimentos. E ao meu filho que tão pouco 

tempo estivera nesta existência. 

 

 

   

 

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2.3. AOS COORDENADORES, PROFESSORES, SUPERVISORES, ORIENTADOR, 

COLEGAS E PACIENTES.  

 

  Expresso  os  meus  calorosos  agradecimentos  aos  coordenadores  deste 

curso,  Prof.  Dr.  Ryad  Simon  e  Profa.  Dra.  Kayoko  Yamamoto,  professores, 

supervisores,  ao  orientador  deste  trabalho,  Prof.  Roberto  Kehdy,  colegas, 

pacientes,  especialmente  ao  Ulisses,  que  colaboraram  para  a  realização  deste 

percurso, auxiliando‐me com suas idéias, afeição e apoio.   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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SUMÁRIO 

 

 1.DEDICATÓRIA  022.AGRADECIMENTOS  03, 04 e 05TÍTULO   074.RESUMO  08APRESENTAÇÃO  09 e 105. INTRODUÇÃO  10 e 126.INÍCIO DA ANÁLISE  136.1.NOVAS SESSÕES; DISCUSSÃO 14, 15, 16 e 176.2.OUTRAS SESSÕES E COMENTÁRIOS 17, 18, 19, 20, 21 e 226.3.PROSSEGUIMENTO DA ANÁLISE 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 297.CONCLUSÃO  30, 31 e 328.BIBLIOGRAFIA  33 e 34 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

 

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A ODISSÉIA DE UM CERTO ULISSES... 

 

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4. RESUMO 

Na  evolução  da  Psicanálise  Winnicott  foi  um  dos  que  mais 

contribuiram  para  a  compreensão  teórica  e  o  lidar  clínicamente  com 

pacientes psicóticos. 

Apresentamos aqui utilizando  como  referencial  teórico‐prático este 

autor, o caso de um paciente, um “certo Ulisses”, que de um episódio 

maníaco  tratado  medicamentosamente,  passou  a  apresentar  uma 

rigidez  no  funcionamento  mental,  concretude,  monotonia, 

hipoafetividade  e  difícil  contato.  Além  do  espaço  potencial  de 

comunicação,  onde  interpretações,  atividades  plásticas,  o  “brincar” 

foram  introduzidos. Conseguiu‐se uma evolução  favorável do paciente 

onde  o  “ser”  e  não  somente  o  “fazer”,  “falso‐self”,  pode  ser 

desenvolvido. 

 

Palavras chaves: psicose, winnicott, falso self, fazer e ser. 

 

   

 

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Do alto da cidade de Esparta, na Grécia, o rei Menelau inconformado com o 

rapto de sua bela Helena, convocou os outros reis gregos a se armarem contra a 

cidade de Tróia. Centenas de navios repletos de guerreiros atravessaram o mar a 

fim de destruir a cidade amaldiçoada. Assim começou uma guerra impiedosa, que 

os deuses acompanharam do alto do Olímpo; por  fim, após nove anos de  lutas 

sangrentas, o rei de Ítaca, Ulisses, vitorioso e com saudades, pretende retornar a 

sua origem, onde sua esposa Penélope e seu filho ainda pequeno o aguardam. 

   Seu  retorno depende do  sopro dos ventos, do movimento das ondas e, 

sobretudo, da boa vontade dos Deuses. Este herói é reconhecido pela sua astúcia 

e bravura durante os combates, o que mais uma vez tem que demonstrar na sua 

tentativa  de  retornar  ao  lar,  aos  braços  de  sua  amada  Penélope.  Seus 

compatriotas o chamam de Odisseu, o nome grego dado por seu avô; por isso, a 

longa viagem de retorno se denomina Odisséia. 

  Qual seria a razão para que no mito os Deuses retardassem tanto o retorno 

de Ulisses, submetendo‐o a tantos percalços? Talvez para demonstrar que para os 

humanos defrontados com os seus conflitos íntimos e com as vicissitudes da vida, 

a plenitude só é atingível depois de um amadurecimento, depois de ultrapassar 

inúmeras perdas, sabendo  lidar com as  idealizações que podem servir de molas 

propulsoras, mas não se distanciando da realidade. Mesmo assim esta realização 

“Para Joyce a arte de forma nenhuma traz respostas sem antes gerar uma série de perguntas, considerando que na arte o que possuímos é uma excitação inicial indefinida e incompreensível, sendo a imaginação e os pensamentos tão importantes quanto à expressão das emoções”.  Acredito que o mesmo ocorre na 

prática da psicanálise. 

 

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pode  durar  por  períodos,  se  não  instantes,  sendo  necessário  um  constante 

recomeçar. 

O certo Ulisses considerado aqui é na verdade um anti herói, um homem 

comum que também tem sua Odisséia, diante das vicissitudes da vida. Ele tenta 

sobreviver às  intempéries, uma aposentadoria que o afasta de um  trabalho que 

lhe é estruturante, desmanchar o casamento, onde procurava encontrar não só a 

Penélope companheira e amante, mas a “mãe”,  idealizada no  início da sua vida. 

