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Percepção materna sobre atenção odontológica e fonoaudiológica na gravidez ORIGINAL | ORIGINAL RESUMO Objetivo: Conhecer a percepção das gestantes atendidas no Pré-Natal Obstétrico do Hospital Universitário de Santa Maria (RS) sobre a atenção odontológica e fonoaudiológica durante a gravidez. Método: Foram entrevistadas 75 gestantes por meio de questionário contendo perguntas relacionadas à saúde materna e do bebê. A análise foi de natureza descritiva. Resultados: Apenas 58,7% das gestantes frequentaram o consultório odontológico durante a gestação, embora todas as entrevistadas consideram importante cuidar da saúde bucal durante este período. A maioria das grávidas apresentou dúvidas sobre até que período o bebê deveria ser amamentado e qual o momento adequado para o desmame. A maioria (96,0%) informou que é necessário realizar a higiene bucal do recém-nascido, porém houve inúmeras dúvidas com relação ao modo de como fazê-la. Um número significativo de gestantes (77,0%) considerou prejudicial beijar o filho na boca assim como provar o leite e a comida. Sessenta e dois por cento tiveram controle da ingestão de açúcar durante o período gestacional e 92,0% das gestantes nunca ouviram falar do teste da orelhinha. Conclusão: Pôde-se observar que as gestantes detêm algum conhecimento sobre as questões abordadas, no entanto, alguns pontos precisam de maiores esclarecimentos, sobretudo em saúde, com enfoque odontológico e fonoaudiológico, propiciando uma atenção holística para o binômio mãe-bebê. Termos de indexação: cuidado pré-natal; gestantes; saúde bucal. ABSTRACT Objective: The objective of this study is to investigate how pregnant women seen at the Prenatal Obstetric Clinic of the University Hospital in Santa Maria perceive dental, speech and hearing care. Method: A questionnaire was administered to 75 pregnant women with questions related to mother and baby health. The analysis was of a descriptive nature. Results: Only 58.7% of the pregnant women saw a dentist on a regular basis during pregnancy, although all interviewees believed that oral care during this period was important. The majority of the pregnant women were uncertain about how long to breastfeed and when to wean. Most of them (96%) stated that oral hygiene of the newborn was necessary, but there were many doubts on how to do it. A significant number (77%) of pregnant women thought kissing the baby’s mouth or tasting his or her milk or other foods was harmful. More than half (62%) of the women controlled their sugar intake during pregnancy and 92% of them had never heard of the ear test. Conclusion: The results showed that pregnant women have some knowledge of the issues discussed; however, some points need clarification, especially health issues. There should be a focus on teeth, speech and hearing so as to provide a holistic care for the mother-child dyad. Indexing terms: pre-natal care; pregnant women; oral health. Maternal perception of dental, speech and hearing care during pregnancy Juliana Rodrigues PRAETZEL 1 Fabiana Vargas FERREIRA 1 Tathiane Larissa LENZI 1 Gliciana Piovesan de MELO 1 Luana Severo ALVES 1 RGO - Rev Gaúcha Odontol., Porto Alegre, v. 58, n. 2, p. 155-160, abr./jun. 2010 1 Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Estomatologia. Rua Floriano Peixoto, 1184, Centro, 97015-663, Santa Maria, RS, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: JR PRAETZEL. E-mail: <[email protected]>. INTRODUÇÃO A maternidade representa um momento único no ciclo vital feminino, no qual a mulher apresenta-se mais propensa e receptiva a novos conhecimentos e a mudar padrões, o que a torna uma formadora de opiniões e determina o seu papel preponderante no núcleo familiar em relação à saúde. Partindo do pressuposto que os hábitos apresentados pela mãe influenciam na geração dos hábitos de seus filhos, uma gestante informada e motivada sobre a sua saúde, geral e bucal, é o primeiro passo para uma população livre de doenças, tais como a cárie dentária e problemas periodontais. Portanto, essa paciente deveria ser priorizada nos programas de atenção e assistência à saúde bucal.

