Perrenoud. Entrevista à Nova Escola

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  • 8/18/2019 Perrenoud. Entrevista à Nova Escola.

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    Philippe Perrenoud. Foto: Juliet Piper 

    Entrevista com Philippe Perrenoudsobre a democratização do ensino

    Para o sociólogo suíço, o professor precisa de capacitação para se

    tornar um tradutor do conhecimento e conseguir modificar sempre sua

    maneira de explicar até que todos os alunos aprendam

    Márcio Ferrari

    As mudanças de rumo que ocorreram na educação brasileira naúltima década não foram fruto do acaso. Elas buscaram

    responder a um desafio: desenvolver no aluno uma série decompetências e prepará-lo para entender e transformar o mundoem que vive. As competências são objeto de estudo do suíçoPhilippe Perrenoud, cujas idéias sobre prática pedagógicainfluenciaram as reformas educacionais no Brasil.

    Em sua última visita ao país, em julho, para participar de umseminário sobre educação e competitividade econômicarealizado em Brasília, Perrenoud questionou a validade do

     próprio tema do encontro, que considerou "excessivamenteambíguo". Apesar disso, reconheceu ser "inevitável" levar emconta a competitividade de um país em tempos de economiaglobal ao investir na educação. No sistema educacional, eledistingue duas instâncias de competição igualmente prejudiciais.

    A primeira é a que ocorre dentro de uma escola ou de uma sala de aula. A segunda é a queacontece entre as escolas e que pode levá-las a recusar os chamados "estudantes de risco", emlugar de dar oportunidade a todos. "Em educação, não deve haver perdedores", ele justifica.

    Com a mesma ênfase que coloca na importância da universalização do ensino, o especialista faladas novas ambições e perspectivas educacionais.

    Por que o desempenho do Brasi l e dos países da América Latina em geral no ranking internacional de

    educação ainda é tão ruim?

    PERRENOUD Em uma pesquisa recente a esse respeito, vi que o Brasil ocupava a 37a posição.Mas mesmo a Suíça, que é um país rico e desenvolvido, ficava na 17a. Então, não há motivo paradesespero. Existem grandes desigualdades mesmo entre nações muito ricas. Talvez haja tanta

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    distância entre a Finlândia e a Suíça, que são dois países europeus pequenos e ricos, quanto entrea Suíça e o Brasil. Não é apenas uma questão de desenvolvimento, mas um conjunto de fatorescomplexos. O Brasil enfrenta problemas diversos e, portanto, não me surpreende que a educação

     brasileira não seja, hoje, ideal. É um desafio extraordinário mobilizar tantos recursos e pessoas. Nenhum governo pode fazer milagres.

     A que o senhor atr ibui o sucesso de suas idéias aqui no Brasil?

    PERRENOUD Sei do que estou falando, tento ser concreto e busco não me afastar da realidade prática. Além disso, talvez os problemas enfrentados pela escola sejam muito semelhantes emtodos os países, apesar das desigualdades de desenvolvimento e da diferente posição geográfica.Em lugar nenhum a educação é eficaz o bastante. O fracasso escolar e a exclusão são problemasuniversais, assim como a necessidade de levar em conta as diferenças individuais e de uma

     pedagogia mais construtiva. Por isso, acho natural que possamos nos reconhecer em trabalhos quevêm de outros continentes.

    Os problemas na educação são conseqüência da crise do mundo atual ou são crônicos?

    PERRENOUD Eles mostram uma redefinição das ambições das políticas educacionais. No século19, a idéia de educação como um direito de todos era revolucionária. Até hoje, no entanto, alguns

     países conseguiram escolarizar apenas 10% ou 20% de sua população. Já nas naçõesdesenvolvidas, atualmente quase todo mundo vai à escola. Mas, onde todos já sabem ler, escrever e contar, isso já não basta. À medida que o objetivo da escolarização é atingido, ele se desloca. Énormal que o sistema esteja sempre em discordância com relação às ambições que se estabelecem

    na modernidade, na complexidade, na tecnologia.

    O peso de novas metas pode desestruturar o sistema educacional?

    PERRENOUD Não inventamos novas ambições para provocar o fracasso do sistema. Deve-sereconhecer que o nível mundial de educação jamais esteve tão elevado e as pessoas instruídas

     jamais foram tão numerosas. Mas, diante das necessidades de uma sociedade cada vez maiscomplexa, existe um déficit não absoluto, mas relativo às exigências dos tempos modernos. É

    fundamental compreender isso. A culpa não pode ser atribuída só à escola, mas à sociedadetecnológica, que é multicultural, globalizada e apresenta aos indivíduos desafios enormes. Viver hoje em dia é muito mais complexo do que há 50 anos: exige novos conhecimentos, novascompetências.

    Há quem diga que muitas pessoas trabalham bem com a cabeça, muitas trabalham bem com as mãos,

    mas poucas sabem trabalhar com as duas ao mesmo tempo. O que o senhor pensa sobre isso?

