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    Pensadores sociais e histria da educao

    autor Luciano Mendes deFaria Filho (org.)

    cidade Belo Horizonteeditora Autnticaano 2005

    O livro Pensadores sociais e histria da educao, organizadopor Luciano Mendes de Faria Filho, apresenta um panorama da uti-lizao de autores clssicos das cincias humanas e sociais em dife-rentes campos de pesquisa de histria da educao brasileira. Trata-sede uma coletnea de textos, cujo propsito mostrar abordagensque trabalham com conceitos de autores clssicos, tanto estrangei-

    ros como brasileiros, efetivando apropriaes terico-metodolgi-cas que realizam leituras e interpretaes da educao na sociedadebrasileira. Ao todo so quinze textos que discutem, respectivamen-te, a contribuio de quinze pensadores sociais. O critrio definidopara a escolha dos autores foi justamente sua afinidade terico- me-todolgica com o clssico, de maneira que se mostre sua contri-buio investigao e historiografia de educao brasileira.

    O texto de Elomar Tambara, Karl Marx: contribuies para a

    investigao em histria da educao no sculo XXI, traa uma an-lise da aplicao de categorias marxistas na investigao histrica daeducao, salientando que um dos requisitos de qualquer esboo me-todolgico na rea de histria da educao, pautando-se por catego-rias analticas desenvolvidas por Marx, no pode prescindir doentendimento de que o objeto de pesquisa se insere numa sociedadecaracterizada pela luta de classes. De modo que, nessa perspectiva, opesquisador comprometido com a transformao social e engajadocom a condio da classe trabalhadora encontrar no horizonte episte-molgico delineado por Marx elementos que o amparam.

    Maria Madalena Silva de Assuno busca responder, em seutexto, em que medida e como a teoria psicanaltica de Sigmund Freud

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    contribuiu para a construo de histria da educao. Argumentaque, embora a psicanlise tenha tomado a mente individual comotema, ao investigar sobre o indivduo, no deixa de tratar da base

    emocional da relao entre indivduo e sociedade. Do mesmo modoque a histria, buscando reconfigurar espaos que continuam a agirsobre a atualidade, a psicanlise emprega mecanismos parecidos naconstruo do conhecimento sobre o passado, sendo que a memria a categoria bsica desse processo, possibilitando uma penetraonaquilo que o tempo tem de ininterrupto e de descontinuo na suacomplexidade e multiplicidade. Assim, o desafio da psicanlise paraa histria constituir uma forma para que a maneira psicanaltica depensar se torne um mecanismo de investigao, um modo de apreen-so dos objetos histricos, uma vez que para Freud o pesquisadorapenas lida com hipteses e nelas apia-se como substitutos de fon-tes e indcios dos quais no se dispe.

    Bruno Bontempi Junior faz um balano da presena da sociolo-gia durkheimiana na historiografia da educao brasileira, por vezesvisvel, por vezes invisvel. Para o autor, a presena visvel de

    Durkheim d-se pela filiao de Fernando Azevedo mileDurkheim, de modo que Azevedo instaura sobre o passado da edu-cao brasileira uma memria que se fez sob a insgnia das questesde mtodo de anlise e escrita e de explicaes das relaes entresociedade e educao. J a presena invisvel de pressupostos so-ciolgicos durkheimianos na histografia da educao brasileira reconhecida na produo ps-azevidiana a partir de escolhas temti-cas operadas, de periodizaes, do uso de conceitos, da interpreta-

    o do fenmeno da educao, indicirios da sociologia de Durkheim,embora no haja referncia direta ao socilogo francs.

    O texto de Carlos Eduardo Vieira discute aspectos da massadocumental em que se encontram as idias de Gramsci, visando anlise do conhecimento histrico no contexto do projeto intelec-tual e poltico de Antnio Gramsci. Assim, o roteiro de anlise pro-posto dirige-se na direo da discusso sobre as condies de

    interpretao do pensamento gramsciano. Para tanto, o autor traba-lha em duas frentes: uma que se refere crtica documental, na qualso discutidas as fontes das idias gramscianas; e outra que diz res-peito ao entendimento do projeto intelectual de Gramsci, especial-mente na reflexo sobre o saber histrico em sua produo.