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Percepção materna sobre atenção odontológica e fonoaudiológica na gravidez

ORIGINAL | ORIGINAL

RESUMOObjetivo: Conhecer a percepção das gestantes atendidas no Pré-Natal Obstétrico do Hospital Universitário de Santa Maria (RS) sobre a atenção odontológica e fonoaudiológica durante a gravidez. Método: Foram entrevistadas 75 gestantes por meio de questionário contendo perguntas relacionadas à saúde materna e do bebê. A análise foi de natureza descritiva. Resultados: Apenas 58,7% das gestantes frequentaram o consultório odontológico durante a gestação, embora todas as entrevistadas consideram importante cuidar da saúde bucal durante este período. A maioria das grávidas apresentou dúvidas sobre até que período o bebê deveria ser amamentado e qual o momento adequado para o desmame. A maioria (96,0%) informou que é necessário realizar a higiene bucal do recém-nascido, porém houve inúmeras dúvidas com relação ao modo de como fazê-la. Um número significativo de gestantes (77,0%) considerou prejudicial beijar o filho na boca assim como provar o leite e a comida. Sessenta e dois por cento tiveram controle da ingestão de açúcar durante o período gestacional e 92,0% das gestantes nunca ouviram falar do teste da orelhinha. Conclusão: Pôde-se observar que as gestantes detêm algum conhecimento sobre as questões abordadas, no entanto, alguns pontos precisam de maiores esclarecimentos, sobretudo em saúde, com enfoque odontológico e fonoaudiológico, propiciando uma atenção holística para o binômio mãe-bebê.Termos de indexação: cuidado pré-natal; gestantes; saúde bucal.

ABSTRACTObjective: The objective of this study is to investigate how pregnant women seen at the Prenatal Obstetric Clinic of the University Hospital in Santa Maria perceive dental, speech and hearing care. Method: A questionnaire was administered to 75 pregnant women with questions related to mother and baby health. The analysis was of a descriptive nature. Results: Only 58.7% of the pregnant women saw a dentist on a regular basis during pregnancy, although all interviewees believed that oral care during this period was important. The majority of the pregnant women were uncertain about how long to breastfeed and when to wean. Most of them (96%) stated that oral hygiene of the newborn was necessary, but there were many doubts on how to do it. A significant number (77%) of pregnant women thought kissing the baby’s mouth or tasting his or her milk or other foods was harmful. More than half (62%) of the women controlled their sugar intake during pregnancy and 92% of them had never heard of the ear test. Conclusion: The results showed that pregnant women have some knowledge of the issues discussed; however, some points need clarification, especially health issues. There should be a focus on teeth, speech and hearing so as to provide a holistic care for the mother-child dyad. Indexing terms: pre-natal care; pregnant women; oral health.

Maternal perception of dental, speech and hearing care during pregnancy

Juliana Rodrigues PRAETZEL1

Fabiana Vargas FERREIRA1

Tathiane Larissa LENZI1

Gliciana Piovesan de MELO1

Luana Severo ALVES1

RGO - Rev Gaúcha Odontol., Porto Alegre, v. 58, n. 2, p. 155-160, abr./jun. 2010

1 Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Estomatologia. Rua Floriano Peixoto, 1184, Centro, 97015-663, Santa Maria, RS, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: JR PRAETZEL. E-mail: <[email protected]>.

INTRODUÇÃO

Amaternidaderepresentaummomentoúniconociclovital feminino,noqual amulher apresenta-semaispropensaereceptivaanovosconhecimentoseamudarpadrões,oquea tornaumaformadoradeopiniõesedeterminaoseupapelpreponderantenonúcleofamiliaremrelaçãoàsaúde.

Partindo do pressuposto que os hábitosapresentadospelamãe influenciamnageraçãodoshábitosde seus filhos, uma gestante informada e motivada sobrea sua saúde, geral e bucal, é o primeiro passo para umapopulação livre de doenças, tais como a cárie dentária eproblemasperiodontais.Portanto,essapacientedeveriaserpriorizadanosprogramasdeatençãoe assistência à saúdebucal.

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Elas responderam um questionário pré-avaliado em estudopiloto realizado com o objetivo de adequar a linguagemepossibilitar a aplicaçãodomesmo.No total, 75 gestantesparticiparamdoestudoparaavaliarasuapercepçãosobreasaúdeatençãoodontológicaefonoaudiológica,pormeiodeperguntastematizandoainter-relaçãoentreessasduasáreas(amamentação,usodachupeta,testedaorelhinha,etc.).

