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ISSN 2359-053x R$ 15 ANO 4 - NÚMERO 46 - AGOSTO 2018 SOCIOAMBIENTAL p. 33 p. 46 p. 42 MEIO AMBIENTE S.O.S. Xingu: em seis meses, 100 milhões de árvores derrubadas ECOTURISMO Piscinas verdes no Vale da Lua PERFIL Antenor Pinheiro, Cidadão do Mundo p. 08 A MORTE SILENCIOSA DOS RIOS DO CERRADO

PERFIL - Xapuri Socioambiental · 12. Trajano Jardim – Jornalista Xapuri Socioambiental Telefone: (61) 9 9967 7943. ... Um bom começo é conferir se os comitês de bacia da sua

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ISSN 2359-053x

R$

15

ANO 4 - NÚMERO 46 - AGOSTO 2018

SOCIOAMBIENTAL

p. 33

p. 46

p. 42

MEIO AMBIENTE S.O.S. Xingu: em seis meses, 100 milhões de árvores derrubadas

ECOTURISMOPiscinas verdes no Vale da Lua

PERFILAntenor Pinheiro, Cidadão do Mundo

p. 08

A MORTE SILENCIOSA DOS RIOS DO CERRADO

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TODOS

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Campanha NACIONALdos BANCÁRIOs 2018www.fenae.org.br/campanhasalarial2018

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COLABORADORES/COLABORADORAS AGOSTO

EXPEDIENTE

CONSELHO EDITORIAL1. Jaime Sautchuk – Jornalista2. Zezé Weiss – Jornalista3. Altair Sales Barbosa – Arqueólogo4. Ângela Mendes – Ambientalista5. Antenor Pinheiro – Jornalista 6. Elson Martins – Jornalista

7. Emir Sader – Sociólogo8. Graça Fleury – Educadora9. Jacy Afonso – Sindicalista10. Jair Pedro Ferreira – Sindicalista11. Iêda Vilas-Bôas – Escritora12. Trajano Jardim – Jornalista

Xapuri Socioambiental Telefone: (61) 9 9967 7943. E-mail: [email protected]. Razão Social: Xapuri Socioambiental Comunicação e Projetos Ltda. CNPJ: 10.417.786\0001-09. Endereço: BR 020 KM 09 – Setor Village – Caixa Postal 59 – CEP: 73.801-970 – Formosa, Goiás. Atendimento: Geovana Vilas Bôas (61) 9 9884 4810. Edição: Zezé Weiss, Jaime Sautchuk (61) 98135-6822. Revisão: Lúcia Resende. Produção: Zezé Weiss. Jornalista Responsável: Thais Maria Pires - 386/ GO. Menor Aprendiz: Ana Beatriz Fonseca Martins. Mídias Sociais: Eduardo Pereira. Logística: Calleb Reis. Tiragem: 5.000 exemplares. Circulação: Revista Impressa - Todos os estados da Federação. Revista Web: www.xapuri.info. Distribuição – Revista Impressa: Todos os estados da Federação. ISSN 2359-053x.

Altair Sales Barbosa – Arqueólogo. Bia de Lima – Educadora. Clarice Lispector – Escritora (in memoriam). Christiaan Oyens – Compositor. Eduardo Pereira – Sociólogo. Emir Sader – Sociólogo. Henda – Escritora. Iêda Leal - Educadora. Isabel Harari – Jornalista. Jaime Sautchuk – Jornalista. Joseph S. Weiss – Economista. Leonardo Boff – Escritor. Lúcia Resende – Educadora. Valério Fabris – Escritor. Zélia Duncan – Compositora. Zezé Weiss – Jornalista.

O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.

Ariano Suassuna

uem dera nossos rios fossem perenes, abençoados com a vida eterna. Mas, infelizmente, não são. Quem dera os humanos que vivem ao redor deles, usando e abusando de suas águas, tivessem consciência disso. Mas, infelizmente, não têm.

Um processo acelerado está em andamento, fazendo antever um futuro dramático, desolador. A começar pelo Cerrado, tão pródigo em nascentes num passado recente, mas hoje palco de um triste cenário. Ali, a morte dos cursos d’água pode ser vista a olhos nus e sentida na própria pele. É consequência do desmatamento que dá lugar a uma agricultura predatória, afetando em primeiro lugar os mais fracos. É o lucro acima da vida.

Este é o tema de capa desta edição de Xapuri. Pode parecer uma forma um tanto catastrófica de encarrar o assunto, mas é apenas um canto de alerta, que traz ao nosso público estudos de profundidade, esclarecedores. Sinistra é a realidade.

É, ao mesmo tempo, uma exortação ao engajamento de todos e todas em ações em defesa das águas correntes. Nas cidades ou no campo, com certeza haverá por perto algum córrego precisando de sua ajuda. Um bom começo é conferir se os comitês de bacia da sua região existem e se funcionam e, em caso positivo, garantir que cuidem também das nascentes, não apenas dos rios já formados, como tem ocorrido.

Contudo, nas páginas que passamos a folhear encontraremos muitos outros assuntos e fatos que encantam o viver. Entre tantos, destacamos a aparente tristeza dos tuiuiús, a exemplar atividade ecológica de um colégio público de Brasília e os motivos de reflexão no Dia Internacional dos Povos Indígenas. Ah, sim, e a receita de um bom e verdadeiro curau, presença histórica na mesa brasileira.

Vale a pena conferir.

Boa leitura!

Zezé Weiss e Jaime Sautchuk

Editores

EDITORIAL

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Poderá a França, campeã mundial defutebol com uma seleção multiétnica,contribuir para um mundo menosracista?

Antenor Pinheiro, Cidadão do Mundo

O eclipse da ética na atualidade

Juscelino Kubitschek

Uma TEIA sustentável de ecologia e cidadania. Nos jardins do Gisno, colégio da Asa Norte de Brasília

Tatu-bola: o menor tatu do Brasil

A lenda dos Tuiuiús

O curry, tempero indiano, pode reduzir doses de quimioterapia

As virtudes das flores

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SUSTENTABILIDADE

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ECOLOGIA

BIODIVERSIDADE

MITOS E LENDAS

MISSÃO ANTICÂNCER

TERAPIA FLORAL

Em 3 meses, um novo presidente;Em 6, um novo governo progressita

CONJUNTURA

CONSCIÊNCIA NEGRA

Conviver faz bem à saúde

Xapuri – Palavra herdada do extinto povo indígena Chapurys, que habitou as terras banhadas pelo Rio Acre, na região onde hoje se encontra o município acreano de Xapuri. Significa: “Rio antes”, ou o que vem antes, o princípio das coisas.

Boas-Vindas!

A morte silenciosa dos rios do Cerrado

CAPA

25 de julho:Dia Internacional das Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas

MEIO AMBIENTES.O.S. Xingu: em seis meses, 100 milhões de árvores derrubadas

Muito criativa e com ótimas matérias, adoro a Xapuri!Diana Bresolin – Brasília – Distrito Federal.

Todo mês vejo conteúdo interessantíssimo nessa revista, temas que não encontro em nenhum outro lugar. Recomendo.

Fabrício Gonzaga – Natal – Rio Grande no Norte.

Estou adorando as matérias de Saúde! Continuem assim!Sílvia Carvalho – São Paulo – São Paulo.

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CAPA CAPA

De maneira geral ou bem es-pecífica, como é o caso dos cursos d’água do oeste da Bahia, sul do Piauí, noroeste do Tocantins, Ma-ranhão e norte de Minas, as águas do Cerrado padecem de um mal semelhante à diabetes escondi-da ou disfarçada que, quando se manifesta, dificilmente o portador escapa dela com vida.

No caso da diabetes, a doen-ça vai minando paulatinamente alguns órgãos vitais, terminando com a falência deles. A amputa-ção de membros é apenas uma das manifestações, mas a doença ataca os rins, o coração e o siste-ma nervoso.

A diabetes pode ser considera-da uma doença crônica que tem como causa a falta de produção de insulina no organismo, que é um hormônio controlador da gli-cose nas correntes sanguíneas.

Numa comparação rudimentar

entre a diabetes e os rios do Cer-rado, a insulina que mantém o equilíbrio dos rios tem origem nos lençóis subterrâneos, que são fon-tes de águas armazenadas nas rochas porosas sedimentares.

Ela, que ao longo de milhões de anos foi sendo depositada na re-gião, como é o caso do arenito Uru-cuia, em Minas, oeste da Bahia, noroeste do Tocantins e o arenito Poty, do sul do Piauí e Maranhão. Quando a fonte de insulina é insu-ficiente, os cursos d’água superfi-ciais entram em desequilíbrio, que se manifesta de diversas formas.

O desequilíbrio altera a dinâmi-ca do rio, como se tivesse afetado o seu sistema nervoso, aumenta a turbidez da água, como se seus rins deixassem de funcionar, além do que o veneno utilizado fica no solo e, quando carreado para o leito do rio, afeta seu sistema vi-tal, fazendo desaparecer grande

parte de sua fauna. A ausência de água nos lençóis

subterrâneos provoca a amputa-ção de vários membros integran-tes da bacia. Essa amputação inicia com a migração das nas-centes até o desaparecimento to-tal de muitos cursos d’água. Esse é o início do fim e se conclui com a morte do rio e todo o seu entorno, incluindo a desestruturação de comunidades humanas, através da desterritorialização.

Nunca compreendi a atitude de certos funcionários públicos, que se valendo de imagens de satélite argumentam que 40% ou 50% do Cerrado ainda estão preservados.

A imagem de satélite, para essa finalidade, mostra apenas o dos-sel da vegetação arbórea restan-te, não mostra a vegetação que constitui os estratos inferiores do Cerrado, incluindo a vegetação rasteira, constituída basicamente

A MORTE SILENCIOSA DOS RIOS DO CERRADO

Altair Sales Barbosa

por gramíneas, com uma gran-de variedade de capins nativos e bambuzinhos, que na realidade exercem uma função ecológica vital para o bioma, pois é o tipo de vegetação que retém as águas das chuvas que lentamente vão abastecer os lençóis subterrâneos e formar os aquíferos – a insulina dos rios.

Fico a indagar: a quem interes-sa esse tipo de informação descal-çada de uma visão sistêmica do Cerrado? Será que é usada para justificar mais ocupações intensi-vas ou reflete simplesmente falta de conhecimento?

Não entendo, também, ou tal-vez não queira entender, a visão obtusa de certos profissionais li-berais, funcionários públicos ou free-lancers contratados para fa-larem que a vazão dos rios tenha diminuído em função de mudan-ças climáticas.

Ora, todos nós que estudamos o rol das ciências da evolução, incluindo estratigrafia, climato-logia, sedimentologia, sabemos que mudanças climáticas não ocorrem bruscamente, deman-dam centenas, às vezes milhares de anos para um novo padrão se estabelecer.

O que pode acontecer é um pe-ríodo de estiagem mais prolon-gado, em decorrência de fatores naturais, tais como circulação marinha, que afeta a circula-ção atmosférica, resfriamento ou aquecimento das águas oceâni-cas, ação dos ventos solares, ou mesmo das correntes de convec-ção existentes no Manto da Ter-ra. Porém, são fatores isolados e isoladamente não estabelecem padrões, a não ser que pendurem por um longuíssimo tempo.

Estudos de estratigrafia e sedi-mentologia, apoiados em diver-sas datações radiométricas, têm demonstrado que o padrão climá-tico, com uma estação seca e ou-tra chuvosa, opera nos chapadões centrais da América do Sul, área

ocupada por Cerrado desde pelo menos há 45 milhões de anos.

Do final do Pleistoceno e início do Holoceno, quando populações humanas já ocupavam as grutas e cavernas existentes no Cerrado, a estratigrafia mostra de forma clara essa oscilação, sendo a es-tação chuvosa demonstrada por camadas claras e a estação seca explicitada por sedimentos escu-ros. Esse padrão é tão evidente que não deixa dúvidas quanto à sua existência pretérita.

Portanto, o discurso da dimi-nuição da vazão dos rios, associa-do a mudanças climáticas, não passa de uma falácia.

Não é preciso ser especialista para enxergar o prejuízo irreversí-vel causado nas áreas do Cerra-do. Basta acessar uma imagem de satélite da região para constatar grandes quadrículas nos interflú-vios com monoculturas e grandes círculos demarcados pela irriga-ção de pivôs.

