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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PAULO RENER DE FREITAS SOUSA A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB João Pessoa - PB Setembro de 2006

PAULO RENER DE FREITAS SOUSA A VIA CRUCIS DAS … · FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FUNSAT - Fundação Social de Apoio ao Trabalho GEIPOT - Empresa Brasileira de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

PAULO RENER DE FREITAS SOUSA

A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA

NO VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB

João Pessoa - PB Setembro de 2006

PAULO RENER DE FREITAS SOUSA

A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO

VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba para obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Fernandes Alonso

João Pessoa – PB Setembro de 2006

Sousa, Paulo Rener de Freitas.

A via crucis das comunidades São José – Chatuba no vale do Jaguaribe em João Pessoa – PB / Paulo Rener de Freitas Sousa. – João Pessoa, PB: 2006. 164 f. Orientador: Dr. Sergio Fernandes Alon Dissertação (Mestrado) – UFPB / PPGG. 1. Reestruturação urbana 2. Estado 3. Acessibilidade 4. Consumo 5. Segregação 6. Resistência

UFPB / BC CDU:

PAULO RENER DE FREITAS SOUSA

A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO

VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB

Dissertação aprovada em ___/___/_____ como requisito para a obtenção do titulo de Mestre no Curso de Pós-Graduação em Geografia, no Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba pela seguinte banca examinadora:

________________________________________________________ Orientador: Dr. Sergio Fernandes Alonso

______________________________________________________

Membro: Drª. Beatriz Maria Soares Pontes

________________________________________________________

Membro: Dr. Eduardo Pazera Júnior

João Pessoa – PB Setembro de 2006

Dos rios se diz que são violentos, mas ninguém diz, violentas as margens que os comprimem.

(Bertholt Brecht)

AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indireta de

muita gente. A todos em geral e a alguns em particular, registro aqui meus

agradecimentos:

- A Deus, a minha família e amigos;

- Ao meu orientador, o professor doutor Sergio Fernandes Alonso;

- À Coordenação do PPGG, professores, funcionários e aos colegas do mestrado;

- À comunidade do bairro São José - Chatuba e seus representantes;

- De modo especial ao nosso Grupo de Estudo, formado pelo trio: Alzeni, Aldo e

Paulo Rener. Uma história que teve início em 1993, quando nos unimos pela

primeira vez, com a pretensão de aproximar a relação teoria-prática e a certeza de

sermos sempre, surpreendido pelo inesperado. As nossas dissertações são

testemunhas do nosso pensamento: união, força, luta e resistência. Entretanto,

nada disso seria possível se não existisse em nós, fraternidade, solidariedade e

muito otimismo. Por isso, em nossas reflexões sempre esteve presente o

pensamento do Fernando Sabino: “No fim tudo vai dar certo, se não der certo é

porque não é o fim”.

Cada dia que passa em nossas vidas, há pessoas que deixam um pouco de si mesmos e levam um pouco de nós mesmos. Esta é a grande realidade da vida, é a certeza de que almas não se encontram por acaso.

(Vinícius de Morais)

RESUMO

Esta pesquisa procura enfocar a relação entre o discurso da cidade e suas formas de apropriação, uso e domínio, no processo de reestruturação urbana diante da relação conflitante entre espaço abstrato e o espaço social. Enquanto lócus de reprodução das relações sociais, a cidade contemporânea e capitalista apresenta um caráter de poli (multi) centralidade, passando por um processo de implosão-explosão implicando na fragmentação-segregação do seu território e na necessidade de adequação de novas funcionalidades pela ação do Estado. Partindo dessa premissa, identificamos a manifestação contraditória do discurso do Estado que utiliza estratégias pautadas no nexo assesibilidade-consumo-segregação, favorecendo a lógica do consumo em detrimento das comunidades São José – Chatuba que tentam sobreviver no médio vale do rio Jaguaribe na cidade de João Pessoa, Paraíba. De pronto, identificamos diferentes intervenções do Estado nessa perspectiva como a implantação de vias de trânsito rápido, a exemplo da BR-230 e outras vias que cortam ou margeiam o vale, contribuindo para a concentração de investimentos privados, comerciais e de serviços e o surgimento de um novo padrão periférico, o dos enclaves fortificados. Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público e a iniciativa privada vêm adotando diferentes estratégias de segregação, ora limitando o acesso da comunidade ao entorno mais valorizado, ora através dos discursos do Estado, estigmatizando-as, portanto nos planos da materialidade e das representações. As mudanças nas relações cotidianas das comunidades, pelos ritmos, pela identidade sócio-cultural, pela valorização/desvalorização do uso do solo, implica em estratégias de resistências através de formas alternativas de acesso, de modalidades de trabalho, de organização, enfim, do direito à cidade. Palavras-Chave: Reestruturação urbana, Estado, acessibilidade, consumo,

segregação, resistência.

ABSTRACT

This research looks for to focus the relation enters the speech of the city and its forms of appropriation, use and domain, in the process of urban restructuring ahead of the conflicting relation between abstract space and the social space. While locus of reproduction of the social relations, the city contemporary and capitalist presents a character of polished (multi) centrality, passing for an implosion-explosion process implying in the spalling-segregation of its territory and in the necessity of adequacy of new functionalities for the action of the State. Leaving of this premise, we identify the contradictory manifestation of the speech of the State that uses strategies in the nexus accessibility-consume-segregation, favoring the logic of the consumption in detriment of the communities São José – Chatuba that they try to survive in the average valley of the river Jaguaribe in the city of João Pessoa, Paraíba. Then, we identify different interventions of the State in this perspective as the implantation of ways of fast transit, the example of the BR-230 and other ways that cut or border the valley, contributing for the concentration of private, commercial investments and of services and the sprouting of a new peripheral standard, of enclaves strengthened. To allow the reproduction of the logic of the consumption, the public power and the private initiative they come adopting different strategies of segregation, however limiting the access of the community to around more valued, however through the speeches of the State, stigmatized them, therefore in the plans of the materiality and the representations. The changes in the daily relations of the communities, for the rhythms, the partner-cultural identity, the valuation/depreciation of the use of the ground, imply in strategies of resistances through alternative forms of access, of organization, work modalities, at last, of the right to the city.

Key-words: Urban restructuring, State, accessibility, consumption, segregation,

resistance.

LISTA DE SIGLAS

APP - Áreas de Preservação Permanente

BNH - Banco Nacional de Habitação

CEHAP-PB - Companhia de Habitação da Paraíba

CRECI - Conselho Regional de Corretores de Imóveis

CURA - Comunidade Urbana para a Renovação Acelerada

FAC - Fundação de Ação Comunitária

FEURB-PB - Federação dos Movimentos urbanos na Paraíba

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FUNSAT - Fundação Social de Apoio ao Trabalho

GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEME - Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual da Paraíba

MEC - Ministério da Educação e Cultura

ONG - Organização Não Governamental

PNCCPM - Programa Nacional de Capitais e Cidades de Porte Médio

PMJP - Prefeitura Municipal de João Pessoa

PRODETUR - Programa de Desenvolvimento Turístico

PSF - Programa de Saúde da família

RMJP - Região Metropolitana de João Pessoa

SEPLAN - Secretaria de Planejamento

SETRAPS - Secretaria do Trabalho e Promoção Social

SFH - Sistema Financeiro da Habitação

SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

UFPB - Universidade Federal da Paraíba

URBVALE - Urbanização do vale do rio Jaguaribe

ZEIS - Zona Especial de Interesse Social

LISTA DE TABELA E QUADRO

Tabela 01: Recursos aplicados no programa é pra morar da PMJP................... 88

Quadro 01: Comunidades São José e Chatuba: infra-estrutura e ocupação...... 116

LISTAS DE FIGURAS

Figura 01: Mapa de localização das comunidades São José –

Chatuba - 2006...................................................................................................... 59

Figura 02: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade concêntrica – 1963...... 68

Figura 03: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade periférica – 1993.......... 79

Figura 04: Mapa dos principais eixos viários da cidade poli (multi)

cêntrica – 2005...................................................................................................... 86

Figura 05: Mapa de ocupação das comunidades São José – Chatuba............... 114

Figura 06: Mapa de estratégias de segregação e de resistências....................... 131

LISTA DE FOTOS

Foto 01: Lagoa depois da urbanização, em 1928, antiga lagoa dos Irerês.......... 62

Foto 02: Os bondes de tração animal e partir do sítio da Cruz

do Peixe em 1910.................................................................................................. 63

Foto 03: As linhas de sopas que conduziam os veranistas até a praia

de Tambaú............................................................................................................ 66

Foto 04: O Ponto de Cem Réis (1963) lugar de encontros, reuniões,

confirmando um padrão de crescimento urbano concentrador em transição

para o periférico, acelerado a partir de 1964......................................................... 69

Foto 05:- Vista parcial da entrada de Oitizeiro e do viaduto Governador

Ivan Bichara, em 2006........................................................................................... 84

Foto 06: Vista parcial do terminal de integração de ônibus urbanos

de João Pessoa, em 2006..................................................................................... 87

Foto 07: Vista parcial do bairro de Manaíra destacando a vertcalização............. 92

Foto 08: Obras de reestruturação do Retão de Manaíra, uma parceria

entre a Prefeitura Municipal de João Pessoa e o dono do Manaíra

Shopping Center.................................................................................................... 96

Foto 09: Vista parcial da Av. Edson Ramalho em Manaíra em 2006................... 97

Foto 10: Hospital de Trauma, exemplo de empreendimento localizado

na BR-230............................................................................................................. 98

Foto11: Carrefour também na BR-230................................................................. 99

Foto 12: Formas de ocupações diferentes, segundo os proprietários: a favela

São José (em baixo) e o Manaíra Shopping Center (em cima)............................ 102

Foto 13: Vista aérea das comunidades São José – Chatuba e do bairro

de Manaíra em 2004.............................................................................................. 116

Foto 14: Um discurso contraditório de área de risco: para o pobre, área

de risco, para o capital a área é de rico, é o que mostra a foto desta realidade

presente na falésia que fica no bairro Jardim Luna............................................... 124

Foto 15: Momento de rotina na comunidade São José quando policiais

abordam diariamente os moradores nas entradas das pontes que dão acesso

ao bairro para dar satisfação à sociedade contra a violência................................ 125

Foto 16: A favelas da Chatuba (à esquerda) e o bairro São José

(à direita) visualizando-se as condições precárias de habitabilidade

das duas comunidades.......................................................................................... 129

Foto 17: O muro do shopping impedindo a visibilidade e o acesso

das comunidades................................................................................................... 132

Foto 18: A expansão do estacionamento e o muro que foi erguido

para impedir o acesso das comunidades.............................................................. 133

Foto 19: Ponte metálica próxima ao Shopping Center Manaíra, interligando

a favela da Chatuba I com o bairro São José, recentemente restaurado pela

PMJP..................................................................................................................... 135

Foto 20: Ponte metálica interligando a favela da Chatuba II com o bairro

São José, encontra-se em avançado processo de corrosão................................. 135

Foto 21: Primeira escadaria próxima ao ponto final dos ônibus de João

Agripino / São José................................................................................................ 137

Foto 22: Segunda que também liga o bairro São José ao conjunto

João Agripino......................................................................................................... 137

Foto 23: Terceira escadaria localizada próxima da escola Capitulina Sátyro

e do campo de futebol que fica no conjunto João Agripino................................... 137

Foto 24: Terceira escadaria.................................................................................. 137

Foto 25: Único acesso das duas linhas de ônibus que circulam na comunidade

São José................................................................................................................ 138

Foto 26: O ônibus ao centro (azul) circula pela única rua que é asfaltada

no bairro São José................................................................................................. 138

Foto 27: A bicicleta usada para atravessar a ponte.............................................. 139

Foto 28: A bicicleta usada para subir as escadarias............................................. 139

Foto 29: Ponte de madeira ligando a favela da Chatuba I com o bairro

São José................................................................................................................ 141

Foto 30: Ponte de madeira ligando o bairro de Manaíra com São José.............. 141

Foto 31: Moradores atravessando o rio em uma balsa improvisada.................... 142

Foto 32: A ponte reconstruída pelos moradores.................................................. 142

Foto 33: Primeiro caminho ou trilha próximo ao ponto final dos ônibus de São

José e João Agripino, popularmente conhecida como ladeira do cajueiro............ 143

Foto 34: Segundo caminho aberto pelos moradores para ter acesso

ao Conjunto João Agripino, próximo a escola Capitulina Sátyro........................... 143

Foto 35: Mulheres das comunidades levando as roupas lavadas

e engomadas para os condomínios no bairro Jardim Luna................................... 144

Foto 36: Chefe de família conduzindo sua carroça com lixo selecionado............ 144

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 15

CAPÍTULO I

REESTRUTURAÇÃO URBANA, ESTADO E SEGREGAÇÃO........................... 20

1.1 A reestruturação urbana contemporânea na concepção crítica..................... 20

1.2 As concepções e discursos do Estado e as políticas urbanas no Brasil........ 35

1.3 Território urbano, segregação e resistência: campo de luta e lócus

da cotidianidade das comunidades....................................................................... 49

CAPÍTULO II

O PLANEJAMENTO URBANO EM JOÃO PESSOA A PARTIR DA DÉCADA

DE 1990................................................................................................................ 60

2.1 Planejamento estratégico, acessibilidade e novas centralidades................... 60

2.2 O Shopping Center Manaíra e a difusão do consumo.................................... 89

2.3 As comunidades São José – Chatuba e o vale do Jaguaribe......................... 100

CAPÍTULO III

AS COMUNIDADES SÃO JOSÉ-CHATUBA, SEGREGAÇÃO

E RESISTÊNCIA................................................................................................... 106

3. 1 Estratégias e contradições do Estado em relação às comunidades São

José – Chatuba e seu entorno............................................................................... 106

3.2 Mudanças nas relações cotidianas das comunidades com

o entorno: o choque de territorialidade................................................................. 126

3.3 Organização das comunidades e as estratégias de resistência..................... 129

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 147

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 150

ANEXO.................................................................................................................. 162

INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a expansão urbana de João Pessoa no

contexto da reestruturação territorial contemporânea, focalizando o papel do Estado

local como principal agente responsável pelos processos de fragmentação e

valorização do vale do Jaguaribe, em particular, pela segregação das comunidades

São José – Chatuba, localizadas no médio curso do rio, na cidade de João Pessoa -

PB.

Ao investigar as políticas de habitação e transportes em João Pessoa, a partir

da década de 1990, destaca-se a influência da acessibilidade no processo de

valorização do vale do rio Jaguaribe para o consumo. Com isso, buscou-se

identificar a relação da política de transportes com as estratégias de segregação

impostas ás comunidades em estudo pelo poder público.

Diferentes estratégias forjadas por políticas urbanas vêm se materializando

através da implantação de vias de trânsito rápido como a BR-230, num cruzamento

de lógicas que se diferenciam dos ritmos lentos das comunidades que ocuparam o

vale do rio Jaguaribe, dando maior visibilidade às contradições do Estado.

Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local e a

iniciativa privada vêm adotando estratégias de segregação sócio-espaciais, ora

limitando o acesso das comunidades São José – Chatuba ao entorno mais

valorizado, pela negligência à acessibilidade destas, ora dificultando a visibilidade

das habitações autoconstruídas, pela edificação de muros, empreendimentos, entre

outras, ora através dos discursos do Estado, guetificando-as, estigmatizando-as,

portanto nos planos da materialidade e das representações.

16

O interesse pela área de estudo deve-se ao fato de ser um lugar onde as

contradições são mais visíveis e intensas. Em função da lógica do consumo as

comunidades estudadas perderam o direito à rua, a qual ficou reduzida a uma

função, a da circulação.

As mudanças nas relações cotidianas das comunidades São José – Chatuba,

pelos ritmos, pela identidade sócio-cultural, pela valorização/desvalorização do uso

do solo, implica em estratégias de resistências através de formas alternativas de

acesso, de modalidades de trabalho, de organização, enfim, do direito à cidade.

Para compreender as transformações porque vem passando o espaço urbano

de João Pessoa considera-se uma periodização que permite a análise do novo

padrão de segregação sócio-espacial proposto por Caldeira (2003) para a cidade de

São Paulo. Reconhecendo-se as diferenças de cada lugar, em particular, da cidade

de João Pessoa, tem-se uma expansão em três períodos distintos: o primeiro

estendeu-se do final do século XVI até a década de 1960, a cidade crescia

lentamente concentrada entre o rio e a lagoa, apresentava uma forma monocêntrica

e segregada pelo tipo de moradia.

O segundo se desenvolveu entre as décadas de 1960 e 1990, marcou a

expansão urbana acelerada de João Pessoa pelo predomínio das políticas estatais e

padrão de segregação com base na relação centro-periferia. O terceiro momento

começou a se configurar a partir de 1990, quando a forma da cidade passou a ser

estabelecida pela superposição de novas práticas de segregação sócio-espaciais,

destacando o domínio dos espaços privados em detrimento dos espaços públicos,

numa relação contraditória entre proximidade-separação, uma verdadeira “Cidade

de Muros”.

17

O Primeiro Capítulo, denominado de Reestruturação urbana, Estado e

Segregação foi desenvolvido como referencial teórico metodológico. Apoiando-se

nas discussões teóricas sobre os impactos da Globalização e Reestruturação

Produtiva e Tecnológica no espaço urbano e regional, tentou-se construir um quadro

histórico conceitual sobre a reestruturação urbana em curso, a partir da idéia de

continuidade-descontinuidade e as mudanças nas relações centro-periferia e no

surgimento de poli (multi) centralidades.

O Segundo Capítulo, com o título de Legislação e Planejamento urbano no

Brasil discorrerá sobre o processo de expansão urbana de João Pessoa no contexto

do paradigma da reestruturação urbana a partir de 1990, enfatizando as mudanças

no padrão de crescimento periférico, de centro-periferia para enclaves fortificados.

No processo de apropriação, uso e domínio do vale destacam-se o papel do Estado

local como principal agente responsável pelos processos de fragmentação,

valorização e segregação das comunidades São José – Chatuba.

No Terceiro Capítulo, denominado de Comunidades São José – Chatuba:

segregação e resistências identificam-se a nova prática de segregação resultante de

estratégias impostas pelo Estado e pelo capital. Ao investigar as políticas de

habitação e transportes, no período entre 1990 e 2005, em particular, a influência da

acessibilidade no processo de valorização do vale para o consumo, focalizando a

relação da política de acessibilidade com as estratégias de segregação impostas ás

comunidades em estudo pelo poder público.

A constituição do marco teórico teve como objetivo compreender os temas

principais: Reestruturação urbana, Estado e Segregação sócio-espacial. Com base

nas análises de bibliografias gerais e específicas ou locais buscaram-se os

encaminhamentos do problema investigado e a produção do trabalho como um todo.

18

Para discutir a reestruturação do espaço urbano na globalização e as novas

centralidades, destacamos autores como Lefebvre (1991, 2002, 1999), Soja (1993),

Gottdiener (1997) Harvey (1980, 1993), Giddens (1991), Santos (1993, 1994, 1996,

2001, 2002), Carlos (1994, 2003, 2004) Seabra (2001, 2000, 2004), Damiani (2001),

Ribeiro e Lago (1994). Em relação às concepções de Estado, a discussão da

Reforma Urbana, Planejamentos, Políticas Públicas e os Instrumentos Urbanísticos

foram feitas leituras de autores como Lefebvre (2002), Gottdiener (1997), Soja

(1993), Lipietz (1988, 1991) e Bobbio (1997), Mandel (1985), Lanni (1999), Martins

(1996, 1999, 2000), Maricato (1996, 2000, 2001), Arantes e Vainer (2002). Sobre a

concepção de segregação, a noção de exclusão-inclusão e pobreza, procuramos

embasamentos teóricos em autores como, Lefebvre (1999, 2000), Martins (1996,

2000), Oliveira (1998), Santos (1996), Ribeiro e Lago (1994).

Além das leituras que abordam a temática urbana em geral e, de forma

específica, a reestruturação do espaço urbano, do Estado e da segregação sócio-

espacial, recorreu-se a bibliografias locais para identificar as transformações sócio-

espaciais verificadas na área em estudo. Nesse contexto, destacaram-se as leituras

feitas sobre a área em estudo: Honorato (1999), Mello (1995), Silva (1995), Melo

(2001), Rodriguez (1981, 1987), Scocuglia (2000), Coelho (2003), Cortez (2004),

Vasconcelos Filho (2003), Lima (2004), Coutinho (2004), Fernandes (2004),

Madruga (1992) e Lavieri e Lavieri (1992).

Para obter informações a respeito da problemática urbana da área foram

analisados projetos e instrumentos urbanísticos como o Plano Diretor de João

Pessoa, a Lei Orgânica do Município e o Código de Urbanismo, Assim como visitas

em órgãos como PMJP, SEPLAN, IDEME, IBGE e FAC. Procedeu-se a confecção

19

de mapas para localizar os pontos estratégicos de segregação imposta às

comunidades.

A pesquisa de campo foi realizada nas duas comunidades, especialmente nas

pontes, escadarias, caminhos, no estacionamento do Shopping Center Manaíra e

nas principais ruas do bairro São José e da favela da Chatuba. Para uma análise do

cotidiano foram realizadas diversas visitas nas comunidades.

Na pesquisa de campo buscou-se contato com as comunidades de maneira

informal, por meio de diálogos e entrevistas, sem a aplicação de questionários

deixando os entrevistados livres para expor todas as suas aspirações e

necessidades.

A contribuição da presente pesquisa foi discutir o Estado e as comunidades,

identificando-se problemas e tendências que se vislumbram na relação de novas

estruturas, produtivas e territoriais.

CAPÍTULO I

REESTRUTURAÇÃO URBANA, ESTADO E SEGREGAÇÃO

O presente capítulo discute o paradigma da reestruturação urbana em curso

destacando-se o Estado nas suas diferentes instâncias político-administrativo como

principal agente responsável pela adequação desse processo reestruturação e,

conseqüentemente, pelo surgimento de novas centralidades e do novo padrão de

segregação sócio-espacial que se sobrepõe, a dos enclaves fortificados.

Notadamente a concepção de Estado, centralidade e segregação assume

dimensão relevante no contexto do referencial analítico, permitindo aprofundar a

compreensão do impacto da reestruturação urbana em curso, das estruturas que se

renovam no campo das relações entre o espaço abstrato e o espaço social, ou

segundo Santos (1996), espaços da racionalidade, em “áreas luminosas” e da

contra-racionalidade em “áreas opacas”.

1.1 A reestruturação urbana contemporânea na concepção crítica

No atual período, vive-se a perplexidade de uma mudança de época, em que

as relações territoriais vêm sendo redefinidas no plano, do local ao global, como

implicações de três revoluções: tecnico-científica, econômica e cultural. Um período

caracterizado por crises, revoluções e busca de novos paradigmas.

A história do capitalismo pode ser dividida em períodos distinguida por certa

coerência entre as suas variáveis mais significativas que evoluem diferentemente,

porém dentro de um mesmo sistema. No presente período tem-se a Globalização.

21

Alguns estudos sobre os impactos da Globalização e da Reestruturação

produtiva e tecnológica apontam para um processo amplo e articulado da política

econômica, com mudanças qualitativas nas formas e estruturas do espaço, Lipietz e

Benko (1992), Harvey (1993). Nesse sentido, entende-se que as principais

mudanças nos territórios urbanos são conseqüências do impacto da reestruturação

associada à globalização e ao modo de produção capitalista.

A dinâmica da estruturação da cidade é associada ao desenvolvimento do

modo de produção capitalista, como manifestação espacial dos conflitos de

interesses de diversos agentes presentes nesse processo. Alguns autores discutem

essa questão como Lefebvre (1991, 1999 e 2002), Harvey (1993), Soja (1993) e

Gottdiener (1997). A estrutura urbana é constituída por diferentes formas de

apropriação, domínio e usos do solo, segundo Santos (1993), relacionadas a fatores

políticos, culturais e econômicos, implicando constantes transformações ou

reestruturações.

Gottdiener (1997) aponta para a necessidade de se compreender as forças

que estruturam o espaço urbano, em especial, o uso deste espaço pelo Estado e

pelo poder econômico. Este pode ser um caminho para explicar as diferentes formas

do ambiente construído.

O termo “reestruturação” evidência uma estrutura renovada, uma necessidade

de pensar o novo, quase sempre, esboçado no passado. Trata-se de uma nova

estruturação que se afirma sob o efeito de uma cadeia complexa de crises. Um

exemplo que ilustra bem o processo é sua associação com a crise urbana e o

retorno ao modelo de cidade ideal via planejamentos, forjando diferentes discursos

sobre a cidade.

22

A reestruturação urbana e regional em curso é entendida como um novo

paradigma que parte da idéia de “desencaixe” dos sistemas sociais, segundo

Giddens (1991). Uma “freada-e-mudança” que se realiza por um movimento de

separação espaço-tempo na direção de uma ordem e uma configuração

significativamente diferente. “A descontinuidade, advém do "descolamento" das

relações sociais, isto é, dos contextos locais de interação e sua reestruturação em

outras escalas de espaço-tempo” (GIDDENS, 1991, p. 21).

Na fase atual de globalização o espaço urbano metropolitano e regional,

atravessa transformações qualitativas em suas formas e estruturas básicas. Autores

como Lefebvre (1991), Soja (1993), Harvey (1993) e Gottdiener (1997) apontam

para a descontinuidade do processo de urbanização, segundo diferentes jogos de

interesses envolvidos.

Para Lefebvre (1991, p. 54-55), “em toda a formação urbana sempre se

sucederam no tempo e no espaço, desestruturações e reestruturações, num

processo de ascenção-apogeu-declínio, no qual os fragmentos do urbano vão servir

para/em outras formações”.

Segundo Soja (1993, p.193):

O conceito de reestruturação está ligado ao de espacialidade1 numa seqüência combinada de desmoronamento e reconstrução nas tendências seculares, e uma mudança em direção a uma nova ordem sócio-espacial, ou seja, um movimento de desconstrução-reconstituição.

1 Soja (1993) capta esta espacialidade às vezes latente, em outras, explícitas, no trabalho de pensadores contemporâneos como Lefebvre, Sartre, Althusser, Foucault, Polantzas, Giddens, Mandel, Harvey, Jamenson entre outros, destinadas a reunir material para empreender um luta pela antologia do espaço.

23

Gottdiener (1997, p.235):

Analisa a desconcentração metropolitana através do processo de mudança contemporânea no espaço de assentamento com movimentos simultâneos de aglomeração e descentralização, ou numa articulação entre recentralização, periferização e novas centralidades.

