36
PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A PARTIR DA ESCOLA, DO CURRÍCULO E DE PRÁTICAS CURRICULARES Os trabalhos que compõem este painel problematizam aspectos referentes a escola, ao currículo, a infância e a docência tendo como seu principal ponto de articulação a preocupação com a formação e a profissionalização do professorado. Situamos o debate sobre a docência a partir de reflexões sobre a profissionalidade e profissionalismo que se desenvolvem em espaço especifico a escola, a partir da operacionalização de currículos traduzidos em práticas ancoradas em experiências, conhecimentos, criatividade e intenções relacionadas com as concepções de infância, com as crianças e com os alunos pois é para esses que se volta o trabalho docente, é na interdependência estabelecida entre o professorado e as crianças, que representam infâncias e alunos, que os docentes numa relação mediada pelas práticas curriculares se constituem num grupo profissional. A imersão no contexto escolar aponta para a importância das interdependências entre gestão da escola e professores para o processo de profissionalização, bem como apontam para tensões que ora contribuem com o processo de profissionalização, ora não. A prática curricular ora assume o sentido de execução de tarefas pré-estabelecidas, exigindo o mínimo de autonomia profissional, ora o sentido de ação docente sendo o professor o principal construtor de suas ações e assim enaltecendo o poder profissional, podendo ou não contribuir para o desenvolvimento da profissionalidade. As tensões percebidas emergem também ao problematizarmos a infância pois observamos que em sua maioria, as crianças indicam que a escola se mostra voltada excessivamente para o reconhecimento e memorização das letras e números e marcado por uma lógica e uma cultura mais “escolarizante”, minimizando outras dimensões neste processo e sobretudo sinalizando para a multiciplicidade de questões que necessitam de maior reflexão e sobretudo de reflexões que possam mais e mais articular elementos que se envolvem no debate de uma educação produtora de sentidos. Palavras-Chave: Profissionalização Docente, Educação Infantil e Infância, Práticas Curriculares XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3232 ISSN 2177-336X

PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A

INFÂNCIA A PARTIR DA ESCOLA, DO CURRÍCULO E DE PRÁTICAS

CURRICULARES

Os trabalhos que compõem este painel problematizam aspectos referentes a escola, ao

currículo, a infância e a docência tendo como seu principal ponto de articulação a

preocupação com a formação e a profissionalização do professorado. Situamos o debate

sobre a docência a partir de reflexões sobre a profissionalidade e profissionalismo que

se desenvolvem em espaço especifico – a escola, a partir da operacionalização de

currículos traduzidos em práticas ancoradas em experiências, conhecimentos,

criatividade e intenções relacionadas com as concepções de infância, com as crianças e

com os alunos pois é para esses que se volta o trabalho docente, é na interdependência

estabelecida entre o professorado e as crianças, que representam infâncias e alunos, que

os docentes numa relação mediada pelas práticas curriculares se constituem num grupo

profissional. A imersão no contexto escolar aponta para a importância das

interdependências entre gestão da escola e professores para o processo de

profissionalização, bem como apontam para tensões que ora contribuem com o processo

de profissionalização, ora não. A prática curricular ora assume o sentido de execução de

tarefas pré-estabelecidas, exigindo o mínimo de autonomia profissional, ora o sentido de

ação docente sendo o professor o principal construtor de suas ações e assim enaltecendo

o poder profissional, podendo ou não contribuir para o desenvolvimento da

profissionalidade. As tensões percebidas emergem também ao problematizarmos a

infância pois observamos que em sua maioria, as crianças indicam que a escola se

mostra voltada excessivamente para o reconhecimento e memorização das letras e

números e marcado por uma lógica e uma cultura mais “escolarizante”, minimizando

outras dimensões neste processo e sobretudo sinalizando para a multiciplicidade de

questões que necessitam de maior reflexão e sobretudo de reflexões que possam mais e

mais articular elementos que se envolvem no debate de uma educação produtora de

sentidos.

Palavras-Chave: Profissionalização Docente, Educação Infantil e Infância, Práticas

Curriculares

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3232ISSN 2177-336X

Page 2: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

PRÁTICA CURRICULAR COMO UM DOS ELEMENTOS CONSTITUINTES

DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE

Lucinalva Andrade Ataide de Almeida

Girleide Tôrres Lemos

Resumo: Este trabalho inscreve-se no debate das questões curriculares, especificamente

a prática curricular atrelada à discussão sobre a profissionalização docente, que vem

ganhando espaço entre as discussões e produções acadêmicas, o que demostra a

necessidade de estudos no que se refere aos sentidos de prática curricular presentes

nesses espaços de produções discursivas. Diante desta realidade, tecemos como

objetivo, analisar os sentidos de prática curricular presentes no periódico Currículo Sem

Fronteira entre os anos de 2005 a 2015. Neste espaço discursivo, foram selecionados

artigos que trataram do currículo, dos quais utilizamos aqueles que estavam

relacionados à prática curricular dos professores. Apoiamos nosso referencial de análise

na Teoria do Discurso de Ernesto Laclau. Para discorremos sobre a análise feita

tomamos como referencia as discussões sobre profissionalização no diálogo com

teóricos que discutem a profissionalidade docente e os estudos sobre currículo,

especificamente a prática curricular. Ao analisarmos os artigos percebemos

primordialmente a recorrência dos enunciados da relação entre currículo oficial e a ação

docente como eixo articulador para entendermos a prática curricular no qual o currículo

é decisão, que envolve diferentes atores curriculares. A prática curricular ora assume o

sentido de execução de tarefas pré-estabelecidas, exigindo o mínimo de autonomia

profissional, ora o sentido de ação docente sendo o professor o principal construtor de

suas ações, com isso enaltecendo o poder profissional, podendo ou não contribuir para o

desenvolvimento da profissionalidade. Bem como, o sentido de prática curricular como

produção curricular cotidiana, remetendo as especificidades do ato de ensinar.

Palavras-chave: profissionalização, profissionalidade docente, prática curricular.

INTRODUÇÃO

A prática curricular atrelada à discussão sobre a profissionalização docente vem

ganhando espaço nos debates acadêmicos, especificamente o que concerne ao

entendimento do saber-fazer específico a docência (Foi identificado nos texto

localizados no periódico, tais como: Schmidt e Garcia (2007); Dias e Lopes (2009) e

Melo, (2014) . Alguns teóricos, tais como: Marcondes e Moraes (2013) e Schmidt e

Garcia (2007) tem defendido a compreensão do professor como produtor de

conhecimento, contrapondo-se ao discurso de que o professor é apenas aquele executa

tarefas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3233ISSN 2177-336X

Page 3: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Tecemos como objetivo para este artigo identificar e analisar os sentidos de

prática curricular nas produções discursivas do periódico Currículo Sem Fronteira, entre

o período de 2005 a 2015, buscando apresentar possíveis argumentos que indiquem a

possibilidade de entendimento da prática curricular como um dos elementos

constituintes da profissionalidade docente.

Partimos do entendimento de que tanto o conceito de profissionalidade quanto o

conceito de prática curricular são decorrentes de formações discursivas de diferentes

atores em campos teóricos distintos. Para Burity (2008, p. 42):

Uma formação discursiva é sempre um conjunto articulado, mas

heterogêneo, de discurso, ou seja, de sistemas de regras de

produção de sentido. Uma formação discursiva já está

hegemonizada por um determinado discurso dentro de uma

pluralidade. Não é um todo monolítico, fechado em si, mas

produz efeitos de posicionamento, autorização e restrição sobre

os sujeitos que nela se constituem ou expressam.

Nestes aspectos, entendemos que tanto a profissionalização no campo da

Sociologia das profissões, quanto à prática curricular no campo das Teorias de

Currículo produzem efeitos de posicionamento no que concerne as práticas cotidianas

no espaço da escola. Mesmo estando em campos teóricos distintos, entendemos que

estes campos teóricos estabelecem pontos de imbricação quando observados a partir do

prisma da prática curricular dos professores.

Fundamentando em Pacheco (2000), que defende o entendimento do currículo

atrelado ao sentido de decisão curricular em diferentes contextos a que correspondem

competências de diferentes atores, sendo eles: Contexto político-administrativo

(currículo oficial); Contexto da gestão (currículo da escola); Contexto da realização

(currículo do professor). Interessa-nos justamente o contexto da realização, entendido

aqui como sendo a prática curricular dos professores, pois compreendemos que é nesse

contexto que os professores tomam decisões e desenvolvem ações através de diferentes

estratégias, visando a atender às exigências da profissionalidade docente.

Tecemos reflexões sobre profissionalidade docente, apoiando nossas

considerações a partir do referencial da sociologia das profissões para discutir a

profissionalização, bem como, no diálogo com autores que discutem a profissionalidade

docente e teóricos dos estudos sobre currículo, especificamente à prática curricular.

Consideramos também no debate teórico, as publicações científicas do periódico

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3234ISSN 2177-336X

Page 4: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Currículo Sem Fronteira no período de 2005 a 2015, em que buscamos identificar os

sentidos de prática curricular.

Para darmos conta destas reflexões fizemos incialmente à discussão sobre

profissionalidade. Na sequência, o diálogo dos teóricos do currículo com as publicações

científicas, em que destacamos os sentidos de prática curricular. E por último, nas

considerações apresentaremos as considerações sobre os sentidos de prática curricular

identificados no periódico analisado.

A PROFISSIONALIDADE DOCENTE COMO DIMENSÃO DA

PROFISSIONALIZAÇÃO E SUAS RELAÇÕES COM A PRÁTICA

CURRICULAR

Para Freidson (1998), que tem desenvolvido uma teoria do profissionalismo,

autonomia e controle sobre seu trabalho, entendendo as profissões como manifestações

do princípio ocupacional, onde o poder profissional delimitaria os conhecimentos

necessários para a forma de trabalho, de formação e de atuação. Para Freidson (1998, p.

98) estes conhecimentos seriam a base da profissionalização:

Poderíamos definir a profissionalização como um processo pelo qual

uma ocupação organizada, geralmente, mas nem sempre por legar

uma competência esotérica especial e cuidar da qualidade de seu

trabalho e de seus benefícios para sociedade, obtém o direito

exclusivo de realizar um determinado tipo de trabalho, controlar o

treinamento para ele e o acesso a ele e controlar o direito de

determinar e avaliar a maneira como o trabalho é realizado.

Bourdoncle (1991, p. 79) também discute o conceito de profissionalização, este

abrangendo três tipos de processos interligados: profissionalidade, profissionismo e

profissionalismo. O primeiro processo, profissionalidade, “vai remeter para a natureza

mais ou menos elevada e racionalizada dos conhecimentos e das capacidades utilizados

no exercício profissional” (ibidem, p. 76). O segundo processo, profissionismo, diz

respeito ao “estado dos militantes e ativistas da profissão que, apoiando-se sobre

estratégias e uma retórica comum, procuram fazer reconhecer o valor do serviço que

estão a prestar e aumentar a sua autonomia, seu controlo e seu monopólio de exercício”

(ibidem, p. 76). Ou seja, a socialização profissional quando ocorre a adesão individual a

retórica e as normas coletivas O terceiro processo, profissionalismo, designa “as

estratégias colectivas de transformação da actividade em profissão” (ibidem, p. 76).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3235ISSN 2177-336X

Page 5: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Ao tomarmos à profissionalidade dentre estes processos, como a racionalização

do conhecimento e das capacidades de forma a contribuir com a melhoria do

desenvolvimento profissional. Dito isto, Imbernón (2009) alerta que o docente como

profissional domina “uma serie de capacidades e habilidades especializadas que o fazem

ser competente em determinado trabalho e que, além disso, o ligam a um grupo

profissional organizado e sujeito a controle” (ibidem, p. 27). Ou seja, o trabalho docente

implicaria no exercício da autonomia e do controle sobre seu trabalho, o que nos

remeteria a teoria do profissionalismo que defende um instrumento de análise das

profissões como um tipo ideal.