Com  o  atropelamento,  as  doenças,  ele  se  aproxima  na  verdade  do  Ulisses  do 

Romance  de  Jaymes  Joyce  onde  a  um  personagem  tem  uma  vida  simples, 

monótona, rotineira e sistemática. 

Para Arantes o nome Ulisses escolhido por Joyce para o seu personagem, e 

acrescentamos para o nosso  também  funciona em  relação ao mito Grego como 

uma metáfora  “‐ estabelecida  com  ironia, humor,  e  seriedade –  do  heróico no 

homem comum na era moderna”. 

Na  análise Ulisses  procura  suprir  aquilo  que  talvez  não  tivesse  nos  seus 

primórdios,  ou  o  que  diante  dos  acontecimentos  tenta  desesperadamente 

recobrar. 

 

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5. INTRODUÇÃO 

Freud e os diversos autores e correntes que o sucederam sempre aceitaram 

que  a  Psicanálise  tem  na  Clínica  o  seu  lastro  fundamental.  Ou  seja,  que  a 

Psicanálise  é  a  ciência  de  um  certo  tipo  de  fatos  clínicos.  Dentro  da  sua 

metapsicologia  psicanalítica  o  desenvolvimento  da  mente  acompanharia  a 

estimulação  de  várias  regiões  erógenas,  oral,  anal  e  uretral  respectivamente, 

culminando no chamado “Complexo de Édipo”. A partir dele a  identidade do ser 

estaria  constituída.  Nas  neuroses  ocorreria  uma  dificuldade  de  ultrapassar 

adequadamente  a  fase  Edipiana;  na  formação  da  personalidade  regressões  e 

fixações  explicariam  outras  características  do  adoecer  mental.  Nas  psicoses 

haveria  uma  fixação  ou  regressão  a  uma  fase  primordial  do  desenvolvimento 

mental,  a  Narcísica.  Nesta  aproximação  pulsões  instintivas  provenientes  do 

interior do indivíduo seriam as molas propulsoras do desenvolvimento mental. 

Esta vertente teórica de Freud mostrou‐se muito útil no lidar com pacientes 

neuróticos,  o mesmo  não  ocorrendo,  na  prática  clínica  com  outros  pacientes 

como psicóticos e psicopatas. 

Winnicott,  acreditando  segundo  Fulgêncio  no  progresso  da  psicanálise 

como uma ciência, tenta ultrapassar estas barreiras. Para tanto ele leva em conta 

inúmeras descobertas  feitas por Freud  (como a sexualidade  infantil, o complexo 

de Édipo, o inconsciente recalcado, a transferência, resistência, etc.), por Klein (a 

posição depressiva, o uso do  jogo e da brincadeira na  técnica de  tratamento de 

crianças, etc.), além daquelas. Ele, procura redefinir ou reescrever a partir da sua 

prática estes aspectos dentro de uma teoria do amadurecimento pessoal, levando 

 

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em  conta  a  sua  experiência  advinda  de  uma  longa  prática  como  pediatra  e 

psicanalista,  enfatizando  a  importância  do  ambiente,  da mãe  suficientemente 

boa,  e  não  somente  daquilo  que  adviria  do  interior  do  indivíduo.  Winnicott 

procura  interagir  com  o  paciente,  lançando  mão  não  só  de  palavras, 

interpretações,  mas  também  com  uma  participação  ativa,  que  poderia  se 

estender  a  desenhos,  brincadeiras,  etc.  A  tentativa  constante  era  ficar 

emocionalmente ligado a situação clínica, inclusive quando de interpretações. 

 Isto  seria  particularmente  importante  no  caso  de  psicóticos  que  a 

semelhança do Ulisses vem à procura de análise. De fato Ulisses teve um episódio 

importante  de  Mania,  com  intensa  agitação  psicomotora  que  foi 

psiquiatricamente  tratado  com  medicamentos;  ele  se  acalmou,  mas  quando 

iniciou a análise estava ainda destituído de  interesses, desvitalizado, quase sem 

emoções. Com a análise acabou  tendo alta do  tratamento medicamentoso pelo 

médico assistente que, aliás, o tinha inicialmente enviado para psicoterapia. 

  Neste  contexto me  descobri muito  próxima  das  idéias  de Winnicott  na 

tentantiva de me aproximar das angústias básicas do meu paciente. Na criação de 

um espaço para o contato, além do diálogo, interpretações, lançamos mão de giz, 

argila,  tinta e pincéis... Um convite ao brinde, uma  tentativa de estabelecer um 

elo comum, algo que pudesse ampliar nossa comunicação. Com isto a monotonia 

quase insuportável frequentemente era ultrapassada.   

