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Teorias de Aprendizagem Prof. Nelson Luiz Reyes Marques PELOTAS, RS 2013/2

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Teorias de Aprendizagem

Prof. Nelson Luiz Reyes Marques

PELOTAS, RS 2013/2

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SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................................................. 3

2. Teorias behavioristas antigas .................................................................................... 5

3. Teoria behaviorista de Skinner .................................................................................. 8

4. Teoria das hierarquias de aprendizagem de Gagné ................................................... 11

5. Teoria de ensino de Bruner ........................................................................................ 13

6. Teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget ........................................................ 17

7. Teoria sócio-histórica de Vygotsky ........................................................................... 21

8. Pedagogia libertadora de Paulo Freire ....................................................................... 30

9. Teoria dos construtos pessoais de Kelly .................................................................... 35

10. Teoria da aprendizagem significativa de Ausubel ..................................................... 41

11. Teoria de educação de Novak .................................................................................... 46

12. Teoria de ensino de Gowin ........................................................................................ 49

13. Teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird ......................................................... 53

14. Conclusão .................................................................................................................. 56

15. Referências ................................................................................................................ 57

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1. Introdução

Genericamente, teoria é uma tentativa de sistematizar uma área de conhecimento, uma

maneira particular de ver as coisas, de explicar, prever observações e resolver problemas.

Muitas vezes o vocábulo “teoria” é utilizado sem muita precisão. Para Moreira (2011), teoria

de aprendizagem significa uma construção humana para interpretar sistematicamente a área de

conhecimento chamada de aprendizagem, uma maneira particular de ver as coisas, de explicar

e prever observações, de resolver problemas. E nesse sentido, o mesmo autor define uma teo-

ria de aprendizagem como:

“uma construção humana para interpretar sistematicamente a área de conhecimento que

chamamos aprendizagem. Representa o ponto de vista de um autor/pesquisador sobre como

interpretar o tema aprendizagem, quais as variáveis independentes, dependentes e intervenien-

tes. Tenta explicar o que é aprendizagem e porque funciona como funciona.

Uma teoria se fundamenta em pressupostos filosóficos e aproveita as investigações da

Psicologia, da Biologia e da Sociologia aplicáveis aos temas educacionais.

A Psicologia da Aprendizagem se vale das teorias que procuram explicar, através de

diferentes enfoques, como os indivíduos aprendem, como se expressa o desenvolvimento

mental de uma pessoa e como se estruturam os modelos institucionais. É importante que o

educador detenha o conhecimento sobre essas abordagens teóricas para a melhoria da quali-

dade do ensino bem como sobre a utilização de métodos, técnicas e recursos de instrução.

Cada uma dessas abordagens apresenta uma visão do processo ensino e aprendizagem.

No caso das teorias de aprendizagem, as principais filosofias subjacentes, são a com-

portamentalista, também denominada Behaviorista, a cognitivista (termo originário do latim

cognitione o qual pode ser traduzido por conhecimento) - esta se dá por meio do armazena-

mento organizado de informações na memória de quem aprende levando o sujeito à uma “es-

trutura cognitiva” - e a humanista, onde além do intelecto se considera os sentimentos e as

ações.

A visão de mundo behaviorista está nos comportamentos observáveis e mensuráveis

do sujeito e nas respostas que ele dá aos estímulos externos. Está também naquilo que aconte-

ce após a emissão das respostas, ou seja, na consequência. Tanto é que uma ideia básica do

behaviorismo é a de que o comportamento é controlado pelas consequências: se a consequên-

cia for boa para o sujeito, haverá uma tendência de aumento na frequência da conduta e, ao

contrário, se for desagradável, a frequência de resposta tenderá a diminuir.

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O behaviorismo surgiu no início do século passado como uma reação ao mentalismo

que dominava a Psicologia na Europa. Grande parte da ação docente consistia em apresentar

estímulos, e, sobre todo, reforços positivos (consequências boas para os alunos) na quantidade

e no momento correto, a fim de aumentar ou diminuir a frequência de certos comportamentos

dos alunos.

As aprendizagens desejadas, aquilo que os alunos deveriam aprender, eram expressas

em termos de comportamentos observáveis. Os objetivos comportamentais definiam da ma-

neira mais clara possível, aquilo que os alunos deveriam ser capazes de fazer, enquanto tempo

e sobre que condições, após a instrução. A avaliação consistia em verificar se as condutas

definidas nos objetivos comportamentais eram de fato apresentadas ao final da instrução. Se

isto acontecia, admitia-se, implicitamente, que havia ocorrido a aprendizagem.

A filosofia cognitivista por sua vez, enfatiza exatamente aquilo que é ignorado pela vi-

são behaviorista: a cognição, o ato de conhecer; como o ser humano conhece o mundo.

Para os behavioristas, a Psicologia devia ocupar-se daquilo que as pessoas fazem, omi-

tindo, por irrelevante, qualquer discussão sobre a mente. Para os cognitivistas, o foco deveria

estar nas chamadas variáveis intervenientes entre estímulos e respostas, nas cognições, nos

processos mentais superiores (percepção, resolução de problemas, tomada de decisões, pro-

cessamento de informação, compreensão). Quer dizer na mente, mais de maneira objetiva,

científica, não especulativa.

Trata então, principalmente dos processos mentais: se ocupam da compreensão, trans-

formação, armazenamento e uso da informação envolvida na cognição. No ensino, esta postu-

ra implica deixar de ver o aluno como receptor de conhecimento, não importando como os

armazena e os organiza em sua mente.

A filosofia humanista vê o ser que aprende primordialmente como pessoa, o importan-

te é a auto-realização da pessoa, seu crescimento pessoal. O aprendiz é visto como um todo

sentimentos, pensamentos e ações não só intelecto. Neste enfoque, a aprendizagem não se

limita a um aumento de conhecimentos. Ela é penetrante, visceral, e influi nas escolhas e ati-

tudes do indivíduo. Pensamentos, sentimentos e ações estão integrados, para bem ou para mal.

Não tem sentido falar do comportamento ou da cognição sem considerar o domínio afetivo, os

sentimentos do aprendiz. Ele é pessoa e as pessoas pensam, sentem e fazem coisas integrada-

mente.

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2. Teorias Behavioristas antigas

O behaviorismo tem seu início marcado no mundo ocidental com o lançamento de

John Watson em 1913 do Manifesto Behaviorista. Watson (1878-1958), com esse manifesto

imprime um novo rumo à historia da Psicologia, influencia vários setores do comportamento

humano, nas teorias de aprendizagem, na personalidade e nas psicoterapias. Watson deixava

clara sua preocupação com os aspectos observáveis. Ele explicou que os comportamentos

advinham dos movimentos musculares, como fala, pensamento e emoções, dentre outros.

Embora não tenha organizado o que propôs, como uma teoria, consegue influenciar sobrema-

neira, com seu legado, o desenvolvimento do behaviorismo.

Mediante ao pensamento behaviorista entende-se que pela observação e experimenta-

ção sistemática e cuidadosa, e possível desenvolver um conjunto de princípios que podem

explicar o comportamento humano. O objeto da Psicologia que até então tinha sido a alma, ou

a consciência, a mente, e a partir do behaviorismo passa a ser uma ciência comportamento

humano, não pode mais ser considerada como ciência pura da consciência. É dada uma im-

portância maior aos fatores ambientais e a hereditariedade é relegada à segundo plano.

O homem passa a ser visto como produto do ambiente. Watson dizia que se a psicolo-

gia quisesse se fortalecer no mundo da ciência seria necessário que ela repensasse o seu objeto

de estudo. Então propôs que a psicologia deveria estudar o comportamento e que seu objeto

de estudo fosse determinado pelos atos observáveis de conduta que pudessem ser descritos em

termos de estimulo e resposta.

O behaviorismo tentou reduzir a psicologia a uma ciência natural, deixando de lado a

consciência e volta-se exclusivamente para o comportamento objetivo. O primeiro momento

do Behaviorismo vai de 1913 a 1930, esse Behaviorismo fica conhecido como clássico, polê-

mico e programático, tem seu alvo principal o movimento contra o Estruturalismo que utiliza-

va o método introspectivo. As ideias de Watson ganham força e são influenciadas pelas con-

tribuições de Ivan Pavlov. Fisiologista (1906-1927), que demonstrou através da representação

simultânea de um estímulo não condicionado (alimento), e de um estímulo condicionado

(som) o estímulo condicionado consequentemente produziria a resposta (salivação) que ante-

riormente só podia ser produzida pelo estímulo não condicionado. Esse processo tornou-se

por parte dos psicólogos americanos, um meio de controlar o comportamento e evitar o perigo

do subjetivismo. Então pensou que o reflexo da salivação tinha ficado de algum modo ligado

ou condicionado a estímulos que anteriormente estiveram associados ao alimento, neste pro-

cesso há aprendizagem ou condicionamento. Um condicionamento só poderá ocorrer se o

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estimulo neutro for acompanhado pelo alimento um determinado número de vezes, logo, o

reforço (ser alimentado) e determinado e necessário para que a aprendizagem ocorra.

Edwin Guthrie (1886-1959) era psicólogo norte-americano que se doutorou na Univer-

sidade de Washington onde vai desenvolver a sua atividade profissional. Durante a Segunda

Guerra Mundial trabalhou no Gabinete de Informações Militares. Segue as concepções com-

portamentalistas de Watson considerando que o processo de aprendizagem resultava da asso-

ciação do estímulo e da resposta. Assim, defende que o ato de aprender não necessita nem de

reforço nem de recompensa. Guthrie se ocupou com a “quebra de hábitos”, desenvolvendo

métodos que consistiam em repetir o estímulo até a fadiga, induzir o estímulo muito fraco ou

induzir o estímulo quando o movimento que ele elicia não pode acontecer.

Edward Lee Thorndike (1874-1949) foi outro psicólogo americano de grande influên-

cia nas origens do behaviorismo. Iniciou seus estudos de Psicologia Na Universidade de Har-

vard, Estados Unidos. Um dos aspectos da psicologia que particularmente o fascinava, era o

estudo do aprendizado dos animais. Thorndike esteve na origem do surgimento do condicio-

namento operante, pois foi baseando-se nas suas primeiras experiências (descobriu que um ser

vivo em resposta a uma consequência agradável tende a repetir o comportamento e faz exata-

mente o contrário quando recebe uma consequência desagradável). Thorndike realizou expe-

riências com pombos em uma gaiola, que quando o pombo bicava um dispositivo elétrico era

alimentado automaticamente, não havia estímulo para bicar, era acidental e esse comporta-

mento de bicar recebia como resposta o alimento. O alimento é o reforçador.

Sua concepção de aprendizagem (conexões E-R), segundo Moreira (2011) estavam su-

jeitas a três leis principais:

i. Lei do Efeito: baseada na dicotomia prazer-dor, a conexão entre um estímulo e uma reação

será reforçada ou será enfraquecida de acordo com um resultado agradável ou desagradável,

ou seja, a satisfação reforça a conexão ao passo que o descontentamento ou a dor a enfraque-

cem;

ii. Lei da Prontidão: desde que um organismo esteja preparado e predisposto a estabelecer a

conexão entre o estímulo e a resposta o resultado será agradável e a aprendizagem efetiva;

caso contrário esta não se efetivará e o resultado será desagradável.

ii. Lei do Exercício: segundo a qual, quanto mais vezes for induzido um estímulo-resposta,

designadamente se for acompanhado de resultados positivos, mais duradouro se tornará o co-

nhecimento adquirido;

Edward Lee Thorndike estabelece, com a sua lei dos efeitos, as bases para o behavio-

rismo de Skinner. A lei do efeito caracteriza-se na ideia que todo e qualquer ato que produz

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satisfação vai-se associar a essa situação. E assim sempre que essa situação se reproduz, a

probabilidade de repetição do ato é maior do que anteriormente. A punição e o desprazer não

se comparam em absoluto ao efeito positivo da recompensa a uma determinada resposta; o

efeito de prazer é, portanto, o que fixa a resposta.

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para o comportamentalismo e exemplifican-

do as primeiras abordagens.

Figura 1. Mapa conceitual para o comportamentalismo

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3. Teoria behaviorista de Skinner

Nascido nos Estados Unidos, Skinner (1904-1990) estudou inicialmente Biologia, mas

ao longo de seus estudos conheceu os trabalhos de Pavlov e Watson e foi por eles profunda-

mente influenciado. Obteve seu doutorado em Psicologia pela Universidade de Harvard em

1931. Teve longa carreira como pesquisador, professor e escritor, particularmente em Har-

vard. Ele foi o principal representante do condutivismo nos EUA. Os condutivistas pretendem

explicar o comportamento humano e animal em termos de respostas a diferentes estímulos.

Faz uma abordagem essencialmente periférica e não leva em consideração o que ocor-

re na mente do aprendiz, os chamados construtos intermediários, durante o processo de apren-

dizagem e sim com o comportamento observável e controlado por meio de respostas.

A abordagem de Skinner considera o comportamento observável e não se preocupa

com os processos intermediários entre o estímulo (E) e a resposta (R).

A aprendizagem seria fruto de condicionamento operante, ou seja, um comportamento

é premiado, reforçado, até que ele seja condicionado de tal forma que ao se retirar o reforço o

comportamento continue a acontecer. A aprendizagem é um comportamento observável, ad-

quirido de forma mecânica e automática através de estímulos e respostas.

Skinner não se considera teórico da aprendizagem, apenas tem seu trabalho como uma

análise funcional entre estímulo (imput) e resposta (output), ignorando as variáveis interveni-

entes. As principais variáveis de imput são: estímulo, reforço e contingências de reforço, en-

quanto as de output são as respostas dadas pelo aprendiz. Para Skinner, dois são os tipos de

respostas dadas, a saber: as operantes e as respondentes.

A principal contribuição de Skinner à análise experimental do comportamento consis-

tiu em deslocar o foco da atenção da relação entre o estímulo e a resposta (teoria S-R) para a

relação entre a ação do organismo sobre o meio e a resposta do meio à ação do organismo.

O parâmetro fundamental da análise experimental passa a ser a frequência de respostas

do organismo, ou mais especificamente a sua modificação. A frequência de resposta do orga-

nismo é definida como o número de vezes que determinada resposta aparece ante a uma dada

situação dividido pelo intervalo de tempo.

Segundo Skinner, é a ação do meio (como resposta a uma ação do organismo) a res-

ponsável pela seleção, em muito sentidos semelhante à evolução biológica, que determinará,

no futuro, qual das respostas possíveis será apresentada pelo organismo, dentre a gama de

respostas que podem ser emitidas, quando frente a mesma situação. Esquematicamente, a Fi-

gura 3 mostra como poderíamos representar a ação reversa do meio sobre o sujeito, selecio-

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nando, dentre as respostas possíveis àquela apresentada pelo sujeito. A esse tipo de condicio-

namento Skinner chama de Condicionamento Operante, pois depende de uma ação do orga-

nismo sobre o meio.