No paradigma da reestruturação contemporânea há uma concordância quanto

à sua origem. Para a grande maioria, a reestruturação foi deflagrada por uma série

de crises inter-relacionadas a partir da década de 1960. Com destaque para os

movimentos pela reforma urbana, a crise energética, a crise do modelo de Estado

Keynesiano, a rigidez do Fordismo e a crise da modernização.

A nova estruturação urbana tem como referenciais eventos e movimentos dos

sistemas urbanos espacialmente planejados e administrados pelo poder público. A

crise do sistema previdenciário, modelado pelo Estado, reflete-se numa crise urbana

a partir de 1960 quando “a recessão global de 1973-75 seguiu-se de uma cadeia de

choques sofridos pelo sistema e ajudou a desencadear outra rodada conjunta de

reestruturação” (SOJA, 1993, p.221).

No final do século XX transformações passaram a ocorrer com ritmos e

intensidades diferentes em um grande número de cidades no mundo sob o fenômeno

da globalização, de uma cadeia complexa se crises e do novo papel do Estado,

implicando numa reestruturação da produção e do consumo na cidade, lugar fecundo

para (re) territorialização das novas estratégicas de reprodução do capital.

Na América Latina o processo de reestruturação em curso teve início em

meados da década de 1970. Desde então as cidades latino-americanas vem sendo

submetidas a uma série de transformações sócio-econômicas e territoriais

importantes. Entretanto, as reformas econômicas dos anos de 1990 apontavam par

24

uma diminuição do Estado mediante privatizações de empresas públicas e o

desmantelamento do sistema social que limitaram seriamente a capacidade de

gestão estatal. A decrescente capacidade re-distributiva do Estado serviu para

aprofundar mais o fosso entre ricos e pobres.

As transformações do espaço urbano das cidades e o processo de

reestruturação não é um caso isolado na América Latina. Numerosos estudos

documentam essas transformações revelando situações similares a exemplo de

Buenos Aires, por Ciccolella (1999) e Janoschka (2002).

Para Ciccolella (1999) nos anos de 1990 tem-se o marco dos processos de

privatização, desregulação e abertura econômica, a reestruturação dos espaços

constitui um fenômeno nos quais os fatores externos a metrópole e ao país em que

esta se localiza, tende a avançar sobre os fatores internos, podendo ocasionar uma

considerável perda de controle sobre os processos econômicos, sociais e territoriais

que se desenvolvem nestes espaços urbanos.

Nesta perspectiva, afirma Janoschka (2002) que as restrições ao acesso e a

auto-segregação não solucionam a crescente segmentação social e intensificação

da fragmentação do espaço. Na realidade somente muda o lugar de confrontação.

Uma parte crescente da população rica vive, consome e trabalha nos enclaves

fortificados privados cujo tamanho e complexidade aumenta em meio ao mar de

pobreza que os rodeia. Ilhas que são uma resposta às forças do mercado e a

ausência do Estado tudo isso ajuda a entender e visualizar o processo de

fragmentação.

A partir de meados da década de 1980, grandes e médias cidades brasileiras

vem apontando para novas transformações qualitativas em suas formas e estruturas

25

básicas com a sobreposição do espaço centro-periferia pelas novas práticas de

segregação sócio-espaciais, a dos enclaves fortificados (CALDEIRA, 2003).

Segundo Ribeiro e Lago (1994), as concepções sobre o paradigma da

reestruturação urbana estão relacionadas a uma cadeia complexa de crises

econômicas que o país vem experimentando nas últimas décadas2. São observadas

basicamente duas tendências. A primeira, pelo redirecionamento da expansão

urbana das metrópoles para as cidades de porte médio, fenômeno definido como

desmetropolização. A segunda, com a mudança na estrutura interna das cidades,

organizadas com base na relação centro-periferia bem como na emergência de

novas formas de segregação sócio-espacial.

No processo de reestruturação contemporânea do espaço urbano brasileiro

constata-se que a relação centro-periferia não é mais tão rígida. A área central das

cidades deixou e ser mais bem equipadas em relação a periferia pobre. Esse

modelo tornou-se insustentável em todas as escalas espaciais. O que se verifica

hoje é uma nova relação centro-periferia com a sobreposição de novas práticas de

segregação sócio-espaciais.

Concorda-se que as duas tendências explicam a reestruturação no espaço

urbano de João Pessoa: no início predominava a relação centro-periferia, a partir

dos anos de 1980, com as crises econômicas tem-se visibilidade os novos padrões

de segregação sócio-espaciais, resultado do cruzamento de diferentes lógicas,

estrategicamente reguladas pelo Estado e o capital.

As estruturas que se renovam no espaço urbano de João Pessoa apresentam

um caráter de descontinuidade: as novas formas urbanas surgem como

sobreposições das vias de acessos estruturadas no padrão centro-periférico ou 2 Um exemplo que ilustra bem o processo é sua associação com a crise urbana atrelada a crise econômica e o retorno ao modelo de cidade ideal através de um novo pensamento único, contrapondo-se aquela cidade realmente existente.

26

desenvolvidas a partir deste, convertendo-se em fatores dominantes de crescimento

e construção dos espaços urbanos.

Hoje, o espaço urbano das cidades se fragmenta acompanhando as (dês)

conexões espaço-tempo que permeiam a vida cotidiana, separando os contextos

espaciais de trabalho, consumo, residência, estudo e lazer Janoschka (2002). Em

João Pessoa, assim como em muitas cidades brasileiras de médio e grande porte,

esses espaços descontínuos de ação na vida cotidiana passam a ser mais visíveis

pelas seguintes evidências:

• Difusão e multiplicação dos condomínios e loteamentos fechados para as

classes médias e altas, sempre localizados junto às vias de acessos mais

importantes da região metropolitana;

• No discurso de apropriação dos enclaves fortificados e vigiados destacam-se

os de melhor qualidade de vida associadas à preservação da natureza e a

segurança;

• Desconcentração metropolitana, pela maior fluidez dos sistemas de

transporte, muitas pessoas passam a fixar residência nas cidades

conturbadas, porém exercendo atividades cotidianas (trabalho, estudo,

compras, etc.) no centro principal;

• Ampliação e implantação da infra-estrutura de serviços nas vias de acesso

principal para atender a equipamentos como: shopping centers,

hipermercados, centros empresariais, concessionárias de automóveis, centros

universitários, redes de lojas de comercio varejistas, implicando numa forte

dependência do transporte particular;

27

• Modificação do significado da infra-estrutura de transporte: a rentabilidade do

espaço urbano dar-se-á pela proximidade de uma via de trânsito rápida ou

autopista.

O espaço urbano de João Pessoa constitui-se em um dos exemplos desse

tipo de reestruturação urbana. Apresenta praticamente todas essas evidências e

muitas outras ainda a ser investigada com mais profundidade. Porém, já é notável

uma série de mudanças sócio-econômicas e territoriais importantes nas últimas

décadas como a intensa fragmentação espacial e segmentação social, relacionadas

e formação de novas centralidades.

O vale do Jaguaribe também vem passando por transformações. Até o final

da década de 1980, depósito de mão-de-obra desqualificada e lugar de práticas

rurais remanescentes. Porém, com a implantação das vias de circulação, passou a

ocorrer uma fragmentação e o surgimento de novas funções.

Visivelmente o vale do Jaguaribe passou a ser incorporado ao espaço urbano

da cidade, através das ocupações irregulares ou oficiosas, dos empreendimentos

comerciais e de serviços públicos e privados, confinando as comunidades que se

apropriaram de suas margens, reproduzindo contradições como no caso da política

habitacional, por exemplo.

Nesse movimento de re-qualificação, qual a função que o vale passou a ter

para o espaço da cidade de João Pessoa? A partir da lógica dos fluxos, com os

acessos favorecendo a expansão da cidade, associada à lógica da habitação, com

uma formação social, ocorreu uma valorização da área, e o vale passou a ser

estratégico e ter uma função de circulação em que o capital passou a disputar o

território do vale para o consumo.

28

No decurso do processo de reprodução do espaço urbano, tendências das

estruturas que se renovam no território das grandes e médias cidades brasileiras

vêm apontando para o surgimento de novas contradições do/no espaço e de novas

centralidades.

No processo de urbanização capitalista a cidade foi literalmente pulverizada.

Segundo Lefebvre (1991) a "antipolítica" do Estado destruiu a sociabilidade

tradicional em nome do urbano capitalista, por meio da produção do espaço. Com a

indústria, a generalização da troca e do comércio, os costumes e seu valor

desaparecem quase por completo, perdurando apenas como exigência do consumo.

O solo converteu-se em mercadoria e a cidade passou a ser vendida aos pedaços.

Amplia, extrapola seus limites, ao mesmo tempo em que fragmenta-segrega sua

centralidade, reúne em espaço a segmentação necessária à produção capitalista.

Para Lefebvre, a essência do fenômeno urbano encontra-se na centralidade,

porque:

A cidade atrai para si tudo o que nasce da natureza e do trabalho, noutros lugares: frutos e objetos, produtos e produtores, obras e criações, atividades e situações. O que ela cria? Nada. Ela centraliza as criações. E, no entanto, ela cria tudo. Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade, isto é, sem relações. Ela cria uma situação, a situação urbana, onde as coisas diferentes advêm uma das outras e não existem separadamente, mas segundo as diferenças (LEFEBVRE, 1999, p.111).

Parte-se da concepção de que não existe cidade sem centralidade, logo, todo

espaço urbano relaciona-se contraditoriamente com seu centro urbano: “De sorte

que o todo o espaço urbano carrega em si esse possível-impossível, sua própria

negação. De sorte que todo espaço urbano foi, é, e será concentrado e poli (multi)

29

cêntrico” (LEFEBVRE, 1999, p. 46). Ao se realizar, as novas centralidades ampliam

a fragmentação do espaço urbano.

Com a fragmentação do espaço e o surgimento de novas centralidades os

acessos passam a ser estratégicos para a reprodução do capital. A circulação passa

a ser importante quando aliada à valorização/desvalorização porque amplia a

possibilidade de deslocamento de atividades econômicas para se realizar. O caráter

móvel da nova centralidade, especificamente do sub-centro especializado-

monofuncional, segundo Carlos:

Uma vez esgotada/envelhecida pela efemeridade da moda (imposta pelo consumo, pelo mundo da mercadoria) como consumo do espaço, esvazia-se. Como a centralidade não se isola de uma articulação mais ampla no espaço, o papel da rede de circulação, que amplia os limites e possibilidades dos deslocamentos da atividade econômica, permite a criação de lugares como nós de fluxos importantes (CARLOS, 2001, p.179).

Na cidade contemporânea, as diferença e desigualdades articulam-se no

processo de apropriação espacial, definindo uma acessibilidade que é, sobretudo,

simbólica e hierárquica. Tais diferenças entre os modos de morar, o tempo de

locomoção, o acesso à infra-estrutura, ao lazer, à quantidade de produtos

consumidos, são contradições inerentes a uma sociedade de classes manifestadas

na vida cotidiana (CARLOS, 1994).

Nos países capitalistas, notadamente nos periféricos, a expansão das cidades

grandes e médias vem sendo norteada pela lógica da propriedade privada, loteada,

vendida aos pedaços como produto mercadoria. As pessoas ocupam espaços de

acordo com o poder aquisitivo, implicando uma fragmentação-segregação sócio-

espacial:

30

Os diferentes usos da terra urbana revelam um espaço, simultaneamente, fragmentado e articulado, condicionante e reflexo social, campo de lutas entre as classes sociais e cheios de símbolos, definem as diferentes áreas da cidade e, dentre elas, aquelas que estão reservadas à futura expansão (CORRÊA, 1989, p.11).

Diferentes lógicas cruzam a cidade, reorganizando o território. Praticadas por

agentes “concretos”, como proprietários dos meios de produção e fundiários,

promotores imobiliários, Estado e grupos sociais excluídos. Agentes que produzem e

consomem espaço, cuja ação é “complexa, derivando da dinâmica de acumulação

de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção e

dos conflitos de classe que dela emergem” (CORRÊA, 1989, p.11).

No processo de expansão das cidades, a relação centro-periferia marca o

espaço social em suas contradições. A relação centro-periferia foi concebida

estrategicamente pelo Estado para a reprodução do capital. O centro inclui e atrai os

elementos que o constituem: mercadorias, capitais e informações. “Mas tais

elementos constituintes logo saturam. Por outro lado, o centro exclui os elementos

que ele domina: os “governados”, “sujeitos” e “objetos” e que o ameaçam”

(LEFÉBVRE, 1999, p. 22-23).

A justaposição centro-periferia é um fenômeno contemporâneo nas diferentes

cidades do mundo capitalista segundo o modo de urbanização impressa. Trata-se de

um modelo fragmentário e segregacional, visto serem planejadas cidades ideais que

vão entrar em conflito com as cidades reais, sob a égide de um novo pensamento

único e seguindo um modelo norte-americano no qual privilegia a privatização dos

espaços públicos (CALDEIRA, 2003).

No Brasil, a discussão sobre a expansão urbana emerge, sobretudo, no final

da década de 1970. A crítica ao chamado “modelo brasileiro” é uma marca

31

característica das pesquisas que surgem nesse período se, por um lado, procuram

demonstrar as relações entre as características particulares da metropolização e a

reprodução do capital na economia brasileira, por outro, procuram evidenciar uma

dinâmica social que reproduz e acentua as desigualdades sociais (RIBEIRO; LAGO,

1994).

Surge, então, o modelo “periférico” caracterizado pela segregação social das

camadas populares de mais baixa renda e suas características contextuais de

habitação associadas às regiões mais distantes e desvalorizadas da cidade. O termo

“periferização”, portanto, passa a ser entendido como um paradigma teórico que

abre mão da descrição física e procura tratar a segregação das camadas sociais de

baixa renda aos espaços periféricos da economia urbana.

A maior parte das cidades brasileiras apresenta problemas em comum:

carência generalizada de habitação, saneamento, transportes e demais serviços

urbanos. Estruturalmente, caracterizam-se pela ocupação desigual: concentração

em vastas superfícies, entremeadas de vazios, gerando um modelo centro-periferia.

As periferias sem infra-estrutura originam diferenças no valor da terra das áreas

centrais alimentando a especulação imobiliária. A problemática especulativa é

fortalecida pelo processo de expansão, com a criação de novas periferias urbanas

num verdadeiro círculo vicioso, fortalece o processo de expansão da área urbana,

criando novas periferias, e perpetuando a problemática (SANTOS, 1993).

Acrescenta-se a essa problemática a ilegalidade da propriedade do solo

urbano que ganhou destaque nas discussões sobre a expansão urbana no Brasil.

De acordo com Maricato, na oposição entre cidade real e cidade legal,

o uso ilegal do solo e a ilegalidade das edificações em meio urbano atingem mais de 50% das construções nas grandes cidades brasileiras, se considerarmos as legislações de uso e ocupação do

32

solo, zoneamento, parcelamento do solo e edificação (MARICATO, 1996, p.21).

A ilegalidade em relação à propriedade da terra na cidade contribui para

noção de exclusão social. A regularidade urbanística está vinculada aos serviços

urbanos, desde a infra-estrutura básica ao exercício de cidadania. É também um

fator definidor do padrão de segregação sócio-espacial que caracteriza as cidades

brasileiras. As diversas localizações urbanas, resultantes do processo de produção

da cidade, assumem diferentes preços, estabelecidos pelo mercado imobiliário.

A cidade que ora expande na explosão não é a cidade obra, apropriada por

seus cidadãos, mas produto do capital, no qual o valor de troca predomina sobre o

valor de uso. Portanto uma cidade, lócus da reprodução das relações sociais de

produção e das contradições sócio-espaciais.

De origem histórica, a cidade monocêntrica resiste, mesmo com as

transformações que a modernidade implanta e impõe. Hoje, reconstruída sobre si

mesma constantemente para maximizar a reprodução do capital, “se contrapõe

àquela, pelas justaposições sucessivas, que aparecem como mosaicos desconexos.

Reafirmam-se em novas centralidades que se condensam e se dispersam pelo

espaço urbano” (SEABRA, 2004, p.184).

Com as novas centralidades, surge a cidade poli (multi) cêntrica. Revela-se uma nova forma de expressão no espaço, um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade, substituindo aos poucos o padrão dicotômico centro-periferia (rico-pobre) pelo modelo de enclaves fortificados (CALDEIRA, 2003, p. 211).

A cidade, antes compacta, concêntrica, agora se esgarça, ultrapassando os

seus limites. A sociedade urbana, antes circunscrita a uma morfologia histórica,

33

agora vem se organizando e se distribuindo em espaços regionais, num permanente

processo de desconcentração. A cidade contemporânea passou a ser amorfa,

disforme pelas justaposições sucessivas de diferentes lógicas contraditórias, explica

Seabra:

Nela [Cidade] sucedem-se quase indefinidamente, espaços super funcionalizados numa sucessão de homogeneidade, geralmente sistêmicas que formam as pesadas estruturas. Estas se sobrepõem, recortam, fragmentam e quebram formas progressivas de organização do espaço (bairros, subúrbios, etc.) (SEABRA, 2004, p. 195).

Partir da discussão sobre centralidade faz-se necessária para qualificar o

processo de expansão urbana de João Pessoa, especialmente na ocupação, uso e

domínio do vale do rio Jaguaribe e seu entorno, quando seu significado revela jogos

de forças hierárquicas e globais no território.

O padrão periférico de crescimento contraditoriamente foi responsável pelo

aumento das tensões sociais urbanas em João Pessoa.

Para Gonçalves (1999, p.49):

Esse quadro de contradições urbanas, combinadas com a crise de legitimidade política do Estado, fez com que os três primeiros anos da década de 1980 fossem marcados pelo maior acirramento de conflitos em torno da produção, apropriação e gestão urbanas até então verificado na história da cidade.

Nos últimos anos, com a rápida expansão urbana da cidade, a segregação e

fragmentação do espaço ficaram mais evidente, assim como os seus impactos

sócio-ambientais, ainda mais acentuados. É a fase denominada por Madruga (1992),

34

de João Pessoa, do ”além Jaguaribe”. Com a fragmentação do espaço têm-se

origem as novas centralidades.

A origem das comunidades São José – Chatuba e a centralidade do bairro de

Manaíra como entorno mais valorizado encontra-se na fase denominada por

Madruga (1992), de João Pessoa, do ”além Jaguaribe”. Entretanto, a partir da

década de 1980, tem início um celeiro processo de fragmentação e reestruturação

do seu espaço urbano, originando novas centralidades e discursos em defesa de um

novo pensamento único.

As comunidades São José – Chatuba passa a ser mais visível na fase em que

o vale do rio passou a ser destaque não só por abrigar algumas permanências como

favelas e vacarias, mas por ter uma relação mais direta com o consumo e sofrido

uma fragmentação do seu espaço. Hoje em dia verificam-se algumas

especializações no vale: comercial, residencial, serviços, industrial, etc.

Nesse sentido, as diferentes estratégias forjadas nos planejamentos ou

políticas urbanas vêm se materializando, especialmente com a implantação de vias

de trânsito rápido a exemplo da implantação da BR-230 e outras vias que ora

cortam, ora margeia o vale, num cruzamento de lógicas que vem se diferenciando

dos ritmos lentos daquelas comunidades dando maior visibilidade às contradições

do Estado.

O discurso do Estado intervencionista e do Estado reflexivo tal como descrito

por Giddens (1991), apresenta-se carregado de contradições, forja modelos de

“planejamento urbano”, estabelece políticas urbanas pautadas no nexo habitação-

circulação, favorecendo a lógica do consumo em detrimento da lógica social,

imprimindo novas práticas de segregação.

35

1.2 As concepções e discursos do Estado e as políticas urbanas no Brasil

O discurso do Estado carregado de contradições, Giddens (1991), de

símbolos e interesses “é determinante na dinâmica cotidiana de produção e

reprodução do espaço“ (MOURA; KARNIN, 2001, p. 66). O discurso não pode ser

dissociado da ação. Nesse sentido, para ações diferentes existem diferentes

discursos: discursos do dia-a-dia e de reuniões informais, os discursos específicos

ou oficiais e a idéia de discurso competente ou instituído (CHAUÍ, 2003).

Portanto, o discurso, para que seja efetivamente aceito pela sociedade, deve seguir determinados rituais, sob pena de exclusão. Por isso as práticas discursivas devem estar emolduradas por elementos ritualísticos que conferem ao discurso maior ou menor densidade de verdade e, por conseguinte, de aceitabilidade social (CHAUÍ, 2003, p. 07).

Os discursos, específicos ou oficiais são freqüentemente associados a

determinadas comunicações, mais impermeáveis, herméticos e passivos de menor

transformação, porque atendem ao propósito de reiterar códigos de poder. Entende-

se, nesta dissertação, o discurso enquanto estratégia do poder hegemônico e do

Estado, como elemento da ação e de sua realização. As ações dependem de

discursos para se legitimarem na vida social e os dois se completam. Para Santos,

O discurso das ações e o discurso dos objetos às vezes se complementam como base de desinformação e de contra-informação e não propriamente da informação... Por exemplo, o discurso como base de uma ação comandada de fora que leva a construir uma história através de práxis invertida (SANTOS, 1996, p.181).

No final da década de 1970 e nos anos de 1980 e 1990, o Estado passou por

uma crise econômica, mais especificamente fiscal, segundo Anderson (1995) e

36

Bresser Pereira (1998). Caracteriza-se por ser uma crise do Estado da Providência,

nos países centrais, do Estado Desenvolvimentista, nos países periféricos e do

Estado Planificado, nos países de orientação socialista.

Na polêmica envolvendo a “Crise do Estado” destaca-se a manifestação

contraditória dos discursos sobre a natureza e o papel do Estado Keynesiano e do

Estado neoliberal. Nesse contexto, inserem-se também, as concepções marxistas

que buscam responder as seguintes questões: como identificar a natureza e o papel

do Estado nas sociedades capitalistas avançadas de hoje? Conferindo importância

no debate marxista contemporâneo.

Predomina no interior do pensamento marxista bem como dos autores

contemporâneos que estudam a Crise do Estado, a idéia gramsciana de Estado

ampliado, isto é, de que o Estado não se resume ao seu aparato repressivo e à

Sociedade Política, mas também às diferentes instituições da Sociedade Civil,

através do qual a hegemonia se dá por consenso.

O debate entre os marxistas surgiu nos anos de 1970 através de diferentes

concepções, destacando-se o Estado: como regulador da competição econômica

(MANDEL, 1975), distinção entre poder político e aparelho político (ALTHUSSER,

1971), distinção entre funções e natureza do Estado capitalista (CLARK; DEAR,

1981), como estrutura condensada das relações de poder (POULANTZAS, 1976),

instrumento da classe dirigente (MILIBAND, 1973), natureza das funções ou da

estrutura da tomada de decisões (OFFE; ROUGE; HOLLOWAY, 1975, 1979). Sendo

Castells (1977) e Lefébvre (1974, 1976) os dois expoentes da discussão entre

Estado e espaço, para (GOTTDIENER, 1993).

O Estado Keynesiano ou do “Bem Estar Social” no primeiro mundo, e o

“Estado Desenvolvimentista”, na América Latina e nos países do capitalismo

37

periférico, caracterizou-se pela intervenção direta na economia mediada pelo

planejamento, de forma a garantir o pleno emprego por meio de uma série de

medidas: obras públicas, tarifas protecionistas, diminuição das taxas de lucro,

subsídios agrícolas, etc.

Nos países periféricos, especialmente os da América Latina, desde o início

dos anos 80, o modelo neoliberal foi imposto de forma mais direta. Desenhou-se um

programa compacto de políticas e reformas perfeitamente alinhadas com a

hegemonia dominante dos países centrais através do Consenso de Washington.

Programa para a América Latina propondo rigoroso esforço de equilíbrio e

austeridade fiscal ao máximo, o que passa inevitavelmente por um programa de

reformas administrativas, previdenciárias e fiscal, e um corte violento no gasto

público.

Sob a égide do sistema capitalista, a produção do espaço urbano tem no

Estado o seu principal agente reestruturador. Assim o espaço adquire um caráter

estratégico, isto é, o Estado regulador impõe relações de produção sob a forma de

dominação do uso do solo urbano imbricando espaços dominados/dominantes para

assegurar a reprodução da sociedade como reprodução continuada do capital e do

poder do próprio Estado.

Com as novas contradições do / no espaço resultante da ação estruturadora-

reestruturadora do Estado no território, toma-se por base as reflexões lefebvrianas

por acreditar que elas são fundamentais para analisar o papel do Estado no espaço

urbano contemporâneo. É por essa concepção que se pretende entender as

estratégias de segregação institucional nos discursos das políticas de habitação e

transportes, como em relação às comunidades no vale do rio Jaguaribe.

38

O Estado não pode ser concebido como um agente regulador de conflitos de

classe, sem uma perspectiva de agente da reprodução do espaço. De um ponto de

vista lefebvriano o Estado é uma estrutura a serviço do poder. Por isso é

fundamental entender o Estado para além do racionalismo hegeliano. O Estado atua

concretamente na produção do espaço, como elo de conexão entre os interesses do

capital e o espaço apropriado de reprodução. Concordando com Lefébvre,

Gottdiener assinala:

O Estado é uma forma hierárquica dotada de abstração concreta de poder, numa relação de subordinação-dominação que é então utilizada por burocratas para controlar a sociedade. Além disso, ele concebe sua essência, a tarefa concreta de dominação, da mesma forma que realiza o poder econômico, destruindo ou substituindo o espaço social pelo espaço instrumental (GOTTDIENER, 1993. p. 146).

Nesse sentido, o espaço não é neutro, mas torna-se um campo de ação das

forças políticas entre o espaço social e o espaço abstrato. É através da relação de

poder e de dominação exercida pelo Estado capitalista sobre os homens, que se

confere o caráter opressivo do Estado. Por esse ângulo argumenta Lefébvre:

O que é o Estado? Uma estrutura, diz os cientistas políticos, a estrutura de um poder que toma decisões. Sim, mas devemos acrescentar: uma estrutura espacial. Se não levamos em conta essa estrutura espacial e seu poder, retemos apenas a unidade racional do Estado; voltamos ao hegelienismo. Somente os conceitos de espaço e de sua produção permitem que a estrutura de poder atinja o concreto. É nesse espaço que o poder central elimina qualquer outro poder, que uma classe no poder alega suprimir as diferenças de classe (LEFÉBVRE apud GOTTDIENER, 1993, p.146).

