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Pauline Alphen Tradução: DOROTHÉE DE BRUCHARD

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Pauline Alphen

Tradução:

DOROTHÉE DE BRUCHARD

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Copyright © 2012 by Hachette Livre

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Título original Ailleurs

Capa Retina_78

Preparação Maria Fernanda Alvares

Revisão Valquíria Della Pozza

Márcia Moura

2013

Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz s.a.

Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002 —― São Paulo —― sp

Telefone: (11) 3707-3500 Fax: (11) 3707-3501

www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Alphen, PaulineSeparados : crônicas de Salicanda, livro 2 / Pauline

Alphen ; tradução Dorothée de Bruchard — 1a ed. — São Paulo : Seguinte, 2013.

Título original: Ailleurs.isbn 978-85-65765-16-9

1. Crônicas - Literatura infantojuvenil i. Título.

13-04137 cdd-028.5

Índices para catálogo sistemático:1. Crônicas : Literatura juvenil 028.5

2. Crônicas : Literatura infantojuvenil 028.5

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Sumário

Parte i : A gruta

1. Dentro, embaixo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

2. As palavras perdidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3. Passagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

4. O Mandarim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

5. Maya . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

6. Bahir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

7. Mortos ou vivos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 0

8. Poderes, magia… . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

9. Se eu ler direitinho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

10. Voaflores e tristisoldos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

11. Falcão Branco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Parte ii: A ilha

12. Gabriel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

13. Sinhá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

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14. Aram . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

15. Orpheus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

16. O presente dos anjos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

17. Bandhá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

18. O quinto elemento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

19. Uma voltinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

Parte iii: Florestas

20. Regresso a Salicanda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

21. Os tempos mudam . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176

22. A voz do imortal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186

23. A floresta metamórfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196

24. Tornar-se um mago . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

25. Ellel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219

26. O nome do menino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230

Cronologia dos Tempos de Antes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241

Léxico dos Tempos de Antes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243

Lista das personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251

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Parte i

A gruta

Presunçosa, a Guilda inventou o Verdadeiro Leitor.Único, desejado, excepcional, ele é o exato contrapontodo Nômade da Escrita em sua torre de marfim.Desinteressante.

O Verdadeiro Leitor é aquele que, ao ler,torna-se personagem, livro, escritor.O Verdadeiro Leitor não conhece todas as palavras.O Verdadeiro Leitor não é o rei dos sinônimos,nem da concordância verbal.O Verdadeiro Leitor não é apenas um grande ouvido,olhos que seguem linhas já traçadas.

O Verdadeiro Leitor é um aventureiroque se atira numa história com generosidade e desejo.Um pirata que se apossa da história.Um canibal que a devora.A Guilda que estremeça, esbraveje, proíba!O Verdadeiro Leitor não está nem aí.Ele viaja…

Cadernos de Sierra, excertos,in Arquivos apócrifos da Guilda dos Nômades da Escrita

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1 Dentro, embaixo

chamas e pesadelos

“Eu não agradeci ao meu pai, não desejei feliz aniversário ao meu ir-mão. Não agradeci ao meu pai, não desejei feliz aniversário ao meu irmão. Não agradeci não desejei meu pai meu irmão meu pai meu irmão irmão irmão…”

Há três dias ela vagava no labirinto das passagens esquecidas que li-gavam o castelo de Salicanda às grutas ocultas da montanha. Três dias que buscava um caminho no emaranhado subterrâneo, dilacerada de angústia e premência, indo de gruta em gruta, de corredor em corredor, voltando sobre seus passos, andando em círculos, repetindo a mesma frase tantas vezes que já perdera o sentido das palavras.

Ao se abaixar para passar sob uma cornija, deparou com um estreita-mento. Uma corrente de ar frio veio tirá-la de seu torpor. Maquinalmente, sem lembrar por que era tão importante, seguiu aquela brisa.

Piscando os olhos à luz baça do Tempo Branco, a menina emergiu da terra. Qual um animal buscando o calor da mãe, acomodou-se num lugar onde se demoravam fiapos de um sol pálido. Tinha conseguido sair. Era o seu objetivo: sair. Mas sair por quê? Já não sabia.