Antecipando esse entendimento, Hoyle (1980, p. 42) afirmava que: "a

profissionalização é o processo através do qual os professores adquirem o conhecimento

e as competências essenciais para um bom desempenho profissional em cada etapa de

sua carreira educativa". Desta forma, entendemos que para ser professor, este

necessitaria dispor de uma base de conhecimentos necessários ao exercício de sua

profissão.

Nesse sentido, a profissionalidade docente refere-se ao domínio de saberes que

se convertem em ação? Para Sacristán (2013, p. 279) sim, mas não só à apropriação de

um conhecimento:

Estamos nos referindo a um saber que se converte em ações, na

capacidade de atuar em contextos reais, o que não se reduz ao saber ou

ao saber-fazer, que se mostra na tomada de decisões, como reação a

demandas, como desempenho de ações. O distintivo da competência e

do sujeito competente é a atuação, o conhecimento dinâmico que

exige educação, experiência e atitudes apropriadas para colocar tudo

isso oportunamente no desencadeamento da ação. O essencial não é

que se possuam determinados conhecimentos, mas o uso que fazemos

deles integrados coerentemente a uma ação eficaz.

Retomamos aqui o entendimento da prática curricular, apresentado

anteriormente, no contexto da realização do currículo (PACHECO, 2000), quando

destacamos que no contexto de realização do currículo os professores de acordo com

seus contextos atribuem diferentes sentidos a sua prática curricular, tomando decisões e

desenvolvem ações através de diferentes estratégias visando atender às exigências da

profissionalidade docente.

Para tratar deste elemento, chamamos para a discussão os estudos de Roldão

(2005), quando trata dos quatro caracterizadores ou descritores da profissionalidade

docente, são eles:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3236ISSN 2177-336X

Page 6: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

- o reconhecimento social da especificidade da função associada à

actividade (por oposição à indiferenciação);

- o saber específico indispensável ao desenvolvimento da actividade e

sua natureza;

- o poder de decisão sobre a acção desenvolvida e consequente

responsabilização social e pública pela mesma – dito doutro modo, o

controlo e sobre a actividade e a autonomia do seu exercício;

- e a pertença a um corpo colectivo que partilha, regula e defende,

intra-muros desse colectivo, quer o exercício da função e o acesso a

ela, quer a definição do saber necessário, quer naturalmente o seu

poder sobre a mesma que lhe advém essencialmente do

reconhecimento de um saber que o legitima.

Diante de tal concepção de profissionalidade docente, estaria a prática curricular

dos professores convertendo-se no ato profissional? Acreditamos que sim, pois são eles

seus construtores diretos. Comungamos dos estudos de Felicio e Possani (2013, p. 131)

quando defendem a dimensão prática do currículo:

Esta dimensão prática do currículo nos ajuda a entendê-lo como um processo

historicamente situado, resultante de uma série de influências convergentes e

sucessivas, coerentes ou contraditórias, geradoras de uma ação pedagógica

que integra a teoria e a prática, com certo grau de flexibilidade, enquanto

campo legitimado de intervenção dos professores.

Nestes aspectos, a prática curricular implicaria em ações, historicamente,

situadas que dependem do contexto, dos sujeitos, dos interesses e das intenções

constituindo diferentes discursos, ou seja, diferentes práticas discursivas (LOPES;

MACEDO, 2011), logo ao falarmos das práticas curriculares dos professores estamos

tratando de discursos curriculares, à medida que este “discurso define regras de

produção de sentido que permitem um número indefinido (embora finito) de enunciados

e ações” (BURITY, 2008, p. 43). O que nos leva a crer que os sentidos de prática

curricular atribuídos pelos professores poderiam estar influenciando suas práticas

cotidianas na escola.

SENTIDOS DE PRÁTICA CURRICULAR NAS PRODUÇÕES DISCURSIVAS

DO PERIÓDICO CURRÍCULO SEM FRONTEIRA

Partindo do entendimento de que o papel do professor é decisivo no processo de

ensino-aprendizagem, visto que depende dele, na maioria dos casos, os moldes como se

imaginam e consolidam os processos educativos, tendo uma ampla responsabilidade no

papel que desempenha quanto ao processo de desenvolvimento do currículo.

Realizamos levantamento no espaço acadêmico de produções discursivas da Revista

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3237ISSN 2177-336X

Page 7: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Currículo Sem Fronteira, no qual tivemos o objetivo de identificar os sentidos de prática

curricular, considerando que os professores tomam decisões e não fazem apenas

interpretações.

Escolhemos este periódico por entendermos que ele traz estudos que se

propõem, em sua maioria, discorrer sobre o campo do currículo, trazendo elementos

pertinentes à construção dos sentidos sobre prática curricular. No período analisado

identificamos dezoito artigos, como podemos observar no Quadro 1:

QUADRO 1- ARTIGOS DO PERIÓDICO CURRÍCULO SEM

FRONTEIRA – PRÁTICA CURRICULAR

ANO TÍTULO AUTORES LÓCUS DO

TRABALHO

2005

PONTES (IN)VISÍVEIS ENTRE

TEORIA E PRÁTICA NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Flávia Vieira

Universidade do Minho

Instituto de Educação e

Psicologia, Portugal.

2006

CURRÍCULO: POLÍTICA, CULTURA

E PODER Elizabeth Macedo

Universidade do Estado

do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, Brasil.

2007

PROFESSORES E PRODUÇÃO DO

CURRÍCULO: UMA EXPERIÊNCIA

NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA

Maria Auxiliadora

Moreira dos Santos

Schmidt; Tânia Maria

F. Braga Garcia

Universidade Federal

do Paraná, Brasil.

AS PRÁTICASTEÓRICAS DE

PROFESSORAS E PROFESSORES

DAS ESCOLAS PÚBLICAS OU

SOBRE IMAGENS EM PESQUISAS

COM O COTIDIANO ESCOLAR

Carlos Eduardo Ferraço

Universidade Federal

do Espírito Santo

Vitória, Brasil.

2008

CURRÍCULO E ORGANIZAÇÃO AS

EQUIPAS EDUCATIVAS COMO

MODELO DE ORGANIZAÇÃO

PEDAGÓGICA

João Formosinho;

Joaquim Machado

Universidade do Minho

Portugal.

2009

SENTIDOS DA PRÁTICA NAS

POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Rosanne Evangelista

Dias; Alice Casimiro

Lopes

Universidade Federal

do Rio de Janeiro -

Universidade do Estado

do Rio de Janeiro Rio

de Janeiro, Brasil.

REESTRUTURAÇÃO CURRICULAR

E AUTOINTENSIFICAÇÃO DO

TRABALHO DOCENTE

Álvaro Moreira

Hypolito; Jarbas Santos

Vieira; Laura Cristina

Vieira Pizzi

Universidade Federal

de Pelotas Pelotas,

Brasil - Universidade

Federal de Alagoas

Maceió, Brasil.

2010

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO

ENSINO FUNDAMENTAL NA

PERSPECTIVA DO

MULTICULTURALISMO CRÍTICO

Adriana Maria Corsi;

Emília Freitas de Lima

Universidade Federal

de São Carlos,

UFSCar/Brasil.

2011

DIFERENÇAS CULTURAIS,

COTIDIANO ESCOLAR E PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS

Vera Maria Ferrão

Candau

Pontifícia Universidade

Católica do Rio de

Janeiro – PUC-Rio

Brasil.

2012 A SALA DE AULA E A

CONSTITUIÇÃO DE UM

Sônia Maria Clareto;

Luiz Alberto Silvestre

Universidade Federal

de Juiz de Fora Juiz de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3238ISSN 2177-336X

Page 8: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

CURRÍCULO-INVENÇÃO do Nascimento Fora, Minas Gerais,

Brasil

POLÍTICA, PROPOSTA E PRÁTICAS

CURRICULARES MUNICIPAIS:

CAMPOS DE TENSÃO ENTRE O

ESVAZIAMENTO POLÍTICO E A

RESISTÊNCIA CULTURAL

Eliete Santiago; José

Batista Neto

Universidade Federal

de Pernambuco, Brasil.

2013

ANÁLISE CRÍTICA DE CURRÍCULO:

UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA

PEDAGÓGICA

Helena Maria dos

Santos Felício; Lourdes

de Fátima Paschoaleto

Possani

Universidade Federal

de Alfenas (UNIFAL-

MG), Brasil - Centro

Universitário São

Camilo, Brasil.

ATOS DE CURRÍCULOS: UMA

INCESSANTE ATIVIDADE

ETNOMETÓDICA E FONTE DE

ANÁLISE DE PRÁTICAS

CURRICULARES

Roberto Sidnei Macedo

Universidade Federal

Bahia – UFBA, Brasil.

CURRÍCULO E AUTONOMIA

DOCENTE: DISCUTINDO A AÇÃO

DO PROFESSOR E AS NOVAS

POLÍTICAS DE SISTEMAS

APOSTILADOS NA REDE PÚBLICA

DE ENSINO

Maria Inês Marcondes;

Caroline da Luz Moraes

Pontifícia Universidade

Católica do Rio de

Janeiro, Brasil.

CURRÍCULO E PROCESSOS DE

APRENDIZAGEMENSINO:

POLÍTICASPRÁTICAS

EDUCACIONAIS COTIDIANAS

Inês Barbosa de

Oliveira

Universidade do Estado

do Rio de Janeiro –

UERJ, Brasil.

PRÁTICAS CURRICULARES DE

TRADUÇÃO DO ESPAÇO

ARQUITETURAL

Joyce Otânia Seixas

Ribeiro

Universidade Federal

do Pará – Pará, Brasil.

2014

A ROSTIDADE DA FIGURA DO

PROFESSOR E DO ALUNO POR

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA:

DOCÊNCIA E PRÁTICAS

CURRICULARES

Janete Magalhães

Carvalho; Carlos

Eduardo Ferraço

Universidade Federal

do Espírito Santo,

Brasil.

2015

DOCÊNCIA, DEMANDA E

CONHECIMENTO ESCOLAR:

ARTICULAÇÕES EM TEMPOS DE

CRISE

Carmen Teresa Gabriel

Universidade Federal

do Rio de Janeiro,

Brasil

Fonte: site do periódico Currículo Sem Fronteira ISSN 1645-1384/

http://www.curriculosemfronteiras.org/.

Ao analisarmos os artigos percebemos primordialmente a recorrência dos

enunciados da relação entre currículo oficial e a ação docente como eixo articulador

para entendermos a prática curricular. Os trabalhos apontam também para a crítica ao

sentido de currículo como produção/execução de tarefas materializadas pelo fazer do

professor. Observamos também um exercício intelectual dos autores que buscam a

ampliação do sentido de currículo compreendido nos diferentes contextos pedagógico,

social e cultural (CANDAU, 2011; FERRAÇO, 2007).