A ação do Estado na produção de novas relações, além da econômica, dá

origem a uma produção política da sociedade. Esta produção política viabiliza-se

39

pela formação de instituições governamentais, fundamentais para o funcionamento e

as necessidades da sociedade definidas por uma organização, como explica

Lefébvre:

Então a organização suscita um interesse político, que a transforma em instituições. O movimento que cria as organizações é de baixo para cima. As instituições são de cima para baixo. Ela comporta a intervenção ou estabelecimento de uma autoridade específica. Num certo sentido, o Estado mesmo resulta da institucionalização da linha social constituída para a troca. Mas as necessidades sociais que surgem com a generalização da troca, em primeiro lugar com a produção industrial, são numerosas (LEFÉBVRE, 1976, p.140).

O Estado possui múltiplas funções não só políticas, mas também econômicas.

No espaço urbano, o Estado vem administrando diferentes ramos da economia,

mediando tensões sociais no propósito de dar sustentação ao processo de

reprodução do capital. Reside aí a origem do Estado intervencionista, empenhado

na reprodução das relações sociais através do desaparecimento do tradicional

espaço social.

O papel contraditório do Estado caracteriza-se, por um lado, pela necessidade

de preservar o espaço social, em face da vitória do valor de troca sobre o valor de

uso. Por outro, propõe modelos de planejamento que assegurem a dominação e às

vezes a destruição do espaço social, garantindo a reprodução-acumulação do

capital. Tal concepção de Estado intervencionista lefebvriana é destacada por

Gottdiener:

Sendo o Estado uma “superestrutura de poder”, suas intervenções inauguram a destruição do espaço social e a forma compacta, confinada de cidade. O Estado está aliado não só contra a classe trabalhadora ou mesmo contra frações do capital, ele é o inimigo da própria vida cotidiana - pois produz o espaço abstrato que nega o espaço social que suporta a vida cotidiana e a reprodução de suas relações sociais (LEFÉBVRE apud GOTTDIENER, 1993, p.148).

40

As investigações urbanas sobre a relação entre Estado e espaço preservaram

o enfoque na intervenção. “O planejamento urbano foi considerado por Lefébvre

como uma máscara ideológica que seduz a classe trabalhadora a acreditar que a

intervenção estatal sobre o meio ambiente, promove de fato a representação de

seus interesses na sociedade” (GOTTDIENER, 1993 p.137-138).

No plano da ordem estabelecida, a ação do Estado, via poder local, interfere

no processo de produção da cidade. Segundo o pensamento lefebvriano, é nesse

plano que o espaço abstrato domina o espaço social, um espaço produzido que

assume a característica de fragmentado (pelo uso do solo), hierarquizado (pela

divisão espacial do trabalho) e homogêneo (pelo controle oficial) e revela uma

contradição: a segregação.

Lefebvre (1991) confere ao espaço homogêneo – “concebido” – um caráter

abstrato, em contraposição ao espaço absoluto, o espaço vivido/percebido das

representações e das práticas espaciais cotidianas. Produto da violência e da

guerra, o espaço abstrato é instituído pelo Estado. Ele serve de instrumento para

que os detentores do poder – político e econômico – destruam tudo aquilo que

representa ameaça e resistência, abrindo caminho para homogeneização das

diferenças.

Entende-se que esse espaço abstrato torna-se concreto no espaço via

discursos instituídos que se transformam em ações normalizadoras e

homogenizantes em suas diferentes escalas espaciais, procurando administrar a

cidade e seus habitantes, segundo discursos que tendem a impedir uma busca

efetiva de compreensão da problemática urbana.

41

O planejamento urbano é uma tomada de decisão, um processo político, manifestado através das políticas urbanas ou intervenções do urbanismo, oficial ou “policial”, no dizer de Alain Lipietz, explicitadas por prioridades, envolvendo escolhas, compromissos e pactos em cada cidade. Portanto, questionar o urbanismo é democratizar a urbanização (SOUZA, 1988, p.56).

No Brasil o planejamento urbano pauta-se em instrumentos urbanísticos,

tendo nos planos e leis, seus representantes mais pragmáticos, que se tornaram

“opções” racionalizadoras para solucionar as mazelas sociais. Contudo, muitos

desses planos só tiveram a pretensão de fornecer receituários para orientação do

ambiente construído, não enfrentando as questões sociais.

Existe, de fato, uma ampla legislação urbanística, que oferece aos governos

um imenso leque de possibilidades em promover o melhoramento das cidades.

Todavia, as legislações, os planos e a centralização, no encaminhamento da

discussão urbana, não responderam às questões conflitantes dentro do contexto

socioespacial, como acesso ao mercado imobiliário legal e melhoria dos transportes

das classes trabalhadoras.

Um dos motivos pelo qual isso acontece é que entre a Lei e sua aplicação há um abismo que é mediado pelas relações de poder na sociedade. Uma “flexibilidade” que inspirou também o “jeitinho brasileiro” e ajudou a adaptar uma legislação positivista, moldada sempre em modelos estrangeiros, a uma sociedade no qual o exercício do poder se adapta às circunstâncias (MARICATO, 2001, p. 42).

A partir de 1970 podem-se distinguir no Brasil, pelo menos dois momentos de

experiências de planejamentos urbanos. O primeiro concebido pela “política

desenvolvimentista”, implantada pelo Estado autoritário com destaque para o

planejamento urbano modernista. Um discurso que:

42

Aspirava transformar a cidade em um único domínio público homogêneo patrocinado pelo Estado, eliminar as diferenças para criar uma cidade racionalista universal, dividida em setores de acordo com as funções urbanas: residência, trabalho, recreação, transporte, administração e cívica (CALDEIRA, 2003 p. 311).

O planejamento estatal nas décadas de 1960 e 1970 se caracterizou por um

centralismo de caráter autoritário através da Ditadura Militar calcada numa visão

tecnocrata de execução de planos. Nesse contexto, “as intervenções estatais devem

ser consideradas por meio da análise da legislação e dos planos e projetos

praticados” (MORAIS, 1999, p.26). Por meio de legislações o Estado cria limitações,

impedindo ou induzindo os diferentes usos do solo, orientando tendências que

atendam os interesses do capital.

Na perspectiva do mercado de habitação e da acessibilidade, verificou-se no

Brasil, uma política intervencionista estatal, com a criação do BNH e do SFH, como

órgãos mediadores para que o circuito secundário de acumulação desempenhasse

um papel ativo na preservação do ciclo de super acumulação, associada a uma

política de transportes, dentro de um macro projeto de governo denominado de

“integração nacional”. Damiani (2001), Lanni (1997), Maricato (2001) e Singer

(1998).

O modelo particular de política habitacional promovida no Brasil no pós-64 supôs pesada intervenção estatal constituindo-se num dos setores privilegiados de atuação do regime militar. Contudo, o mercado da promoção imobiliária foi segmentado em duas grandes vertentes, operados por agentes distintos e direcionado a públicos diferentes: uma vertente, à população de renda média e alta, foi atendida pelos agentes privados do sistema e regulados pelo Estado. A outra vertente voltada para a população de baixa renda atendida por agências estatais associados com empresas privadas de construção (ARRETCHE, 1990 p. 23).

43

João Pessoa passou a ter um ritmo mais acelerado de urbanização, sob o

signo de uma política habitacional que tinha como discurso solucionar o problema da

moradia para a classe trabalhadora. Porém, ao contrário do que se supunha, a ação

do poder público, ainda que delineada por políticas sociais de combate à pobreza,

não só interferiu nos preços do solo urbano e na maior valorização dos espaços

dotados de infra-estruturas, como estimulou exemplarmente a lógica da empresa

privada, um modelo de Privatização do Estado3 (ARRETCHE, 1990).

As políticas de habitação e transportes foram importantes no processo de

reestruturação do espaço urbano das grandes e médias cidades brasileiras. Na

cidade de João Pessoa, as políticas intervencionistas do Governo federal, direcionou

a expansão urbana para além dos eixos tradicionais, dando origem a periferização

do espaço da cidade.

Desde as últimas décadas do século XX observa-se a transformação do papel

do Estado, diante da passagem do Estado Keynesiano para o Estado Neoliberal e

pela Globalização. O processo de reestruturação urbana está ligado às

necessidades que se renovam. Nas cidades brasileiras, as novas formas urbanas

que originam novos arranjos são reflexos dessa condição, criando formas exclusivas

e rígidas, constituídas por uma prática social e uma racionalidade cada vez mais

pautada na crescente ação hegemônica.

As ações contraditórias do Estado como agente principal no processo de

reestruturação do território, em especial, das cidades brasileiras, realiza-se pelo uso

de estratégias, a exemplo dos instrumentos urbanísticos, destinadas muito mais

atender a reprodução ampliada do capital do que equacionar a problemática do

espaço social. 3 Para Arretche (1990, p.34), No Brasil, esse fenômeno ou modelo de política habitacional, traduz o caráter privatista da ação estatal resultante da inserção de interesses de segmentos produtivos privados no interior do sistema.

44

A cidade de João Pessoa vem passando por uma reestruturação econômica,

por isso vem mudando as relações dos empreendedores da classe capitalista em

busca de atender as necessidades das novas centralidades que surgem. Nesse

contexto busca-se entender o papel do Estado neoliberal.

Na década de 1970, a questão urbana no Brasil teve uma importância política

dentro de um quadro de crises sócio-econômicas e ambientais mais gerais. Na

década seguinte, é colocada em novas bases valendo-se de iniciativas de unificação

das lutas populares às questões da vida nas cidades, tendo como princípio o "direito

à cidade" ou "direito à cidadania", a "gestão democrática da cidade" e a "função

social da cidade e da propriedade". Estes princípios estão baseados numa leitura

das cidades cujo padrão de produção, ocupação e gestão, são marcados pela

mercantilização do solo, da moradia, do transporte de massa e dos demais

equipamentos e serviços urbano, apoiado pelo Estado, através de políticas,

controles e mecanismos reguladores e discriminatórios.

O conceito de descentralização entrou em cena a partir de meados da década

de 1970, como alternativa à crise do Estado social experimentado pelos paises

centrais após um período conhecido como os Trinta Gloriosos.4 Nos paises latino-

americanos essa alternativa de mudança do Estado e da sociedade ganhou

destaque a partir dos anos 80. No Brasil a questão da descentralização pode ser

evidenciada pela Constituição Federal de 1988.

O significado geral da descentralização como transferência do poder central

para outras instâncias de poder, constituindo um processo estratégico de

reestruturação do Estado, é predominante. Porém, o discurso oficial, em nome de

4 Significa dizer que foram três décadas, praticamente ininterruptas de crescimento econômico da história contemporânea.

45

uma fabulosa governança urbana, procura justificar a descentralização, provocando

discussões em torno da valorização/desvalorização nas escalas de poder.

Moura (2003) chama atenção a respeito da valorização de determinadas

escalas de poder em detrimento de outras. É dominante na interpretação das

relações cidade/mundo as escalas local e global em detrimento do regional e do

nacional. Em âmbito internacional, o nível de poder municipal tem sido o foco dos

discursos para a busca de soluções locais, nacionais e mesmo globais no mundo

contemporâneo.

O Fórum de Reforma Urbana que teve sua origem na década de 1980 ligadas

através da articulação de diferentes entidades em torno da proposta de iniciativa

popular foi o motor principal de aprovação do Estatuto da Cidade. Porém, como

afirma Maricato:

A experiência brasileira mostra, no entanto, que conquistas formais legais nunca serão suficientes. Todos reconhecem que no Brasil há leis que pegam e leis que não pegam, tudo depende do que se trata e de quem se trata, ou seja, tudo depende dos interesses em jogo (MARICATO, 2002, p.92).

Uma sociedade baseada em tradições culturais e sociais autoritárias como a

sociedade brasileira não consegue eliminar interações violentas oriundas da própria

sociedade, nem práticas ilegais do aparelho do Estado. Tal aparelho não é neutro e

reflete as ilegalidades generalizadas na prática de uma sociedade que tem como

regra o arbítrio.

O Estatuto da Cidade, com base no seu artigo 182, instrumentaliza os

municípios para que estes garantam, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, o

desenvolvimento das funções sociais das cidades e o bem-estar de seus habitantes,

definindo como instrumento legal de política urbana os Planos Diretores.

46

O Estatuto da cidade, aprovado pelo Congresso Federal em julho de 2001,

passou a ser celebrado como marco para uma reforma urbana no Brasil, por trazer

inovações no campo da legislação, gestão urbana e regularização fundiária. Por

outro lado, possui dispositivos que podem, contraditoriamente, revelar contornos

perversos. Nesse sentido, as possibilidades abertas por este instrumento legal para

o combate eficaz contra uma propalada desordem urbana exigem o reconhecimento

crítico do discurso e práticas que referenda e legitima (LIMONAD, 2003).

O Plano Diretor é um instrumento de racionalidade e servirá de base para que

os municípios desenvolvam suas competências de promover, adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento

e da ocupação do solo urbano. Acredita-se que isso só será possível se

fundamentado na vontade de toda população, caso contrário nada mais será do que

apenas uma reprodução do “direito” urbanístico.

Para o enfrentamento da problemática urbana contemporânea, os governos

municipais passaram a elaborar um amplo arcabouço de legislação urbanística, a

exemplo de planos e leis, com presumida participação popular e de entidades

organizadas, para aplicação de instrumentos que garantam a função social da

cidade proposta desde o Estatuto da Cidade. Ao mesmo tempo, são forjados

diferentes modelos de planejamentos urbanos que nada mais são do que discursos

ideológicos que tentam ocultar contradições, conflitos e interesses dominantes na

produção do espaço urbano.

Nas décadas de 1980 e 1990 ocorreu um processo de desmonte da estrutura técnico-institucional, iniciada com o descrédito do modelo de planejamento estatal centralizado, incapaz de planejar o desenvolvimento e a organização territorial do Brasil. Tem-se uma quase total incapacidade do governo federal na articulação das diferentes políticas públicas, culminando com a extinção e o

47

abandono de órgãos e o descaso com o armazenamento de informações (MORAIS, 1999, p.76-97).

O segundo modelo, inserido no projeto neoliberal tendo como exemplo as

propostas de planejamento estratégico e Orçamento participativo. O planejamento

neoliberal atinge sua expressão mais forte quando procura vender a imagem da

cidade para os investidores, à moda de Barcelona, que é tida como o protótipo da

Cidade ideal para atrair investimentos. Para isso utiliza-se do chamado

planejamento estratégico. Trata-se de um planejamento que considera a cidade

como um organismo independente das relações sociais e das formas de apropriação

e produção do urbano, vislumbrando-se uma nova questão urbana: produtividade e

competitividade.

É como se a cidade fosse uma mercadoria, ou uma empresa, ou uma pátria,

segundo Vainer (2002) deve-se fazer um debate sério e rigoroso sobre este modelo

de planejamento urbano com articulação dessas três analogias constitutivas as

relações sociais estão ocultas e o discurso da construção de uma cidade, paradoxal.

O planejamento estratégico emerge no contexto do neoliberalismo como um novo instrumento de gestão urbana sobrepondo-se às políticas públicas tradicionais, trata-se de um modo de planejar a cidade introduzindo e naturalizando conceitos, mistificando práticas sociais e difundindo a ideologia do pensamento único (ARANTES, 2000 p.18).

Outra vertente, o planejamento participativo, criado na Constituição de 1988,

assemelha-se a uma peça de ficção em razão do seu caráter genérico, é a caixa

preta das prefeituras, e sua fragilidade na aplicação pelo Governo local, em face das

manobras políticas existentes entre o Executivo e o Legislativo, verdadeiramente, os

representantes dos interesses privados. Acredita-se na nova vertente de

48

planejamento como sendo mais uma “invenção política”, que avança com a

finalidade de ultrapassar a democracia representativa.

“A década perdida para o planejamento urbano em João Pessoa” segundo

Honorato (2003) refere-se ao período compreendido entre 1990 e 2000,

caracterizado pela falta de reflexões para o redimensionamento do Plano Diretor,

elaborado em 1994, que já deveria ter sido revisado na virada do milênio. E de

ações competentes das políticas urbanas para o município de João Pessoa.

Em João Pessoa a partir da década de 1990 as ações do Estado vêm sendo

forjadas através das políticas urbanas, que se caracterizam, ora pela repressão,

violência, na produção dos fixos, ora pelo assistencialismo/populismo, ora pelo

descaso, ora pelo planejamento estratégico.

Ao anunciar o Plano Diretor como instrumento estratégico para orientar o

desempenho dos agentes públicos e privados na produção e gestão do espaço

urbano, objetivando assegurar o desenvolvimento integrado das funções sociais da

cidade, garantir o uso socialmente justo da propriedade e do solo urbano e

preservar, em todo o seu território, os bens culturais, o meio ambiente e promover o

bem estar da população (PLANO DIRETOR DE JOÃO PESSOA, 1992, p. 01). Para

Honorato (2003), Passados 11 anos, o que se vê é um desrespeito total às regras

urbanas pelo mau uso dos espaços público e privado por falta de ação fiscalizadora

municipal.

No caso do vale do Jaguaribe identificam-se algumas contradições do Estado

entre os seus discursos e suas ações a partir do momento que ele confina ou

segrega as comunidades que localmente se apropriaram, através das estratégias

como: vias de trânsito rápido, pontes, muros, falta de emprego, etc. Numa relação

espaço-tempo pelo choque de temporalidades (tempos lentos e rápidos). E da

49

exclusão: pela presença do carroceiro, transeunte a pé, comunidade indo para a

escola, etc.

1.3 Território urbano, segregação e resistência: campo de luta e lócus da

cotidianidade das comunidades

Analisar o processo de resistência das comunidades pelo direito ao entorno

no vale do rio Jaguaribe, em João Pessoa - PB, passa, obrigatoriamente, pela

discussão do território, como campo de lutas e lócus da cotidianidade. O espaço

cotidiano (o entorno) aparece como um campo de possibilidades, o lugar,

essencialmente, da prática sócio-espacial.

A concepção de território implica na possibilidade em construí-lo e

desconstruí-lo para além do poder do Estado. Partindo desse pressuposto,

considera-se o território como delimitado por relações de poder entre diversos atores

que vão territorializando as suas ações. Notadamente nesta pesquisa, os principais

atores envolvidos são: as comunidades e o Estado.

Para Milton Santos o território usado é uma categoria analítica. É o espaço

vivido dos homens, o teatro da ação, de todas as empresas e instituições, o espaço

banal. Portanto, não significa apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas

de coisas superpostas, mas o seu uso, que faz dele um objeto de análise social:

O que importa não é o território em si, senão o território usado, o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 2002, p.08).

50

O Estado exerce a função de regulador de territórios, do seu território e

muitas vezes de outros que não fazem parte do seu espaço contínuo. A importância

de sabermos o papel e o poder do Estado no processo de dominação territorial,

frente às novas territorialidades que vem surgindo nos últimos anos é essencial para

compreendermos a extensão, quantitativa e qualitativa, das resistências das

comunidades urbanas excluídas e segregadas na sua vida cotidiana.

O território usado e o cotidiano vivido constituem o campo de luta dos pobres.

A vida real, concreta, com necessidades, carências, são os pressupostos básicos na

elaboração de “suas políticas”, constituídas tomando-se na base da visão de mundo

e dos lugares. Por outro lado, as “políticas ideais”, institucionalizadas e

fundamentadas nas ideologias do crescimento, formuladas pelo Estado e pelas

empresas, são estranhas aos pobres. Entretanto, pela centralidade do lugar, ambas

se encontram e nesse momento, a ideologia do consumo também alcança os pobres

gerando novas contradições e inconformismos.

O cotidiano é concebido como a dimensão constituída e instituída pelo

“vivido”. A vida cotidiana não acontece sem o “uso” que se faz do espaço e do corpo,

mas também da “repetição” dos afazeres de todos os dias Lefébvre (1999) e Seabra

(2004). Porém, se o cotidiano faz-se da “repetição” (da mesmice), ele dá margem

para o conflito e para o surgimento do novo, a “insurreição do uso”. O cotidiano

remete à proximidade de uma situação de vizinhança.

Segundo Santos (1996a, p. 255), “em uma análise da situação de vizinhança,

a proximidade cumpre um papel fundamental enquanto base da “sociabilidade” e

geradora da solidariedade e da identidade”.

51

Para Santos (1996, p.10):

O cotidiano é uma importante dimensão do espaço se considerado como portador do passado, das rugosidades ou condições pré-existentes, do presente, pela constante mutação e do futuro, como projeto ou possibilidades. Nessa perspectiva, lançar um olhar ao cotidiano é entender os modos de vida, a proximidade e a resistência.

Segundo Martins (1992, p.19) “é por meio do cotidiano vivido que os sujeitos

excluídos têm a oportunidade de fazer História”.

Uma das reflexões teóricas sobre a noção de exclusão social é oriunda da

concepção de marginalidade, procurando explicar a existência de grandes

contingentes de trabalhadores urbanos nos países latino americanos não incluídos

na economia moderna, tornando-se mão-de-obra excedente. São desempregados

irrelevantes para a economia, expulsos do seu setor dinâmico.

As teorias da exclusão contemporânea aproximam-se da teoria da

marginalidade pela semelhante reprodução de bolsões de pobreza. No entanto,

mostra-se distante quanto à escala espaço-temporal. A marginalidade se

desenvolveu nos países capitalistas periféricos no pós-guerra, enquanto a exclusão

surgiu como um fenômeno mundial que tomou visibilidade e substância somente a

partir da crise econômica que teve origem na década de 70, com o aumento

vertiginoso das desigualdades sociais a exemplo da massificação da pobreza.

A polêmica em torno da noção de exclusão pode ser evidenciada em autores

como Robert Castel (1997) e José de Sousa Martins (1997). Castel designa a

exclusão como sendo uma privação, uma situação imóvel, um fenômeno ocorrendo

nas margens da sociedade. Por isso, prefere substituí-la por désaffiliation, visto que

se a exclusão torna-se visível à margem da sociedade, a exclusão atinge o cerne da

52

mesma. Martins faz um convite a uma reflexão conseqüente sobre aquilo que

constitui o verdadeiro problema: o modo como se dá à inclusão numa sociedade que

fez da exclusão um modo de vida. Segundo Martins:

O problema da exclusão nasce com a sociedade capitalista. O capitalismo traz como regra estruturante o desenraízamento e a exclusão. A sociedade capitalista desenraíza, exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica. O problema está justamente nesta inclusão (MARTINS, 1997, p. 32).

A nova pobreza, agora formada por um exército de excluídos surge sob o

signo do capitalismo reflexivo de Giddens (1991) e da globalização neoliberal de

Singer (1998). Portanto, da hegemonia crescente do capital, do desemprego, da

precarização do emprego, da vulnerabilidade econômica, da flexibilização produtiva,

das novas práticas de segregação sócio-espacial que se revelam na relação

dialética exclusão-inclusão defendida por Martins (1997).

As relações são impostas pela diferença, já a exclusão e a segregação

rompem essa relação, fragmentando o espaço urbano e o direito à diferença. A

segregação complica e destrói a complexidade. Retomando-se Lefébvre (1999), o

foco da análise recai no cotidiano do homem que vive numa relação espaço-tempo

fragmentado e segregado.

A expressão segregação socioespacial, vincula-se à problemática urbana, é

discutida por autores como Lefébvre (1999), Lojkine (1997), Caldeira (2003), Luchiari

(1999), Preteceille e Valadares (2000), Lago (2000) e Ribeiro (2000). Formando um

leque de tendências numa tentativa de elucidação desse fenômeno.

Em análise elaborada por Lago (2004) foi destacada a ausência de uma

discussão conceitual sobre a noção de segregação espacial urbana porque segundo

Lago (2004, p. 02-08) “parte significativa dos estudos utiliza uma visão bipolar na

53

perspectiva de mudança no padrão de segregação, caracterizada pela maior ou

menos distância física entre grupos sociais, onde a escala geográfica é o fator

central”.

Há uma ausência em conceituar o fenômeno da segregação que ora é entendida como um processo inerente à ordem de mercado Ribeiro (2000) e Lago (2000), ora à ordem institucional, Caldeira (2003). Quanto ao caráter empírico da segregação, destaca-se o fenômeno da concentração espacial dos diferentes grupos sociais, de caráter quantitativo, Preteceille e Valadares (2000) e Ribeiro (2000), ou da conformação tendencial de áreas socialmente homogêneas, de caráter qualitativo Caldeira (2003) e Véras (1992) (LAGO, 2004, p. 02-08).

Uma tendência comum na análise da segregação espacial é sua relação com

vários processos sociais, entendidos como explicativos ou condicionantes do

fenômeno. Entretanto segundo Lago (2004, p. 02-08):

Predomina o enfoque das causas e não dos efeitos da segregação. A concepção sobre o novo padrão de segregação, inclui uma avaliação dos impactos desse novo padrão nas relações sociais tais como redução das possibilidades de interação entre classes sociais, práticas defensivas e a não vivência das diferenças.

Segundo Caldeira (2003) e Luchiari (1999), as regras que organizam o

espaço urbano e produzem a segregação varia, cultural e historicamente, revelando

uma separação forçada e institucionalizada como padrão de discriminação. Sendo

os enclaves fortificados, a principal expressão da nova prática de segregação sócio-

espacial.

A visão institucional concebe a segregação como diferenciação espacial

legitimada por normas legais ou sociais que conformam os enclaves fechados, por

barreiras físicas ou simbólicas. É preciso avançar nas discussões sobre a idéia de

um novo padrão de segregação, presente no debate atual limitado aos impactos

54

territoriais da reestruturação econômica e da exclusão social. É necessário refletir

sobre as suas conseqüências.

Os enclaves fortificados, presente no debate atual sobre os impactos

territoriais da reestruturação econômica e das novas práticas de exclusão-inclusão

social e desigualdade no interior da cidade, pressupõem a sobrevalorização da

dimensão institucional. Tais práticas são entendidas no campo de relações e

tensões, tanto Oliveira (1998), pela noção de descarte como Martins (1997), pela

noção de degradação. Ambas, como efeitos mais visíveis das políticas econômicas

capitalistas contemporâneas.

Essas práticas de segregação que surgiram a partir das últimas décadas do

século XX, ganharam graus de complexidade, Entretanto, tornou-se mais clara

examiná-las a partir da vida cotidiana, porque o cotidiano não pode passar sem

espaços e tempos apropriados, sem territórios exclusivos (SEABRA, 2004, p. 183).

Caldeira (2003, p. 211) destaca os enclaves fortificados que erguem muros e

criam uma ordem privada. Enclaves que mudam os padrões de residência,

consumo, trabalho e lazer, alterando o panorama da cidade, o padrão de

segregação espacial e o caráter do espaço público e das interações entre as

classes. Ainda em relação à segregação, fica evidente aquilo que é privado e restrito

contrapõe-se à desvalorização do que é público e aberto na cidade. Shopping

centers, centros de lazer, parques temáticos, condomínios são demarcados,

isolados, murados, voltados para o interior, socialmente homogêneos, negam a rua,

o público e conferem status (CALDEIRA, 2003).