Na análise experimental defendida por Skinner, cuja tarefa básica é a de descobrir to-

das as variáveis das quais a probabilidade de resposta é função e o que se procura são os fato-

res que provocam alterações na frequência de respostas, temos as seguintes características:

i. Os estímulos são colocados no papel de variáveis independentes que devem ser específicas

em termos da situação envolvida.

ii. O experimentador usa variáveis observáveis e mensuráveis que não têm relação alguma

com os estados internos do sujeito.

iii. As contingências de reforço são uma característica importante das variáveis independen-

tes.

Dentro da teoria de Skinner o termo reforço tem um papel fundamental. Por reforço é

entendida toda aquela ação do meio que modifica a frequência com que uma dada resposta é

emitida pelo organismo. O reforço pode ser positivo, quando aumenta a frequência com que

determinada resposta é emitida, ou negativo, quando a frequência com que determinada res-

posta é emitida diminui. É importante salientar que os termos positivo ou negativo não devem

ser tomados com qualquer conotação moral. O que define um reforço como positivo ou nega-

tivo é simplesmente o aumento ou diminuição na frequência de respostas emitidas pelo orga-

nismo.

Por Contingência de Reforço definimos as inter-relações entre três fatores:

1º. A ocasião na qual a resposta é emitida.

2º. A própria resposta.

3º. As consequências reforçadoras.

Diferentemente do caso anterior de condicionamento, ao qual Skinner chama de Con-

dicionamento Respondente, dentro da teoria comportamentalista surge um novo tipo de con-

dicionamento, o Condicionamento Operante, obtido pela manipulação das contingências de

reforço de modo a eliminar todas as respostas não desejadas pelo experimentador.

Chamamos de modelagem à programação pela qual, através de etapas sucessivas, um

comportamento é moldado pela manipulação deliberada das contingências de reforço. Para

que o condicionamento ocorra, o analista experimental faz uso do reforço diferencial. Este

consiste em reforçar aquelas respostas que favorecem o comportamento final desejado.

Da mesma forma que para o condicionamento reflexo, se depois de algum tempo o re-

forço não for mais oferecido ao organismo após a resposta ser emitida o condicionamento

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deixa de existir e progressivamente a frequência de respostas volta a valores próximos daque-

les observados antes do condicionamento. Esse processo recebe o nome de processo de extin-

ção.

A Instrução Programada é tida como uma aplicação da análise de Skinner e tem como

princípios basilares: pequenas etapas, resposta ativa, verificação imediata, ritmo próprio e

teste do programa.

O método Keller, também denominado “Sistema de Instrução Personalizada”, tipo de

estudo individualizado com base na Instrução Programada e também na ideia de reforço posi-

tivo. Tal método tem características básicas como: ritmos próprios, completo domínio do ma-

terial, aulas teóricas, demonstrações e uso de monitores.

O trabalho de Skinner sofreu diversos tipos de críticas. A mais contundente diz respei-

to ao fato de que os experimentos conduzidos por Skinner e pelos seus seguidores foram exe-

cutados com animais inferiores como pombos, ratos, etc. e que estes resultados não poderiam

ser diretamente extrapolados para a espécie humana. A essa crítica, Skinner responde que as

outras ciências também usam hipóteses simplificadoras de modo a terem dados tratáveis e

passíveis de análise.

Outra crítica comum ao trabalho de Skinner é a incapacidade do Comportamentalismo

de explicar certos comportamentos humanos. A essa crítica Skinner responde afirmando que

todas as ciências têm em sua fase inicial uma série de fenômenos para os quais não conse-

guem achar explicação e que é somente uma questão de tempo para que os fatos atualmente

fora do escopo explicativo da teoria passem a ser explicados pela mesma.

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4. Teoria das hierarquias de aprendizagem de Gagné

Em seu trabalho, Gagné aborda condições de aprendizagem, tipos de aprendizagem e

princípios de aprendizagem. Para Moreira (2011), trata-se de uma teoria na medida em que

procura relacionar e/ou unificar princípios de aprendizagem de modo a explicar fatos especí-

ficos observados.

Para Gagné a aprendizagem é um processo (interno) visível de mudança nas capacida-

des do indivíduo e ocorre principalmente na interação do sujeito com seu meio (físico, social,

psicológico). Se a aprendizagem ocorrer, observa-se uma mudança comportamental persisten-

te.

Gagné identifica cinco categorias maiores de aprendizagem:

i. informação verbal;

ii. habilidades intelectuais;

iii. estratégias do cognitivo;

iv. atitudes;

v. habilidade motora.

Não basta ver o comportamento do aprendiz e sim analisar o processo de aprendiza-

gem (modelo de aprendizagem e memória).

Para Gagné uma habilidade intelectual pode ser explicada como habilidades mais sim-

ples e quando combinadas resultam em aprendizagem. As habilidades mais simples enquanto

“pré-requisitos imediatos” possibilitam a identificação de outras habilidades muito mais sim-

ples das quais são formadas. É isso que Gagné denomina de hierarquia de aprendizagem e que

significa um mapa das habilidades subordinadas a alguma habilidade mais complexa que deve

ser aprendida. (MOREIRA, 2011).

Nesse sentido, propôs oito fases ou tipos que constituem o ato de aprendizagem:

- Tipo 1 - Aprendizagem de sinais: o aprendiz aprende a dar uma resposta geral e difusa a um

sinal. Neste tipo de aprendizagem o estímulo condicionado deve preceder o incondicionado,

num intervalo de tempo bastante curto;

- Tipo 2 - Aprendizagem do tipo estímulo-resposta: o indivíduo aprende uma resposta precisa

a um estímulo discriminado, ou seja, uma conexão, segundo Thorndike, ou uma operação

discriminada, segundo Skinner;

- Tipo 3 - Aprendizagem em cadeias: consiste na aquisição de duas ou mais conexões estímu-

lo-resposta, e pode começar tanto pelo fim da cadeia (pelo último elo) como pelo início (pelo

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primeiro elo da cadeia). As condições para este tipo de aprendizagem foram descritas princi-

palmente por Skinner;

- Tipo 4 - Aprendizagem de associações verbais: semelhante ao tipo 3, é uma aprendizagem

de cadeias verbais;

- Tipo 5 - Aprendizagem de discriminações múltiplas: neste caso o aprendiz necessita dar

respostas diferenciadas a diferentes estímulos, estabelecendo um determinado número de ca-

deias que demonstrem a falta de semelhança entre várias coisas;

- Tipo 6 - Aprendizagem de conceitos: este tipo de aprendizagem torna possível ao indivíduo

reagir a pessoas ou fatos como um todo. O indivíduo adquire a capacidade de dar respostas

iguais a um grupo de estímulos, os quais podem diferir na sua forma física;

- Tipo 7 - Aprendizagem de princípios: um princípio é uma cadeia de dois ou mais conceitos e

representa as relações existentes entre estes conceitos;

- Tipo 8 - Resolução de problemas: este tipo de aprendizagem requer operações mentais mais

complexas, envolvendo os outros tipos analisados. O indivíduo adquire uma capacidade ou

conhecimento.

Para Gagné, aprender é colocar em andamento um conjunto de condições de aprendi-

zagem internas e externas.

A proposta idealizada por Gagné situa-se entre o behaviorismo e o cognitivismo, pois

apresentam-se por meio de estímulos, respostas, estimulação do ambiente, comportamentos,

dentre outros, que são características behavioristas. Porém, de outro modo, trata processos

internos de aprendizagem, além de enfatizar a importância das teorias de aprendizagem para a

instrução, que são características cognitivistas.

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5. Teoria de ensino de Bruner

Jerome Bruner (1969, 1973 e 1976), professor de Psicologia e Diretor do Centro de

Estudos Cognitivos da Universidade de Harvard, baseou seus estudos na cognição, desafiou o

behaviorismo e apresentou como princípios básicos da sua teoria primeiro que o aprendizado

é um processo ativo do sujeito; segundo que a estrutura cognitiva do sujeito é o fundamento

para a aprendizagem (estrutura cognitiva: esquemas e modelos mentais). Em terceiro que o

conhecimento aprendido fornece significado e organização à experiência do sujeito.

Bruner é mais conhecido por ter dito que "é possível ensinar qualquer assunto, de uma

maneira intelectualmente honesta, a qualquer criança em qualquer estágio de desenvolvimen-

to", do que por qualquer outro aspecto de sua teoria, desde que se levassem em conta as diver-

sas etapas do desenvolvimento intelectual (Moreira, 2011). Logo, a tarefa de ensinar determi-

nado assunto a uma criança, é a de representar a estrutura deste em termos da visualização que

a criança tem das coisas. Aqui o que é relevante em determinada matéria a ser ensinada é sua

estrutura.

Ao ensinar, Bruner destaca o processo da descoberta, através da exploração de alterna-

tivas, e o currículo em espiral, capaz de oportunizar ao aprendiz rever os tópicos de diferentes

níveis de profundidade. Segundo Bruner, "o ambiente ou conteúdos de ensino têm que ser

percebidos pelo aprendiz em termos de problemas, relações e lacunas que ele deve preencher,

a fim de que a aprendizagem seja considerada significante e relevante.

A ideia de desenvolvimento intelectual ocupa um lugar fundamental na teoria de Bru-

ner. O desenvolvimento intelectual caracteriza-se:

i. Por independência crescente da resposta em relação à natureza imediata do estímulo;

ii. O desenvolvimento intelectual baseia-se em absorver eventos, em um sistema de armaze-

namento que corresponde ao meio ambiente;

iii. O desenvolvimento intelectual é caracterizado por crescente capacidade para lidar com

alternativas simultaneamente, atender a várias sequências ao mesmo tempo, e distribuir tempo

e atenção, de maneira apropriada, a todas essas demandas múltiplas.

Bruner distingue três modos de representação do mundo pelos quais passa o indivíduo:

a representação ativa, a representação icônica e a representação simbólica. Tira-se desses três

modos de representação que os indivíduos passam por três estágios de processamento e repre-

sentação de informações: manuseio e ação, organização perceptiva e imagens, e pela utiliza-

ção de símbolos. Segundo Bruner, não são exatamente "estágios", e sim fases internas do de-

senvolvimento.

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O autor argumenta que: as teorias psicológicas de aprendizagem e desenvolvimento

são descritivas, enquanto que uma teoria de ensino deve, além de levar em conta tais teorias,

ser prescritiva. Deve principalmente concentrar-se em como aperfeiçoar a aprendizagem, faci-

litar a transferência ou a recuperação de informações. Deve também estabelecer regras con-

cernentes à melhor maneira de obter conhecimentos e técnicas.

As quatro principais e distintas características de uma teoria de ensino:

i. Deve apontar as experiências mais efetivas para implantar em um indivíduo a predisposição

para a aprendizagem;

ii. Deve especificar como deve ser estruturado um conjunto de conhecimentos, para melhor

ser apreendido pelo estudante;

iii. Deve citar qual a sequência mais eficiente para apresentar as matérias a serem estudadas;

iv. Deve deter-se na natureza e na aplicação dos prêmios e punições, no processo de aprendi-

zagem e ensino.

Bruner concentra sua atenção na predisposição para explorar alternativas. Partindo da

premissa que o estudo e a resolução de problemas baseiam-se na exploração de alternativas,

propõe que a instrução deverá facilitar e ordenar tal processo por parte do aluno.

Três são fatores envolvidos no processo de exploração de alternativas: ativação, manu-

tenção e direção. As instruções devem ser dadas de modo a explorar alternativas que levem à

solução do problema ou à descoberta.

Apresenta quatro razões para ensinar a estrutura de uma disciplina:

i. Entender os fundamentos torna a matéria mais compreensível.

ii. A segunda razão relaciona-se com a memória humana. Uma boa teoria é veículo não ape-

nas para a compreensão de um fenômeno, como também para sua rememoração futura.

iii. Uma compreensão de princípios e ideias fundamentais, como já se observou anteriormen-

te, parece ser o principal caminho para uma adequada transferência de aprendizagem.

iv. Pelo reexame constante do que estiver sendo ensinado nas escolas, em seu caráter funda-

mental, é possível diminuir a distância entre o conhecimento avançado e o conhecimento ele-

mentar.

A estrutura de uma matéria apresenta, segundo Bruner, três características fundamen-

tais, todas inerentes à habilidade do estudante para dominar o assunto:

- forma da representação utilizada

- economia

- potência efetiva

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A questão da sequência, na aprendizagem, parece ser intuitiva para grande maioria dos

que lidam com o ensino. Aqui a diferença entre Bruner e outros autores, refere-se ao fato de

que ele formaliza a questão, e a coloca em termos operacional.

Bruner não encara o reforço da mesma maneira como ele é visto numa abordagem

comportamentalista. Do ponto de vista behaviorista, o reforço tem um papel fundamental,

pois o comportamento é modificado por consequências recompensadoras ou punitivas. Para

Skinner, por exemplo, não é a presença do estímulo ou da resposta que leva à aprendizagem,

mas sim a presença das contingências de reforço.

Bruner, por sua vez, refere-se ao reforço no sentido de que a aprendizagem depende do

conhecimento de resultados, no momento e no local em que ele pode ser utilizado para corre-

ção. A instrução aumenta a oportunidade do conhecimento corretivo.

Relacionando desenvolvimento intelectual, ensino e professor, Bruner propõe que: "O

desenvolvimento intelectual baseia-se numa interação sistemática e contingente, entre um

professor e um aluno, na qual o professor, amplamente equipado com técnicas anteriormente

inventadas, ensina a criança”.

Bruner destaca também o papel da linguagem no ensino: "O ensino é altamente facili-

tado por meio da linguagem que acaba sendo não apenas o meio de comunicação, mas o ins-

trumento que o estudante pode usar para ordenar o meio ambiente”.

Aqui, o "cognitivismo de Bruner" ficou quase que restrito aos modos de representação

pelos quais o sujeito passa ao longo de seu desenvolvimento intelectual - ativo, icônico e sim-

bólico - nos quais percebe-se uma clara influência piagetiana. Aliás, na prática, nos meios

educacionais, Bruner é conhecido por estes modos representacionais e por termos como currí-

culo em espiral e aprendizagem por descoberta.

Ao adotar esta "psicologia ideal", Bruner critica sua própria visão piagetiana anterior,

na qual a criança é um construtor "solista" que constrói em níveis cada vez mais elevados de

representação - e, pagando tributo a Lev Vygotsky, reconhece que a criança raramente cons-

trói por si só, mas sim através de uma intencionalidade compartilhada: tudo o que "entra" na

consciência é o que foi "acordado" interpessoalmente; somente aquilo a que a criança pode

assegurar "concordância compartilhada" torna-se parte de sua representação do mundo. Sem

dúvida, uma visão vygotskyana.

Em resumo, poder-se-ia dizer que, para Bruner, existem três estádios: “inativo”, icôni-

co e simbólico. Bruner defende que o desenvolvimento da mente está ligado à construção de

significados pelos seres humanos na sua relação com o meio. Estes significados construídos

pelos sujeitos nada têm haver com o modo informático do processamento da informação. A

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mente, neste processo, é criativa, pessoal e subjetiva. Ao mesmo tempo é partilhada com os

outros que fazem parte do seu contexto social.