Os motores que fazem funcio-nar as máquinas da irrigação são tão possantes que necessitam de baterias de motores auxiliares, para colocá-los em operação. Quando este complexo começa a funcionar, os rios sofrem impactos gigantescos, alguns param total-mente do ponto de captação para baixo. Pensem, se fôssemos ani-mais aquáticos o que faríamos? E se fôssemos população ribeirinha, vivendo da produção familiar, ou se vivêssemos em alguma cidade ou povoado abaixo desses siste-mas, qual seria a nossa reação?

Com relação aos animais, a resposta é fácil, mas com relação aos humanos a resposta é difícil, pois os humanos agem muitas vezes por interesses individuais, às vezes têm conhecimento dos problemas, porém, pode lhes fal-tar a consciência, elemento fun-damental que os transforma em cidadãos e os faz agirem coleti-vamente, ou seja, em benefício da coletividade.

Muitos sentem medo de lutar contra os lobos – os donos do ca-pital –, mal sabendo que estes já lhe tiraram quase tudo: os ideais, o bem-estar, os amigos, falta ape-nas lhes tirarem a alma, se é que isto já não aconteceu. Seria bom neste momento indagar: em que aurora se escondem e como espe-ram o amanhecer?

Já escrevi centenas de artigos sobre o assunto, falando sobre as consequências da retirada da co-bertura vegetal nativa, dos aquí-feros, do futuro das águas. Tam-bém chamando atenção para as consequências que virão em bre-ve, se esse modelo predatório de relação com o território continuar.

Quase nada teve ressonância. Um ou outro idealista ou grupo de idealistas empunha a ban-deira da construção de um futu-ro melhor, mas, diante de tanto poder, só encontra ao final da luta uma espécie de cadáver no calabouço. E o entusiasmo que o impulsiona, qual uma luz de candeia, vai se apagando pouco a pouco.

Nunca entendi a voracidade da ganância dos grandes em-presários rurais, muitos dos quais nem conhecem a região, mas suas ações aniquilam tudo. Não têm compromisso com o Estado nem com as futuras ge-rações, seus filhos e netos.

Por isso, menos ainda en-tendo a ação dos políticos e de alguns advogados nacionais que, com unhas e dentes, pro-tegem esses exterminadores e provocadores de entropias am-bientais e sociais. Serão cegos? Mal-intencionados? Onde foi que se escondeu a luz dos olhos deles?

Não tenho respostas.Também não sei onde mora

a aurora daqueles que um dia despertaram para a esperança.

Só uma certeza eu tenho: no silêncio acelerado do tempo, nossos rios vão morrendo.

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CAPA CAPA

A MORTE DOS RIOS É APENAS A PONTA DE UMA PROCISSÃO FÚNEBRE

Tenho expressado nos meus es-critos que o Cerrado deve ser visto como um Sistema Biogeográfico, não só composto de vegetação, mas de um conjunto de elemen-tos interdependentes e que qual-quer modificação em um desses elementos desencadeia modifica-ções nos demais.

A vegetação varia de um gra-diente totalmente aberto, como as campinas, até ambientes som-breados com manchas de mata, passando por uma variedade de muitas formas intermediárias, mas todas interdependentes.

Essa ligação se dá também com o solo, com a água, com os ani-mais, com a amplitude térmica diária, com a geomorfologia e as-sim por diante – todas são elos de uma mesma corrente. A junção de alguns desses elementos foi fator primordial de ocupação humana, desde os ancestrais indígenas até a contemporaneidade.

Os lemas que guiaram a con-quista do território quase sem-pre foram a força, a ganância e o desrespeito ideológico, deixando sempre rastros de profunda vio-lência e desrespeito aos elemen-tos componentes do sistema.

Estudos referentes ao seques-tro e fixação de dióxido de car-bono por formas vegetacionais demonstram a importância e a relação direta que o Cerrado tem exercido ao longo da sua história evolutiva para o equilíbrio da vida no planeta Terra. No mesmo sen-tido, estudos de Geotecnia apon-tam o valor dos lençóis freáticos, artesianos e aquíferos, oriundos do Cerrado, para a perenidade

das principais bacias hidrográfi-cas da América do Sul.

Entretanto, a ocupação huma-na desordenada, decorrente de programas de políticas públicas equivocadas, que colocam o Cer-rado como grande fronteira de ex-pansão agrícola e econômica, tem criado um panorama assustador, de dimensões nunca observadas na História da Humanidade.

Nesse contexto, o Cerrado foi e é recortado por inúmeras estra-das, rios são represados, monta-nhas aplainadas, vegetação der-rubada, rompendo o equilíbrio da cadeia alimentar. Como con-sequência, animais são levados à extinção e comunidades rurais desestruturadas de forma avas-saladora, gerando o crescimento rápido e desordenado dos polos urbanos.

Geralmente, os responsáveis pela implantação de políticas pú-blicas não levam em consideração o “tempo da natureza” em seus planejamentos; tampouco consi-deram a dinâmica da Ecologia do Cerrado. Por essa razão são in-capazes de entender aspectos da sua história evolutiva, cujo tempo é medido pelos padrões estabe-lecidos pela Geologia e calculado em milhares, milhões e até bilhões de anos antes do tempo presente.

Se esse cenário continuar per-sistindo, dentro de um tempo mais curto que possamos imaginar, po-deremos presenciar um quadro desolador, conforme nos apon-tam dados e observações atuais.

No Sistema Biogeográfico do Cerrado, as águas subterrâne-as se acumulam diferentemen-

te nos diversos subsistemas.Nos Subsistemas de Campos,

também conhecidos pelas deno-minações de Chapadões ou Cam-pinas Tabulares, o lençol de água é profundo e constitui-se no gran-de alimentador dos aquíferos. E, dependendo da natureza do solo, a água das chuvas que é infiltrada se desloca de forma mais ou me-nos rápida em direção aos aquí-feros. Nos chapadões de origem lacustre, a infiltração é mais len-ta e depende exclusivamente das formas vegetacionais nativas.

Nos Subsistemas de Cerrado stricto sensu e Cerradão, situados nos interflúvios, a água da chuva que se infiltra no solo forma um lençol freático rico, abundante, e também profundo. Grande parte das águas pluviais escorre para o leito dos rios de acordo com a declividade dos terrenos, onde o estrato de gramíneas e arbustos nativos é denso, não há processos acentuados de ravinamentos; o contrário ocorre quando apare-cem manchas que caracterizam áreas desnudadas.

Nos Cerrados e Cerradões, situ-ados em áreas com declives mais acentuados, não há formação de lençol freático. As águas pluviais escorrem com velocidade para o leito dos cursos d’água.

No subsistema de Matas, o len-çol freático é abundante e sub-superficial, em função do caráter ombrófilo, que diminui o impacto da insolação e da serapilheira que protege o solo. A rede hidrográfica que aí se forma é caracterizada por pequenos córregos e muito rica. Sua origem e alimentação

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CAPA CAPA

estão na dependência direta dos lençóis freáticos aí existentes.

Nas Matas Ciliares, o pano-rama é similar; a diferença é que o lençol freático alimen-ta diretamente o curso d’água mais próximo, através do esco-amento rápido.

Nas Veredas, em função do sistema radicular das plantas e do caráter do solo húmico, tur-foso e às vezes argiloso, o lençol é abundante e superficial, for-mando pequenas lagoas e sendo responsável pelas nascentes dos cursos d’água do Cerrado, cuja morfologia se apresenta como um anfiteatro.

Uma vez retirada a cobertura vegetal nativa, em qualquer sub-sistema de Cerrado, tem início um processo de desequilíbrio, que se manifesta nas formas seguintes. O primeiro lençol a secar é o que se encontra nos subsistemas de Matas, Matas Ciliares e Veredas.

O tempo para a finalização des-se processo, de acordo com obser-vações, situa-se entre dois e cinco anos. Nas Veredas, por se tratar de um lençol superficial, o proces-so de desaparecimento será mui-to acelerado; talvez não chegue a alcançar o período de dois anos.

Nos Capões ou manchas de matas mais homogêneas, tipo as que definiam em outros tempos o chamado Mato Grosso Goiano, a rede de drenagem, caracterizada por pequenos córregos, também será extinta no prazo de dois a cinco anos, deixando nos locais os caminhos secos, que serão avolu-mados por processos erosivos co-lossais em cada estação chuvosa, dependendo da gênese dos solos.

Nos Cerrados e Cerradões si-tuados nos interflúvios, os lençóis secarão no prazo máximo de cin-co a oito anos. Haverá a acentua-ção dos processos de ravinamen-to, cujas erosões serão capazes de esculpir no solo sinistras cica-trizes ruiniformes.

A retirada total da cobertura vegetal afetará, também de for-

ma decisiva, a já reduzida recar-ga dos aquíferos, cujas reservas chegarão a um nível crítico, pois as águas pluviais que consegui-rem penetrar através do solo se-rão de imediato absorvidas por estes, dado aos seus estados de aridez, em função da insolação. A pouca umidade retida evaporará de forma rápida devido às mes-mas causas.

No início, os problemas oriun-dos dessa situação poderão ser contornados com a construção de barramentos, através de cur-vas de níveis e pequenos açudes, para reter as águas das chuvas. Entretanto, os ambientes que surgem desse processo originam a argilicificação e a consequente impermeabilização do fundo dos poços que, associada à forte in-solação, resultará numa ação de nula eficácia.

O primeiro aquífero a ter suas reservas diminuídas será o Uru-cuia, até o quase total desapa-recimento, seguido do aquífero Bambuí e do aquífero Guarani. O prazo para finalização deste pro-cesso, de acordo com dados de Geotecnia atuais, deverá com-preender um período situado en-tre 15 a 25 anos.

Com o desaparecimento do lençol freático, seguido da dimi-nuição drástica da reserva dos aquíferos, os rios iniciarão um processo de diminuição da pere-nidade, oscilando sempre para menos, entre uma estação chuvo-sa e outra, e desaparecendo qua-se que por completo na estação seca. Este fato afetará primeiro os pequenos cursos d’água, depois os de médio porte e, em seguida, os grandes rios.

Os fenômenos ocorridos nos chapadões centrais do Brasil, em função do desaparecimento do Cerrado, afetarão de forma direta várias partes do Continente.

A parte sul da calha do rio Amazonas, representada pelos baixos chapadões, terá uma rede de drenagem insignificante no

que diz respeito ao volume d’água, uma vez que os grandes afluentes da margem direita, que têm suas nascentes e seus alimentadores situados no Cerrado, deixarão de existir ou terão seus volumes di-minuídos de forma significativa nos cursos superiores e médios.

Os grandes afluentes do rio Amazonas, pela sua margem di-reita, serão alimentados apenas nos seus cursos inferiores, fato que reduzirá em mais de 80% suas vazões, isto em função de estarem na dependência direta do lençol freático, que depende da vegeta-ção situada numa base cratônica.

A floresta equatorial deixará de existir na sua configuração original, sendo paulatinamen-te substituída por uma vegeta-ção rala tipo caatinga, salpicada em alguns locais por espécies de plantas adaptadas a um am-biente mais seco.

O vale do Parnaíba, englo-bando a bacia geológica Par-naíba-Maranhão, será invadido na direção sul/norte por dunas arenosas secas, provenientes da formação Urucuia, existente no Jalapão e Chapada das Man-gabeiras. E, na direção norte/sul, por sedimentos arenosos litorâneos, da Formação Poty, que caracterizam os Lençóis Ma-ranhenses e Piauienses, que em virtude de condições favoráveis terão facilidade de transporte eólico em direção ao interior. Os atuais poços jorrantes do vale do Gurguéia deixarão de ser fluen-tes, mas uma ou outra pequena fonte continuará existindo de forma precária.

Com o desaparecimento dos principais afluentes do rio São Francisco, pela sua margem es-querda, que cortam o arenito Urucuia, a ausência de alimenta-ção constante, associada ao asso-reamento, contribuirá para o de-saparecimento do grande rio, nos seus aspectos originais. Permane-cerão algumas lagoas e cacimbas onde o terreno tiver característica

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BIODIVERSIDADE

O tatu-bola (Tolypeutes tri-cinctus), também conhecido como tatu-apara, bola, bolinha, tranquinha, ou tatu-bola-do--nordeste, a menor espécie de tatu do Brasil, é endêmico (só vive nesses locais) da Caatinga e do Cerrado.