O sol mergulhou por trás da Geleira do Unicórnio, colorindo-a de púrpura, acendendo a crista do Dragão. A menina estremeceu e procurou o vale lá embaixo, onde se aninhava uma aldeia. Das casas baixas, cons-truídas com a pedra clara da região, só se avistavam as chaminés que emer-giam dos telhados nevados. Um punhado de casas se encarapitava na en-costa ao redor de ruínas ainda fumegantes. Uma torre despontava dos escombros. O coração da menina parou de bater enquanto um diálogo lhe voltava à memória:

— O incêndio está se espalhando, a sala de estudos está em chamas!— E meu pai? E meu irmão?

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— Estão lá dentro. A sala desabou. Eles não saíram. Estão lá embai-xo…

“Estão lá dentro… Estão lá embaixo… Meu pai… Meu irmão… Estão dentro… Estão embaixo…” Aquele monte fumegante era tudo que restava de sua infância.

Seu olhar claro nublou-se, voltou-se para dentro, contido. Levados pelo vento, os ramos paralelos dos esparramados dançavam suavemente diante dos seus olhos. Uma águia traçava círculos negros no céu branco. Ela não os viu. Nem a magnífica imobilidade das rochas, nem o resplan-decente manto nevado. Não via nada.

Ficou horas ali parada, escutando o silêncio. Não o silêncio vivo da natureza. Escutava, paralisada, o silêncio que se apossara dela ao romper--se o contato com seu irmão gêmeo.

“Dentro, embaixo.” O choque aniquilara qualquer capacidade de ra-ciocínio, qualquer sentimento. Sua mente estava vazia de pensamentos e inchada da ausência do irmão. Assombrada, escutava aquela ausência ge-lada se infiltrando pelos poros de sua pele e pelas dobras de sua alma. Não lutava. Aquilo era mais forte que ela.

Quando começou a ficar muito frio e escuro, voltou para dentro da gruta. Encolheu-se num canto, enrolada em sua capa verde-escura, com o amplo capuz puxado sobre os olhos, e mergulhou num sono ruim, feito de chamas e pesadelos.

totalmente insano

Eu sei, é inacreditável. Quer dizer, ninguém vai acreditar. Ramsk! Nunca fui bom de palavras. Claris faria muito melhor. Ou então Bahir, Ellel, Maya… Ou Jad. Mas Jad mal fala comigo. Escrevo de propósito esses nomes que me doem, porque pior é tentar não pensar neles. Jad não quer falar a respeito. Ainda não, disse ele. Então escrevo, na poeira cinzenta.

Escrevo porque ele não fala comigo. Escrevo para não ficar louco. E também porque não tem importância. Ninguém nunca lerá essas frases que se apagam à medida que as vou traçando. O resto é literatura… Pela Deu-sa peituda, como diria meu pai, estou enchendo linguiça! Vamos lá, então: eu, Ugh, filho de Chandra e Blaise — eu acho —, estou com meu amigo de infância, Jad, num lugar… num lugar que não existe.

Escrevo na areia, ou na terra, nessa espécie de névoa ou poeira desco-rada que nos cerca. Não estamos em Salicanda, e esse lugar não se parece

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com nada que eu conheça. É cinzento. Vazio. Silencioso. Não é desagradá-vel. Só incompreensível. Melhor dizendo totalmente maluco…

com seus dentes transparentes

Pensativo, com gestos vagarosos, o ancião prendeu as últimas sacolas no lombo do sízifo. Precisava partir. Não havia mais nada que pudesse fazer. A lista dos desaparecidos estava pronta, os mortos enterrados — incinerá-los soaria como uma sinistra redundância —, tudo o que havia sido possível resgatar estava a salvo. Porém, não estancara o pranto dos sobreviventes. Seria preciso dar tempo ao tempo. Soltou um longo suspiro. “O tempo.” Incansável, indiferente, benéfico, rilharia a dor com seus den-tes transparentes, lágrima por lágrima, lembrança por lembrança. Os sor-risos voltariam, depois os risos, e a vida reassumiria seus direitos.

Fez uma careta ao lembrar de sua última conversa com a mãe de Ugh. Uma conversa agridoce, à imagem da turbulenta relação dos dois. Chandra afirmava que nem o menino nem seu amigo estavam mortos. Que vira o filho aureolado de luz, que fora ele quem a reanimara e trouxera de volta à vida. Declarava, com indefectível convicção, que não poderia estar viva caso ele estivesse morto. Era simples assim. Não chorara pelo filho, dizen-do que guardava suas lágrimas para os que estavam mortos de verdade. E que já era o quanto bastava.