Os dados foram armazenados embancode dadosno programa MicrosoftExcel2003 e posteriormente analisados utilizando o software Statistical Package of the Social Science (SPSS), sendoapresentadosporanálisedescritiva.SeguindoospreceitosdaBioética,oestudofoiaprovadopeloComitêdeÉticaemPesquisadaUniversidadeFederaldeSantaMaria(RS),soboprotocolo0011.0.246.000-0/2005.

RESULTADOS

A amostra de conveniência foi constituída porgestantesatendidasempré-natalobstétricodasquaissomente30 (43%) compareceram ao consultório dentário durante operíodogestacional.

Em relação à importância atribuída à amamentação,todas as gestantes afirmaram que a prática do aleitamentomaternoéimportante.Oleitematernoéoalimentoespecíficoeessencialparaocrescimentoedesenvolvimentoadequados,fornecendo efeitos a longo prazo para a criança2-4. Dentreosmotivosmencionados, os consideradosmais importantesforam: o leite materno que protege o bebê contra doenças(n=58),aprópriamãeofereceomelhoralimentoparaobebê(n=45),aamamentaçãoauxilianocrescimentodobebê(n=42)e aproxima a mãe do filho (n=33). O motivo consideradomenosimportantepelasgrávidasfoiofatodeoleitematernoser um alimento mais econômico, referido por apenas seis delas.Outrosmotivostambémrelacionadosforamatransferênciadaimunidadeemaissaúdeparaobebê(Figura1).

Quando questionadas sobre até quando o bebêdeveráseramamentado,80%dasgestantesrelataramqueoperíodoidealéigualoumaiorqueseismesesesomente20%delasrelataramperíodoinferioraoideal.

Asgestantes (n=15) acreditamque apapinhadevaser introduzida na alimentação da criança aos 6 meses deidade(Figura2).

Todasasgestantesafirmamqueexisterelaçãoentreasuaalimentaçãoduranteagravidezeodesenvolvimentodobebê,sendoqueaproximadamente63%dasgestantes(n=47)responderam que têm controle sobre a ingestão de açúcarartificialduranteagravidezenquantoqueaproximadamente38%(n=28)nãoapresentamestetipodeatenção(Quadro1).

Quandoperguntadoseasgestanteseramafavordouso da chupeta, aproximadamente (47%) responderam quesim,enquanto53%responderamsercontráriasaoseuuso.A

Programas odontológicos e fonoaudiológicos voltadosaobebêvisamdespertaraconsciênciadepaise/ouresponsáveissobreosfatoresnocivoseprejudiciaisaosseusfilhosdesdeonascimento,deformaquetodososcuidadosnecessáriosparafavorecerasboascondiçõesdesaúdepossamseraprendidosparaseremcolocadosemprática.Destaforma,emconsonânciacomKonishi&Konish1aoafirmaremque,emnenhumoutroperíododavida,ospaisestarãoabertosainformaçõescomonoperíodopré-natal.

Aatençãoeaassistência integralàgestanteunemáreasafins(OdontologiaeFonoaudiologia)porserelacionaremaummesmosistemamastigatórioouestomatognático(SEG).O sistema mastigatório ou estomatognático é responsável pelodesempenho de inúmeras funções vitais do homem, comorespiração, deglutição, sucção, mastigação, fonação, paladareexpressãofacial.Sabe-sequedesviosnospadrõesnormaisde origem muscular, dentária ou respiratória, entre outras,poderãogeraralteraçõesnocrescimentofacialeinterferirnocorreto estabelecimento e desenvolvimento destas funçõesnobebêqueestáporvir.

Orientar a gestante é fundamental para preveniralterações nocivas ao sistema mastigatório ou estomatog-nático,porexemplo,oestabelecimentoprecocedoaleitamen-to artificial, que causará umpadrão incorretoda respiraçãoedeglutição,eestas funçõesalteradas, aumaatresiamaxilar, com ousemcomprometimentodamordida,quepoderácruzarnaregiãoposterior,ouseja,consequênciasquesesobrepõem.Outro aspecto a se considerar sobre a orientação é o fatodepodercontribuirparaonãodesenvolvimentodehábitosbucaisdeletérios(sucçãodechupetae/oudedo)evitandoassequelasestruturaisefoniátricasquepoderágeraraosistemamastigatórioouestomatognático.Oseventossurgemcomoconsequências uns dos outros, sendo impossível separarestasduas áreasda saúde intimamente relacionadas e inter-dependentes.