Com presença já registra-da em 12 estados brasileiros – Bahia, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, To-cantins, Paraíba e Rio Grande do Norte – o bolinha, que tem hábi-tos noturnos e se alimenta prin-cipalmente de formigas e cupins, mede cerca de 50 cm e pesa até 1,2 kg.

O nome vem de sua capacida-de de, ao se sentir ameaçado, se fechar e “virar” uma bola para proteger as partes moles de seu

corpo. O bola também se dife-rencia do Tolypeutes tricinctus e do T. matacus, a outra espécie do mesmo gênero, porque tem cinco unhas nas patas anteriores.

O tatu-bola, cujas fêmeas ge-ram um ou, menos frequente-mente, dois filhotes por ninhada, não escava buraco e utiliza como esconderijo tocas abandonadas, razão porque, além da fragmen-tação do seu habitat, torna-se mais vulnerável ao ataque de predadores e à caça humana.

O bola encontra-se na lista das Espécies da Fauna Brasilei-ra Ameaçadas de Extinção, do Ministério do Meio Ambiente, estando criticamente ameaçada no estado de Minas Gerais e vul-nerável no Pará.

A espécie também está enqua-drada como vulnerável pela Lis-

TATU-BOLA:O MENOR TATU DO BRASIL

Fonte: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/biologia/tatu-bola.htm

argilosa, ou outra rocha imper-meabilizante originária da meta-morfose do calcário Bambuí.

A Caatinga que já caracte-riza parte do curso inferior do rio São Francisco avançará um pouco mais em direção ao norte, transicionando paulatinamente para a formação de uma grande área desértica, que certamente abrangerá o centro, o oeste, o sul da Bahia e norte e centro de Minas Gerais.

A região da Serra da Canastra permanecerá com alguns ele-mentos originais, como uma es-pécie de enclave geoecológico, com clima subúmido.

Nas áreas correspondentes aos formadores e bordas da Ba-cia Hidrográfica do Paraná, as desintegrações intensas dos are-nitos Botucatu e Bauru – que já formaram na região, durante os períodos Triássico e Cretáceo, grandes desertos, abrangendo um período de tempo compreen-dido entre 245 a 70 milhões de anos antes do tempo atual, com pequenas variações temporais – acordarão de um sono profundo, expandindo seus grãos de areia, em várias direções, provocando erosões colossais, assoreamen-to e acúmulos de sedimentos na configuração de dunas.

Do curso médio da Bacia do Paraná, até a parte superior de seus afluentes, haverá muitas áreas desérticas, separadas por formações rochosas e ostentando vegetação de características ári-das e semiáridas.

A sub-bacia do rio Paraguai, alimentada pelo aquífero Gua-rani, sofrerá as mesmas con-sequências das demais regiões hidrográficas do Cerrado, trans-formando o atual Pantanal Mato--grossense numa área de deser-tos arenosos, tal como já ocorreu na região durante o Pleistoceno Superior, onde ali existia o deser-to do Grande Pantanal.

Logo após o desaparecimento por completo das comunidades

vegetais nativas, fato que poderá ocorrer em cinco anos, a agroin-dústria terá seus dias de grande apogeu em termos de produtivi-dade.

Os núcleos urbanos criados ou dinamizados como suportes des-tas atividades atingirão também seu apogeu em termos de aumen-to demográfico e em termos de ofertas e oportunidades de servi-ços de natureza diversa.

Passado certo tempo, contado em alguns poucos anos, essa re-alidade experimentará um grave processo de modificação. A pro-dutividade agrícola começará a diminuir assustadoramente, causando ondas de demissões nas empresas estabelecidas. Isso acontecerá porque a água dos lençóis subterrâneos não será mais suficiente para sustentar a produção no sistema de rotativi-dade de antes. Não haverá água para fazer funcionar os pivôs cen-trais. A atividade agrícola sobre-vivente se restringirá à época da estação chuvosa.

Os solos, outrora preparados intensivamente para os cultivos, serão ocupados em pequenas parcelas, deixando exposta uma grande superfície desnuda. Da mesma forma, as pastagens que sustentavam a pecuária serão afetadas, provocando a redução paulatina do rebanho.

Essa situação começará a se re-fletir de forma visível nos polos ur-banos. Haverá racionamento de água, em função da diminuição da vazão dos rios, que por sua vez provocará a redução do nível dos reservatórios. O racionamento de energia elétrica também será imposto pelas mesmas causas. O desemprego e os serviços, antes mais fartos e variados, afundarão numa crise sem precedentes.

Este fato provocará o aumen-to de pessoas ociosas e vadias nas cidades, situação que criará enormes embaraços sociais desa-gradáveis. Haverá a intensifica-ção da criminalidade de todas as

espécies, desde pequenos furtos, saques, assaltos e assassinatos. A prostituição se generalizará, tra-zendo consequências considerá-veis para a saúde pública, que se apresentará cada vez mais decadente.

Os serviços públicos, incluindo a educação, por falta de arreca-dação e manutenção, começarão a beirar o caos.

Depois de aproximadamente certo tempo contado em anos, a ausência de água nos rios criará uma paisagem desoladora. Áreas outrora ocupadas pelas lavouras serão caracterizadas então por formas vegetacionais rasteiras e exóticas, típicas de formações de-sérticas, com um ciclo vegetativo muito curto.

Grande parte dos campos agrí-colas abandonados, sem a cober-tura vegetal necessária para fixar o solo, passará durante algumas épocas do ano a ser assolada por ventos e tempestades fortes, em extensões quilométricas, que cria-rão uma atmosfera escura car-regada de grãos finos de poeira, restos de adubos e outros produ-tos insalubres e nocivos à saúde.

Será possível ainda avistar um ou outro ser humano vivente, uti-lizando água empoçada, prova-velmente de chuvas, e exercendo pequenas atividades de subsis-tência. Também será possível en-contrar uma ou outra família des-garrada e solitária, sobrevivendo de restos que ainda poderão ser obtidos. Os mais bem situados economicamente migrarão para outras partes.

Os polos urbanos serão assola-dos por diversas epidemias, que provocarão índices alarmantes de mortalidade. A maioria da popu-lação sucumbirá, diante da misé-ria crescente.

CAPA

Altair Sales BarbosaDr. em Antropologia e Geociências Smithsonian Institution de Washington D.C. USA - Pesquisador do CNPq - Membro Titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás

ta Vermelha de Espécies Ame-açadas da União Internacional para a Conservação da Nature-za (2007) e pelo Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extin-ção, da Biodiversitas (2008). Em médio prazo, corre alto risco de extinção.

Fotos: Divulgação

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9 DE AGOSTO DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS

O que você faria se, de repen-te, uma rodovia fosse construída bem no meio do seu quintal? Se sua água e seu alimento fossem contaminados? E seu direto de viver sua espiritualidade ou reli-gião fosse negado? Seria, no mí-nimo, difícil, não é mesmo?! Pois é isso que vem acontecendo com os povos originários, aqueles que já viviam nas terras que “querendo--a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”*,

quando os portugueses disseram que, aqui, descobriram o Brasil.

Está na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas: elas e eles “são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhum tipo de discriminação (artigo 3). Têm o direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura (artigo 8)”. Mas não é isso que acontece!

Durante o Fórum Permanen-te sobre Questões Indígenas, que ocorreu em maio deste ano na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, Hipari-di Toptiro, Xavante, coordenador geral da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC), uma das entidades associadas à Rede Cerrado, denunciou:

“No Cerrado vivemos cercados pelo agronegócio. Ele destrói a mata em torno do nosso território,

polui rios onde fazemos nossos ri-tuais e bebemos nossa água. Con-tamina o ar e, com isso, o sonho que inspira a nossa espirituali-dade e o nosso futuro se acaba. O agronegócio desequilibra o mun-do, acaba com o Cerrado e ame-aça a existência do nosso povo. E ele não está sozinho! É sustentado por uma série de grandes empre-endimentos que, apoiados pelos nossos governos, trazem ainda mais destruição e morte para os nossos povos”.

“O agronegócio beneficia apenas uma pequena parcela da elite brasileira, e acaba com nosso povo. Isso é justo?”

Os indígenas são os povos mais antigos do Cerrado e do Bra-sil. Eles enfrentaram um violen-to processo de colonização e, há mais de 500 anos, resistem. Hoje, representam apenas 0,4% da po-pulação brasileira, cerca de 800 mil pessoas. Sofrem constantes tentativas de expulsão de suas terras, principalmente, por meio de conflitos que envolvem fazen-deiros e empresas. Correm o ris-co de perderem direitos conquis-tados na Constituição de 1988 e, mesmo assim, permanecem fir-mes na luta pela conservação dos seus modos de vida que têm por princípios o respeito e a defesa da natureza.

Direitos ameaçados

Os direitos dos povos originá-rios estão ameaçados pela pa-ralização das demarcações de Terras Indígenas pelo Executivo, por medidas que tramitam no Congresso para viabilizar a ex-ploração econômica de territó-rios tradicionalmente ocupados, por interpretações restritivas do judiciário que colocam a pró-pria Constituição em cheque, e

também por ações do Executivo Federal. Atualmente, o Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU) é um dos princi-pais entraves para os processos de demarcação. O Parecer colo-ca uma série de condicionantes para as demarcações, uma delas é o marco temporal, tese segun-do a qual as comunidades indí-genas deveriam estar ocupando o território reivindicado em 5 de outubro de 1988. O Parecer des-considera o esbulho territorial sofrido por comunidades que, muitas vezes, foram expulsas com uso da força, seja por fazen-deiros, seja pelo próprio Estado brasileiro, que assassinou mi-lhares de indígenas na abertura de terreno para grandes obras de “desenvolvimento”.

Com forte presença de repre-sentantes do agronegócio, no poder legislativo não é diferente. O Projeto de Lei 490, por exem-plo, estabelece um conjunto de dispositivos que inviabilizam as demarcações de territórios, fa-cilitam obras e a exploração de recursos em Terras Indígenas e retira o direito de consulta pré-via desses povos. Ou seja, é como se alguém entrasse na sua casa e começasse a retirar seus per-tences sem te pedir permissão. E esse é apenas uma das 33 pro-postas, reunindo mais de 100

projetos, que ameaçam os direi-tos dos povos indígenas.

Povos indígenas: guardiões do Cerrado

São nos territórios desses po-vos originários e das comunida-des tradicionais que a conser-vação prevalece e existe. Com modos de vida que seguem em harmonia com o meio ambien-te, são eles os responsáveis pelo pouco ar puro que ainda res-piramos, pelos alimentos sem venenos que comemos, pela conservação da vida e do meio ambiente que habitamos.

Por isso, a Rede Cerrado, por meio do trabalho desenvolvido pelas entidades como o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), a Associação Xavante Warã, o Instituto Socioambiental (ISA), além da MOPIC, defende a ga-rantia dos territórios, dos direi-tos e da existência desses povos.

*trecho da carta do “Descobrimento do Brasil”, de Pero Vaz de Caminha.

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CONJUNTURA CONJUNTURA

A contagem regressiva avança. Em outubro o Brasil terá um novo pre-sidente, eleito pelo voto popular. No primeiro turno, dia 7, no segundo,

dia 28. E em janeiro teremos um novo governo.Se os nomes não estão certos, principal-

mente o de quem lidera todas as pesquisas, e a direita está dispersa, a única certeza é a liderança do Lula e sua capacidade de tornar favorito quem ele indique, caso seja impedido de concorrer.

Haverá um candidato do PT, favorito. Esse é o caminho que temos para derrotar e der-rubar o governo do golpe e o regime de ex-ceção. A luta por essa via tem uma dimensão jurídica – superar as tentativas de impedir sua candidatura e sua liberdade –, uma di-mensão política – lançamento do programa eleitoral do PT, cujo esboço já foi divulgado e alianças para compor a chapa do Lula – e uma dimensão de massas – com o aumento das mobilizações pela liberdade do Lula e de rejeição das posições do Judiciário.

