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PLÍNIO PACHECO C. DE OLIVEIRA UMA CRÍTICA RETÓRICA AO JUSPOSITIVISMO E AO ONTOLOGISMO AXIOLÓGICO NO DIREITO EM TORNO DA CIENTIFICIDADE, DA ABERTURA AO DISSENSO E DA METODOLOGIA NA TEORIA JURÍDICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Recife 2012

PLÍNIO PACHECO C. DE OLIVEIRA UMA CRÍTICA RETÓRICA AO … · 2019-10-25 · Catalogação na fonte Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832 O48c Oliveira, Plínio Pacheco

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PLÍNIO PACHECO C. DE OLIVEIRA

UMA CRÍTICA RETÓRICA AO JUSPOSITIVISMO E AO

ONTOLOGISMO AXIOLÓGICO NO DIREITO

EM TORNO DA CIENTIFICIDADE, DA ABERTURA AO DISSENSO E DA

METODOLOGIA NA TEORIA JURÍDICA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Recife

2012

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PLÍNIO PACHECO C. DE OLIVEIRA

UMA CRÍTICA RETÓRICA AO JUSPOSITIVISMO E AO

ONTOLOGISMO AXIOLÓGICO NO DIREITO

EM TORNO DA CIENTIFICIDADE, DA ABERTURA AO DISSENSO E DA

METODOLOGIA NA TEORIA JURÍDICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco PPGD/UFPE, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre

Área de Concentração: Teoria e Dogmática do Direito

Linha de pesquisa: Linguagem e Direito

Orientador: Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato

Recife

2012

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Catalogação na fonte Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832

O48c Oliveira, Plínio Pacheco C. de Uma crítica retórica ao juspositivismo e ao ontologismo axiológico no

direito: em torno da cientificidade, da abertura ao dissenso e da metodologia na teoria jurídica / Plínio Pacheco C. de Oliveira. – Recife: O Autor, 2012.

105 f. Orientador: João Maurício Leitão Adeodato. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.

Direito, 2012. Inclui bibliografia. 1. Direito - Filosofia. 2. Juspositivismo - Interpretação retórica. 3. Teoria do

direito. 4. Positivismo. 5. Filosofia do direito. 6. Retórica - Linguagem. 7. Direito natural. 8. Direito positivo. 9. Decisões judiciais. 10. Verdade ética. 11. Axiologia. I. Adeodato, João Maurício Leitão (Orientador). II. Título. 340.1 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2012-016)

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Para minhas mães.

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pelo auxílio

concedido.

Ao meu orientador João Maurício Adeodato pela sua contribuição para a realização deste

trabalho.

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I

“En nuestro empeño por entender la realidad nos parecemos a alguien que tratara de descubrir

el mecanismo invisible de un reloj, del cual sólo ve el movimiento de las agujas, oye el tic-

tac, pero no tiene forma de abrir la caja para ver lo que hay adentro. Si se trata de una persona

ingeniosa, podrá imaginar o suponer un mecanismo que sea el responsable de todo lo que se

observa fuera de la caja, pero nunca podrá estar seguro de si su suposición o lo que él imagina

es lo único que explica los efectos observados. Jamás podrá comparar lo que él imagina con el

mecanismo real que está dentro de la caja y ni siquiera podrá saber si tal comparación tendrá

sentido”.

“Em nosso empenho em entender a realidade nos parecemos com alguém que tratasse de

descobrir o mecanismo invisível de um relógio, do qual só vê o movimento dos ponteiros,

ouve o tique-taque, mas não tem como abrir a caixa para ver o que há dentro. Caso se trate de

uma pessoa engenhosa, poderá imaginar ou supor um mecanismo que seja o responsável por

tudo o que se observa fora da caixa, mas nunca poderá estar seguro de que a sua suposição ou

o que imagina é a única explicação para os efeitos observados. Jamais poderá comparar o que

imagina com o mecanismo real que está dentro da caixa e nem sequer poderá saber se tal

comparação terá sentido”.

(Albert Einstein y Leopold Infeld, La Física: Aventura del Pensamiento, 1950)

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II

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara:

ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

(Carlos Drummond de Andrade, A Rosa do Povo, 2000)

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RESUMO

OLIVEIRA, Plínio Pacheco. Uma crítica retórica ao juspositivismo e ao ontologismo axiológico no direito: em torno da cientificidade, da abertura ao dissenso e da metodologia na teoria jurídica. 2012. 105 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.