Apartirdoexposto,esteestudosepropôsaanalisarapercepçãodasgestantesatendidasnoPré-NatalObstétricodoHospitalUniversitáriodeSantaMaria(RS)sobreaatençãoodontológica e fonoaudiológica durante a gravidez, umavezqueénesteperíodoemqueamulherencontra-semaisreceptivaàadoçãodehábitossaudáveis.

MÉTODOS

Esteestudofoi realizadonoHospitalUniversitáriode SantaMaria (RS), envolvendo gestantes, durante o pré- -natalobstétrico,independentementedoperíodogestacional,donúmerodegestaçõesedafaixaetária.Antesdarealizaçãoda pesquisa, todas as gestantes tiveram esclarecimentos einformaçõesarespeitodotrabalhoe,aquelasqueparticipa-ram,assinaramo termodeconsentimento livreeesclarecido.

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Percepção materna sobre atenção

principaljustificativarelatadapelasmãesfavoráveisaousofoiofatodequeamesmaacalmaobebê.Àquelasquesãocontrajustificam argumentando que amesma poderá prejudicar aformaçãodaarcadadentária(Quadro1).

A respeito da transmissibilidade de micro- -organismosdamãeparaorecém-nascido,foramrealizadasduas perguntas. A primeira delas questionou se a gestante achava prejudicial beijar o bebê na boca. A maioria delas(77%)acreditamserprejudicial,enquanto23%nãoacreditamtrazerprejuízos.Quandofoiquestionadoseprovaroleiteeacomidadobebêpodetrazeralgumprejuízoaomesmo,40responderamque sim,34 responderamquenãoeumanãorespondeu (Quadro 1).

A maioria das gestantes (94%) consideramimportanteconversarcomobebêe92%delasdesconheciamo teste da orelhinha (Quadro 1).

Amaioriadasfuturasmãesafirmaramquedeveserealizarahigienedabocadorecém-nascido(96%),enquantoapenas 4% acreditam que não seja necessário realizá-la(Figura3).

Figura 1.Motivorelatadopelasgestantesparaapráticadoaleitamentomaterno.

Figura 2.Períodododesmameconformeasgestantesdoestudo(n=75).

Figura 3.Formasdelimpezadacavidadebucalconformerelatodasgestantes do estudo (n = 75).

Quadro 1. Relato das gestantes em relação à saúde bucal (fonoaudiologia e odontologia).

DISCUSSÃO

Aatençãoeassistênciaàgestante,sobretudonaáreaodontológica, ainda representa um desafio, uma vez que operíododematernidadeestáassociadoacrençasemitosnãojustificadosnãosóporpartedasgestantes,mastambémdecirurgiões-dentistas e issopode explicar o índicede apenas(41,33%) das mesmas de comparecerem ao consultóriodentário. Por isso, deve-se orientar o binômio paciente- -profissionalsobreaimportânciadaatençãoàsaúdebucaldamãe,duranteopré-natalobstétricoparaaaquisiçãodehábitossaudáveis.Somadoaisso,convémsalientarqueapresençade

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odontológos e fonoaudiólogos são inexistentes no pré-natal,fazendo com que não haja uma melhor compreensão doprocessosaúde-doença,bemcomonãopossibilitaumavisãomaisampladaatuaçãodeoutrosprofissionaisdaárea;alémdenãoofereceràgestanteeaofuturobebêcondiçõesplenasdeatençãoeassistência.

Considerando-sequeoobstetraéoprimeiroprofis-sional da saúde a entrar em contato com amulher grávida para orientá-laemonitorá-laduranteagestação,cabeaeleopapeldeencaminhá-laaosdemaisprofissionais,paraqueopré-natalsejaomaiscompletopossívelematençãoeassistênciaàsaúde.FatosqueseassociamaoestudodesenvolvidoporMaeda et al.2, no qual obtiveram que apenas 35,14% dosmédicosginecologistas-obstetrasrecomendavam“sempre”avisitaaocirurgião-dentistae issogera, inevitavelmente,umapopulação de gestantes bemmenos assistidas, alémde nãohaverocumprimentodopapelpromotordesaúdeporpartedoprofissionalqueprimeiroentraemcontatocomagestante.