As outras pré-candidaturas veem esgotar seus tempos para viabilizar-se como alterna-tivas no campo da esquerda e permanecem na expectativa do que acontecerá com a can-didatura do PT. A definição, como fica cada vez mais claro, se dará no âmbito do PT: ou Lula ou quem ele indicar, do PT, caso ele seja impedido de concorrer.

Ciro não conseguiu aglutinar forças da di-reita, que lhe dessem maior espaço, ficando sua candidatura resumida ao PDT. O PSB tende claramente a deixar aberta a questão, diante da impossibilidade de conciliar o par-tido em Pernambuco, que tende para o Lula, e em São Paulo, ligado ao Alckmin.

O imenso espaço ocupado pelo Lula deixa as outras pré-candidaturas sem espaço pró-prio, de tal forma a polarização do Lula con-

tra o governo golpista se torna a contradição fundamental do momento político atual. De tal forma que da resolução desse enfrenta-mento se decide o futuro do Brasil por muito tempo, talvez por toda a primeira metade do século.

O campo da direita parece ficar mais cla-ro, com a candidatura do Alckmin agrupan-do forças da direita, para disputar com o Bolsonaro eventual lugar no segundo turno. Desistiram de tentar alguém de fora da polí-tica tradicional. Enquanto isso, Meirelles fica sem nenhum apoio, ao personificar o núcleo básico da falta de popularidade do governo Temer, ameaçando levar o PMDB ao pior re-sultado da sua história.

A contagem regressiva se torna dramá-tica. Até 15 de agosto estarão registradas as candidaturas, começa uma nova batalha, na luta pelo Lula para ser candidato. Dela depende a constituição definitiva do cenário eleitoral. A direita conta com a interdição do Lula e eventuais dificuldades para ele trans-ferir sua influência em votos para quem ele escolher. Quem quer que venha a ser, a mídia e o Judiciário farão cair sobre ele os mesmos mecanismos de perseguição política de que o Lula é vítima.

É a esperança da direita, porque da sua força própria não pode esperar muito, seja de Alckmin, seja de Bolsonaro. É a hora de a es-querda concentrar forças em torno da alter-nativa real de derrotar a direita e o seu gol-pe. E a única possibilidade é a de Lula ou de quem ele indicar.

São menos de três meses até a definição de quem será o próximo presidente do Brasil. Menos de seis meses para que um novo go-verno comece a resgatar o Brasil, sua demo-cracia, os direitos dos trabalhadores, as polí-ticas sociais para todos.

Emir Sader

EM 3 MESES, UM NOVO PRESIDENTE;EM 6, UM NOVO GOVERNO PROGRESSITA

Emir Sader Sociólogo Autor do livro “O Brasil que queremos. ”

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Brasília tem lá seus misté-rios, suas pequenas e fascinan-tes maravilhas. Há pouco tempo encontrei uma delas ali na 907 Norte, no quintal do Colégio Edu-cacional Gisno, uma das melho-res escolas públicas da capital federal.

Coisa rara por essas para-gens, o Colégio mantém uma es-pécie de quintal verde em uma área de Cerrado preservada. É

lá que a pedagoga Ana Karina Machado Moreira desenvolve, com um pequeno grupo de estu-dantes – cerca de 15, dos mais de 1500 da escola, o Teia, um pro-jeto ecológico promissor de for-mação de jovens multiplicadores para a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.

Entusiasmada, Ana Karina conta que o grupo, formado majo-ritariamente por jovens mulheres

Zezé Weiss

UMA TEIA SUSTENTÁVEL DE ECOLOGIA E CIDADANIA NOS JARDINS DO GISNO, COLÉGIO DA ASA NORTE DE BRASÍLIA

(11 de 15) entre 13 e 17 anos, come-çou como um projeto de agroflo-resta com o nome de Agrogisno e vem cada vez mais se dedicando à permacultura. Agora em 2018, o grupo optou pelo nome Teia, porque “em sua trajetória vai en-gajando apoios, consolidando parcerias e expandindo horizon-tes,” diz a professora.

Junto com o novo nome, vie-ram também elementos novos,

ECOLOGIA ECOLOGIA

incorporando, segundo o des-critivo do projeto, que nos foi fornecido pela escola, os prin-cípios básicos da permacultura: técnicas sustentáveis de vida, um novo modelo ético na orga-nização coletiva, e um novo sis-tema de planejamento da escala humana, “centrados no coope-rativismo e no espírito de cole-tividade, capazes de nos levar não apenas à abundância, mas também à paz e à harmonização com o no nosso próximo e com o meio ambiente em que vivemos”.

Para a estudante Thaís Ro-drigues, o projeto é bom não só para a escola, mas também para as pessoas fora dela, por-que “melhora a qualidade de vida da população e faz com que possamos viver de uma forma mais sustentável”. Thaís desta-ca a importância da participa-ção do Teia na Feira de Ciências: “porque tivemos a oportunidade de mostrar nosso trabalho para a escola toda, com isso consegui-mos mais pessoas interessadas no projeto”.

O endosso vem também de familiares: Para Andrea Prado, mãe de um aluno do nono ano, “o projeto tem sido uma ponte para os alunos se aproximarem das questões socioambientais, fundamental para que se desen-volvam como cidadãos”. Opinião corroborada por Antonio Brito, pai de uma aluna do 1º ano: “ao

procurar saber como poderia me integrar na escola, fiquei surpre-so ao me deparar com o projeto de agrofloresta e permacultura”.

Enquanto vai preparando a terra para os plantios coletivos da chegada das águas, a tur-ma do Teia também conta com o apoio do corpo docente do Co-légio. Natália Rangel, professo-ra de Inglês, recém-ingressada nos quadros do Gisno, diz que se interessou em colaborar com o projeto e justifica: “porque acre-dito que a escola precisa trazer vivências e a importância de uma postura sustentável. Além disso, acredito que o relaciona-mento aluno/professor deve ir além da sala de aula, e projetos como esse possibilitam traba-lhar a educação e paz na escola através da colaboração e do es-pírito de comunidade e equipe”.

Da mesma forma, Thaís Lobo Junqueira, mestra em Linguísti-ca, conta que conheceu o projeto em 2017, quando estava na Fase I e ainda se chamava AgroGisno. Em 2018, apresentou o projeto a um grupo de pesquisadores da UnB, o Núcleo Autonomia, ao qual pertence. “As professoras da UnB estão entusiasmadas com o resultado desse projeto, que agora se chama Teia, e que-rem colaborar de alguma forma com a escola.”

É dessa soma de apoios e par-cerias que, segundo Ana Karina,

vai se forjando a teia que garan-te o fortalecimento do projeto. “Contamos com apoio do Ipo-ema; da Chácara Asa Branca; do Núcleo Autonomia da UnB; do IFB; do Sinpro; do Viveiro do Lago Norte; do Grupo de Esco-teiros; da Ecovila Nós na Teia; do grupo Maria da Penha Resiste; da Emater; da Novacap; da co-munidade de pais, professores e alunos do Gisno”.

Assim, entre aulas de campo sobre técnicas de compostagem, agrofloresta e permacultura, Ana Karina, Bernardo, Diogo e Cristine, professores responsá-veis pelo projeto Teia no Centro Educacional Gisno, vão garan-tindo espaço para a realização de sonhos como o da aluna Ja-mile, que quer um dia levar o que aprendeu em Brasília para as distantes aragens de sua terra natal, no Pará.

“Nosso sonho maior é ampliar nossa rede, fortalecendo cada vez mais os laços que vamos for-jando nessa nossa solidária teia ecológica e cidadã”, completa Ana Karina Machado Moreira, a pedagoga que faz a diferença no projeto do Gisno.

“O que se andar, o que crescerSe já conheço eu quero é mais (...)A vida é hoje, o sol é sempreSe já conheço eu quero é mais”Teia de Renda – Milton Nascimento

Zezé WeissJornalista Socioambiental

@zezeweiss

Fotos: Gisno

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CONSCIÊNCIA NEGRA CONSCIÊNCIA NEGRA

25 DE JULHO:

DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES NEGRAS LATINO-AMERICANAS E CARIBENHAS

Zezé Weiss

Somos nós, negras, as maiores vítimas de feminicídio no país. Dados publicados pelo Ministério da Justiça, em 2015, revelaram que 68,8% das mulheres assas-sinadas por agressão são negras. Nos últimos dez anos, o femini-cídio entre as brancas caiu 10%, enquanto, no mesmo período, entre as mulheres negras, esse número aumentou 54,2%.

É fácil identificar o quanto este país estruturalmente racista, mi-sógino e sexista nos torna alvo constante da violência.

Neste sentido, mulheres or-ganizadas construíram em 1992 a Rede de Mulheres Negras da América Latina e Caribe, que cul-minou na realização do 1° Encon-tro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, na cidade de Santo Domingo, na República Domini-cana. Desde então, a Organiza-ção das Nações Unidas (ONU) re-conheceu o dia 25 de julho como o Dia Internacional das Mulheres Negras Latino-americanas e Ca-ribenhas.

A partir dali o movimento de mulheres negras vem pautando a perversa situação social a que mulheres negras latino-america-nas e caribenhas encontram-se expostas.

Essa articulação e mobilização resultaram na sanção da lei fe-deral n°12.987, que determinou o

dia 25 de julho como o Dia Nacio-nal de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

Tereza de Benguela foi uma líder quilombola que, durante o século XVIII, após o assassina-to do companheiro, tornou-se a grande referência de luta das mulheres negras brasileiras, re-sistindo à escravização de ne-gros e negras por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando a comunidade quilombola foi des-truída, a população dizimada: os 79 negros e negras e 30 indíge-nas foram cruelmente assassina-dos(as) ou aprisionados(as).

Assim como Tereza, outras mu-lheres foram e continuam sendo importantes para a nossa traje-tória. Somos mais de cinquenta milhões de negras, destas muitas se destacam pelas suas ações de combate diário à violência e à perversidade do racismo, dentre elas não podemos deixar de re-verenciar algumas como Benedi-ta da Silva, Jurema Batista, Leci Brandão, Elisa Lucinda, Concei-ção Evaristo, Elza Soares, Silvany Euclênio, Janira Sodré, Sueli Carneiro, Donas Marias e tantas e tantas que lutam pela vida.

Em Goiás foi articulada a Rede Goiana de Mulheres Negras que chamou o ato público Mulheres Negras Movem Goiás, no dia 25 de julho, no centro de Goiânia.

Na oportunidade, mulheres negras usaram a corporalidade e suas vozes para dizer que conti-nuamos em marcha por equida-de, igualdade de direitos e justiça!

A continuidade de políticas pú-blicas que garantam a reparação é extremamente necessária e ur-gente!

Resistiremos, assim como Te-resa de Benguela. Neste julho das pretas mulheres negras move-ram este país em todos os cantos para dizer que a luta é diária e não desistiremos! Vamos trans-formar as sementes deixadas por Lélia Gonzalez e Luiza Bairros em substâncias de luta contra o ra-cismo e o sexismo.

Contra toda forma de opres-são, marcharemos!

Julho das pretas!

Iêda LealCoordenadora Nacional do Movimento Negro Unificado – MNU Vice Presidenta da CUT – Goiás

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CADERNOSAÚDE

Os Tuiuiús (ou jaburus) são as aves símbolo do Pantanal. Diz a lenda que, num passado muito distante, es-sas aves eram alimentadas por um casal de índios e que, após a morte, foram enterrados no local onde os Tuiuiús costumavam comer.Inconformados e famintos, as aves passaram dias e dias sobre o monte de terra que cobria os corpos do casal de índios, esperando que de lá saísse o alimento de todos os dias.Como isso não aconteceu, a tristeza tomou conta deles de vez. É por esse motivo que os Tuiuiús têm essa aparência tão triste e fixam sempre o olhar para solo como se estivessem procurando algo.

A LENDA DOS

MITOS E LENDAS

Fonte: http://silnunesprof.blogspot.com/2009/12/lenda-dos-tuiuius.html

Agosto é o mês mundial do aleitamento materno.

Embora a amamentação seja fundamen-tal para o desenvolvimento da criança e a redução da mortalidade infantil, no mundo inteiro apenas 38% das crianças são ama-mentadas.

Estudos mostram que a amamentação é capaz de salvar a vida de 13% das crianças menores de cinco anos por causas prevení-veis e que o estímulo à amamentação pre-ventiva salva a vida de cerca de 6 milhões de crianças por ano.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) trabalha com a meta de que 50% das crian-ças do mundo recebam o leite materno pelo menos durante os primeiros seis meses de vida até o ano 2025. Por essa razão, no mês de agosto, ações em todo o mundo são volta-das para a Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM).