Em pesquisas realizadas por Macedo (2006) sobre o estudo de currículo em

Programas de Pós-Graduação, observou-se que entre os anos 1996 e 2002 os trabalhos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3239ISSN 2177-336X

Page 9: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

dedicados a pesquisar o currículo remetiam ao trato dicotômico entre o currículo como

fato (política curricular) e currículo como uma prática. Tal constatação permite inferir

que nos trabalhos analisados o sentido de prática curricular está voltado ao sentido de

execução de tarefas pré-estabelecidas por políticas curriculares. Sobre tal sentido de

prática curricular, a autora já apontava a necessidade de se “pensar as relações entre

cultura e currículo para além das distinções binárias entre produção e de reprodução

cultural, expressas em termos como currículo como fato e currículo como prática”

(MACEDO, 2006, p. 105).

Ampliando este entendimento, para Hypolito, Vieira e Pizzi (2009) o trabalho

docente tem demarcadores indicados pelas políticas curriculares, em que quanto maior o

controle sobre o fazer dos professores menor é sua autonomia, o que levaria a

modificações do trabalho docente. Ainda sobre esses demarcadores, Santiago e Batista

Neto (2012) esclarecem que há influência das políticas nas tomadas de decisão dos

professores, pois eles selecionam tomando tais políticas como referência.

Comungando deste entendimento, Marcondes e Moraes (2013) reforçam a

crítica ao sentido de prática curricular como execução de tarefas. Ao desenvolverem

pesquisa que teve como problema: a utilização ampla dos sistemas apostilados nas redes

de ensino tem reduzido à autonomia docente? Verificamos no estudo que este tipo de

política curricular limita a ação dos professores, levando-nos a uma perda de controle

sobre seu próprio trabalho. Dito isto, as autoras apoiadas em Moreira (2012) apontam

para a necessidade do fortalecimento do profissionalismo docente.

Por sua vez, Marcondes e Moraes (2013) e Schmidt e Garcia (2007) deslocam o

sentido de prática curricular do professor como execução de tarefa para o sentido de

prática curricular como ação docente, em que o professor é produtor de saber.

Pesquisa realizada por Dias e Lopes (2009), que analisaram produções

acadêmicas que trataram de políticas curriculares para a formação de professores para

os anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil, no período de 1996 a 2006, destaca o

professor como produtor de saber.

Ainda versando-se para o entendimento de prática curricular enquanto ação

docente, Clareto e Nascimento (2012) olham o currículo como atualização das

virtualidades da sala de aula tendo observado que o currículo é ação desde sua produção

enquanto documento. E que no espaço da sala de aula é proposta como um coletivo de

forças. Para as autoras (ibidem, p.307):

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3240ISSN 2177-336X

Page 10: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

O espaço sala de aula é tido como continente e o currículo pensado,

igualmente, como um continente de conteúdos programáticos, regras

metodológicas e didáticas; em um segundo movimento, o espaço sala

de aula é concebido como relacional, ou seja, é constituído nas e pelas

relações; um terceiro movimento, radicalizando o mundo como

relacional, propõe o espaço sala de aula como relação de forças.

Observamos que essas exigências relativas à ação docente demarcam “a

especificidade profissional que é ensinar, e que o professor ao se utilizar de um conjunto

de saberes constrói historicamente sua prática” (MELO, 2014, p. 94). Este conjunto de

saberes são específicos ao desenvolvimento da profissionalidade docente, visto que

estes convertem-se em ações, mas que não se trata de uma mera transposição em que o

professor se apropria de determinados saberes e os aplica em sala de aula.

As ações desenvolvidas pelos professores revelam como eles realizam suas

práticas curriculares no espaço da sala de aula, trazendo mais um sentido para as

práticas curriculares, o sentido de produção curricular cotidiana. Para discorrer sobre

este contexto do currículo na realização cotidiana, traremos Oliveira (2013) que aborda

as principais questões dos estudos do cotidiano no campo do currículo.

Inicialmente, Oliveira (2013) se posiciona quanto à relação entre prática e a

escolha política. Ela critica o sentido de ensino desvinculado da aprendizagem, pois

considera que os processos de aprendizagemensino são redes nas quais estão presentes

as escolhas, os desejos e as possibilidades políticaspráticasexpressivas dos sujeitos neles

envolvidos. Desta forma, entendemos que a autora reforça o sentido de currículo como

decisão (PACHECO, 2000), uma vez que traz a compreensão de que professores e

alunos em interação estão envolvidos na produção curricular cotidiana.

Oliveira (2013) assim como as autoras Felício e Possani (2013) trazem para o

debate das práticas curriculares os alunos como, também, produtores de práticas

curriculares. Para estas autoras, os professores e os alunos constroem sentidos próprios

para acontecimentos, conhecimentos, convicções presentes nos diferentes cotidianos

escolares. Como esclarecem Felício e Possani (2013, p. 131):

Prática não é neutra. E por estar historicamente situada, a

configuração prática do currículo depende do contexto, dos sujeitos,

dos interesses e das intenções que estão em jogo e dos diferentes

âmbitos aos quais está submetido. Nesse sentido, o contexto de

realização do currículo se configura enquanto um contexto específico

de decisão dos professores e dos alunos, tão marcantes e decisivos no

desenvolvimento do currículo.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3241ISSN 2177-336X

Page 11: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Esses argumentos de Felício e Possani (2013) de que a prática não é neutra e de

Oliveira (2013) de que as práticas curriculares são currículos pensadospraticados como

criação cotidiana nos remetem ao entendimento de que os professores são construtores

diretos da prática curricular. Embora concordemos que é no cotidiano que o currículo é

construído, tal como alertado por Oliveira (2013), daremos destaque para as práticas

curriculares dos professores, pois entendemos que no desenvolvimento de sua profissão

os saberes específicos convertem-se em ações.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Retomando o objetivo de analisar os sentidos de prática curricular identificados

nas produções discursivas do periódico analisado, apresentando possíveis argumentos

que indiquem a possibilidade de entendimento da prática curricular como um dos

elementos constituintes da profissionalidade docente, pudemos destacar que o currículo

é decisão, que envolve diferentes atores curriculares; a prática curricular ora assume o

sentido de execução de tarefas pré-estabelecidas, exigindo o mínimo de autonomia

profissional, ora o sentido de ação docente sendo o professor o principal construtor de

suas ações, com isso enaltecendo o poder profissional, podendo ou não contribuir para o

desenvolvimento da profissionalidade; e o sentido prática curricular como produção

curricular cotidiana, remetendo as especificidades do ato de ensinar, visando à garantia

do abrigo ocupacional da docência.

Diante do exposto, compreendemos o currículo como uma elaboração conjunta

que envolve interesses públicos e privados e constituindo um dos saberes necessários à

profissionalidade docente, implicando tomadas de decisões na prática curricular. Esta

tomada de decisão não é dada no vazio, mas construída no processo de

profissionalização, em que o professor adquire conhecimentos e estratégias específicas.

Referências

BOURDONCLE, Raymond. La professionalisation des enseignants: analyses

sociologiques anglaises et américaines. Revue Française de Pedagogie. 19-37, 1991.

BURITY, Joanildo A. Discurso, política e sujeito na Teoria da Hegemonia de Ernesto

Laclau. In: MENDONÇA, Daniel; RODRIGUES, Léo Peixoto (Orgs). Pós-

Estruturalismo e Teoria do Discurso: em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre, p. 35-

5, 2008.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3242ISSN 2177-336X

Page 12: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

CANDAU, Vera Maria Ferrão. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas

pedagógicas. Currículo sem Fronteiras, v.11, n.2, pp.240-255, Jul/Dez 2011.

CARVALHO, Janete Magalhães. FERRAÇO, Carlos Eduardo. A rostidade da figura do

professor e do aluno por entre os muros da escola: docência e práticas curriculares.

Currículo sem Fronteiras, v. 14, n. 3, p. 143-159, set/dez 2014.

CLARETO, Sônia Maria. NASCIMENTO, Luiz Alberto Silvestre. A sala de aula e a

constituição de um currículo-invenção. Currículo sem Fronteiras, v. 12, n. 3, p. 306-

321, Set/Dez 2012.

CORSI, Adriana Maria. LIMA, Emília Freitas de. Práticas pedagógicas no ensino

fundamental na perspectiva do multiculturalismo crítico. Currículo sem Fronteiras, v.10,

n.2, pp.158-182, Jul/Dez 2010.

DIAS, Rosanne Evangelista. LOPES, Alice Casimiro. Sentidos da prática nas políticas

de currículo para a formação de professores. Currículo sem Fronteiras, v.9, n.2, pp.79-

99, Jul/Dez 2009.

FELICIO, Helena Maria dos Santos. POSSANI, Lourdes de Fátima Paschoaleto.

Análise crítica de currículo: um olhar sobre a prática pedagógica. Currículo sem

Fronteiras, v. 13, n. 1, p. 129-142, Jan./Abr. 2013.

FERRAÇO, Carlos Eduardo. As práticasteóricas de professoras e professores das

escolas públicas ou sobre imagens em pesquisas com o cotidiano escolar. Currículo sem

Fronteiras, v.7, n.2, pp.78-92, Jul/Dez 2007.

FREIDSON, E. O renascimento do profissionalismo. São Paulo: EDUSP, 1998.

GABRIEL, Carmen Teresa. Docência, demanda e conhecimento escolar: articulações

em tempos de crise. Currículo sem Fronteiras, v. 15, n. 2, p. 425-444, maio/ago. 2015

GONÇALVES, Carlos M. Análise sociológica das profissões: principais eixos de

desenvolvimento. Sociologia revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Vol. 17, p. 177-187, 2006.

HYPOLITO, Álvaro Moreira. VIEIRA, Jarbas Santos. PIZZI, Laura Cristina Vieira.

Reestruturação curricular e autointensificação do trabalho docente. Currículo sem

Fronteiras, v.9, n.2, pp.100-112, Jul/Dez 2009.

HOYLE, Eric. Professionalization and desprofessionalization in education. In: HOYLE,

Eric; MAGERRY, Jacquetta (Orgs.). World yearbook of education 1980: professional

development of teachers. London: Kogan Page. 1980, p. 42 – 54.

IMBERNÓN, Francisco. Formação Docente Profissional: formar-se para a mudança e a

incerteza. – 7. ed.- São Paulo, Cortez, 2009.

LOPES, Alice Casimiro. Teorias de currículo/Alice Casimiro Lopes, Elizabeth Macedo.

São Paulo. Cortez, 2011.

MACEDO, Elizabeth. Currículo: Política, Cultura e Poder. Currículo sem Fronteiras,

v.6, n.2, pp.98-113, Jul/Dez 2006.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3243ISSN 2177-336X

Page 13: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

MACEDO, Roberto Sidnei. Atos de currículos: uma incessante atividade etnometódica

e fonte de análise de práticas curriculares. Currículo sem Fronteiras, v. 13, n. 3, p. 427-

435, set./dez. 2013.

MARCONDES, Maria Inês. MORAES, Caroline da Luz. Currículo e autonomia

docente: Discutindo a ação do professor e as novas políticas de sistemas apostilados na

rede pública de ensino. Currículo sem Fronteiras, v. 13, n. 3, p. 451-463, set./dez. 2013.