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    Em Walter Benjamin: os limites da razo, Clarice Nunes, argu-mentando que a concepo de infncia est no centro da concepo dehistria de Walter Benjamim, desenvolve seu texto apresentando pis-

    tas daquilo que provocou a vulnerabilidade da razo benjaminiana. S possvel recuperar o passado por um trabalho de memria que indi-que vestgios de embates no mbito pessoal e coletivo que repercutenas lutas do presente. Nesse sentido, a autora descreve informaesbiogrficas de Walter Benjamim como tambm apresenta categoriasde seu pensamento, buscando contornar os limites da razo.

    Maria Rita de Almeida Toledo desenvolve seu artigo sobreMikhail Bakhtin observando que h um relativo desconhecimentodesse pensador pelos historiadores da educao, de modo que ainda incipiente sua utilizao no campo da histria da educao. O ob-jetivo do artigo expor as contingncias da produo de Bakhtinpara compreender a circulao e a peculiaridade da apropriao deseu pensamento. Para tanto, o texto apresenta passagens da trajet-ria de sua formao, bem como o contexto de surgimento de suaproduo intelectual. Apresenta ainda, conceitos que constituem o

    arcabouo terico de Bakhtin, alm de trabalhar com a concepode linguagem e de interao verbal, que envolvem a relao entrecomunicao lingstica e poltica, uma vez que, no entendimentodo autor, a linguagem resultado da interao social em que se pro-cessa e, ao mesmo tempo, tambm resultante da interao dos in-terlocutores, afastando-se de subjetivismos individualistas, o quepermite compreender a comunicao de forma politizada, uma vezque se apresenta como produto vivo no jogo das foras sociais.

    No texto Vigotsky e a teoria socioistrica, os autores, apre-sentando contribuies do pensamento de Vigotsky e sua teoria so-cioistrica, apontam que, nas anlises do psicolgico, a atividadehumana muda historicamente, relacionando-se com as transforma-es das condies concretas da existncia, indicando que a nature-za humana uma categoria em permanente mudana e movimento,numa perspectiva claramente inspirada no pensamento marxista, mas

    muito mais voltada para o desenvolvimento e a evoluo. Para osautores a contribuio de Vigotsky para a rea de histria da educa-o pode ser efetivada a partir do estabelecimento de leituras quedialoguem com conceitos-chave de suas formulaes, permitindo asuperao do mecanismo de sua concepo histrica.

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    Cynthia Greive Veiga desenvolve questes terico-conceituaisna relao entre a histria e a sociologia, especialmente a de NorbertElias, sugerindo que sua obra no fundamentalmente significativa

    pela pesquisa histrica propriamente, mas, sobretudo, pela proble-mtica sociolgica que dispe para a histria. Elias preocupa-se como modelo de interpretao possvel para a compreenso da singula-ridade dos acontecimentos histricos. Para o socilogo, os modosde mudana social acontecem em diferentes ritmos, podendo atadquirir aparncia de imutabilidade ou percepo de mudana de-masiadamente lenta. A interpretao da singularidade de um aconte-cimento requer a anlise e investigao da forma como os indivduosfiguram no corpo social, permitindo compreender a existncia sin-gular e o movimento de transformaes e rupturas.

    Marcos Cezar Freitas, em seu texto, adverte que para fazer his-tria da educao com Gilberto Freyre, especialmente pensando emmarcos para refletir sobre o aluno, preciso levar em conta o acervode gestos que o antroplogo inventariou. As possibilidades de orga-nizao mnima desse repertrio, indica o autor, para a contribuio

    de uma antropologia do aluno so os seguintes textos: Casa-gran-de & senzala; Sobrados & mucambose Ordem e progresso, numprimeiro plano; e, num segundo, Nordeste, O mundo que o portu-gus crioueAcar. Para Freitas, fazer histria da educao comGilberto Freyre pode assustar a muitos, pois pode parecer a aceita-o de pressupostos duvidosos de suas formulaes mas, ao mesmotempo, diz que o importante a disponibilidade em procurar emsuas decises uma sabedoria efetivamente consistente. Desse modo,

    a obra de Freyre pode ser concebida como uma espcie de guia paraque se obtenham novas fontes.