No Brasil, a aprovação pelo Congres-so Nacional da Lei do “Agosto Dourado” (PL 3452/15) fortalece a defesa do direito da mulher brasileira de exercer o ato amoroso de amamentar. Porém, para o ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, os cortes nos direitos trabalhistas afetarão diretamente os resultados das campanhas de aleitamen-to materno.

“Esses cortes são muito preocupantes por-que, na medida em que se coloca gestantes em ambientes insalubres, permite contratos de trabalho intermitentes, e enfraquece a capacidade das trabalhadoras de negocia-rem com o patrão, colocam em risco o direito da mulher de amamentar,” diz Padilha.

AGOSTO DOURADO: MÊS MUNDIAL DO ALEITAMENTO MATERNOTUIUIÚS

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AVOSIDADE AVOSIDADE

CADERNO SAÚDE

CONVIVERFAZ BEM À SAÚDE

Envelhece melhor quem se rela-ciona com amigos e a comunidade Já faz quase 80 anos que Harvard segue a vida de centena de pesso-as, constatando que relacionamen-tos são essenciais ao bem-estar. Em 1938, a universidade iniciou uma pesquisa com 724 rapazes que re-sidiam em Boston. O objetivo era acompanhar suas vidas até a velhi-ce, para saber o que faz com que as pessoas sejam mais felizes. Conviver.

Completaram-se 78 anos de es-tudos ininterruptos, que prossegui-rão. A cada dois anos, integrantes da equipe do Harvard Study of Adult Development, como é denominado o projeto, visitam as pessoas pes-quisadas, com uma nova bateria de entrevistas e de exames físicos. Do universo de homens inicialmente avaliados, 60% estão vivos, muitos deles com mais de 90 de idade.

QUEM SE RELACIONA VIVE MAIS

Esse é o maior e mais duradouro estudo sobre a vida humana já rea-lizado no mundo. E a conclusão é de que foram e continuam sendo mais felizes e saudáveis aqueles que cul-tivaram os relacionamentos de ami-zade.

“Ao reunimos os dados, constata-mos que não eram os níveis de co-

CADERNO SAÚDE

DF

Valério Fabris

lesterol que anunciavam como iam envelhecer. Era o grau de satisfação que sentiam em seus relacionamen-tos pessoais”, disse o psiquiatra Ro-bert Waldinger, diretor da pesquisa da Harvard University. Afinal, o que conduz os indivíduos a uma vida mais feliz não é sucesso profissional, riqueza, ou as realizações de vulto.

“Acontece que as pessoas com mais ligações sociais com os amigos, com a comunidade e com os fami-liares são mais felizes. E são fisica-mente mais saudáveis e vivem mais tempo do que quem tem menos re-lações”, afirmou Waldinger em uma conferência.

O título da conferência é “Lições do Maior Estudo Sobre a Felicidade” e está disponível na internet.

TER AMIGOS FAZ BEM À SAÚDE

Aqueles que cultivaram os rela-cionamentos ao longo da existência acabam padecendo menos dos pro-blemas físicos do que os que viveram solitariamente. Para estes, as dores dos males da idade acabam sendo magnificadas. O que importa, no fim das contas, não é a quantidade de amigos ou de parceiros da vizinhan-ça, mas a qualidade das relações.

Por isso que o tête-à-tête tem um valor muito especial. Mesmo que,

nessa interlocução, ocorram alguns entreveros verbais. Quando se tem o hábito do relacionamento corri-queiro com os amigos, as discussões mais ácidas acabam desparecendo.

“Não se fixam na memória”, afir-mou o psiquiatra em sua palestra. O empenho em se relacionar torna-se um costume. Os que assim proce-dem conseguem, ao se aposentar, incorporar ao seu cotidiano os novos amigos. E repõem os que, devido às circunstâncias, ficaram geografica-mente mais distantes.

O CORPO PREFERE A INÉRCIA

Quanto mais isolado se está, mais isolado se quer ficar. Comodamen-te, há quem espere pela fórmula da felicidade.

“O que gostaríamos mesmo é de uma receita rápida, qualquer coisa que possamos arranjar, que nos dê uma vida boa e nos mantenha em forma. As relações são conturbadas e complicadas, e é trabalhoso lidar com a família e os amigos – não é sensual nem fascinante. Mas o re-sultado dura a vida toda, não acaba nunca.”

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BEM-VIVER MISSÃO ANTICÂNCER

CADERNO SAÚDE CADERNO SAÚDE

VITAMINA A E OS OLHOS

O CURRY, TEMPERO INDIANO, PODE REDUZIR DOSES DE QUIMIOTERAPIA

Para se ter um bonito olhar, é preciso ter bons olhos. É preciso que os olhos sejam sadios, e a vitamina A é a vitamina da boa visão. É aquela que combate a cha-mada “cegueira noturna” – o que a gente sente quando entra no escuro no cinema e fica aflita por não distin-guir coisa alguma.

A vitamina A é, também, a que empresta mais brilho ao olhar. Você a encontra (a vitamina) no leite e deriva-dos, e nos legumes, sobretudo na cenoura. A cenoura crua, ralada – eis a salada para seus olhos.

E, falando ainda em vitamina, a B2 desempenha pa-pel muito importante na beleza do olhar. Encontra-se no fígado, no leite, nos ovos, no espinafre, nas ervilhas verdes.

Não existe beleza em olhos adoentados.

Clarice Lispector

DF

DF

Clarice Lispectorem Correio Feminino.Organização Maria Aparecida Nunes. Editora Rocco. 2006.

A curumina, um dos compostos do tempero india-no curry, pode auxiliar pacientes passando por quimioterapia para câncer de cabeça e pescoço.Um estudo desenvolvido na University of Michi-gan Medical School (EUA) mostrou que, quando um composto à base de curumina (FLLL32) foi acrescentado à linhas de células de laboratório de cânceres de cabeça e pescoço, foi possível reduzir a dose de cisplatina – um agente usado na qui-mioterapia – por quatro.O tempo estimado de sobrevida para pacientes diagnosticados com câncer de cabeça e pescoço é de 5 anos, sendo que há três décadas não são vistas melhoras nessa previsão. Um dos princi-pais motivos para a reincidência e metástase do câncer nesses casos é que o tumor pode se tornar resistente à cisplatina. Fonte: http://www.boasaude.com.br

O autor do estudo, publicado em Archives of Oto-laryngology – Head and Neck Surgery, Thomas Carey, é também codiretor do programa de onco-logia de cabeça e pescoço do Comprehensive Can-cer Center. Ele explica que “tipicamente, quando as células se tornam resistentes à cisplatina, nós temos que dar doses progressivamente mais al-tas. Mas esse agente é tão tóxico que pacientes que sobrevivem ao tratamento frequentemente vivenciam efeitos colaterais de longo prazo do tra-tamento”.Carey acredita que seu estudo pode possibilitar o uso de doses mais baixas e menos tóxicas de cis-platina, atingindo resultados iguais ou melhores de eliminação de tumores, sem oferecer tantos riscos a quem passa por um tratamento de câncer.

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AYAHUASCA:O CIPÓ DOS ESPÍRITOS

TERAPIA FLORAL

CADERNO SAÚDE

Por longo tempo, os homens dependeram exclusivamente das plantas para sanar seus males físicos. Todos os povos da Terra possuem seu acervo de conhecimentos utilitários sobre a flora que os rodeia.

Hipócrates, o “pai da medicina”, listou algumas centenas de plantas, muitas das quais prestam serviço até hoje. Plínio, o naturalista romano do século I, conhecia os vegetais de uso em poções salutíferas.

No século VI, Paracelso, o grande alquimista e médico suíço, dedicou-se ao estudo minucioso das plantas, deixando preciosas indicações para a aplicação

AS VIRTUDES DAS FLORES

DF

Henda

medicinal e esotérica de grande número de ervas e flores.

Nos claustros antigos, o cultivo de variados espécimes do reino vegetal era tarefa importante para os monges. Junto ao jardim dos mosteiros, onde se espalhavam plantas ornamentais, os frades mantinham um jardim de “prazer” e de “cura” – o herbularis – que servia à mesa e à farmacopeia com a qual socorriam os doentes.

Grandes conhecedores da “Farmácia do Bom Deus”, como dizem os franceses, são os ciganos que, há séculos, transmitem de geração a geração os segredos dos meios oferecidos pela flora para a manutenção da vida. À colheita das

plantas e ao preparo de poderosas panaceias consagravam-se as velhas avós que, por sua vez, aprenderam com suas avós gadjé as misteriosas mezinhas que garantiriam a saúde de seus netos.

O interesse pelas virtudes curativas das flores, folhas e raízes atravessou os tempos e hoje é revivido não somente por grande número de pessoas que buscam alternativas para as fórmulas químicas, como também pelos pesquisadores científicos, preocupados em ampliar suas informações sobre as qualidades vitais das plantas com o objetivo de descobrir sua validade para a vida humana.

Henda em Segredos de Tias e Flores, Editora Relume Dumará, 1994

Elemento central de muitos dos rituais xamânicos do sagrado indígena, a ayahuasca, cujo nome, de origem Inca, significa “cipó dos espíritos” ou “vinho dos mortos”, é usada como bebida sacramental desde tempos imemoriais por pajés de vários povos originários do Brasil, do Peru e do Equador.

Produzida pela combinação de duas plantas nativas da floresta amazônica, o cipó Mariri ou Jagube (Banisteriopsis caapi) e as folhas do arbusto Chacrona ou rainha (Psychotria viridis), a ayahuasca é uma bebida amarga, de uma coloração que vai do ocre ao marrom, que costuma provocar vômitos, diarreias, alucinações e visões místicas.

Mesmo assim, o chá da ayahuasca, também conhecido no mundo não-indígena como chá do Santo Daime, é consumido regularmente pelos povos indígenas da Amazônia e por quem segue seitas religiosas ancoradas em seu uso, como o Santo Daime e a União do Vegetal (UDV).

No Brasil, o Conselho Nacional Antidrogas (Conad) retirou a ayahuasca da lista de drogas alucinógenas, conforme portaria publicada no Diário Oficial da União em 10 de novembro de 2004, permitindo o uso nos rituais religiosos. Seu

SAGRADO INDÍGENA

uso ritual-religioso foi regulamentado em 2010.Mesmo tendo liberado o uso da ayahuasca para

fins religiosos, o Conad considera que o consumo do alucinógeno é arriscado. Na mesma resolução, existem regras como a proibição de que pessoas com histórico de transtornos mentais ou sob efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas ingiram a droga.

Além disso, é obrigatório que as seitas que usam a ayahuasca “exerçam rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos”.

Os efeitos sobre o cérebro causados pela substância alucinógena ainda não são totalmente conhecidos. Além de ser usado em algumas religiões, o chá vem sendo estudado no tratamento de depressão e de dependência química.

Pesquisadores da USP-Ribeirão Preto identificaram os princípios ativos mais importantes produzidos pela bebida psicoativa: são as betacarbolinas e a dimetiltriptamina (DMT), substâncias que atuam no nível de serotonina no cérebro. A serotonina é um neurotransmissor capaz de dar ao cérebro sensação de bem-estar, regulando o humor e dando sensação de saciedade.

Fonte: EBC, com edições de Zezé Weiss

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SEXUALIDADE ECOTURISMO

BOM PRA VOCÊ

Christiaan Oyens, Zélia Duncan

Eduardo Pereira

PISCINAS VERDES NO VALE DA LUA

Bem aqui na Serra da Boa Vista, bem próxi-mo ao Parque Nacional da Chapada dos Vea-deiros, no município de Alto Paraíso de Goiás, tem um belíssimo conjunto de crateras acin-zentadas cavadas nas pedras pelas corredei-ras de águas transparentes do Rio São Miguel. Um lugar ímpar que nativos e turistas chamam de Vale da Lua.

Existe, na área de acesso ao Vale, localiza-da cerca de 11 Km do povoado de São Jorge, estacionamento, restaurante, banheiros e um posto de controle. Entretanto, ao contrário de outros pontos da Chapada dos Veadeiros, para visitar o Vale da Lua não se requer a contrata-ção de guias locais.