 

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6. INÍCIO DA ANÁLISE     

  Focalizarei  inicialmente nossa primeira sessão que decorreu dentro de um 

clima de distanciamento afetivo entre mim e Ulisses, de queixas descritas num 

tom  de  lamurio.  Ulisses  cabisbaixo,  retraído,  como  se  estivesse  preso  em  seu 

próprio  corpo, encolhido,  senta‐se em  frente e diz:  “Foi uma  vida  trabalhando, 

encontro‐me  aposentado,  não  tenho  o  que  fazer,  minha  esposa  quer  que  eu 

compre uma casa na praia e vá morar lá, não me agüenta mais, implico com tudo, 

até com os funcionários dela...”. Conta em detalhes sua história profissional, que 

sempre  trabalhou  em  empresas  de  grande  porte,  multinacionais,  ocupava  a 

posição  de  técnico  especializado;  sempre metódico,  detalhista. A  sessão  vai  se 

tornando  cada  vez mais  pesada...  distancio‐me    imaginando  um  grande  túnel 

escuro sem fim, mas consigo entender que se sente indignado com a esposa que 

pediu para ele  sair de  casa. Relata  também que  embora esteja em  tratamento 

psiquiátrico a cada dia se isola mais. 

    Numa  sessão  subseqüente Ulisses  fala da  insossa  comemoração de 

mais  de  trinta  anos  de  casado  e  de  um  sonho  que  teve  nesta mesma  noite: 

“sonhei com uma ex‐namorada, estávamos abraçados e perguntei  se ela queria 

casar‐se comigo.” Aqui Ulisses relata que talvez deveria ter se casado com ela. De 

fato  namorou  a  futura  esposa  e  esta moça  concomitantemente,  por  um  longo 

período. Escolheu sua esposa para se casar por ela ser de uma família tradicional, 

imaginou que ela seria mais aceita pela sua família. 

  Relata  sonhos  recorrentes:  “sente‐se amarrado nele mesmo, preso e não 

consegue  se mexer”,  grita! Acorda  assustado,  sua esposa  levanta  vai  até o  seu 

quarto pega em sua mão, ele adormece novamente.  

 

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6.1  NOVAS SESSÕES; DISCUSSÃO: 

  Segundo Winnicott,  (1952),  “o  centro  de  gravidade  do  ser  não  se 

inicia com a criança, mas com a mônada mãe‐bebê”. No início, o ser só é possível 

em conjunto com um outro. A continuidade do ser é o sentimento que resulta da 

sua  fusão  com u’a mãe  suficientemente boa, o  self  infantil não  integrado,  sem 

vinculo  entre  o  corpo  e  a  psique,  não  havendo  lugar  para  a  realidade  não‐eu. 

Existiria  apenas  u’a massa  de  emoções,  sem  limites  e  sem  definições.  Com  o 

empréstimo  do  ego  materno,  que  deveria  ter  adaptação  quase  perfeita  às 

necessidades da criança, se  inicia o processo de elaboração psíquica das funções 

corporais,  no  ritmo  do  bebê. O  cerne  assim  protegido  inicia  o  processo  de  se 

tornar um  ser de dentro para  fora. O crucial para o bebê é: “Eu  sou visto  logo, 

existo”.  Winnicott  constata  a  importância  não  somente  das  pulsões  como 

considerada por Freud, mas  também do ambiente emocional‐afetivo propiciado 

por  uma  mãe  suficientemente  boa,  continente,  que  possibilita  um  holding 

adequado  ao  bebê,  até  que  ele  não  mais  misturado,  atinja  um  estado 

diferenciado. Ele passa a sentir dentro de si a mãe, as qualidades dela necessárias 

para a sua sobrevivência. 

  Com  isto diante do ser só que caracteriza a condição humana, diante das 

frustrações, ele  consegue  lidar melhor  com  sua  raiva, não mais dissociado, não 

mais  dividido.  Ele  reconhece  a  presença  do  outro,  não  como  extensão  de  si 

próprio.  Quando  o  Holding  e  o manejo  são  insuficientes  na  primeira  infância, 

conseqüências  psicopatológicas  graves  podem  adivir  diante  de  determinadas 

situações da vida. 

 

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  Na fase de total dependência da mãe é que ocorrem as chamadas  ilusões. 

Ou seja, à realidade subjetiva do  lactente corresponderia a  realidade do mundo 

como  um  todo.  É  imprescindível  que  as  necessidades  do  bebê  (inclusive 

emocionais) sejam satisfeitas pela mãe. É importante que a mãe (suficientemente 

boa), seja continente desta área de  ilusão, que permita a existência da mesma, 

tratando‐se  de  uma  fase  fundamental  do  desenvolvimento  emocional  do 

lactente. 