O presente trabalho pretende apresentar uma interpretação retórica sobre aspectos proeminentes de dois horizontes das idéias jurídicas: o paradigma teórico que caracterizou o juspositivismo até meados do século XX e o cenário recente da teoria do direito. Ante o primeiro horizonte, damos enfoque ao ideal científico e à distinção entre produzir e aplicar o direito. Refletimos, por um lado, que a busca de cientificidade do direito floresceu como um projeto retórico. Ademais, apontamos que o argumento que vincula a ascensão do nazismo ao formalismo jurídico oriundo do ideal científico é mais um artifício retórico do que um relato pertinente do juspositivismo. Por outro lado, a respeito da distinção entre criar e aplicar o direito, consideramos que é ligada, no âmbito do juspositivismo, à pretensão de segurança jurídica que floresceu no liberalismo clássico. Examinamos, entretanto, que tal distinção minimiza o espaço da retórica na argumentação judicial. Já em relação à teoria jurídica recente, criticamos o uso do termo “pós-positivismo” e damos enfoque ao ontologismo axiológico e à indeterminação do direito. Analisamos que o entendimento de que um valor acolhido pelo direito é uma verdade ética pode ser problemático diante do ideal democrático de abertura ao dissenso, pois o ontologismo axiológico pode reduzir possibilidades da retórica no plano dos discursos opostos à “verdade”. Por outro lado, observamos que a ênfase na indeterminação do direito ampliou a visibilidade da retórica na argumentação judicial.

Palavras-chave: Retórica. Positivismo jurídico. Ciência do direito. Metodologia jurídica. Verdade ética.

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ABSTRACT

OLIVEIRA, Plínio Pacheco. A rhetorical criticism to the legal positivism and to the axiological ontologism in law: about scientificism, opening to dissensus and methodology in legal theory. 2012. 105 p. Dissertation (Master’s degree of Law) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.

The present work intends to present a rethorical interpretation about prominent aspects of two horizons in legal ideas: the theoretical paradigm that characterized the juspositivism until the middle of the last century and the scenery of recent theory of law. In view of the fist horizon, we focalize the scientific ideal and the distinction between creation and application of law. We reflect, on the one hand, that the intention to adapt the legal theory to a scientific model flourished as a rethorical project. Meanwhile, we analyze that the argument which links the nazism’s ascension to the legal formalism derived from the scientific ideal is more a rethorical artifice than a pertinent report about juspositivism. On the other hand, as regard the distinction between production and application of law, we consider that it is linked, in the field of juspositivism, to the intention to control the future which flourished in classical liberalism. Nevertheless, we consider that such distinction minimizes the rethoric’s space in judicial argumentation. Regarding the scenery of recent theory of law, we criticize the use of the term “post-positivism” and focalize the legal indeterminacy and the assertion of ethical truths. On the one hand, we consider that to understand a value received by legal norms as a representation of an ethical truth may be something problematic regarding the democratic intention to make the law opened to distinct values, because such understanding may build obstacles against diverging arguments that reduce the rethoric’s possibilities in the field of the discourses opposed to the “truth”. On the other hand, we observe that the emphasis in legal indeterminacy amplified the visibility of the rethoric’s space in judicial argumentation.

Keywords: Rethoric. Legal positivism. Science of law. Legal methodology. Ethical truth.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – Uma observação retórica em torno do discurso científico, da metodologia

e dos valores no âmbito da teoria jurídica ................................................................................13

1. Alicerces filosóficos sobre os quais será construída a dissertação: o contextualismo na ética

e no conhecimento, a dúvida quanto ao domínio da verdade e a idéia de que a retórica

constitui caminhos da linguagem e da realidade ..................................................................... 13

2. A retórica em face da ciência e da jurisdição não criativa, e perante a verdade ética e a

indeterminação do direito ........................................................................................................ 15

3. Resumo de conteúdo: esta dissertação abordará relações entre a retórica (como faculdade

de identificar os meios disponíveis para usar eficientemente a linguagem) e a teoria do direito,

lançando o foco de análise sobre o ideal científico e a metodologia que caracterizaram o

juspositivismo, e sobre o ontologismo axiológico e a consciência da construção interpretativa

do direito no âmbito das idéias jurídicas recentes ................................................................... 17

CAPÍTULO PRIMEIRO – Retórica, verdade e fabricação do mundo ................................ 20

1. A tradição da retórica como um longo império cultural que vivenciou seu ocaso por volta

do século XIX e refloresceu na segunda metade do século

passado..................................................................................................................................... 20

1.1 Do alvorecer grego à constância no mundo medieval...................................................... 20

1.2 A modernidade e a retórica opaca: entre a sombra e a

penumbra.................................................................................................................................. 28