Emrelaçãoàimportânciaatribuídaàamamentação,todas as gestantes afirmaram que a prática do aleitamentomaternoéimportante.Oleitematernoéoalimentoespecíficopara crianças, é essencial para o crescimento e desenvolvi-mentoadequados,fornecendoefeitosalongoprazo3-4.

As vantagens do aleitamento materno incluem:praticidade, economia, maior facilidade de absorção pelotrato digestivo,menor ocorrência de alergias nutricionais,favorecimento do sistema imunológico, desenvolvimentocognitivo e emocional mais favorável, estabelecimentodarelaçãoafetivaentremãeefilhoeêxtaseoral5-12.Alémdisso,aamamentação,sobopontodevistaodontológico,promove o correto desenvolvimento das estruturas dosistemamastigatórioou estomatognático, pois ao sugaropeito, a criança estabeleceopadrãocorretode respiraçãonasal e deglutição, dando condições favoráveis para quehaja harmonia facial, muscular e esquelética4-8. Assim, acriançaquesugaopeitodamãemantémoslábiosfechados,posiciona corretamente a língua, desenvolve corretasfunçõesbucaiseestabeleceopadrãofisiológicoefavorávelderespiração,aocontráriodoqueacontececomousodamamadeira5. Assim como a prática e o tempo adequadode aleitamento materno propicia menores probabilidades paraodesenvolvimentodehábitosbucaisdeletérios,comosucção sem fins nutritivos (chupeta, dedo), onicofagia erespiração bucal9-11.

Quandoquestionadassobreatéquandoobebêdeveseramamentado,amaioriadasgestantesafirmaqueoperíodoidealéigualousuperioraseismeses(80%).AOrganizaçãoMundial da Saúde (OMS) recomenda que o aleitamentomaterno exclusivo desde o nascimento até os quatro-seismesesdeidadeeoaleitamentomaternocomplementadoatéos dois anos ou mais12.No entanto,Ragazzi13 sugere que a partirdeumanodevida,deve-seiniciarautilizaçãogradualdecopo (para líquidos),bemcomoacolherparaalimentos

sólidos, estimulando, assim, as estruturas bucofaciais, comrepercussões benéficas para a linguagem, para a erupçãodentáriaeparaaopadrãorespiratório.Deve-serecomendarque o processo de desmame seja realizado gradativamente,deacordocomamaturidadeemocionalehabilidadefísicadecada criança.

Asgestantes (n=15) acreditamque apapinhadeva ser introduzida na alimentação da criança até os 6 mesesde idade (Figura 2). Contrapondo-se ao seu papel único eexclusivoatéosextomêsdevida,apartirdaí,oleitematernotorna-se insuficiente para suprir a demanda nutricional doorganismodobebê,necessitandosercomplementadopelosalimentos que contenham vitaminas D e K para evitar adeficiênciadeferro8.

Todasasgestantesafirmaramqueexisterelaçãoentreasuaalimentaçãoduranteagravidezeodesenvolvimentodobebê,sendoqueaproximadamente63%dasgestantes(n=47)responderam que têm controle sobre a ingestão de açúcarartificialduranteagravidez,enquantoque38%(n=28)nãoapresentaram este tipo de atenção (Quadro 1). O consumo de açúcar artificial em excesso é prejudicial para a saúdegeraldamãe,sendoumadasprincipaiscausasdeobesidadee constipação intestinal, também é nocivo à saúde oral damesma, visto que, a sacarose é o substrato indispensávelparaaproduçãodeácidospelafloracariogênica.Alémdeserimportanteparaasaúdedagestanteedofeto,obaixoconsumodeaçúcarduranteagestaçãotambémpossuiconsequênciasnavidapós-natal,pois interferenaformaçãodopaladardoneonato.O desenvolvimento das papilas gustativas do fetocomeçaa se instalarporvoltadadécimaquarta semana.Obebêficaemcontatogustativocomolíquidoaminiótico.

