PCN Ciencias Humanas

Embed Size (px)

Citation preview

PCNEnsino MdioOrientaes Educacionais Complementares aos Parmetros Curriculares Nacionais

Cincias Humanas e suas Tecnologias

SumrioA reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento 7

A natureza do ensino mdio e as razes da reforma Como rever o projeto pedaggico da escola A escola como cenrio real da reforma educacional Novas orientaes para o ensino Conhecimentos, competncias, disciplinas e seus conceitos estruturadores A articulao entre as reas A articulao entre as disciplinas em cada uma das reas

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

21

O trabalho interdisciplinar e contextualizado Os conceitos estruturadores da rea O significado das competncias da rea A articulao dos conceitos estruturadores com as competncias gerais Critrios para a organizao dos contedos programticos no mbito das disciplinas que compem a rea Bibliografia

Filosofia

41

Os conceitos estruturadores da Filosofia O significado das competncias especficas da Filosofia A articulao dos conceitos estruturadores com as competncias especficas da Filosofia Sugestes de organizao de eixos temticos em Filosofia Bibliografia

Geografia

55

Os conceitos estruturadores da Geografia O significado das competncias especficas da Geografia A articulao dos conceitos estruturadores com as competncias especficas da Geografia Sugestes de organizao de eixos temticos em Geografia Bibliografia

Histria

69

Os conceitos estruturadores da Histria O significado das competncias especficas da Histria A articulao dos conceitos estruturadores com as competncias especficas da Histria Sugestes de organizao de eixos temticos em Histria Bibliografia

Sociologia

87

Os conceitos estruturadores da Sociologia O significado das competncias especficas da Sociologia A articulao dos conceitos estruturadores com as competncias especficas da Sociologia Sugestes de organizao de eixos temticos em Sociologia Bibliografia

Formao profissional permanente dos professores 99A escola como espao de formao docente As prticas do professor em permanente formao

A reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento

Este texto dirigido ao professor, ao coordenador ou dirigente escolar do ensino mdio e aos responsveis pelas redes de educao bsica e pela formao profissional permanente de seus professores. Pretende discutir a conduo do aprendizado, nos diferentes contextos e condies de trabalho das escolas brasileiras, de forma a responder s transformaes sociais e culturais da sociedade contempornea, levando em conta as leis e diretrizes que redirecionam a educao bsica. Procura estabelecer um dilogo direto com professores e demais educadores que atuam na escola, reconhecendo seu papel central e insubstituvel na conduo e no aperfeioamento da educao bsica. Sem pretenso normativa e de forma complementar aos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio, as orientaes educacionais aqui apresentadas tm em vista a escola em sua totalidade, ainda que este volume se concentre nas disciplinas da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias. Buscando contribuir para a implementao das reformas educacionais, definidas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e regulamentadas por Diretrizes do Conselho Nacional de Educao, a presente publicao tem como meta, entre seus objetivos centrais, facilitar a organizao do trabalho da escola, em termos desta rea de conhecimento. Para isso, explicita a articulao entre os conceitos estruturadores e as competncias gerais que se desejam promover e apresenta um conjunto de sugestes que, coerentes com aquela articulao, prope temas do ensino disciplinar na rea. Alm de abrir um dilogo sobre o projeto pedaggico escolar e de apoiar o professor das disciplinas em seu trabalho, o texto traz elementos para a continuidade da formao profissional docente na escola.

A natureza do ensino mdio e as razes da reformaA reformulao do ensino mdio no Brasil, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN) de 1996, regulamentada em

1998 pelas Diretrizes do Conselho Nacional de Educao e pelos Parmetros Curriculares Nacionais, procurou atender a uma reconhecida necessidade de atualizao da educao brasileira, tanto para impulsionar uma democratizao social e cultural mais efetiva, pela ampliao da parcela da juventude brasileira que completa a educao bsica, como para responder a desafios impostos por processos globais, que tm excludo da vida econmica os trabalhadores no qualificados, por causa da formao exigida de todos os partcipes do sistema de produo e de servios. A expanso do ensino mdio brasileiro, que cresce exponencialmente, outra razo pela qual esse nvel de escolarizao demanda transformaes de qualidade, para adequar-se promoo humana de seu pblico atual, diferente daquele de h trinta anos, quando suas antigas diretrizes foram elaboradas. A idia central expressa na nova Lei, e que orienta a transformao, estabelece o ensino mdio como a etapa conclusiva da educao bsica de toda a populao estudantil e no mais somente como etapa preparatria de outra etapa escolar ou do exerccio profissional. Isso desafia a comunidade educacional a pr em prtica propostas que superem as limitaes do antigo ensino mdio, organizado em termos de duas principais tradies formativas: a pr-universitria e a profissionalizante. Especialmente em sua verso pr-universitria, o ensino mdio tem-se caracterizado por uma nfase na estrita diviso disciplinar do aprendizado. Seus objetivos educacionais se expressavam e, usualmente, ainda se expressam em termos de listas de tpicos, dos quais a escola mdia deveria tratar, a partir da premissa de que o domnio de cada disciplina era requisito necessrio e suficiente para o prosseguimento dos estudos. Dessa forma, parecia aceitvel que s em uma etapa superior tais conhecimentos disciplinares adquirissem, de fato, sua amplitude cultural ou seu sentido prtico. Por isso, essa natureza estritamente propedutica no era contestada ou questionada, mas hoje inaceitvel. Em contrapartida, em sua verso profissionalizante, o ensino mdio era, ou , caracterizado por uma nfase no treinamento para fazeres prticos, associados por vezes a algumas disciplinas gerais, mas sobretudo voltados a atividades produtivas ou de servios. Treinava-se para uma especialidade laboral, razo pela qual se promovia um certo aprofundamento ou uma certa especializao de carter tcnico, em detrimento de uma formao mais geral, ou seja, promoviam-se competncias especficas dissociadas de uma formao cultural mais ampla. importante que continuem existindo e se disseminem escolas que p ro m o v a m e s p e c i a l i z a o p ro f i s s i o n a l e m n v e l m d i o , m a s q u e e s s a especializao no comprometa uma formao geral para a vida pessoal e cultural, em qualquer tipo de atividade. O n o v o e n s i n o m d i o , n o s t e r m o s d a l e i , d e s u a re g u l a m e n t a o e encaminhamento, deixa de ser, portanto, simplesmente preparatrio para o ensino superior ou estritamente profissionalizante, para assumir neces-

8

9sariamente a responsabilidade de completar a educao bsica. Em qualquer de suas modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, em eventual prosseguimento dos estudos ou diretamente no mundo do trabalho. As transformaes de carter econmico, social ou cultural, no Brasil e no mundo, que levaram modificao dessa escola, no tornaram o conhecimento humano menos disciplinar em nenhuma das trs reas em que se decidiu organizar o novo ensino mdio, ou seja, na de Cincias da Natureza e da Matemtica, na de Cincias Humanas e na de Linguagens e Cdigos. Essas reas, portanto, organizam e articulam as disciplinas, mas no as diluem nem as eliminam. No entanto, a inteno de completar uma formao geral nessa escola implica uma ao articulada, no interior de cada rea e no conjunto das reas, que no compatvel com um trabalho solitrio, definido independentemente no interior de cada disciplina, como acontecia no antigo ensino de segundo grau, para o qual haveria outra etapa formativa que articularia os saberes e, eventualmente, lhes daria sentido. No havendo necessariamente essa outra etapa, a articulao e o sentido devem ser garantidos j no ensino mdio.

Mais do que reproduzir dados, denominar classificaes ou identificar smbolos, estar formado para a vida, num mundo como o atual, de to rpidas transformaes e de to difceis contradies, significa saber se informar, se comunicar, argumentar, compreender e agir, enfrentar problemas de qualquer natureza, participar socialmente, de forma prtica e solidria, ser capaz de elaborar crticas ou propostas e, especialmente, adquirir uma atitude de permanente aprendizado.

Uma formao com tal ambio exige mtodos de aprendizado compatveis, ou seja, condies efetivas para que os alunos possam comunicar-se e argumentar, deparar-se com problemas, compreend-los e enfrent-los, participar de um convvio social que lhes d oportunidade de se realizarem c o m o c i d a d o s , f a z e re m e s c o l h a s e p ro p o s i e s , t o m a re m g o s t o p e l o conhecimento, aprenderem a aprender. Diferentemente das caractersticas necessrias para a nova escola, esboadas anteriormente, nossa tradio escolar tem sido, de um lado, a de compartimentar disciplinas, em ementas estanques, em atividades padronizadas, no referidas a contextos reais e, de outro lado, de passividade imposta ao conjunto dos alunos, em funo dos mtodos adotados e tambm da prpria configurao fsica dos espaos e condies de aprendizado que, em parte, refletem a pouca participao do aluno ou mesmo do professor na definio das atividades formativas. As perspectivas profissional, social ou pessoal dos alunos no tm feito parte das

A reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento

preocupaes escolares, assim como as questes e problemas da comunidade, da cidade, do pas ou do mundo s tm recebido ateno marginal no ensino mdio que, tambm por isso, precisaria ser reformulado. Esta falta de sintonia entre realidade escolar e necessidades formativas se reflete nos projetos pedaggicos das escolas, freqentemente inadequados e raramente explicitados, como objeto de reflexo consciente da comunidade escolar. Quando essa reflexo ocorre, cada professor conhece por que razes a escola optou por promover quais atividades para os alunos, em funo do desenvolvimento de que competncias, em nome de que prioridades os recursos materiais foram utilizados e a carga horria foi distribuda e, sobretudo, qual sentido e relevncia tem seu trabalho, em sua disciplina, para se alcanarem as metas formativas gerais definidas para os alunos da escola. Sem isso, pode faltar clareza sobre como conduzir o aprendizado, no sentido de promover no conjunto dos alunos as qualificaes humanas pretendidas pelo novo ensino mdio.