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2. A inafastabilidade da retórica na vivência humana: o espelho que dá às linguagens e às

realidades os seus rostos ......................................................................................................... 32

2.1 A linguagem como palco inseparável da arte de modelar o

discurso.................................................................................................................................... 32

2.2 Retórica e construção da “realidade” ............................................................................... 34

3. A retórica como luz para clarificar a verdade ou arte inútil diante da

evidência.................................................................................................................................. 37

CAPÍTULO SEGUNDO – Juspositivismo, retórica do discurso científico e a idéia de

justificação das decisões judiciais erguida sobre a separação entre criação e aplicação do

direito ...................................................................................................................................... 41

1. O conceito de positivismo jurídico: um quadro entre outros possíveis diante de uma face de

reflexo múltiplo ....................................................................................................................... 41

1.1 Linguagem, ordenação simbólica e o mundo como espelho turvo: observação sobre a

relação entre os conceitos e a realidade para uma adequada análise do

juspositivismo.......................................................................................................................... 41

1.2 Delimitação do conceito de juspositivismo nesta

dissertação................................................................................................................................ 44

2. Retórica, secularização e o discurso científico do juspositivismo ...................................... 48

2.1 Religião, razão e ciência entre vontade de verdade e vontade de poder: horizontes

antropológicos e históricos da ascensão da racionalidade e do discurso

científico................................................................................................................................... 48

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2.2 A retórica no discurso científico juspositivista e na caricatura antipositivista da Reductio

ad Hitlerum ............................................................................................................................. 52

3. Florescimento do liberalismo e do ideal de legalidade como “oráculo” burguês: caminhos

em direção à separação entre a criação e a aplicação do

direito....................................................................................................................................... 57

4. O espaço reduzido da retórica na justificação de decisões judiciais sob a distinção entre

produzir e aplicar o direito: a limitação da jurisdição a uma racionalidade formal e a um

campo argumentativo no qual é minimizada a contingência em torno do sentido dos textos

normativos ............................................................................................................................... 63

CAPÍTULO TERCEIRO – A retórica diante do ontologismo axiológico e a ênfase na

indeterminação do direito ........................................................................................................ 67

1. A proeminência da atitude valorativa e da consciência da indeterminação do

direito no cenário das idéias jurídicas recentes, e o reducionismo no uso do termo

“pós-positivismo” para identificar o paradigma atual da teoria do

direito....................................................................................................................................... 67

2. O ontologismo axiológico ante o discurso valorativo no pensamento jurídico atual, e o seu

caráter problemático em relação ao ideal democrático de tornar o direito um campo aberto

para divergências ..................................................................................................................... 76

3. Adequação da postura opinativa à busca da permeabilidade jurídica e fundamentos

filosóficos para um olhar carente de verdades ........................................................................ 82

4. A visibilidade do espaço da retórica na justificação das decisões judiciais em face da ênfase

na indeterminação do direito ................................................................................................... 87

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CONCLUSÃO: O discurso teórico jurídico como um horizonte inafastável da retórica, a

necessidade de mais pertinência na caracterização do juspositivismo por partidários do “pós-

positivismo” e a precisão de posturas éticas construídas sobre a plataforma da

tolerância.................................................................................................................................. 94

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 99

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INTRODUÇÃO: Uma observação retórica em torno do discurso científico,

da metodologia e dos valores no âmbito da teoria jurídica

Sumário: 1. Alicerces filosóficos sobre os quais será construída a dissertação: o contextualismo na ética e no conhecimento, a dúvida quanto ao domínio da verdade e a idéia de que a retórica constitui caminhos da linguagem e da realidade. 2. A retórica em face da ciência e da jurisdição não criativa, e perante a verdade ética e a indeterminação do direito. 3. Resumo de conteúdo: esta dissertação abordará relações entre a retórica (como faculdade de identificar os meios disponíveis para usar eficientemente a linguagem) e a teoria do direito, lançando o foco de análise sobre o ideal científico e a metodologia que caracterizaram o juspositivismo, e sobre o ontologismo axiológico e a consciência da construção interpretativa do direito no âmbito das idéias jurídicas recentes

1. Alicerces filosóficos sobre os quais será construída a dissertação: o

contextualismo na ética e no conhecimento, a dúvida quanto ao domínio da

verdade e a idéia de que a retórica constitui caminhos da linguagem e da

realidade

Nas letras introdutórias dos rumos a serem percorridos em uma reflexão, é cabível

que os apontamentos iniciais sejam destinados à indicação dos pontos de partida, dos