Depois do pagamento de uma taxa de entra-da e do preenchimento de um cadastro, pode--se caminhar rumo a essa área de superfície lunar em pleno Planalto Central por uma trilha de 600 metros, de fácil acesso.

No Vale da Lua, vale a pena experimentar o banho gelado nas piscinas naturais de águas verde esmeralda, localizadas entre as fasci-nantes rochas exóticas formadas por quartzo, areia e argila nos tons da superfície da lua.

No tempo seco, o Vale da Lua, que pode ser acessado pela rodovia GO-239, a partir de uma estrada de terra que fica no lado oposto ao Parque Nacional, é bastante seguro, mas no período chuvoso as trombas d´água que che-gam de repente tornam a presença humana no Vale bastante perigosa e arriscada.

Eduardo Pereira

@weiss_guru

Faça o que é bomSinta o que é bom

Pense o que é bomBom pra você!

Coma o que é bomVeja o que é bom

Volte ao que é bomBom pra você!

Guarda pro finalAquele sabor genial

Se é genial pra você!Tente o que é bom

Permita o que é bomDescubra o que é bom

Bom pra você!

Então beije o que é bomMostre o que é bomExcite o que é bom

Bom pra você!

Um dia você me contaUm dia você me apronta

Um resumoDo supra-sumo do seu prazer

Um resumoDo supra-sumo do seu prazer

Pese o que é bomPerceba o que é bom

Decida o que é bomPra você

Decida o que é bom pra você...

Christiaan Oyens, Zélia Duncan

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Pensar numa escola sustentável implica ensinar às crianças a produzir ao invés de consumir. Diante disso, a Escola Classe 419 de Samambaia (EC 419) buscou provocar nas crianças a ideia de que é preciso construir uma percepção humana capaz de gerar conhecimentos sobre a humanidade e sua relação com o meio ambiente, pois o discurso pedagógico precisa ter um efeito positivo na vida dos alunos fora e dentro da escola.

Com cerca de mil estudantes nos dois turnos, entre quatro e 10 anos de idade, abrangendo da Educação Infantil ao 5º

ano do Ensino Fundamental, a EC 419 desenvolve, desde 2016, o Projeto Horta - “Incentivar a Alimentação Saudável numa Perspectiva da Sustentabilidade”. A finalidade maior é intervir na cultura alimentar e nutricional dos estudantes da escola com base no entendimento de que é possível promover uma melhoria na qualidade de vida e na aplicação de novos saberes dentro de um parâmetro de formação integral do sujeito.

“A escola, ao pensar na criação da horta, garante aos estudantes a possiblidade de aprender a plantar,

selecionar o que plantar, planejar o que plantou, transplantar mudas, regar, cuidar, colher, decidir o que fazer do que colheu, utilizando, assim, os pressupostos pedagógicos da Educação Ambiental e Alimentação Saudável numa perspectiva interdisciplinar”, explica a vice-diretora da unidade escolar, Edilene Nunes Pereira.

Ela conta que cada turma aproveita a horta para trabalhar os conteúdos interdisciplinares da educação infantil, faz registros por meio de desenhos e textos coletivos; os estudantes alfabetizados fazem relatórios descritivos do seu canteiro, fazem pesquisa sobre sementes, como plantar, utilizam as situações para construírem gráficos e resolução de problemas, trabalham ciências por meio das fases das plantas e fazem registros fotográficos.

Neste ano, a escola recebeu uma emenda parlamentar que permitiu fazer a captação da água da chuva e a construção de mais canteiros, trabalhando

o plantio de hortaliças, com as PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais), separação do lixo para reciclagem, aproveitamento dos orgânicos para produção de adubo - que é utilizado na própria horta e no jardim suspenso.

A diretora Maria Irene Lino de Carvalho complementa: “A horta é um ótimo recurso para os fins pedagógicos e sociais, pois as crianças tem a oportunidade de ter contato com a natureza e conhecer de onde vêm os alimentos que consumimos, incentivando o consumo de alimentos saudáveis e orgânicos. As hortaliças que produzimos são utilizadas na merenda (coentro, cebolinha, couve, alface). Outras hortaliças servem para fazer receitas saudáveis a partir de um texto instrucional (salada, sanduiche natural, sopa, farofa, suco)”.

De acordo com as gestoras, os professores relatam que a horta enriquece as aulas, os alunos se interessam, querem plantar, se preocupam em cuidar, verificam o crescimento e isso desperta o desejo de consumir alimentos saudáveis. “Alguns alunos não têm o costume de comer verduras e legumes em casa; mesmo na escola havia resistência. Mas com a horta, com eles participando do cultivo e colheita, sentem vontade de comer e mesmo os mais resistentes começam a querer experimentar porque veem outros colegas comendo”.

“O projeto significa a promoção da educação integral de crianças; a horta nos ensina práticas de cultivos, mas também ensina valores de colaboração, respeito, esperar o tempo da colheita, valores essenciais à vida. Desperta o desejo de aprender sempre mais, proporciona a interdisciplinaridade de conteúdos, combate o desperdício, propaga ações sustentáveis e faz conhecer e vivenciar a importância de uma alimentação saudável para uma vida com qualidade e feliz”, enfatizou Edilene.

Para os próximos anos, a equipe da EC 419 de Samambaia pretende ampliar o projeto, englobando o cultivo de agroflorestal, minhocário e meliponário.

Horta na Escola Classe 419 de Samambaia contribui para o desenvolvimento dos saberes de forma integrada

Fotos: Acervo da Escola

Valores como colaboração e respeito sempre presentes nas atividades

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GASTRONOMIA GASTRONOMIA

CURAU DEMILHO VERDESabe fazer curau?

Lúcia Resende

Atualmente, pouca gente sabe fazer o curau, daquele jeito tradicional, que demanda paciência, paladar apurado e tempo cronometrado.

Conhecido como canjica no Nordeste, por aqui essa delícia é também chamada de mingau de milho verde, sobretudo se a consistência é mais leve, mais mole.

Fazer um bom curau demanda ciência e paciência. Receita, com medida certa, quase ninguém tem. Geralmente aprendemos com as pessoas mais velhas a fazer “pelo rumo” e vamos transmitindo às novas gerações. Assim a receita veio perdurando através dos tempos. Eu aprendi com minha mãe, dona Odete, que fazia o melhor curau desde mundo!

Diante da iminência de que esses saberes acabem se perdendo ou fiquem restritos às cozinhas comerciais, porque a geração atual vem se acostumando a comprar tudo pronto, a Xapuri tem se preocupado em publicar receitas tradicionais, para que, escritos, esses modos de fazer as delícias da nossa cozinha possam ser aprendidos por quem se interesse.

O curau vem nessa esteira. Para passar a receita, fui pra cozinha, medi o meu “jeito de fazer pelo rumo”, testei, aprovei e faço aqui o registro. Claro que não sem o “pulo do gato”, que é o segredo que toda boa receita tem!

Ingredientes

• 5 xícaras de milho verde ralado ou batido no liquidificador (7 a 8 espigas, aproximadamente)

• 2 litros de leite

• 2 xícaras de açúcar

• 1 colher de chá de sal

• Canela em pó

Modo de fazerDescasque o milho, cate, rale as espigas ou corte

e bata no liquidificador com parte do leite. Depois, em uma peneira fina, vá colocando a massa, aos poucos, regando com leite e espremendo, até tirar bem o caldo. É sempre bom reservar um pouco do leite (uma xícara, mais ou menos), para acertar o ponto. Em seguida, lave a peneira, coe novamente o caldo numa panela, acrescente o açúcar e o sal e leve ao fogo, mexendo sempre, para que o amido não se acumule no fundo e não grude. Depois que abrir fervura, o mingau vai engrossar rapidamente. Acrescente então o leite restante, se preciso. Agora, vem o “pulo do gato”. Sem isso, não há curau que preste. Marque 15 MINUTOS (depois de engrossado), no relógio. Nem mais, nem menos, pois o cozimento tem de estar no ponto certo. Passados os 15 minutos de cozimento (mexendo sempre), desligue o fogo, despeje o curau nas vasilhas e polvilhe com canela. Pode ser servido quente, frio ou gelado, questão de preferência!

• Importante observar o ponto do milho, as espigas devem estar bem granadas e bem amarelinhas, os grãos firmes, mas não duros.

• Se quiser um curau mais molinho, mais leite; mais duro, pra cortar, menos leite. Ajuste o açúcar e o sal, se retirar ou acrescentar leite.

• Se fizer e aprovar a receita, conte pra gente!

ATENÇÃO!

Lúcia ResendeProfessora

@mluciares

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HISTÓRIA SOCIAL

Brasil, EUA e Canadá são bons exemplos do impacto relevante da imigração na vida dos países. A história mostra que imigrantes e refugiados sempre buscam con-tribuir com a nova pátria. Logo na segunda geração e em todas as se-guintes, seus descendentes estão suficientemente adaptados à for-ma de vida do país que os acolheu.

Com o ressurgimento do na-cionalismo, sobretudo na Europa

PODERÁ A FRANÇA, CAMPEÃ MUNDIAL DE FUTEBOL COM UMA SELEÇÃO MULTIÉTNICA,

CONTRIBUIR PARA UM MUNDO MENOS RACISTA?

Joseph S. Weiss

e nos EUA, diminui a compreen-são da importância dos imigran-tes, mas é sabido e reconhecido o quanto os imigrantes europeus, asiáticos, latinos e africanos con-tribuíram para o êxito socioeconô-mico dos EUA; como os turcos con-tribuíram para a fortaleza que é a Alemanha; como os africanos do Magreb e depois os originários do sul do Saara contribuíram para o fortalecimento da França.

Joseph S. Weiss, Ph.d.Economista. Humanista. Militante dos Movimentos Ambiental e Social.

Agora em 2018, na Copa Mun-dial na Rússia, a França, grande campeã, venceu o campeonato com seus jogadores franceses de pais africanos e asiáticos, jogado-res com famílias originárias de 17 países, cada um com sua herança cultural e social que, na soma de seus valores, formaram uma equi-pe integrada e vencedora.

São eles: Paul Pogba, Guiné e Congo; Steve Mandanda, Congo;

Presnel Kimpembé, Congo e Haiti; Kylian Mbappé, Camarões e Ar-gélia; Ngolo Kanté, Mali; Samuel Umtiti, Camarões; Rafael Varene, Martinica e França; Blaise Matuidi, Angola e Congo; Adil Rami, Mar-rocos; Ousmane Dembelé, Mauri-tânia e Mali; Nabil Fekir, Argélia; Corentin Tolisso, Togo; Benjamin Mendy, Costa do Marfim; Thomas Lumar, Nigéria; Alfonse Areola, Filipinas; Djibril Sidibe, República Democrática do Congo.

Mas será que essa seleção mul-tiétnica poderá contribuir para uma nova consciência? Ou predo-minará a opinião oposta, a de que a imigração só prejudica? Poderá a vitória francesa servir para que

os racistas do mundo se conven-çam de que quem ganha em cam-po pode contribuir para um mundo mais justo e mais igual em qual-quer parte do mundo?

Ao celebrar a vitória, o meio--campista Paul Pogba, orgulhoso de sua origem africana, entregou à sua mãe, imigrante da Guiné, a taça da Copa do Mundo para que ela a erguesse. Oxalá neste gesto simbólico esteja o caminho para que a França possa conquistar seu ideal histórico da tão sonhada “igualdade, liberdade e fraternida-de”. Oxalá a vitória de uma seleção multiétnica no coração da Euro-pa abra espaços para um mundo mais igualitário e menos racista!

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COMPROMISSO

RELACIONAMENTOCRIATIVIDADE

QUALIDADECONTEÚDO

TAMANHO

ARTE

ESTÉTICAPONTUALIDADE

PONTUALIDADE

FORMATOSCRIAR CORES

SUSTENTABILIDADE

Pati Sales - 61 99554-1063 | 3591-4070

Existe, em Formosa, cidade próxima à re-gião metropolitana do Distrito Federal, um reino encantado de peças de patchwork cha-mado Madrecitas. É de lá que sua idealiza-dora, Camila Basso, somando bom gosto e excelência, ao mesmo tempo em que embele-za nossas vidas, gera ocupação e renda para talentosas costureiras de Formosa.