Aalimentaçãodagrávidamodificaaqualidadedolíquidoparamaisoumenosdoce.Obebêpodeseacostumarcomaaltataxadeglicosedosanguedamãeequandonascejápodeteropaladarcompreferênciapeloaçúcar1. Um estudo realizadoembebêsrecém-nascidos,queforamtestadoscomdiferentesestímulosgustatórios,namodalidadedoce,amargo,salgadoeazedo,demonstrouqueoaparelhogusto-sensorialdo recém-nascido já é bastante aguçado e que neonatossão capazes de discriminar sabores14.O açúcar natural dosalimentos é suficiente para suprir as necessidades da mãeedo feto e assegurarodesenvolvimento integral dobebê1. Sendoadietaumadasúnicasvariáveisdaetiologiadacáriedentária que o indivíduo pode modificar15, é convenienteque o consumo de açúcar, notadamente o artificial, sejacontrolado e supervisionado durante a gestação. Assim,poder-se-aminimizar as chances do recém-nascido possuirumapredisposiçãogenéticaaterseupaladarmaisávidopordoces,oquefuturamentepoderáserumfatorderiscoparaodesenvolvimentodelesõesdecárie16.

Paraqueacompletaformaçãodasdentiçõesdecíduaepermanente,queseiniciam,respectivamente,na6ªsemanade vida embrinária17 e 5ºmês de vida intra-uterina1, ocorra

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demaneiracorreta,éindispensávelqueagestanteadoteumadietaadequada.Adietadeveráserricaemcálcio,essencialparaamineralizaçãodasestruturascalcificadasdobebê.Ressalta- -sequeocálcioésupridopelaalimentaçãoepelasreservasdamãe,enãopelos seusdentes,desmistificandoa ideiadequeosdentesda gestante enfraquecemdurante a gravidez.Porém,foiobservadoqueoefeitodadeficiênciadavitaminaDnometabolismodocálcioduranteagestação induzumahipocalcemiaseveradevidoàabsorçãointestinalreduzidadocálcioedaelevadademandafetalparaocálcio18,oquevematestaraimportânciadaorientaçãodietéticadagestante.

Os fonoaudiólogos e odontólogos recomendam a remoçãodoshábitos de sucçãonão-nutritivapor volta dosdois anos emeio de idade, sobretudo para a prevenção dadeglutiçãoatípica,dedislaliasedemás-oclusões3.

Em poucas horas após o nascimento a cavidadebucaldobebêé infectadapelamicrobiotadaspessoasmaispróximas, porém a contaminação por micro-organismoscariogênicos, como o Streptococos mutans, só será detectadaapós a erupção dos primeiros dentes decíduos. Pareceexistircorrelaçãoentreacolonizaçãoprecocepormutans e a experiênciadecáriedoindivíduo19-22.

Napresentepesquisa,amaioriadasgestantes(94%)considera importanteconversarcomobebê.Basicamente,aprimeiracomunicaçãodacriançacomamãeéfeitaporgestos,olhares, toquessuavesesensaçãodeodorecalor.Noiníciododesenvolvimentolinguístico,acriançarecebeossonsquevêmdoexterior,assimcomoincorporaossonsqueelamesmaexprime.Alinguageméumatroca:receberimpulsoseenviarmensagens23. O hábito de a gestante conversar com o neonatodesde o início da gravidez, torna-se importante para estabelecero elo entre mãe e filho e estimular o desenvolvimento dalinguagem e da comunicação (Quadro 1).

Emrelaçãoàquestãosobreotestedaorelhinha,92%dasgestantesodesconheciameapenas8%sim(Quadro1).Aaudiçãoéachaveparaalinguagemoraleumaformadesentiromundo.Pode-seperceberque semela,o indivíduoperdepartedomundoreal,passandoa terproblemasemocionaisesociais.Qualquersujeitoquenãoéexpostoàestimulaçãode linguagem nos primeiros anos de vida apresentará umadefasagem em seu desenvolvimento linguístico23. Logoque o bebê nasce, é recomendada a realização da TriagemAuditiva Neonatal (teste da orelhinha). Os primeiros anosdevida têmsidoconsideradoscomooperíodocríticoparaodesenvolvimentodashabilidadesauditivasedelinguagem.Esseéoperíododemaiorplasticidadeneuronaldaviaauditiva.Nesseperíodo,o sistemanervosoauditivocentralpode sermodificado de maneira positiva ou negativa, dependendodaquantidadeequalidadedosestímulosexternoscaptados.Alémdisso,operíododerecepçãodossímboloslinguísticosauditivoséumpré-requisitoparaaformulaçãodaexpressãoverbal. O diagnóstico audiológico realizado durante oprimeiroanodevidapossibilita a intervençãomédicae/ou

fonoaudiológica,aindanesseperíodocrítico,permitindoumprognósticomais favorável em relação ao desenvolvimentoglobal da criança23.