“pórticos de entrada” para os caminhos que serão trilhados. A observação dos “alicerces”

permite, talvez, o melhor entendimento a respeito do que será construído sobre eles. Desse

modo, iniciamos esta introdução indicando três perspectivas que representam bases sobre as

quais será erguida a dissertação (e que receberão fundamentações no decorrer do trabalho):

1) Primeira perspectiva: entre o ser humano e os elementos da existência há uma

“ponte” que não se pode atravessar: o contexto histórico. A percepção é sempre contextual e

inserida em uma tradição, ocorrendo como confluência do passado e do presente, e não como

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atividade de uma consciência isolada diante dos objetos1. As maneiras de vivenciar o mundo,

incluindo o eu, são condicionadas por uma série de fatores históricos (como a linguagem, os

preconceitos, as relações de poder, etc.) que não permitem o isolamento do sujeito nem a

objetividade do conhecimento e dos valores. Como acontecimento singular, toda relação com

os elementos do mundo traz, em maior ou menor medida, alguma carga de particularidades,

mas as rupturas com o contexto não são totais. A linguagem, por exemplo, é uma expressão

contextual da qual não podemos nos afastar (e que é a forma de manifestação dos outros

fatores históricos que compõem os contextos nos quais se desdobra a existência). São

cotidianas as inovações no seu âmbito, mas não há uma quebra total dos referenciais, dos

conceitos, da gramática, sendo necessário algum nível de permanência nos padrões para que

haja comunicação.

2) Segunda perspectiva: O caráter multifacetado dos elementos do mundo e as

limitações do aparato cognoscitivo do ser humano permitem a dúvida quanto à existência do

domínio de verdades absolutas. A desconfiança de que o ser humano não consegue abarcar “o

absoluto” em sua retina é uma força que move a prudência sobre os juízos e o respeito a

visões divergentes. No entanto, o que é apresentado como “realidade” parece ser apenas a

representação de um conjunto de relatos que triunfaram.

3) Terceira perspectiva: além de teoria das figuras do discurso e de teoria da

argumentação (que são tipos de discurso sobre o discurso), a retórica denota a faculdade de

perceber, em cada caso, os caminhos disponíveis para argumentar eficientemente2 (faculdade

sobre o discurso). Neste último sentido, a retórica é um poder que dá rumos ao uso da

linguagem para que haja sucesso no discurso e que é capaz de fazer relatos prevalecerem

sobre outros — atuando, portanto, como um “manancial de verdades”, que parecem ser apenas

metáforas que servem para identificar opiniões vitoriosas. Desse modo, a “realidade” pode ser

vista como uma obra esculpida por forças retóricas (em conjunto com outros elementos, como

a violência).

1 GADAMER, Hans-Georg. Truth and Method. Second Edition, Revised. London: Continuum, 2006, p. 268 e s. 2 ARISTÓTELES. Retórica. Introducción, traducción y notas por Quintín Racionero. Madrid: Editorial Gredos, 1994, p. 173 (I, 2, 1355b 25-27).

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2. A retórica em face da ciência e da jurisdição não criativa, e perante a

verdade ética e a indeterminação do direito

Sobre as bases acima referidas, pretendemos observar o pensamento jurídico por

um enfoque retórico, apontando relações entre o plano das idéias jurídicas e a retórica vista

como uma faculdade que tem um papel constitutivo de caminhos da linguagem e da realidade.

Dessa maneira, a dissertação buscará tratar das seguintes questões:

1) Primeiro, dois aspectos que foram marcantes em teorias juspositivistas, mas

que hoje já não têm (inclusive no positivismo jurídico atual) o mesmo lugar de destaque que

ocupavam na esfera dos saberes jurídicos: o discurso científico e a separação entre a criação e

a aplicação do direito. Em relação à pretensão de adequar o discurso teórico jurídico às

exigências de um saber científico (busca que representa, segundo o juízo de Bobbio, o esforço

do qual nasceu o positivismo jurídico3), refletiremos sobre o sentido retórico do seu

florescimento, observando a sua ligação com o processo de secularização pelo qual passou a

Europa no decorrer da modernidade – em razão do qual o discurso científico assumiu uma

posição eminente entre os outros tipos de discurso, e foi disposto em relevo como um

caminho apropriado para atingir a verdade. Ademais, consideraremos a retórica no argumento

antipositivista que vincula a compreensão de que o direito pode assumir qualquer conteúdo (a

qual foi originada da postura avalorativa erguida pela pretensão de cientificidade do discurso

teórico jurídico4) à afirmação da ética nazista. No que se refere à idéia da separação entre a

criação e a aplicação do direito, apontaremos, por um lado, que expressa no campo teórico

juspositivista uma visão sobre as relações entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário que é

ligada ao ideal de segurança jurídica e domínio do futuro que floresceu no liberalismo

clássico. Por outro lado, refletiremos sobre o espaço da retórica na atividade de justificar

decisões judiciais vista de acordo com tal idéia.

