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Alguns aspectos teológicos sobre o hino Dies irae 1  

Pe. Adelar Baruffi

O hino Dies irae  é uma sequência que era cantada nas missas pelos defuntos,presente no Missal Romano, de Pio V2. Trata do Juízo universal, descrevendo seusdetalhes, segundo a cosmovisão medieval. Retrata os sentimentos que se apoderam doperegrino terrestre oprimido pela culpa, ao pensar no juiz onisciente e justo. O hino écarregado de adjetivos que levam o cristão a temer a chegada deste “dia da ira”.

Queremos nos ater a alguns pontos relevantes deste hino e relacioná-los com omodo como hoje a teologia compreende o Juízo final. A seguir apresento o hino, com suatradução3:

1.Dies iræ! dies illa

Solvet sæclum in favillaTeste David cum Sibylla!  

1.De ira horrível será aquele dia

Que o mundo em cinzas volverá,Testemunham David e Sibila!

2.Quantus tremor est futurus,quando judex est venturus,cuncta stricte discussurus!  

2.Que grande temor então haverá,quando o Juiz vier rigoroso,para julgar a todos irrestritamente!

3.Tuba mirum spargens sonum per sepulchra regionum,coget omnes ante thronum. 

3.Nas profundas sepulturasSoará a fatal trombeta,E a todos ante o trono ajuntará.

4.Mors stupebit et natura,cum resurget creatura, judicanti responsura. 

4.Pasmarão a morte e a natureza,Vendo a todos ressurgir,Para ao juiz responder.

5.Liber scriptus proferetur,in quo totum continetur,unde mundus judicetur. 

5.Um livro se mostrará,Que do mundo contém tudo,Quanto deve ser julgado.

6.Judex ergo cum sedebit,quidquid latet apparebit:

nil inultum remanebit. 

6.Sentando-se o Juiz,Todo o oculto aparecerá,

E nada ficará impune.7.Quid sum miser tunc dicturus?Quem patronum rogaturus,cum vix justus sit securus? 

7.Que direi, então, miserável?Que patrono invocarei?Quando o justo apenas é seguro?

8.Rex tremendæ majestatis,

8.Rei de tremenda majestade,

1 A autoria mais aceita do Dies irae é atribuída a um franciscano do século XIII, Thomas de Celano, amigo, biógrafo efrade de São Francisco de Assis.2 Na reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, com a reformulação do Missal Romano, a recitação em latim do Dies irae 

em celebrações foi praticamente abandonada.3 Tradução do latim de Mário Gardelin,  As pinturas e as portas da igreja São Pelegrino e da Pietà, monumento da

imigração e colonização italianas no Rio Grande do Sul , Caxias do Sul: UCS, 2002, p.16.

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qui salvandos salvas gratis,salva me, fons pietatis. 

Que de graça os homens salvas,Salva-me, ó fonte de piedade.

9.Recordare, Jesu pie,quod sum causa tuæ viæ:

ne me perdas illa die. 

9.Lembra-te, Jesus piedoso,Que de tua peregrinação fui causa:

Não me queiras perder no último dia.10.Quærens me, sedisti lassus:redemisti Crucem passus:tantus labor non sit cassus.

10.Com fadiga imensa me buscaste:Por tua causa me remiste:Não se perca em meu favor trabalhotanto.

11.Juste judex ultionis,donum fac remissionisante diem rationis.

11.Ó justo Juiz de vingança, Acode-nos com o perdão, Antes do dia da conta.

12.Ingemisco, tamquam réus,culpa rubet vultus meus:supplicanti parce, Deus.

12.Como réu choro o delito,De pejo me cora o rosto;Perdoa, ó Deus, que estou rendido.

13.Qui Mariam absolvisti,et latronem exaudisti,mihi quoque spem dedisti.

13.Perdoando a Maria,E ao ladrão recebendo também, A mim esperançaste.

14.Preces meæ non sunt dignæ:sed tu bonus fac benigne,

ne perenni cremer igne.

14.Minhas preces não são dignas,Mas faze por tua bondade,

Que o fogo eterno não me queime.15.Inter oves locum præsta,et ab hædis me sequestra,statuens in parte dextra.

15.Entre as ovelhas me coloca,E dos cabritos me aparta,Pondo-me à tua direita.

16.Confutatis maledictis,flammis acribus addictis:voca me cum benedictis.

16.Condenados já os malditos,E à chama voraz mandados,Chama-me com os benditos.

17.Oro supplex et acclinis,

cor contritum quasi cinis:gere curam mei finis.

17.Humilde e contrito te rogo,

Senhor, que a teu cuidadoTomes meu último fim.