Como rever o projeto pedaggico da escolaIndependentemente das reformas a implementar em decorrncia da nova legislao, outras transformaes esto ocorrendo na quase totalidade das escolas, como resultado de processos sociais e culturais mais amplos. Quem vive o cotidiano escolar percebe que velhos paradigmas educacionais, com seus currculos estritamente disciplinares, revelam-se cada vez menos adequados, com reflexos no aprendizado e no prprio convvio, mudanas que a escola nem sempre consegue administrar ou sabe como tratar. Por isso, a transformao de qualidade que se procura promover na formao dos jovens ir conviver com outras modificaes, quantitativas e qualitativas, que precisam ser consideradas e compreendidas. Talvez a mais importante transformao pela qual tem passado a escola brasileira sua enorme ampliao numrica. O ensino bsico no Brasil j ultrapassou cinqenta milhes de matrculas, das quais cerca de dez milhes no ensino mdio, que dobrou de tamanho em uma dcada. Por conta desse processo, boa parte dos alunos desse ensino mdio vem de famlias em que poucos completaram sua educao fundamental, ou seja, a escola precisa se preparar para receber adequadamente um contingente realmente novo de estudantes. Em passado no muito distante, a quase totalidade dos que freqentavam a escola regular de ensino mdio estavam ali de passagem para o ensino superior. Essa parcela corresponde, na atualidade, a no mais do que um em cada quatro alunos, frao fcil de calcular, quando se compara o nmero de matrculas em todo o ensino superior cerca de dois e meio milhes com as de cerca de dez milhes de matrculas no ensino mdio. Assim, mais freqentemente, a

10

11perspectiva dos jovens brasileiros que hoje esto nessa escola obter qualificao mais ampla para a vida e para o trabalho, j ao longo de sua escolarizao bsica e imediatamente depois. Isso exige a reviso de uma escola que era sobretudo preparatria para a educao superior. Adequar a escola para receber seu pblico atual torn-la capaz de promover a realizao pessoal, a qualificao para um trabalho digno, para a participao social e poltica, enfim, para uma cidadania plena da totalidade de seus alunos e alunas, fato que conduz necessidade de se rever o projeto pedaggico de muitas escolas que no se renovam h dcadas, tendo sido criadas em outras circunstncias, para outro pblico e para um mundo diferente do de nossos dias. Com essa perspectiva, preciso identificar os pontos de partida para construir essa nova escola, e reconhecer os obstculos que dificultam sua implementao, para aprender a contorn-los ou para super-los. Um ponto de partida a conscincia crescente da importncia da educao, que tem resultado em permanente crescimento quantitativo, de forma que no mais ser preciso trazer o povo para a escola, mas sim adequar a escola a esse povo. A rede escolar existente, mesmo com instalaes e pessoal ainda insuficientes, tambm certamente constitui outro ponto de partida. Esses bons pontos de partida, no entanto, esto cercados de obstculos difceis, como a tradio de ensino estritamente disciplinar do ensino mdio, de transmisso de informaes desprovidas de contexto, ou de resoluo de exerccios padronizados, heranas do ensino conduzido em funo de exames de ingresso no ensino superior. Outro obstculo a expectativa dos alunos, quando no de suas famlias e das prprias instituies escolares, de que os agentes no processo educacional sejam os professores, transmissores de conhecimento, de que os alunos sejam os pacientes, receptores, e de que escola seja simplesmente o local em que ocorre essa transmisso. Essas expectativas equivocadas, somadas ao ensino sem contexto, acabam resultando em desinteresse, em baixo desempenho e em um ciclo de desentendimentos, no qual os alunos ou seus pais consideram os professores fracos ou desinteressados, no qual professores pensam exatamente o mesmo de seus alunos, numa escola em que o bom desafio do aprendizado e a alegria do convvio do lugar apatia, tenso, displicncia ou violncia, em propores que variam com as circunstncias. Identificar pontos de partida e obstculos facilita o desenvolvimento de estratgias e a mobilizao de recursos para empreender a construo da nova escola de nvel mdio que no h de ser mais um prdio, com professores agentes e com alunos pacientes, mas um projeto de realizao humana, recproca e dinmica, de alunos e professores, em que o aprendizado esteja prximo das questes reais, apresentadas pela vida comunitria ou pelas circunstncias econmicas, sociais e ambientais. Mais do que tudo, quando fundada numa prtica mais solidria, essa nova escola estar atenta s perspectivas de vida de

A reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento

seus partcipes, ao desenvolvimento de suas competncias gerais, de suas habilidades pessoais, de suas preferncias culturais.

A escola como cenrio real da reforma educacionalAs reformas educacionais tiveram incio h pouco mais de meia dcada e pode ser que leve mais uma dcada para promover as transformaes pretendidas, em escala nacional. Mas j se percebem experincias importantes em muitas escolas brasileiras, que desenvolvem novos projetos pedaggicos e novas prticas educacionais, nas quais leituras, investigaes, discusses e projetos, realizados por alunos, superam ou complementam a didtica da transmisso e a pedagogia do discurso. Essas novas prticas, usualmente, so resultado de um trabalho de toda a comunidade, em cooperao com a direo escolar, em apoio transio entre o velho e o novo modelo de escola. As escolas que, em diferentes ambientes e condies, esto construindo novos e bem-sucedidos paradigmas educacionais, no so necessariamente as mais ricas ou mais bem equipadas. O que as distingue a sintonia entre professores, alunos e sua comunidade, a ateno solidria dada s metas de diferentes conjuntos de alunos, como a orientao profissional para alguns, o preparo pruniversitrio para outros, e a realizao cultural e social, feita no prprio convvio escolar, e no adiada para um futuro distante. Ao identificar propsitos e necessidades diferentes entre os estudantes, essas escolas associam ao trabalho de promoo do aprendizado geral, comum, atividades complementares, de interesse amplo ou particular. Nessas atividades, a presena da comunidade tem sido essencial, pela participao em conselhos, em parcerias com diferentes organizaes da sociedade civil e pelo uso de outros espaos e equipamentos sociais alm daqueles disponveis na escola. Em contrapartida, freqentemente, essas escolas se interessam por problemas da comunidade, usando seus conhecimentos e recursos humanos para diagnostic-los e encaminh-los. Os objetivos da nova educao pretendida so certamente mais amplos do que os do velho projeto pedaggico. Antes se desejava transmitir conhecimentos disciplinares padronizados, na forma de informaes e procedimentos estanques; agora se deseja promover competncias gerais, que articulem conhecimentos disciplinares ou no. Essas competncias dependem da compreenso de processos e do desenvolvimento de linguagens, a cargo das disciplinas, e estas devem, por sua vez, ser tratadas como campos dinmicos de conhecimento e de interesses, e no como listas de saberes oficiais. Ao lidar com as Cincias Humanas, este volume estar enfatizando propostas re l a t i v a s s d i s c i p l i n a s d e s s a re a , m a s g r a n d e p a r t e d a s a n l i s e s e recomendaes envolvem todo o projeto pedaggico da escola, transcendendo o trabalho das disciplinas e mesmo aquele que deve ser conduzido estritamente por professores. Por exemplo, especialmente para jovens, cujas famlias estejam

12

13marginalizadas economicamente ou apartadas de participao social, a escola de ensino mdio pode constituir uma oportunidade nica de orientao para a vida comunitria e poltica, econmica e financeira, cultural e desportiva. Boa parte desses temas e atividades no eram reconhecidos como funes da escola, no tempo em que ela s atendia a um pblico que, por meios e iniciativas prprios, se informava desses assuntos fora do ambiente escolar. Mesmo hoje, esses outros papis da escola sociais, cvicos e comunitrios podem ser essenciais para algumas escolas, mas menos relevantes para outras. preciso, enfim, considerar a realidade do aluno e da escola, e evitar sugerir novas disciplinas ou complicar o trabalho das j existentes, at porque esse tipo de aprendizado no se desenvolve necessariamente assistindo a aulas, mas sobretudo em outras prticas. O que motiva essas sugestes lembrar a primeira finalidade da educao bsica, de acordo com o artigo 22 da LDBEN 96, a formao comum indispensvel para o exerccio da cidadania... e, diante da obrigao do cumprimento dessa finalidade, o educador no tem direito de ignorar a condio extra-escolar do educando.A disseminao de um conceito mais generoso de educao depende de toda a sociedade, e no s de medidas oficiais.

Constitui um alento perceber que muitas escolas brasileiras j esto realizando esse trabalho de forma exemplar, conscientes de que devem promover todos os seus alunos e no selecionar alguns; que devem emancip-los para a participao e no domestic-los para a obedincia; que devem valoriz-los em suas diferenas individuais e no nivel-los por baixo ou pela mdia. Parte do que foi sintetizado acima e tambm do que ser exposto a seguir resume um aprendizado da nova escola brasileira, no como receita para ser seguida sem esprito crtico, e sim como sugesto do que fazer, de como criar o novo.

Novas orientaes para o ensinoNo sentido de encaminhar um ensino compatvel com as novas pretenses educativas e ampliar as orientaes contidas nos PCN para o ensino mdio, adiantando elementos que ainda no estavam explicitados, este volume dedicado especialmente s Cincias Humanas procura trazer elementos de utilidade para o professor de cada disciplina, na articulao entre competncias e conceitos da qual emergem sugestes temticas que sejam facilitadoras para a construo dos processos de ensino e de aprendizagem. No mbito de cada disciplina, os conceitos estruturadores com os quais se pode organizar o ensino constituem uma composio de elementos curriculares da Filosofia, Geografia, Histria e Sociologia, com competncias e habilidades, no sentido em que esses termos so utilizados nos PCN do Ensino Mdio ou no Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM). Dessa forma, cada disciplina

A reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento

a p re s e n t a u m c o n j u n t o d e c o n c e i t o s e s t ru t u r a d o re s a r t i c u l a d o s c o m conhecimentos, que no so s tpicos disciplinares nem s competncias gerais ou habilidades, mas sugestes de snteses de ambas as intenes formativas. Ao se apresentarem dessa forma, esses conceitos estruturadores do ensino disciplinar e de seu aprendizado no mais se restringem, de fato, ao que tradicionalmente se considera responsabilidade de uma nica disciplina, pois incorporam metas educacionais comuns s vrias disciplinas da rea e s das demais reas, o que implica modificaes em procedimentos e mtodos, que j sinalizam na direo de uma nova atitude da escola e do professor. As sugestes temticas que sero apresentadas derivadas que so dos conceitos estruturadores e das competncias sugeridas para a rea em geral e para cada disciplina que a compe em particular no devem ser entendidas como listas de tpicos que possam ser tomadas por um currculo mnimo, porque simplesmente uma proposta, nem obrigatria nem nica, de uma viso ampla do trabalho em cada disciplina. Sob tal perspectiva, o aprendizado conduzido de forma que os saberes disciplinares, com suas nomenclaturas especficas, no se separam do domnio das linguagens de utilidade mais geral, assim como os saberes prticos no se apartam de aspectos gerais e abstratos, de valores ticos e estticos, ou seja, esto tambm associados a vises de mundo. Nessa proposta, portanto, os conceitos, as competncias e os conhecimentos so desenvolvidos em conjunto e se reforam reciprocamente. Tendo em vista as prticas tradicionalmente adotadas na escola mdia brasileira, o que est sendo proposto depende de mudanas de atitude na organizao de novas prticas. Por isso, as sugestes de temticas derivadas dos conceitos estruturadores e das competncias, que se pretende que os educandos venham a construir/desenvolver em cada disciplina, no devem ser burocraticamente divididas ao longo de um dado ano letivo, e sim ampliadas e/ou reduzidas de acordo com as necessidades locais de cada escola, bem como de acordo com as normas institucionais que regulamentam cada sistema de ensino. Assim, o nmero de aulas por disciplina, que varia significativamente no interior de redes pblicas e privadas de ensino, exige correspondente adequao e reduo no conjunto de metas em sua organizao. Importa lembrar, no entanto, que possveis redues, mesmo que no desejveis, demandam critrios que preservem aspectos disciplinares essenciais, tanto quanto no descartem as competncias e conceitos estruturadores centrais. Nessa nova compreenso do ensino mdio e da educao bsica, a organizao do aprendizado no seria conduzida de forma solitria pelo professor de cada disciplina, pois escolhas pedaggicas feitas numa disciplina no seriam independentes do tratamento dado s demais disciplinas da rea e mesmo das outras duas reas, uma vez que uma ao de cunho interdisciplinar que articula o trabalho das disciplinas, no sentido de promoverem competncias. As linguagens, as cincias e as humanidades continuam sendo disciplinares, mas preciso desenvolver seus conhecimentos de forma a constiturem, a um s tempo,

14

15cultura geral e instrumento para a vida, ou seja, desenvolver, em conjunto, conhecimentos e competncias. Contudo, assim como a interdisciplinaridade surge do contexto e depende da disciplina, a competncia no rivaliza com o conhecimento; pelo contrrio, s se funda sobre ele e se desenvolve com ele.

Conhecimentos, competncias, disciplinas e seus conceitos estruturadoresO novo ensino mdio deve estar atento para superar contradies reais ou aparentes entre conhecimentos e competncias. Para quem possa temer que se estejam violando os limites disciplinares, quando estes se compem de conhecimentos e competncias, vale lembrar que as prprias formas de organizao do conhecimento as disciplinas tm passado por contnuos rearranjos. Muitas disciplinas acadmicas e muitos campos da cultura so resultados de processos de sistematizao recentes de conhecimentos prticos ou tericos, reunindo elementos que, em outra pocas, estavam dispersos em distintas especialidades. A diviso de territrios entre as distintas cincias humanas um exemplo de como, na organizao disciplinar do conhecimento, no h demarcaes absolutas, pois h mesmo aspectos comuns da geografia e da sociologia, ou tambm da histria e da antropologia, tanto da perspectiva conceitual e/ou temtica quanto de instrumentos analticos. A filosofia partilha alguns de seus temas centrais com diferentes disciplinas das cincias humanas e com outras das cincias da natureza. As linguagens, por sua vez, dos idiomas s artes, tm seus recortes temticos e disciplinares em permanente transformao, alm do que, em um mesmo local e perodo, convivem vises diferentes ou mesmo divergentes sobre quais so seus temas centrais de aprendizado e sobre as forma mais recomendveis para seu ensino. Ainda que as disciplinas no sejam sacrrios imutveis do saber, no haveria nenhum interesse em redefini-las ou fundi-las para objetivos educacionais. preciso reconhecer o carter disciplinar do conhecimento e, ao mesmo tempo, o r i e n t a r e o rg a n i z a r o a p re n d i z a d o , d e f o r m a q u e c a d a d i s c i p l i n a , n a especificidade de seu ensino, possa desenvolver competncias gerais. H nisso uma contradio aparente, que preciso discutir, pois especfico e geral so adjetivos que se contrapem, dando a impresso de que o ensino de cada disciplina no possa servir aos objetivos gerais da educao pretendida. H habilidades e competncias cujo desenvolvimento no se restringe a qualquer tema, por mais amplo que seja, pois implica um domnio conceitual e prtico, para alm de temas e de disciplinas. A prpria competncia de dar contexto social e histrico a um conhecimento cientfico um exemplo que no est restrito a nenhuma disciplina ou rea em particular. O que preciso compreender que, precisamente por transcender cada disciplina, o exerccio

A reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento

dessas competncias e dessas habilidades est presente em todas elas, ainda que com diferentes nfases e abrangncias. Por isso, o carter interdisciplinar de um currculo escolar no reside nas possveis associaes temticas entre diferentes disciplinas, que em verdade, para sermos rigorosos, costumam gerar apenas integraes e/ou aes multidisciplinares. O interdisciplinar se obtm por outra via, qual seja, por uma prtica docente comum na qual diferentes disciplinas mobilizam, por meio da associao ensino-pesquisa, mltiplos conhecimentos e competncias, gerais e particulares, de maneira que cada disciplina d a sua contribuio para a construo de conhecimentos por parte do educando, com vistas a que o mesmo desenvolva plenamente sua autonomia intelectual. Assim, o fato de diferentes disciplinas trabalharem com temas tambm diversos no implica a inexistncia de trabalho interdisciplinar, desde que competncias e habilidades sejam permanentemente mobilizadas no mbito de uma prtica docente, como dissemos acima, centrada na associao ensinopesquisa. No h receita nem definio nica ou universal para as competncias, que so qualificaes humanas amplas, mltiplas e que no se excluem entre si. Por exemplo, os PCN para o Ensino Mdio explicitam trs conjuntos de competncias: o de comunicar e representar, o de investigar e compreender, assim como o de contextualizar social ou historicamente os conhecimentos. Por sua vez, de forma semelhante mas no idntica, o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) aponta cinco competncias gerais: dominar diferentes linguagens, desde idiomas at representaes matemticas e artsticas; compreender processos, sejam eles sociais, naturais, culturais ou tecnolgicos; diagnosticar e enfrentar problemas reais; construir argumentaes; e elaborar proposies solidrias. Informar e informar-se, comunicar-se, expressar-se, argumentar logicamente, aceitar ou rejeitar argumentos, manifestar preferncias, apontar contradies, fazer uso adequado de diferentes nomenclaturas, de diferentes cdigos e de diferentes meios de comunicao, so competncias gerais que fazem parte dos recursos de todas as disciplinas, e que, por isso, devem se desenvolver no aprendizado de cada uma delas. Assim, lado a lado com o aprendizado de competncias, que, primeira vista, poderiam parecer mais disciplinares como compreender processos naturais, sociais e tecnolgicos, assim como interpretar manifestaes culturais e artsticas , podem ser aprendidas competncias aparentemente mais gerais como fazer avaliaes quantitativas e qualitativas, em termos prticos, ticos e estticos, equacionar e enfrentar problemas pessoais ou coletivos, participar socialmente, de forma solidria, ser capaz de elaborar crticas ou propostas. Algumas dessas competncias podem ter um apelo mais tcnico-cientfico, outras mais artstico-cultural, mas h um arco de qualidades humanas que, ainda que em doses distintas, tomaro parte nos fazeres de cada aprendizado especfico. H outras qualidades como desenvolver apreo pela cultura, respeito pela diversidade e atitude de permanente aprendizado, questionamento e disponibilidade para a ao que so valores humanos amplos sem qualquer especificidade disciplinar e que,

16

17portanto, devem estar integradas a todas as prticas educativas. Mas isso s acontece se a formao for concebida como um conjunto, em termos de objetivos e formas de aprendizado. Aprende a comunicar, quem se comunica; a argumentar, quem argumenta; a resolver problemas reais, quem os resolve; e a participar de um convvio social, quem tem essa oportunidade. Disciplina alguma desenvolve tudo isso isoladamente, mas a escola as desenvolve nas disciplinas que ensina e nas prticas de cada classe e de cada professor. Por essa razo, quando forem trabalhadas as vrias disciplinas da rea de conhecimento, juntamente com a apresentao das competncias no mbito da rea e das disciplinas, sero apresentados conceitos estruturadores do ensino dessa rea, assim como das disciplinas que a compem, com vistas a facilitar uma organizao do aprendizado compatvel com a ambio formativa expressa anteriormente. A partir da, apresentaremos algumas sugestes de organizao temtica. claro que os conceitos estruturadores, assim como as sugestes temticas, que sero apresentados no so a nica forma possvel de organizao, podendo e devendo, portanto, ser modificados de acordo com o ritmo e as caractersticas da escola ou da turma. So, enfim, sugestes de trabalho, e no modelos fechados. No entanto, a adoo dessas sugestes, ou outras equivalentes do mesmo ponto de vista terico-metodolgico, permitem no apenas uma organizao disciplinar do aprendizado mas tambm do margem a alternativas de organizao do aprendizado na rea e no conjunto das reas. No mbito escolar, essa organizao por rea pode tambm contribuir para uma melhor estruturao do projeto pedaggico de escola.