2) Ulteriormente, lançaremos o olhar sobre o horizonte do pensamento jurídico

atual, em que tanto a busca de adequação do discurso teórico aos limites de uma linguagem

descritiva e avalorativa (pretensamente científica) quanto a separação forte entre produzir e

3 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 135. 4 Idem. p.131 e 144 e s.

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aplicar o direito perderam a centralidade. Inicialmente, refletiremos que o uso do termo “pós-

positivismo” para representar tal horizonte é marcado pelo reducionismo, pois a oposição que

é feita entre teorias positivistas e pós-positivistas parte, em geral, da desconsideração do

juspositivismo atual. Dessa maneira, observando a teoria jurídica recente como um quadro

multifacetado – no qual a conexão entre direito e moral e a ênfase em questões sobre a

interpretação representam pontos possíveis de articulação entre perspectivas teóricas

heterogêneas5 –, passaremos a abordar dois aspectos: o ontologismo axiológico e a idéia da

indeterminação do direito. Em relação à afirmação de verdades éticas e de conteúdos jurídicos

necessários (que ganhou novo fôlego no pensamento jurídico a partir da crise do

juspositivismo em meados do século passado, quando floresceram posturas teóricas que

assumem um papel valorativo), observaremos o seu caráter problemático em face da

pluralidade ética que caracteriza a sociedade contemporânea. Examinaremos que a idéia de

que um valor acolhido pelo direito é uma verdade ética pode dificultar a abertura da ordem

jurídica para valores distintos, constituindo um bloqueio contra argumentos divergentes que

reduz a capacidade persuasiva e as possibilidades da retórica no plano dos discursos opostos

ao que é visto como verdadeiro. Dessa maneira, considerando que sob a visão opinativa da

ética a retórica não é um instrumento de afirmação de “verdades” que podem representar

barreiras para argumentos contrários – mas sim um poder que serve de modo mais equivalente

o discurso diverso –, refletiremos sobre a adequação da postura opinativa para o ideal

democrático de abertura do direito para perspectivas éticas que não encontram respaldo em

normas jurídicas.

Por outro lado, pretendemos analisar o espaço da retórica na justificação das

decisões judiciais ante a idéia da indeterminação do direito, a qual representa um dos

elementos mais proeminentes no pensamento jurídico recente – em que os problemas em

torno da interpretação e a fragilidade das teorias da única decisão correta são postos em

destaque tanto por teorias juspositivistas quanto por teorias não positivistas.

5 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 209-219, 1998; JUST, Gustavo. La jurisprudence herméneutique et son horizon: l’interprétation entre ses conditions et ses possibilités. Droits, Paris, nº 40, p. 219 e s., 2004.

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3. Resumo de conteúdo: esta dissertação abordará relações entre a retórica

(como faculdade de identificar os meios disponíveis para usar

eficientemente a linguagem) e a teoria do direito, lançando o foco de análise

sobre o ideal científico e a metodologia que caracterizaram o

juspositivismo, e sobre o ontologismo axiológico e a consciência da

construção interpretativa do direito no âmbito das idéias jurídicas recentes

A dissertação será dividida em três capítulos:

No primeiro capítulo, faremos uma análise sobre a retórica que servirá de

fundamento para o restante do trabalho. Essa parte inicial da dissertação não trará ainda uma

exposição jurídica, mas será um sustentáculo para a reflexão que realizaremos nos capítulos

posteriores em torno de relações entre o campo das idéias jurídicas e a retórica. Desse modo,

abordaremos a retórica tanto na sua dimensão teórica (como discurso sobre o discurso) quanto

na dimensão em que representa a faculdade de perceber na prática os caminhos para

argumentar bem. A princípio, trataremos da retórica como um conjunto de saberes sobre o uso

eficiente da linguagem. Sem a pretensão de apresentar uma história da retórica, ou mesmo de

fazer uma síntese a esse respeito (tarefa que não escaparia da circunstância de que qualquer

síntese é mais caricatura do que retrato), lançaremos um olhar sobre momentos dotados de

relevância histórica e teórica dessa tradição do pensamento sobre o discurso. Em seguida,

refletiremos sobre a retórica como faculdade de identificar os meios disponíveis para usar

eficientemente a linguagem. Esse último sentido do termo “retórica” é o mais importante para

esta dissertação, pois sobre ele será construída a análise de relações entre a retórica e o

pensamento jurídico. Dessa maneira, buscaremos apontar que a prática da linguagem é

inseparável da retórica, a qual demarca o que é adequado ou inadequado no uso dos signos

lingüísticos. Também será feita uma exposição em torno das relações entre retórica e

realidade. Ademais, observando que o campo da retórica é constituído pelo que é contingente,

analisaremos a sua disposição perante o reconhecimento do domínio da verdade.