MELO, Maria julia carvalho de. Os sentidos partilhados sobre estágio supervisionado e

as contribuições para a prática docente do professor com experiência docente. / Maria

Julia Carvalho de Melo. Dissertação. – Caruaru, 2014.

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Em busca da autonomia docente nas práticas

curriculares. In: Revista Teias, v.12, n.27, p.27-46, jan./abri., 2012.

OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Currículo e processos de aprendizagemensino:

Políticaspráticas Educacionais Cotidianas. Currículo sem Fronteiras, v. 13, n. 3, p. 375-

391, set./dez. 2013.

PACHECO, Jóse Augusto (2000). Currículo, teoria e práxis. Porto, Portugal: Porto

Editora.

RIBEIRO, Joyce Otânia Seixas. Práticas curriculares de tradução do espaço arquitetural.

Currículo sem Fronteiras, v. 13, n. 3, p. 478-496, set./dez. 2013.

ROLDÃO, Maria do Céu. Profissionalidade docente em análise - especificidades dos

ensinos superior e não superior. Revista NUANCES, 13, 2005, p. 108–126.

SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, I. P. Compreender e transformar o ensino. Tradução

Ernani F. da Fonseca Rosa. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo em ação: os resultados como legitimação do

currículo. In. Saberes e incertezas sobre o currículo/ Organizados, José Gimeno

Sacristán; tradução, Alexandre Salvaterra; revisão técnica, Miguel González Arroyo.

Porto Alegre, Penso, 2013.

SANTIAGO, Eliete. BATISTA NETO, José. Política, proposta e práticas curriculares

municipais: campos de tensão entre o esvaziamento político e a resistência cultural.

Currículo sem Fronteiras, v. 12, n. 3, p.125-142, Set/Dez 2012.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. GARCIA, Tânia Maria F. Braga.

Professores e produção do currículo: uma experiência na disciplina de História.

Currículo sem Fronteiras, v.7, n.1, pp.160-170, Jan/Jun 2007.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3244ISSN 2177-336X

Page 14: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

A INFÂNCIA, O FAZER E O APRENDER NO COTIDIANO ESCOLAR PELAS

VOZES DAS CRIANÇAS

Conceição Gislâne Nóbrega Lima de Salles

Joane Santos do Nascimento Saturno

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) / Centro Acadêmico do Agreste (CAA)

RESUMO

Reconhecer as singularidades infantis, especificamente no contexto da Educação

Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tem se constituído um desafio da

educação brasileira. As amplas reformas que ocorreram nos últimos anos, sobretudo,

referente a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos, acabaram por

problematizar o lugar da criança, infância e da sua educação. Assim, partindo do

descentramento do olhar do adulto sobre esta questão, desenvolveu-se a pesquisa

intitulada: A Infância pelo olhar das crianças: um estudo nas Escolas Municipais da

Região do Agreste Pernambucano, objetivando através do desenvolvimento dessa

pesquisa compreender os sentidos e os significados veiculados entre as crianças da

Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no que diz respeito à

infância, o fazer e o aprender no cotidiano escolar. Do ponto de vista teórico, partimos

da problematização da própria noção de infância e sua educação. Como campo

empírico, delimitou-se Pré-escolas e escolas dos anos iniciais do Ensino Fundamental

das Redes Públicas Municipais da Região do Agreste/PE, especificamente das cidades

Toritama e Belo Jardim. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se observações

e entrevistas com crianças das referidas instituições. Em sua maioria, as crianças

indicam que a escola se mostra voltadas excessivamente para o reconhecimento e

memorização das letras e números e marcado por uma lógica e uma cultura mais

“escolarizante”, minimizando outras dimensões neste processo.

Palavras-chave: Infância. Educação Infantil. Ensino Fundamental.

INTRODUÇÃO

Sabe-se que os discursos mais correntes, no que se referem à infância, conduz a

pensa-la e imagina-la como algo natural: uma etapa da vida pela qual todos passam

antes de chegar a idade madura, e que sempre fora tratada da mesma maneira, como

distinta da fase adulta, necessitando de cuidados e proteção especiais, roupas adequadas,

orientação dos pais, etc. Todavia, não é bem assim! No sentido psicológico do termo, a

infância parece sempre ter existido, contudo no contexto social nem sempre se viu a

infância do mesmo modo, desenvolvendo os mesmos papéis ou comportamentos

específicos tal como temos hoje.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3245ISSN 2177-336X

Page 15: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

A infância começa a ser algo “inventado” no século XVI, antes disso ela não

representava se quer uma faixa separada da vida dos adultos: trabalhavam ao lado dos

adultos, iam para as guerras, bebiam nas tavernas, etc. Portanto, é no século XVI que se

começa a conhecer um novo conceito de infância: substitui sua relativa independência

para ali se ver um ser frágil e inocente, que tem necessidades de cuidados especiais, de

amor, de disciplina, o que conduziu a uma atitude mais maternal, afetuosa e permissiva.

No entanto esse processo não foi tão rápido assim, quem quer que se ocupe com a

análise das concepções de criança e de infância, percebe rapidamente que existe uma

grande disparidade de posições quanto ao lugar da infância. Tal como coloca Pinto

(1997), uns valorizam aquilo que a criança já é e que a faz ser, de fato, uma criança;

outros, pelo contrário, enfatizam o que lhe falta e o que ela poderá (ou deverá) vir a ser.

Uns insistem na importância da iniciação ao mundo adulto, outros defendem a

necessidade da proteção em face desse mundo. Uns encaram a criança como um agente

dotado de competências e capacidades; outros realçam aquilo que a criança carece. No

entanto, ainda é paradoxal não só a visibilidade social da infância como o lugar

atribuído a ela na sociedade, que se exprime em situações como as que Calvert

identifica:

As crianças são importantes e sem importância; espera-se delas que se

comportem como crianças, mas são criticadas nas suas infantilidades; é

suposto que brinquem absorvidamente quando se lhes diz para brincar, mas

não se compreende porque não pensam em parar de brincar quando se lhes

diz para parar; espera-se que sejam dependentes quando os adultos preferem

a dependência, mas deseja-se que tenham um comportamento autônomo;

deseja-se que pensem por si próprias, mas são criticadas pelas suas soluções

originais para os problemas (cit. In POLLARD, 1985:39).

Como se sabe o reconhecimento social da criança/infância é parte de um

processo mais amplo, o qual no Brasil começa a ganhar visibilidade, sobretudo, no

decorrer do século XX. É importante destacar que a constatação do avanço dos

conhecimentos sobre a educação da infância não significa que o processo é homogêneo,

ao contrário, é nítido a presença de disputas entre concepções de infância diferentes e

que incide distintamente no processo de educação das crianças. No que diz respeito ao

contexto educacional brasileiro, o cenário não é outro. Ainda se observa um

descompasso entre a organização do sistema de educação e a valorização das dimensões

infantis, além de problemas estruturais.

Partindo do pressuposto que as concepções sobre infância atravessam as reformas

educacionais e têm influência direta na vida de crianças de todas as classes sociais, faz-

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3246ISSN 2177-336X

Page 16: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

se urgente e necessário repensar que concepções de criança e de infância vêm

embasando a educação ofertada às crianças tanto na Educação Infantil como no

primeiro ano do Ensino Fundamental.

Aspectos como à estrutura espacial, currículos e programas, tempo, espaço,

fazeres e aprenderes, dentre outros, são organizados e priorizados de acordo com o que

se julga ser necessário e adequado as crianças. O agravante é que na educação das

crianças de 4 a 5 anos e no caso do primeiro ano do Ensino Fundamental, pode-se dizer

que, tendencialmente da maneira como foi organizado, a escolarização toma dimensão

prioritária de alfabetização, onde nem sempre as possibilidades infantis são

evidenciadas e os pensamentos potencializados. A lógica, na escola, continua sendo

pensada por adultos. Nesse contexto:

Talvez escutar a infância possa ser um caminho para outra escolarização

possível. Afinal, os tempos são outros e os processos de escolarização não

podem estar vinculados à manutenção de um modo conservador de

estruturação pessoal e social. (BARBOSA & DELGADO, 2012, p.119).

Outro ponto a se destacar é a comum separação do Ensino Fundamental da

Educação Infantil. As músicas, as brincadeiras, as conversas entre os pares, parecem

ficar restritos a Educação Infantil. O controle dos diálogos e dos corpos das crianças

torna-se marcante no Ensino Fundamental. Diante desse contexto Kramer (2007, p. 20)

observa que a “Educação Infantil e Ensino Fundamental são indissociáveis: ambos

envolvem conhecimentos e afetos, saberes e valores; cuidados e atenção; seriedade e

riso”. O acolhimento não deveria mudar, pois, em todos os casos temos sempre

crianças. E elas necessitam de uma proposta que as contemplem também em suas

diferenças.

Para isso é preciso garantir que as crianças sejam atendidas nas suas

necessidades (a de aprender e a de brincar), que o trabalho seja planejado

acompanhado por adultos na educação infantil e no ensino fundamental e que

saibamos, em ambos, ver, entender e lidar com as crianças como crianças e

não apenas como estudantes. (KRAMER, 2007, p.20).

Esse parece ser o momento favorável para a revisão das posições dos educadores

da infância. Tal como coloca Nascimento:

Refletir sobre a infância em sua pluralidade dentro da escola é, também,

pensar nos espaços que tem sido destinados para que a criança possa viver

esse tempo de vida com todos os direitos e deveres assegurados.[...] Está

posto aí um novo desafio: utilizar essa ocasião para revisitar velhos conceitos

e colocar em cheque algumas convicções (NASCIMENTO, 2007, p.28).

Esse parece ser o principal desafio. Se arriscar mais, despir-se das velhas certezas,

abrir o tempo ao tempo das crianças, enfim, conhecê-las e respeitá-las.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3247ISSN 2177-336X

Page 17: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Toma-se com aspecto importante na estruturação da problemática da referida

pesquisa, concernente à: como as crianças, estão nomeando, enunciando e

compreendendo a infância e a sua educação no contexto da Educação Infantil e dos anos

iniciais do Ensino Fundamental? As amplas reformas que ocorreram nos últimos anos

no sistema educativo brasileiro. As mudanças estruturais ocorridas provocaram diversas

alterações e mudanças ao lugar concedido à educação das crianças e a infância.

A investigação sobre a significação da infância nas propostas pedagógicas e nos

espaços de formação das crianças incentivou o desenvolvimento de um rico campo de

pesquisa. Assim, pode-se dizer que hoje se tem melhores condições para a análise

crítica da Educação Infantil e Ensino Fundamental, e para a criação de novas propostas

nos espaços curriculares que se abrem para a educação das crianças e da infância.

A partir da realização dessa pesquisa é perceptível que é imprescindível a

realização de estudos voltados para compreender o lugar atribuído à criança e a infância,

sobretudo, se levarmos em conta as grandes e instigantes demandas da educação das

crianças/infância no Brasil e a necessidade de se enfrentar o atual desafio do

crescimento exponencial da modalidade de Educação Infantil no país e do mais recente

desafio com a nova idade – alunos de seis anos - que passou a integrar o Ensino

Fundamental dos anos iniciais. Tal mudança faz surgir um forte apelo por novas

concepções e significados acerca dessa prática na Educação Básica, ampliando não só o

quantitativo de crianças nas escolas como os desafios acerca do fazer docente e do

sentido do educar nesse nível de ensino.