18.Lacrimosa dies illa,qua resurget ex favilla judicandus homo reus. 

18.Lacrimoso dia!Em que das cinza surgiráO homem culpado para ser punido.

19.Huic ergo parce, Deus:Pie Jesu Domine,dona eis requiem. Amen. 

19.Perdoa-lhe, ó Deus,Jesus Senhor manso.Dá aos que morreram eterno repouso. Assim seja.

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1. O hino Dies irae  na perspectiva da escatologia medieval

O Dies irae situa-se e deve ser compreendido na cosmovisão medieval. O interessecentra-se na escatologia individual: a salvação pessoal. Forte acento dava-se à culpa pelospecados cometidos. A preocupação primeira era o destino eterno da alma. Assim, o fiel era

exortado a assegurar já aqui na terra, com obras meritórias, a vida futura e, assim, fugir doterrível castigo dos pecadores. Esta escatologia oficial dispensava de certa maneira oscristãos de se preocuparem com utopias intra-históricas. A Civitas Dei , a pátria verdadeira,era a celeste.

Por isso, era dado um especial acento, nesta visão de mundo, ao Juízo final. O “diada ira” de Deus estava sempre no horizonte do pensamento e do agir. O medo do castigoao “fogo eterno”  levava os cristãos à vigilância permanente para não pecar. Basta verquantas igrejas medievais têm pinturas que retratam a Parusia e o Juízo final. Mereceespecial atenção o modo triunfal, majestoso e severo como o Cristo glorioso érepresentado por ocasião do seu retorno no “último dia”. Cristo, como juiz, é apresentadocom feições que denotam severidade.

No cristianismo o juízo for transformado no dia da ira de Deus. A história da teologiae da arte cristã apresentam a relação da expectativa da volta de Cristo ao juízo finalsobre vivos e mortos. Isto é bem acentuado na arte medieval. Muitas pinturas nasigrejas faziam uma catequese do medo, apavorando as pessoas sem criar alegreexpectativa. A esperança no Reino sem fim do Credo Niceno foi relegada asegundo plano ou esquecida completamente. (BRUSTOLIN, 2001, p.130).

Continuando, ainda, na teologia medieval, na qual situa-se no hino, qual o papelespecífico que se esperaria de uma obra representando o Juízo final? A resposta pode serencontrada nos textos medievais mesmo. Com efeito, como escreveu São Hugo de Lincolnao Rei João, no século XII,

[…] A consciência do homem deveria continuamente lembrá-lo das lamentações edos tormentos intermináveis dessas misérias. Dever-se-ia manter a lembrançadessas dores eternas na mente do homem todo o tempo. […] imagens assim eram  muito corretamente colocadas na entrada das igrejas. Assim, o povo entrando pararezar por suas necessidades seria lembrado dessa necessidade maior do que todas(Apud BEVINGTON, 1985, p.39)4.

O poema Dies irae  pode ser dividido em duas partes. As primeiras seis estrofesdescrevem o fim do mundo e o Juízo final. O modo como é descrita a chegada do Juiz éaterradora. O mundo se converterá em cinzas, se dissolverá, será aniquilado. Ao som doshofar , a trombeta, que será ouvida “nas profundas sepulturas”, todos comparecerãodiante do Juiz. Até a natureza ficará “pasma”. Apresentam-se, então, todos diante do tronopara o implacável julgamento. O livro será aberto para revelar a verdade de tudo e detodos. Tudo será revelado, às claras. Nada ficará oculto.

4  QUÍRICO, Tamara,  As funções do Juízo final como imagem religiosa. (texto em PDF), inhttp://academia.edu/1063139/As_funcoes_do_Juizo_final_como_imagem_religiosa, acessado em 07 de julho de 2013.

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 A trombeta, chamando a juízo, acorda nas regiões sepulcrais os que dormem. E emmultidão apavorada, entre as nuvens de poeira das pedras que arrebentam e ofragor dos elementos que se entrechocam, como um vendaval que tudo arrasta equebra em sua correria veloz, comparecem todos os homens perante o Juiz sereno, justo e onipotente. Tal é o tétrico espetáculo que apavora a própria morte e a

natureza. (GARDELIN, 2002, p. 15).

Na segunda parte, estrofes 7 a 17, o hino exprime a alma que se sente culpada,mas arrependida, diante da perspectiva do julgamento. Diante da culpa sente-se impotentee exclama: “quem invocarei?”; “que direi, então?”. Recorre, então, ao “Jesus piedoso”.Invoca sua bondade. Recorda que foi por Ele remido. Sente vergonha dos pecados e,arrependido, pede perdão, “antes do dia  da conta”. Recorda do perdão que Jesusconcedeu a Maria Madalena e ao ladrão arrependido e enche-se de esperança. No dia do juízo, deseja ser a ovelha que receberá o prêmio da vida eterna. Não quer ser contadaentre os maus, que gemem no inferno. Com humildade e contrição, entrega-se aos

cuidados do Senhor (cf. GARDELIN, 2002, p.16).

