3
PESQUISA EM EROSÃO DO SOLO Elemar Antonino Cassol (1) ; José Miguel Reichert (2) . 1. UFRGS-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Solos, Av. Bento Gonçalves, 7712, Caixa Postal, 776, CEP 90001-970 - Porto Alegre, RS. Bolsista do CNPq. [email protected] . 2. UFSM-Universidade Federal de Santa Maria, Depto. de Solos, CCR-UFSM, Santa Maria, RS. Bolsista do CNPq. [email protected] . A pesquisa em erosão do solo no Brasil data de 1942, como resultado do esforço de pessoas e instituições em alguns Estados brasileiros. O Instituto Agronômico de Campinas é a instituição brasileira com maior experiência e tradição nessa área, pois realiza pesquisas em erosão do solo de uma forma continuada, desde 1943. O grande esforço conjunto e organizado de várias instituições brasileiras, no planejamento e desenvolvimento da pesquisa em erosão do solo, no Brasil, data de 1975. Naquele ano, foi realizado em Londrina, PR, o 1 o Encontro Nacional sobre Pesquisa de Erosão com Simuladores de Chuva, evento que foi um grande marco na pesquisa de erosão do solo no Brasil. Vários encontros, congressos e reuniões técnicas se sucederam ao longo desses últimos 25 anos. A pesquisa teve avanços, pois é inegável o progresso técnico obtido na agricultura brasileira voltada ao controle da erosão do solo. Entretanto, ainda há muito a avançar e por isso os pesquisadores se mantêm sempre obstinados na busca, na discussão, no planejamento e na sistematização e uniformização de métodos de pesquisa em erosão do solo. A discussão aqui proposta será centrada na pesquisa em erosão hídrica do solo, tendo em vista que a pesquisa em erosão eólica do solo é inexpressiva no Brasil. Entretanto, vale o alerta que, para algumas regiões do Brasil, é importante planejar e executar pesquisas em erosão eólica do solo. A fonte de energia que desencadeia o processo de erosão do solo provém do agente erosivo. O sistema solo e suas interfaces podem dissipar completamente essa energia ou transformá-la em trabalho. As perdas de solo e água e de outras substâncias por erosão constituem o trabalho resultante desse processo. Alguns entendem que não é necessário conhecer todas as interações e transformações que ocorrem no sistema solo e suas interfaces durante o processo de erosão do solo, pois o que mais importa é controlar o processo de erosão e evitar a ocorrência de perdas por erosão. Outros defendem que existe a necessidade imperiosa de conhecer os detalhes do processo, a intensidade, as interações e as transformações que ocorrem durante o mesmo. Entendendo e interpretando corretamente o processo, além de descrevê-lo detalhadamente em um modelo físico ou conceitual, pode-se também, encontrar maneiras cada vez mais eficientes de controlá-lo e evitar seus efeitos danosos. Existem vários modelos de predição da erosão hídrica do solo. Para aplicar um modelo deve-se validá-lo em nível local. A pesquisa necessita determinar o valor de seus parâmetros, para as condições edafo-climáticas locais. Entre os vários modelos de predição de erosão existentes, um dos mais conhecidos e estudados no Brasil é o modelo USLE (Universal Soil Loss Equation), com base estatística probabilística, e suas derivações, MUSLE (Modified Universal Soil Loss Equation) e RUSLE (Revised Universal Soil Loss Equation). Mais recentemente estão sendo conduzidas pesquisas no Brasil para viabilizar a utilização do modelo WEPP (Water Erosion Predicition Project), que é um modelo mais fisicamente baseado. Na pesquisa de erosão hídrica do solo, é indispensável conhecer as características básicas da chuva e do escoamento (enxurrada) associado. As diferenças climáticas inerentes às várias situações geográficas provocam variações nas características das chuvas. Para uso no modelo USLE, necessita-se determinar um fator de erosividade das chuvas, ou seja, o potencial erosivo das chuvas. Estudos básicos sobre características da chuva e da enxurrada e seu potencial erosivo são raros no Brasil. Os poucos trabalhos realizados têm dado uma indicação de que a

PESQUISA EM EROSÃO DO · PDF filemetodologia empregada na determinação do fator de erosividade das chuvas usado na USLE é válida para as condições do Brasil. Entretanto, o método