Para Lefébvre, (1991 e 1999), a segregação deve ser focalizada, com seus

três aspectos, ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneos, voluntários e

programados. A segregação programada ocorre quando o Estado intervém no

55

espaço através da implantação de infra-estrutura ou de políticas urbanas. Ao

planejar, atende aos interesses da reprodução do capital, ao mesmo tempo em que

institucionaliza e promove a segregação urbana.

Entende-se, que políticas urbanas como as de habitação e transportes podem

influenciar não só na valorização-refuncionalização do vale e seu entorno para o

consumo. Como explicar os conflitos resultantes das estratégias de segregação

impostas pelo Estado, produtor de racionalidades e as estratégias de resistência das

comunidades locais pelo direito à cidade.

Nesse sentido o conceito de resistência é referenciado em Foucault (1984, p.

226):

Segundo o qual, ela não constitui uma substância, pois ela não é anterior ao poder que (...) enfrenta. Ela é coextensiva a ele e absolutamente contemporânea (...). Para resistir, é preciso que a resistência seja como o poder... Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Foucault.

Na visão foucaultiana estão presentes relações objetivas/subjetivas que

asseguram a produção/circulação do poder no território, produzindo novas formas de

resistência e com isso novas identidades. Portanto, existe uma relação entre poder e

resistência. Para Foucault (1984, p. 08) “o exercício do poder não é um fato bruto,

um dado institucional, nem uma estrutura que se mantém ou quebra; ela elabora-se,

transforma-se, organiza-se, dota-se de procedimentos mais ou menos ajustados”.

A pluralidade é a marca da resistência, que pode surgir em qualquer ponto

improvável, de forma inventiva, surpreendente, imprevisível. As resistências

produzem, reorganizam, reagrupam, rompem com a suposta estabilidade de um

poder absoluto.

56

A resistência está intrinsecamente ligada a uma lógica causalista, em que os

fenômenos são explicáveis uns a partir dos outros e em que uma racionalidade,

mesmo que específica, se delineia em um processo. Parte-se do pressuposto de

que a realidade dos sujeitos impulsiona e define as estratégias para a consecução

das ações a serem empreendidas no seu cotidiano. Conseqüentemente, entre

essas, encontram-se as de busca pelo direito ao entorno através de estratégias de

resistências.

A cidade é hoje o fenômeno mais representativo da compressão espaço-

tempo, pela articulação dos objetos e ações que ali se mundializam e se

movimentam. Na cidade os espaços de tempos rápidos, iluminados, dos

privilegiados do consumo, porém dos mais alienados se opõe aos espaços lentos,

opacos, dos ignorados, porém dos solidários, dos resistentes. É onde reside a força

dos verdadeiros “donos do poder”, como defende Santos (1994, p.84):

Creio, porém, que na cidade, na grande cidade, tudo se dá ao contrário. A força é dos “lentos” e não dos que detêm a velocidade elogiada por um Virilo em delírio na esteira de um Valéry sonhador. Quem na cidade tem mobilidade - e pode percorrê-la e esquadrinhá-la - acaba por ver pouco da Cidade e do Mundo. Sua comunhão com as imagens, freqüentemente pré-fabricadas, é a sua perdição. Seu conforto, que não desejam perder, vem exatamente do convívio com essas imagens. Os homens “lentos”, por seu turno, para quem essas imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações. A lentidão dos corpos contrataria com a celeridade dos espíritos?.

Resgatar a vida urbana, a urbanidade, também significa buscá-la onde ela

ainda resiste, nos locais onde a vida social se dá de forma plena, densa e onde as

trocas simbólicas e culturais ocorrem intensamente. Tais lugares, espécies de

ágoras isoladas da cidade, devem representar um ponto de reflexão sobre uma

57

cidade transformada pela urbanidade em sua totalidade, e devem ser neste sentido,

modelos da utopia urbana a ser construída.

Parte-se do pressuposto de que a realidade dos sujeitos impulsiona e define

as estratégias para a consecução de ações a serem empreendidas no seu cotidiano.

Conseqüentemente, dentre essas ações, encontram-se a busca pelo direito ao

entorno através de estratégias de resistências.

A resistência, organizada ou não, nasce no cotidiano vivido, cada dia mais

complexo, mais visível, mais real, resultando lentamente em movimentos de

descontentamento aos modelos impostos pelos donos do “poder simbólico”. Por

isso, acrescenta Santos (2003, p. 134):

A organização é importante, como instrumento de agregação e multiplicação de forças afins, mas separadas. Ela também pode constituir o meio de negociação necessário a vencer etapas e encontrar um novo patamar de resistência e de luta [...] Os movimentos organizados devem imitar o cotidiano das pessoas porque constitui a sua riqueza e fonte principal de veracidade.

Com o processo implosão-explosão de João Pessoa, o espaço tornou-se

fragmentado, hierarquizado e segregado. Surgem novas centralidades para o

consumo através da lógica da circulação, a exemplo da implantação da BR-230, de

novas vias de trânsito rápido para dar maior fluidez ao consumo. O vale passou a ter

uma concentração de investimentos no seu entorno, resultando numa pressão

imobiliária e conseqüente choque com as permanências. As comunidades como São

José – Chatuba criam estratégias de resistência para permanecer habitantes com

isso têm-se os choques de territorialidades e temporalidades, reveladas pelas

diferentes formas de segregação e exclusão social.

58

Sem a preocupação de estabelecer limites fixos, pode-se dizer que as

comunidades São José – Chatuba localizam-se nas margens do exíguo terraço

fluvial do rio Jaguaribe. Limitadas, a oeste, pelo sopé da falésia morta, a leste pelas

ruas do bairro de Manaíra5 que margeiam o vale, ao norte pela Avenida Ruy

Carneiro e ao sul Avenida Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra, próximo a

ponte da BR-230, local do seu desvio para o rio Mandacaru. (ver figura 01).

Apresentando cerca de 2,3 Km de extensão no sentido norte – sul. Entretanto, a

comunidade da Chatuba se caracteriza por uma apropriação de forma descontínua

em três núcleos: Chatubas I, II e III, também se estendendo no mesmo sentido da

comunidade São José à margem direita.

5 O bairro que faz parte do entorno mais valorizado da área de estudo desta pesquisa, Manaíra, apresenta uma área de aproximadamente 2,4 km², concentrando cerca de 19. 289 habitantes e a segunda maior densidade demográfica do município, em torno de 82.93 hab. / km² (IBGE, 2000).

59

Figura 01: Mapa de localização das comunidades São José – Chatuba - 2006 Fonte: Mapa base da SEPLAN/PMJP, organizado por Paulo Rener de Freitas e Arinaldo I. das Neves.

CAPÍTULO II

O PLANEJAMENTO URBANO EM JOÃO PESSOA A PARTIR

DA DÉCADA DE 1990

O presente capítulo fala do processo de expansão acelerada da cidade de

João Pessoa destacando-se a ocupação do litoral norte e conseqüente apropriação

do vale do rio Jaguaribe e suas transformações focalizando as comunidades São

José - Chatuba e suas relações com o bairro de Manaíra. Nesse contexto se insere

o Estado e os promotores imobiliários como principais agentes da valorização do

espaço que é fragmentado e segregado para permitir a reprodução do capital

legitimados nas leis e forjados pelos planejamentos.

2.1 Planejamento estratégico, acessibilidade e novas centralidades

Há mais de quatro séculos, às margens do rio Sanhauá, foi fundada a cidade

de Nossa Senhora das Neves, atualmente João Pessoa. Privilegiada, já nasceu cité,

planejada para a defesa e controle do uso. Lentamente foi subindo as colinas, com

vistas e acesso fácil para o rio e de costas para o Atlântico6. O núcleo primeiro da

cidade alta, acropolitana, foi o referencial a partir do qual a cidade se definiu. Em 4

de novembro de 1585 foram construídas as primeiras obras de edificações e a

cidade passou a aglutinar funções, administrativa, política e, principalmente, militar e

religiosa.

6 A presença de corais nos quase 25 Km de litoral dificultou a colonização: durante quase quatro séculos a cidade cresceu e se desenvolveu em função do rio e não do mar.

61

Do final do século XVI, com a fundação, até meados do século XIX, com o

primeiro relatório sobre a Corografia da Província da Parahyba do Norte7, verificou-

se um crescimento do núcleo urbano de João Pessoa, sem um traçado definido. A

superação dos limites naturais, fator de articulação do traçado linear e espontâneo

foi o promotor de um crescimento concentrado. Nas franjas desse núcleo urbano

existiam sítios, chácaras, vivendas e engenhos.

Do ponto de vista urbanístico, o Centro Histórico era composto por duas

formas de ocupação complementares que refletia a estrutura social. Na Cidade

Baixa, processavam-se as atividades comerciais dando origem ao primeiro bairro da

capital, o atual Varadouro. Na Cidade Alta, localizavam-se as principais edificações:

administrativas, residenciais – das classes mais abastardas e religiosas – conventos

franciscanos, carmelitas, beneditinos e jesuíta.

O traçado irregular e concentrador foram mantidos até as primeiras décadas

do século XX, quando transformações viriam alterar significativamente sua estrutura

urbana, baseada no princípio social higienizador de Haussmann8, buscava-se uma

nova imagem de cidade moderna, através das grandes reformas urbanas.

A primeira experiência de reforma urbana em João Pessoa ocorreu entre os anos de 1910 e 1924 quando a cidade sofreu intervenções pontuais. Introduziram-se medidas de controle sanitário através do sistema de abastecimento com a captação de água em poços na Mata do Buraquinho e da construção de um reservatório na área central que distribuía o precioso líquido para toda a cidade (RODRIGUEZ, 1994, p. 122).

7 Por volta de 1855 com a cidade já denominada de Parahyba do Norte, foi produzida a primeira planta oficial da cidade por ordem do governador provincial o Tenente-Coronel Henrique B. Rohan. Foi um relatório minucioso sobre toda a província, nele foi revelada a sua topografia, tratava-se de um território planáltico cortado por vales de pequenos rios, a exemplo do Jaguaribe. 8 Movimento higienista, iniciado em fins do século XVIII, argumentava que os males nas cidades advinham da estagnação do trinômio – água, lixo e homens, daí a necessidade de sanear, circular e embelezar. Propondo, através do saneamento, promover a circulação desses três elementos dentro do espaço urbano. Entretanto, o higienismo utilizava o discurso do ideal estético apenas como pano de fundo para a estrutura física da cidade, ocultava a intenção de deslocar a população de miseráveis da cidade e eliminar o risco de epidemias.

62

A segunda experiência de reforma urbana da capital ocorreu na década de

1920 dando seqüência às políticas sanitaristas, destacando-se a urbanização da

Lagoa dos Irerês, atual Parque Sólon de Lucena. Outras intervenções merecem

destaque como a criação do Parque Arruda Câmera, da Praça Vidal de Negreiros e

da Praça da Independência, que passou a ser, ao lado da Cruz do Peixe, um elo de

ligação entre a cidade e a orla marítima com a construção da Avenida Epitácio

Pessoa.

A urbanização da “Lagoa” impulsionou uma tímida expansão dos espaços

adjacentes e periféricos (ver foto 01), com a ocupação e ampliação da Cidade Alta e

do núcleo histórico central. Entre as décadas de 1910 e 1920 já existiam os bairros

de Cruz das Armas, Jaguaribe e Torre. Porém, mesmo tendo a Lagoa como limite,

dois vetores de expansão se confirmavam: um para leste, pela estrada da Imbiribeira

(atual Ruy Carneiro); outro, para o sudeste, pelas estradas dos Macacos e do

Jaguaribe (hoje, Pedro II e Almeida Barreto, respectivamente), em direção à Mata do

Buraquinho (W.RODRIGUEZ, 1994).

Foto 01: Lagoa depois da urbanização, em 1928, antiga lagoa dos Irerês Fonte: Acervo Stuckert Filho.

63

O transporte público, através dos bondes elétricos (ver foto 02), foi um

elemento impulsionador do crescimento urbano, especialmente voltado para o litoral.

A ligação entre o centro da cidade e o Distrito de Tambaú se deu com o

prolongamento da linha férrea que chegava até o Sítio da Cruz do Peixe, próximo ao

atual Hospital Santa Isabel, e passou a ter como destino final o Sítio da Imbiribeira,

próximo do atual Grupamento de Engenharia (RODRIGUEZ, 1994).

Foto 02: Os bondes de tração animal e partir do sítio da Cruz do Peixe em 1910. Fonte: Acervo Stuckert Filho.

A cidade da Parahyba entra na década de 1930 com um novo nome, passa a

ser oficialmente João Pessoa, em homenagem ao Presidente do Estado, um dos

personagens importantes na política do Estado e da Revolução de 1930. A

concepção arquitetônica urbanística colonial começa a ser modificada com a

reforma de residências e a abertura de vias de circulação mais amplas, a exemplo

das avenidas, João Machado, Epitácio Pessoa e a Maximiliano de Figueiredo.

64

Expande-se não mais apresentando traçados irregulares, com ruas estreitas e

sem pavimentação nem infra-estruturas, sobrepondo-se a estas, surgem ruas

planejadas, retilíneas, pavimentadas e largas para receber e controlar o tráfego de

bondes, automóveis e pedestres, consolidando a malha urbana já existente. Com

isso institui-se o disciplinamento das ruas e dos homens pobres.

Com o Estado Novo implantado no Brasil na década de 1930 surge a

proposta de uma política urbana modernista para todas as capitais federais, com

base na Carta de Atenas9. Além da capital federal, o Rio de Janeiro, muitas capitais

e cidades experimentaram projetos urbanísticos de zoneamento a exemplo de Porto

Alegre, Salvador, Recife, Niterói e Goiânia, uma cidade planejada sob a influência do

modelo defendido por Le Corbusier.

À forma urbana da cidade de João Pessoa foi imposta funções independentes

das sociais. A rua deixou de ser o local de encontro e vivência para dar passagem

gradativamente às mercadorias. Pequenos estabelecimentos foram substituídos por

médios e grandes empreendimentos, ruas e avenidas foram abertas em vários

pontos da cidade, as que já existiam foram ampliadas e alargadas.

Nesse contexto, um plano urbanístico para João Pessoa foi elaborado em

1932 pelo arquiteto carioca Nestor Figueiredo que apresentou um estudo sobre a

capital com base em observações feitas num sobrevôo de avião. Entretanto, o plano

não foi implantado com sucesso, porém algumas realizações merecendo destaque

na forma urbana da cidade algumas realizações como: a preservação da mata do

buraquinho, a urbanização do bairro da Torre contribuindo para a abertura das

avenidas Epitácio Pessoa e a conseqüente expansão para o litoral e da Getulio

Vargas, com calçadas largas, duas pistas, estacionamentos e canteiros arborizados. 9 A Carta de Atenas de 1931 foi um paradigma mundial da arquitetura moderna, elaborada para dar respostas aos problemas causados pelo rápido crescimento das cidades, impulsionados pela mecanização na produção e as mudanças no transporte.

65

Ao lado do enraizamento da visão político-social de mundo moderno, o

espaço urbano da cidade de João Pessoa foi deixando de ser colonial e ganhando

novos contornos Nas edificações, passou a predominar elementos estilísticos do

ecletismo, art nouveau, neocolonial e posteriormente do art déco. Com José Américo

de Almeida e seu grupo no bojo da Revolução de 30, a modernização paraibana

atrelou-se à visão de um Estado forte e centralizador. Por isso, as primeiras e

principais mudanças na Paraíba ocorreram sob a égide do Estado.

Durante a década de 1940 ocorreram várias intervenções que justificam a

expansão urbana da cidade para o litoral como a ampliação da Avenida Epitácio

Pessoa até Tambaú incorporando, além das primeiras edificações do bairro da Torre

e depois do Bairro dos Estados, os atuais bairros do Cabo Branco, Tambaú, Manaíra

e Bessa.

Na mesma década, ainda existiam alguns currais de pescarias convivendo

com algumas casas de veraneio. Entretanto, medidas intervencionistas a exemplo

da chegada do bonde elétrico e das primeiras linhas das “sopas” – pequenos ônibus

que faziam o percurso até à Praia de Tambaú (ver foto 03), o desvio do rio Jaguaribe

para dentro do rio Mandacaru, além da drenagem dos pântanos existentes entre

Tambaú e Bessa, destacaram-se como fatores responsáveis pela transformação

gradativa das moradias de veraneio para permanentes.

66

Foto 03: As linhas de sopas que conduziam os veranistas até a praia de Tambaú. Fonte: Acervo Stuckert Filho.

O espaço urbano de João Pessoa encontrava algumas dificuldades no seu

processo de expansão como a conturbação com Bayeux e Santa Rita, a

preservação da Mata do Buraquinho e os vales dos rios Jaguaribe, Sanhauá e

Paraíba. Ainda nesse período, as avenidas Epitácio Pessoa e Cruz das Armas já

constituíam os dois principais vetores de uma tímida expansão da cidade para leste

e sul:

(1) a Avenida Epitácio Pessoa, que condicionou a ligação com a orla marítima, atraindo à infra-estrutura, a formação de bairros de classe alta (Bairro dos Estados, Expedicionários, Tambauzinho), a expansão das atividades comerciais e de serviços em direção à orla marítima e a consolidação do uso residencial dos bairros de Tambaú e Cabo Branco (também de classe alta) que antes eram utilizados como bairros de veraneio; e a (2) Avenida Cruz das Armas que permitiu, como já citado, a ligação da área sul da cidade com a BR-101, firmando-se como importante corredor viário de apoio rodoviário, polarizando-se ao longo de seu percurso a formação de comércios e serviços, bem como permitindo a criação do bairro de mesmo nome com o prolongamento, ao longo de seu trajeto, de nucleares residenciais da classe de renda baixa. (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.40).

67

Entre os anos de 1950 e 1964 foram edificados alguns conjuntos

habitacionais nos bairros do Centro, Expedicionários, Jaguaribe, Torre e Tambiá.

Surgiram nessa época os conjuntos habitacionais financiados pelos Institutos de

Previdência ou pela Fundação Casa Popular. Esses organismos trabalhavam com

pequenos núcleos habitacionais localizados na periferia da cidade. Como se tratava

de poucas unidades habitacionais, não apresentavam “grande expressividade em

relação à totalidade dos domicílios de uso residencial existentes” (LAVIERI e

LAVIERI, 1992, p. 08).

No início da década de 1960 as classes sociais de menor rendimentos

ocupavam áreas desvalorizadas, deterioradas e abandonadas do centro e dos

bairros localizados no seu entorno. Entretanto essa ocupação no interior da cidade

era qualificada por construções residenciais com um mínimo de habitabilidade,

sendo na sua maioria, de barro e taipa e com quintais (SILVA, 1995, p. 61).

68

Figura 02: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade concêntrica - 1963 Fonte: Lavieri e Lavieri, 1999, Adaptação Paulo Rener de Freitas Sousa.

Observa-se no mapa acima que a cidade ainda mantinha um padrão

concentrador no início da década de 1960, pela presença de ocupações próximas da

Lagoa que também era o centro de confluência das vias de acesso.

69

O Centro tinha uma centralidade única, o Ponto de Cem Réis, que atraía tudo:

espaço de uso, de encontro, de festas, de informação pela ordem e pela desordem

(ver foto 04). Com o prolongamento da Avenida Dom Pedro II e a abertura da

Avenida Cruz das Armas possibilitou o desenvolvimento da cidade na direção sul e

sudeste. Já o calçamento das Avenidas Epitácio Pessoa em 1954 e Beira Mar, em

1956, facilitou a locomoção da população para a orla marítima. E a cidade começa a

se espraiar através do processo de periferização.

Foto 04: O Ponto de Cem Réis (1963) lugar de encontros, reuniões, confirmando um padrão de crescimento urbano concentrador em transição para o periférico, acelerado a partir de 1964. Fonte: Acervo Stuckert Filho.

De maneira geral afirma-se que o processo histórico da expansão urbana de

João Pessoa pode ser seqüenciado em dois momentos: até a década de 1960, com

a incorporação lenta dos espaços rurais e, a partir de 1970, em um ritmo mais

acelerado, com o processo de urbanização forjado por intervenções planejadas

70

originando um padrão periférico de crescimento da cidade que se esgarça para além

Jaguaribe, segundo o modelo de segregação centro-periferia.

No Brasil, o período compreendido pelo Estado Militar (1964 e 1985) se

caracterizou por uma ocupação do solo com base na intervenção estatal, dentro de

um macroprojeto desenvolvimentista, através de políticas nacionais de habitação

pelo BNH – Banco Nacional de Habitação - e políticas de integração nacional, pelo

ministério dos transportes.

No nível espacial, o conceito-chave do projeto desenvolvimentista foi o da

integração nacional: na ocupação dos vazios demográficos, nos investimentos em

grandes projetos de infra-estrutura e na interligação entre todas as regiões do país,

através de rodovias federais. No nível do discurso, a política urbana passava pela

retórica do planejamento urbano, que seria capaz de levar a cabo o projeto de

integração modernizadora, dando conta de enfrentar a contradição representada

pela ilegalidade que esta produzia (MARICATO, 2000).

Esse período foi marcado pela consolidação do padrão de segregação centro-

periferia, com as classes sociais distantes uma das outras, e um modelo de Estado

que era imposto por uma racionalidade técnica presente também na eficácia do

planejamento. Nas cidades de porte médio como João Pessoa esse crescimento

periférico se estruturou através do Programa de Capitais e Cidades de Porte Médio

e do Projeto CURA - Comunidade Urbana para Renovação Acelerada.10

A cidade de João Pessoa passa a ter uma rápida expansão impulsionada

pelas grandes intervenções estatais desde o início do período militar com a

implantação do Distrito Industrial incentivado pela SUDENE, do Campus da

10 O Projeto CURA foi criado pelo Conselho de Administração do Banco Nacional de Habitação (CABNH) em 30 de março de 1973 com o objetivo de preencher os vazios deixados no espaço urbano, bem como dotar este espaço de infra-estruturas, no tocante a equipamentos sociais urbanos.

71

Universidade Federal da Paraíba, com o apoio do MEC e do Anel Rodoviário – com

a ligação entre a BR-101 e a BR- 230, onde localiza-se o viaduto de Oitizeiro11.

A política nacional de transportes visava uma integração nacional, sendo

responsável pela estruturação-desestruturação do espaço urbano de João Pessoa.

A BR-230 ilustra bem essa política: na medida em que a cidade foi crescendo,

trechos dessa rodovia foram sendo incorporados ao tecido urbano mudando a sua

função12 para uma via urbana de fato. Formas ilegais de ocupação se

desenvolveram nas margens dessa via como: habitações autoconstruídas,

empreendimentos comerciais e serviços especializados.

A política habitacional ganhou novos contornos na cidade com a implantação

de conjuntos pelo governo federal através do sistema financeiro de habitação,

dispondo de verbas do FGTS. Cinco conjuntos foram construídos: três ficaram

próximos à Avenida Epitácio Pessoa, conjunto Boa Vista, atual bairro dos Ipês e 13

de Maio e Pedro Gondim criados para abrigar funcionários públicos federais e

estaduais e de classe média. Os demais, ocuparam lugares diversos no desenho

urbanístico da cidade.

O conjunto Redenção se localizou na região entre a Br-230 e a Avenida Rui

Carneiro. Embora formado por apenas 70 unidades, esse conjunto “foi o embrião do

fenômeno posterior de expansão da cidade em direção a Cabedelo e da própria

ocupação da Avenida Rui Carneiro em direção à praia“ (LAVIERI e LAVIERI, 1992,

p. 15). O conjunto dos Funcionários, constituído por 381 unidades, por sua vez, teve

11 O Viaduto de Oitizeiro, na BR-230, em João Pessoa/PB passa a denominar-se “Governador Ivan Bichara" quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.089/2004 que entrou em vigor a partir da data de sua publicação no Diário Oficial da União em 05 de Janeiro de 2004. 12 Teve o papel de imprimir maior fluidez ao tráfego que vinha se tornando cada vez mais intensa nas ligações com o interior do estado e com as demais capitais da região, além de possibilitar uma alternativa rodoviária ao escoamento de mercadorias do Porto de Cabedelo, que até então se dava apenas pela via ferroviária (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.10).

72

objetivo semelhante. Localizado no extremo sul do bairro de Cruz das Armas serviu

para o adensamento populacional da região.

Entre as décadas de 1960 e 1990 verificou-se na cidade de João Pessoa um

verdadeiro boom na construção dos conjuntos habitacionais, uma das prioridades

das políticas públicas urbanas do governo federal. Foram construídos cerca de 10

conjuntos habitacionais. Momento definido por Lavieri e Lavieri (1992) de cidade dos

conjuntos habitacionais, referindo-se a porção da cidade que abriga um grande

número de habitações que seguiam essa tendência.

A primeira etapa do conjunto Castelo Branco, foi construída em 1969, a

segunda em 1970 e a terceira em 1974, sendo o primeiro empreendimento

habitacional a ultrapassar o anel rodoviário e o vale do Jaguaribe, situando-se nas

imediações do Campus Universitário (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 43). Em seguida,

foram construídos os conjuntos Costa e Silva (1971), Ernani Sátyro (1977), José

Américo (1978), Ernesto Geisel (1978), Mangabeira (1979), Bairro das Indústrias

(1983). Bancários (1980), Cristo Redentor (1981) e Valentina de Figueiredo, (1985).

O mais destacado Projeto Habitacional foi o de Mangabeira, construído pela

CEHAP-PB sob a orientação do programa habitacional do Estado da Paraíba, entre

os anos de 1979 e 1993. A meta era implantar cinco etapas localizadas fora da

malha urbana da cidade, no sentido norte-sul. Pela sua grandiosidade e localização

fez-se necessário à elaboração de um programa de complementação à habitação

através de equipamentos e serviços que iriam atender a população e, mais tarde,

defini-la como um sub-centro.

Em João Pessoa esse modelo particular e estratégico de política habitacional,

principal setor da política estatal, implicou na criação de vários bairros destinados á

população de baixa renda direcionando a expansão da cidade para sul e sudeste.

73

Na direção norte e noroeste, a expansão ocorreu pela implantação de loteamentos e

construções de edifícios para atender a demanda das classes de maior poder

aquisitivo, mudando o perfil da cidade.