Como contradizê-la? Quer se tratasse, ou não, da tática de um coração de mãe para esquivar-se do inconcebível — a morte do filho —, era-lhe grato por esboçar uma esperança. Uma esperança absurda, pois já fazia agora quase um decêndio que o castelo fora devastado pelo incêndio. “Mas a esperança não é mesmo sempre absurda?” Também ele preferia acreditar covardemente que os meninos não tinham morrido. Todos precisavam da solicitude de Chandra, de sua formidável energia. Além disso, ele não teria tido forças para consolá-la.

O sízifo sacudiu-se, eriçando os pelos longos e ásperos. O céu se es-tendia numa pureza glacial, e a neve caía, incessante, há mais de um de-cêndio. O Tempo Branco parecia reinar desde muitas luadas, quando na verdade estava só começando.

O homem ajeitou a capa sobre suas túnicas e lançou um último olhar sobre os escombros. Muros em ruínas, vigas calcinadas rasgando a imacu-lada indiferença da neve: era o que restava do que havia sido o castelo de Salicanda, cujo projeto ele próprio desenhara cerca de cinquenta luadas antes. De sua imaginação anárquica nascera a fortaleza de três andares,

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entrecortada por níveis intermediários, corredores que nunca levavam aon-de deveriam levar, passarelas que ligavam cômodos incompatíveis, enfia-das de varandas inúteis e passagens tortuosas. Quartos, cozinhas, salas, torreões, sacadas: desfeitos em fumaça.

No centro do desastre, enegrecida porém intacta, restava a torre. O antigo farol, que outrora resistira à passagem do tempo e aos ardores do oceano, escapara do incêndio. Erguia-se qual símbolo irônico da perma-nência das pedras. “Ou da impermanência dos homens”, ponderou o an-cião enquanto se acomodava no lombo pouco acolhedor do sízifo. Precisa-va partir.

Instigando a montaria com os calcanhares, deu as costas ao castelo devastado e à aldeia aninhada no vale. Por um momento, sentiu inveja daqueles que ficavam lá. Iam se consolar mutuamente, reconstruir. A ele cabia ser o pássaro de mau agouro, levar àqueles que ainda não sabiam a notícia do acontecido. Contar a uma mulher a morte do marido e da filha; a uma filha, a morte do pai e da irmã; a um marido, o desaparecimento da mulher… Uma tarefa inglória.

Sem falar na menina que ele perdera. Cerrou os dentes para conter o sentimento de culpa que o invadia toda vez que pensava nela. Ao contrário das outras crianças, não fora encontrada na gruta nem nas passagens sub-terrâneas que ligavam o castelo às montanhas. Havia muito mais pergun-tas que respostas. “Como sempre…”

O Mandarim abaixou o capuz, mesmo não havendo ninguém, no ama-nhecer gelado, para vê-lo chorar.

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2 As palavras perdidas

tanta tristeza

Na gruta, havia apenas trevas, escuridão, silêncio. Absolutos. Não dis-se a si mesma “Se pelo menos bastasse invocar ‘lumos’”. Não sacudiu im-pacientemente os cachos morenos, não pensou em usar o isqueiro de ma-rinheiro guardado na mochila que trazia nas costas. Ela não pensava. Não sentia. Sob suas pálpebras resolutamente cerradas dançavam as chamas que tinham incendiado o castelo da sua infância. Em seu corpo, em seu coração, em sua mente, onde — antes — havia um pai, um irmão, uma ama de leite amorosa, amigos queridos, reinava o vazio. Isso ela também não disse a si mesma. Perdera as palavras.

Ao lado da menina, um calor despertou. Maquinalmente, procurou de onde ele vinha. Em seu quadril esquerdo, embainhada, reluzia uma espada. A imagem da pessoa que a tinha fabricado aflorou um instante, e voltou a se perder nas sombras. Recordar era doloroso demais. A espada emitiu um derradeiro clarão branco, como um protesto, e se apagou.

A madeira de imortal, de que era feita a espada, era poderosa. O amor do homem que a fizera pela menina era imenso. Mas sua força não alcan-çava a menina, que estava inacessível, perdida em sua própria dor. Em torno dela, porém, pairavam lascas de uma infância feliz. Era o suficiente para os Vívidos tentarem.