    Elegendo o pensamento de Srgio Buarque de Holanda pararefletir sobre a histria de educao no Brasil, Thais Nivia de LimaFonseca ressalta que esse pensador se orientou pela negao utili-zao abstrata de paradigmas, categorias ou conceitos sem que selevasse em considerao as condies histricas reais, sem que se

    praticasse, de certo modo, uma espcie de relativismo. Ao mesmotempo, a autora destaca que a referncia a Srgio Buarque, emboratenha sido profcua em outros campos de investigao histrica, narea de histria da educao, de fato, no chegou a estabelecer umatradio slida, especialmente no que se refere ao perodo colonial

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    sendo o autor pouco citado e, ainda menos, usado como instrumentode pesquisa no campo da histria da educao. Portanto, para darconta do propsito do texto, Faria Filho, em vez de empreender um

    rastreamento sistemtico acerca da presena de Thompson na escri-ta da histria da educao no Brasil, debrua-se sobre sua prprialeitura da obra do historiador ingls, chamando a ateno para di-menses de suas pesquisas que tm sido embasadas por esse autor.Assim, destaca-se a dimenso poltica na obra de Thompson que sedesdobra na exigncia tica do compromisso do historiador com suapoca e na sensibilidade com a luta dos esquecidos pela histria. Emcontrapartida, apresenta-se a necessidade de um rigor terico-meto-dolgico que, permanentemente, promove o carreamento da teoria experincia e ao debate historiogrfico.

    Diana Gonalves Vidal, objetivando oferecer um contatointrodutrio aos escritos de Michel de Certeau, elabora um texto, com-posto por quatro sesses, no qual inicialmente explora aspectos datrajetria de vida do autor. Em seguida trata de suas visitas ao Brasil,retratando que suas experincias nesse pas o marcaram como intelec-

    tual a ponto de, em diversas passagens de sua obra, referir-se culturapopular brasileira. Na terceira parte detm-se nas obras traduzidas parao portugus. Na parte final a autora esboa um estudo salientando seucarter restrito e provisrio, sobre a recepo da obra de Certeau peloshistoriadores da educao no Brasil. Para isso, a autora recorre pro-duo divulgada nos trs Congressos Brasileiros de Histria da Edu-cao, localizando os trabalhos que citam Michel de Certeau, a partirdo que feita uma anlise das apropriaes.

    Jos Gonalves Gondra, situando Paul-Michel Foucault numquadro de crtica a elementos da modernidade, busca fazer uma re-flexo sobre a presena desse autor francs na historiografia educa-cional brasileira no artigo Paul-Michel Foucault: uma caixa deferramentas para a histria da educao?. A partir de dados biogr-ficos de Foucault, na primeira parte do texto Gondra desenvolveaspectos ligados produo intelectual do pensador naquilo que se

    refere s abordagens temticas por ele empreendidas para, em se-guida, apresentar relaes dessas formulaes com a histria. Parainventariar apropriaes foucaultianas na histografia da educaono Brasil, o autor salientando que tais apropriaes podem serverificadas em produes de programas de ps-graduao em edu-

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    cao, como tambm em instncias de difuso de conhecimento darea acaba por operar com fontes especficas para estabelecer esseinventrio, quais sejam, aRevista Histria da Educaoe aRevista