A partir dessa conjuntura, propõe-se discutir neste trabalho alguns resultados fruto

da pesquisa intitulada: A Infância pelo olhar das crianças: um estudo nas Escolas

Municipais da Região do Agreste Pernambucano. Pesquisa realizada com o objetivo de

compreender os sentidos e os significados veiculados entre as crianças da Educação

Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no que diz respeito à infância, o

fazer e o aprender no cotidiano escolar. Assim, apresentam-se a seguir os procedimentos

metodológicos adotados na pesquisa, na sequência os resultados encontrados bem como

uma discussão sobre os mesmos à luz de alguns autores essenciais para o tratamento dos

dados, tópico que traz por título: “Os aprenderes e os fazeres das crianças no espaço

escolar: da Educação Infantil ao primeiro ano do Ensino Fundamental”. Por fim,

algumas considerações serão efetivadas a respeito da temática tratada.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3248ISSN 2177-336X

Page 18: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Para situar a perspectiva na qual se insere a reflexão aqui proposta, parte-se da

problematização da própria noção de infância, a qual, no campo das ciências humanas e

sociais, tem sido empregada frequentemente como um conceito não avaliado. No

presente texto, interessa particularmente seus significados e as implicações destes no

campo da educação. Na análise empreendida assume-se a infância como “categoria

social, constituída por sujeitos historicamente situados” (SARMENTO, 2008, p. 7),

nomeadamente as crianças, as quais se constituem sujeitos sociais que produzem cultura

e história. Toma-se ainda como referência os estudos filosóficos empreendidos por

Kohan (2003), o qual busca por meio de uma reflexão menos normativa e etapista e,

mais ontológica e política, que interroga por uma potência produtiva da infância, por

uma força que gere diferença, por uma capacidade de afirmar a visibilidade da infância

por meio de um olhar aberto, atento, a espreita, procura dar lugar a uma outra infância,

das crianças.

Para a realização deste estudo, considerou-se fundamental lançar mão de uma

metodologia de enfoque hermenêutico. Em termos de verificação empírica, delimitou-se

como campo investigativo escolas dos anos inicias do Ensino Fundamental de Redes

Públicas Municipais da Região do Agreste/PE, especificamente das cidades de Toritama

e Belo Jardim. Como procedimento metodológico utilizou-se entrevistas

semiestruturadas com crianças dessas instituições. Pois, para além dos discursos

produzidos sobre as crianças, esta investigação consiste em dar voz a estes sujeitos,

buscando a partir do próprio modo de fazer pesquisa conceder o lugar do infante na

produção de dados.

A fim de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, crianças de quatro, cinco

e de seis anos, fez-se uso de nomes fictícios, escolhidos pelas próprias crianças e letras

(identificados no corpo do texto da seguinte forma: nome fictício do sujeito seguido de

das iniciais do nível e da cidade respectivamente).

A opção por dar vez e voz às crianças consistiu-se em uma perspectiva que já

mencionamos nesse trabalho, qual seja, a de olhar para a criança enquanto ser capaz,

completo e ativo, que muito tem a contribuir e nos dizer sobre elas mesmas no processo

de construção de suas subjetividades, bem como de formação e afirmação não só de

uma infância, mas de diversas infâncias.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3249ISSN 2177-336X

Page 19: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Deste modo, considera-se bastante relevante ouvir o que as crianças têm a dizer,

mas ouvir para compreender de fato, despindo das visões adultocêntricas naturalizadas

ao longo do tempo.

3. DISCUSSÃO E RESULTADOS

3.1 Os aprenderes e os fazeres das crianças no espaço escolar: da Educação

Infantil ao primeiro ano do Ensino Fundamental

A problemática acerca do lugar da infância nos espaços escolares se intensificou

com a ampliação do Ensino Fundamental para Nove anos – reforma que provocou a

transferência/inserção das crianças de seis anos da Educação Infantil para o primeiro do

Ensino Fundamental. A discussão da infância que se resumia a etapa da Educação

Infantil, agora, permeia o Ensino Fundamental, modalidade de ensino que obtém uma

dinâmica de sala de aula diferenciada da etapa anterior, o que é claramente percebido

nos relatos das crianças quando questionadas sobre o que elas gostavam desse ano e do

ano que havia se passado:

Na outra era tão bom, eu to com saudade de M...ela brincava também

brincava com nós, contava historinha...só essa que faz um texto, mas a outras

não fazia, fazia um bem pequenininho porque nós era pequenininho ainda”

(Ben 10, EF. T. 2015 ). A outra escola tinha um monte de brinquedo... a

gente brincava com a outra tia, lá na outra escola (Mulher Maravilha, EF.T.

2015).

Em suma, falam que na outra escola brincavam com a professora, o que não

fazem mais. Que na outra escola tinham brinquedos disponíveis, nessa não tem mais.

Que na outra escola as tarefas eram fáceis, poucas e agora não mais. As crianças

acostumadas com desenhos, brincadeiras, atividades de pintar, agora se viam numa sala

de aula com um trabalho rígido que impossibilitava o lugar da sua infância na escola.

Ao falarem sobre as especificidades de uma escola para as crianças, as mesmas

destacam que a escola tem que ter “Historinha, pintura, boneco, carro” (Ben 10, EF. T.

2015). Poucos faziam menção a necessidade de uma escola ter birô, mesas, cadeiras etc.

Suas falas apontavam o anseio por um contexto prazeroso de aprendizagem. Afinal, a

escola, bem como a sala de aula, precisa ter a cara da criança, provocar o acolhimento e

não a indiferença. Ter as características voltadas para a especificidade da sua faixa

etária.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3250ISSN 2177-336X

Page 20: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

As falas abaixo revelam que uma característica comum entre as crianças, é olhar

para sua experiência escolar sempre a partir da voz do adulto. Ou seja, a experiência

escolar sempre associada a um vir-a-ser adultocêntrico, externo as mesmas. Experiência

técnica e repetitiva:

Quando eu brinco de escolinha com as meninas, aprende a ler, depois com

meus amigos saber quem é o 1° e o último. (José Carlos, EF. BJ. 2015).

Aprende a fazer as coisas em casa, mais aprende também a fazer as tarefas, a

se comportar. (Maria Clara, EF. BJ. 2015).

Por outro lado esses dados também remetem ao fato de que ao relembrarem suas

experiências com a escola, revelam pouco ou quase nenhuma atividade, ações e

interações, com as quais se demonstrem maravilhados com as suas descobertas e as

descobertas dos outros. Curiosamente, quase nenhuma referência foi feita as suas

brincadeiras, seus jogos, contação de histórias como sendo momentos de ações, de

interações e de aprendizagens, contrariando, aquilo que ressalta as Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Infantil (2009), em seu art. 4°:

A criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos

que se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela

disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de diferentes

idades nos grupos e contextos culturais os quais se insere. Nessas condições

ela faz amizades, brinca com água ou terra, faz de conta, deseja, aprende,

observa, conversa, experimenta, questiona, constrói sentidos sobre o mundo e

suas identidades pessoal e coletiva produzindo cultura. (BRASIL, 2009, p. 6). Tais falas sugere que se faz necessário o professor estabelecer conexões mais

consistentes entre elas, as crianças e as suas especificidades. Essas conexões

facilitariam, sem dúvida, a construção de uma experiência com as crianças bem mais

focada na própria criança e suas infâncias, possibilitando que as crianças pudessem

fascinar-se e encontrar-se na sua experiência escolar. Tal como coloca Kramer(2003),

crianças são cidadãs, pessoas detentoras de direitos, que produzem cultura e são nela

produzidas. É próprio da criança e sua infância o fato do poder de imaginação e criação

que as mesmas possuem e demonstram em suas brincadeiras, poder que deixa

transparecer a experiência que a mesma tem de cultura.

A cultura escolarizante de fato tem tomado as escolas de tal forma que o foco tem

sido não a formação integral da criança, mas a aprendizagem de fatos, conceitos e

métodos. E isso não se restringe ao Ensino Fundamental, mas abrange também a

Educação Infantil. Embora percebamos que nessa etapa as crianças viviam mais suas

infâncias, em detrimento ao Ensino Fundamental.

A esse respeito, as crianças destacam como atividade mais frequente realizada pela

professora, a tarefa. Respondem o correspondente a nomes, letras, números,Mili

começa: “A-B-C-D-E-F-G-H-I-J”,Barbie continua: “K-L-M-N-olha é assim A-B-C-D-

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3251ISSN 2177-336X

Page 21: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

E-F-G-H-I-J-L-N-N-O-P-Q.... X-Z”, Mili retoma: 1-2-3-4-5-6...” (EF. T. 2015). Esse

foco conceitual não se restringe ao Ensino Fundamental, na Educação Infantil

obtivemos respostas concernentes à: “É o nome que passa direto”(Elza, EI. T. 2015), “o

nome e os números”(Vitória, EI. T. 2015), “escrever, uns negócio de cubrir” (Homem

de Ferro, EI. T. 2015).

O foco na aprendizagem de Português e Matemática fica nítido. Isso decorre, em

boa parte, das imposições e cobranças que permeiam a escola. Fato que implica na

redução de fatores indispensáveis numa aula para a garantia da afirmação da infância,

pois, a ludicidade por vezes é vista como improdutiva na lógica adultocêntrica.

Nesse percurso de perceber o fazer das crianças na escola, percebe-se que as

crianças, mesmo não tendo total liberdade para brincarem entre si e livremente na sala

de aula, elas usavam a imaginação com o que tinham disponível para brincarem, seja

um lápis, uma folha de papel, até mesmo utilizar-se dos dedos das mãos como se uma

falasse com a outra. Entre elas mesmas, formavam grupos e brincavam com o que tinha

disponível.

Outro aspecto a destacar trata-se das aprendizagens relacionadas com a questão da

leitura e da escrita. A mobilização feita pelos professores para despertar o interesse das

crianças acerca dessas aprendizagens são fortemente marcadas pela memorização,

repetição e que se encerra e se projeta em uma necessidade para o futuro e não como

parte de uma experiência do presente significativa para a criança naquilo que ela é. As

atividades passadas para as crianças (Educação Infantil) resumiam-se a cantigas que

instigavam as letras que elas estavam aprendendo na semana, atividades voltadas para o

contorno das letras, cópia das mesmas, dentre outras.

O caráter propedêutico do ensino, de fato, tem deixado à margem a infância no

cotidiano escolar, e as crianças reivindicam, ao seu modo, a sua visibilidade social. Esse

contexto gera insatisfação da criança por não se enxergar no processo de ensino e

aprendizagem. E esse desprazer pode ser exemplificado a seguir, a partir de falas das

crianças, que foram ditas em um diálogo entre as mesmas:

Mulher Maravilha: Não, a gente brincava com a outra tia, lá na outra escola,

sim na outa escola;

Ben 10: lá na outra escola tia brincava com nós, pintava;

Mulher Maravilha: só que ele não estudava na nossa sala, na sala tinha uma

porta cheia de banca, a gente se escondia lá;

Ben 10: mas tu estudava na escolinha é? com um bocado de escada?

Mulher Maravilha: É, ai a gente se escondia, ai as professora fazia: borá,

borá, bora saindo todo mundo!