A articulao entre as reasA articulao inter-reas uma clara sinalizao para o projeto pedaggico da escola. Envolve uma sintonia de tratamentos metodolgicos e, no presente caso, pressupe a composio de um aprendizado de conhecimentos disciplinares com o desenvolvimento de competncias gerais. S em parte essa integrao de metas formativas pode ser realizada por projetos concentrados em determinados perodos, nos quais diferentes disciplinas tratem ao mesmo tempo de temas afins. Mais importante do que isso o estabelecimento de metas comuns envolvendo cada uma das disciplinas de todas as reas, a servio do desenvolvimento humano dos alunos (centrado no desenvolvimento de competncias e habilidades) e tambm dos professores. De forma consciente e clara, disciplinas da rea de linguagens e cdigos devem tambm tratar de temticas cientficas e humansticas, assim como disciplinas da rea cientfica e matemtica, ou da humanista, devem tambm desenvolver o domnio de linguagens. Explicitamente, disciplinas da rea de linguagens e cdigos e da rea de cincias da natureza e matemtica devem tambm tratar de aspectos histrico-geogrficos e culturais e, vice-versa, as

A reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento

cincias humanas devem tambm tratar de aspectos cientfico-tecnolgicos e das linguagens. No se trata de descaracterizar as disciplinas, confundindo-as todas em prticas comuns ou indistintas; o que interessa promover uma ao concentrada do seu conjunto e tambm de cada uma delas, a servio do desenvolvimento de competncias gerais que dependem do conhecimento disciplinar e, portanto, do domnio de seus conceitos estruturadores. As sugestes que apresentaremos visam indicar a possibilidade de que uma disciplina da rea venha a tratar, com contexto e interdisciplinaridade via mobilizao de conceitos e competncias, de um tema que lhe prprio, sem a necessidade de que, no mesmo perodo, outras disciplinas estejam tratando dos mesmos temas. Isso no significa que projetos integradores coletivos no possam ser desenvolvidos nem que cada professor deva ser deixado isolado, na procura e no desenvolvimento de temas especficos de sua disciplina. Alm do esforo de qualificao docente, para facilitar ou mesmo possibilitar tais desenv o l v i m e n t o s , i m p o r t a n t e u m a a t i t u d e c o l e t i v a d o s p ro f e s s o re s e d a comunidade, estimulada e apoiada pela direo escolar, no sentido de se elaborar e desenvolver um projeto pedaggico da escola no qual os objetivos educacionais, entre os quais o de promoo de competncias humanas mais amplas, estejam traduzidos em prticas formativas de cada uma das disciplinas e de seu conjunto. Um dos domnios dessa articulao o que se d entre diferentes reas do conhecimento. O outro domnio o da articulao no interior de cada rea.

A articulao entre as disciplinas em cada uma das reasAparentemente, seria bem mais fcil estabelecer uma articulao entre as disciplinas de uma mesma rea do que entre as de reas diferentes, pois h elementos de identidade e proximidade no interior de cada rea. H conceitos estruturadores comuns decorrentes disso, como as diferentes noes de cultura nas Cincias Humanas. H, ainda, procedimentos comuns, como as tcnicas de entrevistas e levantamento de dados e informaes de algumas das cincias humanas, e h aspectos metodolgicos comuns, como as atividades de anlise e interpretao geral de fenmenos sociais. A despeito de todas essas convergncias para se compor um programa de trabalho articulado em uma rea, h difceis obstculos que precisam ser transpostos. Primeiro, preciso encontrar os pontos de contato reais entre as disciplinas da rea. Em seguida, a partir desses pontos, preciso estabelecer as pontes e o trnsito entre as disciplinas, que nem sempre interligaro da mesma forma todas essas disciplinas. Finalmente, preciso identificar, analisar e desfazer falsas semelhanas, traduzir linguagens diferentes usadas para o mesmo objeto ou distinguir linguagens iguais usadas para identificar conceitos diferentes. Em suma, h que se compreender e trabalhar convergncias e divergncias, reais ou aparentes, determinar e desenvolver temticas e mtodos

18

19comuns e, com esse conhecimento, preparar o trabalho de cada disciplina e de seu conjunto. Tal articulao intra-rea no deveria ser vista simplesmente como um produto novo, a ser apresentado escola, pois, sob certos aspectos, uma dvida antiga que se tem com o aluno. Uma parcela dessa dvida poderia ser paga com a apresentao de uma linguagem e da nomenclatura realmente comuns entre vrias das disciplinas. Nas Cincias Humanas, a problemtica da identidade, por exemplo, objeto de estudo da Psicologia, da Sociologia, da Filosofia e da Histria e pelo estudo da linguagem especfica com que tais reas de conhecimento a definem. Ela vai estar presente nas questes de afirmao e auto-estima do jovem estudante, no estudo antropolgico das organizaes familiares, das culturas alimentares, musicais ou religiosas, nas questes de identidade nacional diante da globalizao cultural. Seu tratamento articulado, resultante de um entendimento entre professores de uma mesma escola, poderia promover um reforo recproco no trabalho dessas e de outras disciplinas da rea. Tambm por meio de um trabalho compartilhado, Geografia, Histria, Sociologia e Filosofia podem desenvolver um tratamento articulado da questo das disparidades econmicas e sociais, em sua atualidade e em sua gnese, a partir do estudo de diferentes temticas e no necessariamente de um tema c o m u m , v i s t o q u e o e s t u d o d e d i f e re n t e s t e m a s p o d e m g e r a r a n l i s e s relacionadas s questes citadas acima. Ao serem revistas as razes de nossa sociedade, paralelamente ao estudo da histria de outros povos, ao se compararem evoluo de movimentos sociais e ordens econmicas com a histria das idias polticas, possvel desenvolver instrumentos que permitam aos estudantes discutir a ainda to pouco compreendida sociedade ps-industrial, neste mundo em que Internet, cereais transgnicos e veculos informatizados convivem com interminveis guerras tnicas e religiosas, com a extremada pobreza qual esto relegadas partes significativas das populaes africanas, a re e s t r u t u r a o d o L e s t e E u ro p e u , o s c o n f l i t o s d o O r i e n t e M d i o e t c . Compreender o sentido dos grandes blocos econmicos e da velha e da nova economia pode ser parte de um mesmo estudo, que permitiria formular hipteses, propostas e alternativas de soluo, em torno da possibilidade de se superar a excluso social e econmica, dominante em grande parte do mundo. So incontveis as propostas de articulao no interior de cada rea ou de cruzamento de fronteiras entre as trs reas, a servio do desenvolvimento de competncias mais gerais. Os exemplos citados aqui so apenas uma pequena amostra de que possvel construir essa articulao, que s uma das dimenses em que preciso atuar, para subsidiar a reforma educacional, iniciada h alguns anos, e que ainda tem um longo caminho a percorrer para mudar a realidade das escolas brasileiras. O trabalho apresentado a seguir com sugestes de possveis organizaes curriculares e temticas em cada disciplina pode auxiliar a dar passos significativos nessa direo.

A reformulao do ensino mdio e as reas do conhecimento

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

O trabalho interdisciplinar e contextualizadoAntes de tratarmos de forma mais particularizada dos conceitos estruturadores da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias, bem como da articulao desses conceitos com as competncias gerais da referida rea, importante esclarecermos, ainda que de forma sinttica, algumas questes que consideramos fundamentais para a compreenso da conceituao de interdisciplinaridade de que faremos uso neste documento. Entendemos que o esclarecimento sobre as questes terico-metodolgicas relacionadas conceituao de interdisciplinaridade deve ser processado antes de se definir qual tipo de trabalho uma escola pretende realizar. comum o equvoco que deixa de lado tal discusso sob a alegao de que temos que ir direto prtica. Tal condio inexiste, uma vez que toda e qualquer prtica antecedida por um pensar e planejar sobre o que se pretende realizar. Esse alerta importante para que no enveredemos por propostas supostamente interdisciplinares que, na realidade, costumam apenas integrar diferentes disciplinas no mbito de algum projeto curricular. Um trabalho interdisciplinar, antes de garantir associao temtica entre diferentes disciplinas ao possvel mas no imprescindvel , deve buscar unidade em termos de prtica docente, ou seja, independentemente dos temas/assuntos tratados em cada disciplina isoladamente. Os educadores de determinada unidade escolar devem comungar de uma prtica docente comum voltada para a construo de conhecimentos e de autonomia intelectual por parte dos educandos. Em nossa proposta, essa prtica docente comum est centrada no trabalho permanentemente voltado para o desenvolvimento de competncias e habilidades, apoiado na associao ensinopesquisa e no trabalho com diferentes fontes expressas em diferentes linguagens, que comportem diferentes interpretaes sobre os temas/ assuntos trabalhados em sala de aula. Portanto, esses so os fatores que do unidade

ao trabalho das diferentes disciplinas, e no a associao das mesmas em torno de temas supostamente comuns a todas elas. Outro aspecto a ser lembrado que, sob tal perspectiva, o trabalho docente deve fazer com que as chamadas aulas meramente discursivas ou expositivas se tornem coadjuvantes e secundrias em relao s posturas de mediao que o educador deve assumir em relao aos trabalhos realizados pelos educandos (individualmente, em grupos ou coletivamente). O subproduto natural dessa opo ser a reduo drstica dos chamados contedos programticos, que no podem ser vistos como um fim em si, mas apenas como meios para que os educandos construam conhecimentos. Afinal, no se deve pretender formar jovens historiadores; jovens gegrafos; jovens filsofos; jovens socilogos etc., na escola de Ensino Mdio. No so essas as finalidades desse segmento de ensino.Ter discernimento para perceber as fronteiras existentes entre os chamados conhecimentos e saberes acadmicos e os conhecimentos e saberes escolares , portanto, um pressuposto fundamental e uma competncia profissional que necessita ser desenvolvida e aplicada no fazer didtico e pedaggico de nossos educadores.

Alm disso, tambm devemos deter nossa ateno em um outro aspecto: a contextualizao. A tradio existente, seno em todas mas ao menos na maioria das propostas de trabalho que envolvem as disciplinas da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias, costuma vincular a noo de contexto condio de conjunto de aspectos gerais, que supostamente fazem as vezes de pano de fundo ou cenrio no qual se desdobram os acontecimentos sociais apresentados como relevantes por essa mesma tradio. No entanto, quando aqui nos referimos noo de contextualizao como parte necessria da prtica docente comum, que alicera um trabalho efetivamente interdisciplinar, estamos apontando para uma outra direo, qual seja, a da significao dos temas/assuntos a serem estudados pelos educandos, no mbito do viver em sociedade amplo e particular dos mesmos. Nesse sentido, a noo de contextualizao deixa de ser ditada por tradies externas e mesmo estranhas aos educandos e passa a ser compreendida como a soma de espaos de vivncias sociais diretas e indiretas, nas quais os educandos identificam e constroem/reconstroem conhecimentos a partir da mobilizao de conceitos, competncias e habilidades prprios de uma determinada rea e/ou disciplina escolar. Dessa forma, as escolhas de temas/assuntos, que sero motivo de estudo e estruturao de atividades problematizadoras frente realidade social, no ficam sujeitas s determinaes meramente acadmicas, que circundam e conferem supostas escalas de rigor analtico aos conhecimentos construdos/reconstrudos pelos educandos no fazer cotidiano das atividades escolares.Para que a contextualizao seja de fato alcanada, devemos nos desvencilhar das amarras ditadas pela tradio e repensar as noes de contedo curricular.