Bruner reconhece que em cada cultura existe o que vulgarmente se chama de psicolo-

gia popular: consiste na forma como cada um de nós procura explicar o que são as pessoas,

por que razões se comportam de determinada maneira. Estes conteúdos são adquiridos no

processo de socialização numa dada sociedade. A cada modo de representação corresponde

um modelo de aprendizagem. Este autor considera que as aprendizagens devem ser compatí-

veis com as diferentes fases de representação. Na fase inativa dominaram as aprendizagens

centradas na manipulação dos objetos. Na fase icônica há uma aprendizagem das representa-

ções e das características dos objetos. Na última fase, a capacidade simbólica vai possibilitar a

compreensão de conceitos lógicos e abstratos. Um mesmo assunto pode ser abordado de for-

mas distintas nas três fases o que se designa por currículo em espiral. Bruner defende que

existe um desejo natural de aprender por parte da criança, uma motivação que conduzirá a um

maior sucesso escolar. Finalmente referia a necessidade do reforço, ou seja, uma aprendiza-

gem bem sucedida deveria ser reforçada, para aumentar a probabilidade de se repetir.

O percurso de Bruner reflete uma inquietação que o leva a colocar em questão as suas

concepções num processo de progressiva crítica. Abandona o cognitivismo, por considerar

que a busca de uma cientificidade conduziu esta corrente à adoção de um modelo explicativo

dos processos da mente que não respeita o seu caráter criativo e dinâmico. Os efeitos das suas

concepções na aprendizagem marcam o modo como o processo educativo é encarado na nossa

sociedade. A figura 2 mostra um mapa conceitual para a teoria de ensino de Bruner.

Figura 2. Mapa conceitual da teoria de ensino de Bruner.

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6. Teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget

Jean Piaget (1896 – 1980) nasceu em Neuchatel, na Suíça. Formou-se em Biologia pe-

la Universidade de Neuchatel e lançou seu primeiro livro, A linguagem e o pensamento da

criança, em l923. Em l925 começou a lecionar Psicologia, História da Ciência e Sociologia. O

fato de ter se formado em Biologia, antes de cursar Psicologia, exerce grande influência em

sua teoria, uma vez que sua explicação para o processo de evolução da inteligência é baseada

na comparação com o processo de desenvolvimento biológico humano.

A teoria de Jean Piaget é chamada por ele de Epistemologia Genética ou teoria psico-

genética, mas é mais conhecida como concepção construtivista da formação da inteligência,

ou apenas Construtivismo. O termo epistemologia significa estudo do conhecimento. Episte-

mo vem de episteme, que significa conhecimento e logia, significa estudo; assim temos estudo

do conhecimento. Já o termo genética, em Piaget, não está relacionado, como tendemos a

pensar, aos modelos hereditários, de transmissão de conteúdo genético de pais para filhos. O

termo genética em sua teoria significa origem, pois vem da palavra gênese.

Assim, em sua teoria, Piaget procura explicar como o indivíduo, desde o seu nasci-

mento até sua fase adulta, constrói o conhecimento. Pelo fato de ser a construção do conheci-

mento o processo sobre o qual Piaget lança seu olhar durante suas pesquisas, apelidou-se sua

teoria de Construtivismo e a prática pedagógica baseada na teoria de Piaget de construtivista.

Jean Piaget é o pioneiro e mais conhecido autor construtivista do século XX. Suas

propostas configuram uma teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo humano. Com

importantes trabalhos na década de 20, apenas na década de 70, Piaget foi "redescoberto".

Começa talvez aí a ascensão do cognitivismo e o declínio do behaviorismo, em termos de

influência no ensino/aprendizagem e na pesquisa nessa área. Tamanha influência piagetiana a

fim de se provocar confusão do termo construtivismo com Piaget.

Os conceitos-chave de sua teoria, tais como assimilação, acomodação e equilibração

foram abordados ao longo do texto. O "núcleo duro" da teoria de Piaget está na assimilação,

na acomodação e na equilibração, não nos famosos períodos de desenvolvimento mental.

A teoria Piaget apresenta quatro períodos gerais de desenvolvimento cognitivo, a sa-

ber: o sensório-motor que vai do nascimento ao cerca de dois anos de idade, no qual a única

referência comum e constante é o próprio corpo da criança, decorrendo daí um egocentrismo

praticamente total; deste estágio, característico do recém-nascido, a criança evolui cognitiva-

mente, passando por outros estágios, até que, no fim do período sensório-motor, começa a

descentralizar as ações em relação ao próprio corpo e a considerá-lo como um objeto entre os

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demais. O próximo é o pré-operacional, que vai dos dois aos seis ou sete anos. Por meio da

linguagem, dos símbolos e imagens mentais, inicia-se uma nova etapa do desenvolvimento

mental da criança, na qual o pensamento começa a se organizar, embora ainda não reversível.

Entre 7 e 8 anos assinala, em geral, o início do período operacional-concreto e se prolonga aos

11 ou 12 anos. Verifica-se uma descentração progressiva em relação à perspectiva egocêntrica

que caracterizava a criança até então. Durante este período, a criança ganha precisão no con-

traste e comparação de objetos reais e torna-se capaz, por exemplo, de predizer qual o recipi-

ente que contém mais água.

Aos onze ou doze anos, inicia-se o quarto e último período de desenvolvimento mental

que passa pela adolescência e prolonga-se até a idade adulta e é chamado de operacional-

formal. Este período tem como principal característica a capacidade de raciocinar com hipóte-

ses verbais e não apenas com objetos concretos. Trata-se do pensamento proposicional, por

meio do qual o adolescente, ao raciocinar, manipula proposições.

Segundo a Teoria de Piaget, o crescimento cognitivo da criança se dá por assimilação

e acomodação. O indivíduo constrói esquemas de assimilação mentais para abordar a realida-

de. No caso de modificação, ocorre o que Piaget chama de "acomodação". É através das aco-

modações (que, por sua vez, levam à construção de novos esquemas de assimilação) que se dá

o desenvolvimento cognitivo. Se o meio não apresenta problemas, dificuldades, a atividade da

mente é, apenas, de assimilação, porém, diante deles, ela se reestrutura (acomodação) e se

desenvolve.

A acomodação por ser uma reestruturação da assimilação, não se configura sem assi-

milação. O equilíbrio entre assimilação e acomodação é a adaptação à situação.

A "estrutura cognitiva" de um indivíduo é, um complexo de esquemas de assimilação

que, segundo Piaget, tendem a organizar-se segundo os modelos matemáticos de grupo e rede.

Piaget considera tudo no comportamento (motor, verbal e mental) parte da ação.

Mesmo a percepção é, para ele, uma atividade e a imagem mental é uma imitação interior do

objeto. Pode-se falar em ação sensório-motor, ação verbal e ação mental. O pensamento é,

simplesmente, a interiorização da ação (embora, geralmente, acompanhada de atividade moto-

ra residual, como, por exemplo, gestos e movimento dos olhos).

A teoria de Piaget não é uma teoria de aprendizagem e sim uma teoria de desenvolvi-

mento mental. Não enfatiza o conceito de aprendizagem, mas menciona o termo "aumento do

conhecimento", analisando como isto ocorre: só há aprendizagem (aumento de conhecimento)

quando o esquema de assimilação sofre acomodação.

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De acordo com Piaget, a aprendizagem se configura quando há acomodação. A mente,

sendo uma estrutura (cognitiva) tende a funcionar em equilíbrio, o que aumenta seu grau de

organização interna e de adaptação ao meio. Entretanto, quando este equilíbrio é rompido por

experiências não-assimiláveis, o organismo (mente) se reestrutura (acomodação), a fim de

construir novos esquemas de assimilação e atingir novo equilíbrio. Para Piaget, este processo

reequilibrador, que ele chama de equilibração majorante, é o fator preponderante na evolução,

no desenvolvimento mental, na aprendizagem (aumento de conhecimento) da criança.

O mecanismo de aprender é sua capacidade de reestruturar-se mentalmente em busca

de um novo equilíbrio. O ensino deve, portanto, ativar tal mecanismo. Na escola, esta neces-

sidade de compatibilizar o ensino com o nível de desenvolvimento mental da criança, é, mui-

tas vezes, ignorada. Em termos de esquemas de assimilação, a questão do ensino envolve três

aspectos: os esquemas de assimilação do aluno, aqueles que se quer ensinar, e os do professor.

Relativamente a esses três aspectos, um conceito interessante é o de ensino reversível.

A contribuição de Piaget para Pedagogia tem sido, até hoje, inestimável, sobretudo

devido às indicações sobre os estágios adequados para serem ensinados determinados conteú-

dos às crianças, sem desrespeitar suas reais possibilidades mentais, ou seja, de acordo com o

seu desenvolvimento intelectual e afetivo.

Inicialmente, Piaget trabalhou com dois psicólogos franceses, Alfred Binet e Théodore

Simon, que por volta de 1905 tentavam elaborar um instrumento para medir a inteligência das

crianças que frequentavam as escolas francesas.

Piaget concebeu, então, que a criança possui uma lógica de funcionamento mental que

difere – qualitativamente – da lógica do funcionamento mental do adulto. São quatro os fato-

res básicos responsáveis pela passagem de uma etapa de desenvolvimento mental para a se-

guinte – a maturidade e o sistema nervoso, a interação social, a experiência física com objetos

e, principalmente, a equilibração.

A maturidade e o sistema nervoso, porque dizem respeito ao amadurecimento das es-

truturas biológicas necessárias para a realização da aprendizagem (esquemas cognitivos); a

interação social, por ser necessária para que possamos desfazer o egocentrismo e percebermos

o outro nas nossas relações, além disso, as interações sociais também contribuem para a com-

preensão das regras sociais; a experiência física, por ser justamente por meio das ações do

sujeito sobre os objetos que se processa a aprendizagem; e a equilibração, por ser o processo

regulador da aprendizagem.

O fator de menor peso na teoria piagetiana é a interação social. Dessa maneira a edu-

cação tem, no entender de Piaget, um impacto reduzido sobre o desenvolvimento intelectual.

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Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não se confundem: o primeiro é um processo

espontâneo, que se apoia predominantemente no biológico. Aprendizagem, por outro lado, é

encarada como um processo mais restrito, causado por situações específicas e subordinado

tanto à equilibração quanto à maturação.

Com isso, podemos afirmar que, para Piaget, a construção do conhecimento é um pro-

cesso ativo do homem que tem seu fim apenas quando finda a vida, pois o ser humano, curio-

so por natureza, cede aos constantes desafios apresentados a ele e busca, incessantemente,

conhecer mais.

Os dois conceitos fundamentais da teoria piagetiana são os conceitos de assimilação e

adaptação. A assimilação ocorre quando a informação é incorporada (sob forma modificada

ou não) às estruturas já preexistentes na estrutura cognitiva enquanto que a adaptação ocorre

quando o organismo se modifica de alguma maneira de modo a incorporar a nova informação.

Os chamados estágios piagetianos nada mais são do que diferentes esquemas de interação

entre o sujeito e o mundo externo. O mapa conceitual representado na figura 2 mostra as idei-

as principais da teoria de Piaget.

Figura 3. Mapa conceitual da teoria de Jean Piaget.

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7. Teoria sócio-histórica de Vygotsky

Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu na cidade de Orcha, próximo a Mensk, capital da

Bielarus, país da extinta União Soviética, em 17 de novembro de 1896. Viveu, com sua famí-

lia, grande parte de sua vida em Gomel, na mesma região de Bielarus. Era membro de uma

família judia, sendo o segundo de oito irmãos. Foi um importante professor e pesquisador que

atuou na área da psicologia e da neurologia. Desenvolveu seus estudos tendo como base as

relações entre o pensamento, a linguagem e as interações sociais e culturais entre o sujeito e o

meio. Suas pesquisas foram interrompidas em 1934 quando faleceu prematuramente, vítima

da tuberculose.

A atuação intelectual de Vygotsky parece ter sido muito marcante para as pessoas ao

seu redor. Ele era um orador brilhante, que encantava a plateia que o ouvia. Entre os seus alu-

nos e colegas havia muito admiração por suas ideias, que foram consideradas ponto de partida

para elaborações teóricas e projetos de pesquisa posteriores. Seus colaboradores mais conhe-

cidos entre nós são Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leonti-

ev (1904-1979). Vygotsky, Luria e Leontiev faziam parte de um grupo de jovens intelectuais

da Russia pós-Revolução que trabalhavam num clima de grande idealismo e efervescência

intelectual.

Luria afirmava que Vygotsky foi um indivíduo muito especial, que lhe ajudou a alar-

gar e aprofundar a compreensão de sua tarefa como pesquisador e que no final dos anos 20 o

futuro percurso de sua carreira já estava estabelecido. Luria dedicaria os anos subsequentes ao

desenvolvimento dos vários aspectos do sistema psicológico de Vygotsky (OLIVEIRA,

2010).

O momento histórico vivido por Vygotsky na Rússia pós-revolução contribui para de-

finir a tarefa intelectual a que se dedicou, juntamente com seus colaboradores: a tentativa de

reunir, num mesmo modelo explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao funcio-

namento psicológico, como o desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana, ao longo

de um processo sócio-histórico. Esse objetivo teórico implica uma abordagem qualitativa,

interdisciplinar e orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano. O objetivo

teórico e a abordagem utilizada são de extrema contemporaneidade, o que provavelmente im-

plica no recente e intenso interesse por seu trabalho.

Embora, atualmente, o trabalho de Vygotsky seja bastante divulgado e valorizado no

ocidente, permaneceu quase que completamente ignorado até 1962, quando seu livro Pensa-

mento e linguagem foi publicado pela primeira vez nos Estados Unidos. Embora alguns arti-

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gos já tivessem sido publicados em inglês, suas ideias não tinham sido apreciadas e difundidas

fora da União Soviética. As obras de Vygotsky sofreram uma censura violenta dentro da pró-

pria União Soviética, entre os anos de 1936 e 1959, devido ao regime stalinista. Atualmente,

as publicações de textos escritos por Vygotsky e seus colaboradores, bem como de textos so-

bre o seu trabalho, estão em rápida expansão nos países ocidentais.

A discussão do pensamento de Vygotsky na área da educação e da psicologia nos re-

mete a uma reflexão entre ele e Jean Piaget. Esses dois pesquisadores, coincidentemente, nas-

ceram no mesmo ano (1896), mas Vygotsky teve uma vida muito mais curta. Vygotsky che-

gou a ler e discutir em seus textos os dois primeiros trabalhos de Piaget. Por outro lado, Piaget

só foi tomar conhecimento da obra de Vygotsky aproximadamente 25 anos depois de sua

morte, tendo escrito o texto “Comentários sobre as observações críticas de Vygotsky”, como

apêndice à edição norte-americana do livro Pensamento e linguagem, de Vygotsky (OLIVEI-

RA, 2010).

As três ideias centrais que podemos considerar os pilares do pensamento de Vygotsky

são:

i. as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral;

ii. o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o

mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico;

iii. a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos.

Para Vygotsky o que diferencia o homem do animal é a capacidade do homem de

aprendizado e poder repassá-la para as próximas gerações através da linguagem, modificando

assim o meio em que vive. Já os animais aprendem apenas o que já está associado as suas

capacidades inatas, não sendo capaz de transmitir seu conhecimento.