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    PERRENOUD Essa idéia é um estereóti po. Todos nós trabalhamos com a cabeça. É impossívelfazer qualquer coisa sem ela. E mesmo em trabalhos intelectuais há muitos aspectos práticos,como escrever, classificar, gerir o tempo. Não existe oposição entre atividade intelectual e manual.Pelo contrário: é necessário reconhecer q ue em toda tarefa existe uma parte de inteligência,sabedoria, antecipação e raciocínio. Mesmo um lixeiro ou um porteiro, que parecem fazer algomuito simples, estão sempre tomando decisões, avaliando prós e contras.

    O Ensino Fundamental deve preparar para a prática?

    PERRENOUD Mas que prática? A Educação Básica realmente não prepara para o exercício deuma profissão, mas para a prática da cidadania, da vida social, associativa, sexual, amorosa efamiliar. Todas essas vidas são muito importantes, e é possível associar a educação fundamental aelas.

    O que o senhor pensa dos ciclos de aprendizagem, que no Brasil são vistos como uma solução de

    urgência contra a repetência?

    PERRENOUD Os ciclos de aprendizagem não são uma meta, mas um meio. Não são umaindicação de modernidade ou uma estrutura complicada por puro prazer; são um instrumenmto detrabalho. Devem ser o reflexo de uma pedagogia diferente.

    Um dos desafios da educação atual é transpor a linguagem científica e tecnológica para a linguagem

    da escola. Como se capacitar melhor para isso?

    PERRENOUD Esse problema não é novo, mas está ganhando importância à medida que a culturacientífica se expande. Toda disciplina escolar exige um trabalho de transposição, ou seja, devetornar-se acessível a um público que não é composto de pesquisadores ou produtores do saber.Dessa forma, toda escola se torna uma imensa empresa de vulgarização, no bom sentido do termo.A formação de professores exige não só que eles dominem o saber mas também que saibam fazer a transposição desse saber. Como explicar frações a alunos de 12 anos? E números negativos aadolescentes de 13? São conceitos muito complexos, que, se forem explicados por alguém que

    não tem a competência da transposição, ou didática, só serão compreendidos pelos melhoresestudantes. Os outros passarão por burros ou preguiçosos. Na verdade, a incapacidade é doeducador. Traduzir é a responsabilidade principal do professor. Não basta saber, senão todos nós

     poderíamos lecionar. É necessário ter a competência específica para ser um tradutor deconhecimento.

    Como o professor pode se tornar um bom tradutor de conhecimento?

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    PERRENOUD Essa competência deveria estar no centro da formação inicial, mas infelizmenteisso nem sempre acontece. Muitas vezes, no Ensino Fundamental, basta conhecer a matéria paracomeçar a lecionar. Nesse caso, é necessário rever a formação inicial dos docentes para dar maisênfase às competências de transposição e de gerenciamento do saber. A habilidade se desenvolveao longo da vida, à medida que surgem os obstáculos. Alguém que explica frações e percebe quetalvez quatro de cada cinco alunos não entenderam absolutamente nada de sua aula deverá tentar 

    na aula seguinte ser mais concreto, achar novos exemplos. Esse processo não deve acabar nunca, pois os estudantes se renovam e há sempre alguns para os quais é necessário encontrar umalinguagem nova. Idealmente, um professor que de início era compreendido por três crianças emuma classe de 30 passará a ser compreendido por seis, depois por nove e finalmente por todas.

     Agir na Urgência e Decidir na Incerteza é o título de um de seus livros. Como o professor pode agir 

    diante do imprevisível?

    PERRENOUD Quanto mais qualificado for um profissional, maior deverá ser sua capacidade de

    enfrentar o imprevisível. Isso se aprende, e não é apenas na carreira de professor que é precisoimprovisar. Como preparar as pessoas para isso? É necessário trabalhar a dimensão afetiva: aangústia, o medo de improvisar ou a resistência em abandonar uma estratégia habitual que serevela ineficaz. É uma tarefa que exige lutar contra toda espécie de perfeccionismo e que demandatempo. A experiência ensina o profissional a discernir uma série de fatores. Um professor experiente sabe o que acontece em sua classe, a tal ponto que seus alunos pensam que ele temolhos nas costas! Ele escuta ruídos, percebe quando começa a agitação e quando a concentraçãodiminui. Quanto maior sua capacidade perceptiva, maior sua habilidade em improvisar.

    Philippe Perrenoud, 60 anos, é doutor em sociologia e antropologia e professor da Faculdade dePsicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Estudioso da evasão e dasdesigualdades na escola e especialista em práticas pedagógicas em instituições de ensino, é diretor do Laboratório de Pesquisas sobre a Inovação na Formação e na Educação (Life), também deGenebra.

    Quer saber mais?

    Bibliografia A Pedagogia na Escola das Di ferenças, Philippe Perrenoud, 230 págs., Ed. Artmed, tel. (51) 3027-7000,

    39 reais

    Escola e Cidadania, Philippe Perrenoud, 184 págs., Ed. Artmed, 32 reais

    Os Ciclos de Aprendizagem, Philippe Perrenoud, 230 págs., Ed. Artmed, 39 reais

     As Competências para Ensinar no Século XXI, Philippe Perrenoud e Monica Gather Thurler, 176 reais

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    Publicado em Novembro 2004,

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