  • Upload
    trantu

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PESQUISA EM EROSÃO DO · PDF filemetodologia empregada na determinação do fator de erosividade das chuvas usado na USLE é válida para as condições do Brasil. Entretanto, o método

PESQUISA EM EROSÃO DO SOLO

Elemar Antonino Cassol(1); José Miguel Reichert(2). 1. UFRGS-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Solos, Av. Bento Gonçalves, 7712, Caixa Postal, 776, CEP 90001-970 - Porto Alegre, RS. Bolsista do CNPq. [email protected]. 2. UFSM-Universidade Federal de Santa Maria, Depto. de Solos, CCR-UFSM, Santa Maria, RS. Bolsista do CNPq. [email protected].

A pesquisa em erosão do solo no Brasil data de 1942, como resultado do esforço de pessoas e instituições em alguns Estados brasileiros. O Instituto Agronômico de Campinas é a instituição brasileira com maior experiência e tradição nessa área, pois realiza pesquisas em erosão do solo de uma forma continuada, desde 1943. O grande esforço conjunto e organizado de várias instituições brasileiras, no planejamento e desenvolvimento da pesquisa em erosão do solo, no Brasil, data de 1975. Naquele ano, foi realizado em Londrina, PR, o 1o Encontro Nacional sobre Pesquisa de Erosão com Simuladores de Chuva, evento que foi um grande marco na pesquisa de erosão do solo no Brasil. Vários encontros, congressos e reuniões técnicas se sucederam ao longo desses últimos 25 anos. A pesquisa teve avanços, pois é inegável o progresso técnico obtido na agricultura brasileira voltada ao controle da erosão do solo. Entretanto, ainda há muito a avançar e por isso os pesquisadores se mantêm sempre obstinados na busca, na discussão, no planejamento e na sistematização e uniformização de métodos de pesquisa em erosão do solo.

A discussão aqui proposta será centrada na pesquisa em erosão hídrica do solo, tendo em vista que a pesquisa em erosão eólica do solo é inexpressiva no Brasil. Entretanto, vale o alerta que, para algumas regiões do Brasil, é importante planejar e executar pesquisas em erosão eólica do solo.

A fonte de energia que desencadeia o processo de erosão do solo provém do agente erosivo. O sistema solo e suas interfaces podem dissipar completamente essa energia ou transformá-la em trabalho. As perdas de solo e água e de outras substâncias por erosão constituem o trabalho resultante desse processo. Alguns entendem que não é necessário conhecer todas as interações e transformações que ocorrem no sistema solo e suas interfaces durante o processo de erosão do solo, pois o que mais importa é controlar o processo de erosão e evitar a ocorrência de perdas por erosão. Outros defendem que existe a necessidade imperiosa de conhecer os detalhes do processo, a intensidade, as interações e as transformações que ocorrem durante o mesmo. Entendendo e interpretando corretamente o processo, além de descrevê-lo detalhadamente em um modelo físico ou conceitual, pode-se também, encontrar maneiras cada vez mais eficientes de controlá-lo e evitar seus efeitos danosos.

Existem vários modelos de predição da erosão hídrica do solo. Para aplicar um modelo deve-se validá-lo em nível local. A pesquisa necessita determinar o valor de seus parâmetros, para as condições edafo-climáticas locais. Entre os vários modelos de predição de erosão existentes, um dos mais conhecidos e estudados no Brasil é o modelo USLE (Universal Soil Loss Equation), com base estatística probabilística, e suas derivações, MUSLE (Modified Universal Soil Loss Equation) e RUSLE (Revised Universal Soil Loss Equation). Mais recentemente estão sendo conduzidas pesquisas no Brasil para viabilizar a utilização do modelo WEPP (Water Erosion Predicition Project), que é um modelo mais fisicamente baseado.

