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Introdução Pneumonia por hipersensibilidade (PH) é uma doença alérgica, induzida pela inalação aguda ou crônica de uma vasta variedade de materiais. O seu caráter ocupacional é conhecido há mais de dois séculos, mas só recentemente foi reconhecida como uma doença alérgica. Apesar de constituir uma entidade única, são descritas numerosas síndromes com designação que depende da ocupação e exposição do indivíduo. Alguns exemplos são encontrados na Tabela 1. Epidemiologia Casos da doença são relatados em todo o mundo. Ela é mais freqüentemente associada a alérgenos ocupacionais, o que determina sua distribuição geográfica, por idade e por sexo. Normalmente, é mais comum em homens na faixa dos 30 aos 50 anos. Por exemplo, o "pulmão de fazendeiro" se associa à inalação de feno mofado, predominando em regiões úmidas e em indivíduos que trabalham na produção de leite. Cerca de 2% a 4% desses trabalhadores são afetados(1). No Brasil, a forma mais comum é o pulmão do criador de aves, vindo em seguida a PH associada a fungos que crescem em paredes infiltradas e áreas úmidas, como chuveiros e porões(3). Um dado interessante a ser notado é que a PH é menos comum em fumantes do que em não fumantes, com aqueles tendo um menor nível de anticorpos contra os antígenos inalados(4). Etiologia Conforme mencionado acima, centenas de alérgenos já foram identificados como causadores de PH e a cada ano novas causas são descritas. Os alérgenos mais comuns são mencionados na Tabela 1. A maioria dos alérgenos é proveniente de esporos de bactérias e fungos, de produtos animais, como excremento ressecado e penas, e componentes químicos. Os raros casos domésticos relatados são relacionados à exposição a microrganismos em ar-condicionado, vaporizadores e aquecedores(1). Patogenia Diversos mecanismos são propostos para explicar como a doença ocorre. Acredita-se que os seguintes fatores atuem na gênese da doença: - Resposta imunológica; - Fatores imunorreguladores e imunogenéticos; - Efeitos biológicos inespecíficos do material inalado; e

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Introdução

Pneumonia por hipersensibilidade (PH) é uma doença alérgica, induzida pela inalação aguda ou crônica de uma vasta variedade de materiais. O seu caráter ocupacional é conhecido há mais de dois séculos, mas só recentemente foi reconhecida como uma doença alérgica.

Apesar de constituir uma entidade única, são descritas numerosas síndromes com designação que depende da ocupação e exposição do indivíduo. Alguns exemplos são encontrados na Tabela 1.

Epidemiologia

Casos da doença são relatados em todo o mundo. Ela é mais freqüentemente associada a alérgenos ocupacionais, o que determina sua distribuição geográfica, por idade e por sexo. Normalmente, é mais comum em homens na faixa dos 30 aos 50 anos. Por exemplo, o "pulmão de fazendeiro" se associa à inalação de feno mofado, predominando em regiões úmidas e em indivíduos que trabalham na produção de leite. Cerca de 2% a 4% desses trabalhadores são afetados(1).

No Brasil, a forma mais comum é o pulmão do criador de aves, vindo em seguida a PH associada a fungos que crescem em paredes infiltradas e áreas úmidas, como chuveiros e porões(3).Um dado interessante a ser notado é que a PH é menos comum em fumantes do que em não fumantes, com aqueles tendo um menor nível de anticorpos contra os antígenos inalados(4).

Etiologia

Conforme mencionado acima, centenas de alérgenos já foram identificados como causadores de PH e a cada ano novas causas são descritas. Os alérgenos mais comuns são mencionados na Tabela 1. A maioria dos alérgenos é proveniente de esporos de bactérias e fungos, de produtos animais, como excremento ressecado e penas, e componentes químicos. Os raros casos domésticos relatados são relacionados à exposição a microrganismos em ar-condicionado, vaporizadores e aquecedores(1).

Patogenia

Diversos mecanismos são propostos para explicar como a doença ocorre. Acredita-se que os seguintes fatores atuem na gênese da doença:

- Resposta imunológica;- Fatores imunorreguladores e imunogenéticos;- Efeitos biológicos inespecíficos do material inalado; e- Infecção viral.

Resposta imunológica

A PH se manifesta por três fases: aguda, subaguda e crônica, caracterizadas por quadros clínico e histopatológico distintos. Diferentes mecanismos imunológicos parecem atuar em cada uma das fases(5,6,7).