Entre os anos de 1975 e 1979, período marcado pela administração Hermano

Almeida, foi feito uma ampla urbanização da orla marítima com a criação de

loteamentos e infra-estruturas nas áreas mais valorizadas, a exemplo dos bairros de

Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa, em detrimento da infra-estrutura básica,

equipamentos, serviços e moradias nas áreas carentes da cidade. Em

“conseqüência, a população de maior poder econômico da cidade começou a migrar

em direção a orla marítima, e as casas luxuosas ao longo da Epitácio

transformaram-se, aos poucos, em estabelecimentos comerciais” (SILVA, 1995, p.

181).

Tais medidas elevaram ainda mais o valor do solo urbano na região litorânea

da cidade, sendo mais tarde alvo de recolhimento de impostos por parte da

prefeitura. A origem dos bairros ditos nobres resultou do programa de urbanização

no qual:

O funcionamento do programa exige uma ação integrada no município, além de estimular a aplicação de uma Lei Municipal que regulamenta o aumento progressivo dos impostos fundiários. Daí se explica a razão pela qual a Prefeitura de João Pessoa deu prioridade à orla marítima que em si não constitui a área mais carente da cidade, mais é justamente aquela, cuja população pode melhor responder ao aumento gradativo dos impostos (RODRIGUEZ, 1981, p.35).

Os bairros apresentavam uma configuração urbana horizontal e eram

destinados a população de renda mais elevada, porém vislumbrava-se uma forte

74

tendência à vertcalização13. Em Manaíra, por exemplo, um bairro situado no entorno

da área de estudo, “têm surgido construções residenciais predominando a

verticalização. Com isso denota-se uma diversidade e intensidade da reprodução

espacial urbana nesse setor litorâneo de João Pessoa” (VASCONCELOS FILHO,

2003, p.69).

No litoral norte, outro bairro que se destaca pela sua ocupação recente e

rápida expansão é o Bessa14. Até a década de 1970 predominava naquela área de

restinga uma vegetação composta de cajueiros nativos e coqueirais. Entretanto, já

apresentava sinais de urbanização devido à abertura da Avenida Argemiro de

Figueiredo (1970), dos loteamentos e construções residenciais, inicialmente

horizontais e depois verticalizadas e da avenida litorânea para interligar o litoral

norte e o sul da cidade de João Pessoa.

As ações conjuntas entre o governo federal os agentes imobiliários, em João

Pessoa, foram responsáveis pela valorização e expansão especulativa do solo e

expulsão das populações excluídas dessas intervenções, lhes restando recorrer à

autoconstrução, dando origem ao processo de favelização na cidade.

Até o momento destacou-se o processo de expansão da cidade de João

Pessoa efetuada de maneira legal na sua forma e não no seu conteúdo, de acordo

com as regras do mercado fundiário-imobiliário e pelas ações do Estado.

Concomitante ao processo de expansão da cidade formal ocorreu à proliferação de

favelas, loteamentos irregulares e ocupações informais, eufemismo para designar à

margem da lei.

13 Era uma tendência porque, no início da década de 1970 a inauguração do Hotel Tambaú exerceu forte influência no governo estadual o qual criou a primeira ação institucional no sentido de preservar a paisagem da orla e impedir a construção de espigões, segundo Honorato (2003). 14 Neste caso segue-se o senso comum, ou seja, denomina-se de Bessa toda área que envolve também, os bairros: Jardim Oceania e Aeroclube.

75

O êxodo rural, o desemprego e o fluxo interno das camadas menos favorecidas na malha urbana de João Pessoa, que somados e relacionados, constituíram um inexorável vetor de pressão no processo de favelização de João Pessoa. O uso do solo tornou-se mais estratificado e as novas ocupações que foram se formando na cidade já surgiram bem mais marcadas pelo nível de renda de seus ocupantes (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 48).

A população de baixa renda, excluída do direito a moradia, ao trabalho e ao

transporte, passou a ocupar as áreas do centro e da cidade baixa, entre o Varadouro

e o Roger, além das já tradicionais de Cordão Encarnado e Torre deterioradas e de

baixa valorização imobiliária, estendendo-se por Cruz das Armas e Mandacaru

(LAVIERI e LAVIERI, 1992). Assim como os vales e encostas dos rios,

principalmente do Jaguaribe.

No vale do Jaguaribe, as ocupações passaram a ocorrer a partir da década

de 1970 em áreas consideras de restrições físicas, por leis15 e de conflitos com os

proprietários lindeiros. Entretanto, estes proprietários insatisfeitos com as leis de

restrição passaram a promover uma ocupação ilegal ou oficiosa, com objetivos

econômicos, a exemplo da construção do Shopping Center Manaíra e mais

recentemente da expansão do seu estacionamento sobre o leito do rio, criando

muros e aterrando parte do mangue.

A cidade ilegal, desde a sua formação, vem mantendo uma relação

conflituosa e contraditória com a cidade legal. O Estado encara essas formas de

assentamentos como aglomerados invasores e ocupações irregulares. Entretanto,

essas comunidades informais sempre estiveram disponíveis para atender às

necessidades da sociedade formal, numa prática de inclusão perversa, Seabra

(2004) ou exclusão-inclusão (MARTINS, 1997).

15 O vale tem sua ocupação restringida pelas Constituição Estadual (1988) e pelo Plano Diretor de João Pessoa (1993) que o incluiu nas Zonas Especiais de Preservação.

76

Além disso, o Estado mantém uma relação conflitante e contraditória com as

comunidades que se apropriaram do vale ao impor normas de controle e repressão.

O discurso do Estado é divulgado pela mídia contribuindo para acentuar o estigma

desses espaços como territórios ou redutos da violência, de criminalidade e tráfico

de drogas. Outra forma de dominação e controle das comunidades pelo Estado se

verifica nas estratégias intervencionistas dos projetos de reurbanização, com

políticas de remoção de favelas, nos discursos de área de risco ou de projetos de

integrar a favela ao bairro.

Diante da expansão urbana desordenada de João Pessoa, surge a

necessidade da criação do Código de Urbanismo (1976) com o objetivo de contribuir

para a gestão urbana da cidade. Outro instrumento urbanístico como o Plano Diretor

constitui uma ferramenta básica para o planejamento urbano com previsões de

longo prazo.

O padrão periférico de crescimento existiu até o final dos anos 1970. A partir

de então com o esgotamento do "milagre brasileiro" entra em crise o modelo de

Estado centralizador e do padrão de segregação centro-periferia. O projeto do

governo militar começa a ser questionado e tem início a transição democrática.

A década de 1980 foi marcada pela crise fiscal16 que levou ao

enfraquecimento das políticas intervencionistas no espaço urbano implementadas

pela Política Nacional de Habitação associada ao Plano Nacional de Saneamento.

Em conseqüência do impacto e da magnitude dessas políticas, tem-se a crise do

SFH – Sistema Financeiro de Habitação e do modelo centro – periferia.

16 A crise fiscal do Estado também pode ser identificada em todo o processo histórico das últimas décadas de formação do capitalismo no Brasil, porém, nos anos de 1950 ela foi subjugada pelo otimismo do crescimento “de cinqüenta anos em cinco”, o mesmo ocorrendo com os anos do “milagre econômico” na década de 1960, momento da crise institucional gerada pelos problemas de crescimento, inflação e déficit nas balanças de pagamentos.

77

Na década de 1980, o espaço urbano de João Pessoa crescia sem um

planejamento urbano adequado. Uma nova concentração econômica se reproduzia

na direção nordeste-sudeste, localizada no entorno da BR-230, desde seu início, em

Cabedelo até o sul da cidade de João Pessoa, passando pela bifurcação com a BR-

101 contribuindo para o processo de reestruturação urbana atual da cidade, pois,

Essa concentração econômica faz parte de um processo mais amplo de redefinição da ocupação do solo urbano ligado ao crescimento da população que gera mudanças significativas na forma espacial, quando as atividades estão se concentrando em determinadas áreas e os bairros se reorganizando (RODRIGUEZ; DROULERS, 1981, p.61).

Para atender ao padrão de segregação centro-periferia na cidade de João

Pessoa, os governos, federal e estadual17, criaram uma malha viária cruzando a

cidade e interligando os bairros, o que possibilitou a apropriação de áreas distantes

do centro, com os trabalhadores se deslocando por meio de ônibus quase sempre,

precários, onerosos e demorados e a classe média que se desloca em carros

particulares, contradizendo os discursos oficiais18.

No início dos anos de 1980, o sistema viário da cidade possuía uma estrutura

radial concêntrica à área central, com vias que se tornaram grandes corredores,

caracterizadas pela presença de comércio varejista, atacadista e demais atividades

terciárias, reafirmando o padrão de crescimento periférico imposto pelo Estado

17 Em 1985 técnicos da GEIPOT, da PMJP e do governo estadual realizaram uma pesquisa na grande João Pessoa resultando na elaboração do Plano Diretor de Transportes Urbanos com o objetivo de unificar os diversos tipos de transportes urbanos, criando uma rede de transportes radiais – tendo o Centro como destino comum. A hierarquização das vias com a criação de corredores de transporte e de suas vias auxiliares levou à ampliação da infra-estrutura viária e dinamizou o fluxo de veículos, pessoas e mercadorias. 18 Exemplo dessa contradição foi em 1985 quando o governo municipal, através do Programa AGLURB-PB, realizou intervenções sobre a malha viária utilizada pelos transportes coletivos com o discurso de “dotá-las de condições que permitissem maior fluidez do tráfego, segurança, conforto e acessibilidade”.

78

provedor com desenvolvimento de políticas urbanas contraditórias através das

relações de homogenização-fragmentação e acessibilidade-segregação.

O espaço urbano de João Pessoa teve o crescimento acelerado pelo modelo

de gestão baseado no trinômio: loteamento, casa própria, autoconstrução,

agravando o processo de fragmentação territorial e segregação das classes sociais

pela distância. Consolidando-se o modelo de crescimento periférico como mostra a

(figura 03). No início da década de 1990 tem-se início um novo de padrão de

crescimento, o fortalecimento dos enclaves, transformando-se em uma cidade poli

(multi) cêntrica.

79

Figura 03: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade periférica - 1993 Fonte: Lavieri e Lavieri, 1999, Adaptação Paulo Rener de Freitas Sousa.

A cidade se esgarça, crescendo num ritmo mais acelerado para atender a

diferentes lógicas que cruzam seu território. São interesses de classes sociais, que

de acordo com os níveis de rendimentos expressam no espaço urbano novas

praticas sócio-espaciais anunciando o rompimento da relação centro-periferia, a

80

crise da cidade, a intensificação da fragmentação, da favelização e o padrão de poli

(multi) centralidade.

Com a crise fiscal do Estado nacional brasileiro, associada ao esvaziamento

da política federal de desenvolvimento regional coordenada pela Superintendência

de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, a desordem e a crise fiscal-financeira

de estados federados, a economia paraibana se comportou como um dos últimos

estados da federação em crescimento sócio-econômico19.

A crise fiscal-financeira do Estado é o ponto de partida das reflexões sobre as

transformações urbanas em curso na cidade de João Pessoa com implicações nas

diferentes formas de uso e ocupação do solo urbano, configuradas por intensa

fragmentação do território e pelos processos subjacentes da reestruturação:

centralização-descentralização. Ao mesmo tempo em que, no centro há uma

recentralização ou renovação urbana, Gottdiener (1997) – as periferias se

multiplicam, surgem novas centralidades20, conceitos discutidos no primeiro capítulo

desta dissertação.

Das novas centralidades que surgem no espaço urbano de João Pessoa

destacam-se, os bairros de Manaíra e Cruz das Armas, do conjunto habitacional

Mangabeira, como sub-centros comerciais. A Avenida Epitácio Pessoa como centro

especializado e o Centro Histórico, recentralizando-se com base no discurso de

revitalização21. Neste capitulo focaliza-se a centralidade do bairro de Manaíra, a

19 Segundo dados da SUDENE de 1990 para a década de 1980: a taxa média de crescimento da Paraíba foi de 4.8% que, juntamente com Pernambuco com 4.2% registraram as menores taxas. Na evolução do BIP per capta a Paraíba registrou 3.2% e Pernambuco 2.4%, os dois estados responsáveis pelos números mais reduzidos. 20 As novas centralidades que se formam podem se constituir em sub-centros, que seriam áreas distantes do Centro Principal. Áreas de expansão do Centro Principal da cidade, sendo geralmente, especializadas em determinadas funções, e outras consideradas como de desdobramentos do Centro Principal e ainda os shoppings centers, que algumas vezes atendem a uma escala urbana e regional.

81

mais valorizada para o consumo, por localizar-se no entorno imediato do objeto de

estudo, as comunidades São José – Chatuba.

Como conseqüências dos avanços nos meios de comunicação e transporte - mais rápidos e fluídos - as cidades hoje são lócus de dispersões sobre extensões de território cada vez maiores e a periferia, antes reservada apenas para as camadas sociais mais populares, passa a se configurar como refúgio das classes mais favorecidas. O status deixou de ser uma condição geográfica para ser uma condição estrutural da forma de habitação e o modo de vida que ela inspira. (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 48).

As tendências do processo de reestruturação urbana em curso na cidade de

João Pessoa podem ser identificadas empiricamente através dos diferentes espaços

que estão sendo racionalmente requalificados, com a superposição de um novo

padrão de segregação espacial e desigualdade social através dos enclaves

fortificados22 (CALDEIRA, 2003) convertendo-se em símbolos da transformação

emergente e do desenvolvimento do espaço urbano para o consumo.

O centro da cidade tinha função mista, residencial e comercial, até a década

de 1960, passando a concentrar o grande comércio formal, o comércio popular, o

poder público e os serviços em geral da cidade. Entretanto nas décadas seguintes,

muitas empresas comerciais, de serviços e órgão da administração pública, a

exemplo do Centro Administrativo Municipal, foram se dispersando para as

periferias, juntos a BR-230, num processo de descentralização.

21 O discurso de revitalização dos centros históricos e a instauração de pontos turísticos não se restringem a João Pessoa, sendo comum a cidades brasileiras marcadas por processos acelerados de mudança. No Nordeste é exemplar os casos de Salvador; Fortaleza, Recife e São Luís. 22 Segundo Caldeira (2000), o surgimento de condomínios e loteamentos faz parte de um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade, substituindo aos poucos o padrão dicotômico centro-periferia (rico-pobre) pelo modelo inspirado nos new towns e edge cities norte-americanos onde as camadas de alta e média renda buscam refúgio.

82

Nos últimos anos o Centro Histórico expandido de João Pessoa23 passa por

uma recentralização. O marco desse processo foi à reurbanização da Lagoa, atual

cartão postal da cidade, no início da década de 1990, com a padronização das

barracas, dos estacionamentos e cercamento de canteiros, configurando-se até

hoje. Porém, a expressão maior da requalificação do centro foi à implantação em

2002 do Shopping Center Tambiá atraindo novos empreendimentos e reestruturando

os acessos para o centro.

São também considerados elementos constituintes dessa nova

recentralização do centro expandido de João Pessoa a implantação de novos

empreendimentos comerciais, a exemplo do Shopping Cidade, de grandes redes de

supermercados e lojas de departamentos, pelo comercio varejista popular. Serviços

especializados, como telefonia móvel e fixa, bancos e de serviços públicos nas três

esferas administrativas do poder.

Outra centralidade, a Avenida Epitácio Pessoa vem, desde o final da década

de 1970, mudando de função. Primeiro ela foi ocupada pelas residências das elites

que iam deixando o centro à medida que este ia se expandindo para o comércio e

administração pública. De 1980 até os dias de hoje a Epitácio Pessoa vem sendo

refuncionalizada, transformando-se numa “Avenida Shopping” com comércio e

serviços especializados 24 horas, destinada ao público de maior poder aquisitivo.

De maneira geral, as mudanças em curso vêm sendo impulsionas pela

valorização-especulação fundiário-imobiliária, a exemplo dos dois vetores de

expansão da cidade de João Pessoa: ao sul, com a proliferação de loteamentos e

23 O Plano Diretor de João Pessoa de 1976, estabeleceu no seu Artigo 39 as Zonas Especiais de Preservação tanto para as áreas de reservas naturais como para o Centro Histórico. O Parque Sólon de Lucena (Lagoa) e outras ruas do centro passaram a integrar o Centro Histórico expandido de João Pessoa.

83

condomínios fechados24 é um processo que se reproduz nas grandes e médias

cidades sempre nas marginais de avenidas de transito rápido.

Em João Pessoa, os condomínios fechados se localizam próximo a novas

avenidas de trânsito rápido como a João Crisóstenes Ribeiro e Desembargador

Hilton Souto Maior que se interligam com a PB-008, esta seguindo em direção ao

litoral sul do Estado. Destaca-se também a implantação de uma infra-estrutura para

a construção de um mega-projeto, o Pólo turístico25 confirmando uma urbanização

turística no espaço urbano da cidade26.

No litoral norte, com o adensamento vertical e privatizado, através de

condomínios residenciais de alto padrão, multiplicação de empreendimentos

comerciais varejistas, como os Shoppings Centers, Centros Empresariais,

hipermercados e serviços como hotéis, pousadas, restaurantes, boates, bancos,

flats, redes fest foods, casas de shows, escolas particulares, centros de estética,

consultórios médico-odontológicos, clínicas médicas, concessionárias, qualificando-

os como bairros nobres.

Para garantir a reprodução do capital verifica-se uma reestruturação nos

acessos sob o discurso oficial de dar maior fluidez aos usuários de carros

particulares e deslocamentos de trabalhadores nos transportes coletivos. Porém,

evidencia-se uma maior fluidez para dar passagem às mercadorias, aos serviços, à

24 Em João Pessoa, sobretudo, a partir da década de 90, ganha força os condomínios e loteamentos fechados horizontais, tendência de um novo estilo de habitar no espaço urbano da cidade. Nos bairros do litoral sul como Altiplano Cabo Branco e Portal do Sol, estão localizados, respectivamente, o Residencial Alphavillage, construído em 1998 e o Cabo Branco Residence Prive, em 2001. Atualmente estão em fase de construção mais dois condomínios nas proximidades, o Bougainville residence Prive e o Portal do Sol Residence, direcionados para as classes de média e alta renda. 25 O Pólo Turístico Cabo Branco surgiu em 1988, com o nome de Complexo Turístico Costa do Sol. O seu plano de urbanização prevê a instalação da infra-estrutura hoteleira e residencial. No Pólo Turístico, destaca-se uma malha viária com quase cem por cento concluídas a partir da inauguração da perimretral leste-oeste ou Avenida Desembargador Hilton Souto Maior que faz a interligação com a Rodovia Ministro Abelardo Jurema ou PB 008, com a Avenida litorânea e com a BR-230, ligando não só o litoral sul ao norte da cidade, como outros estados e cidades do interior. 26 A urbanização turística reestruturadora do espaço urbano de João Pessoa é defendida nos trabalhos científicos de Leandro (2004) e Silva (2004).

84

reafirmação da ditadura do consumo. Nesse sentido faz-se a reestruturação dos

corredores viários da cidade de João Pessoa conectando-os com os principais

acessos de entrada e saída da RMJP que também se reestruturam.

Os acessos de entrada de saída da Capital passam por mudanças nas

ultimas décadas. É visível a maquiagem feita sobre o anel viário na entrada de

oitizeiro que interliga o acesso oeste, formado pela ligação da BR 230 com a BR

101, ao corredor de Cruz das Armas com a construção de um viaduto sobre as três

lagoas de oitizeiro e o aterramento de parte dessas lagoas e da expulsão de antigos

moradores que ali sobreviviam em favelas (ver foto 05).

Foto 05:- Vista parcial da entrada de Oitizeiro e do viaduto Governador Ivan Bichara, em 2006. Fonte: acervo de Aldo Gomes.

A construção do viaduto Governador Ivan Bichara teve como discurso oficial o

disciplinamento do tráfego de veículos no local, que indica simbolicamente o início

85

da área urbana de João Pessoa, o seu “cartão de visitas”. O lugar que fora

programado para trânsito rápido e denso entra em contradição com o de trânsito

lento: visualiza-se a circulação de pedestres que moram nas proximidades e

trabalham nas fábricas de Distrito Industrial e na feira de Oitizeiro, revelando a

ausência de políticas urbanas com a construção de passarelas e de iluminação

pública e reafirmando o privilégio da mercadoria em detrimento do direito a cidade.

Nesse sentido são desenvolvidas as gestões públicas locais através de

planejamentos pontuais e normalizadores que criam o mito da “cidade ideal”

negando a “cidade real”. Não só pontos privilegiados do espaço da cidade, como

também setores estratégicos, são preferencialmente transformados para dar

passagem ao capital. João Pessoa nos últimos anos é um exemplo claro dessa

ideologia: as áreas mais valorizadas da cidade como na centralidade mais dinâmica,

a do bairro de Manaíra, e o setor de transportes urbanos vêm sendo seletivamente

preparados para atender ao fundamentalismo do consumo.

Os principais corredores viários de João Pessoa27 (ver figura 04) estão

passando por mudanças nas suas capacidades de tráfego, através da ampliação e

alargamento de suas pistas, de iluminação, como no corredor Pedro II, ou da criação

de alças de ligação entre essas vias e a BR 230, no caso do corredor da Beira Rio.

De acordo com o discurso oficial:

O projeto para a construção das alças de interligação da BR-230 com a Avenida Ministro José Américo de Almeida (Beira Rio). Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) com recursos do Município e do Ministério dos Transportes pretende eliminar pontos de congestionamentos em corredores da cidade, como a Pedro II e Epitácio Pessoa. Além disso, vai trazer reflexos positivos no trânsito dos bairros Jardim Luna, Pedro Gondim e Castelo Branco. O resultado será um tráfego de maior fluidez e menos engarrafamentos. A interligação da Beira Rio com a BR-230 vai facilitar o acesso dos usuários provenientes da zona sul, com

27 Os seis principais corredores viários segundo a STTRANS – Superintendência de Transportes de João Pessoa são: Avenida Cruz das Armas, Avenida Epitácio Pessoa, Avenida Pedro II, Avenida 2 de Fevereiro, Avenida José Américo de Almeida e a Avenida Tancredo Neves.

86

destino às praias. Hoje, esse percurso é realizado por vias dos bairros Jardim Luna e Castelo Branco, gerando congestionamentos nessas áreas. O acesso à rodovia BR-230 pela Avenida Beira Rio vai resolver esse problema (Assessoria de Imprensa da Prefeitura/JP, 04/06/2006).

Figura 04: Mapa dos principais eixos viários da cidade poli (multi) cêntrica – 2005 Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa, Secretaria de Planejamento, 2005. Adaptação Alzeni G. da Silva e Arinaldo Inácio das Neves.

87

Outra importante intervenção do poder público local diz respeito às mudanças

no Transporte coletivo da capital com a inauguração em abril de 2005 do terminal de

integração do Varadouro: com aproximadamente 4,5 mil metros quadrados,

composto por três baias, onde o usuário espera o seu ônibus28. A entrada do

Terminal, que fica na rua Padre Azevedo, é composta por seis cabines com oito

catracas, enquanto que a saída conta quatro catracas. Ao todo, 60 linhas radiais

passam pelo local (ver foto 06).

Foto 06: Vista parcial do terminal de integração de ônibus urbanos de João Pessoa, em 2006. Fonte: acervo de Aldo Gomes.

Entre os anos de 1987 e 2001 as políticas de habitação da Prefeitura

Municipal de João Pessoa tiveram seus recursos reduzidos (ver tabela), ao mesmo

28 Dados da PMJP - STTrans, em 2006 a frota de ônibus cadastrada em João Pessoa é de 486 veículos, sendo que 407 estão em operação nas 81 linhas que circulam pelos diversos bairros. Aproximadamente 8 milhões de pessoas utilizam, mensalmente, os transportes coletivos. Diariamente esse número chega a 300 mil.

88

tempo em que a gestão municipal29 era denunciada pela FEURB – PB (Federação

dos Movimentos Urbanos na Paraíba) ao Ministério Público Federal em decorrência

da violação do Direito à moradia pela PMJP e SETRAPS, através do Programa É

Pra Morar.

ANO Recursos em (%)

1997 3.57

1998 3.20

1999 1.98

2000 1.66

2001 2.11

2002 1.18

Tabela 01: Recursos aplicados no programa é pra morar da PMJP Fonte: FEURB-PB, 2005.

Em 2000, a cidade de João Pessoa era a penúltima capital do Nordeste em

déficit30 habitacional segundo a Fundação João Pinheiro, ostentando uma das

realidades mais duras com relação às condições de vida da população de baixa

renda, especialmente sob o aspecto do acesso à moradia com infra-estrutura e

serviços básicos dando origem às denúncias sobre o programa habitacional da

prefeitura local e sua validade.

Sobre a denúncia de violação do direito à moradia com recursos públicos do

programa É Pra Morar pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, por exemplo, a

Relatoria Nacional contatou a existência de políticas de regularização fundiária no

município e a omissão da prefeitura municipal diante da grande demanda de

comunidades situadas em áreas urbanas que lutam pela legalidade fundiária e 29 Período representado pelas duas administrações do prefeito Cícero Lucena. 30 Segundo a Fundação João Pinheiro o déficit habitacional de João Pessoa em 2000 era de 104.851 mil domicílios urbanos

89

urbanização das áreas ocupadas. Nesse sentido, concluiu a Relatoria (2004, p.35)

que “não há esforço para integrar a população de baixa renda à cidade de João

Pessoa”.

Depois de quatro anos de manobras políticas feitas pelo prefeito como forma

de dificultar a apuração das denúncias e da omissão do Ministério Público Estadual,

em 05 de março de 2005, o Chefe da Controladoria-Geral da União no Estado da

Paraíba concluiu o relatório sobre as ações da Prefeitura Municipal de João Pessoa

entre os anos de 1991 e 2001, destacando, entre outras ocorrências, graves

irregularidades na aplicação dos recursos públicos federais, ficando assim

demonstrado a prática de procedimentos ilegais e irregulares e indícios de recursos

públicos da administração municipal.

Desde as ultimas décadas do século XX até os dias de hoje, João Pessoa

vem apresentando significativo crescimento através da ocupação de certo número

de vazios especulativos. Efetuadas de modo legal ou clandestina, de acordo com os

interesses dos promotores imobiliários e pelas ações do Estado e das resistências

das comunidades de baixa renda. Nesse sentido é exemplar o choque de

territorialidade existente entre as comunidades estudadas: São José – Chatuba e o

seu entorno, o da centralidade do bairro de Manaíra.