  Voltemos a Ulisses. Pelos relatos ele teria sido um bebê feliz e comunicativo 

e isto teria se estendido, em parte no decorrer de sua vida. Dos irmãos ele era o 

único que teria “dado certo”. Os outros muito cedo na vida adulta apresentaram 

alterações mentais. Ele teria sido sempre o “queridinho da mamãe”, que o super 

protegia. Logicamente características  inatas dele ser capaz de receber, deveriam 

estar  presentes.  O  pai  parece  ter  sido  uma  figura  ausente.  Alcoolista,  ele  se 

distanciava emocionalmente da  vida  familiar. Para Winnicott a possibilidade de 

fantasiar, da  ilusão, que se origina nos contatos  iniciais do  lactente com a mãe é 

que permitiria ao ser humano tornar‐se criativo através da vida. Ou pelo menos 

não entregar‐se à total desilusão. 

  Será que uma maior proteção a Ulisses por parte da mãe o teria salvado de 

um destino pior?  Aqui algumas ressalvas podem ser feitas, pois a mãe não só o 

protegia, mas parecia pouco inclinada a permitir que o filho tivesse uma vida solo. 

Como um exemplo, uma carta anônima da mãe teria sido enviada para sua esposa 

logo após o casamento dizendo que ele era infiel. Este episódio perturbou muito 

seu relacionamento conjugal.  O mais  estranho  é  que  a  sua  escolhida  não  era 

aquela  que  ele  realmente  amava,  ou  (idealizava), mas  alguém  que  sua  família 

 

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(ambiente)  aprovava.  Um  desastroso  falso‐self  ao  invés  do  amor  teria 

prevalecido.  

  A  situação do  casamento de Ulisses  tornava‐se  insuportável. A pedido da 

mulher,  já dormiam em quartos separados. Além disto, o homem que passara a 

vida  toda  trabalhando agora estava aposentado. Emocionalmente ele procurava 

uma  saída. Num  sonho  a  antiga  pretendente  amada  com  quem não  se  casara,  

agora  ressurge  e  é  com  quem  iria  se  casar.  Será  que  começava  a  depositar 

esperanças no contato analítico? Contrastando com  isto, pesadelos se  repetem. 

Acorda assustado e a esposa o socorre,com afagos procura acalmá‐lo. É a mesma 

que  insiste  no  divórcio.  Também  sonha  que  em  desespero  se  sente  amarrado, 

talvez um  reflexo da situação  real onde não consegue encontrar uma saída, ser 

criativo. 

  Provavelmente uma saída deste impasse se expressa num quadro psicótico, 

maníaco,  quando  seu  humor  se  expande,  sentindo‐se  vivo,  participante  e 

importante. Isto contrastava totalmente com a realidade onde suas necessidades 

emocionais, sua subjetividade ainda procurava desesperadamente uma resposta. 

Viver no mundo real uma ilusão, foi ser medicado, quase foi internado. 

  Na  seqüência,  em  análise  trouxe  sua  desesperança,  falta  de  vida, 

monotonia,  falta  de  assuntos,  ausência  de  interesses,  sem  iniciativas...  sem 

caminhos.  Isto  foi por  identificação projetiva percebida por mim quando numa 

sessão fantasiei um túnel sem saída. 

  Como  ua’mãe  vigilante  com  as  necessidades  do  seu  filho,  procurei  com 

Ulisses  uma  linguagem  que  representasse  aquele  até  então  “mundo  sem 

 

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palavras”. Um brincar segundo Winnicott, uma procura de objetos intermediários, 

algo que redundasse numa possibilidade de novamente viver. 

6.2   OUTRAS SESSÕES E COMENTÁRIOS 

Na descrição  feita por Winnicott sobre o amadurecimento de dentro para 

fora,  dependendo  das  condições  ambientais  (uma  mãe  suficientemente  boa), 

uma seqüência temporal de acontecimentos parece ocorrer. Na pratica clínica o 

material que surge por vezes nos deixa desorientado, principalmente no trabalho 

com adultos. Um  vai e  vem  se estabelece numa  forma dinâmica,  com  fases do 

amadurecimento se seguirem ou sendo seguidas por outras muito “primitivas”. O 

“ser  individualizado”, que reagiria com criatividade às situações de abandono da 

Odisséia Humana, nem sempre é atingido, nem mesmo procurado. 

Winnicott  sugere  que  diante  de  situações  externas  desfavoráveis  como 

ocorreu na vida adulta de Ulisses, o desenlace tem maiores possibilidades de ser 

“favorável”, “criativo”, quando em  sua história o  contato  inicial do  indivíduo  se 

deu dentro de um ambiente favorável. Podemos entender melhor o que ocorreu 

com  o  nosso  paciente  se  levarmos  em  consideração  Forlenza    Neto  que  no 

trabalho  “Constituição  de  si  ‐  mesmo  e  transicionalidade”,  ponderou:  “as 

perturbações do desenvolvimento produzem  sensação de  falta de  fronteiras no 

corpo, ameaças de desintegração e despedaçamento, de cair para sempre, e falta 

de  coesão,  e  falta  de  coesão  psicossomática.  O  referencial  do  sujeito,  outras 

vezes, deixa de  ser o pessoal, e ele elabora um  falso‐self defensivo e submisso, 

cujo referencial é o de outra pessoa; ao mesmo tempo, queixa‐se de falta de uma 

diretriz na vida, de continuidade, sua comunicação é vazia e monótona. É incapaz  

de aprender com a experiência da vida, sente suas fronteiras vulneráveis, teme se 

 

18  

misturar com os outros,  funciona por  imitação, age de acordo com o que supõe 

que  se  espera  dele.  Se  for  inteligente,  usa  essa  capacidade  dissociada  de  sua 

existência psicossomática para obter algum sucesso, mas é sempre acompanhado 

de vazio e fracasso afetivo”. 