    Brasileira de Histria da Educao. A partir desse rastreamento oautor elenca os textos de Foucault referidos e a freqncia com queeles aparecem, seguida de uma anlise terico-metodolgica sobretais utilizaes. Como exerccio adicional, o autor faz uma espciede balano das temticas e das formas de recorte delas nas cincoprimeiras edies do Congresso Luso-Brasileiro de Histria da Edu-cao, visando a pensar a configurao e os desafios da pesquisa emhistria da educao. Por fim, Gondra talvez respondendo afirma-tivamente questo formulada no ttulo do artigo, a partir de umaimagem criada pelo prprio Foucault acerca da utilizao de suaobra mostra que tanto as publicaes dos peridicos com os quaistrabalhou como a edio dos lusos tm auxiliado na construo daconcepo de que o objeto educacional se caracteriza pela inexistnciade universais e perenidades, podendo ser visto como efeito e, aomesmo tempo, como produtor de cultura, o que provoca afastamen-

    to de concepes que tendem naturaliz-lo.O que perpassa a totalidade dos textos apresentados a mobili-

    zao que os diferentes pensadores vm provocando e ainda podemprovocar nos pesquisadores da histria da educao em seus respec-tivos campos de investigao, especialmente no que tange a renova-das formas de apropriaes terico-metodolgicas. O conjunto daobra mostra que a histria da educao, ao voltar-se para novos ob-jetos ou novos modos de abordagem de antigos objetos, acaba por

    incorporar categorias cuja predominncia pertence a outras reas deconhecimento, tornando-se imprescindvel para melhor abranger acomplexidade que contorna o passado dos acontecimentos que sereferem aos processos educativos da sociedade brasileira.

    Essa srie de quinze textos, cada um apontando a pertinncia deum determinado pensador social para a historiografia da educaobrasileira, constitui um rico material de referncia, no s para quem

    se interessa em aprofundar nos aportes terico-metodolgicos ela-borados a partir de cada autor, mas tambm para aqueles que, demodo geral, se interessam pela temtica da histria, particularmenteda histria da educao. Se, para a utilizao de construtos terico-prticos de pensadores sociais em empreendimentos investigativos,

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    o recomendvel que se v direito s fontes tericas, escrita origi-nal de cada autor, os textos aqui apresentados funcionam como umaleitura introdutria, mas tambm como uma leitura capaz de desa-

    fiar e instigar outras leituras, inclusive, e sobretudo, a leitura diretados pensadores selecionados.

    Embora na apresentao do livro o organizador indique e justi-fique a ausncia de trs pensadores (M. Weber, P. ries e P. Bourdieu),deve-se apontar a ausncia de alguns clssicos na seleo feita, tan-to de pensadores nacionais como estrangeiros, cuja importncia parareflexo da rea da histria da educao ou pode ser profcua.

    Mesmo ficando no recorte da obra, de trabalhar apenas compensadores j falecidos, pode-se lembrar contribuies e possibili-dades de utilizao de nomes como Fernando de Azevedo (queincidentalmente abordado no texto sobre Durkheim), AnsioTeixeira, Maurcio Tragtenberg, Darcy Ribeiro, Lus da CmaraCascudo, Friederich Nietzsche, entre outros tantos. Mas tambm claro que, nesse caso, a coletnea esbarraria na questo dos limitesespaciais, o que facilmente se resolve com um segundo volume, ou

    mesmo um terceiro, j que na apresentao se anuncia um segundovolume com autores ainda vivos. Mas indiscutvel que a coletneacumpre seu papel de apresentar como esses clssicos movem e re-movem a produo historiogrfica da educao. Nesse sentido, cadatexto funciona como um apropriado carto de visitas para cadapensador, convidando o leitor interessado a visitar diretamente osescritos de cada um.

    Haroldo de Resende

    Professor na Faculdade de Educao e membro do Ncleo de

    Estudos e Pesquisas em Histria e Historiografia da Educao

    (NEPHE) da Universidade Federal de Uberlndia (UFU)

    Endereo para correspondnciaRua Iza Rangel de Mendona, 945/101

    Santa MnicaUberlndia-MG

    CEP 38408-136

    [email protected]

    Recebido em: 24 maio 2006Aprovado em: 31 jul. 2006