Na fase aguda, há uma reação dos antígenos inalados com anticorpos do tipo IgG do parênquima pulmonar, formando imunocomplexos (reação de hipersensibilidade do tipo III). Estes causam lesões alveolares e intersticiais, caracterizadas pela presença maciça de neutrófilos e aumento da permeabilidade vascular. Além disso, os imunocomplexos ativam macrófagos

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e a cascata do complemento, perpetuando o processo inflamatório. Os macrófagos ativados produzem citocinas, especialmente IL-1 (interleucina-1) e TNF-a (fator a de necrose tumoral), promovendo a expressão de moléculas de adesão nos leucócitos e células endoteliais, o que permite a migração posterior de neutrófilos e monócitos para o interstício. O complemento ativado gera o fator C3a, que aumenta a permeabilidade vascular e gera o fator C5a, quimiotático e ativador de neutrófilos e macrófagos. Estes liberam radicais livres, enzimas, citocinas e metabólitos do ácido araquidônico que aumentam a resposta inflamatória e a lesão tecidual, participando ainda no afluxo de linfócitos e macrófagos, responsáveis pelas reações tardias da doença(2).

Nas fases subaguda e crônica ocorre uma reação de hipersensibilidade tardia do tipo IV. A interação entre o antígeno e o linfócito T CD4+ (T-helper 1) previamente sensibilizado dá início à ativação, multiplicação e diferenciação de células T(7). As citocinas produzidas por estas ativam macrófagos e recrutam linfócitos e monócitos, prolongando o processo inflamatório. A IL-2 (interleucina-2) causa a proliferação de linfócitos, que se acumulam no local. O IFN-g (interferon g) ativa os macrófagos. Se esta ativação for prolongada, sobrevém a fibrose. A estimulação antigênica persistente, portanto, leva à produção de granulomas e à fibrose. Os linfócitos T CD8+, que são as células predominantes na lesão, parecem modular a formação do granuloma através da produção de citocinas(8). A observação de que a intensidade da fibrose se relaciona à quantidade de neutrófilos que contêm gelatinase B e colagenase-2 indica que pode haver um papel destes na lesão pulmonar e na resposta fibrótica(9).

Fatores imunorreguladores e imunogenéticos

Experimentos em ratos mostraram que a PH se associa às deficiências de linfócitos T supressores específicos para alérgenos no pulmão e de um macrófago supressor alérgeno-inespecífico. Ambos os tipos celulares são determinados por genes específicos(1).

Uma maior expressão das moléculas B7 (CD80, CD86) em macrófagos alveolares está envolvida na alveolite linfocítica que ocorre em vários casos de PH. Em fumantes ocorre uma menor expressão destas moléculas, o que pode explicar o efeito protetor do cigarro na PH(10). Além disso, estas células secretam níveis mais altos de IL-8 (interleucina-8) e MIP-1-a (proteína inflamatória macrofágica 1-a) quando comparadas com células de indivíduos sem a doença(11). Os pacientes com "pulmão do fazendeiro" têm uma maior bioatividade do TNF-a quando comparados a indivíduos que, também estando expostos aos mesmos antígenos, não desenvolvem a doença. Os doentes apresentam um polimorfismo do gene promotor do TNF-a. Esta alteração não é encontrada em outros subtipos da doença, como o pulmão do criador de aves, sugerindo que diferentes mecanismos patogenéticos estejam envolvidos nos subtipos de PH(12).

Efeitos biológicos inespecíficos do material inalado

Muitos dos alérgenos têm propriedades biológicas não relacionadas à resposta imunológica do indivíduo, mas que podem ser importantes na doença. Algumas destas propriedades são a estimulação imune inespecífica, a ativação de macrófagos e a ativação da cascata do complemento por mecanismo não imunológico(1).

Infecção viral

Alguns estudos têm sugerido que a infecção viral pode levar à

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hipersensibilidade na doença. Ratos infectados com vírus Sendai e, simultaneamente, sensibilizados com antígenos desenvolvem uma resposta aumentada ao antígeno, que persiste mesmo após o declínio da infecção viral(13). Em um estudo recente(14), foi verificada a presença do vírus influenza A no lavado broncoalveolar de pacientes com PH.

Acredita-se que a infecção viral se deva à sua modulação da resposta imune, atuando em quatro níveis: aumento da capacidade de apresentação de antígenos pelos macrófagos alveolares, diminuição da fagocitose e da "limpeza" de antígenos, indução da liberação de citocinas pró-inflamatórias e favorecimento da proliferação de linfócitos T do tipo Th-1, células associadas com a PH.