22

23Para alm simplesmente dos contedos programticos, que se traduzem quase sempre pelos temas e assuntos existentes em um dado programa escolar, devemos lembrar que contedo curricular todo e qualquer aspecto e/ou varivel que de alguma maneira interfere na construo de conhecimentos por parte dos educandos. Assim, se temos como certo que os conceitos de determinada disciplina, os materiais utilizados em sala de aula, as atividades propostas para os educandos, os procedimentos utilizados, as competncias e habilidades a serem desenvolvidas e/ou mobilizadas, alm dos prprios temas e assuntos selecionados, entre outros, so aspectos e/ou variveis que interferem na construo/reconstruo de conhecimentos por parte dos educandos, todos esses elementos devem ser considerados como sendo contedo curricular, e no nos limitarmos, como dissemos acima, a acreditar que apenas os ditos contedos programticos que merecem tal definio. Assim, uma prtica docente centrada no desenvolvimento de competncias e habilidades e na realizao de atividades escolares significativas e contextualizadas que mobilizem e auxiliem na construo/reconstruo de diferentes conhecimentos por parte dos educandos, no mbito dos trabalhos de uma dada disciplina associa-se, necessariamente, a uma nova postura do educador. Uma postura centrada na mediao dos processos de construo/reconstruo dos conhecimentos escolares por parte dos educandos, e no na condio de mero retransmissor desses conhecimentos para os mesmos. Se tais premissas forem desenvolvidas e praticadas por educadores de diferentes disciplinas concomitantemente, inclusive no que se refere prtica de processos de avaliao centrados na observao do desenvolvimento dos educandos em relao s competncias, habilidades e conceitos que estes mobilizam, constroem e reconstroem ao longo dos processos de ensino e de aprendizagem, a teremos um trabalho efetivamente interdisciplinar, independentemente do fato de disciplinas diversas trabalharem com temas/assuntos diferenciados entre si. Isso porque teremos diferentes disciplinas contribuindo, cada qual no mbito dos objetos de estudos, conceitos, procedimentos, competncias e habilidades que lhes so prprios, para que os educandos construam/reconstruam conhecimentos e desenvolvam autonomia intelectual. A ao conjugada e planejada de diferentes disciplinas em tal direo somente ocorre pela comunho de prticas e no de temas. Vem da que a primeira situao cria uma perspectiva de trabalho interdisciplinar, enquanto a segunda confere aos trabalhos escolares to somente um carter integrador numa perspectiva multidisciplinar. Uma perspectiva que, como j dissemos, pode ser facilitadora para que algumas questes relacionadas aos processos de ensino e de aprendizagem venham a ser equacionadas, mas que no se constitui, por si s, em uma prtica escolar, docente e curricular efetivamente interdisciplinar. Mais adiante, retomaremos as questes sobre as quais acabamos de nos deter. Antes, porm, vejamos quais so os conceitos que estruturam a rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias e de que maneira esses conceitos se articulam com as competncias gerais da rea.

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

Os conceitos estruturadores da reaEm termos gerais, o que um conceito? A pergunta em si pode nos revelar muitas e complexas respostas, mas fiquemos com uma das possibilidades, aquela que nos diz que um conceito a representao das caractersticas gerais de determinado objeto pelo pensamento. Nesse sentido, conceituar significa a ao de formular uma idia que permita, por meio de palavras, estabelecer uma definio, uma caracterizao do objeto a ser conceituado. Tal condio implica reconhecer que um conceito no o real em si, e sim uma representao desse real, construda por meio do intelecto humano. Dessa forma, o conceito construdo pelo intelecto com base na anlise que realizamos da realidade. Sua finalidade maior , digamos, servir de ferramenta intelectual que possa ser reutilizada para que novas anlises sejam processadas. No entanto, nem toda anlise gera novos conceitos, na medida em que muitas das atividades analticas lanam mo de conceitos j construdos e que, como j dissemos, so reutilizados para que o percurso humano de construo/ reconstruo de conhecimentos seja ampliado em escalas cada vez mais complexas e abrangentes. Embora, em termos gerais, esses aspectos amplos presentes na construo de conceitos possam ser identificados em diferentes reas de conhecimento, cada uma dessas reas bem como as disciplinas que as compem apresentam quadros conceituais que lhes conferem identidade e as caracterizam de modo a que se consiga diferenciar umas das outras. Assim, para que possamos identificar as peculiaridades conceituais de diferentes reas, e tambm de diferentes disciplinas, necessrio identificarmos, mesmo que de forma parcial e, portanto, incompleta, os aspectos que caracterizam os objetos de estudo e de conhecimento dessas reas e disciplinas. Em termos globais, a rea sobre a qual nos detemos aqui, ou seja, a rea de Cincias Humanas, tem por objeto amplo o estudo das aes humanas no mbito das relaes sociais, que so construdas entre diferentes indivduos, grupos, segmentos e classes sociais, bem como as construes intelectuais que estes elaboram nos processos de construo dos conhecimentos que, em cada momento, se mostram necessrios para o viver em sociedade, em termos individuais ou coletivos. Dessa forma, reafirmamos que, quando falamos em conceitos estruturadores de uma determinada rea, estamos nos referindo aos conjuntos de representaes do real que caracterizam, em termos bsicos, determinada rea e a diferencia de outras. E para que possamos identificar quais conceitos so estruturadores de uma dada rea, necessrio, como fizemos acima, estabelecer qual o seu objeto central. Dele derivam as demarcaes que iro nos fornecer as referncias para determinar, ainda que de forma incompleta, os pilares conceituais de uma rea. No entanto, convm lembrar que uma rea de conhecimento s pode ser

24

25caracterizada a partir das partes que a compem, em um processo de anlise que, ao desmontar o objeto central da rea, nos conduz percepo de outros objetos que caracterizam os segmentos da rea. Tais segmentos so as disciplinas, com seus objetos prprios, que trazem em seu bojo aspectos que formam a rea como um todo. Por causa dessa condio, os conceitos estruturadores de uma rea esto presentes de forma transversal, portanto, de maneira explcita e/ou implcita, em todas as disciplinas que a compe, embora no mbito de cada disciplina possam ser percebidos conceitos mais particulares, que no fazem parte das representaes do real presentes em outras disciplinas da mesma rea. Assim, demarcar os conceitos estruturadores de uma rea implica identificar quais representaes do real so suficientemente amplas para servirem de ferramentas intelectuais que podem ser utilizadas/reutilizadas de forma global nos processos de anlise que envolvem os objetos centrais das diferentes disciplinas de uma dada rea, mesmo que no sejam particulares a nenhuma delas. A identificao desses conceitos gerais, no entanto, no significa afirmar que determinados conceitos no possam apresentar a dupla condio de serem, ao mesmo tempo, conceitos estruturadores gerais de uma rea e tambm assumirem formas particulares no mbito do objeto de disciplinas especficas que compem essa rea, tornando-se, assim, conceitos estruturadores tambm dessas disciplinas. Tal o caso, por exemplo, do conceito de cultura: em termos gerais esse um conceito estruturador da rea de Cincias Humanas, mas, tambm, quando formulado de forma especfica, identificado como um conceito estruturador tanto da disciplina Histria quanto da disciplina Sociologia. No sentido inverso, temos conceitos que s podem ser identificados como estruturadores de uma dada disciplina. Um exemplo dessa condio o conceito de territrio que, embora seja utilizado por emprstimo por diferentes disciplinas, um conceito estruturador especfico de uma disciplina em particular, qual seja, a Geografia. J dissemos antes que o objeto central da rea de Cincias Humanas o estudo das aes e das elaboraes intelectuais que os seres humanos constroem no mbito das relaes sociais que travam entre si. Tambm afirmamos que dessa condio primeira derivam as representaes gerais do real que caracterizam a rea de Cincias Humanas, e que, portanto, daro origem a um conjunto de conceitos que, por permearem transversalmente todas as disciplinas q u e f a z e m p a r t e d e s s a re a , s e r o d e f i n i d o s c o m o s e n d o o s c o n c e i t o s estruturadores da mesma. Observemos, ento, o seguinte: admitir que as aes e elaboraes intelectuais humanas so construdas no mbito de relaes sociais variadas, implica reconhecer que tais relaes se desenvolvem em escalas de similaridade e/ou igualdade e/ou subordinao entre diferentes indivduos, tanto em termos propriamente individuais quanto coletivos, e, tambm, que envolvem conflitos de interesses e formas de persuaso variadas. Assim, independentemente de tais variaes, uma

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

situao geral est sempre presente nas relaes sociais: a existncia de dominao, que por sua vez implica o exerccio de algum tipo de poder. Devemos compreender tambm que qualquer exerccio de poder que efetiva alguma forma de dominao no se d de maneira aleatria, e sim como parte de um conjunto de valores, atitudes e aes, que, mesmo em estado de conflito e tenso individual e/ou coletiva, so de alguma maneira aceitos e/ou praticados por parte significativa dos membros de determinada comunidade e/ou sociedade. Esse conjunto de valores, atitudes e aes compe o campo da tica dominante em uma comunidade e/ou sociedade. Mas a tica dominante no a nica forma de representao e justificao dos valores, atitudes e aes praticados por determinada comunidade e/ou sociedade, j que as mesmas esto inseridas em um universo ainda mais amplo, qual seja, o das representaes e construes da cultura entendida aqui como sendo todas as formas de manifestao simblica e de comunicao (como a escrita, as artes, e, em termos mais recentes, os meios de comunicao de massa, como o rdio, a TV e a internet), bem como os hbitos e ritos construdos/reconstrudos por determinada comunidade ou sociedade (PCNEM, 1999, p. 301). Dessas representaes culturais e ticas derivam diferentes formas de aproximao e de aceitao que os seres humanos se utilizam para conseguir se situar socialmente frente s relaes sociais amplas e/ou particulares. no mbito desse processo que se desenvolvem os sentimentos de ser e de pertencer, traduzidos pela identidade social que cada indivduo constri para si. Convm lembrar, no entanto, que essa construo da identidade no est submetida apenas s escolhas individuais, mas tambm, e talvez sobretudo, s diferentes influncias coletivas s quais cada indivduo est submetido. De qualquer modo, essa soma de escolhas individuais e influncias coletivas molda indivduos nicos, apesar de serem, pertencerem e se identificarem com a cultura e a tica que prevalecem em dada comunidade e/ou sociedade. Enfim, so sujeitos sociais semelhantes no plano coletivo mas diferentes no plano individual. A esses contextos construdos como desdobramentos das relaes sociais que os seres humanos contraem entre si, no cotidiano de suas vidas em sociedade, soma-se um outro em relao ao qual no podemos deixar de voltar nossas atenes: o contexto da sobrevivncia fsica e material. Sem pretendermos estabelecer escalas de subordinao, j que as relaes sociais no derivam to somente das formas como os seres humanos buscam satisfazer suas necessidades de sobrevivncia, devemos, no entanto, perceber que todas as sociedades humanas trazem em seu bojo essa necessidade. Dela deriva a existncia de atividades que visam supri-la. E tais atividades, por sua vez, implicam a realizao de alguma forma de trabalho. No importa se o trabalho manual de um tipo mais simples, tal qual a coleta de frutos em estado natural, ou o trabalho que envolve a aplicao ampla e/ou particular de conhecimentos sofisticados. Essas formas de trabalho vm se juntar a outras, nem sempre reconhecidas ou mesmo identificadas como sendo trabalho, como,