O segundo capítulo abordará, ante o horizonte teórico do positivismo jurídico, o

discurso científico e a distinção entre criar e aplicar o direito. Inicialmente, examinaremos o

conceito de juspositivismo, e, para tanto, faremos uma reflexão preliminar sobre a atividade

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de conceituar, indicando que ela representa mais uma forma de controle do mundo do que

uma maneira de representar a realidade. Depois, buscaremos analisar relações entre o discurso

científico juspositivista e a retórica. Para considerar a pretensão do juspositivismo de adequar

o discurso teórico jurídico às exigências da ciência, refletiremos sobre a ascensão do discurso

científico na história a partir da situação de deslocamento do ideal de domínio da verdade e

controle da natureza do âmbito da religião para a razão. Então, será indicado que, no processo

de secularização que ocorreu durante a modernidade na Europa, foram concentradas sobre a

ciência grandes expectativas de atingir tal ideal, o que conferiu prestígio ao discurso científico

e abriu caminhos para a busca de cientificização do pensamento jurídico. Feitos tais

apontamentos, observaremos o significado retórico da pretensão juspositivista de tornar

científico o discurso teórico jurídico. Também lançaremos um olhar sobre a retórica no

argumento antipositivista da Reductio ad Hitlerum (conforme a expressão usada por Bobbio6),

que traz a acusação de que o positivismo jurídico representa uma postura que foi favorável a

regimes autoritários como o nazismo e o fascismo. Por outro lado, faremos uma exposição

sobre o horizonte histórico no qual floresceu o ideal liberal de segurança jurídica e

previsibilidade da ação estatal, e apontaremos que tal ideal – erguido sobre a separação entre a

criação e a aplicação do direito – foi acolhido no juspositivismo. Em seguida, buscaremos

examinar que a metodologia fundada na distinção entre produzir e aplicar o direito minimiza

o espaço da retórica na justificação de decisões judiciais.

No terceiro capítulo, buscaremos, a princípio, observar que o uso do termo “pós-

positivismo” para identificar o paradigma contemporâneo da teoria do direito é realizado,

ordinariamente, a partir da desconsideração do positivismo jurídico atual, reduzindo este rumo

teórico a características que o marcaram até meados do século passado, mas que perderam

espaço nos seus desenvolvimentos recentes – tais como a concepção de interpretação erguida

sobre a distinção entre criar e aplicar o direito e o entendimento de que os princípios não têm

força normativa. Desse modo, diante do campo da teoria jurídica atual – que pode ser visto

como um plano constituído por correntes “positivistas” e “não positivistas” –, indicaremos

que a reação ao discurso pretensamente avalorativo e científico deu novo fôlego ao

ontologismo axiológico. Então, considerando a pluralidade ética que caracteriza a sociedade

contemporânea e o ideal democrático de abertura do direito ao dissenso, abordaremos que a

afirmação de verdades éticas e de conteúdos jurídicos necessários pode constituir uma atitude

6 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, 225 e s.

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problemática, pois a idéia do domínio da verdade pode levar a um fechamento do direito para

perspectivas éticas por ele ainda não acolhidas – minimizando a capacidade persuasiva dos

argumentos que discordam do que é concebido como verdadeiro, e, portanto, reduzindo a

força da retórica no plano dos discursos contrapostos à “verdade”. Feitas tais observações,

será apontado que a postura opinativa dispõe o poder da retórica de um modo mais

equivalente em relação ao discurso diverso, e é mais adequada do que ontologismo axiológico

ao ideal da permeabilidade do direito. Ademais, analisaremos fundamentos filosóficos de tal

postura. Por fim, buscaremos refletir sobre o aumento da visibilidade do espaço da retórica na

justificação das decisões judiciais ante o reconhecimento da indeterminação do direito – que,

assim como a atitude teórica valorativa que deu lugar à revivescência do ontologismo

axiológico, é um dos traços realçados no quadro das idéias jurídicas recentes.