Sob as pálpebras cerradas acendeu-se uma luzinha intensa e azulada, destacando-se sobre as chamas que devoravam sua mente. A luz dilatou--se, pôs-se a apagar as chamas, amainando, por um momento, o peso que se assentara feito chapa de chumbo no coração da menina. Ela entreabriu os olhos. Lá fora, tudo era silêncio e escuridão. Dentro dela, estavam as chamas. Não sentia medo. Estava além do medo. Não sentia nada. Voltou a fechar os olhos. Algo dentro dela, algo cansado, desesperado, sugeriu que ficasse ali, deixando-se envolver pelo silêncio, pela escuridão, afogan-do-se neles. O azul protestou, intensificando-se, fragmentando-se numa

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miríade de faíscas a dançar sob suas pálpebras. Conhecia essas faíscas, antes… Não, esquecer…

Os Elementais esvaneceram-se como num suspiro. Os Vívidos do Ar eram movimento e leveza, radiante alegria, transparência. Nada disso res-tava na menina encolhida embaixo da terra. Os Vívidos do Ar não podiam penetrar tanta tristeza. Teriam que esperar. Antes, porém, alertaram seus irmãos, os que habitavam a pedra…

dura, fria

Sem que percebesse, uma rotina instalou-se. Ela emergia ao amanhecer de um sono penoso, mais exausta que no dia anterior. Alertada, por um resquício de instinto de sobrevivência, de que o sol pálido voltara a banhar a montanha, saía da gruta para sentar-se naquele mesmo lugar. Imóvel, envolta em sua capa, permanecia recostada na pedra fria, que se aquecia tenuamente às suas costas à medida que o dia avançava. A ela, nada aque-cia. Durante três dias, não comeu nem bebeu, passando da escuridão para a luz e do frio para o frio.

Na manhã do quarto dia, suas pernas falharam. Caiu ao sair da gruta. Seu ombro esquerdo bateu com violência na rocha. Uma palavra atraves-sou-lhe a mente. A primeira, depois do incêndio. “Dura.” E, porque uma palavra puxa outra, uma segunda sensação surgiu. “Fria.” Esse esforço — pôr sensações em palavras — a rendeu. Descansou o rosto na rocha e cerrou os olhos.

os fatos

Seria melhor eu contar como as coisas aconteceram exatamente, da forma mais clara e racional possível. Isto é, os fatos…

No dia do décimo terceiro aniversário dos gêmeos, estávamos reuni-dos na sala de estudos do castelo para o torneio do Jogo dos Mil Caminhos. Um relâmpago entrou lá dentro, cindindo-se em bolas de luz que atraves-savam o espaço, derrubando as pessoas. Já está parecendo loucura, eu sei… Houve pânico. Crianças e adultos caíram no chão. Alguns morreram. Mas isso a gente ainda não sabia.

Cada um percebia as bolas de um jeito. Jad via formas, cores, corredo-res, um monte de coisas. Eu ouvia um som incrível, uma música maravi-lhosa e, ao mesmo tempo, assustadora. Eben enxergava guerreiros. Todo

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mundo começou a evitar ou se defender das esferas, foi um caos. Quando minha mãe caiu, fiquei furioso. Peguei minha violina e comecei a tocar. Tudo parou. As esferas luminosas palpitavam acima de nós, imóveis, as pessoas estavam paralisadas. Estes são os fatos…

a pedra

“Dura. Fria.” Para os Vívidos da Pedra, essas duas palavras soaram como um apelo. Alertados por seus irmãos do Ar, só estavam esperando um sinal para agir. A pedra era seu elemento. Dura, fria, isso a rocha era. E disso fariam uso. Tornariam dura e fria a menina que sentia dor. Puse-ram-se ao trabalho, desenhando seu canto sob as pálpebras cerradas. A pedra transmitiu seu frescor, e ela não mais sentiu frio. A pedra transmitiu sua dureza, e com ela revestiu seu coração.

A rocha a abrigava, protegia do vento, sustinha seu corpo enfraqueci-do. A montanha estava ali, como nos dias pretéritos e nos que estavam por vir. Estaria sempre ali, silenciosa e imóvel. A menina pensou “sólido”. Os Elementais se animaram, satisfeitos: sim, sólido. Isso eles também podiam fazer. Os Vívidos da Pedra teceram sua solidez em volta dela, pois assim são sua natureza e seu poder.