Organizadas – por Camila – em uma asso-ciação de “Madrecitas”, mãezinhas em Por-tuguês, mulheres formosenses se sentem va-lorizadas em seu talento no antigo ofício da costura. Com essa iniciativa, muitas mulhe-res, a maioria delas chefes-de-família, tor-

MADRECITASARTE EM RETALHOS, UMA LINDEZA!

Foto

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cerv

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ad

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tas

nam-se autônomas, se empoderam, melho-ram a qualidade de vida delas mesmas e de suas famílias.

É por essa razão que, ao comprar uma lin-da peça de patchwork na Madrecitas, você, ao mesmo tempo em que leva arte pra casa, também fortalece a história e a história das mulheres trabalhadoras de Formosa.

Agora, se não puder visitar a Madrecitas (Avenida Tancredo Neves, nº 100 – anexo do Posto Somar), os produtos em patchwork de Camila e das mulheres que trabalham com ela podem ser adquiridos na Loja Solidária da Xapuri. www.xapuri.info/loja-solidaria.

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Colaborador permanente da Xapuri há 38 edições, com artigos sobre mobilidade urbana, o jorna-lista Antenor Pinheiro deixa as pá-ginas da revista a partir deste mês. Manterá, contudo, contribuições eventuais e prosseguirá como mem-bro de nosso Conselho Editorial.

PERFIL PERFIL

ANTENOR PINHEIRO, CIDADÃO DO MUNDO

Jaime Sautchuk

Em breve, ao concluir mais um curso na Universidade Federal de Goiás (UFG), Antenor José de Pi-nheiro Santos já terá as malas prontas. Aposentado como servi-dor público estadual, vai morar em Havana, Cuba, cidade que, com seu largo conhecimento sobre a

vida urbana, considera o melhor lugar do mundo pra se viver.

Precavido, já negocia o visto de moradia no país e os direitos de uma pequena casa no bairro de Vedado, na capital cubana. Se não fosse lá, pela ordem, escolheria vi-ver em Praga (República Checa),

Vancouver (Canadá), Leeuwarden (Holanda), Montevidéu (Uruguai), Medellín (Colômbia), Portland (EUA) ou Alto Paraíso (Goiás, Bra-sil). Os motivos da escolha, confor-me diz, são “pessoas e cidades”.

Fica clara, pois, sua opinião de que as cidades dependem de quem vive nelas e as administra. Por exemplo, ele nasceu (1959) e sempre viveu em Goiânia, mas não gosta mais da cidade que já foi modelo de urbanidade no Brasil. E explica por quê: “Cidade desorgani-zada e sem governo, feia. Fugi!”

De fato, desde 2005 ele mora no município de Hidrolândia, numa chácara nas cercanias da capi-tal, distante uns 25 km do centro. Fez uma casa jeitosa, avaranda-da, com churrasqueira separada e cercada de jardins e pomar, onde pernoita todos os dias e passa seus fins de semana. Ali, tem o hábito de plantar árvores pra que cresçam junto com novas amizades.

A maior parte do tempo, no en-tanto, ele passa mesmo em Goiâ-nia, seja por razões profissionais ou como estudante de graduação em Geografia, na UFG. Sua vida aca-dêmica, aliás, vem de longe. Come-çou em 1977, quando se graduou em Perito Criminal, pela Academia de Polícia Civil do Estado de Goiás, profissão que exerceu por décadas como funcionário concursado e ainda hoje exerce como autônomo, no que é bastante requisitado.

Em 1984, Antenor abraçou com vontade a profissão de jornalista, ao se formar em Comunicação So-cial, também pela UFG. Mas nunca se distanciou por completo do am-biente acadêmico, fazendo vários cursos de pós-graduação em áreas afins à da perícia técnica e ao cam-po de políticas públicas. E foi por necessidade, segundo conta, que se tornou estudioso e especialista em Mobilidade Urbana.

Na atuação como perito, ele diz ter percebido que, pra compreen-

der direito os crimes e acidentes de trânsito que periciava, era preciso analisar as circunstâncias em que eles ocorriam. E explica:

“Foi quando me especializei em criminologia para entender os fe-nômenos criminógenos no ambien-te da circulação viária e descobri que o problema estava na agenda das cidades, os modelos de desen-volvimento e gestão, arquitetura urbanística, direitos humanos, re-des técnicas e ecologia urbana.”

Passou, também, a viajar pelo mundo com a intenção de estudar as áreas urbanas. Logo viu que as cidades brasileiras, de modo geral, não têm planejamento e estão bas-tante atrasadas em conceitos de ci-dadania e políticas públicas, mes-mo em relação a dezenas de outras na América Latina. Isso, apesar da ampla quantidade de normas que regulam o setor no Brasil, como o Estatuto da Cidade, Lei Nacional de Mobilidade e tantas outras.

Em tese, portanto, haveria am-paro legal à modernização das ci-dades canarinhas, desde conceitos gerais de urbanidade até detalhes, como calçadas, faixas de pedestres e acessibilidade a pessoas com de-ficiência. O que falta é gestão. Ade-mais, por exemplo, na maioria das localidades quem define os trajetos e tarifas dos transportes públicos são os donos de empresas conces-sionárias desses serviços.

Ao se aprofundar no estudo des-sas questões, Antenor passou a ser procurado pra escrever na im-prensa especializada e pra falar em conclaves nacionais e interna-cionais sobre o assunto. Ao mesmo tempo, se embrenhou em entida-des representativas. Foi, por duas gestões, presidente da Associação de Peritos Criminais e Médicos-le-gistas de Goiás e, em nível nacio-nal, da Associação Brasileira de Criminalística.

Nesses cargos, além de promo-ver mudanças na formação dos

profissionais dessas áreas, arti-culou a aproximação de gestores públicos e entidades privadas ao debate do assunto. Isso envolvia inclusive a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Auto-motores (Anfavea), com vistas a possíveis alterações nos carros e utilitários.

Aproximou, também, as gestões municipais de trânsito da Associa-ção Nacional de Transportes Públi-cos (ANTP), entidade da qual ainda hoje faz parte. Durante o governo do prefeito Pedro Wilson Guima-rães, em Goiânia 2000/2004), foi diretor do órgão municipal de trân-sito. Antes, em 1986, havia sido candidato a deputado estadual pelo seu partido, o PT, mas não ob-teve a votação necessária, embora bem votado.

O curso de Geografia a que se dedica atualmente é uma maneira de tentar aprofundar seus conhe-cimentos, no sentido de expandir o entendimento das cidades a planos mais amplos. E combina bastante com a maneira como ele próprio se define:

“Uma pessoa sedenta de apren-dizado, viajante convicto, multívoco por natureza, tomador de cerveja e apreciador de queijo trança; privi-legiado por ter seis filhos e um neto que são a minha razão de ser.”

Os filhos a que ele se refere são de três casamentos diferentes, dois de cada. São cinco mulheres e um homem, todos adultos, com for-mação universitária, bem encami-nhados na vida. Uma situação que lhe permite alçar voo ainda mais longo, em outra parte do mundo, como planeja.

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BNCC DO ENSINO MÉDIOSINTEGO E CNTE EM MOBILIZAÇÃO CONTRA ESSA

REFORMA NEFASTA PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Nove dias, e em pleno período de férias, esse foi o tempo dado pelo Ministério da Educação (MEC) para a consulta de cerca de 509 mil professores de 28 mil escolas públicas e particulares do Brasil inteiro so-bre a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC do Ensino Médio).

Publicada no site do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) no dia 23 de julho, o “Dia D” da consulta foi marcado para o dia 2 de agosto. Em Goiás, a Secretaria Estadual de Educação, Cultu-ra e Esporte (SEDUCE) resolveu agendar o “Dia D” para 9 de agosto.

Bia de Lima

“Teve sistema estadual que fez seminário fechado para os que trabalham dentro da Secretaria de Educação poder opinar, algo bem restrito. E teve escola que não reuniu a equipe, não discutiu, mas colocou os pro-fessores para responder os formulários do Consed pela internet”, avaliou o presidente da Confederação Nacional dos Trabalha-dores em Educação (CNTE), Heleno Araújo. “O Brasil é um país continental e diverso, eles (o governo) precisam aprender que as coisas não funcionam assim, apenas por um comando de Brasília. Um abuso e um golpe este dia D que eles inventaram”.

Por essa razão, o SINTEGO e a Confede-ração Nacional dos Trabalhadores em Edu-cação (CNTE) organizam uma campanha de informação, denúncia e mobilização sobre esta reforma que visa, principalmente, excluir o acesso à educação pública de qualidade para os filhos das classes mais pobres. Veja algumas das razões porque é preciso ir à luta, em Goiás e no Brasil, contra a BNCC do Ensi-no Médio do golpista Michel Temer, conforme lista organizada pela CNTE

IMPACTOS DA BNCC DO ENSINO MÉDIO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

1. A Reforma do Ensino Médio, da qual a BNCC faz parte, tornou obrigatórias apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática nas escolas brasileiras desse nível de ensino. As outras disciplinas, como História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Artes, Educação Física, Língua Estrangeira, Física, Química e Biologia não serão mais obrigatórias.

2. O currículo flexível poderá ser cumprido totalmente fora das escolas, por meio de inúmeras certificações de qualidade duvidosa e desatreladas dos princípios da formação escolar, como cursos de aprendizagem oferecidos por centros ou programas ocupacionais (ex: Pronatec e Sistema S), e experiência de trabalho supervisionado ou outra adquirida fora do ambiente escolar. É o caso de trabalho voluntário; estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; cursos realizados por meio de educação a distância etc.

3. Essa proposta dificulta cada vez mais o ingresso da população de baixa renda na universidade.

4. Do jeito que foi aprovada a BNCC, o que vai acontecer é que as escolas vão reduzir seus quadros de educadores, já que precisarão basicamente de professores de Português e Matemática, até porque parte das disciplinas serão cumpridas a distância.

5. Sem contar as demissões em massa, haverá contratação de profissionais com “notório saber” na educação técnica-profissional e precarização das relações de trabalho por meio da Reforma Trabalhista.

6. A parte flexível do currículo e até mesmo componentes da BNCC – não presencial – serão transferidos para a iniciativa privada, como o Sesc, Senai, Senac, Sesi e Federação Nacional das Escolas Particulares e o Sistema Globo de Comunicações, por meio de seus Telecursos. Por isso esses grupos apoiam a chamada reforma do Ensino Médio.

7. Esse domínio do setor privado no Ensino Médio público está alinhado com a Emenda Constitucional nº 95, que congela por 20 anos os investimentos públicos em políticas sociais, entre elas a educação.

No site do SINTEGO (www.sintego.org.br), você encontra um modelo de carta, com os devidos endereços, para que sua escola pos-sa se manifestar perante o MEC e o Consed, vários documentos sobre esta reforma, e a nossa agenda de mobilização e denúncia.

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MEIO AMBIENTE MEIO AMBIENTE

S.O.S. XINGU:EM SEIS MESES, 100 MILHÕESDE ÁRVORES DERRUBADAS

Isabel Harari

Cerca de 100 milhões de árvo-res foram desmatadas na Bacia do Xingu em apenas seis meses. A pressão por novas áreas para a expansão agropecuária, grilagem de terras, retirada ilegal de madei-ra e a expansão do garimpo pro-vocaram a derrubada de 70 mil hectares de floresta no Pará e no Mato Grosso. O ritmo do desmata-mento não mostra sinais de dimi-nuição: em junho, 24.541 hectares foram destruídos.

Do total desmatado no último mês, mais de 7 mil hectares cor-respondem ao montante de flo-resta derrubada dentro de áreas protegidas – Terras Indígenas e Unidades de Conservação. À re-

velia de denúncias feitas pelos po-vos indígenas, ribeirinhos e seus parceiros, que cobram medidas efetivas de combate ao desmata-mento, não houve, até então, um arrefecimento das atividades ile-gais no território. “É urgente que os órgãos governamentais responsá-veis atuem para combater o des-matamento. Os índices são assus-tadores e aumentam a cada mês”, alerta Juan Doblas, especialista em geoprocessamento do ISA.