A postulação de que o cérebro, como órgão material, é a base biológica do funciona-

mento psicológico toca um dos extremos da psicologia humana: o homem, enquanto espécie

biológica, possui uma existência material que define limites e possibilidades para o seu de-

senvolvimento. O cérebro, no entanto, não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um

sistema aberto, cujas estruturas e modos de funcionamento são moldados ao longo da história

da espécie e do desenvolvimento individual.

Um conceito central para a compreensão do fundamento sócio-histórico do funciona-

mento psicológico é o conceito de mediação. A relação do homem com o mundo não é uma

relação direta, é uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos (signos) os elementos

intermediários entre o sujeito e o mundo.

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A invenção e uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psico-

lógico (lembrar, comprar coisas, relatar, escolher, etc.), é análoga à invenção e uso de instru-

mentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade

psicológica de uma maneira análoga ao papel de um instrumento de trabalho. (VYGOTSKY,

1984, P. 59-60).

Ao longo da evolução da espécie humana e de desenvolvimento de cada indivíduo

ocorrem, entretanto, duas mudanças qualitativas fundamentais no uso de signos. Por um lado,

a utilização de marcas externas vai se transformar em processos internos de mediação; esse

mecanismo é chamado, por Vygotsky, de processo de internalização. Por outro lado, são de-

senvolvidos sistemas simbólicos, que organizam os signos em estruturas complexas e articu-

ladas. Os signos internalizados são, como marcas exteriores, elementos que representam obje-

tos, eventos, situações. Assim como um nó num lenço pode representar um compromisso que

não quero esquecer, a minha ideia de mãe representa a pessoa real da minha mãe e me permite

lidar mentalmente com ela, mesmo na sua ausência (OLIVEIRA, 2010).

Vygotsky ressaltava que foi quando o homem criou os instrumentos é que se deu iní-

cio a sociedade havendo assim o desenvolvimento da linguagem que foi um passo muito

grande para a humanidade, pois ela é o instrumento de mediação entre o indivíduo e a socie-

dade. Aponta que não é apenas através da fala que o indivíduo se comunica com a sociedade,

mas também através da linguagem escrita que é um processo muito mais complexo, chaman-

do assim a atenção dos professores que apenas ensinam as crianças a desenhar letras e cons-

truir palavras. Sendo assim o contexto em que a criança está inserida é de vital importância

para seu desenvolvimento.

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível soci-

al, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interi-

or da criança (intrapsicológica). (VYGOTSKY, 1984, P. 64).

A criança no primeiro ano de vida desenvolve os movimentos sistemáticos, a percep-

ção, o cérebro, as mãos, e também o uso de instrumentos mediadores, ou seja, seu organismo

inteiro. Na medida em que a criança torna-se mais experiente, adquire um maior número de

modelos. Esses modelos representam um esquema cumulativo refinado de todas as ações si-

milares. E para atingir esse objetivo, a criança utiliza instrumentos auxiliares na solução de

tarefas. Os signos e as palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um

meio de contato social com outras pessoas.

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A relação entre o uso de instrumentos e a fala afeta várias funções psicológicas, em

particular a percepção (para construir o mundo em nossas cabeças, devemos detectar a energia

física do ambiente e codificá-la como sinais neuronais; ao longo de desenvolvimento, entre-

tanto , principalmente através da internalização da linguagem e dos conceitos e significados

culturalmente desenvolvidos ; a percepção deixa de ser uma relação direta entre o indivíduo e

o meio, passando a ser mediada por conteúdos culturais), as operações sensório-motoras

(aquisição da ideia da permanência do objeto, a noção de que os objetos continuam a existir

quando não são percebidos ) e a atenção (o bebê nasce com mecanismos de atenção involuntá-

ria: estímulos muito intensos, mudanças bruscas no ambiente, objetos em movimento; ao lon-

go do desenvolvimento, o indivíduo passa a ser capaz de dirigir voluntariamente, sua atenção

para elementos do ambiente que ele tenha definido como relevantes. Quando a criança trans-

fere sua atenção para outro lugar cria dessa forma um novo foco na estrutura dinâmica de per-

cepção. Os movimentos das crianças são repletos de atos motores hesitantes e difusos que se

interrompem e recomeçam sucessivamente. A criança vai passar por um processo de aquisi-

ção de linguagem que já existe no seu ambiente. Nas fases iniciais da aquisição da linguagem

a criança utiliza, então, da linguagem externa disponível no seu meio, com a função de comu-

nicar . A linguagem é a ferramenta mais importante, agindo decisivamente na estrutura do

pensamento, e é fundamentalmente básica para a construção do conhecimento. A linguagem é

considerada como um instrumento, pois ela atuaria para modificar o desenvolvimento e a es-

trutura das funções psicológicas. O sujeito do conhecimento não é apenas ativo, mas interati-

vo, porque constitui conhecimento e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. A

fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação . Com o decorrer do tempo, a fala vai

desenvolvendo a parte cognitiva e essencial na organização das funções psicológicas.

A criança que tem a fala, dirige sua atenção de maneira mais dinâmica. A linguagem

então é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, sendo a principal mediadora

entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Em cada situação de interação, o sujeito está em

um momento de sua trajetória particular, trazendo consigo determinadas possibilidades de

interpretação do material que obtém do mundo externo. O curso do desenvolvimento da cri-

ança caracteriza-se por uma alteração radical na própria estrutura do comportamento: a cada

novo estágio, a criança não só muda suas respostas, como também as realiza de maneiras no-

vas, gerando novos instrumentos de comportamento e substituindo sua função psicológica por

outra. A complexidade crescente do comportamento das crianças reflete-se na mudança dos

meios que elas usam para realizar novas tarefas e na correspondente reconstrução de seus pro-

cessos psicológicos.

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Vygotsky se refere a dois tipos de conceito: o conceito cotidiano que são as coisas que

ela aprende fora da escola, e o conceito científico que são adquiridos nas interações escolari-

zadas. Para aprender um conceito além de informações recebidas do exterior é necessário de

uma intensa atividade mental, por parte da criança como capacidade de comparar. Vygotsky

ressalta também os níveis de desenvolvimento que são: o real e o potencial, o real significa

aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha e o desenvolvimento potencial é aquilo que a

criança só é capaz de fazer com a ajuda de outro indivíduo.

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da

solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por

meio da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com um par-

ceiro mais capaz. (VYGOTSKY, 1984, p. 97).

Normalmente, quando nos referimos ao desenvolvimento de uma criança, o que bus-

camos compreender é "até onde a criança já chegou". Para ser considerada como possuidora

de certa capacidade, a criança tem que demonstrar que pode cumprir a tarefa sem nenhum tipo

de ajuda. Vygotsky denomina o nível das funções mentais da criança que se estabeleceram

como resultado de certos ciclos de desenvolvimento completados, ou seja, capacidade de rea-

lizar tarefas de forma independente, de nível de desenvolvimento real. A capacidade de de-

sempenhar tarefas com a ajuda de um adulto ou em colaboração com companheiros mais ca-

pazes, define como nível de desenvolvimento potencial. Ou seja, é a partir da postulação da

existência desses dois níveis de desenvolvimento – real e potencial – que Vygotsky define a

zona de desenvolvimento proximal, como a distância entre o nível de desenvolvimento real,

que se costuma determinar através da solução, independente, de problemas; e o nível de de-

senvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de

um adulto.

O nível de desenvolvimento real de uma criança define funções que ainda não amadu-

receram, mas que estão em processo de maturação. Caracteriza o desenvolvimento mental

retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvi-

mento mental prospectivamente. O estado de desenvolvimento mental de uma criança só pode

ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a

zona de desenvolvimento proximal (a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de

desenvolvimento real amanhã).

Existem relações dinâmicas altamente complexas entre os processos de desenvolvi-

mento e de aprendizado, as quais não podem ser englobadas por uma formulação hipotética.

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Todas as concepções correntes da relação entre aprendizado e desenvolvimento em crianças

podem ser reduzidas a três grandes posições teóricas:

1ª Concepção: Centra-se no pressuposto de que os processos de desenvolvimento da criança

são independentes do aprendizado. O aprendizado é considerado um processo puramente ex-

terno que não está envolvido ativamente no desenvolvimento (ele simplesmente se utilizaria

dos avanços do desenvolvimento ao invés de fornecer um impulso para modificar seu curso).

O desenvolvimento ou a maturação são vistos como uma pré-condição do aprendizado, mas

nunca como resultado dele;

2ª Concepção: Aprendizado é desenvolvimento: O desenvolvimento é visto como o domínio

dos reflexos condicionados, não importando se o que se considera é o ler, o escrever ou a

aritmética, isto é, o processo de aprendizado está completa e inseparavelmente misturado com

o processo de desenvolvimento. Diferenças são verificadas nessas duas concepções, quanto às

relações temporais entre os processos de aprendizado e desenvolvimento: 1) Os ciclos de de-

senvolvimento precedem os ciclos de aprendizado, a maturação precede o aprendizado e a

instrução deve seguir o crescimento mental. 2) Os processos ocorrem simultaneamente:

aprendizado e desenvolvimento coincidem em todos os pontos, da mesma maneira que duas

figuras geométricas idênticas coincidem quando sobrepostas;

3ª Concepção: Tenta superar os extremos das outras duas, simplesmente combinando-as (ou

seja, um processo influencia o outro), portanto, eles têm algo em comum. Através dessa últi-

ma concepção pode-se concluir que:

- Os dois processos anteriores, que constituem o desenvolvimento, tem algo em comum: são

interagentes e dependentes;

- O amplo papel que a teoria atribui ao aprendizado no desenvolvimento da criança (o que

leva um velho problema pedagógico: o da disciplina formal e o problema da transferência);

- o aprendizado numa área em particular influencia muito pouco o desenvolvimento como um

todo.

Vygotsky trabalha também com outro domínio da atividade infantil que tem claras re-

lações com o desenvolvimento: o brinquedo. Quando Vygotsky discute o papel do brinquedo,

refere-se especificamente à brincadeira de "faz-de-conta”, como brincar de casinha, brincar de

escolinha, brincar com um cabo de vassoura como se fosse um cavalo. Faz referência a outros

tipos de brinquedo, mas a brincadeira "faz-de-conta" é privilegiada em sua discussão sobre o

papel do brinquedo no desenvolvimento. A questão do brinquedo e seu papel no desenvolvi-

mento é marcante, considera-se que o brinquedo não é uma atividade que dá prazer a uma

criança de modo puro e simples, porque outras atividades podem proporcionar a criança muito

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mais prazer, como o hábito de chupar chupeta; com relação às brincadeiras, existem as que a

própria atividade , não é agradável para a criança, como os de ganhar e perder que com muita

frequência é acompanhado pelo desprazer da perda . A criança em idade pré-escolar envolve-

se num mundo ilusório para resolver suas questões, onde os seus desejos são ou não realiza-

dos conforme seu dispor, isto é que também pode-se chamar de brinquedo.

Numa situação imaginária como a da brincadeira de "faz-de-conta", a criança é levada

a agir num mundo imaginário. Mas além de ser uma situação imaginária, o brinquedo é tam-

bém uma atividade regida por regras. Mesmo no universo do "faz-de-conta" há regras que

devem ser seguidas. Ao brincar de caminhão, por exemplo, exerce o papel de motorista. Para

isso tem que tomar como modelo os motoristas reais que conhece e extrair deles um significa-

do mais geral e abstrato para a categoria "motorista". Para brincar conforme as regras, tem

que se esforçar para exibir um comportamento semelhante ao motorista, o que impulsiona

para além de seu comportamento como criança.

Tanto pela criação da situação imaginária, como pela definição de regras específicas, o

brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo a criança se

comporta de forma mais avançada do que nas atividades da vida real e também aprende a se-

parar objeto significado. Para Vygotsky, o brinquedo preenche necessidades da criança. Estas

necessidades estão ligadas a tudo aquilo que é motivo de ação. Através do brinquedo, o que

na vida real passa despercebido para a criança, torna-se agora uma regra de comportamento,

que estão presente em todas as situações imaginadas, mesmo que de forma oculta. Com o

brinquedo, a criança consegue grandes aquisições, relacionando seus desejos ao seu papel nas

brincadeiras e suas regras, aquisições que no futuro formarão seu nível básico de ação real e

moral. Sendo assim, a promoção de atividades que favoreçam o envolvimento em brincadei-

ras, principalmente aquelas que promovem a criação de situações imaginárias, têm nítida fun-

ção pedagógica. A escola e, particularmente, a pré-escola poderiam se utilizar desse tipo de

situação para atuar no processo de desenvolvimento da criança.

Vygotsky fazia várias críticas às concepções inatista e ambientalista do desenvolvi-

mento humano, pois a inatista diz que quando uma criança nasce ela já está pronta só espe-

rando o amadurecimento se manifestar, e a ambientalista vê o indivíduo como uma folha em

branco que só reage frente a pressões do meio, já Vygotsky vê o indivíduo como um ser ativo

capaz de modificar a si próprio e o meio em que vive.

Vygotsky salientava a relevância da educação, envolvendo o papel da escola e a im-

portância do conhecimento sistematizado. Demonstra como ocorre o aprendizado ressaltando

que a criança primeiro aprende para depois se desenvolver. Ela constrói seu desenvolvimento

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sendo um sujeito ativo em sua construção, apresenta a importância da imitação nas brincadei-

ras para o desenvolvimento de valores e como o professor deve agir perante tudo isso.

Como Piaget, Vygotsky também condiciona a aprendizagem de um novo conceito à

existência de uma estrutura cognitiva contida na zona de desenvolvimento proximal da pes-

soa. A diferença está em como ambos pensam essa estrutura.

Para Piaget, se a estrutura cognitiva para o aprendizado de um novo conceito não exis-

te, a melhor estratégia pedagógica é apresar a formação dessa estrutura antes de ensinar o

conceito. Caso já exista, é importante detectar e eliminar possíveis concepções prévias que

possam se tornar obstáculos cognitivos à aquisição do novo conceito.

Para Vygotsky, respeitados os limites da zona de desenvolvimento proximal, a melhor

estratégia pedagógica é persistir no processo de ensino do novo conceito, pois essa é a forma

de construir a estrutura mental que possibilita sua aprendizagem. Portanto, não é o desenvol-

vimento cognitivo que viabiliza a aprendizagem, mas a aprendizagem que torna possível ou

provoca o desenvolvimento cognitivo. As estruturas mentais para a aquisição de um novo

conceito só começam a se formar na mente da pessoa quando esse conceito é ensinado.

Segundo Vygotsky, a construção de uma nova estrutura mental se inicia quando ela é

exigida. E o ensino formal é uma dessas ocasiões, certamente a mais relevante em relação aos

conceitos científicos. A gênese dessa construção começa com a imitação, o aluno imita seu

parceiro mais capaz, quase sempre o professor, e procura fazer como ele faz, até apropriar-se

da estrutura cognitiva do professor. No ser humano a imitação é um processo cognitivo, não

uma simples repetição mecânica como a fala de um papagaio ou a mimica de um macaco. É

uma forma pela qual uma pessoa se apodera do saber de outra. A aprendizagem é essencial-

mente um processo de imitação, pois, como afirma Vygotsky, o ser humano só imita o que

pode compreender.