26

27por exemplo, o trabalho de um artista. Portanto, o trabalho, seja nas atividades de satisfao das necessidades de sobrevivncia, seja nas atividades relacionadas s diversas construes intelectuais e culturais, outro contexto sempre presente nas sociedades de diferentes pocas e lugares. Com isso completamos o quadro que nos fornece a parte mais substancial das referncias indicativas que, a nosso ver, iro nos auxiliar a definir em termos gerais quais contextos reais esto sempre presentes, no importa em qual sociedade. Enfim, esse o quadro que estabelece os indicativos bsicos que em determinada poca puderam ser agrupados para que se definisse qual o campo de anlise das Cincias Humanas de forma geral e, por conseguinte, qual o objeto que caracteriza essa rea de conhecimento. J dissemos que os conceitos so representaes do real. Por isso, devemos observar que a existncia de relaes sociais, dominao, poder, tica, cultura, identidade e trabalho, como contextos amplos presentes em toda e qualquer sociedade, no implica necessariamente a conceituao dos mesmos desde o momento em que esses contextos passaram a existir, no importa se em escalas mais simples ou mais complexas. A escala conceitual de tais contextos acompanha o prprio desenvolvimento do conhecimento humano acerca do meio social e natural. Como representaes do real que so, os conceitos foram construdos gradativamente, vindo a ser definidos como instrumentos de anlise apenas a partir do advento da demarcao do conhecimento humano em reas e disciplinas especficas, fato esse recente na histria da humanidade. Assim, a existncia de relaes sociais, dominao, poder, tica, cultura, identidade e trabalho foi por muito tempo um conjunto de contextos presentes em todas as sociedades sem, no entanto, serem representados por meio de alguma construo do intelecto humano. Eram contextos praticados socialmente, embora no existissem representaes intelectuais dos mesmos com a finalidade de servir de ferramentas intelectuais para serem aplicadas a qualquer tipo de anlise, a fim de compreender de que maneira as sociedades se organizam e so construdas/reconstrudas em funo das aes de diferentes sujeitos sociais. Foi, portanto, com desenvolvimento de conhecimentos e, posteriormente, com o agrupamento destes em diferentes campos de saber, entre os quais aquele que veio a ser denominado de cincias humanas, que os seres humanos lapidaram e deram forma s representaes intelectuais a serem aplicadas nas anlises relacionadas aos estudos sobre os meios naturais e sociais reais. Assim, identificar o objeto que caracteriza uma rea tambm identificar as representaes intelectuais, logo, conceituais, que derivam desse objeto e que se fazem presentes, de forma geral, em toda e qualquer disciplina que compe essa rea. Mas a mobilizao desses instrumentos de anlise que so os conceitos no se faz por meio da simples aplicao mecnica dos mesmos. Complexos esquemas de pensamento so mobilizados para aplic-los, em conjunto com conhecimentos

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

j apreendidos, em variados processos de resoluo de problemas. Esses esquemas de pensamento so as competncias que caracterizam uma dada rea de conhecimento. E para selecionar/formular de maneira no aleatria quais delas assumem uma condio central, em termos de trabalho pedaggico escolar, necessrio identificar, como fizemos, o objeto da rea, bem como seus conceitos estruturadores. No entanto, antes de identificar quais so as articulaes existentes entre os conceitos estruturadores da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias e as competncias centrais da mesma, da forma como esto expressas nos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio/MEC, vejamos, ainda que brevemente, qual o significado de cada uma dessas competncias.

O significado das competncias da reaAs indicaes oferecidas aqui buscam esclarecer o significado das diversas competncias que se pretende que o educando venha desenvolver ao longo dos processos de ensino e de aprendizagem que envolvem os trabalhos didticopedaggicos das diferentes disciplinas que compem a rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias. No item seguinte deste documento buscaremos identificar algumas das articulaes existentes entre os conceitos estruturadores, sobre os quais discorremos no item anterior, e as competncias gerais da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias. As competncias sobre as quais iremos nos deter agora esto agrupadas em trs campos de competncias gerais: representao e comunicao; investigao e compreenso; contextualizao sociocultural. Vejamos, portanto, quais significados podemos atribuir a cada uma das competncias no interior de cada um dos campos citados acima.

Representao e comunicaoEsse campo de competncias relaciona-se com as linguagens, entendidas aqui como instrumentos de produo de sentido para toda e qualquer formulao do intelecto humano, alm de referir-se tambm s diferentes formas de acesso, organizao e sistematizao de conhecimentos. (PCNEM, 1999, p.296).

Entender a importncia das tecnologias contemporneas de comunicao e informao para planejamento, gesto, organizao e fortalecimento do trabalho de equipe.

Essa competncia relaciona-se diretamente com a possibilidade de que os educandos venham a ser capazes de processar e comunicar informaes e conhecimentos de forma ampla, alm de compreender que no h saber sem

28

29aplicao e transposio para situaes inditas. Outro aspecto a ser destacado refere-se perspectiva de que os educandos venham a ser capazes de desenvolver diferentes habilidades de comunicao (oral, escrita, grfica, pictrica etc.). Essa competncia tambm se relaciona de maneira fundamental para o desenvolvimento de atitudes e valores que reconheam que o conhecimento humano no se constri pelo esforo meramente individual e isolado, e sim pela soma, pela ao coletiva. Tal condio um fundamento bsico para que o indivduo possa se situar socialmente, bem como valorizar suas produes e a de outros, aspectos essenciais para a construo de sua identidade social.

Investigao e compreensoEsse campo de competncias refere-se aos diferentes procedimentos, mtodos, conceitos e conhecimentos que so mobilizados e/ou construdos/reconstrudos nos variados processos de interveno no real, que so sistematizados a partir da resoluo de problemas relacionados s anlises acerca da realidade social. (PCNEM, 1999, p.296).

Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que constituem a identidade prpria e a dos outros.

Essa competncia refere-se s possibilidades dos educandos virem a reconhecer e aceitar diferenas, mantendo e/ou transformando a prpria identidade, no mbito das diferentes relaes sociais e representaes da cultura das quais so participantes e construtores, no cotidiano do viver em sociedade geral e particular.

Compreender a sociedade, sua gnese e transformao, e os mltiplos fatores que nela intervm, como produtos da ao humana; a si mesmo como agente social; e os processos sociais como orientadores da dinmica dos diferentes grupos de indivduos.

Essa competncia refere-se possibilidade de que os educandos venham a compreender que as sociedades so produtos das aes de diferentes sujeitos sociais sendo, portanto, construdas e transformadas em razo da interveno de vrias aes e vrios fatores. Nesse sentido, o desenvolvimento e a mobilizao desta competncia contribuem para que seja percebida parte das diferentes formas como as relaes sociais so construdas/reconstrudas, bem como os processos de dominao e de relaes de poder existentes no interior das relaes sociais.

Entender os princpios das tecnologias associadas ao conhecimento do indivduo, da sociedade e da cultura, entre as quais as de planejamento, organizao, gesto, trabalho de equipe, e associ-las aos problemas que se propem resolver.

Essa competncia, que aponta para a necessidade de os educandos virem a desenvolver capacidades relacionadas obteno e organizao de informaes

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

contidas em diferentes fontes e expressas em diferentes linguagens, associando-as resoluo de situaes-problema de natureza variada, permeia toda e qualquer ao voltada para a anlise e a compreenso dos diferentes contextos nos quais so construdas/reconstrudas as relaes sociais, entre os quais, a ttulo de exemplo, podemos lembrar: as relaes de dominao, as relaes de poder e os valores ticos e culturais presentes nas mesmas.

Contextualizao socioculturalEsse campo de competncias refere-se diversidade e, portanto, constituio dos diferentes significados que saberes de ordem variada podem assumir em diversos contextos sociais. (PCNEM, 1999, p.296).

Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de ocupao de espaos fsicos e das relaes da vida humana com a paisagem, em seus desdobramentos polticos, culturais, econmicos e humanos.

Essa competncia indica que os educandos podero desenvolver conhecimentos que lhes permitam perceber e compreender que as aes humanas so construdas/reconstrudas em tempos e espaos diversos, que se manifestam no mbito das relaes sociais de que so fruto e, ao mesmo tempo, promovem desdobramentos variados motivados por fatores diversos, o que significa dizer que no so condicionados de forma determinista por algum aspecto em particular. Outra questo relacionada a essa competncia diz respeito s mltiplas relaes que os seres humanos travam com os meios social e natural, de maneira a definir as formas como, entre outras, as construes culturais e as relaes de trabalho sero estabelecidas no interior de uma dada comunidade e/ou sociedade.

Compreender a produo e o papel histrico das instituies sociais, polticas e econmicas, associando-as s prticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princpios que regulam a convivncia em sociedade, aos direitos e deveres da cidadania, justia e distribuio dos benefcios econmicos.

Essa competncia aponta para a compreenso de que as instituies sociais, polticas e econmicas so historicamente construdas/reconstrudas por diferentes sujeitos sociais, em processos influenciados por fatores variados, que so produto de diferentes projetos sociais. Tal compreenso implica perceber/reconhecer que as relaes sociais, os valores ticos, as relaes de dominao e de poder, as representaes culturais e as formas de trabalho, que contribuem para a construo da identidade social de um indivduo, no so imutveis ou ausentes de conflitos nem tampouco decorrentes de um nico fator bsico, que supostamente determine as formas como diferentes sociedades se organizaram no passado ou se organizam no presente.