  Ulisses decidiu procurar a ex‐namorada, encontrou‐a pela  internet, soube 

que estava casada, em uma vida muito diferente de quando a conheceu, mas não 

a  reencontrou  pessoalmente.  Numa  sessão  Ulisses  fez  o  desenho  abaixo, 

revelando em suas palavras um coração dividido...(fig. 01). 

Coração 

 

Fig. 01 

    Ou seja, apesar de ainda manter a idealização que surgiu da outra na 

sua  adolescência,  desta  vez,  ele  sai  a  campo  para  ver  se  ela  realmente  existia 

dentro da realidade atual. Ele portanto não fica somente na ilusão. 

  Repete  a  seguir,  uma  frase  que  faz  parte  dos  seus  lamúrios,  de  um 

“superego” extremamente rigoroso: “sempre soube muito bem o que esperavam 

 

19  

de mim  e  sempre  cumpri  com  os meus  deveres”.  Ele  necessita  de  um mundo 

controlado, onde não existem duvidas, onde a possibilidade de se  individualizar, 

de liberdade, não estejam presentes. 

  Relata:  “meus  filhos  adultos  casados  zombam  de  mim,  do  fato  de  eu 

precisar que tudo esteja em ordem”. No seu dia a dia diz que levantava cedo, fazia 

o seu café, não gostava do modo como a empregada  lavava a  louça; então fazia 

isto a sua maneira, primeiro os pratos, depois os copos e talheres, tudo de forma 

organizada. Depois  lia o  jornal,  ficando  irritado com o  toque da  campainha dos 

funcionários da sua esposa que chegavam, pois  teria que abrir a porta uma vez 

que ela tinha sua oficina nos fundos da casa. 

  Em  outra  sessão  ele  chega  com  um  canudo  na mão,  pergunto  o  que  é 

aquilo? Ele trouxe um projeto seu para instalação elétrica para que eu entenda o 

que ele produzia durante o período em que trabalhava, (fig. 02). 

Projeto para instalação elétrica 

 

Fig. 02 

 

20  

Ele explica como  fazia para controlar a energia elétrica.  Indago se ele não 

estaria se referindo as suas emoções? Ele confirma, realmente fica  impaciente e 

irritado diante de algumas  situações que atualmente  vive em  sua própria  casa: 

“as pessoas da minha  casa acham minha  sala  feia, minha arrumação, pois  sou 

sistemático,  não  gosto  da  desorganização  da minha  filha  e  retiro  o  que  é  dos 

outros quando acontece de se misturarem com as minhas “coisas”, por exemplo, 

quando  um  colega  guardava  as  ferramentas  dele  dentro  da  minha  caixa  ou 

quando minha filha guarda algo dela no meu quartinho de ferramentas, eu vou lá 

e retiro, gosto de tudo certinho.” 

Segundo Winnicott existem pessoas para as quais “a possibilidade de serem 

chamadas  (eu  acrescentaria  se  sentirem)  doídas,    alucinadas,  faz  com  que  se 

aferrem a sanidade; agarram‐se a objetividade por causa da permanente ameaça 

de  não  saberem  de  si,  colam‐se  as  regras  e  aos  padrões  da  realidade  externa 

como um roteiro e script para a vida, um parâmetro do que são do que fazem”. 

Apesar deste controle ou tentativa constante de controle, quase obsessiva 

de  sua mente, Ulisses constantemente  se  sente como ele descreve no desenho 

em uma corda bamba, (fig. 03). 

 

 

 

 

 

 

21  

Corda bamba 

 

Fig. 03 

Qual  será  este  equilíbrio  que  ele  tenta  manter?  O  que  o  influência? 

Aparentemente ele  tenta em desespero  se equilibrar entre um  falso‐self com o 

qual constitui sua personalidade e sua maneira de ser e  interagir no mundo, e o 

terror  de  um  mundo  interno  desorganizado,  caótico,  no  qual  a  ameaça  de 

desintegração  fica  evidente.  Isto  transparece  em  pesadelos  aterrorizantes,  dos 

quais foge, acorda para se refugiar junto a sua esposa. Este continente é, porém 

passageiro, pois esta deixava claro que queria a separação. 