2.2 O Shopping Center Manaíra e a difusão do consumo

O litoral norte de João Pessoa, até a primeira metade do século XX era

ocupado por pescadores que viviam da pesca artesanal e da agricultura de

subsistência e de alguns veranistas que se deslocavam de bondes até a praia para

veranear. Com o calçamento da Avenida Epitácio Pessoa e a chegada do ônibus, o

90

distrito de Tambaú31 passou a receber um fluxo ocupação mais intensa de

veranistas. A partir da década de 1970, intensifica-se a urbanização de Tambaú, sua

ocupação passou a ser definitiva, porém o domínio dos espaços públicos se tornou

estratégico, para o Estado e o capital.

Na década de 1980, bairros do litoral norte de João Pessoa como Cabo

Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa passam a ser áreas de concentração de

investimentos, públicos e privados, com a implantação de infra-estruturas, serviços e

equipamentos comerciais, favorecidos pelos corredores viários, a exemplo das

avenidas Epitácio Pessoa (1950), Ruy Carneiro (1950), José Américo de Almeida ou

Beira Rio (1970), Argemiro de Figueiredo (1970), Tancredo Neves (1980), Flávio

Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra (1980), quase todos esses eixos ligam-se

com a BR-23032.

A concentração de investimentos nos bairros da orla marítima de João

Pessoa implicou em mudanças no uso e no valor de uso do solo urbano, numa visão

lefebvriana ocorreu à vitória do valor de troca sobre o valor de uso: o que antes era

espaço de apropriação se transformou em espaço da mercadoria, da valorização-

especulação imobiliária, uma arena da reprodução da mais-valia e dos conflitos

sociais.

O bairro de Manaíra, por exemplo, 17se destaca por ser um bairro de classe

média e um moderno sub-centro comercial varejista composto por um grande

número de pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços. Entretanto com a

implantação de Shoppings Centers e Centros Empresariais, o bairro vem se

transformando. Desde as últimas décadas do século XX, o poder público municipal

31 O distrito de Tambaú era formado pelos atuais bairros de Cabo Branco, Manaíra e Tambaú. 32 Dos seis principais corredores de transportes existentes em João Pessoa, apenas a Avenida Beira Rio não possui ligação com a BR-230. Isso faz com que este corredor seja pouco utilizado, considerando a sua capacidade para atender os deslocamentos da população.

91

em parceria com a iniciativa privada vem investindo na reestruturação viária do

bairro para melhorar a fluidez do dos transportes públicos e, especialmente os

privados.

A valorização do bairro de Manaíra foi uma decorrência da concentração de

equipamentos urbanos, principalmente das atividades terciárias modernas

reforçadas pelas vias de circulação o que facilitou a acessibilidade para e no bairro.

Inicialmente, tinha uma função residencial que se expandia horizontalmente,

entretanto, de forma gradativa foi sendo ocupado pela população de maior poder

aquisitivo e atraindo um grande número de empreendimentos comerciais implicando

na sua refuncionalização, por que:

As atividades do setor terciário da economia têm-se expandido nos principais corredores viários de Manaíra - avenidas João Maurício, Edson Ramalho, Flávio Ribeiro Coutinho e Ruy Carneiro – [grifo nosso] e atendem principalmente uma camada da população elitizada, procedente não só do bairro, mas também de outras áreas da cidade. Também conforme dados do IPTU do município de João pessoa, é o bairro da zona leste (praia) que concentra o maior número de equipamentos comerciais e de prestação de serviços (SANTOS, 2002, p. 100).

No aspecto urbanístico, as mudanças no padrão de moradia podiam ser

observadas empiricamente desde os anos de 1980 e início de 1990, com o

predomínio de construções verticalizadas sendo impressas uma paisagem

arquitetônica moderna no bairro, a exemplo dos condomínios residenciais e

comerciais (ver foto 07) em forma de enclaves fortificados como anunciados por

(CALDEIRA, 2003).

92

Foto 07: Vista parcial do bairro de Manaíra destacando a verticalização Fonte: Paulo Rener, 2006.

Para Manaíra e demais bairros urbanos do litoral norte de João Pessoa são

forjadas estratégias de valorização que ainda hoje necessitam ser melhor

investigada. Trata-se de “leis” criadas pelos poderes hegemônicos – o Estado e os

empreendedores imobiliários, representados pelos deputados e vereadores –

presentes na Constituição Estadual33 e no Plano Diretor da cidade de João

Pessoa34, nas quais, vislumbram-se normas de disciplinamento: uma proposta

progressiva de verticalização que fixou a altura máxima das edificações a partir da

primeira quadra até 500 metros em direção ao continente.

Um outro elemento que destaca o bairro de Manaíra dos outros bairros da

cidade é a presença do Shopping Center, um empreendimento que se caracteriza

por ser a materialização do vazio existencial da individualidade consumista em uma

sociedade capitalista fragmentada. Um exemplo perfeito do ecletismo da sociedade

espetacularizada (SANTOS, 1993; LEFEVBRE 1991; HARVEY 1993;

BAUDRILLARD, 1991).

33 Na Constituição Estadual, Artigo 229. 34 No Plano Diretor da cidade de João Pessoa, Artigo 25.

93

Em 1989 surgiu em João Pessoa o primeiro shopping, o Manaíra Shopping

Center, localizado no bairro de Manaíra, na Avenida Flávio Ribeiro Coutinho35 e

próximo a BR-230. A Avenida Flavio Ribeiro Coutinho antes da chegada do

shopping era uma via de ligação entre os bairros do litoral norte e o centro da

cidade. Após a instalação do empreendimento transformou-se numa via de

circulação comercial e de serviços.

A implantação do Manaíra Shopping Center até hoje é alvo de discussões

judiciais pelo fato de ter sido edificado em uma área de restrições ambientais ferindo

as normas do Plano Diretor de João Pessoa, pois,

mesmo sendo o Manaíra Shopping um empreendimento da iniciativa privada, o empreendedor contou com o apoio do poder público, no sentido de facilitar a burocracia de licenciamento para a edificação do prédio, cujo estacionamento repousa sobre o leito do rio Jaguaribe. Trata-se de uma área de preservação ambiental, em que se infringiram s normas do Plano Diretor Municipal. Tal empreendimento também foi beneficiado com adequação das vias de circulação, com a construção de giradores, com a ampliação dos transportes públicos e com a criação de novas linhas que ligam o referido empreendimento aos bairros periféricos, dentre outros beneficiamentos (SANTOS, 2002, p. 67).

Hoje, considera-se o bairro de Manaíra uma centralidade emergente, com um

intenso dinamismo pela implantação do primeiro Shopping Center36 do Estado da

Paraíba, o Manaíra, comprovadamente uma expressão dessa centralidade,

reforçada pela presença dos vetores dessa expansão, os acessos mais rápidos que

ora se cruzam, ora se unificam e são constantemente reestruturados para dar maior

fluidez a ditadura do consumo.

35 A Avenida Flávio Ribeiro Coutinho também é conhecida popularmente por Retão de Manaíra

94

Segundo Santos (2002, p. 85):

Muitos lotes antes desocupados deram lugar a centros comerciais menores, novas linhas de transportes coletivos foram criadas para atender o fluxo de pessoas que passaram a freqüentar o bairro em busca de novidades para o consumo. Isso aumentou nele, o interesse comercial. Nos dias atuais, os corredores de transportes coletivos e particulares [grifo nosso] vão se transformando, aos poucos, em corredores comerciais com o surgimento de muitos empreendimentos.

O Shopping Center passou a ser uma importante expressão do processo de

reestruturação urbana da não só da cidade de João Pessoa como também da

RMJP. Destaca-se como elemento da centralidade do bairro de Manaíra, e vem

sendo o responsável pela reestruturação das vias de acesso em seu entorno,

interligando-se a toda cidade. É exemplar a modificação patrocinada tanto pelo

poder público municipal quanto pela iniciativa privada (capital do dono do shopping)

numa parceria público-privado para dar maior fluidez ao consumo, com mudanças

do tráfego nas suas imediações (ver foto 08).

Os principais vetores da centralidade de Manaíra, as vias de circulação a

exemplo das avenidas Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra, Edson

Ramalho e a BR -230 no trecho próximo ao Shopping Center Manaíra vêm

passando nos últimos anos por mudanças. Na Avenida Flávio Ribeiro Coutinho ou

Retão de Manaíra, de acordo com o Jornal Correio da Paraíba de 01 de julho de

2006, estão sendo realizadas obras de modificação do transito, com o alargamento

de suas pistas e a reurbanização das suas laterais.

De acordo com a Superintendência de Transportes e Trânsito (STTrans). As

obras de modificação do trânsito da Avenida Flávio Ribeiro Coutinho devem

melhorar em, pelo menos, 50% o tráfego no local No trecho entre a faixa de

pedestres localizada nas proximidades do Manaíra Shopping e o restaurante

95

Habbibs o Retão passará a ter três faixas, aumentando a capacidade do trânsito em

50%. As mudanças no Retão envolvem, ainda, um projeto de reurbanização na área.

Postes com lâmpadas especiais de vapor de sódio de 400 watts, além de calçadas

de porcelanato, ciclovias e palmeiras imperiais. É intenção de a Prefeitura construir,

também, duas praças com equipamentos de lazer para a população.

96

Foto 08: Obras de reestruturação do Retão de Manaíra, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de João Pessoa e o dono do Manaíra Shopping Center Fonte: Jornal da Paraíba, 2006.

Outra avenida que merece também atenção é a Edson Ramalho desde os

anos de 1990, vem se definindo como Avenida Shopping, atraindo um comércio

97

especializado em artigos de luxo. É uma via de acesso que a cada dia concentra

atividades comerciais. De acordo com uma reportagem do Jornal Correio da

Paraíba, de 09 de fevereiro de 2003, a instalação de estabelecimentos comerciais

valorizou o preço do solo urbano da avenida, fazendo o metro quadrado ficar mais

caro.

Em apenas cinco anos, o valor do metro quadrado de terreno na Avenida

Edson Ramalho, no bairro de Manaíra, valorizou mais de 30%. O dado é do CRECI

(Conselho Regional de Corretores de Imóveis). O motivo são as empresas e lojas

comerciais que “descobriram” a área e elegeram como nova “avenida shopping” da

cidade (ver foto 09). Desde confecções, passando por aluguéis de roupas,

imobiliárias, colégios, escolas de idiomas e restaurantes. É possível encontrar na

Edson Ramalho lojas cujos produtos sofisticados e caros que atendem a exigências

de consumidores de classe média e alta (VASCONCELOS FILHO, 2003).

Foto 09: Vista parcial da Av. Edson Ramalho em Manaíra em 2006 Fonte: Aldo Gomes, 2006.

98

A BR-230, inicialmente implantada pelo governo militar na década de 1960

teve o papel de imprimir maior fluidez ao tráfego que vinha se tornando cada vez

mais intenso nas ligações com o interior do estado e com as demais capitais da

região, além de possibilitar uma alternativa rodoviária ao escoamento de

mercadorias do Porto de Cabedelo, que até então se dava apenas pela via

ferroviária (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.10). Na mesma lógica, surgem grandes

empreendimentos comerciais e de serviços, Hospitais (ver foto 10), hipermercados

(ver foto 11), como lojas de conveniências, Concessionárias de automóveis,

Faculdades e Corpo de Bombeiro ao longo da de suas marginais.

Foto 10: Hospital de Trauma, exemplo de empreendimento

localizado na BR-230 Fonte: Paulo Rener, 2006.

99

Foto 11: Carrefour também na BR-230

Fonte: Aldo Gomes, 2006.

Hoje no bairro de Manaíra, pode-se afirmar que as avenidas Flávio Ribeiro

Coutinho, Senador Rui Carneiro, General Edson Ramalho e a João Maurício (a

primeira da orla) e João Câncio, vêm se destacando pela concentração de

equipamentos urbanos e pelo grande número de empresas, escritórios,

supermercados, bares, restaurantes, shoppings e outras atividades do setor

terciário.

A partir da leitura que se fez concomitante a investigações de campo do/no

bairro de Manaíra por Santos (2002) concluiu-se que, com uma maior valorização do

espaço, a tendência é fortalecimento da centralidade do bairro pela atração de

atividades terciárias modernas e moradia para uma população de altos extratos de

rendimento (SANTOS, 2002, p.117).

Todas essas mudanças implicam aumento da segregação espacial e a

intensificação da exclusão-inclusão social com visibilidade entre as diferentes formas

100

de fortalecimento dos enclaves. O aumento da segmentação social e da

fragmentação espacial passa a ser um novo desafio para as políticas urbanas, tanto

do ponto de vista do atendimento pelos serviços públicos (escolas, segurança,

transporte coletivo, etc.) como nos discursos sobre as ocupações de áreas

protegidas por leis a exemplo das encostas e dos vales de rios urbanos.

2.3 As comunidades São José – Chatuba e o vale do Jaguaribe

O rio Jaguaribe nasce no tabuleiro de uma pequena fonte localizada na antiga

Granja Sandy, na qual foi construído o conjunto Esplanada, no sul de João Pessoa.

O local da sua nascente hoje se encontra aterrada, o rio foi canalizado por cerca de

500 metros até a BR 230, daí ele prossegue no sentido sul-nordeste da cidade.

Predominantemente urbano, considerado o mais importante rio da cidade de

João Pessoa, o curso do Jaguaribe possui uma extensão de aproximadamente 21

Km, da nascente até a sua antiga desembocadura no oceano Atlântico, entre os

bairros do Bessa e Intermares. Na década de 1940, o seu leito foi desviado para

dentro do Mandacaru, um afluente do Sanhauá que faz parte do sistema estuarino

do Paraíba.

Até o inicio da década de 1970, o uso do solo no vale do Jaguaribe era

predominantemente rural. Em todo seu percurso se praticava agricultura, de

subsistência e comercial, pecuária leiteira, também surgindo no seu baixo curso

alguns loteamentos. Entretanto, “a principal atividade era a criação de gado leiteiro,

atestado pelo grande número de vacarias existentes e do qual, ainda hoje, restam

algumas espalhadas pela área” (MELO, 2001, p. 125).

101

Na década de 1960, com as políticas de habitação e de transportes do

governo federal, populações de baixa renda foram empurradas para dentro do seu

vale, se apropriando e se territorializando daquele espaço que ainda não tinha

importância para o Estado nem para o capital. Nesse sentido, o vale passou a ser

um depósito de mão de obra barata, um espaço da informalidade.

Hoje a ocupação do vale do Jaguaribe, retrata uma realidade contraditória:

vem se realizando de forma desordenada, pela presença-ausência do Estado.

Mesmo tendo a ocupação restringida pelas leis 2.101, de 31/12/1975 e, 2.699, de

07/11/1979, pela Constituição Estadual e pelos Planos Diretores da cidade de João

Pessoa de 1974 e 1994, com sua inclusão nas Zonas Especiais de Preservação,

são visíveis as diferentes formas de apropriação, dominação e usos do solo.

A dinâmica de ocupação no vale é considerada desordenada, ilegal e

informal, com predomínio de habitações auto-construídas ou favelas. Ao mesmo

tempo em que foram construídos conjuntos habitacionais, segundo a lógica do

mercado imobiliário e das ações ou ausência do Estado. Pode-se verificar também

uma ocupação segundo dois grupos sociais distintos: os proprietários ou

empreendedores comerciais e imobiliários e as populações pobres e excluídas (ver

foto 12).

102

Foto 12: Formas de ocupações diferentes, segundo os proprietários: a favela São José (em baixo) e o Manaíra Shopping Center (em cima) Fonte: Paulo Rener, 2006.

É nesse momento que se tem início o choque de territorialidades: de um lado,

a população resistente, chamados de invasores; do outro, os possíveis donos que

são também responsáveis por empreendimentos realizados de forma ilegal ou

oficiosa, como forma de viabilizar economicamente essas áreas, a exemplo de

Shopping Center Manaíra, de grandes Condomínios residenciais, supermercados e

postos de gasolina (MELO, 2001, p.26-27).

A população pobre que se apropriou do vale foi expulsa de áreas valorizadas

à medida que a especulação imobiliária e fundiária se fortalecia. As primeiras favelas

que surgiu no vale do Jaguaribe na década de 1970 foram Baleado, no alto curso e

São José, no médio curso. Na década de 1980, cresce o número de habitações

auto-construídas, destacando-se a favela da Chatuba, em Manaíra.

103

Com a expansão urbana da cidade, trabalhada pelos acessos e estes a ter

uma relação direta com o consumo, o vale foi se reorganizando, e também se

reestruturando. Às velhas formas do uso do solo no vale são sobrepostas novas

lógicas que se cruzam e redefinem seu espaço, intensificando a fragmentação e

conseqüente refuncionalização, dando maior visibilidade às novas práticas de

segregação sócio-espaciais.

O processo de valorização do vale se deu pelos investimentos públicos e

privados, selecionando espaços, com novas funções e novas especializações. O

que antes era um lugar de depósito, de mão-de-obra, de ocupações irregulares,

concentração de favelas, passou a ser objeto de desejo para atender a necessidade

da lógica do consumo.

O vale passou a ter uma importância para o espaço da cidade, a partir da

lógica dos fluxos, com os acessos favorecendo a expansão urbana, associada à

lógica da habitação, uma formação social, implicou numa valorização da área, e o

vale passou a ser estratégico e ter uma função de circulação no qual o capital

passou a disputar o seu território para o consumo.

Com o cruzamento das vias de circulação, a exemplo da BR-230 com as

avenidas Epitácio Pessoa, Rui Carneiro e Retão de Manaíra sobre o curso médio do

vale favoreceu o shopping Center Manaíra. As comunidades São José – Chatuba

por se localizar próximo ao shopping e a outros empreendimentos de luxo passou a

ser um espaço de valorização e a ter uma importância estratégica para o Estado e

outros agentes da classe capitalista, com isso as comunidades passaram a ser alvo

de diferentes estratégias de segregação, e a serem consideradas um espaço da

ilegalidade.

104

Favelas, shoppings e condomínios. Três exemplos de enclaves fortificados;

três entidades aparentemente autônomas que convivem lado a lado. Embora evitem,

ou seja, evitados pelo resto da cidade, traduzem a dinâmica cotidiana no espaço

urbano contemporâneo de metrópoles como João Pessoa. Dentre essas três formas

de ocupação do espaço, os condomínios mantêm uma relação de cumplicidade com

o shopping center através da acessibilidade-consumo. Com a favela, essa relação é

de exclusão-inclusão pelo uso da mão-de-obra ou choques de territorialidade.

Condomínios, shopping e favelas adotam posturas antagônicas com relação à

cidade: os dois primeiros se isolam, construindo muros, barreiras eletrificadas e

vigiadas, fugindo da violência urbana. As favelas também não perdem em

hermetismo para os condomínios e shoppings. Desprezadas ou isoladas, ora pela

presença de muros, ora pela falta de acessos, de infra-estrutura, pela ausência do

Estado, tornam-se alvos de discursos estigmatizadores como, guetos, submundos

do crime e redutos da violência.

Evidenciam-se também, características comuns e diferentes entre

condomínios e favelas. Ambas são práticas de segregação sócio-espaciais. Porém,

o condomínio surge como uma forma urbanística de auto-segregação, ou

segregação do tipo voluntária, enquanto as favelas têm sua formação e apropriação

repousada na segregação do tipo compulsória, ou seja, aquela que independe da

vontade do indivíduo.

No novo padrão de segregação sócio-espacial são notórias as proximidades

espaciais entre condomínios, shoppings e favelas. Em alguns casos, são favelados

os detentores das maiores e melhores áreas para especulação urbana nas cidades.

Na zona sul do Rio, a favela da Rocinha se debruça sobre os prédios de São

Conrado. Na orla do Recife, a favela Brasília Teimosa é uma restinga próxima à

105

praia da Boa Viagem. Em Belo Horizonte, entre os bairros Sion e Santa Lúcia, um

morro com vistas privilegiadas da cidade aglomera a favela do Papagaio. Em João

Pessoa, o objeto de nossa pesquisa, as favelas da Chatuba e o bairro São José, que

ainda mantém aspectos de favela, se localizam próximo ao mar e ao bairro litorâneo

de Manaíra, uma centralidade que se destaca pela presença de condomínios

verticalizados e o principal Shopping Center da cidade.

CAPÍTULO III

AS COMUNIDADES SÃO JOSÉ-CHATUBA, SEGREGAÇÃO

E RESISTÊNCIA

Neste capítulo se discute as estratégias de segregação impostas pelo poder

público municipal combinado com os empreendedores imobiliários e em pelo

proprietário do Shopping Center, às comunidades São José – Chatuba localizadas

no vale médio do rio Jaguaribe, na cidade de João Pessoa. Destacam-se também as

diferentes estratégias de resistências das comunidades como manifestação de

descontentamento diante da injustiça social.

3. 1 Estratégias e contradições do Estado em relação às comunidades São

José – Chatuba e seu entorno

Para analisar as diferentes estratégias e contradições do Estado em relação

às comunidades São José – Chatuba e seu entorno, é necessário tecer algumas

considerações sobre a definição de comunidade. Em primeiro lugar, considera-se a

comunidade e seu cotidiano. Assim como da formação e transformações com base

no diferentes usos do solo.

Comunidade constitui um grupo social identificável pelo local de moradia

comum entre seus membros, por um “sentimento de comunidade”, ou seja, um

“entendimento compartilhado por todos os membros. Não um consenso” (BAUMAN,

2003, p. 15).

Este “sentimento de comunidade” decorre de uma prática social na qual o

relacionamento entre as pessoas tem inicio na convicção de que a proximidade é

107

fundamental para a vida em grupo porque os moradores se corporificam em práticas

sociais que privilegiam a interação afetiva. Em outros termos, vigora na no bairro

São José e na favela da Chatuba “relações de vizinhança, as conversas nas

esquinas, nas portas das casas, a confiança mútua nos transeuntes, como uma

comunidade” (SANTOS, 2003, p. 22).

Com o avanço dos meios de transportes e comunicação surgiu uma dificuldade de relacionamento entre as pessoas das comunidades e o seu entorno, é quando o equilíbrio entre a comunicação “de dentro” e “de fora”, antes inclinado para o interior, começa a mudar, embaçando a distinção entre “nós” e “eles” (BAUMAN, 2003, p. 18).

Dentro desta perspectiva, quando a comunidade passa a ter troca de

informações com o mundo exterior, as fronteiras são quebradas e esta passa a ser

uma sociedade como a que conhecemos atualmente. No entanto, antigas tradições

nem sempre desaparecem com o surgimento de outras, mas elas podem se juntar

criando espaços híbridos.

Notadamente, não se tem a pretensão de descrever o processo de

desagregação ou hibridez das comunidades em estudo como implicação de uma

expansão urbana. Nem tampouco a luta pela reconstrução de uma comunidade

mítica ideal, mas a identificação, com base no seu cotidiano, das estratégias de

resistências pelo direito ao entorno.

Percebe-se, também que a escolha por uma definição específica de

comunidade não dará conta de abarcar as categorias sociais com interesses

heterogêneos que deram origem as duas formas de assentamentos espontâneos, a

do São José, no final dos anos de 1960, e a da Chatuba, na década de 1980, as

quais se autodenominam comunidades.

108

O entendimento das suas territorialidades passa, necessariamente, pela

compreensão de suas histórias e de suas inserções no conjunto da cidade. Nesse

sentido, busca-se fazer uma síntese da inserção das comunidades São José –

Chatuba na história da cidade de João Pessoa, sobretudo no contexto da ocupação

e uso do solo no vale do rio Jaguaribe que teve origem na década de 1970.

Com o avanço da urbanização do litoral norte de João Pessoa e da

verticalização e maior valorização do bairro de Manaíra na década de 1990, pela a

implantação do Manaíra Shopping Center, as comunidades São José – Chatuba

passaram a ter uma maior visibilidade no espaço urbano da cidade, assumindo

novas funções e novas formas. A área onde estão localizadas as duas comunidades

passou a ser mais valorizada em relação às outras áreas do vale e até mesmo, da

cidade, implicando em uma refuncionalização pelo avanço do capital imobiliário

A proximidade das comunidades São José - Chatuba com o Shopping Center

Manaíra, destaca o padrão de segregação sócio-espacial que se sobrepõe no

espaço urbano de João Pessoa. As favelas, condomínios residenciais e shopping

Centers são exemplos de enclaves fortificados, que coexistem espacialmente no

território das cidades contemporâneas fragmentadas. Neste caso temos exemplos

de espaços de consumo (o Shopping Center), de precariedade (as favelas) e de

espaços vigiados (os condomínios residenciais) que se caracterizam pelos

movimentos de proximidade-separação espacial e exclusão-inclusão social.

Até o final da década de 1960, no litoral norte da cidade de João Pessoa, a

ocupação era caracterizada pelo predomínio de habitações pobres e de veraneio.

Com a expansão urbana e a implantação de uma infra-estrutura, os bairros da orla

marítima passaram a ser ocupados pelas classes média e alta e, como

conseqüência, tem-se uma valorização-especulação fundiária e imobiliária. Muitas

109

famílias pobres que habitavam estes bairros, advindas do campo de outros

municípios do Estado, foram novamente forçadas a migrar para as áreas menos

valorizadas da cidade, dentre elas o vale do rio Jaguaribe.

Os bairros litorâneos, de maior renda, foram se especializando e mantendo o

“conservadorismo no processo da modernização”, acentuando-se o enobrecimento

destes bairros de classe de população com renda alta implicando no processo de

expansão da população mais pobre em núcleos de habitações autoconstruídas na

periferia da cidade, em áreas de risco e áreas de preservação, tais como, encostas,

vales, aterro de mangues (MADRUGA, 1992).

No ano de 1968 ocorreu a primeira forma de apropriação do médio vale por

famílias oriundas dos bairros que ficam no seu entorno a exemplo de Manaíra e

Tambaú, expulsas das antigas vilas de pescadores ou de residências humildes. Na

sua maioria, sobreviviam de atividades de subsistência como pesca, agricultura e

criação de animais em pequenos lotes que logo “foram engolidos pela urbanização e

transferidos para as margens do rio Jaguaribe” (MADRUGA, 1992, p.70).

A origem de uma das primeiras favelas37 no vale, a Beira-Rio, foi

condicionada pela proximidade do mercado de trabalho, já que os bairros de

Manaíra, Tambaú e o conjunto João Agripino vislumbravam oportunidades de

empregos de baixa qualificação. Outro fator de destaque foi “a passagem da rede

elétrica de alta tensão, que implicou no desmatamento de parte da vegetação

favorecendo o acesso à parte do terreno para as construções dos primeiros

casebres” (LIMA, 2004, p.108).

37 As duas primeiras favelas que surgiram no vale do Jaguaribe foram: Baleado, no alto curso e Beira-Rio, atual bairro de São José, no curso médio do vale (MELO, 2001, p.125).