30

31Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as prticas sociais e culturais em condutas de indagao, anlise, problematizao e protagonismo diante de situaes novas, problemas ou questes da vida pessoal, social, poltica, econmica e cultural.

Essa competncia aponta para a necessidade de os educandos virem a reconhecer que so agentes e protagonistas da construo/reconstruo dos processos sociais, e no meros espectadores passivos dos mesmos. Nesse sentido, preciso que, a partir da problematizao de situaes novas baseadas em referncias concretas e diversas, rompendo-se, portanto, com posturas imobilistas e/ou deterministas, os educandos possam ser de fato agentes da construo de sua autonomia intelectual, que a forma mais aperfeioada daquilo que o senso comum denomina de senso crtico. Perceber-se como sujeito produtor de cultura e que atua socialmente no mbito de relaes sociais conflitantes, portanto, diversas, e em contextos variados, como, por exemplo, o do trabalho, um fundamento das Cincias Humanas que no pode ser deixado de lado ao longo do percurso escolar dos educandos.

Entender o impacto das tecnologias associadas s Cincias Humanas sobre sua vida pessoal, os processos de produo, o desenvolvimento do conhecimento e a vida social.

Essa competncia aponta para a possibilidade de que os educandos venham a ser capazes de trabalhar com diferentes interpretaes acerca de uma mesma situao-problema, relacionando o desenvolvimento dos conhecimentos com os sujeitos sociais que os produzem, de forma a saber: quem se apropria dos conhecimentos. Mas como se apropriar dos conhecimentos? Quais os impactos sociais provocados pelos diferentes conhecimentos produzidos pelos seres humanos? Nesses termos, compreender quais relaes de poder e de dominao se estabelecem no mbito da produo e da apropriao dos conhecimentos, entre os quais os tecnolgicos, tambm uma maneira de perceber quais padres ticos e culturais aliceram tais relaes ou servem de justificadores para a constituio de outras, como, por exemplo, as relaes de trabalho.

Aplicar as tecnologias das Cincias Humanas e Sociais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.

Essa competncia aponta para a perspectiva de que os educandos venham a se apropriar de diferentes linguagens e instrumentais de anlise e ao, para aplicar na sociedade, de forma autnoma e cooperativa, os conhecimentos que construram/ reconstruram ao longo dos processos de ensino e de aprendizagem. Esse processo de transposio tanto implica protagonismo frente s relaes sociais amplas e particulares nas quais os educandos esto imersos, quanto se constitui em fundamento essencial que contribui para que os mesmos construam/reconstruam suas identidades sociais.

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

Ao longo das consideraes que acabamos de mostrar na seqncia da enunciao das competncias indicadas no PCNEM para a rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias, apresentamos vrios destaques que indicam alguns dos conceitos estruturadores da rea que esto explcitos na significao de cada uma dessas competncias. Isso nos mostra, preliminarmente, que as competncias e os conceitos guardam uma estreita relao entre si, razo pela qual, embora outras competncias pudessem ser enunciadas para a rea, privilegiou-se parte daquelas que esto relacionadas de forma mais ampla com o quadro conceitual que d forma e define de maneira estrutural a rea de Cincias Humanas. No entanto, como conceitos e competncias esto articulados entre si, e no so, portanto, formulaes aleatrias, vamos agora nos deter um pouco sobre como essa articulao ocorre. Tambm veremos, mais adiante, que conceitos e competncias so uma das faces de uma moeda que inexiste sem a outra, na qual esto os conhecimentos. Assim, no h construo/reconstruo de conhecimentos sem a mobilizao/desenvolvimento de competncias e a construo/reconstruo de conceitos.

A articulao dos conceitos estruturadores com as competncias geraisVimos, anteriormente, que o trabalho interdisciplinar aqui proposto centra-se no desenvolvimento de competncias e habilidades, na associao ensino-pesquisa como prtica docente permanente e na realizao de atividades escolares contextualizadas, que contribuam de forma efetiva para que os educandos construam/reconstruam conhecimentos e desenvolvam autonomia intelectual. Tambm observamos que os conceitos estruturadores da rea e as competncias gerais da mesma guardam estreita relao entre si, particularmente graas ao fato de que as competncias indicadas nos PCNEM no so sugestes aleatrias, e sim derivadas dos fundamentos bsicos que caracterizam a rea de Cincias Humanas representados por seu objeto e por seus conceitos estruturadores. Dessa forma, pretender articular conceitos e competncias no mbito das atividades escolares uma ao intimamente vinculada aos procedimentos que envolvem tais atividades, visto que na interao sujeito/objeto, realizada no mbito de atividades diversas, que as competncias e conceitos so mobilizados e/ou construdos/reconstrudos, com a finalidade de servirem de ferramentas intelectuais que permitam aos educandos construir/reconstruir saberes e conhecimentos. Assim, atuar de forma intencional e permanente nesse sentido tambm reconhecer que conceitos e competncias so parte fundamental dos processos de construo/reconstruo de conhecimentos por parte dos educandos. No item anterior deste documento, destacamos que diferentes conceitos estruturadores da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias so explicitados na significao das diversas competncias da mesma. Sinteticamente, essas

32

33explicitaes de conceitos estruturadores frente significao das competncias podem ser retomadas a partir do quadro:

rea de Cincias Humanas e suas TecnologiasSignificao das competncias Processar e comunicar de forma ampla informaes e conhecimentos, entendendo que no h saber sem aplicao, transposio e comunicao, valorizando e trabalhando com as diferentes habilidades de comunicao (oral, escrita, grfica e pictrica). Valorizar as produes coletivas, compreendendo que o conhecimento no se constri pelo esforo meramente individual e isolado. Reconhecer e aceitar diferenas, mantendo e/ou transformando a prpria identidade, percebendo-se como sujeito social construtor da histria. Compreender que as sociedades so produtos das aes de diferentes sujeitos sociais, sendo construdas e transformadas em razo da interveno de diferentes fatores. Obter informaes contidas em diferentes fontes e expressas em diferentes linguagens, associando-as s solues possveis para situaes-problema diversas. Compreender que as aes dos sujeitos sociais so realizadas no tempo e no espao, criando relaes e desdobramentos variados, sem determinismos. Compreender que as instituies sociais, polticas e econmicas so historicamente construdas/ reconstrudas por diferentes sujeitos sociais, em processos influenciados por fatores variados e a partir de diferentes projetos sociais. Conceitos estruturadores explicitados

Identidade

Relaes sociais Cultura Identidade Relaes sociais Dominao Poder Relaes sociais Dominao Poder tica Cultura Relaes sociais Cultura Trabalho Relaes sociais Dominao Poder tica Cultura Identidade Trabalho Relaes sociais Cultura Trabalho Dominao Poder tica Cultura Trabalho

Construir a autonomia intelectual (senso crtico) a partir da problematizao de situaes baseadas em referncias concretas e diversas, rompendo com verdades absolutas ou deterministas. Ser capaz de trabalhar com diferentes interpretaes, relacionando o desenvolvimento dos conhecimentos com os sujeitos sociais que os produzem, de modo que se saiba quem se apropria dos conhecimentos, como os sujeitos sociais se apropriam dos conhecimentos e quais os impactos sociais provocados pelos diferentes conhecimentos produzidos pelos seres humanos. Apropriar-se de diferentes linguagens e instrumentais de anlise e ao para aplicar na vida social os conhecimentos que construiu de forma autnoma e cooperativa (isso significa conceber as Cincias Humanas enquanto conhecimento e prtica social).

Relaes sociais Identidade

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

Os procedimentos didticos que envolvem os processos de ensino e de aprendizagem, que facilitaro a construo do encontro entre conceitos e competncias, esto intimamente relacionados com aspectos metodolgicos que indicam os perfis de atividades escolares que permitiro que tal encontro seja efetivado. Para tanto, preciso relembrar o que foi dito em item anterior deste documento, no momento em que discorremos sobre a natureza de uma prtica pedaggica efetivamente interdisciplinar, quando nos referimos necessidade de que as aulas ditas discursivas ou expositivas deixem de assumir o papel central que ainda ocupam nas atuais prticas docentes. A manuteno dessas prticas deve ser em carter de coadjuvante em relao a outras prticas, nas quais a atuao do docente se d em funo da mediao dos processos de construo/reconstruo de conhecimentos por parte dos educandos. Essa transformao de prticas docentes implicar a construo de um novo papel para o educador, j que ele no mais atuar como mero retransmissor de conhecimentos ditados pela tradio escolar. Essa condio um pressuposto fundamental para que o espao de trabalho escolar venha a ser ocupado pela ao efetiva dos educandos, no mbito de atividades centradas na resoluo de problemas. Nesses termos, a prpria maneira como as atividades so formuladas para os alunos deve passar por mudanas qualitativas. No lugar de questes fechadas, para as quais o docente espera que os educandos apresentem uma determinada resposta, tida supostamente como correta e, portanto, a nica possvel para a questo apresentada, deve-se buscar a efetivao de formulaes nas quais o prprio enunciado da questo seja um convite reflexo, instigando-se, assim, a capacidade criadora e a curiosidade dos educandos. Outro aspecto a ser perseguido permanentemente refere-se ao fato de que as atividades propostas no devem visar to somente reproduzir, na forma de interrogativas, as afirmaes contidas na fala do professor, no livro texto ou em uma outra fonte qualquer. Tambm necessrio que as atividades sejam formuladas de maneira a tornar significativas e, portanto contextualizadas, as situaes-problema a serem apresentadas para os educandos, de maneira que tambm os conhecimentos a serem construdos/reconstrudos por esses educandos ganhem significado e sejam contextualizados em seus espaos de vivncias sociais amplas e particulares. Atividades com esses perfis, diferentemente do caso anterior das questes fechadas, que nada mais so do que exerccios fundamentados em uma perspectiva meramente memorstica, permitem que os educandos venham a buscar diferentes formas de resoluo e tambm de soluo para uma mesma situao-problema. Nesse processo, os educandos viro a mobilizar instrumentos de anlise, conceitos, e diferentes esquemas de pensamento, competncias, para, juntamente com conhecimentos que j possuam e das informaes que estejam expressas nas fontes disponveis para que a atividade proposta possa ser realizada, chegarem a uma concluso plausvel entre as muitas possveis que so sugeridas por uma dada situao-problema. No entanto, como a ao do docente, ao propor uma atividade para os educandos, deve ser intencional e planejada, em se dar, portanto, ao sabor do improviso, no se deve imaginar que os educandos iro formular ou construir por si mesmos, com base