Ben 10: eu brincava todo dia lá, ai tia M, sai daí, sai daí todo mundo, sai daí

pegava nós;

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3252ISSN 2177-336X

Page 22: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

Barbie: ele tomava banho dagua de nós;

Ben 10: era, dava banho de água em cima de nós;

Barbie: só que fechou a escola;

Ben 10: eu tô com saudade daquela tia, tia M., tia M.

Barbie: tia L.

Ben 10: é porque ela é tão boinha, ela brincava, uma tia M. também brincava

com a gente, contava historinha;

Barbie: tia M,, levava nós para a escola pra ver o amimais;

Ben 10: Os animais é tão bonito, os passarinhos, carneiro, cobra, tem duas

cobra uma pequenininha e uma grandona, aí lá tive um coelhinho, lá tive um

coelho também. (EF. T. 2015). A ludicidade se mostrou uma atividade muito pontual, seu espaço era a hora do

recreio. Os outros momentos eram recheados de tarefas e mais e mais tarefas. Os

resultados fazem emergir, a comparação constante na fala das crianças com a etapa

anterior, a Educação Infantil, como nos mostrou a conversa.

O cenário descrito pelas crianças demonstra o dilema que convivem diariamente

com a dualidade da cultura escolar e a cultura infantil, do ser aluno e do ser criança.

Assim desenvolver um ensino que respeite o ritmo de cada educando, bem como suas

múltiplas dimensões tem se constituído um desafio quando pensamos a tarefa educativa.

Como bem coloca Kramer:

Nosso maior desafio é obter entendimento e uma educação baseada no

reconhecimento do outro e suas diferenças de cultura, etnia, religião, gênero,

classe social, idade e combater a desigualdade; viver uma ética e implementar

uma formação cultural que assegure sua dimensão de experiência crítica. É

preciso compreender os processos relativos aos modos de interação entre

crianças e adultos em diferentes contextos sociais, culturais e institucionais.

O diálogo com vários campos do conhecimento contribui para agir com as

crianças (KRAMER, 2007, p. 21).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, a referida pesquisa sinalizou a necessidade de uma

ressignificação da infância tanto no contexto da Educação Infantil como no primeiro

ano dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O foco na aprendizagem conteudista,

apresenta-se como sendo majoritário na rotina das crianças. Em sua maioria, as crianças

indicam que a escola se mostra voltada excessivamente para o reconhecimento e

memorização das letras e números e marcado por uma lógica e uma cultura mais

“escolarizante”, minimizando outras dimensões neste processo.

Neste sentido, se faz urgente repensar criticamente no alcance de uma rotina

caracterizada apenas por uma produção de atividades e valorizar as potencialidades

infantis naquilo que ela é e não na perspectiva futurista e adultocêntrica. Em suma, os

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3253ISSN 2177-336X

Page 23: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

dados cotejados revelaram que a infância vivenciada na escola pelo olhar das crianças é

uma infância reduzida diante das cobranças e imposições impostas.

Como mencionado anteriormente, ampliar o Ensino Fundamental requer uma

revisão na proposta de ensino. A criança que se insere no Ensino fundamental é aluno,

mas não deixa de ser criança, sujeito que possui especificidade que difere de um adulto

e cujo ensino precisa ser adaptado. Mas isso não significa dizer que na Educação

Infantil a infância tem sido satisfatoriamente contemplada.

Partindo das análises empreendidas pode-se pontuar que a ênfase na

aprendizagem conteudista, com maior intensidade no Ensino Fundamental, tem

minimizado o lugar da infância na escola. A partir das reivindicações expressas nas

vozes das crianças fica evidente a urgente necessidade repensar o fazer e o aprender no

cotidiano escolar das crianças atentando, sobretudo para o lugar da criança e da infância

nesse contexto.

4. REFERÊNCIAS

BARBOSA, M.C., DELGADO, A.C.C. (orgs.). Alfabetização e escolarização. Outros

modos de pensar a leitura e a escrita com as crianças. In: A infância no ensino

fundamental de 9 anos. – Porto Alegre: Penso, 2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil.

Brasília, 2009. Disponívelem: <www.mec.org.br>.

POLLARD, Andrew. The Social Wolrd of the Primary School.London.

CasselEducation, 1985.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de janeiro: Forense, 1986.

KOHAN, Walter Osmar. Infância. Entre Educação e Filosofia. Belo Horizonte:

Autêntica, 2003.

KRAMER, S. (Org.); LEITE, Maria Isabel (Org.). Infância: fios e desafios da

pesquisa. 9ª. ed. Campinas: Papirus, 2007.

NASCIMENTO, A. M. A infância na escola e na vida: uma relação fundamental. In:

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino

Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de

idade, 2007.

SARMENTO, Manuel Jacinto e PINTO, Manuel. As crianças e a infância: definindo

conceitos, delimitando o campo. In: SARMENTO, Manuel Jacinto e PINTO, Manuel.

As crianças, contextos e identidades. Braga, Portugal. Universidade do Minho. Centro

de Estudos da Criança. Ed. Bezerra, 1997.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3254ISSN 2177-336X

Page 24: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

SARMENTO, Manuel. GOUVEIA, Maria Cristina (Orgs). Estudos da Infância:

educação e práticas sociais. Patrópolis,RJ:Vozes, Coleção Ciências Sociais da

Educação, 2008.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3255ISSN 2177-336X

Page 25: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

O DESENVOLVIMENTO DA PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO

DOCENTE PENSADO E TECIDO NA INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A

GESTÃO DA ESCOLA E O PROFESSORADO

Carla Patrícia Acioli Lins

Marcia Cristina Xavier dos Santos

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) / Centro Acadêmico do Agreste (CAA)

Resumo: O debate educacional tem se intensificado no que se refere a problematização

da formação e profissionalização docente, haja vista sua importância e contribuições na

qualificação da educação escolar. Neste artigo, propomos refletir sobre a

profissionalidade e profissionalismo docente a partir da escola, espaço no qual gestores

e professores desenvolvem e vivenciam experiências relativas a suas atividades, trocam

com seus pares, se relacionam e estabelecem compromisso com os alunos, com a

comunidade e com a escola e dispendem esforços para a escola cumprir sua função

construindo a profissão docente. Assim, objetivamos analisar as interdependências entre

a gestão da escola e o professorado e suas relações com o desenvolvimento da

profissionalidade e do profissionalismo docente. Para discutirmos as relações entre as

interdependências estabelecidas entre gestão da escola, professorado e a

profissionalização docente recorremos aos conceitos de figuração e interdependência de

Norbert Elias e profissionalização de Bourdoncle. Entrevistamos professores e gestores

do ensino fundamental de uma escola da rede pública municipal de Gravatá - PE. De

maneira geral os dados afirmam o movimento da gestão escolar em articular as

dimensões administrativa e pedagógica ao contrário da tendência comumente observada

de reduzir as “questões de gestão” à natureza burocrática e administrativa indicando

movimento dos docentes na direção da profissionalidade e profissionalismo. Por outro

lado os projetos/ programas concebidos externamente á escola emergem tensionando as

interdependências entre gestão escolar e professorado tendendo o grupo na direção de

práticas que podem desprofissionalizar o trabalho docente. O professorado e a

Secretaria Municipal de Educação se constitui em interdependências que se mostram

importantes para compreendermos o processo de profissionalização do professorado.

Palavras- chave: Interdependências, Profissionalismo, Profissionalidade Docente.

INTRODUÇÃO

A partir de estudos anteriores observamos que o debate que enfoca a

formação e profissionalização de professores trazem uma discussão recorrente a partir

de meados dos anos 1980, buscando problematizar os efeitos da política neoliberal,

especialmente da cultura do desempenho, nas políticas educacionais e de formação de

professores bem como no processo de profissionalização do professorado. Ao apontar

para os desdobramentos do neoliberalismo como elemento importante a ser considerado

para se

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3256ISSN 2177-336X

Page 26: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

26

compreender o processo de profissionalização docente, tais estudos indicam que o

movimento predominante do professorado, a partir da adoção de políticas de cunho

neoliberal se dá geralmente na direção da desprofissionalização, precarização e

proletarização da profissão, seguem nessa direção os estudos de SHIROMA e

EVANGELISTA (2007); LÜDKE e BOING(2004); BALL (2004;2005) ; GARCIA e

ANADON (2009), dentre outros. Sem desconhecer a importância desse debate para a

compreensão sobre formação e profissionalização docente, propomos neste artigoi

refletir sobre a profissionalidade e profissionalismo docente a partir da escola, espaço

no qual gestores e professores desenvolvem e vivenciam experiências relativas a suas

atividades, trocam com seus pares, se relacionam e estabelecem compromisso com os

alunos, com a comunidade e com a escola, e dispendem esforços para a escola cumprir

sua função construindo sentidos e significados sobre a profissão docente. Assim,

objetivamos analisar as interdependências entre a gestão da escola e o professorado e

suas relações com o desenvolvimento da profissionalidade e do profissionalismo

docente.

Para discutirmos as relações entre as interdependências estabelecidas entre

gestão da escola, professorado e a profissionalização docente recorremos aos conceitos

de figuração e interdependência de Norbert Elias e ao conceito de profissionalização

proposto por Bourdoncle (1991). Esclarecemos que de acordo com Elias o conceito de

figuração é definido como uma “rede de interdependências formadas entre seres

humanos e que os liga, ou seja: uma estrutura de pessoas mutuamente orientadas e

dependentes” (ELIAS, 1990, p. 249). Não importa se elas são formadas por dois ou

mais indivíduos; ao estabelecerem interdependências eles formam figurações sociais

específicas, por exemplo, a família, uma comunidade, a escola, a profissão ou o Estado.

Longe de serem homogêneas, as figurações podem se apresentar a partir de diversas

características, quer dizer, possuir maior ou menor harmonia, ser mais ou menos

duradouras, efêmeras, serem mais ou menos estáveis, mais ou menos tensas, se compor

de dois, de vários ou de inúmeros indivíduos e de grupos, ser grande ou pequena

(QUINTANEIRO, 2010). Há apenas a ser considerado como presença constante a

existência de interdependências. Por isso no contexto dessa pesquisa consideramos que

a equipe gestora e os professores são figurações que estabelecem interdependências.

É importante lembrar que a sociologia figuracional proposta por Elias não se

detém na análise de condutas individuais ou de estruturas externas a elas de maneira

isolada. Mas, se concentra na compreensão das redes construídas por sujeitos ligados

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3257ISSN 2177-336X

Page 27: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

27

uns aos outros e no conjunto não homogêneo de posições sociais que podem se

apresentar mais ou menos complexas, formadas por pessoas ou grupos em

interdependências, sem deixar de lado os reflexos sobre as ações dos indivíduos, de seus

sentimentos, e pensamentos.