A  possibilidade  de  conter  em  si  os  elementos  femininos  “ser”  e  o  

masculino  “fazer”  não  estava  acontecendo.  Segundo  Winnicott  o  feminino 

corresponderia  a  um  dos  primeiros  estágios  do  desenvolvimento  emocional, 

dentro do contato mãe‐bebê e é o que daria a sensação de existir da qual Ulisses 

se  ressentia. O  fazer dentro do  falso‐self é que acaba predominando, um  canal 

onde  os  desejos  raramente  se  fazem  presentes.  O  que  existe  é  um  “ser 

robotizado” diante das exigências da realidade, onde fantasias quase não surgem, 

 

22  

nem  são  esboçadas.  O  objeto  externo  aparece  de  uma  forma  concreta,  não 

colorido  pelas  fantasias,  pelos  desejos,  apenas  obrigações.  Uma  maneira 

ineficiente para evitar a solidão, o só, o não ser; paradoxalmente ele teme perder 

essa não vida e ficar a mercê do caos da sua realidade interna que não tenha sido 

ainda  alvo  de  uma  suficiente  maternagem.  A  analista  parece  gradativamente 

ocupar esta função. 

6.3 PROSSEGUIMENTO DA ANÁLISE 

Procuro disponibilizar novamente nas sessões seguintes diversos materiais 

tentando criar com Ulisses um espaço de experiência compartilhada, um espaço 

para a vida. O  “criar”, brincar, no  caso ocorria por meio de atividades plásticas 

como esculpir em argila, reproduzir pinturas, etc. Ele se encantou como modelo 

com as obras de Picasso. 

Diante da argila colocada a sua disposição na sessão Ulisses comenta: “hoje 

temos argila! Há será que vai sair alguma coisa, não creio viu!”. Replico pedindo 

que ele use a imaginação e proponho trabalharmos juntos. 

Ele  tenta  reproduzir  algumas peças que usava  em  seu  trabalho,  também 

formas  como  os  pedaços  poderiam  encaixar‐se  um  no  outro  (fig.  04.1) 

concomitantemente eu tento representar o estado dele, isolado quando se sente 

amarrado  (fig. 04.2 abaixo a esquerda). Em seguida  faço espontâneamente uma 

segunda  figura  04.2  abaixo  a  direita.  Para  meu  espanto,  sem  perceber, 

inicialmente reproduzo nela “ua’ mãe com o filho bebê no colo”. Provavelmente a 

mãe  analista  com  paciente  com  aspectos  infantis,  tentando  satisfazer  as 

necessidades do mesmo. 

 

23  

 

Argila 

 

  Fig. 04.1   

 

Fig. 04.2 

Focalizando as peças que reproduziu e tentou encaixar fig. 04.1, lembro da 

possibilidade do bebê num estágio primitivo poder alucinar, por exemplo, o seio, 

e  este  magicamente  aparece  dentro  do  seu  mundo  mental.  No  brincar,  na 

fantasia, magicamente  ele  cria  e  tenta  encaixar  as  peças  desordenadas  do  seu 

 

24  

mundo mental. Possivelmente numa via bidirecional é a mesma forma como ele 

começa a  lidar  com os acontecimentos  insuportáveis da  sua vida de adulto. Na 

figura  04.2  da  situação  de  amarrado,  paralisado  (à  esquerda)  eu  procuro 

desencaixá‐lo, pegá‐lo no  colo  (à direita), ajudando‐o para  “ser”,  “existir”, para 

aproximá‐lo de uma forma protegida da realidade externa. 

Lembro‐me  de  um  conto  chamado  Argila  de  James  Joyce,  onde  uma 

personagem  muito  ingênua,  só,  com  uma  vida  metódica,  que  é  exposta  ao 

ridículo,  quando  com  os  olhos  vendados  procura  descobrir  uma  forma  numa 

massa  gelatinosa  de  argila.  Ulisses  também  manipula  a  argila  com  grande 

dificuldade  e  ao  invés  de  criar  novas  figuras,  apenas  reproduz  formas  que  já 

conhece. Ou seja, mesmo o fantasiar envolve um esforço enorme, pois consegue 

somente reproduzir formas conhecidas.  

Depois  se  lembra  de  um  pesadelo:  “um  olho muito  grande  apareceu  na 

janela do meu quarto, eu gritei e acordei. Chato os meus gritos à noite, deste jeito 

não posso nem  casar de novo...” Neste  sonho   Ulisses aparentemente  traz não 

apenas o terror, a perseguição que ameaça sua estrutura mental, mas já acordado 

a idéia de uma ressurreição que se vê impedida: o casar de novo. 