Patologia

Na fase aguda há um intenso infiltrado inflamatório, composto por linfócitos, macrófagos e plasmócitos, em bronquíolos respiratórios, alvéolos e vasos sangüíneos. A parede alveolar fica espessada. Estudos de imunofluorescência mostram deposição de imunoglobulinas, C3 e fibrina ao redor e nos próprios vasos sangüíneos comprometidos(1).

Na fase subaguda, cerca de três semanas após a exposição ao alérgeno, aparecem granulomas não caseosos nos espaços intersticiais. Em metade dos casos ocorre uma bronquiolite obliterativa.A doença crônica se caracteriza pela persistência da inflamação, com um infiltrado linfocitário nas paredes alveolares, fibrose intersticial e granulomas. Em mais de 50% dos casos ocorrem também um infiltrado alveolar(15). Não há eosinofilia nem a deposição de imunocomplexos. Anticorpos monoclonais indicam que macrófagos e linfócitos T CD8+ estão presentes.Técnicas imuno-histoquímicas demonstraram o desenvolvimento de tecido linfóide associado aos brônquios, provavelmente pela estimulação antigênica crônica e/ou pela inflamação persistente(16).

Fontes: Terr, A.I.- Cell Mediated Hypersensitivity Diseases in Stites, D.P.; Terr, A.I.; Parslow, T.G. - Medical Immunology 9th edition. Stamford: Appleton & Lange, 1997, p. 427 e Rodrigues Jr, M. - Pneumonia por hipersensibilidade in Cukier, A.; Nakatani, J.; Morrone, N. (eds.) - Pneumologia - Atualização e Reciclagem. Volume II. São Paulo: Editora Atheneu, 1998.

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Quadro clínico

As manifestações clínicas variam conforme a fase da doença. Após a inalação do alérgeno, em indivíduos sensibilizados, ocorrem as crises agudas que se caracterizam por dispnéia, tosse, febre, dor torácica e mal-estar geral. Hemoptise ocorre raramente. Cada episódio ocorre cerca de quatro a oito horas após a exposição e melhora em 24 horas. Ao exame, o paciente apresenta febre, taquipnéia e taquicardia. A ausculta pulmonar revela estertores crepitantes, principalmente nas bases, sibilos e roncos ocasionais.A fase subaguda, que ocorre poucas semanas depois, caracteriza-se por tosse, dispnéia e emagrecimento. A tosse, inicialmente seca, torna-se produtiva com o tempo. A dispnéia é progressiva. A doença crônica se manifesta por uma insuficiência respiratória progressiva, fadiga e perda de peso. O exame físico revela diminuição do murmúrio vesicular e pode ocorrer um aumento da fase expiratória, se houver obstrução(1,2,3).

Exames complementares

Diversas alterações podem estar presentes, não sendo nenhuma, no entanto, diagnóstica. Alguns dados são sugestivos da doença e serão comentados a seguir.

O hemograma apresenta, na fase aguda, uma ligeira leucocitose, sem eosinofilia. A gasometria pode indicar uma hipoxemia arterial(3). Na doença crônica, os níveis de imunoglobulina podem estar discretamente elevados e podem estar presentes o fator antinúcleo e o fator reumatóide(1). A radiografia de tórax na fase inicial mostra infiltrados pulmonares difusos e nodulares bilaterais. A fase avançada se apresenta como opacidades regulares e irregulares dispersas e o aumento da trama vasobrônquica(2). Na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR), observam-se nódulos centrolobulares e alterações fibróticas leves. Esta apresenta uma sensibilidade maior do que a radiografia simples de tórax(17). A prova de função pulmonar exibe um componente restritivo, com diminuição da capacidade vital forçada (CVF) e do volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1). Pode ocorrer ainda um componente obstrutivo(2,3).

Os testes imunológicos contribuem bastante para o diagnóstico. A presença de anticorpos específicos no soro em grandes quantidades é encontrada principalmente na fase aguda, podendo desaparecer após um longo período sem exposição ao antígeno. Podem ser realizados testes cutâneos com antígenos de fungos e aves. No entanto, um teste positivo quanto à presença de anticorpos pode indicar apenas exposição e sensibilização ao antígeno, mas não a doença em si(1).

O lavado broncoalveolar (LBA) apresenta características específicas dependentes da fase em que a doença se encontra. Na fase aguda pode ser observada neutrofilia(18) e na fase crônica uma linfocitose, com presença de mastócitos e plasmócitos(3).