110

Segundo dados oficiais38, entre os anos de 1968 e 1971, um total de apenas

24 famílias se apropriou da localidade. Esse número aumentou para 216 famílias

entre os anos de 1972 e 1975. Esta intensificação no processo de ocupação deve-se

tanto a grande disponibilidade de terreno, antes ocupados por poucas famílias, o

que possibilitou uma localização esparsa da casas e a possibilidade de uma ampla

escolha do local de moradia. Como pela possibilidade de práticas rurais e pela

atração que o ambiente fluvial lhes propiciavam, porque:

Aliás, o rio Jaguaribe foi outro condicionante natural que atraiu os moradores, ocasionado tanto pela facilidade da terra fértil para plantação das culturas e da pesca, quanto pela água cristalina e pura do rio que brindavam os moradores em banhos matinais e brincadeiras das crianças às suas margens (LIMA, 2004, p.108).

No final da década de 1970 a favela Beira-Rio já contava com 605 famílias

instaladas na localidade. Tal fato resultou no primeiro conflito pela posse das terras

entre a comunidade e os proprietários lindeiros. Estes tentam a desapropriação

através da derrubada de algumas casas originando a primeira manifestação de

resistência da comunidade ao induzir um sentimento de luta solidária entre os

moradores (LIMA, 2004 p. 108).

O poder público municipal, até então ausente, resolve agir sob a égide do

aparelho repressor da época militar, em defesa da lei e da ordem, fazer valer o

direito à propriedade privada. Nesse sentido, o prefeito Hermano Almeida

determinou mediante de ações violentas e repressivas, a derrubada de algumas

casas com máquinas e apoio dos agentes de segurança.

38 Segundo dados formulados pela Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP) e pela Secretaria de Planejamento do Estado da Paraíba (SEPLAN).

111

O conflito entre a comunidade Beira-Rio e os proprietários aliados com o

Estado deram origem ao movimento de luta pelo direito a moradia e ao entorno. A

estratégia de resistência faz-se através da união e da conscientização de toda a

comunidade. Fato ocorrido quando:

Os moradores organizam um movimento coletivo e estando acuados diante da situação, leva o fato à imprensa, o que causa grande repercussão na cidade como um todo. Jornais, Rádios, Noticiários locais, divulgavam o sofrimento dos moradores, revelando a angústia das famílias que viam suas casas derrubadas e os poucos objetos que tinham sendo jogados no rio. Foi a partir daí, que as famílias residentes no local não são expulsas (LIMA, 2004, p. 109).

Com a ausência-presença do Estado surge um outro problema no processo

de apropriação da favela Beira-Rio, a mercantilização ilegal dos lotes nas áreas não

adensáveis ou espaços vazios que ainda existiam. Os terrenos foram cercados e

limpados por antigos moradores e vendidos a famílias que buscavam apropriar-se

do local, constituindo-se numa prática especulativa de acesso ao solo. Mesmo

assim, o número de ocupações se intensifica e a média por ano também aumenta.

Em 1983 a população residente na área era de 6000 habitantes, confirmando-se

uma elevada densidade demográfica na favela.

Diante da problemática crescente, como aumento das densidades, da

precariedade dos equipamentos e da ausência e má fé do Estado39 os moradores

decidiram formalizar suas resistências criando em 15 de novembro de 1980 a

Associação dos Moradores União Beira-Rio. Esta tinha a finalidade de adquirir e

lutar por melhorias dos equipamentos necessários e outras carências das

comunidades, quando:

39 Depois da falsa promessa do poder público em construir um conjunto habitacional através do Projeto CURA (1978) os moradores da favela Beira-Rio (1978 – 1983) decidiram se organizar, criando a Associação dos Moradores da União Beira-Rio (FERNANDES, 2004).

112

As primeiras mobilizações tinham como interesse principal solucionar os problemas relacionados com a infra-estrutura básica, como água e energia elétrica. Depois de várias reuniões entre moradores e representantes das concessionárias da CAGEPA e da SAELPA, a Comunidade é contemplada com estes serviços básicos. Estava traçado o papel da Associação: o de representar legitimamente os interesses coletivos da Comunidade, levando as suas reivindicações aos órgãos Municipais e Estatais (LIMA, 2004 p. 110).

A ocupação do vale médio do rio Jaguaribe pelas comunidades São José –

Chatuba se deu de forma gradativa e desordenada. A primeira a se apropriar no vale

foi à favela São José, em 1968. A partir de década de 1980 surgiu a favela da

Chatuba no bairro de Manaíra, na margem direita do Jaguaribe, fragmentada em

Chatuba I, II e III, verifica-se também, nesse período, um aumento vertiginoso de

ocupações no bairro São José, transformando-o na comunidade mais populosa de

João Pessoa segundo dados do IBGE (2000), com cerca de 7.923 habitantes, porém

contestada pela Associação dos Moradores ao afirmar que são 13 mil habitantes

residindo nas moradias auto-construídas.

O uso do solo nas duas comunidades é predominantemente residencial.

Entretanto as casas que se localizam na principal da comunidade São José e da

Chatuba, vem dividindo espaços com pequenos comércios e serviços. Outros usos

complementam o padrão de ocupação do bairro São José segundo Lima (2004).

São as igrejas católica e evangélica, o posto médico, a creche, a escola BETEL, o

cartório e o desativado posto policial. No início dos anos 80 foi construída uma

lavanderia pública no mesmo terreno onde se encontrava o posto policial, mas esta

sequer foi inaugurada e logo após, foi demolida. Na comunidade da Chatuba, tem a

Associação de Moradores, uma creche desativada e um centro social.

Os padrões construtivos das casas bem como o tamanho dos lotes podem ser

definidos em períodos distintos. Na década de 1970 a comunidade São José ocupou

113

a parte norte e sul do curso médio do rio mantendo certa distância do seu leito por

meio de lotes considerados grandes para o tipo de assentamento precário. Entre os

dois extremos ocupados se praticava atividades rurais de subsistência que logo mais

tarde foi ocupada por residências onde as casas eram na sua maioria de taipa-de-

pilão, com algumas exceções, onde as casas eram em alvenaria sem reboco (LIMA,

2004).

Em seguida, surgem as ocupações margeando o leito do rio, uma na parte

norte, próximo da BR-230, e a outra, na parte sul, próximo da Avenida Rui Carneiro.

Os poucos espaços livres, notadamente na beira do rio Jaguaribe, foram ocupados

no período entre 1980 e 2005 (ver figura 05).

Nesta fase, intensificam-se as ocupações ribeirinhas e as poucas áreas "disponíveis" são preenchidas. Os barracos às margens do rio são de materiais alternativos precários como madeiras, telhas de fibro-cimento, chapas de aço colhidas em ferro velho, etc. As demais residências são em alvenaria, e já se verifica a presença de algumas casas rebocadas (LIMA, 2004 p. 110).

114

Figura 05: Mapa de ocupação das comunidades São José – Chatuba Fonte: LIMA, Marco Antonio Suassuna. Morfologia Urbana, qualidade de vida e ambiental em assentamentos espontâneos: o caso do bairro São José, João Pessoa – PB. PRODEMA-UFPB, 2004. Adaptação: Arinaldo Inácio das Neves.

115

O Governo do Estado da Paraíba, através da FUNSAT (Fundação Social do

Trabalho), utilizando-se do discurso de área de risco, criou o Projeto João de Barro,

destinando recursos para recuperação das áreas afetadas pelos acidentes. Essa

política de recuperação serviu para reurbanizar a favela e transformá-la em bairro.

Entretanto, o fator mais importante para as essas transformações foram os

atos públicos em prol da melhoria das condições de vida e de permanência das

comunidades no local por elas apropriado, culminando com o poder público, através

da FUNSAT, dar início ao projeto de urbanização da favela. “A escritura entra em

vigor, legalizando juridicamente os lotes adquiridos pela comunidade em janeiro de

1983” (FERNANDES, 2004, p. 66).

Com a extinção da favela Beira-Rio e a oficialização do bairro São José

muitas famílias foram residir no Conjunto Renascer, em Cabedelo, resultado de

Programas financiados pelo Governo do Estado/BNH/BNDES e FINSOCIAL. Outras

se agregaram aos moradores de outras localidades da cidade e do interior,

ocupando a margem direita do rio e dando origem a favela da Chatuba, no bairro de

Manaíra, às margens direita do Jaguaribe, também condicionadas pelo fator

proximidade do trabalho. Atualmente a favela está dividida em três partes. As três

comunidades possuem, respectivamente, populações de 700, 250 e 600 habitantes.

Chatuba I possui cerca de 140 domicílios; Chatuba II, 150 residências e Chatuba III,

cerca de 120 habitações.

116

Foto 13: Vista aérea das comunidades São José – Chatuba e do bairro de Manaíra em 2004 Fonte: Eduardo Viana.

As comunidades em estudo apresentam as seguintes características sócio-

econômicas:

Quadro 01: Comunidades São José e Chatuba: infra-estrutura urbana e formas de ocupação

Comunidades

Pop.

Área (ha)

Hab/ha

Infra-estrutura

Formas de ocupação e localização

São José

7. 923 20 419

Abastecimento d’água parcial,

energia elétrica total, rede de esgotos

parcial e pavimentação

inexistente

Área: uma parte cedida e

outra invadida/ encosta e

área inundável

Chatuba

1.465 1.2 1.221

Abastecimento d’água parcial, energia elétrica

parcial, rede de esgotos

inexistente e pavimentação

inexistente

Área:

invadida, propriedade da marinha,

área inundável

Fonte: IBGE/FAC, 2000.

117

Os dados populacionais oficiais fornecidos pela FAC (2002) e pelo IBGE

(2000) divergem e são questionados pelos moradores, pela associação e pelo PSF

local. Para a FAC, o total de domicílios no bairro de São José é de 1.545 unidades.

Considerando-se uma média de cinco moradores por domicílio, a população seria de

7.725 habitantes. “A pesquisa realizada por Cortez (1999) afirma que a população

da área em estudo é de 1.900 famílias residentes, o que resulta em 9500 pessoas.

Os dados do IBGE acenam para um total de 7.923 habitantes” (LIMA, 2004, p.116).

Os dados obtidos40 pelas amostras aplicadas em 251 domicílios nas

comunidades São José – Chatuba, em 1999, confirmado nesta pesquisa em 2005 e

com o relatório da FAC (2002):

Ø A composição da renda familiar concentra-se no chefe de família e os

proventos destes na sua maioria situam-se entre ½ e 2 salários

mínimos.

Ø Quanto a procedência do chefe de família, é predominantemente

urbana, ou seja, dos 116 chefes de família , 81 são oriundos da capital.

Ø Quanto ao tempo de moradia, os moradores entrevistados residem ha

mais de cinco anos nas respectivas comunidades.

Ø O número de pessoas sem instrução nas duas comunidades se

aproxima de 30% segundo relatório da FAC (2002). É grande o número

de pessoas que não consegue terminar o ensino fundamental.

40 Os dados obtidos foi uma realização do Projeto de Pesquisa – Vale do Jaguaribe realizado pela equipe de pesquisadores do UNIPÊ, nas comunidades São José – Chatuba para obter uma caracterização sócia econômica, em 1999.

118

Com base nas características sócio-econômicas das comunidades São José

– Chatuba e sua relação com o entorno mais valorizado, representado pelo bairro de

Manaíra41, desvenda-se a máscara do poder público municipal e o seu novo papel,

uma vez que se configura um quadro de exclusão ou inclusão/inclusão das

comunidades e o distanciamento do perfil do consumidor inserido no contexto da

sociedade de consumo.

Não é propósito de esta pesquisa discutir a questão habitacional da área em

estudo. Entretanto é preciso destacar as diferenças do habitar entre as comunidades

São José – Chatuba. São comunidades em áreas opacas coexistindo

conflituosamente com as áreas luminosas, espaços da racionalidade com vias de

trânsito rápido, os edifícios, os condomínios, os shoppings, os hipermercados, vários

tipos de serviços e comércios, evidenciando o contraste que é imanente às cidades

brasileiras de grande e médio porte, como João Pessoa.

A crise fiscal do Estado brasileiro nos anos de 1980 agravou as

desigualdades sociais e aprofundou a pobreza nas cidades. É com base nessa

problemática urbana que se discute o paradigma da reestruturação contemporânea:

no processo de mudanças do papel do Estado, progressivamente, conferem-se

novos usos políticos ao território, o qual vai adquirindo, parcial e progressivamente,

novas formas e sentidos.

Com relação aos equipamentos comunitários e serviços de infra-estrutura

vale destacar que, mesmo precários, resultou da ação solidária dos próprios

moradores do bairro que além de construírem suas próprias casas também foram

41 Segundo o Censo Demográfico de 2000, o bairro de Manaíra tem a terceira maior renda média do chefe da família com renda de 2.770,02, perdendo apenas para os respectivos bairros de Cabo Branco, com 3.127,27 e Tambaú com 2.961,43. No outro extremo está o bairro São José com a menor renda IBGE (2000).

119

responsáveis pela implantação dos primeiros equipamentos comunitários na favela

porque:

Nesta mesma maneira solidária de produção autoconstruídas e de mutirão é que serão também construídos os primeiros equipamentos comunitários do bairro, como o Posto médico, A Associação dos Moradores, Igreja Católica e uma Creche. Entretanto, à medida que a população do bairro foi crescendo e as necessidades e demandas sócio-espaciais se tornando cada vez maiores, os poucos serviços, equipamentos e a própria infra-estrutura, se tornaram ineficientes e precárias (LIMA, 2004 p.112).

Durante as décadas de 1980 e 1990 as associações42 se fortalecem pela sua

importância em prol das lutas pela melhoria de infra-estruturas básica e pelas

reações às tentativas de remoção feitas pelo governo municipal que se omite em

relação às políticas públicas. “O fato é que o bairro cristaliza-se, incluindo uma linha

de ônibus “ (FERNANDES, 2004. p.66)

Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local e a

iniciativa privada vêm adotando diferentes estratégias de segregação, ora limitando

o acesso das comunidades São José Chatuba ao entorno mais valorizado, pela

negligência à acessibilidade destas pelas pontes e escadarias, ora dificultando a

visibilidade das habitações autoconstruídas, pela edificação de muros,

empreendimentos, entre outras, ora através dos discursos do Estado, guetificando-

as, estigmatizando-as, portanto nos planos da materialidade e das representações.

O discurso do Estado presente na legislação e no Plano Diretor é contraditório

porque utiliza estratégias pautadas no nexo assesibilidade-consumo-segregação,

42 Segundo Lima (2004) Logo após a criação da AMUBR surge uma outra associação, denominada Associação Comunitária do Bairro São José, pois a favela recebe oficialmente o nome de Bairro São José. No início do ano de 2000, as duas associações se unificam formando a Associação Unificada dos Moradores do Bairro São José.

120

favorecendo a lógica do consumo em detrimento das comunidades São José –

Chatuba que tentam sobreviver no médio vale do rio Jaguaribe na cidade de João

Pessoa, Paraíba.

Ao investigar as políticas de habitação e transportes, no período entre 1990 e

2004, a influência da acessibilidade no processo de valorização do vale para o

consumo, como a implantação de vias de trânsito rápido, a exemplo da BR-230 e

outras vias que cortam ou margeiam o vale, verificou-se uma concentração de

investimentos privados, comerciais e de serviços, o buscou-se identificar a relação

da política de transportes com as estratégias de segregação impostas ás

comunidades em estudo pelo poder público.

No Plano Diretor, o Capítulo V refere-se à Circulação e Transportes na cidade

de João Pessoa. O artigo 41 fala da Política Municipal de transportes com destaque

para as seguintes diretrizes:

I. O ajuste da oferta e demanda de transporte, de forma a utilizar seus

efeitos indutores e a compatibilizar a acessibilidade local as propostas de

parcelamento, uso e ocupação do solo;

II. A adequação da rede viária principal a melhoria do desempenho da rede

de transporte coletivo, em termos de rapidez, conforto, segurança e

custos operacionais;

III. O Art. 42. Diz que o sistema de circulação e transporte do Município de

João Pessoa compreende o transporte publico e a rede viária principal

constante do mapa no anexo.

Entende-se que o Art. 41, nas suas diretrizes I e V, revela-se contraditório e

segregacionista à medida que se propõe compatibilizar a acessibilidade ao

121

parcelamento, uso e ocupação do solo. Nas comunidades São José – Chatuba o

uso do solo é predominantemente residencial com elevadas densidades, entretanto

até os hoje não houve nenhum ajuste da oferta e demanda de transporte coletivo.

Quanto ao desempenho destes em termos de rapidez, conforto, segurança e custos

operacionais, para um olhar mais atento, observam-se uma prioridade muito mais

direcionada para se ter acesso ao Shopping Center em detrimento das comunidades

que dispõem apenas de pontes e escadarias.

No Plano Diretor estão incluídas propostas de novas vias de circulação para o

bairro de Manaíra com o objetivo de dar maior fluidez e melhorar a qualidade de vida

tanto ao trabalhador que se locomove de ônibus como aos motoristas particulares

(Ver mapa em anexo).

O Art. 42. Destaca o mapa de transportes público e da rede viária do

Município de João Pessoa. No mapa (em anexo) nota-se a falta de uma política de

transportes coletivos e de abertura de novas vias de circulação nas comunidades

estudadas. Portanto, demonstram-se possibilidades muito mais evidentes de manter

essas duas comunidades impedidas do direito de ir e vir.

Quanto ao zoneamento da cidade, definido no Plano Diretor de João Pessoa,

a área em estudo corresponde a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). No Art.

33, seção II do referido plano, as ZEIS “São aquelas destinadas primordialmente à

produção, manutenção e à recuperação de habitações de interesse social e

compreendem”:

I - terrenos públicos ou particulares ocupados por favelas ou por

assentamentos assemelhados, em relação aos quais haja interesse público em se

promover a urbanização ou a regularização jurídica da posse da terra (...) (PLANO

DIRETOR DE JOÃO PESSOA, 1994).

122

As comunidades São José – Chatuba inseridas no Plano Diretor como ZEIS

(ver mapa em anexo), é passível de intervenções, tanto urbanísticas quanto de

regularização fundiária, pelo poder público municipal. Entretanto, mesmo se tratando

de uma área ocupada por habitações autoconstruídas com precariedades de infra-

estruturas básicas não se verificou nas últimas décadas nenhuma política urbana

que tenha contemplado as duas áreas de estudo.

Entre os anos de 1990 e 2004, predominou o modelo de planejamento

inserido no projeto neoliberal, a do planejamento estratégico que considera a cidade

como um organismo independente das relações sociais, deixando de fora as

populações de baixa renda e maquiando a forma da cidade para ser vendida aos

pedaços.

Aos poucos o rio Jaguaribe, inserido no tecido urbano de João Pessoa foi

desaparecendo do cotidiano da população. A expansão urbana desordenada se deu

pela ocupação de favelas, conjuntos habitacionais, condomínios fechados,

empreendimentos comerciais, empresariais e de serviços, ou para dar lugar e

sentido a outro tipo de transporte, o rodoviário, com a construção de vias de acessos

nas suas margens ou no seu leito soterrado.

Foi assim nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, e tantas outras que se expandiram tendo um rio, ora como obstáculo, ora

como meio de ocupação. O olhar distante, indiferente sobre o rio urbano muda

quando este transborda pelas suas margens invadidas pelas avenidas, marginais e

edificações possibilitando uma releitura através do contraditório discurso de

revitalização ou reurbanização.

A paisagem natural do rio Jaguaribe no seu médio curso foi atingida de

maneira mais sistemática a partir dos anos de 1980 até os dias atuais. Inicialmente,

123

com o assentamento mal planejado de populações de baixa renda a exemplo da

antiga favela Beira-Rio quando ações da FUNSAT - Fundação Social de Apoio ao

Trabalho – criaram conjuntos – considerados urbanizados – transformando a favela

em bairro, porém com um grau mínimo de infra-estrutura confirmando o estigma de

morar em favelas como um peso até hoje.

Várias são as legislações que tratam da preservação das áreas que

margeiam os rios denominadas de APP - Áreas de Preservação Permanente. A Lei

Federal 4.771/65, chamada de Código Florestal, alterada pela Lei nº. 7.803/89. Esta

lei define em seu art. 2º que as faixas ribeirinhas devem ter no mínimo 30 metros de

largura quando a largura do rio não ultrapassar 10 metros, aumentando conforme a

largura do corpo d’água.

O papel contraditório do Estado também se faz a partir do discurso de

preservação e consumo. Preservar a Mata sem preservar o vale! Nesse sentido, o

Estado de coerção: da segregação ilegal e da preservação legal é o mesmo que

culpa a comunidade pela poluição, propondo projetos como URBVALE43, quando

segrega e nega as políticas sociais e ambientais para as comunidades. Portanto a

lógica do Estado é a da preservação e consumo.

Associada ao discurso da reurbanização ou preservação está o de área de

risco que estrategicamente indica a remoção. Foi assim que ocorreu na antiga favela

do Pasmado, em Botafogo, no Rio de Janeiro, quando removeram aquela

comunidade, o governo dizia que era área de risco, mas em seguida a classe média

foi mora lá. Então, porque a classe média pode e a favela não pode? O que motiva o

poder público recomendar a remoção é primordialmente a especulação imobiliária

quando existe valorização da área.

43 O Projeto URBVALE de reurbanização do vale do rio Jaguaribe em João Pessoa - PB teve início no final dos anos de 1990.

124

Em João Pessoa todos os anos a Defesa Civil do Município visita as áreas de

risco, supostamente ocupadas só por nas favelas. Um exemplo é a das

comunidades São José – Chatuba que são ameaçados pela remoção em períodos

de cheias e deslizamentos. Entretanto em cima da falésia do Jardim Luna foram

construídos alguns condomínios de luxo numa área de terrenos sedimentares e

fragilizados, só que para os moradores de condomínios de luxo não existe risco

físico-ambiental, e sim risco de morte pela presença das favelas ao lado (ver foto

14).

Foto 14: Um discurso contraditório de área de risco: para o pobre, área

de risco, para o capital a área é de rico, é o que mostra a foto desta realidade presente na falésia que fica no bairro Jardim Luna

Fonte: Paulo Rener, 2005.

Como justificativa de melhorar a qualidade de vida nas comunidades o Estado

constrói discursos forjando forjados conceitos como os de: área de risco, moradias

subnormais, no plano da materialidade. Já no plano das representações, o Estado

125

estigmatiza as comunidades rotulando-as de guetos, pela violência (ver foto 15),

trafico de drogas, furtos, assaltos, entre outras.

Foto 15: Momento de rotina na comunidade São José quando policiais abordam diariamente os moradores nas entradas das pontes que dão acesso ao bairro para dar satisfação à sociedade contra a violência Fonte: Paulo Rener, 2006.

Com a ausência do Estado como gestor de políticas públicas, outro problema

que se observa na área em estudo e entorno é uma diminuição de seus espaços

públicos e ampliação daqueles privados, o que torna mais intensos os processos de

fragmentação espacial, hierarquização e segmentação social tornando a

comunidade um espaço cada vez mais limitado e vigiado e estigmatizado em

relação ao entorno, ensejando uma sociabilidade hostil que serve de pretexto para a

elaboração dos discursos oficiais sobre a violência.

126

3.2 Mudanças nas relações cotidianas das comunidades com o entorno: o

choque de territorialidade

O cotidiano é uma dimensão do espaço compartilhada por instituições e

firmas e por uma diversidade de pessoas. É o local do conflito e da cooperação,

onde a vida social é individualizada, mas, onde a contigüidade cria a comunhão

(SANTOS, 2003). Nesse sentido, é onde repetições e rupturas interagem; é o

momento presente da constante mutação do espaço.

A maneira como o meio-técnico-científico-informacional se impõe no espaço

hoje faz crer que há um só futuro possível. Porém, a categoria de território usado –

que confronta, dialeticamente, os espaços luminosos e espaços opacos, destrói o

pensamento único e afirma a existência de projetos diferenciados em curso.

Há uma forte resistência acontecendo por parte dos pobres no cotidiano que

geralmente são deixadas de lado e que pode significar o começo da negação da

realidade como está sendo conduzida. Portanto, o cotidiano é revelador da

dialeticidade do território.

Nas duas comunidades estudadas o cotidiano das pessoas é concebido como

a dimensão constituída e instituída pelo “vivido”. A vida cotidiana não acontece sem

o “uso” que se faz do espaço e do corpo, mas também da “repetição” dos afazeres,

do mesmismo de todos os dias Lefébvre (1991), Seabra (2004) e Santos (1996). O

modo de vida remete à proximidade de uma situação de vizinhança e qualifica uma

comunidade.

Para Santos (1996, p. 255), a proximidade cumpre um papel fundamental

como base da “sociabilidade”, geradora da solidariedade e da identidade. Nessa

perspectiva, lançar um olhar ao cotidiano é entender os modos de vida, a

127

proximidade e a resistência. É por meio do cotidiano vivido que os sujeitos excluídos

têm a oportunidade “de fazer História” segundo Martins (1992, p.19).

Nesse sentido identificam-se os modos de vida das comunidades São José –

Chatuba através das suas relações de vizinhança e com o entorno. Entre vizinhos é

comum as conversas nas portas das casas, nas calçadas (quando existe), nas vielas

e becos, na divisão do pó de café ou da xícara de açúcar, no pedido por

empréstimo (mesmo que não possa pagar) de alguns reais para comprar pão ou

peças de roupas para ir a danceteria, calçados, nos jogos de sinuca nos botecos e

bares, dominó, no futebol praticado no campo do bairro de João Agripino ou na praia

de Manaíra aos domingos e feriados ou quando a maré está baixa.

Visualiza-se também uma relação de vizinhança nas comunidades em estudo

através das festas. As mais destacadas são o carnaval, São João, Natal e o

Reveillon. Para os jovens têm-se os campeonatos de futebol, corrida de rua, grupo

de capoeira e outras atividades praticadas em projetos com “Sou do Bairro”, na

Rádio Comunitária, em lançamentos de DJ’s e festas na Associação de Moradores

do bairro São José. Algumas em conjunto com a Prefeitura Municipal de João

Pessoa e outras sob a coordenação de ONG’s. Entretanto ainda existe uma carência

de espaços livres e de lazer para as comunidades porque, “pela forma desordenada

de ocupação do solo e pela considerável população do bairro, a área em análise não

dispõe de um espaço qualificado onde possa ser desenvolvida atividade de

sociabilidade, lazer e demais manifestações sócio-culturais” (LIMA, 2004. p.113).