 As estrofes 18 e 19 foram um acréscimo posterior, quando foi introduzido comosequência na “Missa de Requiem”5. Nestes versos implora-se o perdão e o descansoeterno a todos os que morreram.

2. A escatologia do hino Dies irae  

Deste poema pode-se destacar algumas características, que identificam a

escatologia aí presente.

O Justo Juiz que virá. No credo niceno-constantinopolitano professamos: “e denovo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim.”É a Parusia, a volta de Cristo Ressuscitado para o julgamento final e para a instauraçãodefinitiva do seu Reino. Esta verdade faz parte da boa nova da fé cristã. Mas, que juízo éeste? De que modo se dará? Que reino é este? Originalmente o Juízo final foicompreendido como o dia em que Deus fará justiça às vítimas da história. Esta vitória da justiça, já prefigurada como sinal seguro na ressurreição de Jesus Cristo, torna-se a baseda nova criação, do mundo novo, “novos céus e nova terra” (2Pd 3,13). Por isso, a vinda

do Filho, no fim dos tempos, era esperada com alegre expectativa no início do cristianismo.Não tinha o objetivo de amedrontar. Porém, assim como é descrito no hino, o som datrompa que chega a todos os mortos apresenta uma imagem tétrica de sua chegada. Bastaver as diversas pinturas do Cristo Juiz ou a representação da ópera Requiem, de GuiseppeVerdi, de 1874.

O hino descreve o Juiz com severidade. Ele senta-se no trono. É “Rei de tremendamajestade”, o “Justo Juiz da vingança divina”. A lembrança de sua vinda traz medo e“terror”. Sem dúvida, vemos aqui um desvio, uma  deturpação da compreensão cristã de

5 Atribui-se a introdução dos versos 18 e 19 a Felix Haemmerlein (cf. BRAMBATTI, Luiz Ernesto, Locatelli no Brasil , Caxiasdo Sul: Belas Letras, 2008, p. 162).

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Deus. Não é o Justo Juiz o mesmo Jesus de Nazaré, agora ressuscitado e glorificado, quevirá? Então, não há necessidade de pânico e medo diante do julgamento. O motivo destaesperança é o próprio Jesus Cristo. O amor de Deus que Jesus proclamou e personificou éincondicional. Deus é amor e seu agir é sempre motivado pelo amor. “Pois Deus amou

tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça,mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo,mas para que o mundo seja salvo por ele.” (Jo 3, 16-17).

Seria impossível pensar que o Cristo na parusia agirá em contradição com o Jesusdos Evangelhos. Caso contrário, desmentiria tudo o que fez e falou o Nazareno eapareceria como outro juiz universal, desconhecido dos cristãos, que têm ummestre manso e humilde de coração. (BRUSTOLIN, 2001, p.131).

Importa relermos este artigo da fé segundo a sua primitiva compreensão. Quando aigreja primitiva confessava sua fé em Cristo juiz (venturus judicare), compreendia umapositiva e alegre mensagem. Era a graça de Deus vencedora sobre todo o mal, que levará

a bom termo toda a obra salvífica de Deus. Será a consumação e plenificação de toda acriação. Neste sentido, em primeiro lugar, a parusia não estava ligada a uma sentença jurídica, mas como uma intervenção decisiva do Cristo salvador (cf. RUIZ DE LA PEÑA,1996, p.144). Então, a parusia é o evento motivador da ação de Deus, como desfechopositivo de todo o devir histórico. Revela a verdade e faz justiça. O julgamento de Deus érevestido de amor, resgata e renova. “Toda a esperança no juízo deve suscitar a alegria dalibertação, porque a justiça triunfará” (BRUSTOLIN, 2001, p.131). É a partir deste ponto devista que a parusia está ligada ao juízo. “A vinda de Cristo na glória no fim dos tempossignifica a culminância de sua obra criadora e salvadora: é a páscoa que espera desde

sempre toda a realidade” (RUIZ DE LA PEÑA, 1996, p.148).