Ao contrário de Piaget, Vygotsky não acredita que uma percepção possa impedir a

aquisição de outra, mesmo que sejam contraditórias. Para ele, a formação de conceitos cientí-

ficos sempre se beneficia da existência de concepções prévias, mesmo conflitantes. Em outras

palavras, do ponto de vista vygotskyano a reformulação de uma concepção incorreta é mais

fácil e viável do que a criação de uma nova estrutura mental inteiramente nova.

O que ocorre não é a substituição imediata, a troca de uma concepção por outra como

se troca um objeto por outro num armário. O cérebro humano não tem espaços reservados e

excludentes onde só cabe um conceito ou outro. Concepções opostas podem conviver harmo-

niosamente na mente do aluno, constatação muito frequente nas pesquisas da mudança con-

ceitual.

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No pensamento vygotskyano, a ambivalência revela não uma resistência à mudança

conceitual mas a existência de um processo de mudança cognitivo. Trata-se apenas de uma

etapa inevitável na construção de uma nova estrutura mental, que, sendo incompleta, ainda

não pode prescindir da antiga.

O trabalho de Vygotsky possibilita uma reflexão sobre como acontece o desenvolvi-

mento e a aprendizagem. Permite compreender que este processo engloba uma série de fato-

res, onde o sujeito é um todo, capaz de se evoluir devido sua capacidade psicológica e a inte-

ração com o meio físico e social. Compreender também a diferença que há entre o homem e o

animal, pelo fato do homem estar aberto a um eterno desenvolvimento, ou seja, não existe

determinação de como e quando aprender, pois o aprendizado só acontece quando o ensino é

oferecido de forma a respeitar um certo grau de dificuldade, ou seja, partir daquilo que já sa-

be, para uma dificuldade maior. Desta forma possibilita uma nova visão a respeito de como

acontece o processo de aprendizagem de uma criança. A figura 4 mostra um mapa conceitual

da teoria de Vygotsky.

Figura 4. Mapa conceitual da teoria de Vygotsky

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8. Pedagogia libertadora de Paulo Freire

Paulo Reglus Neves Freire nasceu no Recife, em 19 de setembro de 1921 e faleceu em

São Paulo, no dia 2 de maio de 1997. Foi um dos mais célebres educadores brasileiros, com

atuação e reconhecimento internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabeti-

zação de adultos que leva seu nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumida-

mente político.

Para Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Isso significa, em

relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de oprimidas

e agir em favor da própria libertação. O principal livro de Freire se intitula justamente Peda-

gogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.

Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alu-

nos, Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as "escolas

burguesas"), que ele qualificou de educação bancária. Nela, segundo Freire, o professor age

como quem deposita conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o

saber é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para Freire, de

uma escola alienante, mas não menos ideologizada do que a que ele propunha para despertar a

consciência dos oprimidos. Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a

curiosidade, o espírito investigador, a criatividade, escreveu o educador. Ele dizia que, en-

quanto a escola conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a educação

que defendia tinha a intenção de inquietá-los.

Quando método de alfabetização de Paulo Freire mais poderia contribuir com a vida

do povo pobre e analfabeto, e daí promover uma completa transformação nos destinos dos

excluídos, Freire é acusado de subversivo e seu método é impedido de contribuir para alfabe-

tizar pessoas no Brasil. Ele foi posto no exílio e seu método de alfabetização foi usado como

prova para justificar o “perigo” em permitir que as camadas subalternas pudessem ler, escre-

ver e pensar.

O método de alfabetização Paulo Freire consiste em levar as pessoas, a um processo de

educação para aprender a ler e a escrever a palavra, mas aprender, também a dizê-la interpre-

tando a sua realidade, levando o indivíduo a se colocar como sujeito do seu tempo e da sua

história. Ora isso naquele momento histórico dos anos 60, logo após o golpe militar de 64, não

tinha como se realizar.

Segundo a perspectiva de Paulo Freire, o diálogo é o elemento fundamental que estru-

tura a abordagem para uma pedagogia libertadora, daí a terminologia pedagogia do oprimido.

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Segundo Moreira (2011), é uma pedagogia que não pode ser elaborada nem praticada

pelos opressores, pois se partisse deles faria dos oprimidos objetos de seu humanitarismo,

mantendo e encarnando a própria opressão.

Nesse sentido, na medida em que se afirma o diálogo, se elimina a violência. Este

pressuposto é o princípio da construção democrática. Ou seja, pelo diálogo se estabelece o

entendimento mútuo entre os homens. O diálogo permite a descoberta do mundo. Os indiví-

duos tomam consciência de si e do outro.

Portanto, conclui-se que as relações sociais de forma ampla carregam em si uma di-

mensão pedagógica. Na interpretação freireana, a partir da crítica a educação bancária emerge

o conceito de educação em Paulo Freire: “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozi-

nho. Educar é um ato de amor, é um ato de comunhão entre os homens”. A educação passa a

ser compreendida como liberdade, no limiar horizonte da emancipação humana. Assim, a

compreensão reflexiva sobre a vida de Paulo Freire nos traz um exemplo, que mesmo impedi-

do pelas elites em servir ao seu povo, as experiências que se desenvolveram pelo mundo a

fora, contribuíram para consolidar o seu reconhecimento como educador. O seu pensamento e

a sua militância pontuam a coerência entre discurso e prática, na construção do inédito viável,

por uma pedagogia libertadora.

Na concepção bancária, o educador é o que sabe e os educandos, os que não sabem; o

educador é o que pensa e os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra e os

educandos, os que escutam docilmente; o educador é o que opta e prescreve sua opção e os

educandos, os que seguem a prescrição; o educador escolhe o conteúdo programático e os

educandos jamais são ouvidos nessa escolha e se acomodam a ela; o educador identifica a

autoridade funcional, que lhe compete, com a autoridade do saber, que se antagoniza com a

liberdade dos educandos, pois os educandos devem se adaptar às determinações do educador;

e, finalmente, o educador é o sujeito do processo, enquanto os educandos são meros objetos.

A educação bancária tem por finalidade manter a divisão entre os que sabem e os que

não sabem, entre os oprimidos e opressores. Ela nega a dialogicidade, ao passo que a educa-

ção problematizadora funda-se justamente na relação dialógico-dialética entre educador e

educando; ambos aprendem juntos.

Paulo Freire define como "bancária" a pedagogia burguesa, comparando os educandos

a meros depositários de uma bagagem de conhecimentos que deve ser assimilada sem discus-

são. Paradoxalmente, esta modalidade de educação teria como objetivo não equalizar os co-

nhecimentos entre educador e educando, mas sim "manter a divisão entre os que sabem e os

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que não sabem, entre os oprimidos e os opressores". O educador é necessariamente um opres-

sor.

Para Paulo Freire, ensinar é algo de profundo e dinâmico onde a questão de identidade

cultural que atinge a dimensão individual e a classe dos educandos, é essencial à prática edu-

cativa progressista.

A partir dessa sua prática, criou o método, que o tornaria conhecido no mundo, funda-

do no princípio de que o processo educacional deve partir da realidade que cerca o educando.

Não basta saber ler que “Éva viu a uva”, diz ele. É preciso compreender qual a posição que

Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse

trabalho.

Freire afirma que a libertação através da educação só é válida se for um esforço coleti-

vo: Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comu-

nhão. Mas no entanto, é difícil conceber ato mais individual do que a descoberta. A descober-

ta ou o entendimento de um dado fato nunca é coletiva, pois os indivíduos tem percepções

diferentes e interpretações diferentes: cada um tem a sua versão e o seu entendimento.

Para Freire, função do professor é ministrar ensinamentos de forma neutra e não-

tendenciosa, de modo que o aluno tenha condições de entender aquilo que observa a sua volta,

e desta forma tirar suas próprias conclusões e chegar a seu próprio estado de esclarecimento.

Segundo Freire, o educador que castra a curiosidade do educando em nome da eficácia

da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua ca-

pacidade de aventurar-se. A autonomia, a dignidade e a identidade do educando tem de ser

respeitada, caso contrário, o ensino tornar-se-á inautêntico, palavreado vazio e inoperante. E

isto só é possível tendo em conta os conhecimentos adquiridos de experiência feitos pelas

crianças e adultos antes de chegarem à escola.

Ensinar, por essência, é uma forma de intervenção no mundo, uma tomada de posição,

uma decisão, por vezes, até uma ruptura com o passado e o presente.

Para Freire, a educação é ideológica mas dialogante e atentiva, para que se possa esta-

belecer a autêntica comunicação da aprendizagem, entre gente, com alma, sentimentos e emo-

ções, desejos e sonhos. A sua pedagogia é fundada na ética, no respeito à dignidade e à pró-

pria autonomia do educando. E é vigilante contra todas as práticas de desumanização. É ne-

cessário que o saber-fazer da auto-reflexão crítica e o saber-ser da sabedoria exercitada aju-

dem a evitar a "degradação humana" e o discurso fatalista da globalização.

Para Paulo Freire o ensino é muito mais que uma profissão, é uma missão que exige

comprovados saberes no seu processo dinâmico de promoção da autonomia do ser de todos os

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educandos. Os princípios enunciados por Paulo Freire, o homem, o filósofo, o Professor que

por excelência verdadeiramente promoveu a inclusão de todos os alunos e alunas numa esco-

laridade que dignifica e respeita os educandos porque respeita a sua leitura do mundo como

ponte de libertação e autonomia de ser pensante e influente no seu próprio desenvolvimento.

Para Freire, não há docência sem discência, pois quem forma se forma e re-forma ao

formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. Dessa forma, deixa claro que o

ensino não depende exclusivamente do professor, assim como aprendizagem não é algo ape-

nas de aluno. Não há docência sem discência, as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das

diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina

aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender. Justifica assim o pensamento de que

o professor não é superior, melhor ou mais inteligente, porque domina conhecimentos que o

educando ainda não domina, mas é, como o aluno, participante do mesmo processo da cons-

trução da aprendizagem.

Ensinar, para Freire, requer aceitar os riscos do desafio do novo, enquanto inovador,

enriquecedor, e rejeitar quaisquer formas de discriminação que separe as pessoas em raça,

classes. É ter certeza de que faz parte de um processo inconcluso, apesar de saber que o ser

humano é um ser condicionado, portanto há sempre possibilidades de interferir na realidade a

fim de modificá-la. O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estéti-

co, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o

professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que "ele se ponha em seu lugar" ao

mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumpri-

mento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar,

de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princí-

pios fundamentalmente éticos de nossa existência. É importante que professores e alunos se-

jam curiosos, instigadores.

O professor precisa estar disposto a ouvir, a dialogar, a fazer de suas aulas momentos

de liberdade para falar, debater e ser aberto para compreender o querer de seus alunos. Para

tanto, é preciso querer bem, gostar do trabalho e do educando. Não com um gostar ou um que-

rer bem ingênuo, que permite atitudes erradas e não impõe limites, ou que sente pena da situ-

ação de menos experiente do aluno, ou ainda que deixa tudo como está que o tempo resolve,

mas um querer bem pelo ser humano em desenvolvimento que está ao seu lado, a ponto de

dedicar-se, de doar-se e de trocar experiências, e um gostar de aprender e de incentivar a

aprendizagem, um sentir prazer em ver o aluno descobrindo o conhecimento.

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Uma das tarefas primordiais dos educadores é trabalhar com os educandos a rigorosi-

dade metódica com que devem se aproximar dos objetos cognicíveis. Resgatar nos saberes

cotidianos, ainda que vindos de curiosidade ingênua, o estímulo à capacidade criadora do

educando. A superação da ingenuidade levando à criticidade segundo pensar correto de Freire

demanda profundidade e superficialidade na compreensão e interpretação dos fatos. Quem

pensa certo é quem busca seriamente a segurança na argumentação, e é o que discordando do

seu oponente, não tem o porquê contrair uma raiva desmedida. Quem observa, o faz segundo

um ponto de vista, mas não por isso situa o observador em erro, uma vez que o erro não está

em ter um ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto do seu ponto

de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele. O inacabamento do ser ou sua

inconclusão é próprio da experiência vital, onde há vida, há inacabamento. A diferença entre

um ser inacabado e o ser determinado é que o primeiro muito embora seja condicionado, tem

consciência do inacabamento. O ser inacabado sabe que a passagem pelo mundo não é pré-

determinada, pré-estabelecida, e o seu “destino” não é um dado mas algo que precisa ser feito

e de sua própria responsabilidade.

Para ter segurança o professor deve estudar e preparar suas aulas, deve se esforçar para

estar à altura de sua profissão. O esforço para atingir estas metas fornece a moral necessária

para que o professor transpareça a segurança de seus conhecimentos e sua autoridade nos as-

suntos que vai ensinar. É ouvindo o aluno com paciência e criticamente que aprendemos a

falar com ele. Aprendendo a escutar o educando, ouvindo suas dúvidas, em seus receios, em

sua incompetência provisória, faz com que o docente aprenda a falar com ele. O bom profes-

sor deve ser curioso e deve provocar curiosidade. Esta curiosidade deve ser incentivada para

que mantenha viva a chama do querer saber, do querer entender. Se esta troca não ocorrer,

com o tempo o professor se verá diante de uma situação quase estática, paternalista da manei-

ra de ensinar, que impedem o exercício livre da curiosidade. A curiosidade deve ser democrá-

tica. A curiosidade que silencia a outra se nega a si própria. A educação deve também servir

de meio e forma para transformações sociais, mas deve-se ter consciência da sua indevida

utilização como meio de reprodução de ideologias dominantes.

Segundo Paulo Freire, não é possível ao bom professor ser um ser completamente apo-

lítico, dado que estará expondo suas opiniões e ensinando muitos conceitos baseados em sua

visão de mundo. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a

importância de sua tarefa político–pedagógica.

Enfim, o professor Paulo Freire nos dá uma aula de ensinar, e nos fornece com um

pensamento livre e despojado uma grande inspiração: de que ensinar vale a pena.

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9. Teoria dos construtos pessoais de Kelly

O norte-americano George Kelly nasceu em 1905 e tem uma formação muito interes-

sante. Ele fez graduação em Matemática e Física, mestrado em Sociologia Educacional e dou-

torado em Psicologia e durante, a maior parte de sua carreira, foi professor de Psicologia.

Seus conhecimentos em ciências exatas certamente influenciaram sua teoria, pois em sua obra

“Uma Teoria da Personalidade – A Psicologia dos Construtos Pessoais” (Kelly, 1963 apud.

Moreira et. al., 1999, p. 33) destaca-se uma posição filosófica chamada de Alternativismo

Construtivo que defende que: “todas nossas interpretações do universo estão sujeitas à revisão

ou substituição”. (ibid.)