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CAPÍTULO PRIMEIRO – Retórica, verdade e fabricação do mundo

Sumário: 1. A tradição da retórica como um longo império cultural que vivenciou seu ocaso por volta do século XIX e refloresceu na segunda metade do século passado. 1.1. Do alvorecer grego à constância no mundo medieval. 1.2. A modernidade e a retórica opaca: entre a sombra e a penumbra. 2. A inafastabilidade da retórica na vivência humana: o espelho que dá às linguagens e às realidades os seus rostos. 2.1. A linguagem como palco inseparável da arte de modelar o discurso. 2.2. Retórica e construção da “realidade”. 3. A retórica como luz para clarificar a verdade ou arte inútil diante da evidência.

1. A tradição da retórica como um longo império cultural que vivenciou seu

ocaso por volta do século XIX e refloresceu na segunda metade do século

passado

1.1. Do alvorecer grego à constância no mundo medieval

A retórica no sentido de metalinguagem, de um conjunto de saberes voltado para

o uso eficiente da linguagem, surgiu na Sicília grega no século V a.C. tendo uma vocação

original para uma teoria da argumentação, para uma teoria do discurso persuasivo, e resultou

de conflitos de propriedade, da necessidade de eloqüência judiciária em um período no qual

não havia advogados e cabia aos próprios litigantes a defesa de suas causas.7 Esse saber, cujo

nome é proveniente do termo “rétor” [rhetor], que para os gregos era o mesmo que orador8,

teve como primeiros professores Empédocles de Agrigento, Córax de Siracusa (seu aluno) e

7 CUNHA, Tito Cardoso e. Prefácio. In: NIETZSCHE, Friedrich. Da Retórica. Tradução de Tito Cardoso e Cunha. 1ª Edição. Lisboa: Veja, 1995, p. 07; BARTHES, Roland. La Aventura Semiológica. Traducción de Ramon Alcalde. 2ª edición. Barcelona: Ediciones Paidós, 1993, p. 86-88; REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 02. 8 VICO, Giambattista. Instituciones de Oratoria (selección de los 10 primeros capítulos). Traducción del latín y notas de Francisco Navarro Gómez. Cuadernos sobre Vico, Sevilla, nº 15-16, p. 415-430, 2003.

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Tísias, sendo atribuída aos dois últimos a autoria da primeira obra sobre o assunto, destinada

ao sucesso judicial.9

No entanto, o despertar dos regimes democráticos nas cidades-estados gregas no

decorrer do século V a.C. constituiu um campo favorável para o florescimento da retórica. A

eloqüência, então, despontava como uma virtude necessária ao cidadão para um adequado

exercício da sua atividade política, e o ensino da arte oratória foi propagado entre os povos

helênicos. A este respeito discorreu J. B. Bury:

As instituições de uma cidade democrática grega pressupunham no cidadão médio a faculdade de falar em público, e para qualquer um que tivesse ambição de uma carreira política ela era indispensável. Se um homem era arrastado a uma corte jurídica pelos seus inimigos e não sabia como falar, ele era como um civil desarmado atacado por soldados. O poder de expressar idéias claramente e de tal modo como persuadir um auditório era uma arte a ser aprendida e ensinada10.

Como professores viajantes entre as cidades gregas, os sofistas supriam, em

alguma medida, as necessidades de conhecimentos que tornassem os cidadãos aptos para suas

funções políticas, e pensadores como Protágoras e Górgias desempenharam um papel para a

difusão da retórica, que entre os sofistas era um saber fundamental.

Contudo, dispondo-se nas margens do caminho de valorização da arte oratória,

Platão enxergou os saberes retóricos de um ponto de vista depreciativo. Na sua perspectiva, os

objetivos da retórica e da filosofia são distintos, e os filósofos, definidos como “amantes da

visão da verdade”11, não se confundem com os retóricos, comprometidos com a persuasão e

não com a verdade, que sequer precisam conhecer.12 A retórica, segundo a concepção que

apresentou no diálogo Górgias (em que esse sofista é um interlocutor que Platão contrapõe

pela voz de Sócrates), não é uma arte, mas apenas “uma experiência em produzir um tipo de

9 REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 02; RICOEUR, Paul. The Rule of Metaphor: the creation of meaning in language. Translated by Robert Czerny with Kathleen McLaughlin and Jonh Costello. London: Routledgde, 2004, p. 383. 10 The institutions of a Greek democratic city presupposed in the average citizen the faculty of speaking in public, and for anyone who was ambitious for a political career it was indispensable. If a man was hauled into a law-court by his enemies and did not know how to speak, he was like an unarmed civilian attacked by soldiers. The power of expressing ideas clearly and in such a way as to persuade an audience was an art to be learned and taught. BURY, J. B. Apud KERFERD, G.B. The Sophistic movement. Cambridge: Cambridge University Press, 1981, p. 17. 11 “Lovers of the vision of the truth”. PLATO. The Republic. In: Dialogues of Plato. Col. Great Books of the Western World. Translated by Benjamin Jowett. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1952. p. 370 (475). 12 Idem. Gorgias. In: Dialogues of Plato. Great Books of the Western World. Translated by Benjamin Jowett. Chicago: Encyclopedia Britannica, 1952, p. 259 (459).