Esse sonho me faz lembrar de uma lenda egípcia sobre o Deus Hórus, fig 05 

o  seu  olho  esquerdo  simbolizava  a  Lua  (informações  estéticas,  abstração)  e  o 

direito o Sol (informações concretas, factuais). O Deus Seth numa  luta arranca o 

olho  esquerdo  de  Hórus  (destrói  sua  criatividade,  fantasia).  Resta  somente  a 

Hórus  a  semelhança  do  ocorrido  com  Ulisses  a  parte  objetiva,  concreta  (olho 

direito). Somente com a vitória de Hórus sobre Seth é que o olho como um todo 

poderia  ser  reconstituído.  Ou  seja,  somente  com  o  desenvolvimento  de  suas 

 

 

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25 

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26  

pintura. Ele  começa  lentamente a brincar,  tomando  iniciativas.  Lembramos que 

outro  grande  artista  Picasso  cujo  obras  Ulisses  também  procurava  reproduzir, 

para ser ele mesmo, teve que passar por uma fase  inicial de aprendizado, sendo 

seus  primeiros  quadros  acadêmicos,  pintava  modelos  vivos,  procurava  ter  o 

domínio  da  técnica,  de  uma  linguagem.  De  posse  da  mesma  é  que  pode 

finalmente se tornar o artista que se imortalizou. 

Vincent Van Gogh 

 

Fig. 06 

Num  movimento  contínuo  que  se  desenrola  por  meses,  um 

renascimento  emocional  parecia  estar  ocorrendo.  Apesar  dos  temores 

 

27  

aceitou um convite para voltar a trabalhar, e numa das sessões com olhos 

mareados,  fala:  “já  vou  avisando  para  receber  um  abraço,  o  netinho 

nasceu! Estou cheio de fotos aqui... o meu genro filmou tudo!”. Ou quando 

mostrou  uma  foto  com  o  neto,  já  com  um  ano  de  idade,  e  comentou: 

“Quero  ver  o meu  neto  tomando  o  primeiro  chimarrão  e  aliás  pretendo 

também  ir  para  a  festa  dos  farroupilhas  em  setembro  no  sul”.  Reproduz 

então  um  quadro  de  Picasso  chamado  O  Nascimento,  fig.  07.  Podemos 

sugerir que Ulisses  focaliza aqui a  criatividade que dentro dele  começa a 

brotar: Ele fez uma filha que lhe deu um neto. Ele passa, portanto a sonhar, 

brincar com a realidade. 

O nascimento 

 

Fig. 07 

 

28  

Este caminhar não se deu sem momentos dolorosos como seguindo ainda 

um modelo  de  Van  Gogh,  ele  pinta O  barco  abandonado,  (fig  08), momentos 

difíceis  que  fazem  tanto  ele  como  eu  duvidar  se  conseguiríamos  prosseguir  na 

Odisséia. 

O barco abandonado 

 

Fig. 08 

O seu renascimento, no entanto prossegue... reage quando vê um homem 

roubando  a  torneira  do  seu  jardim,  começa  mesmo  só  a  freqüentar  bares  e 

restaurantes,  volta  a  prestar  atenção  nas moças bonitas,  navega  pela  internet, 

usa MSN, paquera... 

Tem  um  sonho  inusitado:  “no  início  estava  amarrado,  mas  com  muito 

esforço  consegui me  desamarrar...”.  Aqui  diferentemente  do  representado  na 

 

29  

figura 04.2, onde eu tomava a  iniciativa de desencaixá‐lo, é ele mesmo que com 

condições internas suficientes deseja, ou consegue se libertar. 

Neste mesmo sentido num cartão de Natal quando  interrompeu a análise, 

pois confiante iria se mudar para a casa da praia estava escrito: “Há pessoas que 

passam em nossas vidas e deixam um pouco de si. Outras levam um pouco de nós. 

Porém,  existem  aqueles  que  sempre  permanecem”.  Ou  seja,  aparentemente 

Ulisses conseguira pela análise  introjetar a mãe boa analista e seguro de si e só, 

partia para novos caminhos. 

Em visitas periódicas posteriores Ulisses me relata que sua Odisséia, cheia 

de  acontecimentos  trágicos  não  tinha  sido  interrompida:  foi  atropelado  e  teve 

sérias  sequelas  clínicas,  precisou  tratar  de  um  câncer  de  próstata  e  pelo  seu 

estado teve que segundo falou provisoriamente, voltar a morar na casa da mãe... 

Mas  continuava pintando, esperançoso ou  segundo  suas palavras:  “estou 

fisicamente  quebrado,  mas  me  sinto  vivo  por  dentro,  acho  que  agora  estou 

decidindo as minhas coisas”. 

Na  última  sessão,  emocionados,  chorando,  nos  abraçamos  e  nos 

despedimos. Ele podia agora só prosseguir na sua Odisséia. 

 

 

 

 

 

 

30  

7 CONCLUSÃO 

No  início  da minha  prática  clínica  de  Psicoterapeuta  e  no meu  Curso  de 

Especialização em Psicoterapia Psicanalítica e Psicanálise ao percorrer os  vários 

autores  e  teorias,  eu  estava  à  procura  de  um  referencial  teórico‐prático  que 

melhor  se  adaptasse  às  minhas  características  de  personalidade  e  modo  de 

trabalhar. 