Kelly caracteriza o homem em geral como o “homem-cientista”, pois segundo

ele grande parte do progresso humano foi gerado pela ciência, não foi em função de suas ne-

cessidades de alimentação e abrigo, mas em função da permanente tentativa de prever e con-

trolar o fluxo de eventos no qual está envolvido. O homem deixa de estar ansioso e inseguro

quando tem conhecimento e controle das situações que estão ao seu redor, quando ele sabe o

que está para acontecer (o dia amanhece, o ônibus passa pelo ponto, seus colegas de trabalho

chegam, etc.).

Entretanto, a ideia mais importante na teoria de Kelly é o conceito de construto. Estes

construtos são entendidos como teorias informais que os sujeitos constroem para interpretar,

compreender, antecipar e predizer os acontecimentos de vida. Daí Kelly acreditar que o aces-

so à realidade é conseguido apenas através dos construtos pessoais. Um construto é uma re-

presentação do universo ou parte dele, uma representação erigida por uma criatura viva e en-

tão testada frente à realidade deste universo (Moreira et. al., 1999, p. 35). A testagem de um

construto se dá pelo confronto deste com a sequência de eventos que corresponde ao universo

e ele é tanto melhor quanto mais eficientes forem suas predições.

Estes construtos pessoais são padrões de semelhança e diferenciação que o sujeito es-

tabelece entre os acontecimentos que experiência. Não se apresentam como unidades isoladas,

mas estão ligados a outros construtos, através de um sistema hierárquico de significação.

Segundo Kelly, o homem vê o mundo através de moldes, ou gabaritos, transparentes

que ele cria e então tenta ajustá-los as realidades do mundo. Nem sempre o ajuste é bom, mas

sem estes moldes, padrões, gabaritos – que Kelly chama de construtos pessoais – o homem

não consegue dar sentido ao universo em que vive. (ibid.)

O homem procura aumentar o seu conhecimento a respeito do universo aumentando a

sua coleção, o seu conjunto de construtos ou alterando-os para que tenham um melhor ajuste.

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Com isso, o sistema de construtos de um indivíduo se torna um arranjo organizado que obe-

dece uma certa hierarquia e apresenta um comportamento dinâmico à medida que estes vão

sendo testados. Este agrupamento é em princípio aberto a mudanças e alterações e nessa pos-

sível mudança no sistema de construção é que está o conceito kellyano de aprendizagem, ou

seja, quanto maior for a disponibilidade de opções para a testagem dos construtos, maior será

a qualidade de seus “moldes e gabaritos” para a visão de mundo.

Esta visão reflete a ideia do homem-cientista de Kelly. Quando um cientista desenvol-

ve a sua teoria, ele a formula como se fosse um sistema de construção, formada por vários

blocos, vários aspectos que juntos tentam validar suas ideias. Tão logo ele julga pronta sua

teoria, começa a fase de testes e é em função dos resultados obtidos que o cientista passa, se

necessário, a modificá-la, a incorporar novos aspectos, refinar alguns e desprezar outros. Sua

teoria estará sempre suscetível a mudanças e transitoriedades, tal como os construtos do ho-

mem-cientista.

A teoria dos construtos pessoais está organizada com base num postulado fundamental

justificado por meio de 11 corolários. O postulado fundamental, “os processos de construção

de uma pessoa estão psicologicamente canalizados pelos modos como ela antecipa os aconte-

cimentos” (Moreira, 2011), deixa clara a ideia do ser humano como ativo e proativo na cons-

trução e antecipação dos acontecimentos de vida. Assim que o sujeito consegue encontrar

semelhanças e diferenças entre acontecimentos de vida, torna-se capaz de antecipar aconteci-

mentos futuros, através do estabelecimento de hipóteses de semelhança ou diferença entre

esses acontecimentos. Desta forma, o sistema de construção de significados pessoais tem co-

mo função a antecipação dos acontecimentos futuros, revelando-se assim a antecipação como

ideia central da teoria.

Os corolários ajudam a compreender como se organiza o sistema de construção do su-

jeito. Segundo Kelly construir é sinónimo de atribuir significado, e interpretar as experiências,

através de semelhanças e diferenças entre elas.

O corolário da construção pressupõe que “a pessoa antecipa os acontecimentos cons-

truindo as sua réplicas”, ou seja, a antecipação dos acontecimentos produz-se através de di-

mensões de interpretação da experiência. Estas dimensões (construtos pessoais) servem quer

para estabelecer semelhanças quer diferenças entre os diversos acontecimentos. O estabeleci-

mento destas semelhanças e diferenças é central no processo de construção, pois permite ao

sujeito antecipar os acontecimentos e consequentemente manter estável o seu sistema de cons-

trutos pessoais. O corolário da experiência ao afirmar que “o sistema de construção de uma

pessoa varia na medida em que constrói sucessivamente réplicas dos acontecimentos”, mostra

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que o sistema de construtos pessoais pode mudar à medida que se vivem novas experiências,

isto porque os significados construídos podem revelar-se inviáveis tornando necessária uma

revisão do sistema de construtos. Contudo, esta revisão ou mudança na construção pessoal

depende das alternativas disponíveis no sistema de construtos.

Os construtos organizam-se num sistema hierárquico, o que é explicado pelo corolário

da organização, segundo o qual “cada pessoa desenvolve de maneira característica, de acordo

com a sua conveniência na antecipação dos acontecimentos, um sistema de construtos que

implica relações ordinais entre estes construtos”. No nível mais elevado da hierarquia encon-

tram-se os construtos nucleares (mais resistentes à mudança e rigidificados quando há uma

ameaça à estabilidade do sistema, sendo assim os responsáveis pela manutenção e proteção do

mesmo), e na base da hierarquia estão os construtos periféricos (os mais instáveis, mais per-

meáveis, os mais relacionados com a flexibilidade das construções). Estes dois grupos de

construtos são interdependentes, contudo enquanto uma mudança dos construtos periféricos

pode dar-se sem afetar a estrutura nuclear do sistema, o contrário não é possível.

De acordo com o corolário da escolha “a pessoa escolhe para si própria, num construto

dicotômico determinado, aquela alternativa com a qual antecipa mais probabilidades de elabo-

rar o seu sistema”. O sujeito escolhe o grupo de construto que, de uma forma mais coerente

com a sua estrutura de significados pessoais, dá significado a um determinado acontecimento.

O corolário da individualidade pressupõe que “uma pessoa se diferencia das outras na

construção dos seus acontecimentos”, perceptível no carácter proativo da construção do co-

nhecimento pessoal, que a teoria atribui ao sujeito. Cada pessoa, em cada momento tem uma

forma única de perceber o mundo.

Por último, o corolário da comunalidade afirma que “os processos psicológicos de du-

as pessoas são similares, na medida em que ambas fazem construções similares da experiên-

cia”, o que mostra que embora os conteúdos de construção pessoal tenham um carácter de

unicidade, diferentes pessoas utilizam processos semelhantes de construção.

Estes construtos pessoais são padrões de semelhança e diferenciação que o sujeito es-

tabelece entre os acontecimentos que experiência. Não se apresentam como unidades isoladas,

mas estão ligados a outros construtos, através de um sistema hierárquico de significação, for-

mando sistemas de significado complexos. Nesse sistema hierárquico há construtos supraor-

denados que desempenham um papel central na construção pessoal e na organização de todo o

sistema. Estes construtos nucleares definem a identidade do sujeito, e são os que dão signifi-

cado às suas ações e sentimentos, sendo também os que facilitam a mudança no sistema de

construtos. O desafio à mudança destes construtos gera sentimentos de ameaça e provoca re-

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sistência, corroborado pelas experiências de vida. Assim, a mudança tem de ser minimamente

coerente com este sentido de identidade, não a colocando em risco. Em seguida segue-se uma

reflexão sobre os pressupostos subjacentes à mudança.

A mudança pessoal é um pressuposto de base da teoria dos construtos pessoais. Se-

gundo Kelly o ser humano está constantemente a antecipar e construir acontecimentos, tor-

nando possível a renovação ou reconstrução desses acontecimentos com base em novas alter-

nativas. A existência de alternativas novas pressupõe a existência de mudança. Esta mudança,

segundo a teoria kellyana está relacionada com a estabilidade ou instabilidade do sistema de

construtos pessoais. Esta teoria concebe a mudança como uma experiência humana e procura

explicá-la através de vários ciclos de mudança, nomeadamente o ciclo circunspecção-

apropriação-controle que explora a dimensão de determinismo/liberdade da experiência de

mudança, o ciclo da criatividade que procura estabelecer qual a relação entre flexibilida-

de/rigidez no processo de mudança e o ciclo da experiência que descreve o movimento de

validação/invalidação do sistema de construtos. Procederemos a uma explicação mais deta-

lhada do ciclo da experiência.

O corolário da escolha de Kelly afirma que entre os construtos que definem o sistema

do sujeito, este escolhe aquele que lhe confere a manutenção e a estabilidade do sistema. As-

sim, segundo uma visão construtivista a ausência temporária de mudança não é um fenómeno

patológico. Trata-se de uma expressão natural, auto-protetora, com o objetivo de manter a

integridade do sistema do sujeito. Na teoria dos construtos pessoais qualquer teoria pessoal é

vista como provisória, assumindo que “todas as nossas interpretações do universo são sujeitas

a revisão e substituição” (Fernandes et al., 2009, p. 11). No entanto, nem sempre esta revisão

é facilitada pelo próprio sistema de significação.

O ciclo da experiência reflete a constante antecipação e construção, em contínua reno-

vação, mas também sempre com o objetivo da manutenção. Este ciclo é constituído por cinco

fases: antecipação, implicação, encontro, validação ou invalidação e revisão construtiva do

sistema. O processo começa com a antecipação, que implica a formulação de uma hipótese

pessoal sobre o provável curso de um acontecimento. Esta hipótese baseia-se em aspectos

supra-ordenados da teoria pessoal, validados em ciclos de experiência anteriores.

A segunda fase é a fase de envolvimento no resultado e pressupõe a exploração de no-

vas experiências. Esta fase tem subjacentes dois níveis: comportamental e representacional. O

primeiro implica ação, enquanto o segundo se caracteriza pelo carácter mental, proposicional

ou analógico da experiência. Por vezes a mudança não se concretiza de imediato ao nível

comportamental, mas é ensaiada a nível representacional, tornando flexível o sistema de cons-

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trutos. Posteriormente estas mudanças representacionais poderão concretizar-se em mudanças

comportamentais.

A terceira fase é a do encontro com o acontecimento, que implica a operacionalização

da hipótese e o seu contraste com a realidade quanto ao seu valor preditivo, isto é supõe a

concretização da ação a nível comportamental.

A quarta fase é a de validação ou invalidação, na qual a hipótese é confirmada ou des-

conformada. É nesta fase que o sujeito verifica se existe compatibilidade ou incompatibilidade

entre a experiência e os construtos.

A quinta e última fase é a revisão construtiva do sistema. É nesta fase que se concreti-

za a mudança. Esta revisão é tanto mais necessária quanto na fase anterior do ciclo da experi-

ência as hipóteses pessoais são invalidadas.

Através das cinco fases do ciclo, o sujeito reconstrói progressivamente e constante-

mente a sua experiência, uma vez que o sistema sendo validado por uma experiência vai per-

mitir antecipar a seguinte. Assim a mudança dá-se sempre através da experiência, e uma vez

que esta experiência é determinada pela antecipação que o sistema de construtos permite, pa-

rece que a mudança é também determinada pelo sistema de construtos. Contudo, a mudança

parece concretizar-se apenas quando a nova experiência foi integrada e não constitui uma

ameaça à integridade do sistema de construtos pessoais, ou seja, quando o movimento ao lon-

go do ciclo da experiência permitiu a flexibilização do sistema. Por outro lado, esta conceptu-

alização da mudança pessoal também sugere que a mudança decorre progressivamente por

oportunidades de revisões construtivas susceptíveis de não ameaçar o sistema de significação

e nunca por rupturas nesta significação. As novas tentativas de significação, resultado da revi-

são do sistema devem ser operativas e validadas pelas novas experiências, mas também deri-

vam delas.

O corolário da experiência, segundo o qual, o sistema de construção de uma pessoa

modifica-se à medida que ela vai construindo réplicas dos eventos que vivencia e confrontan-

do-as com a realidade. Quando esta não corresponde à réplica, a pessoa pode modificar o seu

sistema de construção. Esse processo de reconstrução, para Kelly, está relacionado à ideia de

aprendizagem, que, segundo ele, não ocorre apenas nas escolas ou em situações especiais,

mas se liga diretamente à vivência de uma experiência.

Nessa perspectiva, somente ocorre a experiência quando ocorre a aprendizagem (mu-

dança). Portanto, a pessoa não aprende com a experiência, mas experimenta quando aprende.

Dessa maneira, para que haja aprendizagem, é necessário engajar a pessoa nesse processo,

que se inicia quando a pessoa usa os construtos que possui para construir uma réplica do

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evento com que vai se encontrar (antecipação). Em seguida, a pessoa é engajada numa etapa

de investimento, para melhorar a construção dessa réplica, através da inclusão de novos ele-

mentos no seu sistema de construtos. Essa preparação pode ser por meio de leituras, debates,

reflexão. É na etapa do encontro que a pessoa testa suas hipóteses sobre o evento, passando

para a etapa de confirmação ou desconfirmação das mesmas. Finalmente, pode ocorrer a etapa

da revisão construtiva, quando o sistema de construtos é reconstruído.

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10. Teoria da aprendizagem significativa de Ausubel

A teoria de Ausubel baseia-se no conceito de Aprendizagem Significativa, na qual

uma nova informação é relacionada de maneira não-arbitrária e substantiva (não literal) com

um aspecto relevante existente na estrutura cognitiva do aprendiz (Moreira et al., 1999, p. 46).

Esta estrutura pré-existente é chamada de subsunçor. O subsunçor vem a ser uma ideia, uma

proposição ou um conceito já existente em sua estrutura cognitiva, com a qual a nova infor-

mação, ideia, proposição ou conceito possa ser relacionada, ou seja, o subsunçor é uma espé-

cie de ancoradouro, onde o conteúdo a ser aprendido pode se firmar e interagir, dando condi-

ções para que a aprendizagem possa ser significativa.

Entretanto, para que ocorra a aprendizagem significativa é necessário que os conceitos

existentes na estrutura do indivíduo, os subsunçores, estejam claros e disponíveis. Desta for-

ma, os conceitos mais gerais e abrangentes estarão servindo de ponto de ancoragem para as

informações mais específicas. Uma vez que o novo material é assimilado, ele sofre um pro-

cesso de interação com o subsunçor existente e é modificado em função desta ancoragem,

desse enraizamento da nova informação com os conceitos já existentes. É essa interação que

caracteriza a aprendizagem significativa, isto é, a nova informação passa a ter um significado

e é incorporada à estrutura cognitiva já existente de maneira não-arbitrária e não-literal, con-

tribuindo para a diferenciação, elaboração e estabilidade dos subsunçores preexistentes e, con-

sequentemente, da própria estrutura cognitiva (MOREIRA, 2011).

O fato de que os conceitos mais específicos são integrados a uma estrutura de conhe-

cimentos mais abrangentes, com conceitos mais gerais, sugere que a composição cognitiva de

um indivíduo é altamente organizada e formada por uma espécie de hierarquia conceitual, o

que é característica da aprendizagem significativa. O conceito aprendido significativamente

estará disponível nesta hierarquia e poderá comportar-se como subsunçor de conceitos e pro-

posições ainda mais específicas que eventualmente serão aprendidas.