Neste sentido, o julgamento não será a última palavra de Deus. A última palavra é “oseu reino não terá fim”. O pronunciamento final do Cristo Rei será: “eis que faço novastodas as coisas”. A nova criação é nossa esperança. Nela cabe a justiça de Deu s, diantede todo o bem e de todo o mal e injustiça cometida pela humanidade. Esta compreensãocontrasta com os primeiros versos do hino que apresentam o mundo que se “dissolverá emcinzas” e “a morte e a natureza se aterrorizam”. Será o “universo novo” (Ap 21,5), descritono Apocalipse como a Jerusalém celeste, quando Deus terá sua morada entre os homens.“Enxugará toda lágrima de seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem

clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram” (Ap 21,4). (cf. Catecismoda Igreja Católica, 1044).

O juízo final como dimensão social da salvação. Outro aspecto importante a serdestacado no Dies irae é seu caráter eminentemente individual da salvação. Todo o hinoapresenta a perspectiva da salvação ou perdição pessoal. A preocupação é consigo, comsua sorte. É a pessoa, individualmente que estará diante do Juiz. Acentua-se aresponsabilidade pessoal diante da Palavra: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundomas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más” (Jo 3,19). Deve-se, no entanto, dizer que a perspectiva primeira do Juízo final é a dimensão social dasalvação. A história como tal e tudo aquilo que nela se realizou, de fato, serão submetidos

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a um confronto com o evangelho. Daí que a imagem descrita no evangelho de Mateus 25 ébem apropriada. Não somente a vida de cada um, individualmente, estarão sob o julgamento, mas as consequências históricas desta sua vida. Nunca a salvação épuramente individual, pois os meus atos marcam a história inteira, no bem e no mal. Esta

base é antropológica: o ser humano está ligado por uma rede de relacionamentos comtoda a humanidade e a história. Não existe decisões humanas isoladas. “Ninguém vive só.Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. A vida dos outros continuamente entrana minha existência: naquilo que penso, digo, faço e realizo.” (BENTO XVI, Spe Salvi , 48).

Podemos, então, falar deste Juízo final em termos de um julgamento sobre asdimensões sociais e históricas da vida humana. Criam-se estruturas sociais, que podemser “sistemas claramente marcados pelo pecado” (Puebla, 28). Assim, cada pessoaindividualmente está comprometida com a história. E o que é revelado no juízo é aresponsabilidade de cada um na história como um todo (cf. BLANK, 2000, p. 304-314).

O que se apresenta na imagem do Juízo final, que todos experimentaremos, é queDeus se solidariza com os pequenos e sofredores. “Em verdade, o que fizestes a umdestes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Assim,

Perante todo o mundo ficará provado que o nosso Deus está do lado dos fracos einjustiçados. E ficará provado que os que tiverem fé neste Deus tinham razão. E,igualmente, ficará também provado que toda opressão é errada, seja ela religiosa,seja econômica, seja social; e errados estarão também todos os que a praticaramdurante a vida. (BLANK, 2000, p. 309).

O juízo e a misericórdia. Já foi salientado que a tônica do sentimento que perpassao hino é o medo do réu diante do severo Juiz, na perspectiva de uma possível condenaçãoao “fogo eterno”. No entanto, o próprio réu, ao recordar o “dia da ira” traz à tona algumascaracterísticas do agir de Deus:

a)  A salvação é obra da graça. Fomos remidos pela cruz do Filho: “me redimistessofrendo a Cruz” (n.10).  “Que de graça os homens salvas, salva-me, ó fonte depiedade” (n. 8). A salvação não é, em primeiro lugar, fruto das obras, como umprêmio meritório, mas é pura graça. Assim nos atesta Santa Terezinha: “Na noitedesta vida, aparecerei diante de Vós com as mãos vazias, pois não Vos peço,

Senhor, que conteis as minhas obras” (Oração 6).b)  A misericórdia de Deus, manifestada em Jesus, é fonte de esperança. “Perdoando

a Maria, e ao ladrão recebendo, também a mim esperançaste” (n.13).  A recordaçãodo amor misericordioso daquele que virá para julgar, é fonte de esperança. Amisericórdia é o maior atributo de Deus, nos diz Santa Faustina. Ele próprio é, emcerto sentido, a misericórdia. “Na realização escatológica, a misericórdia revelar-se-á como amor, enquanto que no tempo presente, na história humana, que éconjuntamente história de pecado e de morte, o amor deve revelar-se sobretudocomo misericórdia e ser realizado também como tal .” (JOÃO PAULO II, Dives in

Misericordia, 8). A misericórdia, no entanto, não dispensa a justiça. É evidente que exigência tão generosa em perdoar não anula as exigênciasobjetivas da justiça. A justiça bem entendida constitui, por assim dizer, a finalidade

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do perdão. Em nenhuma passagem do Evangelho o perdão, nem mesmo amisericórdia como sua fonte, significam indulgência para com o mal, o escândalo, ainjúria causada, ou os ultrajes. Em todos estes casos, a reparação do mal ou doescândalo, a compensação do prejuízo causado e a satisfação da ofensa sãocondição do perdão. ( JOÃO PAULO II, Dives in Misericordia, 14).

