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O modo de produção capitalista ao longo de sua existência tem passado por transformações radicais sem que perca seu caráter propriamente capitalista. Assim, torna-se fundamental para qualquer análise que se proponha crítica inicie-se pela compreensão de que características definem- no essencialmente. Ainda que aparentemente trate-se de um questionamento trivial, sua apreensão define os desdobramentos teóricos da análise. Ou seja, partindo do conceito equivocado, seus desdobramentos também sê-lo-ão. Com isso, buscamos retomar o fio teórico proposto por Karl Marx no primeiro capítulo de O Capital. De acordo com Marx (2008): “A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em ‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza ” (pág. 57). A proposta teórico-metodológica de Marx é clara: compreender o capitalismo passar por compreender a forma mercadoria e sua produção. Trata-se, portanto, de realizar o caminho inverso ao do desenvolvimento capitalista: partir de sua célula elementar para chegar à sua forma mais desenvolvida 1 . A mercadoria nasce marcada pela dicotomia entre valor de uso, seu aspecto qualitativo, e o valor, seu aspecto quantitativo. Num polo temos o valor de uso que é a expressão das qualidades materiais da mercadoria, sua finalidade, e no outro polo temos o valor, expressão do tempo de trabalho socialmente necessário à produção da mercadoria e que serve como unidade para as mercadorias se compararem umas às outras e permitir a troca. Marx desenvolve sua análise sobre a mercadoria desde sua forma mais simples até chegar à forma dinheiro, que seria uma expressão universal do valor, uma forma na qual todas as mercadorias conseguiriam expressar seu valor. Um dos objetivos claros de Marx com isso era por em evidência a dominação do valor sobre o valor de uso. No capitalismo a produção deve ser realizada, sob pena de haver uma crise econômica geral. Independente do valor de uso da mercadoria 1 A anatomia do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco” (MARX, 2011, pág. 84)

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Trecho de um esboço não desenvolvido para minha dissertação de mestrado a ser apresentada em breve

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O modo de produção capitalista ao longo de sua existência tem passado por transformações radicais sem que perca seu caráter propriamente capitalista. Assim, torna-se fundamental para qualquer análise que se proponha crítica inicie-se pela compreensão de que características definem-no essencialmente. Ainda que aparentemente trate-se de um questionamento trivial, sua apreensão define os desdobramentos teóricos da análise. Ou seja, partindo do conceito equivocado, seus desdobramentos também sê-lo-ão.

Com isso, buscamos retomar o fio teórico proposto por Karl Marx no primeiro capítulo de O Capital. De acordo com Marx (2008): “A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em ‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza” (pág. 57). A proposta teórico-metodológica de Marx é clara: compreender o capitalismo passar por compreender a forma mercadoria e sua produção. Trata-se, portanto, de realizar o caminho inverso ao do desenvolvimento capitalista: partir de sua célula elementar para chegar à sua forma mais desenvolvida1.

A mercadoria nasce marcada pela dicotomia entre valor de uso, seu aspecto qualitativo, e o valor, seu aspecto quantitativo. Num polo temos o valor de uso que é a expressão das qualidades materiais da mercadoria, sua finalidade, e no outro polo temos o valor, expressão do tempo de trabalho socialmente necessário à produção da mercadoria e que serve como unidade para as mercadorias se compararem umas às outras e permitir a troca.

Marx desenvolve sua análise sobre a mercadoria desde sua forma mais simples até chegar à forma dinheiro, que seria uma expressão universal do valor, uma forma na qual todas as mercadorias conseguiriam expressar seu valor. Um dos objetivos claros de Marx com isso era por em evidência a dominação do valor sobre o valor de uso. No capitalismo a produção deve ser realizada, sob pena de haver uma crise econômica geral. Independente do valor de uso da mercadoria (armamentos ou comida, por exemplo) a produção visa simplesmente garantir a realização do valor e não o atendimento das diferentes necessidades da sociedade. Será esse o substrato teórico de sua teoria da mais valia que evidencia o mecanismo econômico de exploração da classe trabalhadora e permite a acumulação de capital.

Para além de aspectos mais econômicos da teoria do valor (a exploração da classe trabalhadora, acumulação de capital e o surgimento de crises) é importante também notarmos a chamada “abstração real” do avanço da forma mercadoria. A plenitude da forma mercadoria e do valor implica necessariamente reduzir os mais diversos trabalhos a uma abstração temporal de modo a permitir a execução da troca e a realização. Não interessa a condição de trabalho, aspectos ecológicos, aspectos materiais do produto (finalidade e utilidade, por exemplo) ou mesmo aspectos estéticos: a troca, um fato comum em nossos dias, só é possível após uma abstração de todo aspecto qualitativo das mercadorias. Tal abstração só é possível após a destruição das formas econômicas não-capitalistas e um longo período de moldagem econômica, política e cultural da sociedade aos marcos do modo de produção capitalistas. Desnecessário afirmar que esse

1 “A anatomia do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco” (MARX, 2011, pág. 84)

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processo de destruição de outros modos de produção e conformação da sociedade ao pleno desenvolvimento da mercadoria “nada tem de idílico”.