AS INTERDEPENDENCIAS ENTRE GESTÂO ESCOLAR E

DOCENTES: PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO

Observamos que as interdependências estabelecidas por professores entre si

e com os outros grupos na escola são marcadas, predominantemente, pela natureza de

sua tarefa: ensinar. Muito da movimentação dos grupos e indivíduos percorre a

realização dessa tarefa. Nesse sentido, destacamos que o reconhecimento e

predominância do ensino nos vínculos estabelecidos entre professores, e entre

professores e gestão , professores e alunos e comunidade não significa, necessariamente,

que as interdependências entre essas figurações movimentem o professorado na direção

da profissionalização, justamente, porque as interdependências são repletas de tensões

e disputas de poder e interesses entre os grupos e entre indivíduos, e dessa maneira

podem pressionar o professorado tanto no sentido da profissionalização quanto em seu

contrário. Dessa forma, salientamos que traçar os movimentos dos grupos em relação

uns aos outros e identificar o que e como se tornam interdependentes é importante na

busca de compreender a diversidade de questões que entram em jogo no processo de

profissionalização docente.

Dito o que estamos tomando por figurações e interdependências,

esclarecemos o conceito de profissionalização e suas dimensões – profissionalidade,

profissionalismo e profissionismo, para tal apoiamo-nos em Bourdoncle (1991).

Segundo o autor a profissionalização se constitui no processo pelo qual uma ocupação

passa, a fim de ser reconhecida como uma profissão. Bourdoncle entende a

profissionalização como processo, apontando a existência de três estados, são eles:

profissionalidade, profissionismo e profissionalismo. O profissionalismo faz referência

ao processo de adesão ao discurso e às normas, à consciência profissional, à exigência

de eficiência que são estabelecidas coletivamente. O processo que conduz ao

profissionalismo é a socialização profissional. Nesse mesmo sentido encontramos a

definição dada por Freidson (2009) para quem “o profissionalismo é um conjunto de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3258ISSN 2177-336X

Page 28: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

28

atitudes que os membros de uma profissão desenvolvem em relação ao trabalho” (p.

210).

A profissionalidade é definida como natureza elevada e racional dos saberes

bem como a competência para utiliza-los no exercício profissional. Essas capacidades

são desenvolvidas através da ação dos especialistas e da formação contínua promovendo

o aperfeiçoamento das competências e a utilização de saberes racionais no exercício da

profissão, possibilitando maior eficácia coletiva e individual. Por fim o profissionismo

refere-se às estratégias e discursos utilizados pelo grupo profissional para reivindicar o

reconhecimento de suas atividades. Ou seja, diz respeito, ao processo de

aperfeiçoamento coletivo do status social da atividade, exemplificando-o com a ação

dos sindicatos e associações. Ancorados nos conceitos apresentados, expomos o

percurso metodológico trilhado para compreender as interdependências entre a gestão

da escola e o professorado e suas relações com a profissionalidade docente.

Ao partirmos do pressuposto de que a gestão da escola estabelece

interdependências com o professorado, integrou o grupo pesquisado professores e

gestores do ensino fundamental de uma escola da rede pública municipal de Gravatá -

PE. Não especificamos critérios para escolhermos os professores que colaboraram com

a pesquisa, bastou que estivessem vinculados à rede de ensino municipal. Realizamos

entrevistas semi-estruturadas com integrantes da equipe gestora e professores.

O roteiro de entrevista se organizou não só a partir da literatura que fundamenta

o estudo, mas também foi subsidiado pelas demandas emergidas das observações do

campo. Utilizamos também um questionário para reunirmos dados sócio profissionais

dos participantes do grupo pesquisado. Para dar sentido aos dados e realizarmos a

análise nos orientamos a priori pelos conceitos de interdependência, processo, figuração

e profissionalização, profissionalidade e profissionalimo observando os movimentos no

interior das figurações e entre elas, como indicado por Elias, podendo dessa forma

identificar quem configura com quem, como, e por que.

A partir do questionário pudemos traçar um perfil dos gestores e professores

que colaboraram com a pesquisa. A gestora e a vice gestora possuem a graduação em

Pedagogia e concluíram a graduação, respectivamente, nos anos de 2006 e 2004.

Ambas concluíram o curso de especialização nos anos de 2006 e 2007. A gestora possui

especialização em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica está na rede municipal há

quinze anos, segundo ela entrou no quadro de efetivos por concurso público. Na função

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3259ISSN 2177-336X

Page 29: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

29

está há oito anos e há três anos é gestora da escola. Já a vice gestora está na rede há

vinte e três anos e apenas há dois anos está na função e na escola. Ela nos informou que

o acesso a rede municipal foi por concurso público. A professora 1 está na rede há nove

anos e na escola há seis meses é graduada em Letras e possui especialização em

Metodologia em Línguas, seu vínculo com a rede de ensino municipal é estabelecido

por contrato de trabalho. A professora 2 é efetiva, está na rede há 21 anos e há três anos

trabalha nessa escola. É graduada em Letras com especialização em Língua Portuguesa

e atualmente cursa mestrado em Ciências da Educação com previsão de conclui-lo em

2016.

Atualmente, a escola atende o Ensino Fundamental II e o EJA funcionando nos

turnos da manhã, tarde e noite. Apesar de pequeno, o espaço físico, dentro das

possibilidades, é bem organizado. Lidar com o espaço da escola aponta que a gestora

compreende que suas decisões e encaminhamentos de natureza administrativa

repercutem e garantem o trabalho pedagógico mais qualificado, tivemos como exemplo

o uso do espaço coberto que a escola dispõe para recreação. A gestora se preocupou em

organizar a sua utilização para que todos pudessem dispor do espaço, ou seja, não optou

por deixa-lo ocioso como muitas vezes pudemos observar bibliotecas, laboratórios sem

utilização porque não há uma organização para que os mesmos possam funcionar de

acordo com as demandas pedagógicas e educativas dos estudantes.

Neste caso, destacamos que a gestora ao se envolver de maneira articulada com as

dimensões administrativa e pedagógica parece apontar sua adesão à docência – traços

do profissionalismo - bem como possibilitar que os professores possam também

desenvolver o sentimento de pertença a um grupo profissional e sobretudo,

compromisso com a aprendizagem de seus alunos e com a escola, ou seja, as

interdependências entre a equipe gestora e os professores, apesar de ter momentos

contrários ao movimento de profissionalização, também aponta em seu sentido.

As entrevistas reafirmam o recente movimento da gestão escolar em se preocupar

com a articulação entre a dimensão administrativa e pedagógica, atividades

consideradas próprias da gestão. O trabalho na escola é compartilhado entre equipe

gestora e professores ao contrário da tendência comumente existente nas práticas de

gestão escolar de reduzir as “questões de gestão” à natureza burocrática e

administrativaii pois o gestor acaba se envolvendo com questões dessa ordem e

secundariza suas atividades de natureza pedagógica junto aos professores e alunos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3260ISSN 2177-336X

Page 30: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

30

Considerando que a escola é um espaço socialmente reconhecido como local de

ensino e aprendizagem os dados sinalizam para o envolvimento da equipe gestora com

os processos de ensinar e aprender se configurando no estabelecimento de

interdependências entre gestão e professorado. Vemos que as interdependências que se

estabelecem entre professorado e gestão pode contribuir com o movimento do

professorado na direção da profissionalização uma vez que a gestão passa a desenvolver

ações que favorecem ao professorado desenvolver, incorporar e compartilhar práticas

pautadas numa expertise própria à docência .

Nesse sentido as interdependências entre gestão e professorado, trabalho

administrativo e pedagógico pode ser ilustrado a partir do extrato de fala da G 1 que

aponta para a tendência de articulação das duas dimensões quando descreve como

desenvolve seu trabalho na escola: “Junto aos professores a gente faz o trabalho

pedagógico, não só de elaboração de plano de ação, de planejamento, de observações

de cadernetas, também algumas dificuldades que eles encontram. ” E a fala da G2 que

também segue na mesma direção, diz ela: “A gente trabalha pra melhorar o ensino

juntamente com o professor...” O envolvimento da gestão com o trabalho do

professorado é confirmado pela professora entrevistada, diz ela “ Olha o trabalho aqui

é em conjunto. A gente tem assistência das coordenadoras, das gestoras...A gente tem

assistência...Os pais tem acesso à escola, tem acesso a gente, tem acesso aos diretores,

fazem reuniões pedagógicas... Convidam a família para a escola. Atentamos que ao

articular trabalho administrativo e pedagógico a gestão sinaliza para o entendimento de

que atender ao professorado, dar a ele suporte para desenvolver suas atividades implica

em estar atento também aos alunos e seus pais. Nessa perspectiva as interdependências

entre a equipe gestora e os professores abrem espaço favorável ao desenvolvimento da

profissionalidade e do profissionalismo docente na medida em que o movimento das

interdependências sugere a criação de maior compromisso com os alunos e com a escola

assim como com o ensino.

Os projetos/ programasiii

desenvolvidos pelas escolas mas que não são

concebidos pelos professores da rede, apontam que esses tensionam as relações

estabelecidas entre os gestores e professores marcando as interdependências entre esses

grupos, uma vez que apesar de se apresentarem como apoio ao trabalho escolar, na

prática parecem ir além disso.

Concebidos externamente às escolas, desconsiderando as especificidades e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3261ISSN 2177-336X

Page 31: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

31

particularidades da organização e práticas docentes, esses projetos / programas acabam

ordenando a organização e utilização do tempo, do espaço, bem como grande parte das

atividades docente. As atividades pedagógicas desenvolvidas na escola passam a se

organizar em torno de exigências que visam atingir os resultados estabelecidos pelos

projetos / programas. Assim práticas de monitoramento do trabalho desenvolvido pelo

professorado, e o sentimento dos professores de obrigação de cumprir o proposto pelos

projetos/ programas inclusive as atividades sugeridas pelos mesmos, sinaliza para

movimento das interdependências entre gestão escolar e professores de tendências

contrárias à profissionalização na medida em que se demanda dos professores o

desenvolvimento de ações e práticas que visam atingir os objetivos dos projetos /

programas em curso nas escolas, ou seja, decisões e intervenções tanto da gestão quanto

de professores parece ser tomadas pautando-se nas demandas de resultados dos projetos/

programas e não das necessidades especificas aos processos de ensinar e aprender.

Dessa forma, os projetos e/ou programas adotados pela secretaria de educação

municipal emergem como elemento importante nas relações de interdependências

estabelecidas não só entre professorado e equipe gestora mas também para as

interdependências entre a secretaria de educação e os docentes, reafirmando a

importância de compreensão do processo de profissionalização docente considerando a

rede de interdependências que o grupo profissional se enreda.

No caso da escola pesquisada, vimos que “a adesão” aos projetos adotados pela

secretaria de educação é marcada pela utilização de táticas. Diante “dos pacotes

prontos” a gestora utiliza de uma tática “ meio termo” acata os projetos encaminhados

para a escola via Secretaria de Educação porém tenta junto aos professores fazer uma “

adaptação a realidade da escola” segundo a G1. Entendemos que o movimento da G1 e

G2 nesse sentido traz a tentativa de reconhecer a expertise e autonomia dos professores

para decidirem e encaminharem os processos de ensino e aprendizagem, embora na

prática sua intenção não se materializa pois os projetos acabam executados tal como

pensados.

O que também chama a atenção no processo de profissionalização docente é que

como os projetos e programas se constituem externamente à profissão, exercem pressão

sobre o grupo, via monitoramento, avaliações e diagnósticos, produção de material

didático e etc e podem acabar por fragilizar o processo de profissionalização do

professorado, pois este nem ao menos ocupa um lugar no processo decisório no qual se

define a adesão do estado, município ou escola a determinado programa. Recebem na

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3262ISSN 2177-336X

Page 32: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

32

escola “ tudo pronto” e o seu papel na maioria das vezes acaba se reduzindo a

operacionalizar uma proposta da qual não participou de sua concepção nem foi

consultado sobre a sua adesão a exemplo do programa de alfabetização Alfa e Beto

adotado por muitos municípios da região agreste apesar das críticas recebidas pelo

campo acadêmico quanto a sua validade e também por funcionar contrário à formação e

profissionalização docente.