GRILAGEM AVANÇA EM TERRA DE INDÍGENAS ISOLADOS

A ação de grileiros e desmata-dores voltou com força na Terra

Avanço da agropecuária, garimpo ilegal, grilagem de terras e roubo de madeira provocaram o desmatamento de 70 mil hectares na Bacia do Xingu

Indígena (TI) Ituna/Itatá, mo-rada de indígenas isolados, no Pará. Em junho foi registrado um aumento exorbitante na área desmatada em seu interior: de 3 hectares detectados em maio, o número pulou para 756 hectares.

A TI entrou no radar do moni-toramento do Sirad X em janeiro, quando foi identificado um des-matamento de 77 hectares. Após detectar 7 hectares desmatados em 2013, a região contabilizou assustadores 1.349 hectares de floresta derrubados entre agos-to de 2016 e junho de 2017. Esses dados revelam uma tendência de expansão de um processo de gri-lagem, fruto da ação de grupos

criminosos de Altamira e Anapu.Em março, o ISA encaminhou a

diversos órgãos governamentais um ofício denunciando o avanço da destruição da floresta, com a localização de todos os polígonos referentes ao desmatamento. O documento foi entregue ao Insti-tuto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), Secretaria de Estado de Meio Am-biente e Sustentabilidade do Pará (Semas-PA), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério Pú-blico Federal (MPF). Em abril, vol-tou a encaminhar uma denúncia, dessa vez referente a exploração de madeira no interior da TI. Após alguns meses de calmaria, em que duas ações do Ibama foram realizadas para coibir as ativida-des ilegais, o desmatamento pa-rece ter voltado com força.

A TI Ituna/Itatá localiza-se a menos de 70 quilômetros do sí-tio Pimental, principal canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, e a destruição das flores-tas vem aumentando exponen-cialmente desde 2011, início da construção da usina. “A chegada do empreendimento e o brutal aquecimento do mercado de ter-ras na região provocou uma cor-rida especulativa. Nesse contexto, o desmatamento constitui uma reafirmação do controle sobre de-terminadas áreas e tende a cres-cer com a ausência de ações de

fiscalização”, afirma Doblas.

DESMATAMENTO NA TI ITUNA/ITATÁ, MORADA DE ÍNDIOS ISOLADOS

A área foi interditada pela Fu-nai em 2011 para proteção dos grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de tercei-ros na área. Questionada pela reportagem sobre a situação da TI frente ao avanço do desmata-mento, a Funai disse que “sozinha não tem capacidade operacional nem competência legal para atu-ar combativamente” e afirmou que tem trabalhado para firmar parcerias com outras instituições como o Ibama e o Incra.

A TI é de extrema importância para a manutenção da integrida-de das demais terras na margem direita do Xingu – Apyterewa, Arawete/Igarapé Ipixuna e Trin-cheira/Bacajá. A pressão sobre o território dos isolados coloca as demais áreas em risco. A implan-tação de um plano de proteção à TIs é uma condicionante de Belo Monte, mas nunca foi efetiva-mente cumprida.

Pressão de Novo ProgressoA Floresta Nacional (Flona) de

Altamira apresentou uma aber-tura de 800 hectares em junho, um aumento de 1.000% em rela-ção ao mês anterior, em que fo-ram desmatados 80 hectares. A

Isabel HarariJornalista. Fotógrafa. Matéria publicada no site do Instituto Socioambiental www.socioambiental.org.

UC está situada numa localização estratégica na porção paraense da Bacia do Xingu, protegendo os seus grandes rios, Iriri e Xingu, dos vetores de pressão provenien-tes da região de Novo Progresso.

Na Floresta Estadual do Iriri, vizinha à Flona, foram detectados 57 quilômetros de estradas des-tinadas à extração e escoamento ilegal de madeira, abertos nos úl-timos dois meses. Além disso, fo-ram registrados mais de 100 hec-tares de floresta desmatados sem nenhuma autorização do órgão gestor, o Instituto de Desenvolvi-mento Florestal e da Biodiversi-dade do Estado do Pará (Ideflor--Bio).

O desmatamento na Flona Al-tamira e o aumento dos garimpos na região mostram que Novo Pro-gresso está aumentando a pres-são sobre as áreas protegidas do seu entorno. O município, na re-gião de influência da BR-163, tem um histórico de conflitos socio-ambientais que vêm ameaçando a integridade do território e seus povos.

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SUSTENTABILIDADE SUSTENTABILIDADE

Leonardo Boff Filósofo. Teólogo. Escritor. Excerto do livro Saber Cuidar. 18ª Edição. Editora Vozes. 2012.

A meu ver, dois fatores atingiram o coração da ética na atualidade: o processo de globalização e a mer-cantilização da sociedade.

A globalização mostrou os vários tipos de ética, consoante as diferen-ças culturais. Relativizou-se a ética ocidental, uma entre tantas. As gran-des culturas do Oriente e as dos povos originários revelaram que podemos ser éticos de forma muito diferente.

Por exemplo, a cultura Maia coloca tudo centrado no coração, já que to-das as coisas nasceram do amor de dois grandes corações, do Céu e da Terra. O ideal ético é criar em todas as pessoas corações sensíveis, jus-tos, transparentes e verdadeiros. Ou a ética do “bien vivir y convivir” dos andinos, assentada no equilíbrio com todas as coisas, entre os humanos, com a natureza e com o universo.

Tal pluralidade de caminhos éti-cos teve como consequência, uma relativização da generalidade. Sa-bemos que a lei e a ordem, valores da prática ética fundamental, são os pré-requisitos para qualquer civili-zação em qualquer parte do mundo. O que observamos é que a humani-dade está cedendo diante da bar-bárie rumo a uma verdadeira idade das trevas mundial, tal é o descala-bro ético que estamos vendo.

Pouco antes de morrer, em 2017, advertia o pensador Sigmund Bau-man: ”ou a humanidade se dá as mãos para juntos nos salvarmos ou então engrossaremos o cortejo da-queles que caminham rumo ao abis-mo”. Qual é a ética que nos poderá orientar como humanidade vivendo na Casa Comum?

O segundo grande empecilho

O ECLIPSE DA ÉTICA NA ATUALIDADE

Leonardo Boff

à ética é aquilo que Karl Polaniy chamava já em 1944 de “A Gran-de Transformação”. É o fenômeno da passagem de uma economia de mercado para uma sociedade pura-mente de mercado. Tudo se transfor-ma em mercadoria, coisa já prevista por Karl Marx em seu texto A misé-ria da Filosofia, de 1848, quando se referia ao tempo em que as coisas mais sagradas como a verdade e a consciência seriam levadas ao mer-cado; seria “tempo da grande cor-rupção e da venalidade universal”.

Pois vivemos este tempo. A econo-mia, especialmente a especulativa, dita os rumos da política e da socie-dade como um todo. A competição é sua marca registrada e a solidarie-dade praticamente desapareceu.

O que é o ideal ético deste tipo de sociedade? É a capacidade de acumulação ilimitada e de consu-mo sem peias, gerando uma gran-de divisão entre um pequeníssimo grupo que controla grande parte da economia e as maiorias excluídas e mergulhadas na fome e na miséria. Aqui se revelam traços de barbárie e crueldade como poucas vezes na história.

Precisamos refundar uma ética que se enraíze naquilo que é especí-fico nosso enquanto humanos e que, por isso, seja universal e possa ser assumida por todos.

Estimo que que em primeiríssimo lugar é a ética do cuidado que se-gundo a fábula 220 do escravo Hi-gino e bem interpretada por Martin Heidegger em Ser e Tempo constitui o substrato ontológico do ser huma-no, aquele conjunto de fatores sem os quais jamais surgiriam o ser hu-

mano e outros seres vivos. Pelo fato de o cuidado ser da essên-cia do humano, todos podem vivê-lo e dar--lhe formas concretas, consoante suas cultu-ras... O cuidado pres-supõe uma relação amigável e amorosa para com a realida-de, da mão estendida para a solidariedade e não do punho cerra-do para a dominação. No centro do cuidado está a vida. A civili-zação deverá ser bio--centrada.

Outro dado de nos-sa essência humana é a solidariedade e a ética que daí se deri-va. Sabemos hoje pelo bio-antropologia que foi a solidariedade de nossos ancestrais antropoides que per-mitiu dar o salto da animalidade para a humanidade. Busca-vam os alimentos e os consumiam solidariamente. Todos vivemos porque existiu e existe um mínimo de solidariedade, começan-do pela família. O que foi fundador ontem, continua sendo-o ainda hoje.

Outro caminho ético, ligado à nos-sa estrita humanidade é a ética da responsabilidade universal. Ou as-sumimos juntos responsavelmente o destino de nossa Casa Comum ou então percorreremos um caminho sem retorno. Somos responsáveis

pela sustentabilidade de Gaia e de seus ecossistemas para que possa-mos continuar a viver junto com toda a comunidade de vida.

O filosofo Hans Jonas que, por primeiro, elaborou O Princípio Res-ponsabilidade, agregou a ele a im-portância do medo coletivo. Quando este surge e os humanos começam a dar-se conta de que podem conhe-

cer um fim trágico e até de desa-parecer como espécie, irrompe um medo ancestral que os leva a uma ética de sobrevivência. O pressupos-to inconsciente é que o valor da vida está acima de qualquer outro valor cultural, religioso ou econômico.

Por fim, importa resgatar a éti-ca da justiça para todos. A justiça é o direito mínimo que tributamos ao outro, de que possa continuar a exis-tir e dando-lhe o que lhe cabe como

pessoa. Especialmente as institui-ções devem ser justas e equitativas para evitar os privilégios e as exclu-sões sociais que tantas vítimas pro-duzem, particularmente nosso país, um dos mais desiguais, vale dizer, mais injustos do mundo.

Daí se explicam o ódio e as discri-minações que dilaceram a socieda-de, vindos não do povo, mas daque-

las elites endinheiradas que sempre viveram do privilégio. Atualmente vivemos sob um regime de exceção, no qual tanto a Constituição como as leis são pisoteadas ou mediante o Lawfare (a interpretação distorcida da lei que o juiz pratica para prejudi-car o acusado).

A justiça não vale apenas entre os humanos, mas também para com a natureza e a Terra que são portado-ras de direitos e por isso devem ser

incluídas em nosso conceito de de-mocracia socioecológica.

Estes são alguns parâmetros mí-nimos para uma ética, válida para cada povo e para a humanidade, reunida na Casa Comum. Devemos incorporar uma ética da sobriedade compartida para lograr o que dizia Xi Jinping, chefe supremo da China “uma sociedade moderadamente

abastecida”. Isto significa um ideal mínimo e alcançável. Caso contrário poderemos conhecer um armage-don social e ecológico.

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MEMÓRIA

Juscelino Kubitschek de OliveiraFrase histórica, gravada no hall do Palácio da Alvorada e no mármore do Museu da Cidade, na Praça dos Três Poderes, criada pelo poeta Augusto Frederico Schmidt para o discurso de JK no lançamento da pedra fundamental da nova capital do Brasil. Fundador de Brasília. Presidente do Brasil entre os anos de 1956 e 1961. Nasceu em Diamantina, Minas Gerais, em 12 de setembro de 1902 e faleceu em um acidente de trânsito, em Resende, Minas Gerais, em 22 de agosto de 1976.

Em dezembro, o Brasil e o mundo completam 30 anos sem a presença física de Chico Mendes, o maior líder sindicalista e ambientalista que o Brasil já teve.

Um grande encontro dos povos da Amazônia e de seus parceiros e parceiras de todos os cantos do planeta está sendo organizado para os dias 15, 16 e 17 de dezembro, na cidadezinha acreana de Xapuri, onde nasceu e viveu o grande serin-gueiro até o dia do seu assassinato pelas forças do latifúndio, em 22 de dezembro de 1988.

Para que os povos extrativistas da Amazônia possam honrar a memória e celebrar o legado de Chico Mendes no encontro de Xapuri, contribua comprando uma camiseta em nossa loja solidá-ria: www.xapuri.info/loja-solidária.

CHICO MENDES – 30 ANOS

“Deste Planalto Central,

desta solidão que em breve

se transformará em cérebro

das altas decisões nacionais,

lanço os olhos mais uma vez

sobre o amanhã do meu país e

antevejo esta alvorada com fé

inquebrantável em seu grande

destino”.

Juscelino Kubitschek de Oliveira, 2 de outubro de 1956.

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