Nestapesquisa,amaioriadasfuturasmãesafirmouquedeveserealizarahigienebucaldorecém-nascido(96%),enquanto apenas 4% acreditam que não seja necessáriorealizá-la.Orienta-sequealimpezadabocadobebêdeveserfeitaantesmesmodairrupçãodosdentes,utilizando-segazeou fralda umedecida em água fervida e, quando nasceremosprimeirosdentes, convenciona-seautilizaçãodeescovasdentais compatíveis com o tamanho da cavidade bucal dobebê,cerdasmaciasesemusodedentifrícios.Essaconcepçãoéumarealidadedentrodogrupopesquisado,vistoque96%das gestantes irão praticar alguma forma de higiene bucal em seu bebê. Às gestantes que responderam afirmativamente, foiquestionadodequeformairiamhigienizaracavidadebucaldobebê.Sessentaetrêsporcentonãosouberamexplicar,12%utilizaráfralda,9%farácomgaze,7%farácomalgodão,4%comcotonete,1%combicarbonatoe4%nãoresponderam(Figura 3). A realização da higiene bucal no bebê tem porfinalidadearetiradaderestosalimentareseamanutençãodasaúdedacavidadebucaledosdenteshígidos3,15,24.

Aescovaçãodeveserintroduzidanarotinadobebêassimqueosprimeirosdentesdecíduosirrompemnacavidadebucal, com o objetivo de evitar a formação do biofilmedentário,fatorquepossibilitaodesenvolvimentodelesõesdecárie,quandoassociadosaosoutrosfatoresetiológicos.Sabe- -sequeatéaerupçãodosprimeirosdentes,amicrobiotadacavidadebucalétransitória,umavezquenãopossuisubstratosólidoparaseagregar.Quandoosdentesdecíduosirrompem,ela se modifica, mostrando-se mais madura e organizada,poisnessa situação jápossui as estruturasdentáriaspara sefixar. Esta evolução da microbiota justifica a necessidadedeescovaçãodosdentesdecíduos,apesardatenraidadedobebê3,15,22.

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados obtidos, pôde-severificar que as gestantes apresentam um conhecimentoadequadoquantoaoscuidadosehábitosrelacionadosàsaúdebucal,noentanto,algumasatitudesdevemsermodificadasemelhor esclarecidas.

Emvirtudedessequadro,enfatiza-seaimportânciadarealizaçãodeumpré-natalobstétricocomaparticipaçãodos profissionais da área odontológica e fonoaudiológica,uma vez que os eventos em saúde bucal relacionados aessas duas áreas estão inter-relacionados exigindo umaatuação transdisciplinar, para acompanhar o crescimento eodesenvolvimento,tantodamãequantodobebê,buscandoumamelhorqualidadedevidaparaambos.

Percepção materna sobre atenção

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Recebidoem:23/12/2008Versãofinalreapresentadaem:30/3/2009

Aprovadoem:13/7/2009

Agradecimentos

À Profa. Rachel Rocha pela análise estatística doestudo e também as fonoaudiólogas Clarissa Flores deOliveiraeJulianaCunhadaCostapelosuporteeorientaçãofonoaudiólogica durante a aplicação do trabalho

Colaboradores

JRPRAETZELfoiresponsávelpelaideiacentraldoartigoeorientoutodasasetapassubsequentes.FVARGAS-FERREIRA, TL LENZI,GPMELO e LSALVES foramresponsáveispelarevisãodeliteraturaepelaredaçãodoartigo.

JR PRAETZEL et al.

RGO - Rev Gaúcha Odontol., Porto Alegre, v. 58, n. 2, p. 155-160, abr./jun. 2010