Na pesquisa de erosão hídrica do solo, é indispensável conhecer as características básicas da chuva e do escoamento (enxurrada) associado. As diferenças climáticas inerentes às várias situações geográficas provocam variações nas características das chuvas. Para uso no modelo USLE, necessita-se determinar um fator de erosividade das chuvas, ou seja, o potencial erosivo das chuvas. Estudos básicos sobre características da chuva e da enxurrada e seu potencial erosivo são raros no Brasil. Os poucos trabalhos realizados têm dado uma indicação de que a

Page 2: PESQUISA EM EROSÃO DO · PDF filemetodologia empregada na determinação do fator de erosividade das chuvas usado na USLE é válida para as condições do Brasil. Entretanto, o método

metodologia empregada na determinação do fator de erosividade das chuvas usado na USLE é válida para as condições do Brasil. Entretanto, o método empregado, que se baseia em registros pluviográficos, é extremamente trabalhoso, demorado e caro. Alguns procedimentos baseados em dados pluviométricos têm sido desenvolvidos, para utilização em regiões desprovidas de registros pluviográficos. Mais estudos devem ser realizados para se definir um modelo de regressão para cada região de interesse.

Para a utilização do modelo WEPP não há necessidade de um parâmetro erosividade da chuva. Entretanto, o modelo requer a existência de um banco de dados meteorológicos, no qual devem constar registros diários de precipitação pluvial, temperatura, radiação solar, direção e velocidade do vento. Por isso, é imprescindível a existência de estações agrometeorológicas com registros de longo prazo. A instituição ou o pesquisador de erosão hídrica do solo, que desejar aplicar esse modelo, deverá buscar os dados fundamentais e elaborar o banco de dados meteorológicos. Esse levantamento de dados meteorológicos é um trabalho incipiente no Brasil e é altamente importante que os pesquisadores envolvidos uniformizem já, agora, a forma e o tipo de banco de dados, para que as informações geradas possam ser adequadamente comparadas e utilizadas.

Na pesquisa de erosão, especial ênfase deve ser dada ao solo, que é o agente passivo no processo, aquele que sofre a ação do agente erosivo. Cada solo apresenta uma capacidade peculiar de resistir à erosão, a qual, nos modelos de predição de erosão do solo, é denominada fator de erodibilidade do solo. Para uso no modelo USLE, o valor do fator erodibilidade do solo pode ser determinado por meio de métodos diretos ou indiretos. Os métodos diretos requerem experimentação de campo, a longo prazo, em condições de chuva natural, ou em mais curto prazo, utilizando simulador de chuvas. Pelos métodos indiretos, a erodibilidade do solo pode ser determinada por meios analíticos, através do conhecimento das propriedades do solo que melhor se correlacionam com os valores conhecidos determinados pelos métodos diretos. A metodologia utilizada na determinação da erodibilidade do solo (tanto por método direto quanto por método indireto) deve ser uniformizada para que os pesquisadores possam comparar valores e utilizá-los nas mais variadas condições. Já para o modelo WEPP, deve-se determinar os fatores de erodibilidade do solo em sulcos e em entressulcos, a tensão crítica de cisalhamento, além da condutividade hidráulica saturada e as características de consolidação do solo para aplicação no modelo. A determinação local dos valores desses fatores deve ser efetuado com base em metodologia uniformizada. Desde tipo, formato e tamanho de parcela, até padrões e intensidades de chuvas experimentais, taxas e formas de aplicação de fluxos extras em sulcos pré-formados ou não e uma série de outros aspectos precisam ser bem definidos e padronizados. Na presente fase da pesquisa no Brasil, pode-se inclusive realizar experimentação sobre comparação de métodos de obtenção dos fatores utilizados no modelo WEPP.

Um fator da interface do sistema solo, extremamente importante na aplicação de modelos de erosão está relacionado com as plantas cultivadas e seus efeitos na dissipação da energia erosiva que alcança o solo. O manejo das culturas, o desenvolvimento vegetativo e do sistema radicular, os resíduos, a forma de manejo e as taxas de decomposição dos resíduos são variáveis extremamente importantes no processo de erosão do solo. Nesse contexto, reveste-se de acentuada importância o método de preparo do solo utilizado na implantação das culturas, bem como os sistemas de sucessão e de rotação de culturas envolvidos. A forma de quantificação de valores para cada um desses fatores, depende do tipo de modelo de erosão que o pesquisador quer trabalhar. As padronizações metodológicas que cada modelo determina precisam ser seguidas. Assim, os resultados obtidos poderão ser devidamente avaliados, utilizados e comparados. Certamente, o fator simples mais importante na dissipação da energia erosiva está relacionado com o manejo do solo e das culturas, a cobertura do solo, os resíduos vegetais e os métodos de preparo do

Page 3: PESQUISA EM EROSÃO DO · PDF filemetodologia empregada na determinação do fator de erosividade das chuvas usado na USLE é válida para as condições do Brasil. Entretanto, o método

solo. Mas, por outro lado, são os fatores mais difíceis de serem obtidos pela experimentação de campo ou de laboratório, por procedimentos uniformes. É muito importante que o pesquisador seja bem claro ao caracterizar o método experimental utilizado na obtenção dos valores desses parâmetros.