Mente quem diz que montanhas nunca se encontram. As montanhas se encontram, sim, montanhas conversam, montanhas dão abrigo, monta-nhas ensinam. Pois a montanha conduziu a menina ao essencial, entalhan-do, escavando e depurando, a fim de revelar o que, dentro dela, era sólido. A menina se nutria dessa força, se saciava dessa perenidade.

Por fim, abriu os olhos. A rocha parecia cinzenta, mas era salpicada de pontos azuis e pretos. Parecia uniforme, mas vinha permeada de veias, cavidades, calombos. Um pedregulho contém um mundo de estratos, co-res, cristais. Vida.

Ao deslocar aquele universo aparentemente inerte, desvendou ou-tro, muito animado: um ninho de joaninhas, larvinhas molengas e bran-cas. Apanhou uma com os dedos e comeu. Engolir despertou outra sen-sação esquecida, acompanhada de uma câimbra dolorosa. “Fome.” Comeu mais uma e outra, esvaziou o ninho. Mastigou um punhado de neve, o que só serviu para aumentar as câimbras. A fome crescia, trans-passava-a com um novo vazio. Seu corpo e sua mente inteiros estavam repletos de nada.

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estátuas

Tudo bem, isso que acabei de escrever não é racional. Mas sou obriga-do a acreditar, já que sou eu que provoco isso! Quando toco violina em determinadas circunstâncias, as pessoas viram estátua. Ramsk, dito assim parece brincadeira de criança! Fato é que, quando toco violina, as pessoas ficam paralisadas, e tudo, até o tempo, se torna imóvel.

Minha mãe estava no chão, as crianças choravam, Jad sentia aquela enxaqueca pavorosa. Para não falar nos relâmpagos, na chuva e no vento que pareciam obedecer ao Jogo dos Mil Caminhos, aumentando a confu-são. Procurei uma arma para lutar e só achei a violina. Em certas ocasiões, em minhas mãos, a violina funciona como uma espécie de arma. Quando alguém está em perigo e sinto necessidade de proteger essa pessoa. O pe-rigo inundava a sala de estudos do castelo. Toquei. Tudo parou.

Durante essa pausa, Jad descobriu um jeito de neutralizar as esferas por meio do jogo, e se aliou ao pai. Feixes de luz e cores brotavam das mãos e do corpo deles, formando um desenho complexo. Era tão bonito e assus-tador que parei de tocar. As bolas pegaram fogo e as pessoas voltaram a se mexer.

Jad encontrava-se numa espécie de transe. Seus olhos… Bem, essa deve ser, no mínimo, a terceira coisa “inacreditável”. O fato é que os olhos dele, que são pretos feito chococafe torrado, estavam dourados. E ele esta-va tão pálido que achei que estivesse tendo um ataque cardíaco. Vivo com medo de que ele tenha uma crise. Mas ele parecia só temer uma coisa: que a irmã entrasse na sala de estudos.

fome

Desde que ingerira as larvas, estava obcecada por uma palavra, uma só. Essa palavra tinha devorado todas as outras, até “frio”, e ela a repetia e tornava a repetir: “fome fome fome”. Tinha erguido outras pedras mas não encontrara nada que aplacasse suas câimbras. Fome…

Conseguiu pôr-se de pé e, após um último olhar vazio sobre os escom-bros fumegantes do vale, voltou para a gruta. Em vez de se encolher toda num canto e se entregar ao torpor, juntou suas coisas, vasculhou a mochi-la para conferir se não continha nenhum tipo de comida. Hesitou, só por um instante. Por que voltar a sair? Tudo que era importante para ela havia desaparecido.

Dirigiu-se para o fundo escuro da gruta, enveredou por um corredor.

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A espada se pôs a reluzir, oferecendo a luminosidade necessária para que pudesse avançar passo a passo. Isso não a surpreendeu. Havia candeias de sebo dispostas no chão a intervalos regulares. Não reparou nelas. Tampou-co se lembrou do isqueiro de marinheiro na mochila. Nem do presente do irmão. Ela não tinha mais irmão.