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Obs: O diagnóstico é dado com a associação de pelo menos quatro critérios principais e pelo menos dois critérios secundários.Fonte: Schuyler, M. - The diagnosis of hypersensitivity pneumonitis. Chest, 111(3): 534-6, 1997.

Diagnóstico

O diagnóstico de certeza só pode ser feito com o exame histopatológico. No entanto, o estabelecimento de alguns critérios podem conduzir ao diagnóstico(19) (Tabela 2), embora estes não sejam aceitos universalmente.

Como em todas as doenças alérgicas, o quadro clínico é de suma importância. Quaisquer pacientes com história de pneumonia recorrente de etiologia desconhecida, doença pulmonar restritiva "idiopática" ou com alteração radiológica sem explicação, associados a uma exposição ocupacional devem ser investigados. Em nosso meio, as principais fontes de exposição são mofo e aves.

Tratamento

O primeiro passo é o afastamento do agente, o que resulta em regressão da doença, especialmente na fase aguda. O uso de corticóides sistêmicos ocasiona a resolução da fase aguda e reverte a severidade e a progressão da doença. É comumente utilizada a prednisona, na dose de 1 mg/kg/dia, durante um mês. Depois disso, o paciente é reavaliado. Se não houver resposta terapêutica, a dose será elevada. O uso do medicamento pode ser interrompido quando não houver mais alterações funcionais ou caso o paciente não apresente melhora. Alguns pacientes necessitam de fisioterapia respiratória, oxigenoterapia e broncodilatadores(2).

Prognóstico

A evolução do doente costuma ser boa nas fases aguda e subaguda da PH. Os pacientes crônicos podem evoluir com cor pulmonale e insuficiência respiratória. Esta última pode levar à morte em qualquer fase da doença e pode ocorrer mesmo depois do agente afastado(3). A bronquiolite obliterativa pode resultar em doença pulmonar obstrutiva crônica(1).

Prevenção

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O único modo de prevenir a doença é evitando a exposição ao alérgeno. Medidas preventivas ocupacionais, como higiene do local e uso de filtros e máscaras são úteis, mas podem falhar com freqüência(1,2).

Bibliografia

Referências bibliográficas

1. Terr, A.I.- Cell Mediated Hypersensitivity Diseases. In: Stites, D.P.; Terr, A.I.; Parslow, T.G. - Medical Immunology 9th edition. Stamford: Appleton & Lange, 1997.2. Rodrigues JR., M. - Pneumonia por hipersensibilidade. In: Cukier, A.; Nakatani, J.; Morrone, N. (eds.) - Pneumologia - Atualização e Reciclagem Volume II. São Paulo: Editora Atheneu, 1998.3. Pereira, C.A.C. - Pneumonia por hipersensibilidade. In: Silva, L.C.C. - Condutas em Pneumologia. Volume I. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter Ltda., 2001.4. Mc Sharry, C.; Banham, S.W.; Boyd, G. - Effect of cigarette smoking on the antibody response to inhaled antigens and the prevalence of extrinsic allergic alveolitis among pigeon breeders. Clin Allergy, 15(5): 487-94, 1985.

INTRODUÇÃO

Pneumonite de hipersensibilidade ou alveolite alérgica extrínseca é uma reação inflamatória imune que acomete interstício pulmonar, bronquíolos e alvéolos de indivíduos suscetíveis, em decorrência da inalação de antígenos orgânicos e/ou inorgânicos(1,2).

Campbell, no ano de 1922, relatou sintomas respiratórios progressivos e cianose em fazendeiros expostos ao feno, que em 1924 se denominou "doença dos fazendeiros". A partir disso, foram descritos diversos casos de PH a várias substâncias inaláveis(3). Esta hipersensibilidade ocorre freqüentemente devido a exposição ocupacional. No entanto, alguns casos de exposição doméstica são relatados.

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Relata-se um caso de doença pulmonar intersticial ocupacional devido à exposição a antígenos do cultivo de tabaco.

O objetivo deste relato consiste em descrever a dificuldade da confirmação diagnóstica, os recursos utilizados para o diagnóstico e a terapêutica, e a importância da instituição do tratamento definitivo, evitando uma progressão irreversível da doença pulmonar para fibrose e insuficiência respiratória(4).