Ausubel também define a Aprendizagem Mecânica como sendo o oposto da aprendi-

zagem significativa, ou seja, na aprendizagem mecânica as novas informações são absorvidas

praticamente sem interação com a estrutura cognitiva existente. Na aprendizagem mecânica as

informações são armazenadas de maneira arbitrária e literal e pouco ou nada contribuem para

a elaboração e diferenciação da composição conceitual do indivíduo (MOREIRA, 2011).

Quanto aos dois tipos de aprendizagem, Ausubel não estabelece uma separação entre

elas como sendo partes ou ramos separados. Na verdade, a aprendizagem significativa e a

mecânica estão nos extremos de um contínuo e embora deva-se preferir a aprendizagem signi-

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ficativa devido a sua facilidade e importância em aquisição de significados, a aprendizagem

mecânica também é útil em determinadas situações, como por exemplo, nas fases iniciais da

vida ou quando se deseja obter um novo corpo de conhecimento.

Dentro da teoria de Ausubel, é importante salientar suas ideias sobre Aprendizagem

por Descoberta e Aprendizagem por Recepção (ou receptiva). Não é muito difícil fazer a dis-

tinção entre elas, pois como os próprios nomes sugerem, na aprendizagem por descoberta o

conteúdo deve ser desvendado pelo aluno, enquanto que na aprendizagem receptiva o apren-

diz recebe o conhecimento pronto, na sua forma final. As aprendizagens por descoberta e re-

ceptiva também fazem parte de um contínuo, ou seja, não devem ser tratadas como dois ramos

separados da mesma teoria. Um dado conteúdo pode ser apresentado a um aluno de uma ma-

neira em que o método usado não seja puramente classificado como por recepção ou como

por descoberta.

Entretanto, não devemos confundir aprendizagem significativa e mecânica com apren-

dizagem por descoberta e por recepção. O aprendiz pode, por exemplo, receber um determi-

nado conhecimento em sua forma final, com todas as conclusões que talvez tenham demorado

décadas de estudos e pesquisas para chegar naquela maneira sucinta que normalmente é apre-

sentado aos alunos. No entanto, a aprendizagem poderá ser significativa desde que o aprendiz

tenha em sua estrutura cognitiva conceitos mais abrangentes e inclusivos que permitam a an-

coragem deste novo conhecimento, fazendo com que este passe a ter significado e contribua

para a diferenciação, elaboração e estabilidade dos subsunçores preexistentes e, consequente-

mente, da própria estrutura cognitiva. No caso oposto, pode ser dado, por exemplo, uma tarefa

de laboratório a um estudante e, a partir dos resultados, acompanhá-lo na conclusão de uma

determinada lei. Mesmo depois deste esforço, a aprendizagem só será significativa se tiver as

características já citadas. Se o aluno não tiver os subsunçores adequados, o estudante irá ab-

sorver este conteúdo de maneira arbitrária e literal, ou seja, mecanicamente.

Portanto, não existe uma razão para preferirmos a aprendizagem por descoberta à

aprendizagem receptiva. Ambas têm sua importância dependendo do contexto, do conteúdo,

do local e do público a quem se deseja levar o conhecimento. O que Ausubel defende é que

independente da forma como as informações, as ideias, as proposições ou os conceitos che-

gam ao aprendiz, eles possam ser absorvidos de forma significativa.

Na figura 5, apresentamos um gráfico que relaciona as aprendizagens mecânica e sig-

nificativa com as aprendizagens por recepção e por descoberta, mostrando que ambas não se

apresentam como uma dicotomia, mas pertencem a um contínuo.

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Figura 5. Relações entre as aprendizagens significativa e mecânica e as aprendizagens por recepção e por

descoberta (Novak, 1977).

Por tudo que temos visto até aqui sobre a teoria de aprendizagem de Ausubel, é fácil

perceber que ela realmente está centrada no conceito de aprendizagem significativa, seja ela

por recepção ou por descoberta. Ela está vinculada entre as novas ideias e conceitos e a baga-

gem cognitiva do aprendiz. No entanto, o material a ser aprendido deve apresentar condições

para que seja incorporado a esta estrutura cognitiva, ou seja, o material deve ser potencial-

mente significativo, como afirma o próprio autor:

“A essência da aprendizagem significativa reside em que as idéias expressadas simbolicamente

são relacionadas de modo não-arbitrário, mas substancial, com que o aluno/a já sabe. O materi-

al que aprende é potencialmente significativo para ele.” (Ausubel, 1976 apud. Gómes et. al.,

1988, p. 38).

Na significação potencial do material de aprendizagem, Ausubel identifica duas con-

dições: que eles tenham significado lógico e significado psicológico. Um material que tenha

significação lógica é aquele que possui uma estrutura coerente, onde as ideias estejam claras e

objetivas, dentro de um patamar de dificuldade condizente à capacidade do aprendiz. É razoá-

vel imaginar que os conteúdos programáticos das escolas e dos livros didáticos sejam potenci-

almente significativos. Quanto ao significado psicológico, podemos dizer que este é um con-

ceito estritamente individual, pois Ausubel está se referindo à estrutura cognitiva do aprendiz.

Lá devem estar os subsunçores necessários para que o conteúdo a ser aprendido seja relacio-

nável.

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É interessante perceber que um material que apresente significado lógico só será po-

tencialmente significativo se o mesmo encontrar relacionamento substantivo e não-arbitrário

na estrutura cognitiva do aprendiz, dando condições à aprendizagem significativa. Além dis-

so, cabe lembrar que não adianta o material ser potencialmente significativo se o aprendiz não

apresentar uma pré-disposição para relacionar o novo material em seu arranjo cognitivo, de

uma maneira que privilegie a aprendizagem significativa. A recíproca também é verdadeira,

de nada adianta a motivação e a vontade de aprender do aluno se o material não for potenci-

almente significativo.

Na figura 6, podemos visualizar as três condições necessárias à aprendizagem signifi-

cativa:

Figura 6. Modelo de aprendizagem significativa de Ausubel (Gómes et. al., 1998, p. 38).

Dentro do conceito de aprendizagem significativa de Ausubel, o fator mais importante

é a estrutura cognitiva do aprendiz. É este arranjo que determina a potencialidade de um mate-

rial. Em termos de ensino e aprendizagem, a investigação da organização cognitiva do apren-

diz deveria ser prioridade para a determinação e para a estruturação de um conteúdo ou uma

disciplina. É evidente que investigar a estrutura de conceitos, ideias e proposições existentes

na mente de um aluno, não é tarefa simples e é praticamente inviável para um professor que

tenha muitos alunos em uma ou mais turmas. De qualquer modo, é importante deixar registra-

do o pensamento do próprio Ausubel sobre ensino e aprendizagem:

“Se tivesse que reduzir toda a psicologia educacional em um só princípio, diria o seguinte: o

fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe.

Averigue isso e ensine-o de acordo.” (Ausubel, 1978 apud. MOREIRA et al., 1999, p. 45).

Uma alternativa facilitadora da aprendizagem significativa defendida por Ausubel,

que, de certa maneira, prepararia e organizaria a estrutura cognitiva do aprendiz, são os orga-

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nizadores prévios. Os organizadores prévios são materiais oferecidos aos alunos antes do con-

teúdo a ser ensinado. Eles devem servir de apresentação e introdução ao assunto que se quer

ministrar e são elaborados em um nível mais alto de abstração, generalidade e inclusividade

(MOREIRA et al., 1996, p. 3).

Os organizadores prévios são utilizados para tópicos específicos. Por isso, introduções

de capítulos em livros, que abordam várias ideias são tidos como pseudo-organizadores. Os

sumários, geralmente, também não são considerados organizadores prévios, pois apresentam

um resumo ou um índice de um conteúdo, destacando certos aspectos do assunto, num mesmo

nível de abstração generalidade e abrangência (ibid.).

A principal função do organizador prévio é a de servir de ponte entre o que o aprendiz

já sabe e o que ele deve saber, a fim de que o novo material possa ser aprendido de forma sig-

nificativa (ibid.). Um organizador prévio não precisa ser necessariamente um texto, mas pode

ser um vídeo, uma palestra uma seleção de imagens, etc. No entanto, este material deve obe-

decer ao conceito ausubeliano de organizador prévio, ou seja, ser um material introdutório

apresentado em um nível mais alto de abstração e generalidade, servindo de ponte cognitiva a

fim de facilitar a aprendizagem significativa.

Contudo, é importante salientar que os organizadores prévios são apenas uma estraté-

gia de ensino e não devem ser confundidos com a teoria de Ausubel que está baseada no con-

ceito de aprendizagem significativa, onde a estrutura cognitiva do aluno, ou seja, aquilo que

ele já sabe, é o fator mais importante para a aprendizagem.

Figura 7. Um mapa conceitual da teoria de Ausubel.

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11. Teoria de educação de Novak

Joseph D. Novak, Professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, foi quem

seguiu o desenvolvimento, refinamento e testagem da teoria da aprendizagem significativa de

Ausubel, uma vez que este há muito tempo considerou encerrado seu trabalho na área da

Psicologia Educacional. Novak é coautor da segunda edição do livro básico sobre a teoria da

aprendizagem significativa de David Ausubel (Ausubel et al., 1980, apud. Moreira, 2011),

Portanto, a "teoria de Ausubel" deveria ser, hoje, "teoria de Ausubel e Novak" ou "teoria de

aprendizagem significativa de Ausubel e Novak" (MOREIRA, 2011).

Novak, contudo, tem uma proposta mais ampla, da qual a teoria da aprendizagem sig-

nificativa é parte integrante. Partindo da ideia de que educação é o conjunto de experiências

(cognitivas, afetivas e psicomotoras) que contribuem para o engrandecimento ("empower-

ment") do indivíduo para lidar com a vida diária, ele chega ao que chama de uma Teoria de

Educação (MOREIRA, 2011).

O princípio básico da teoria de Novak é acrescentar uma conotação mais humana no

conceito de aprendizagem significativa, pois segundo o autor, os seres humanos pensam, sen-

tem e atuam (fazem) e uma teoria de educação deve considerar cada um destes elementos e

ajudar a explicar como se pode melhorar as maneiras através das quais os seres humanos pen-

sam, sentem e atuam (fazem).

Além disso, Novak agregou a teoria dos Lugares Comuns da educação, que original-

mente foi proposta por Schwab (1973), apud. Moreira (2011). As palavras lugares comuns

foram trocadas por Elementos e ele passou a defender que qualquer evento educativo envolve,

direta ou indiretamente, a interação de cinco elementos que são: aprendiz, professor, conhe-

cimento, contexto e avaliação. Assim, qualquer evento educativo é, de acordo com Novak,

uma ação para trocar significados (pensar) e sentimentos entre o aprendiz e o professor.

A questão da troca de significados é muito abrangente e não será discutida aqui pois

foge ao propósito deste trabalho. Apenas é importante salientar que esta troca visa à aprendi-

zagem significativa. Quando um professor se propõe a ensinar um determinado conteúdo ao

aprendiz, ele está, na verdade, apresentando um conjunto de significados e conceitos que são

compartilhados e tomados como verdade por uma certa comunidade num determinado contex-

to. A seguir, o professor espera que o aluno retorne, externalize aquilo que captou. Feito isso,

é hora de analisar esta resposta dada pelo aprendiz a fim de tomar uma decisão quanto a sua

próxima atitude, que pode ser a de retomar o conteúdo apresentado, ou parte dele, mas com

uma outra maneira de apresentação, ou outro enfoque, ou pode ser que ele resolva aprofundar

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um pouco mais sua discussão, até que o professor e o aprendiz compartilhem significados, ou

seja, até que o aluno passe a tomar parte de significados já compartilhados por uma comuni-

dade de usuários.

No que se refere a troca de sentimentos, ele defende que um evento educativo é

também acompanhado de uma experiência afetiva, ou seja, o aluno deve ter uma predisposição

para aprender (essa é uma das condições de aprendizagem significativa da teoria de Ausubel e

Novak. A outra é que o material de aprendizagem seja potencialmente significativo). Segundo

Novak a experiência afetiva é positiva e intelectualmente construtiva quando o aprendiz tem

ganhos em compreensão. De modo contrário, a experiência afetiva é negativa e gera sentimentos

de frustração quando o aprendiz percebe que não está aprendendo o novo conhecimento, ou a

nova experiência de aprendizagem.

No entanto, a ideia central da teoria de educação de Novak é:

“A aprendizagem significativa subjaz à integração construtiva entre pensar, fazer e sentir e isso

leva ao engrandecimento humano.” (NOVAK 1977, 1981 apud. MOREIRA 1996a, p. 16)

É Claro que a aprendizagem significativa é um conceito chave da teoria de Novak. No

entanto, o autor preocupa-se com o lado afetivo do aluno. Como já foi dito no início, ele

acrescenta uma conotação mais humana à teoria, pois segundo ele, é através da aprendizagem

significativa que o ser humano integra positivamente seus pensamentos, sentimentos e ações,

e, com isso, cresce pessoalmente. O evento educativo não fica restrito à análise conceitual do

conteúdo e à estrutura cognitiva do aluno, mas dá atenção ao lado afetivo do aprendiz. A pes-

soa que participa da aprendizagem deve ter seus pensamentos, sentimentos e ações respeita-

dos e integrados a fim de que a aprendizagem significativa conduza ao engrandecimento hu-

mano.

Novak, juntamente com seus alunos de pós-graduação, em meados dos anos setenta,

desenvolveu os mapas conceituais, que são instrumentos extremamente úteis e importantes

para o ensino, avaliação e para a análise do conteúdo curricular (Moreira, 2006). Os mapas

conceituais são uma espécie de diagrama onde a estrutura conceitual de uma disciplina, parte

dela ou um conteúdo específico, é traçada e disposta de maneira hierárquica, relacionado os

conceitos entre si. Um mapa conceitual não é único, isto é, cada indivíduo pode perceber dife-

rentemente as relações estruturais de um mesmo assunto ou conteúdo.

No momento em que se consegue reunir e relacionar todos os conceitos importantes de

um determinado assunto, é possível organizar o ensino de uma maneira que privilegie a

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aprendizagem significativa. Se estendermos esta ideia para todo o conteúdo de uma disciplina,

temos uma organização curricular coerente com a teoria de aprendizagem significativa de Au-

subel e Novak. Em termos de avaliação os mapas também são potencialmente úteis, pois eles

permitem a análise de indícios de aprendizagem significativa dos alunos, pois um aluno que

memorizou fórmulas, leis e conceitos dificilmente traçará um bom mapa conceitual.

Como exemplo, a figura 8 mostra um mapa conceitual da teoria de Novak onde a

aprendizagem significativa aparece no centro da figura como integradora tanto dos cinco ele-

mentos de educação quanto de pensamentos, sentimentos e ações.

Figura 8. Um mapa conceitual com os cinco elementos de Novak (Moreira, 2011).