Andava movida por uma espécie de febre. Sentia fome e sede, mas, antes de mais nada, queria afundar na terra, afastar-se do lugar onde tinha perdido tudo, esquecer, apagar-se.

Por baixo da inércia aparente, a montanha dissimula movimentos de terra e de fogo poderosos. Sozinhos, os Vívidos da Pedra não podiam acompanhá-la nesses territórios. Alertaram seus irmãos. Os Vívidos da Terra responderam ao chamado.

afaste-a

Jad continua sem querer falar comigo. Parece que ele não está total-mente aqui. Aqui onde? Nem sei onde estamos. Uma penumbra vazia, sem consistência, sem paisagem, sem nada.

Há quanto tempo estamos aqui? Não sinto fome, nem sede, nem sono. Não sinto medo. Mas isso é normal, eu nunca tenho medo. A não ser quan-do minha mãe caiu e não senti o coração dela batendo. Foi terrível. Bom, eu estava tentando contar as coisas de forma organizada…

Quando as esferas pegaram fogo dentro da sala, Jad me disse que sabia como lutar contra elas, e que elas não queriam mal à gente, não de verdade. E eu ali, vendo Bahir e minha mãe no chão, Jwel e Eben lutando, as crianças apavoradas. Eu ia responder “Você pirou de vez”, quando ele me olhou de um jeito que eu nunca tinha visto. Desesperado. Disse que Claris estava lá fora, e tinha de impedir a qualquer custo que ela entrasse na sala, que eles não podiam ficar juntos naquele lugar. Ele estava quase chorando. Para variar, disse que explicava depois. Estou esperando até agora…

“Ugh, por favor, vá até lá. Fale com ela e não a deixe entrar. Afaste-a daqui, o mais longe possível. Diga a ela… Nada… Não a deixe entrar, só isso. É minha irmã, entende? Minha irmã gêmea!”

Como se eu não soubesse que ela era a irmã gêmea dele. Mas ele pa-recia não estar para brincadeira. Então eu fui.

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a terra

O estreito corredor que a menina vinha seguindo se abriu de repente numa grande cavidade. Ela galgou um monte de pedras, desceu pelo outro lado. Vinha andando assim havia horas, já tendo perdido qualquer noção de tempo. Subia e descia colinas de pedregulhos resultantes de desaba-mentos, que iam desmoronando sob seus passos. A fome era tanta que a palavra já não significava nada. Apenas o esforço de andar, de pôr um pé diante do outro para se afundar mais e mais terra adentro, é que a manti-nha em pé.

Às salas imensas, grandes volumes de escuridão e silêncio, sucede-ram-se estreitas galerias. Havia água escorrendo em algum lugar, a meni-na seguia aquele som tênue.

Agachava-se, escorregava, esgueirava-se, rastejava, agarrava-se, e re-começava. Sua mente estava tão embaçada quanto o vapor que saía de sua boca a cada expiração e a impedia de enxergar distintamente ao redor. Não importava, pois não olhava nada.

Quando chegou à água, estacou. Na sua frente enfileirava-se uma su-cessão de cavidades de tamanhos variados, bacias naturais escavadas no solo e repletas de água. Mergulhou a mão. A água estava gelada. Ela bebeu.

Os Elementais alegraram-se. A pequena humana tinha caminhado seis horas sem parar. Estava à beira do esgotamento e não sabia. Estivera mil vezes em perigo sem perceber. Os Vívidos da Terra a tinham guiado, sus-tentado, tinham segurado o pé que escorregava, a mão que se soltava. Embaixo da terra, o tempo é outro. Incontável e mineral, escoa sem deixar vestígios. Ela poderia ficar dias sem dormir, sem se dar conta. Sua mente podia ser afetada. Embora revestida pela solidez da pedra, ainda sofria.

Mesmo embaixo da terra, contudo, poderia ter encontrado algum conforto. Ao clarão da madeira de imortal, eram belas as concreções de gipso branco, as pedras cinzentas e azuis que reluziam de umidade. As gotas d’água que cintilavam à luz da espada revestiam as paredes com um delicado manto prateado. Eram macios os musgos e liquens que co-briam os rochedos, e os animais subterrâneos, amigáveis. Havia salaman-dras brancas de brânquias vermelhas que lembravam dragõezinhos cegos, medusas molengas, aranhas melindrosas. O cantar das gotas, a desfiarem uma a uma no silêncio absoluto, era apaziguador como o fluxo regular do sangue nas veias.