 

RELATO DO CASO

Mulher de 18 anos, branca, estudante, procedente da zona rural de Pelotas, com história de asma na infância. A paciente havia 35 dias apresentou dispnéia progressiva, tosse seca e emagrecimento de 3kg desde o início do quadro clínico. A imagem radiográfica evidenciava infiltrado pulmonar intersticial e enfisema subcutâneo em região cervical e supraclavicular. Tratada com antibiótico e oxigenoterapia, teve melhora clínica e radiográfica, recebendo alta hospitalar. Após dez dias, foi reinternada apresentando dispnéia aos médios esforços e tosse seca. Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, dispnéica, anictérica, acianótica, sem febre, mucosas hidratadas e levemente hipocoradas. PA = 70/40mmHg, FC = 88bpm, FR = 24mrpm e Tax = 36,50C. Crepitação na palpação da região axilar e supraclavicular. Ausculta pulmonar revelava murmúrio vesicular diminuído, principalmente em base pulmonar esquerda, sem estertores, expansibilidade pulmonar preservada e simétrica.

Exames laboratoriais: Hb = 13,7g/dl; Ht = 41,4%; leuc. = 18.600 (B-1/S-78/E-1/B-0/M-1/l-19); plaq. = 362.000/mm3. A cultura de escarro apresentou numerosos cocos gram + (Staphylococcus spp.) e vários leucócitos. Os demais exames laboratoriais revelaram: pesquisa BAAR no escarro (três amostras) negativa, DHL = 627UI/L, e a pesquisa de células LE, o FAN, a reação de Mantoux e a pesquisa de anticorpos anti-HIV foram não reagentes. A gasometria arterial revelava pH = 7,45; PaCO2 = 39mmHg; PaO2 = 64mmHg; HCO3 = 23 mmHg. A imagem radiográfica mostrava infiltração intersticial e alveolar de predomínio nas regiões hilares e peri-hilares; presença de pneumomediastino e enfisema subcutâneo em regiões axilares e cervicais anteriores (Figura 1). A hipótese diagnóstica foi de pneumonia atípica, sendo instituída antibioticoterapia, apresentando melhora clínica e radiográfica. No entanto, a tomografia computadorizada (TC) do tórax evidenciava múltiplas tênues opacidades de aspecto em "vidro fosco" (ground glass) comprometendo os lóbulos pulmonares de forma difusa; sem evidências de linfonodomegalias no mediastino, hilos ou axilas, e ausência de derrame pleural. Aspecto tomográfico sugestivo de alveolite alérgica extrínseca (Figura 2). Frente à melhora clínica total e à recusa da paciente e familiares em dar prosseguimento à investigação diagnóstica, recebeu alta hospitalar.

 

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Após alta hospitalar, a paciente foi encaminhada para acompanhamento ambulatorial, realizando avaliação clínica e exames complementares. Primeiramente, realizou espirometria e prova farmacodinâmica, a qual evidenciou CVF = 3,1L (86% do previsto), VEF1 = 2,1L (67% do previsto) e VEF1/CVF = 67% sem variação após a administração do broncodilatador, compatível com insuficiência ventilatória obstrutiva de grau leve.

Manteve-se assintomática por um período de seis meses. Após este período, recorreram os sintomas de dispnéia e tosse seca, agora associados a artralgias. A nova espirometria demonstrou piora das condições ventilatórias com CVF = 2,68L (74% do previsto), VEF1 = 1,55L (50% do previsto) e VEF1/CVF = 57%, compatível com insuficiência ventilatória obstrutiva de grau moderado. Radiografias de controle mostraram-se de aspecto normal, enquanto uma nova TC do tórax revelava características semelhantes às da TC anterior. Em vista disso, solicitou-se biópsia pulmonar.

A biópsia pulmonar (Figura 3) revelou tecido pulmonar com infiltrado inflamatório crônico intersticial, preferentemente peribronquiolar, com granulomas sarcóides não-caseificantes. Pesquisa negativa para fungos e BAAR.

 

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Com os dados compatíveis com a hipótese de PH, instituiu-se terapêutica sintomática com o uso de broncodilatadores e corticóides. O corticóide utilizado foi a prednisona, na dose de 40mg por duas semanas, 30mg por uma semana e 20mg por mais sete dias, seguida de redução gradual até a sua suspensão. O tratamento definitivo baseou-se em esclarecer a paciente da necessidade em afastar-se por completo dos antígenos presentes na cultura de tabaco(5).

Após adotadas essas medidas, a paciente teve melhora clínica e tomográfica. As radiografias posteriores demonstraram imagem de aspecto normal, sem evidência de seqüelas. A espirometria de controle, em comparação com exames anteriores, revelou melhora da condição ventilatória.