3. O Juízo final, esperança para os cristãos

Vale sublinhar que o Juízo final reveste-se de esperança para os cristãos.Superando o aspecto ameaçador e lúgubre do juízo, que semeava medo nas pessoas,acentua-se a “alegre expectativa”, como nos sugere a espiritualidade da primeira parte dotempo litúrgico do Advento. Desde os primeiros tempos, a perspectiva do juízo influenciouo caminhar dos cristãos: “enquanto critério segundo o qual ordenar a vida presente,enquanto apelo à consciência e, ao mesmo tempo, enquanto esperança na justiça de

Deus.” (BENTO XVI, Spe Salvi , 41).Em primeiro lugar, é esperança porque nossa fé nos diz que Deus faz justiça.“Existe uma justiça. Existe a revogação do sofrimento passado, a reparação querestabelece o direito. Por isso, a fé no Juízo final é primariamente e sobretudo esperança.”(BENTO XVI, Spe Salvi, 43). Sim, a injustiça da história não pode ter a última palavra. Aressurreição do Crucificado, do Servo Sofredor, é sinal seguro da justiça de Deus eesperança nossa. Por isso, a imagem do Juízo final é “a imagem decisiva da esperança”(BENTO XVI, Spe Salvi, 44) e apelo à responsabilidade numa vida pautada pelo bem.

O Juízo final é, também, graça. “A graça não exclui a justiça. Não muda a injustiçaem direito. Não é uma esponja que apaga tudo, de modo que tudo quanto se fez na terra

termine por ter o mesmo valor.” (BENTO XVI, Spe Salvi , 44). É impossível imaginar que nobanquete eterno estejam à mesa indistintamente os malvados com as vítimas, como senada tivesse acontecido. No encontro com Cristo estão unidas a graça e a justiça. O seuolhar de amor nos cura e salva.

“O nosso modo de viver não é irrelevante, mas a nossa sujeira não nos manchapara sempre, se ao menos continuarmos inclinados para Cristo, para a verdade epara o amor. No fim de contas, essa sujeira já foi queimada na paixão de Cristo. Nomomento do Juízo, experimentamos e acolhemos esse prevalecer do seu amorsobre todo o mal no mundo e em nós” (BENTO XVI, Spe Salvi , 47).

 Assim, o Juízo une a justiça à graça. Se fosse somente graça, tornaria irrelevantenosso agir e Deus ficaria em falta diante do mal e das injustiças. Se fosse somente justiça,deveríamos temer muito, pois, como diz o Salmo “se levardes em conta nossas faltas,quem haverá de subsistir. Mas em vós encontra-se o perdão, eu vos temo e em vósespero.” (Sl 129). 

Enfim, como os primeiros cristãos, na alegre expectativa, afirmamos nossaesperança: “Vem Senhor Jesus” (Ap 22,20). A verdade do Juízo final é um anúnciocarregado de esperança. É, inseparavelmente, apelo à conversão, pois Deus dá aoshomens o tempo favorável (2Cor 6,2). Inspira o temor de Deus. Compromete com a justiça

do Reino (Cf. Catecismo da Igreja Católica, 1041).

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Bibliografia

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BLANK, Renold J., Escatologia da pessoa  – vida, morte e ressurreição. São Paulo: Paulus,2000.

BRAMBATTI, Luiz Ernesto, Locatelli no Brasil, Caxias do Sul: Belas Letras, 2008.

BRUSTOLIN, Leomar Antônio, Quando Cristo vem...: a parusia na escatologia cristã. SãoPaulo: Paulus, 2001.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, Petrópolis: Vozes, 5º ed., 1993.

GARDELIN, Mário, As pinturas e as portas da igreja São Pelegrino e da Pietà, monumentoda imigração e colonização italianas no Rio Grande do Sul , Caxias do Sul: UCS,2002.

JOÃO PAULO II, Dives in Misericordia, Vaticano: Editora Vaticana, 1980.

QUÍRICO, Tamara, As funções do Juízo final como imagem religiosa. (texto em PDF), inhttp://academia.edu/1063139/As_funcoes_do_Juizo_final_como_imagem_religiosa,acessado em 07 de julho de 2013.

RUIZ DE LA PEÑA, Jean Luis, La Pascua de la creacion. Escatología. Madrid: BAC,1996.