No entanto, a pequena humana não percebia sequer as batidas de seu coração a ressoarem no extraordinário silêncio mineral. Voltou a mergulhar a mão na água.

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arpejos

O contraste da água gelada em seu corpo ardendo em febre atuou como um estímulo. Levantou-se e retomou sua marcha. Súbito, uma cor-rente de ar veio gelar a ponta do seu nariz. Acompanhou a carícia fria, atravessou três salas menores e penetrou numa galeria mais estreita, onde a corrente de ar se fez mais intensa. Na sua mão esquerda, a espada emitiu uma claridade mais forte, que foi aspirada, fragmentada pelo espaço, trans-formada em milhares de escamas de luz que aspergiram a gruta, revelando uma sala imensa.

Por mais de cinco milhões de luadas, a água e o tempo haviam traba-lhado, esculpindo estalagmites e estalactites, transformando-as em pilares, majestosos drapeados, órgãos enormes, alcovas, baldaquins, rendas. A gruta era uma catedral onde cintilavam florestas, cidades, castelos, gárgu-las e gnomos. Arpejos e sinfonia da Pedra.

Além do sofrimento e do silêncio, a leitora apaixonada que fora um dia, a menina curiosa que era alguns decêndios atrás, estremeceu diante da apurada beleza daquele universo fantástico.

Por um instante apenas, os Vívidos alegraram-se: a menina entrara em contato com sua natureza verdadeira, aquela que brota da infância. Rápido demais. Cedo demais. A Pedra era bela, mas fria, e a infância fora perdida nos escombros do castelo. A menina dirigiu-se para o fundo da grande sala, de onde vinha a corrente de ar. Iria para dentro, para baixo, mais e mais… A espada emitiu um lamento e absorveu a luz de volta. Sem olhar para trás, a menina deixou a catedral, agora tragada pelas sombras.

Os Vívidos da Terra e da Pedra tinham tentado. Passaram a vez aos seus irmãos da Água.

sumimos

Ao tentar sair da sala de estudos, me senti feito um bezoar raiado. A porta estava trancada, e abri-la causaria uma corrente de ar que podia propagar o fogo ainda mais.

Nessas horas, a gente não pensa normalmente. Diante do perigo, pre-cisando achar uma saída, a gente acha. Alguma coisa no corpo começa a esquentar, acelerar, o cérebro funciona melhor. Notei que uma das janelas estava mal fechada. Empurrando com o ombro, consegui abri-la mais um pouco e me esgueirei. Fiquei meio preso, tive que forçar. Minha bunda.

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Minha mãe sempre diz que a minha bunda… Enfim… Quando vi, estava lá fora.

A chuva estancara, mas o vento soprava em rajadas. Não vi ninguém, a noite estava muito escura. Então, vislumbrei os olhos fosforescentes de Vista-Longa, o cavalo de Eben. Logo em seguida, Claris agarrou meu bra-ço. Estava encharcada, fora de si, aos prantos. Dizia que tinha tentado entrar na sala de estudos, chamado, gritado, mas não conseguira.

Ela falava sem parar e já estava me deixando nervoso. Dei-lhe um abraço apertado. Só para ela ficar quieta. Funcionou, ela se calou e ficou ali, parada. Eu nem respirava, esquecido de tudo, do fogo, de Jad, do pe-rigo… Respirei o cheiro molhado do cabelo dela. Então ela se afastou e socou meu peito, batendo o pé. “Eu quero ver Jad!”, exigiu, com seus olhos transparentes. Por sorte, bem nessa hora Blaise apareceu. Pedi que ele não a deixasse entrar e ele concordou.

Voltei para a sala de estudos, passando pela janela. Não se enxergava mais nada lá dentro, mas a música, que só eu ouvia, estava cada vez mais linda e estranha, às raias do suportável. Tateando e engatinhando, para esquivar-se das esferas, fui até Jad, que não tinha se mexido. Por mais que eu dissesse que tinha afastado Claris, ele só repetia: “Eu e Claris não po-demos ficar juntos, Ugh. Temos que ir embora”. Disse-lhe que podíamos sair pela janela e pus a mão no ombro dele. Foi então que nós sumimos. Isso mesmo, s-u-m-i-m-o-s.

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