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Pela Indústria Naval Eficiente

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7/23/2019 Pela Indústria Naval Eficiente

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Pela indústria naval eficiente

Por Nelson L. Carlini

Quando se alcança sucesso relativo em qualquer programa de ação, deve-se ter cuidado para que os primeiros

avanços não encubram os vícios de origem. O risco é comprometer novos resultados. O alerta vale para a indústria

naval brasileira. Embora sua retomada seja um fato incontestável, que revelou visão estratégica por parte do

governo, há sérios equívocos que precisam ser corrigidos, sob o risco de voltarmos a viver uma débâcle, a exemplo da

ocorrida nos anos 1980.

Os incentivos fiscais e estímulos concedidos visando a dar impulso ao setor, como a desoneração fiscal representadapelo Decreto 6.704/08 e a Lei 11.774/08, bem como a criação de um fundo garantidor da indústria naval, não vieram

acompanhados das necessárias exigências, contrapartidas e obrigações capazes de garantir o desenvolvimento do

setor de forma sustentável no longo prazo. Critérios indispensáveis, como eficiência e produtividade, ficaram à

margem do processo. A exigência de contrapartida de conteúdo nacional, calculada em valor, é mascarada pelo

altíssimo custo dos componentes de origem interna.

 Brasil não está criando um parque industrial avançado, mas apenas copiando projetos, com

reços muito elevados

O resultado dessas lacunas é um protecionismo anacrônico que, passada a fase exuberante das encomendas da

Petrobras, nos levará novamente ao fundo do poço. Note-se que essa nova indústria está imune a eventual

concorrência de similares estrangeiros, protegida por uma sobretaxa de 54% imposta aos importados. Como todos

sabem as encomendas aos estaleiros nacionais têm sofrido reiterados atrasos, mas quem quiser importar, para fugir

da incerteza, terá que arcar com a diferença.

O exemplo do setor aeronáutico, em que a fabricante nacional tem um conteúdo muito menor que os alardeados

60% da construção naval, é sempre citado como exemplo negativo de política industrial. Todavia, muito pelo

contrário, nossa fabricante de aviões sustenta sua produção com a exportação, cria modelos aceitos

internacionalmente e tem engenharia de criação, projeto e detalhamento de construção próprios. Produz, como

resultado disso, aviões em série de reconhecida qualidade, tornando-se das fabricantes mais eficientes do mundo em

seu nicho de mercado.

 A sua carteira

de encomendas

não está

concentrada em

apenas um

grande

demandante. E

nada impede

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que as empresas de transporte aéreo brasileiras adquiram aeronaves onde obtenham melhores condições. Ou seja, o

transporte aéreo doméstico não sofre problemas de capacidade derivados da exigência de aquisição doméstica de

unidades. Isso é liberdade de mercado, com ênfase na eficiência. Certamente nossa indústria aeronáutica sobreviverá

às vicissitudes da conjuntura internacional.

Enquanto isso, na nossa indústria naval, em função das restrições às importações, os preços das embarcações

nacionais estão em média 80% acima das produzidas na Coreia do Sul e no Japão, e mais acima ainda daqueles

praticados por estaleiros chineses e vietnamitas. É um ágio demasiadamente alto - e absolutamente injustificável - a

ser pago pela retomada do setor. Até porque a indústria pode ser estimulada sem esse artifício nocivo à economia. O

mais grave é que esses valores estratosféricos não estão sendo usados para criar pesquisa e desenvolvimento, ou para

gerar conhecimento ou inovação. Não estamos criando um parque industrial avançado, mas apenas copiando

projetos, com preços elevados. Os estaleiros nacionais tornam-se meros montadores, sem domínio sobre os

processos.

Não é por outra razão que esta nova indústria naval só vende embarcações no Brasil, não tem sequer um contrato no

exterior, e 90% de sua produção são destinados ao setor de óleo e gás - sondas, petroleiros e tanqueiros, navios de

apoio a plataformas e plataformas de petróleo. Na verdade, tendo em vista os preços pagos internamente por esses

contratos, que interesse haveria, por parte dos estaleiros, em buscar novos mercados, embora isso pudesse ser

 vantajoso para o país?

Os financiamentos do setor naval, por meio do Fundo da Marinha Mercante, incorporado ao Orçamento da União e

administrado por um Conselho que concede prioridades segundo critérios discutíveis, afastaram-se da concepção

original do programa. O tão necessário reaparelhamento de nossa marinha mercante ficou comprometido. Como o

interesse está todo voltado para o setor de óleo e gás, outros segmentos estratégicos, como o da cabotagem - que por

determinação legal só pode operar com navios brasileiros - não consegue fazer encomendas. É válido lembrar que a

participação da cabotagem no transporte de carga é ínfima, inferior a 2% do total. O quadro é prejudicial ao país,

mas não poderá ser revertido sem uma indústria naval eficiente, capaz de também produzir navios mercantes.

Sem investimento em tecnologia, sem inovação, sem diversificação de produtos e, sobretudo, sem preços

competitivos, a tendência é que o setor de construção naval não consiga um desenvolvimento sustentável. A sua

ineficiência tende a se propagar por clientes e fornecedores, elevando custos e comprometendo serviços e a execução

de programas e projetos estratégicos, como os relacionados ao pré-sal. O efeito será deletério para um país que ainda

está longe de ter uma economia de fato competitiva.

Se houver vontade política, ainda há tempo para corrigir os vícios de origem, aproveitando a oportunidade de

retomada da construção naval de um cluster de conhecimento que abranja todas as áreas envolvidas neste segmento,

do projeto ao marketing. Neste caso, a indústria aeronáutica pode ser um parâmetro.

Nelson L. Carlini é engenheiro naval e consultor na área de transportes e logística.

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