 

DISCUSSÃO

A paciente apresentou quadro clássico de pneumonite de hipersensibilidade. Sabe-se que esta entidade clínica pode apresentar-se de forma aguda, subaguda ou crônica. A paciente enquadrou-se na forma subaguda(6), apresentado sintomas de dispnéia aos exercícios, fadiga, tosse seca, sem febre e perda de peso, decorrente da exposição contínua e de menor intensidade ao antígeno inalável. A ocorrência na apresentação inicial do quadro, de pneumomediastino e enfisema subcutâneo, não é descrita nesta condição clínica. Porém, como a paciente tinha história pregressa de asma brônquica, acreditamos que possa ter desenvolvido

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naquele momento algum grau de obstrução brônquica mais grave, com extravasamento de ar para os espaços extrapulmonares.

Nas admissões hospitalares prévias, a hipótese diagnóstica foi de pneumonia atípica, com instituição da terapêutica específica. A melhora clínica e a radiológica obtidas nessas ocasiões poderiam apontar equivocadamente para esse diagnóstico, quando, de fato, se deveram ao afastamento da paciente aos antígenos provenientes do cultivo de tabaco. A esse propósito, no seguimento ambulatorial da paciente, a anamnese minuciosa confirmou essa relação de causa-efeito entre a sintomatologia respiratória e a exposição ao fumo, através da relação temporal evidente entre o reaparecimento dos sintomas respiratórios e o início do cultivo de tabaco, bem como pela remissão dos mesmos nos períodos de entressafra.

A tomografia de alta resolução realizada na vigência da alta hospitalar foi muito importante, pois apresentou maior sensibilidade em relação às radiografias, revelando achados de opacidade em vidro fosco, indicando alveolite em atividade, enquanto as radiografias exibiam padrões normais(7).

A biópsia pulmonar permitiu a confirmação do diagnóstico sugerido pela história clínica e exames de imagem, revelando achados compatíveis de pneumonite de hipersensibilidade(2,8).

O caso clínico baseou-se num tripé diagnóstico. 1) Critérios maiores: sintomas compatíveis com PH, uma exposição relatada pela história clínica, achados nos exames de imagem e resultados histopatológicos compatíveis com PH. 2) Critérios menores: diminuição da capacidade respiratória e hipoxemia arterial. 3) Exclusão de doenças com sintomas similares (sarcoidose, fibrose pulmonar idiopática)(9). O diagnóstico diferencial com sarcoidose mostrou-se de extrema relevância. No entanto, a inexistência de comprometimento de linfonodos mediastinais com tamanho grau de envolvimento parenquimatoso, a extensão do processo inflamatório, além do processo granulomatoso e a distribuição preferencial dos granulomas ao longo dos feixes peribronquiolares na PH, tornaram improvável o diagnóstico de sarcoidose. A apresentação da sarcoidose como infiltrado pulmonar isolado é infreqüente (15%) e, quando esta ocorre, predomina o padrão nodular e micronodular, sendo menos comuns outras formas de alteração radiológica. Os granulomas na sarcoidose tendem a ser melhor formados, distribuindo-se ao longo dos vasos linfáticos, sanguíneos e brônquicos, não ocorrendo extensão do processo inflamatório além do processo granulomatoso, como observado na PH(10).

Em relação ao tabaco, existem descrições de quadros de PH em trabalhadores expostos ao fumo tanto no meio agrícola(11) quanto no industrial(12), embora a maioria dos casos predomine no meio rural.

A dificuldade diagnóstica do agente etiológico dessa patologia deve-se a sua diversidade e à dificuldade técnica de estabelecer o antígeno específico. Sabe-se que existem três grandes categorias de antígenos causadores de PH, que são os agentes microbianos, proteínas animais e substâncias químicas de baixo peso molecular.

Carrillo e Ubeid observaram entre 16 e 60 esporos fúngicos/litro e de 100 a 100.000 esporos de Thermoactinomyces spp./g de pó, no local de secagem do tabaco(13). No entanto, o agente etiológico mais

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freqüentemente citado na literatura como responsável pela PH relacionada à exposição ao tabaco é o Aspergillus spp.(12,14).

A dificuldade terapêutica consistiu em manter a paciente afastada do agente causal, uma vez que este estava intimamente ligado à atividade socioeconômica da família. O abandono do cultivo de tabaco por outra atividade agrícola, através do esclarecimento familiar, foi fundamental para o êxito do tratamento.

 

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