Características do relevo, tais como declividade, forma e comprimento do declive são muito importantes no processo erosivo. As práticas conservacionistas se constituem também em fator relevante na magnitude das perdas de solo e água por erosão. Mesmo assim, se forem estabelecidas prioridades de pesquisa, certamente, para as condições de Brasil, esses fatores teriam uma prioridade secundária. Relações obtidas para esses fatores em pesquisas realizadas em outros países, podem, em princípio, serem empregadas nas condições locais. Características muito particulares podem ser estudadas, desde que as maiores prioridades estejam atendidas. Nesse caso, novamente, a uniformização metodológica é desejável.

A pesquisa de erosão no Brasil tem sido concentrada na obtenção de valores de perdas de solo e água em parcelas experimentais de tamanho médio a pequeno, em várias condições de solo e de sistemas de manejo, para a determinação de valores de parâmetros de modelos de erosão. É importante que essas pesquisas sejam também desenvolvidas em áreas grandes como bacias ou microbacias hidrográficas. Outro ponto importante é que a pesquisa em erosão do solo não deve se preocupar apenas em privilegiar o aspecto agronômico do problema. Aspectos de engenharia são muito importantes, principalmente relacionados à sedimentação nas calhas dos rios em bacias hidrográficas grandes e médias. Para tanto, no Brasil, o pesquisador com formação em Agronomia, necessita, de uma forma geral, ampliar os seus conhecimentos básicos, especialmente relacionados a área de hidráulica, mecânica de fluidos e transporte de sedimentos. Os aspectos ambientais de qualidade da água são extraordinariamente importantes e talvez deva ser o enfoque principal da pesquisa nessa primeira parte do novo século que está prestes a iniciar. A água é tão importante quanto o solo na pesquisa da erosão. Atualmente, com o incremento de métodos de preparo do solo, tais como os preparos reduzidos e o plantio direto, que aliam a mínima (ou nenhuma) mobilização do solo com a manutenção de uma densa e contínua cobertura do solo (por resíduos e por culturas de cobertura), os níveis de perdas de solo por erosão têm diminuído sensivelmente. Entretanto, esse fato não tem diminuído a importância e a necessidade da pesquisa em erosão do solo. Há, nessa área, um campo importantíssimo inexplorado, relacionado com a qualidade da água e ao potencial poluidor das águas de escoamento superficial que saem das lavouras onde se aplicam grande quantidades de agrotóxicos. Ênfase deve ser dada aos aspectos de infiltração de água, ao fluxo superficial concentrado (e seu potencial erosivo) e ao manejo das águas de escoamento superficial.

No momento atual da pesquisa em erosão do solo no Brasil, onde já existem inúmeros resultados experimentais obtidos em várias partes do país, alguns publicados, outros não, muitos dispersos e desconhecidos, a preocupação deveria ser em reunir as informações existentes em um grande banco de dados. Fica a sugestão para que a Sociedade Brasileira de Ciência do Solo se responsabilize pela elaboração desse banco de dados, realizando convênios com instituições de pesquisa. Assim, provavelmente, esse empreendimento teria sucesso.

Outro aspecto da pesquisa de erosão do solo está relacionado ao desenvolvimento de um modelo de predição de erosão para características específicas de agroecossistemas brasileiros. Aparentemente essa não é uma das principais prioridades atuais. Essa convicção é especialmente apoiada no fato de que um modelo com fundamentação física pode ser aplicado em praticamente todas as partes do mundo, desde que sejam desenvolvidas pesquisas de validação. Entretanto, se algum modelador desenvolver um modelo brasileiro sugere-se a denominação de EROSÃO-500, como uma justa homenagem ao tema dessa XIII Reunião Brasileira de Manejo e Conservação do Solo, inteligentemente relacionada com os 500 anos do descobrimento do Brasil.