A participação do professor na condução desses projetos acaba assumindo

papel de transmissão, de “tarefeiro”, e não de criação e autoria de suas atividades. Nessa

configuração a expertise pode ficar vulnerável e acabar enfraquecendo colocando o

professorado na direção contrária a sua profissionalização. Neste sentido, pensamos

que o comportamento das escolas em relação a esses programas pode indicar

desprofissionalização e precarização do trabalho docente já que um dos requerimentos à

profissionalização, segundo Freidson (2009) é a proteção da expertise, que neste caso se

torna vulnerável, uma vez que o professorado é afastado dos processos nos quais se

define e se pensa a profissão. Essa tarefa passa a ser atribuída aos especialistas “de fora”

da docência, àqueles que concebem os programas e projetos e que muitas vezes não são

portadores de um conhecimento especializado da profissão e/ou da realidade

educacional das redes de ensino ou das escolas.

Durante as observações foram recorrentes explicações para o baixo rendimento

escolar, que tinham como principal fio condutor do argumento a origem social e as

condições de vida dos estudantes e suas famílias. Sendo este, outro dado que assumiu

significado na discussão da profissionalidade e profissionalismo docente. Nesse aspecto,

pensamos que as ações de gestores e professores ao tratar de percursos de aprendizagem

marcados pelo insucesso, nem sempre recorrem à experiência profissional nem a uma

base de conhecimentos específicos da profissão na tentativa de entender os casos de

insucesso na aprendizagem dos estudantes. A G2, por exemplo, ao falar sobre a

aprendizagem dos alunos e sua relação com o trabalho escolar, afirmou: Porque existe o

problema do aluno que não quer mesmo. Tendo tudo isso[material], mas o aluno não

quer.

Nessa perspectiva de entendimento a responsabilidade é atribuída aos alunos

e suas condições de vida familiar, social e econômica. Explicação que desconsidera o

papel da escola e os conhecimentos profissionais acumulados e em sistematização pelo

professorado. Conhecimentos que consistem na expertise profissional, e que geralmente

são adquiridos durante a formação inicial, reafirmados/ reelaborados, ressignificados e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3263ISSN 2177-336X

Page 33: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

33

maturados durante a formação continuada e em serviço, e permitem as inferências

profissionais, ou seja, possibilita ao professor, se perguntar sobre o que e como fazer

seus alunos aprenderem, ou, o que e como manter seus alunos aprendendo, ou ainda, o

que fazer e como fazer para que eles aprendam mais, independentemente de sua

condição e origem social. Salientamos também que esse tipo de entendimento dos

professores sobre a trajetória escolar de seus alunos se distancia da compreensão da

educação como um direito de todos.

O planejamento do trabalho escolar emergiu dos dados como elemento

importante para entendimento das interdependências entre equipe gestora - coordenação

pedagógica – professoras, e professoras e seus pares por ser um espaço articulador das

ações que podem ser pensadas e executadas conjuntamente, estabelecendo as trocas

entre pares, no sentido da melhoria do ensino. A organização do tempo escolar da

maioria das escolas não inclui o planejamento como uma atividade de natureza

formativa e colaborativa, e por isso não formaliza em seu cotidiano o tempo para a

organização do planejamento. Mesmo os planejamentos de aula, na maioria das escolas,

não são realizados coletivamente, cada professor faz o seu, apenas trocam/ executam o

que foi planejado por outro professor, em sua aula, esvaziando de sentido uma atividade

docente que requer expertise. Diante de nossas observações pensamos que nesse sentido

há distanciamento da equipe gestora da importância do planejamento talvez pelas

exigências de resultados por parte da secretaria e do cumprimento do calendário escolar

o que aparentemente atribui um sentido técnico e burocrático ao planejamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIs

A gestão escolar tem recebido nas duas últimas décadas certa atenção e

investimento das políticas e pesquisas educacionais por sua importância na criação de

uma escola de qualidade. Durante o trabalho de campo, pudemos perceber a importância

das interdependências estabelecidas entre a equipe gestora e o professorado para o

processo de profissionalização e melhoria da qualidade da educação escolarizada na

medida em que professores e gestores sinalizam preocupação com a garantia do

processo de ensino e aprendizagem o que de forma geral pode indicar adesão à

docência.

O professorado e a Secretaria Municipal de Educação se constitui noutra figuração

formada pelos professores que se mostra importante para compreendermos o processo

de profissionalização do professorado. Uma breve análise dessa configuração provoca

mais do que esclarece questões, e merece ser mais aprofundada. Pensamos que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3264ISSN 2177-336X

Page 34: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

34

debruçar-se sobre essas interdependências pode melhor esclarecer as relações entre a

organização federativa e os processos de profissionalização docente já que compreender

uma profissão requer olha-la a partir e por dentro da sociedade na qual está inserida.

Importa assim considerar o trajeto da profissão docente tentando verificar quais

aspectos da sociedade em que se insere se encontram em relação com suas lutas por

reconhecimento e valorização; quais elementos pressionam o grupo no sentido de torná-

lo profissional ou quais atuam em sentido contrário. Essas são algumas questões

necessárias para o debate acerca do professorado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDONCLE, Raymond. Artisan moral ou professionnel? La place des valleurs dans

la conception de la fonction et de la formation des enseignants. Spirale. Revue de

Recherche en Éducation. n. 21, 1998, p. 25-34.

______. La professionnalisation des enseignants: analyses sociologiques anglaises ey

américaines. Revue Française de Pedagogie. n. 94, janvier-février-mars 1991, p. 73- 92.

BALL, Stephen J. Performatividade, privatização e o pós-Estado do Bem-Estar.

Educação e Sociedade. Campinas, v. 25, n. 89, set.-dez. 2004.

______. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa.

São Paulo, v. 35, n. 126, set.-dez. 2005.

______. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade.

Revista Portuguesa de Educação. Portugal: Universidade do Minho Braga, a. I, v. 15,

n. 2. p. 3-23.

CHAPOULIE, Jean-Michel. Sur l’analyse sociologique des groupes professsionnels.

Révue Française de Sociologie. a. XIV, 1973, p. 86-114.

DUBAR, Claude. TRIPIER, Pierre. Sociologie des professions. La 2. edition. Paris:

Armand Colin, 2005,

ELIAS, Norbert. Escritos e ensaios: estado, processo e opinião pública. vol .1, Rio de

Janeiro : Jorge Zahar Editora, 2006.

_____________. O processo civilizador: uma história dos costumes. vol. 1. Rio de

Janeiro : Jorge Zahar Editora, 1994.

_____________. Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70, 2005.

ENGUITA, Mariano. A ambiguidade da docência: entre o profissionalismo e a

proletarização. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 4: p. 41-61, 1991.

______. La condición del docente. Cap. 11. La escuela a examen: un análisis

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3265ISSN 2177-336X

Page 35: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

35

sociológico para educadores y otras personas interesadas. Madrid: Ediciones Pirámide,

1998. p. 183-198.

EVANGELISTA, Olinda; SHIROMA, Eneida Oto. Professor: protagonista e obstáculo

da reforma. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 33, n. 3, p. 531-541, set.-dez. 2007.

FREIDSON, Eliot. Profissão Médica: um estudo de sociologia do conhecimento

aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo:

Editora UNESP; Porto Alegre: Sindicato dos Médicos, 2009

GARCIA, Maria Manuela A.; ANADON, Simone Barreto. Reforma educacional,

intensificação e autointensificação do trabalho docente. Educação e Sociedade,

Campinas, v. 30, n. 106, p. 63-85, jan.-abr. 2009.

LESSARD, Claude. Évolution du métier d’enseignant et nouvelle regulation de

l’éducation. Recherche et Formation, n. 35, 2000. p. 91-116. Paris: Institute Nacional

de Recherche Pedagogiques

LINS, Carla Patrícia Acioli. "Professor não dá aula, professor desenvolve aula":

mudança nas atividades docentes e o processo de profissionalização - o caso de

professores do ensino médio. Recife: O autor, 2011. 296 p.. Tese (Doutorado) –

Orientador: Profa. Dra. Silke Weber. Universidade Federal de Pernambuco, CFCH.

Programa de Pós Graduação em Sociologia. Doutorado em Sociologia, 2011.

LÜDKE, Menga; BOING, Luiz Alberto. Caminhos da profissão e profissionalidade

docentes. Educação e Sociedade. V.25, n.89, Campinas, set./dez. 2004.

NÓVOA, Antônio. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da

profissão docente. Teoria e Educação, 4, 109 -139p., 1991.

NÓVOA, Antônio. Os professores e a sua formação. 2. ed. Afragide, Portugal:

Publicação Dom Quixote, 1992.

_______________. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à

pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, jan.-jun. 1999.

PERRUSI, Artur. Tiranias da identidade. 2008. Tese (Doutorado em Sociologia),

João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba, 2008

QUINTANEIRO, Tania. Processo civilizador, sociedade e individuo na teoria

sociológica de Norbert Elias. Belo Horizonte: Argumentum, 2010.

RUSSO, Miguel Henrique. Escola e paradigmas de gestão. Eccos Revista Científica,

UNINOV, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 25-42, 2006.

SHIROMA, Eneida Oto; EVANGELISTA, Olinda. A colonização da utopia nos

discursos sobre profissionalização docente. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 2, p.

525-545, jul.-dez. 2009.

SANTOS, Lucíola Licínio de C. P.. Formação de professores na cultura do

desempenho. Educação e Sociedade. V.25, n.89 Campinas, set./dez. 2004.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3266ISSN 2177-336X

Page 36: PENSAR A PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO DOCENTE E A INFÂNCIA A ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10923_38156.pdf · preocupação com a formação e a profissionalização

36

TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria

da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005

TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O ofício de professor. Petrópolis: Vozes,

2008.

VILLA, Fernando Gil. A crise do professorado. Campinas, SP: Papirus,1998.

WEBER, Silke. O professorado e o papel da educação na sociedade. Campinas, SP:

Papirus, 1996.

______________. Profissionalização docente e políticas públicas no Brasil. Educação e

Sociedade. V.24, n.85, Campinas, dez.2003.

WITTORSKI, Richard. La professionnalisation en questions. In: Questions de

recherches en éducacion: action et identité. Paris: L’Harmattan, INRP, 2001. p. 33-48

i Este artigo se constitui em recorte da pesquisa intitulada Profissionalização docente: interdependências

entre a gestão escolar e o professorado do ensino fundamental – o caso do município de Gravatá – PIBIC/

UFPE 2014-2015 que por sua vez é desdobramento de pesquisas desenvolvidas anteriormente sobre

processos de profissionalização docente. ii Sobre Paradigmas de Gestão conferir RUSSO (2004)

iii Estamos nos referindo a projetos / programas concebidos externamente à escola e que tem adesão das

secretarias de educação para serem desenvolvidos nas escolas da rede a exemplo do Projeto Mais

Educação e Alfa e Beto

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3267ISSN 2177-336X