34

35na mera especulao, os conceitos necessrios para servir de instrumental de anlise. Esses conceitos, mesmo quando no nomeados de forma explcita, devem estar presentes nas fontes que o docente apresenta para seus alunos utilizarem como base de pesquisa para realizar um dada atividade. Vale lembrar que essas fontes devem ser diversificadas, comportando diferentes interpretaes acerca da situao-problema em estudo, ao mesmo tempo em que devem ser expressas em diferentes linguagens (escrita, grfica, pictrica etc.). Essa condio, na qual toda e qualquer atividade realizada mediante a obteno e o processamento de informaes contidas em fontes diversas, deve ser uma prtica permanente, e no episdica em sala de aula, uma vez que ela que nos permite explicitar a expresso mais completa daquilo que denominamos associao ensino-pesquisa. Nos termos at aqui colocados, podemos perceber que antecipar pr-definies de conceitos para os educandos um obstculo de ordem semelhante quele j comentado em relao s questes fechadas, visto que em tais situaes os educandos apenas memorizam uma definio que invariavelmente se perder to logo a aplicao imediata em um exerccio seja efetivada. Nesse momento, portanto, necessrio que retomemos a relao entre conceitos estruturadores e competncias. Ao observarmos o quadro-sntese apresentado anteriormente, podemos perceber que, por exemplo, os conceitos de relaes sociais, dominao, poder, tica, cultura, identidade e trabalho sempre esto vinculados s situaes-problema que envolvem a mobilizao de competncias relacionadas com a compreenso de que as instituies sociais so historicamente construdas/reconstrudas por diferentes sujeitos sociais. claro que esses conceitos no se vinculam apenas s situaes-problema relacionadas competncia citada, o que perceptvel por si mesmo pela observao do quadrosntese ao qual nos referimos. No entanto, o que nos importa aqui perceber que se os conceitos e as competncias citadas permeiam todas as disciplinas que compem a rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias, as atividades escolares desenvolvidas no mbito dessas disciplinas devero, em diferentes momentos, e no apenas em um ou outro caso isolado, estar centradas em situaes-problema que permitam aos educandos perceberem que, conforme afirmamos anteriormente, as relaes sociais, os valores ticos, as relaes de dominao e de poder, as representaes culturais e as formas de trabalho, que contribuem para a construo da identidade social de um indivduo, no so imutveis ou ausentes de conflitos nem tampouco decorrentes de um nico fator bsico, que supostamente determine ao modo como diferentes sociedades se organizaram no passado ou se organizam no presente. Para tanto, os educandos devero ser confrontados com fontes de natureza diversa, tanto em termos de linguagem quanto de interpretao, para que de fato mobilizem diferentes esquemas de raciocnio que lhes permitam compreender, por exemplo, como ocorrem as relaes sociais no interior de determinada comunidade e/ou sociedade. Nesse tipo de processo, mediado e articulado intencionalmente pelo docente, o conceito de relaes sociais no ser construdo pela memorizao de uma definio qualquer, e sim a partir da compreenso dos aspectos gerais da vida em sociedade, que permeiam a existncia de todos os seres humanos.

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

Atividades escolares que envolvem essa gama de situaes apresentam a peculiaridade de serem desenvolvidas ao longo de diversas aulas. Tal condio, associada quela sobre a qual j nos reportamos em item anterior deste documento, qual seja, a de que os educadores necessitam perceber claramente as diferenas entre os conhecimentos acadmicos e os conhecimentos escolares, ir nos impor uma nova questo. As condies concretas citadas acima nos levam a perceber que se faz necessrio reorganizar os contedos curriculares, particularmente os contedos curriculares denominados contedos programticos. J dissemos que a imposio de uma tradio totalizante, expressa fundamentalmente nos manuais didticos, contribuiu e ainda contribui para que prevalea entre nossos educadores a falsa percepo de que os programas escolares devem abarcar toda a Histria, toda a Geografia, toda a Filosofia, toda a Sociologia, isso para ficarmos apenas na rea de Cincia Humanas, embora tal situao tambm seja verdadeira para todas as disciplinas de todas as demais reas. Mas, como tambm j dissemos, a escola no deve pretender formar jovens historiadores, jovens gegrafos etc. Por causa disso, necessrio que se compreenda, por exemplo, que, para os educandos chegarem a compreender os aspectos centrais das relaes sociais, no necessrio que estudem todas as sociedades que j existiram ou ainda existem. Ocorreria a mesma coisa, se o exemplo fosse outro: para compreender o que significa uma revoluo no preciso estudar todas as revolues. No h, portanto, no mbito das Cincias Humanas, algum acontecimento social que seja mais ou menos importante para ser estudado, j que os conceitos fundamentais dessa rea podem ser construdos mediante o estudo de uma incontvel quantidade de acontecimentos. Em razo de tais premissas e tambm das condies sobre as quais nos referimos anteriormente (maior nmero de aulas para as atividades com os perfis aqui apresentados e necessidade de se perceber claramente as diferenas entre os conhecimentos acadmicos e os conhecimentos escolares) que devero ser construdas novas formas de organizao dos contedos programticos. Qualquer que seja a opo para essa nova construo, no entanto, necessrio que seja acompanhada de critrios bem definidos. A ttulo de contribuio e exemplificao sobre uma dessas opes que iremos nos deter sobre esse ponto no item a seguir.

Critrios para a organizao dos contedos programticos no mbito das disciplinas que compem a reaA materializao de um ensino voltado para o desenvolvimento de competncias, habilidades e conceitos e, concomitantemente, centrado na associao ensinopesquisa como prtica permanente, , como j foi dito, promovida pela realizao de atividades a serem realizadas pelos educandos que tornem significativos e contextualizados os conhecimentos que esses educandos vierem a construir/reconstruir. Lembramos ainda

36

37que, tais atividades devem permitir aos educandos acessar e processar informaes contidas em diferentes fontes e expressas em diferentes linguagens. No entanto, todo esse conjunto no se efetiva no fazer cotidiano das atividades escolares sem que esteja organizado em torno de temas e assuntos prprios de cada uma das disciplinas que compem determinada rea de conhecimento. A dupla face dessa situao aponta, portanto, para o fato de que no se desenvolvem competncias, habilidades e conceitos sem a construo/reconstruo de conhecimentos, e vice-versa. A simples juno de ambos, todavia, tambm no garante que os educandos viro a construir/reconstruir conhecimentos. S o faro se forem sujeitos ativos na realizao das atividades escolares, e no meros espectadores passivos do discurso dos docentes e/ou das fontes, o que nos leva de volta necessidade de estabelecer uma prtica docente centrada na associao ensino-pesquisa, de forma permanente no mbito das aulas regulares, e no, como ainda comum nas escolas brasileiras, ter-se a pesquisa e a interao do sujeito-aluno em relao atividades de pesquisas apenas nos momentos ocasionais dos chamados projetos extracurriculares denominao em si mesma imprpria, visto que so projetos que ocorrem no mbito das atividades curriculares, em paralelo com outras, no importa, mas no externos a elas. Como conseqncia disso, toda e qualquer atividade escolar curricular, no fazendo sentido, portanto, o uso da equivocada expresso extracurricular para denominar algumas delas. Posto isso, voltemos questo relativa construo/reconstruo de conhecimentos por parte dos educandos. A forma concreta com que os saberes de uma dada disciplina so indicados no mbito escolar a organizao dos mesmos em torno de temticas e assuntos variados. Deriva dessa organizao a materializao dos denominados contedos programticos. So estes, portanto, que compem a face dos conhecimentos que iro ser construdos/ reconstrudos pelos alunos, concomitantemente ao desenvolvimento de competncias, habilidades e conceitos por parte dos mesmos. No entanto, e repetindo o que j foi dito ao longo deste documento, os contedos programticos a serem selecionados pelos educadores no devem sinalizar para a no admitida, embora presente, inteno de formar jovens historiadores, gegrafos, filsofos, socilogos etc., na escola fundamental e/ou mdia. Para que equvocos como esse no ocorram, devemos ter em conta que so os instrumentais de anlise, ou seja, os conceitos e procedimentos prprios de uma dada disciplina que de fato sero a herana intelectual que a escola deixar para os educandos, juntamente com as competncias e habilidades a serem desenvolvidas. Ora, esses instrumentais, bem como as competncias e habilidades, s podem ser desenvolvidos mediante a mobilizao e a confrontao dos educandos com saberes de uma disciplina escolar. Dizer isso no significa, porm, afirmar que os educandos devero mobilizar todos os saberes dessa disciplina e se confrontar com eles. Definir quais sero esses saberes funo do educador e da sociedade. Mas, para tanto, devero ser utilizados critrios bem definidos e esses critrios derivam, necessariamente, da concepo de educao e de escola que se pretende construir. As questes que apresentamos a seguir buscam mapear e dar indicativos para

A rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias

que os educadores possam verificar se os contedos programticos, que iro selecionar para serem includos nas programaes escolares de suas disciplinas de atuao, de fato esto coerentes com a concepo de educao na qual este documento se assenta, qual seja, a de permitir que os processos educativos ocorram de maneira ativa e interativa pelos educandos em relao s disciplinas, s fontes de conhecimento e aos educadores. Em contrapartida, esses indicativos tambm orientam no sentido de que no existem contedos programticos insubstituveis e/ou imprescindveis, ou seja, todo e qualquer contedo programtico deve ser considerado como um meio para a construo/reconstruo de conhecimentos por parte dos educandos, e no fins em si mesmos.

Os contedos programticos no possuem ordem pr-estabelecida para serem estudados, o que significa dizer que os educadores devem romper com ordenamentos inflexveis, materializados sobretudo pela sucesso temporal linear e por supostos pr-requisitos, ditados to somente pela tradio escolar. A ausncia de seqncias obrigatrias no significa que os diferentes temas/assuntos no possuam articulao entre si, do ponto de vista das competncias que se pretenda que o educando venha a desenvolver, da opo metodolgica, da concepo de disciplina, das finalidades do ensino da disciplina em determinado nvel de ensino e da particularidade do objeto de estudo que caracteriza determinada disciplina (conhecer e dominar esses aspectos terico-metodolgicos um fundamento essencial para o professor construir uma prtica docente que efetivamente contribua para o desenvolvimento da autonomia intelectual do educando). Para qualquer opo de organizao programtica necessrio que se responda posit