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12. Teoria de ensino de Gowin

D. Bob Gowin é professor (emérito) da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.

Seu trabalho mais conhecido é o Vê Epistemológico, Vê Heurístico ou Vê de Gowin.

A teoria de ensino de Gowin não é tão conhecida, mas merece nossa atenção, pois ela

é bastante útil como referencial teórico e para a organização do ensino (Moreira, 1996a, p.

17). A teoria de Gowin está centrada numa tríade entre Professor, Materiais Educativos e

Aluno. Deve existir um compartilhamento de significados entre professor e aluno em relação

aos conhecimentos difundidos através dos materiais educativos que estão presentes no evento

de ensino-aprendizagem (Moreira, 2011, p. 185), pois segundo o próprio autor:

"O ensino se consuma quando o significado do material que o aluno capta é o significado que o

professor pretende que esse material tenha para o aluno." (GOWIN, 1981, apud. MOREIRA,

2011, p. 186.)

A figura 9 mostra a relação triádica de Gowin.

Figura 9. O modelo triádico de Gowin (Moreira, 2011, P. 185).

Portanto, no evento de ensino-aprendizagem é necessário que ocorra um intercâmbio

entre professor, material educativo e aluno. O professor tem a responsabilidade de verificar se

os significados que o aluno capta são aqueles aceitos e compartilhados na matéria de ensino,

enquanto que o aluno é responsável por verificar se os significados que captou são aqueles

que o professor pretendia que ele captasse em relação aos materiais educativos. Quando este

objetivo é alcançado, o aluno está pronto para decidir se quer ou não aprender significativa-

mente (MOREIRA, 2011, p. 187).

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Em termos de construção do conhecimento, o autor propõe primeiramente as cinco

questões de Gowin que são uma forma de analisar e compreender a estrutura de documentos

como artigos e teses, tanto pessoais quanto de trabalhos de outros autores. É uma técnica bas-

tante simples que consiste apenas em responder a cinco questões sobre o material em análise,

a fim de identificarmos o arranjo do processo de produção do conhecimento. As cinco ques-

tões de Gowin são (Moreira, 2006, p. 66):

i. Qual(is) a(s) questão(ões)-foco?

ii. Quais o conceitos-chave?

iii. Qual(is) o(s) método(s) usado(s) para responder a(s) questão(ões)-foco?

iv. Quais as asserções de conhecimento?

v. Quais as asserções de valor?

Uma técnica um pouco mais elaborada é o Vê de Gowin, onde as cinco questões des-

critas acima podem ser dispostas. Este é um diagrama na forma de “V” que procura destacar e

organizar a estrutura entre a parte conceitual e a parte metodológica da produção intelectual

de um autor (um artigo, uma dissertação ou uma tese, por exemplo), permitindo uma melhor

análise e compreensão desta composição de conhecimento. O Vê também é utilizado como

uma estratégia facilitadora da aprendizagem significativa ou para buscar evidências desta

aprendizagem.

Assim como os mapas conceituais, os diagramas V foram originalmente usados com

estudantes de pós-graduação da Universidade de Cornell em meados dos anos setenta (Morei-

ra, 2006). O vê de Gowin é construído tendo como base a figura de um “V”. No centro do vê

são colocadas as perguntas estabelecidas pelo autor de uma pesquisa. Na base do vê são dis-

postas as descrições dos eventos ou objetos que serão estudados a fim de responder as pergun-

tas anteriormente formuladas. No lado direito do vê é salientada a parte conceitual da pesquisa

como conceitos, princípios e teorias. No lado esquerdo temos a parte metodológica, contendo

os registros obtidos, os dados e as asserções de valor e conhecimento. Uma pesquisa bem fun-

damentada deve trazer a parte conceitual e a parte metodológica bem estruturadas, além de

apresentar uma constante interação entre os lados direitos e esquerdo do vê. O vê de Gowin é

apresentado na figura 10.

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Figura 10. O “V” de Gowin (adaptado de Moreira, 2006, p. 83)

No lado esquerdo do V encontra-se o domínio conceitual que representa o pensar da

pesquisa, enquanto que no lado direito encontra-se o domínio metodológico representando o

fazer da pesquisa. A questão básica de pesquisa encontra-se no centro, pois suas respostas são

obtidas a partir de uma contínua interação entre os dois lados do V. Na base do V encontram-

se os eventos que ocorrem naturalmente ou que são feitos acontecer pelo pesquisador e, que

de modo geral, representam a origem da produção do conhecimento.

Embora o conhecimento seja gerado a partir da contínua interação entre esses dois

domínios, o que significa iniciar a utilização do ‘V’ por qualquer um de seus lados, aqui será

feita uma descrição a partir do lado conceitual ou do pensar a pesquisa. Esse lado representa a

postura filosófica e teórica assumida pelo pesquisador na qual ele se baseia para observar o

evento em estudo. Dessa forma, este lado pode fornecer o embasamento teórico para o desen-

volvimento da pesquisa como um todo, através da explicitação das filosofias – crenças sobre a

natureza do evento em estudo, teorias – conjunto de princípios fundamentais que se propõem

explicar, elucidar, interpretar os eventos, princípios - proposições de relacionamentos entre

conceitos e os conceitos abordados pela mesma.

O caminhar por este lado do pensar está intrinsecamente atrelado ao lado do fazer a

pesquisa.

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Dessa forma, uma vez observado o evento, localizado na base do ‘V’, seguindo pelo

lado direito, são feitos os registros dos eventos, que são as anotações das observações: não há

pesquisa sem registro das observações. A avaliação dos registros dos eventos, verificando sua

validade (confiança) os transforma em fatos, que constituem a base de dados da pesquisa.

De posse dos fatos, estes são submetidos às transformações, que através de técnicas de

análise de dados geram os resultados que são organizados e detalhados para gerarem as inter-

pretações a partir das quais se originam as respostas da pesquisa ou as asserções de conheci-

mento, cujo julgamento da relevância e utilidade produzem as asserções de valor localizadas

no alto deste lado do V.

Dessa forma, as cinco questões e o 'V' se constituem no procedimento heurístico pro-

posto por Gowin, que pode ser utilizado tanto na fase de planejamento da pesquisa, como

princípio orientador das etapas a serem seguidas, quanto na fase de conclusão para a interpre-

tação e avaliação de todo o processo de investigação.

O vê de Gowin tem uma grande utilidade na organização de uma pesquisa, tanto para

quem faz a pesquisa quanto para quem consulta esta pesquisa, pois nem sempre o conheci-

mento ou as questões principais do texto são de fácil percepção. O vê de Gowin também é

muito útil como recurso de ensino, avaliação, análise de currículos e como substituo dos rela-

tórios de aulas e experimentos de laboratório.

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13. Teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird

Philip N. Johnson-Laird publicou o livro Mental Models em 19831 e contribuiu para a

propagação do conceito de Modelo Mental que já era conhecido e utilizado há mais tempo. É

um termo emergente vindo da psicologia cognitiva e, devido a sua potencialidade teórica, tem

servido de referencial para a pesquisa em ensino de ciências. Por ser um tema novo, os mode-

los despertam a atividade de produção intelectual de muitos pesquisadores, porém, este tema

tem surgido na literatura apresentando sentidos diversos dentro do contexto das obras de di-

versos autores (Krapas et al., 1997). Contudo, é a partir de 1996 que acontece um aumento

significativo de publicações sobre o uso do termo modelo mental utilizado para designar o

pensamento dos estudantes (ibid.).

As pessoas não captam o mundo exterior diretamente, elas constroem representações

mentais dele (Moreira, 1996b). As representações mentais ou internas, são artifícios construí-

dos pelos indivíduos a fim de internalizar ou re-presentar o mundo externo. As representações

internas podem ser analógicas ou proposicionais.

As representações analógicas são produtos da percepção e da imaginação, caracteri-

zando uma situação ou um evento particular. São representações concretas e retratam a infor-

mação de maneira original, da forma em que foi encontrada. As imagens (visuais, auditivas,

olfativas e táteis) são exemplos de representações analógicas.

As representações proposicionais são significados ou símbolos individuais e abstratos

que são processados mentalmente e que podem ser expressas de forma verbal. São um conjun-

to de sinais que obedecem a uma certa ordem de encadeamento, como se fosse uma espécie de

linguagem, que é processado pela mente, da mesma forma que um computador processa as

informações usando uma linguagem binária. Nós não compreendemos esta linguagem porque

ela é especifica da mente, “é uma linguagem da mente que poderíamos chamar de mentalês”

(ibid.).

A proposta de Johnson-Laird é inserir uma outra alternativa representacional na ques-

tão imagem versus proposição da psicologia cognitiva. Com isso, temos, ao todo, três formas

de representação mental: as imagens, as representações proposicionais e os modelos mentais.

Uma definição de modelos mentais é descrita abaixo:

“São representações analógicas, um tanto quanto abstraídas, de conceitos, objetos ou eventos

que são espacial e temporalmente análogos a impressões sensoriais, mas que podem ser vistos

1 JOHNSON-LAIRD, P. Mental Models. Cambridge, MA: Harvard University Press. 1983, 513p.

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de qualquer ângulo e que, em geral, não retêm aspectos distintivos de uma dada instância de

um objeto ou evento.” (Johnson-Laird apud. Moreira, 1996b)

Johnson-Laird defende que o raciocínio humano é feito através da construção de mo-

delos mentais. Os modelos são construídos através de percepções, analogias ou pela imagina-

ção. São como blocos de construção cognitivos que podem ser combinados e recombinados

conforme necessário (Moreira, 1996b). Assim, o modelo é construído internamente, com au-

xílio dos blocos necessários, de modo a ser análogo àquilo que está sendo representado. “O

modelo mental é uma representação que pode ser totalmente analógica ou parcialmente ana-

lógica e parcialmente proposicional” (EISENCK e KEANE, 1994, p.209 apud. MOREIRA,

1996b).

Em resumo, “modelos mentais são estruturas analógicas do mundo, representações

proposicionais são cadeias de símbolos que correspondem à linguagem natural e as imagens

são percepções correlatadas de modelos a partir de um particular ponto de vista” (GRECA et

al., 1997).

Os modelos são individuais e dependem da estrutura cognitiva do indivíduo que anali-

sa o fenômeno ou o evento. Por exemplo, o motorista de um automóvel constrói um modelo

mental para compreender, dentro de sua ótica, como funciona e quais as utilidades de um de-

terminado automóvel. Certamente, este modelo é diferente para um sujeito que não dirige que,

por sua vez, é diferente do modelo criado pelo mecânico. No entanto, todas as versões inclu-

em características centrais que caracteriza o modelo como sendo de um automóvel.

Entretanto, os modelos nem sempre são completos, mas, eles “capacitam cada sujeito a

fazer predições e inferências, a compreender fenômenos e eventos, a atribuir causalidade aos

eventos observados, a tomar decisões e controlar a execução delas” (Borges, 1997). Isto

pode ser evidenciado nas palavras do próprio Johnson-Laird:

“Então é possível argumentar que os modelos mentais desempenham um papel central e unifi-

cador na representação de objetos, estados de ações, sequência de eventos, da maneira em que

o mundo é e nas ações sociais e psicológicas da vida diária. Permitem aos indivíduos fazer in-

ferências, entender fenômenos, decidir as atitudes a serem tomadas, controlar sua execução e

principalmente ensaiar eventos.” (JOHNSON-LAIRD, 1983 apud. OTERO, 1999)

Em termos de aprendizagem, podemos dizer que a capacidade de compreensão de uma

teoria, leis ou conceitos, está fortemente vinculada com a capacidade do aluno construir mo-

delos mentais adequados. Com a ajuda de tais modelos, o aluno deve ser capaz de entender o

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que está se propondo, fazer relações, inferências e previsões acerca do que compreendeu. É

necessário, ainda, que o professor avalie o conhecimento adquirido pelo aprendiz, pois a cons-

trução de um modelo não implica que o aluno tenha “aprendido corretamente”, ou seja, que os

significados adquiridos pelo aprendiz através da construção de um modelo mental são com-

partilhados pelo professor.

No entanto, não é fácil investigar no aprendiz a evidência da construção de um mode-

lo, pois isso requer entrevistas individuais, aplicação e análise de avaliações criteriosas que

não sejam burladas pelos alunos por métodos como tentativa e erro ou memorização de fór-

mulas ou conceitos, além de outras técnicas que proporcionem uma maior interação entre o

aluno e o professor.

Apesar disto, os métodos de ensino devem ser escolhidos a fim de que possam propor-

cionar aos alunos a construção de modelos mentais. Em Greca et al. (1997), os autores pude-

ram concluir que a maioria dos alunos nos cursos introdutórios de Física, a nível de gradua-

ção, não constroem modelos, mas apenas trabalham com proposições que não podem ser in-

terpretadas como um modelo mental, pois apresentam uma pobre organização mental e ope-

ram mecanicamente fórmulas e conceitos. No entanto, aqueles que deram evidências de cons-

trução de modelos, tiveram uma aprendizagem mais significativa.

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14. Conclusão

O conhecimento das principais teorias de aprendizagem permite embasar e traçar es-

tratégias que atendam aos objetivos de aprendizagem. Não existe uma teoria específica para

todos os objetivos, mas sim, uma teoria adequada a cada tipo de objetivo. Nesse sentido, de-

ve-se utilizar uma combinação dessas teorias visando atender a diversidade de alunos e recur-

sos. As teorias de aprendizagem além de amparar o processo de desenvolvimento permitem

criar situações e atividades que foquem a aprendizagem.

É importante destacar que ainda não foi descoberto um método definitivo de ensino-

aprendizagem, que se sobreponha aos outros, ou que possa ser considerado completo. A esco-

lha por um deles acaba considerando aspectos da visão de mundo docente e da cultura em que

se insere. Talvez a perspectiva mais sensata seja identificar em cada uma das linhas caracterís-

ticas que sejam interessantes e construir atividades de ensino a partir delas, compatibilizando-

as com os princípios da construção de conhecimento (hetero, auto ou inter) que se julga mais

adequado.

Muitas vezes o processo de ensino é encarado com muito empirismo e a partir de refe-

rências profundamente egocêntricos. Em tal situação a justificativa para que um docente con-

siga desenvolver atividades de ensino passam a considerar que o mesmo tem “um dom” ine-

rente para isso, sem nenhuma reflexão sobre a qualidade de sua ação ou aspectos teóricos da

construção de conhecimento pelo sujeito.

Hoje em dia os métodos relacionados com a interestruturação parecem se constituir na

alternativa predominante, embora ao se analisar instituições complexas como a escola possa

se identificar a sobreposição de características da hetero, da auto e da interestruturação do

conhecimento, com pouca ou nenhuma reflexão teórica sobre o processo de ensino. Como se

pode deduzir, muitas vezes essa superposição resulta em aspectos incoerentes e até mesmo

conflitantes frente ao processo de ensino.

A Pedagogia não pode ser encarada como um receituário de metodologias. Ela precisa

ser encarada como um arcabouço de elementos a partir dos quais pode se buscar diferentes

perspectivas e técnicas para o processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, a Pedagogia deve

ser considerada como um apoio à necessária ousadia docente.

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