Vive-se a época em que o movimento do cotidiano da população passou a ser

imposto pela ditadura do movimento. Esse movimento constante expresso pela

ordem para a reprodução do capital auxiliado pelas inovações tecnológicas destaca-

se pela contraposição entre os tempos do cotidiano, lentos e rápidos, caracterizando

128

uma prática social, tornando-o monótono e impregnado de sinais e portas

estabelecidas pela sociedade de consumo.

Nesse contexto, percebe-se uma relação contraditória entre as comunidades

São José – Chatuba e o bairro de Manaíra pelos ritmos: as comunidades com seus

tempos lentos andam de bicicleta, de carroça, a pé. Aos moradores de Manaíra se

deslocam de carros, motos e ônibus.

Na relação com o bairro de Manaíra, visualiza-se um choque de

territorialidades, (ver foto) como resultado dos discursos de estigmatização, da

violência, ou seja, de contradições não resolvidas que foram sendo acumuladas,

impondo no campo do vivido hoje, estratégias e lutas pela sobrevivência no espaço

apropriado, “porque para permanecer habitante há que ser morador, há que ser

aquele que usa, que delimita território do uso” (SEABRA, 2004. p. 183).

Para ser aceito pela população que mora no bairro de Manaíra, o jovem da

comunidade São José, perguntado onde mora costuma dizer: “moro no bairro” e o

da favela Chatuba diz: “moro no final do bairro de Manaíra”. Nessa mesma busca

pela aceitação, é comum se ver jovens das duas comunidades vestindo roupas e

acessórios do shopping center Manaíra ou copiando os modelos similares adquiridos

em shoppings populares.

A pouca aceitação e maior tolerância por parte dos moradores do bairro de

Manaíra com relação às comunidades aparentemente excluídas44 observam-se pelo

trabalho informal. Muitas pessoas das comunidades convivem quase diariamente

com as do bairro de Manaíra através da prestação de serviços como diaristas,

porteiros e zeladores de edifícios, seguranças, entregadores, pintores, pedreiros,

encanadores, concertos de bicicletas. E de atividades comerciais como vendedores

44 Essa aparente exclusão é para SEABRA (2004) uma exclusão perversa e, para MARTINS (1997), uma exclusão marginal ou exclusão-inclusão.

129

ambulantes, balconistas e ajudantes nas pequenas lojas comerciais existentes no

bairro.

Dentre os fatores que anunciam os condomínios fechados, o Shopping

Center, os grandes, médios e pequenos empreendimentos comerciais, consumidos

pela sociedade do bairro de Manaíra, estão as favelas, apropriadas pelas

comunidades pobres denominadas São José – Chatuba (ver foto 16). São

comunidades excluídas-incluídas pela relação de trabalho, especialmente com o

bairro de Manaíra.

Foto 16: A favelas da Chatuba (à esquerda) e o bairro São José (à direita) visualizando-se as condições precárias de habitabilidade das duas comunidades Fonte: Paulo Rener, 2004.

3.3 Organização das comunidades e as estratégias de resistência

A acessibilidade é uma noção relativa e contextual, um termo banal, freqüente

até o momento de defini-lo, mensurá-lo. Entende-se por acessibilidade como sendo

130

a possibilidade de superar a resistência da separação entre lugares diferentes.

Depende, da distribuição espacial de oportunidades urbanas, da disponibilidade dos

meios de transporte e da mobilidade.

Com relação às oportunidades urbanas, verifica-se que as comunidades São

José – chatuba além da precariedade em infra-estrutura básica como água

encanada, rede de esgotos, eletricidade, telefonia, coleta de lixo, que em nada

contribuem para melhorar as condições de vida das comunidades, reafirma-se a

ausência pelo poder público local, através da negação de uma política pública de

transportes que as permitam ter acesso ao entorno (ver figura 06).

Para garantir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local

associado com a iniciativa privada vem adotando diferentes estratégias de

segregação. Ao mesmo tempo em que limita o acesso das comunidades São José

– Chatuba através da implantação de pontes e escadarias, reestruturar as avenidas

que passam pelo shopping numa parceria público-privado, sob o discurso de maior

fluidez e comodidade.

131

Figura 06: Mapa de estratégias de segregação e de resistências Fonte: SEPLAN, Prefeitura Municipal de João Pessoa, 1998; pesquisa de campo; Adaptação: Paulo Rener e Arinaldo Inácio das Neves.

132

Existe uma preocupação especial do proprietário do shopping Center Manaíra

em dificultar a visibilidade das habitações autoconstruídas, com a expansão do

estacionamento do shopping e pela edificação de muros com uma ação duplamente

arbitrária: o Manaíra Shopping Center foi construído sobre uma área de mangue,

portanto, de preservação ambiental. Na expansão do estacionamento ocorreu uma

invasão de área considerada ZEIS – Zona Especial de Interesse Social segundo o

Plano Diretor de João Pessoa (1993), onde se localizam partes das comunidades

São José – Chatuba (ver foto 17 e 18).

Foto 17: O muro do shopping impedindo a visibilidade e o acesso das comunidades. Fonte: Paulo Rener, 2006.

133

Foto 18: A expansão do estacionamento e o muro que foi erguido para impedir o acesso das comunidades Fonte: Paulo Rener, 2006.

A dimensão do vivido tem importância fundamental para compreensão das

diferentes estratégias de segregação impostas pelo poder público local e o capital.

Daí destacam-se as entrevistas realizadas com moradores das duas comunidades.

Aliás, foram os relatos de alguns moradores que ajudaram a compreender as

estratégias de segregação impostas e as estratégias de resistências das

comunidades.

As palavras da Sra. Rosali, de 28 anos, que trabalha como diarista em

residências do bairro de Manaíra, moradora de um casebre da Chatuba I localizado

na margem do rio e de frente ao muro construído pelo proprietário do shopping, ao

referir-se àquela intervenção desabafa:

Ele (o dono de empreendimento) construiu isso aí dizendo que era pra a água das cheias não invadir os carros do estacionamento. Só que agente sabe que, até pode ser, mais também é pros povo que vem comprar aí não se misturar com nós. E o medo dos assaltos tava expulsando o pessoal que vinha pro shopping. Esse muro ficou

134

horrível porque a gente agora tem que arrudiar lá pra rua da frente, andar um bocado pra chega na principal (Retão de Manaíra). Eu que trabalho todo dia é horrível. Mais ele (o dono do empreendimento) tem dinheiro faz o que quer agente fica prejudicado tendo que sair de casa mais cedo pra dar conta do trabalho (Em 12/ 05/ 2005).

Parte-se da problemática interna com respeito à mobilidade dentro das duas

comunidades. O que se verifica, tanto no bairro São José como na favela da

Chatuba é um sistema viário praticamente inexistente. Na comunidade São José,

por exemplo, a única rua asfaltada é a principal, a Rua Edmundo Filho. Poucas são

calçadas com paralelepípedo, à maioria é de areia e esburacada. Predomina as

vielas com esgotos a céu aberto e sem nenhuma pavimentação. Uma outra

característica que chama atenção é a falta de calçadas. Quando existem, são muito

estreitas dificultando a mobilidade dos pedestres.

No Plano Diretor (1993) da cidade de João Pessoa no Capítulo que trata da

acessibilidade não existe nenhuma proposta de implantação de vias de acessos

para que as comunidades tenham direito ao entorno. (Ver mapa no anexo) Verifica-

se uma política de exclusão pelos acessos à medida que para aquelas comunidades

sobram apenas a construção e manutenção de duas pontes metálicas (ver foto 19 e

20).

135

Foto 19: Ponte metálica próxima ao Shopping Center Manaíra, interligando a favela da Chatuba I com o bairro São José, recentemente restaurado pela PMJP Fonte: Paulo Rener, 2006.

Foto 20: Ponte metálica interligando a favela da Chatuba II com o bairro São José, encontra-se em avançado processo de corrosão Fonte: Paulo Rener, 2006.

O bairro São José possui cerca de 2,3 Km de comprimento e está espremido

entre a falésia morta do bairro João Agripino e a margem esquerda do rio Jaguaribe.

Nesse percurso existem apenas duas pontes estreitas que não permitem a

passagem de automóveis, apenas de motos, bicicletas ou a pé. A mobilidade dos

moradores fica limitada, muitos se deslocam diariamente para o bairro de Manaíra

para trabalhar. As duas intervenções reafirmam uma estratégia de segregação

imposta pelo Estado local, às comunidades pela acessibilidade.

Segundo depoimento do Sr. Roque, de 56 anos, vendedor de milho verde no

calçadão da praia de Manaíra, morador da comunidade São José, ao se referir as

pontes, tanto as metálicas quanto as de madeira relatou o absurdo de ter que passar

todo dia pelas pontes com seu carrinho de mão para vender milho na praia:

Agente aqui é esquecido pelos homens lá de cima, desde que vim morar aqui é esse problema todo ano, quando chove o rio sobe, invade aqui as casas. As pontes de ferro ficam tudo enferrujada, caindo os pedaços vendo a hora desabarem com gente em cima que precisa passar por ela todo dia pra ganhar o nosso pão, fica cheia de buraco, é não é mole não. Lá mais em cima o pessoal construiu uma

136

ponte de madeira e todo ano ela vai abaixo com as enchentes. E todo ano a mesma coisa, os homens da prefeitura vêm prometendo fazer uma ponte de ferro e nada, quando chega os jornalistas e bota a notícia no jornal, no outro dia eles aparecem pra prometer e depois, desaparece (Em 20/ 08/ 2005).

Pela proximidade com os bairros de João Agripino e Jardim Luna a oeste,

tendo a falésia morta como condicionante natural, a comunidade dispõe de três

escadarias implantadas pela prefeitura como uma das formas de deslocamento para

o trabalho, ir ao centro da cidade ou estudar na escola Capitulina Sátyro localizada

no João Agripino. São intervenções precárias porque nas três escadarias não existe

iluminação nem segurança e só se pode ter acesso se for a pé (ver foto 21, 22, 23 e

24).

Para a Sr. Joana, de 74 anos, aposentada e doente , saindo do segundo

enfarte, andando com dificuldade para escalar as escadarias e ter acesso ao

hospital de trauma que fica do outro lado BR-230 e ao banco para receber seu

salário desabafa:

É um sacrifício toda semana ter que descer e subir essas escadas pra ir ao banco ou no hospital de trauma fazer consulta com especialista. E as crianças que tem que estudar? Minhas netas todo dia o pai leva pra escola daí de cima, elas estuda no Capitulina, e todo dia é esse problema, quando o pai não pode levar nem a mãe, elas tem de ir acompanhada com os coleginhas, só sobe se for de muitos. De noite isso aqui é mais perigoso, tem assalto, estupro, violência por conta da BR, aqui (na escadaria) não tem energia fica tudo escuro só pode andar se for muita gente junta. O pessoal da prefeitura fala que vai fazer uma estrada pro pessoal ir pro trabalho e pegar ônibus lá em cima que passa mais né. Até agora nada, esqueceram da gente (Em 20/08/2005).

137

Foto 21: Primeira escadaria próxima ao ponto final dos ônibus de João Agripino / São José Fonte: Paulo Rener, 2005.

Foto 22: Segunda que também liga o bairro São José ao conjunto João Agripino Fonte: Paulo Rener, 2005.

Foto 23: Terceira escadaria localizada próxima da escola Capitulina Sátyro e do campo de futebol que fica no conjunto João Agripino Fonte: Paulo Rener, 2005.

Foto 24: Terceira escadaria Fonte: Paulo Rener, 2005.

A acessibilidade entre o bairro São José e a favela Chatuba com os bairros de

Manaíra, João Agripino e Jardim Luna restringe-se a duas pontes metálicas

construídas pela prefeitura, que também implantou três escadarias. O sistema de

transportes coletivos que passa por dentro da comunidade São José foi uma

conquista das reivindicações da associação de moradores na década de 1980.

138

Hoje a comunidade dispõe de apenas três linhas de ônibus45 o que contrasta

em muito com a concentração de linhas que circulam pelo bairro de Manaíra. O

problema fica mais crítico na favela da Chatuba, fragmentada em três unidades, esta

comunidade não possui linha de ônibus circulando pelas suas ruas. As linhas mais

acessíveis são as que passam pela principal do bairro São José ou a 521, que faz

seu percurso ruas próximas da favela, pelo bairro de Manaíra.

Foto 25: Único acesso das duas linhas de ônibus que circulam na comunidade São José Fonte: Paulo Rener, 2006.

Foto 26: O ônibus ao centro (azul) circula pela única rua que é asfaltada no bairro São José Fonte: Paulo Rener, 2006.

Em conseqüência das estratégias de segregação realizadas pelo poder

público através da implantação de limitadas linhas de ônibus, da presença precária

de pontes e escadarias, verifica-se nas comunidades, o predomínio do número de

bicicletas46 circulando como principal meio de locomoção dos moradores. Observa-

45 São as seguintes as linhas de ônibus que atendem as comunidades direta e indiretamente: duas linhas de ônibus da empresa Marcos da Silva - Bairro São José (512) , Conj. João Agripino (509) e da empresa Transnacional -Tambaú - Rui Carneiro (511). Reunidas (521) Segundo a STP, os intervalos entre os ônibus de cada linha são, respectivamente, 20 min; 20 min e 5.4 minutos. 46 Segundo pesquisa realizada por LIMA no bairro São José, 85% dos moradores possuem bicicletas, 12% motos, 2% carros e 1% carroças. Os mesmos percentuais são verificados na favela da Chatuba.

139

se também uma relação de solidariedade entre os moradores que costumam usar o

“camelo” por empréstimo como uma ação natural entre eles (Ver fotos 27 e 28).

Foto 27: A bicicleta usada para atravessar a ponte Fonte: Paulo Rener, 2005.

Foto 28: A bicicleta usada para subir as escadarias Fonte: Paulo Rener, 2005.

O conceito de resistência não é elaborado de maneira explícito ou

sistemático, ao contrário, é sutilmente relacionado a algum aspecto da vida social

contemporânea, como a perda ou limitação pelo direito ao entorno. Dessa maneira,

tentar explicitar esse conceito, especialmente quando referido a essa questão,

contribui para entender a concepção das estratégias de sobrevivência das

comunidades, objeto de estudo desta pesquisa.

Na visão de Foucault (1984, p. 08) “existe uma relação entre resistência e

poder. São relações objetivas e subjetivas que asseguram a produção/circulação do

poder no território, produzindo novas formas de resistência e com isso novas

identidades”. Nas margens, nos limites sob influência e interesse dos espaços de

poder ou dominantes, estão comunidades, guetos dos “homens lentos, que teimam

em não se adaptar à nova ordem” (SANTOS, 2003, p. 325), que teimam em oferecer

140

resistências ao modelo hegemônico, que se constituem na melhor alternativa ao

desenho global apresentado pelo capitalismo.

O espaço urbano é constituídos pelos mais diversos objetos técnicos, dando

origem aos espaços da racionalidade, e sócio-econômicos. A partir da hegemonia

dominante instalam-se, paralelamente, a contra-racionalidade, socialmente

localizadas nos pobres ou excluídos e minorias. Do ponto de vista econômico, entre

as atividades marginais, ou tradicionais. Espacialmente, nas áreas opacas, tornadas

irracionais visto serem espaços urbanos menos equipados. Portanto é ante a

racionalidade do poder hegemônico que surge a contra-racinalidade pois,

O fato de que a produção limitada de racionalidade é associada a uma produção ampla de escassez conduz os atores que estão fora do círculo da racionalidade hegemônica à descoberta de sua exclusão e à busca de formas alternativas de racionalidade, indispensáveis à sua sobrevivência. A racionalidade dominante e cega acaba por produzir os seus próprios limites (SANTOS, 1996, p. 247).

Diferentes estratégias de resistência da comunidade São José – Chatuba

como formas alternativas paralelas as estratégias de segregação impostas pelo

poder hegemônico surgem através das organizações de moradores, de ações

isoladas, de ONG’s. Visto que os movimentos sociais de luta pelo direito ao entorno

parte das comunidades, do espaço político.

As formas alternativas de racionalidade ou resistências que se encontra em

evidência nas comunidades São José – Chatuba, sob o aspecto espacial, são

aqueles relacionados aos acessos. Se por um lado o Estado implanta um sistema

viário cada vez mais rápido e com melhor fluidez para o consumidor ter acesso ao

Shopping Center Manaíra, para as comunidades é negada a construção de mais

141

pontes para facilitar a mobilidade dos moradores aos locais de trabalho, restando a

alternativa de construir as pontes de madeira para as suas sobrevivências.

Como estratégia de resistência, as comunidades construíram, por conta

própria, mais duas pontes de madeiras com o objetivo de facilitar a locomoção dos

moradores ao bairro de Manaíra. (Ver foto 29 e 30). Entretanto, pela precariedade

dos materiais usados, quando ocorre o período de chuvas as pontes são destruídas

e em seu lugar , emergencialmente são improvisados formas rústicas de travessia

do rio.

Em junho de 2006, mais uma vez, a ponte de madeira foi destruída pelas

chuvas e os moradores, como estratégia de resistência (ver foto 31 e 32),

improvisam uma jangada, é para atravessar as pessoas da comunidade. Só que tem

de pagar 50 centavos por travessia, afirma o manobrista da jangada (Roberto, 19

anos), morador da comunidade.

Foto 29: Ponte de madeira ligando a favela da Chatuba I com o bairro São José Fonte: Paulo Rener, 2006.

Foto 30: Ponte de madeira ligando o bairro de Manaíra com São José Fonte: Paulo Rener, 2006.

142

Ou como denuncia um morador que reside na comunidade São José há mais

de 24 anos:

Pelo menos duas vezes por ano acontece isso. Onteontem, os próprios moradores que tiveram que percorrer 150 metros em uma jangada improvisada para buscar as tábuas destruídas pelo entulho e pelas águas do rio para que possamos reconstruir a ponte. Sempre é assim; são os moradores que arrecadam dinheiro para comprar pregos e tábuas e são eles que entram no rio para fazer a ponte. Nenhum político vem aqui cumprir as promessas que são feitas em época de eleição (Clodoaldo Silva, 37 anos).

Foto 31: Moradores atravessando o rio em uma balsa improvisada Fonte: Cícero Silvestre, 2006.

Foto 32: A ponte reconstruída pelos moradores Fonte: Paulo Rener, 2006.

Outra forma de resistência das comunidades são aberturas de caminhos ou

trilhas alternativas para ter acesso aos bairros que se localizam no topo da falésia.

Como forma de vencer o cansaço nas distâncias percorridas ou dos obstáculos a

serem vencidos como pontes e escadarias, os moradores das duas comunidades

143

criaram essas formas alternativas para chegar à escola, no hospital, pegar um

ônibus mais rápido, etc. Para isso, são obrigados a subir ou descer diariamente, a

encosta íngreme da falésia arriscando a vida, crianças, jovens e até idosos (ver foto

33 e 34).

Foto 33: Primeiro caminho ou trilha próximo ao ponto final dos ônibus de São José e João Agripino, popularmente conhecida como ladeira do cajueiro Fonte: Paulo Rener, 2006.

Foto 34: Segundo caminho aberto pelos moradores para ter acesso ao Conjunto João Agripino, próximo a escola Capitulina Sátyro. Fonte: Paulo Rener, 2006.

A luta pelo direito de ir e vir não se esgota nesses exemplos citados, outras

formas alternativas de sobrevivência dos moradores das duas comunidades se

inserem no plano do trabalho, constituindo-se em sua maioria, como mão-de-obra

sem qualificação, de baixo rendimento e na informalidade. Além do pequeno

comércio distribuído dentro das favelas como barracas, bares, mercearias e serviços

como, consertos de sapatos, bicicletas, etc., os moradores mantêm uma relação

muito intensa de trabalho com o bairro de Manaíra e em menos proporção com os

outros bairros da vizinhança.

No início eles serviam de mão-de-obra para a construção civil, com a

evolução do bairro de Manaíra e o surgimento de um comércio varejista formado, na

144

sua maioria, por empresas de pequeno porte, associada a sua verticalização, muitos

moradores passaram a ocupar atividades pouco rentáveis, porém importantes para o

funcionamento desses empreendimentos, como porteiros, faxineiros, zeladores,

vigias, seguranças, diaristas, entregadores de água e gás, marceneiros, pintores de

residências, eletricistas, encanadores, lavadeiras e engomadeiras de roupas e

seletores do lixo que circulam diariamente pelo bairro de Manaíra (ver foto 35 e 36).

Foto 35: Mulheres das comunidades levando as roupas lavadas e engomadas para os condomínios no bairro Jardim Luna Fonte: Paulo Rener, 2006.

Foto 36: Chefe de família conduzindo sua carroça com lixo selecionado Fonte: Paulo Rener, 2006.

Outra modalidade de resistência dos moradores em relação às estratégias de

segregação e, em alguns casos de remoção, imposta pelo Estado, se caracteriza

pelas resistências organizadas das comunidades. No primeiro capítulo foi ressaltada

a importância da organização como um instrumento de cooptação e multiplicação

de forças. “Ela também pode constituir o meio de negociação necessário a vencer

etapas e encontrar um novo patamar de resistência e de luta” (SANTOS, 2003,

p.134).

145

Nas comunidades São José – Chatuba são evidenciadas diferentes formas de

organização que se constituem em instrumentos para as lutas de seus moradores

pela sobrevivência, destacando-se as Associações de Moradores, tanto de São José

como da Chatuba, as ONG que vêm atuando no bairro como o MAM - Movimento e

Ajuda Mútua, a Ponto Cultura e a Sou do Bairro, todas atuando em projetos sociais

com jovens e adolescentes das duas comunidades, assim como os movimento de

grafiteiros, grupos de capoeira, etc.

Com relação à associação de moradores, as experiências relatadas pela

comunidade indicam que nas décadas de 1980 e 1990 ela foi um referencial de luta

e conquistas para permanência e implantação de equipamentos como o posto

médico, linha de ônibus e as regularizações fundiária de alguns lotes. Entretanto,

nos últimos anos, devido às más administrações, por acumulo de dívidas, desvios de

verbas e falta de compromisso com as atividades sociais, a associação não é mais

acreditada pelos moradores. Está dividida em dois grupos que tentam o domínio do

poder:

O primeiro grupo vem desde a gestão anterior da associação dos moradores e que tem continuidade com a gestão atual. Verifica-se a existência de alguma forma de conchavo e de relações apadrinhadas com membros da prefeitura em troca da inércia e submissão da comunidade perante a administração municipal. Há indícios que pessoas chaves são infiltradas no bairro, para manipular as ações no mesmo. O segundo grupo é de pessoas com um nível de consciência mais elevado, professoras, educadores, mães, homens, mulheres, pessoas ligadas a igreja católica, que pensam no bem - estar da comunidade, e que vem lutando há anos por melhoria no bairro. Algumas destas pessoas foram concorrentes do outro grupo durante a eleição para presidente da associação realizada em meados do ano passado (2003). Parte destas pessoas ainda tentam mudar o rumo administrativo na atual gestão da associação dos moradores (LIMA, 2004, p.113 ).

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As variadas formas e estratégias de segregação, do Estado, de um lado, e as

estratégias de resistências das comunidades, do outro, revelam um jogo de

interesses pela ocupação do vale, transformando-o num campo de lutas entre o

espaço abstrato e o espaço social. Para aquele, interessa a reprodução do capital,

para as comunidades, a luta pela sobrevivência numa via crucis.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade de João Pessoa vem passando por uma reestruturação urbana,

alterando as relações entre os empreendedores imobiliários e o Estado, em razão da

emergência de novas centralidades.

O advento do Estado neoliberal aguçou as contradições entre o discurso e

ações do poder público a partir do momento em que adotou práticas de segregação

impostas às comunidades no vale do rio Jaguaribe, em especial, as Comunidades

São José e Chatuba. As diversas ações de segregação buscam favorecer a

iniciativa privada, na perspectiva de manter o padrão de consumo que se verifica no

bairro de Manaíra, notadamente pela proximidade entre as Comunidades São José

e Chatuba e o Manaíra Shopping.

A ação contraditória do poder público beneficia, por um lado, os agentes

privados, através da implantação de vias de acesso rápido, parcerias público-

privadas, etc. e, por outro, prejudicam as comunidades do vale, relegando-as a uma

situação de abandono que se verifica não somente nas condições sócio-

econômicas, mas também pela precária infra-estrutura. Enquanto o bairro de

Manaíra é privilegiado com a pavimentação de ruas e acessos, as comunidades não

possuem acessos satisfatórios.

Desde o início da década de 1990 o discurso do governo local vem se

realizando através do planejamento estratégico, planejando a cidade de forma

pontual. Priorizando o discurso da fluidez, os principais corredores viários da cidade

vêm se reestruturando e sendo direcionados para o consumo.

A reestruturação viária se faz através de dispositivos presentes no Plano

Diretor como a parceria público-privada, o qual deverá servir de meio para captação

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de recursos que serão investidos em Zonas Especiais de Interesse Social.

Entretanto, o poder público local vem negando políticas de acessos e moradias

dignas às comunidades São José – Chatuba, confinadas e segregadas no médio

curso do vale do Jaguaribe.

Além da carência das moradias e das precárias condições de saneamento, as

comunidades são submetidas à repressão policial, ao abandono de vias, pontes,

escadarias e demais acessos. Na relação espaço-tempo, verifica-se o choque de

temporalidades entre os tempos lentos das comunidades e os tempos rápidos do

bairro de Manaíra. Enquanto os proprietários de automóvel são beneficiados por vias

de acesso rápido, a comunidade é excluída, ou melhor, incluída de forma perversa.

A presença do carroceiro, transeunte a pé, comunidade indo para a escola, etc. tem

sido tratada com descaso pelas políticas públicas.

O papel do Estado também se faz a partir do discurso contraditório entre

Preservar a Mata sem preservar o vale! O Estado de coerção: da segregação (ilegal)

e da preservação (legal). O Estado culpa a comunidade pela poluição, apesar de

que ele segrega e nega as políticas sociais e ambientais no vale. Portanto a lógica

do Estado é a da preservação e consumo.

Os problemas de desordenamento urbano poderiam ser solucionados se a

Prefeitura cumprisse a legislação municipal. O Plano Diretor e a Lei Orgânica do

Município possuem instrumentos que, se aplicados, garantiriam recursos para

investimentos na habitação popular e no Saneamento básico para as favelas.

Nas ultimas décadas confirmou-se a previsão de estudiosos do vale sobre a

ocupação dos seus espaços, antes destinados a atividades rurais, com a expansão

acelerada da cidade, transformou-se em uma área de depósito de mão-de-obra

excluída-incluída. Agora interessa aos especuladores imobiliários, com suas

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estratégias combinadas com o poder público, transformá-lo em loteamentos

residenciais e comerciais, ignorando as populações que se apropriaram do vale

como única alternativa de sobrevivência.

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