Numa aproximação Freudiana clássica, onde as interpretações ocupam um 

papel  fundamental,  eu  tinha  a  impressão  que  alguns pacientes, principalmente 

crianças  e  psicóticos,  ou  não  ouviam,  ou  não  pareciam  “entender”  o  que  eu 

estava  falando.  Isto  prejudicava  e muito minha  comunicação  com  eles.  Eu me 

deparei então com as aulas sobre Winnicott e percebi que as coisas começaram a 

ficar mais claras e factíveis dentro da minha  linha de atuação. Em particular  isto 

ocorria  com  pacientes  muito  “concretos”  e  naqueles  absortos  num  vazio 

existencial muito grande, ou nos seus delírios. Foi dentro desta perspectiva que 

desenvolvemos nosso trabalho com Ulisses. Vindo de um grave episódio psicótico 

pesadamente medicado no início da psicoterapia (depois não necessitou mais dos 

remédios),  rígido,  hipoafetivo,  possibilitava  um  contato monótono ou  como  eu 

cheguei a fantasiar como “um túnel escuro sem saída”. 

Com o passar do  tempo e do nosso diálogo, brincando, pintando,  lidando 

com argila... esse clima começou a  se modificar e eu percebi que  sua “chatice” 

provinha  de  defesas  dentro  de  um  funcionamento  mental  dissociado,  onde 

emoções e afetos não se faziam presentes. 

Eu  comprovava  na  prática  que  o  trabalho  psicanalítico  quase  impossível 

enquanto eram usadas técnicas tradicionais interpretativas foi se modificando. 

 

31  

Ele gradativamente diminuiu o temor de uma solidão  inevitável dentro da 

saga dos Seres Humanos, e mesmo o prosseguir sua Odisséia com acontecimentos 

trágicos  com  doenças  e  desastres,  ele  encontra  dentro  de  si  um  ser 

emocionalmente  vivo  para  lidar  com  estas  situações.  Ele  não  precisa mais  se 

dissociar, se automatizar. 

Diferentemente do Ulisses da tragédia grega cujo desejo era retornar a um 

paraíso, a Ítaca, à sua Penélope, e aí encontrar a sua completude, o nosso Ulisses 

se  encontra,  ou  reencontra  consigo  próprio,  com  o  seu  ser,  com  a  sua 

individualidade. Ou seja, com uma mente que de um modo contínuo precisa se 

desenvolver  para  enfrentar os  acontecimentos  inevitáveis  da  vida. Nisto  ele  se 

aproxima muito mais  do Ulisses  de  Jaymes  Joice,  um  homem  comum,  que  no 

cotidiano precisa a todo tempo se renovar. O nascimento do neto, agora  já tem 

uma linguagem para representá‐lo, quando reproduz a pintura O Nascimento, de 

Picasso Fig 07. Mesmo a  solidão agora é  suportável quando a  representa como 

um  barco  abandonado  Fig.  08.  Agora  ressurge  a  criatividade,  a  capacidade  de 

fantasiar,  “ilusão  impressindível”  como  descrita  por  Winnicott  no  adulto.  Ele 

aspira ver o neto tomar um chimarrão e ir no futuro para a festa dos Farroupilhas. 

Agora ele  já procura  fantasiar  saídas, e mais do que  isto procurá‐las  fora de  si, 

levando  em  conta  o  seu  ser,  suas  características,  mas  também  a  realidade 

externa. 

Ou como disse o nosso Ulisses: “estou fisicamente quebrado, mas me sinto 

vivo por dentro. Acho que agora eu estou decidindo as minhas coisas”. Ou como 

ele tinha sonhado: “eu me desamarrei...”. 

 

32  

Para  isto  ele  já  tinha dentro de  si  a mãe  analista que nos momentos de 

maior  precisão  e  incapacidade  tinha  compartilhado  suas  dificuldades.  Isto  no 

conversar, brincar, na busca de adaptações realistas, criativas,  levando em conta 

a existência de sí e dos outros. 

Ou  como estava escrito no  cartão quando ele  interrompeu a análise  “Há 

pessoas que passam em nossas vidas e deixam um pouco de si. Outros levam um 

pouco de nós. Porém existem aqueles que sempre permanecem”. 

Concluímos que psicanaliticamente usando um referencial Winnicottiano é 

possível analisar pacientes psicóticos e aqueles muito concretos, dissociados, com 

dificuldade de comunicação emocional. 

 

 

 

   

 

33  

8 BIBLIOGRAFIA 

 

ARANTES, J. A.: Um guia para entender Ulisses em: 7 clássicos ingleses. Ed. 

Duetto, S. Paulo, 2010, PP 85‐97. 

FONAGY, P. & KACHELE, H.. Psychoanalys´s  and other  long‐term dynamic 

psychotherapies.   Gelder, MG,  Eds., New Oxford  Textbook  of  psychiatry,  1337‐

1350, 2009. 

 FORLENZA NETO, O.: Constituição do si  ‐ mesmo e  transicionalidade. Em: 

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São Paulo, 26 de julho, 2010.