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encanto e satisfação”13, algo ignóbil, não muito digno de crédito. Desse modo, reduziu a

retórica ao nível da culinária, alegando que esta tem com o corpo a relação que a retórica tem

com a alma, pois são experiências voltadas apenas para agradar (a culinária com o prazer

sensorial, e a retórica com o encanto que proporciona à alma), sem a preocupação com o que

realmente é bom ou ruim.14

Tal abordagem negativa foi uma das mais importantes para a tradição anti-

retórica, considerando a vasta influência de Platão no pensamento ocidental. E esse mau juízo

se refere à condenação dos próprios sofistas, que eram cultores da retórica naquele período, e

que, em grande parte em razão do prestígio das obras de Platão, foram marginalizados nas

páginas da história da filosofia, lançados para longe dos relatos sobre os protagonistas.

Já na obra de Aristóteles, a retórica encontra uma das mais firmes e expressivas

elaborações teóricas ao seu respeito. Formuladas como uma teoria da argumentação, as

reflexões de Aristóteles nesse âmbito partiram da compreensão de que a retórica é “a

faculdade de teorizar sobre o que é adequado em cada caso para convencer”15, e que a sua

tarefa é, portanto, “reconhecer os meios de convicção mais pertinentes para cada caso [...] o

convincente e o que parece ser convincente”16. Desse modo, dividiu a retórica em três

gêneros: o deliberativo, o judicial e o epidídico. O âmbito próprio da deliberação seria

aconselhar e dissuadir, o da retórica judicial seria a acusação e a defesa, e o do discurso

epidídico seria o elogio e a censura17. Observa-se, contudo, que essa tripartição perdeu espaço

na própria obra de Aristóteles, que centrou a retórica no campo deliberativo, afirmando que “a

tarefa desta última versa, portanto, sobre aquelas matérias sobre as quais deliberamos e para

as quais não temos artes específicas [...]”18. Neste sentido, comentou Quintín Racionero:

13 “An experience in producing a sort of delight and gratification”. PLATO. Gorgias. In: Dialogues of Plato. Great Books of the Western World. Translated by Benjamin Jowett. Chicago: Encyclopedia Britannica, 1952, p. 260 (462). 14 Ibidem. p. 261 (464 e 465) e 281 (501). 15 “La faculdad de teorizar lo que es adecuado em cada caso para convencer”. ARISTÓTELES. Retórica. Introducción, traducción y notas por Quintín Racionero. Madrid: Editorial Gredos, 1994, p. 173 (I, 2, 1355b 25-27). 16 “Reconocer los medios de convicción más pertinentes para cada caso [...] lo convincente y lo que parece ser convincente”. Ibidem. p. 172 (I, 1, 1355b 15-17). 17 Ibidem. p. 194 (I, 3, 1358b 6-10). 18 “La tarea de esta última versa, por lo tanto, sobre aquellas materias sobre las que deliberamos y para las que no disponemos de artes específicas[...] Ibidem. p. 182 (I, 2, 1357a 1-5).

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Esta vinculação da retórica às matérias da deliberação é particularmente interessante. (...) O elogio e a oratória forense vão perdendo terreno, até o ponto em que sequer são aqui mencionados, e, por outro lado, a necessidade de controlar racionalmente “o que pode ser resolvido de dois modos” (ou seja, o campo do ético e, ainda mais, do político) se converte no tema principal, senão único, da última versão da Retórica.19

Dessa maneira, concebeu Aristóteles que a tarefa da retórica é referente a matérias

em torno das quais é possível deliberação, entendendo que só se pode deliberar sobre o que,

ao menos aparentemente, pode ser resolvido de dois modos.20 Para o tratamento de tais

assuntos, foi atribuído o papel mais importante ao silogismo retórico (entimema), visto como

o corpo da persuasão e o centro da retórica, e constituído principalmente por premissas que

enunciam o que é apenas provável.21

Quanto aos modos de persuasão, Aristóteles compreendeu que são de três

espécies: o que decorre do caráter pessoal do orador (êthos), o que provém da disposição

emocional provocada nos ouvintes pelo discurso (páthos) e o que diz respeito ao próprio

discurso (lógos). No primeiro tipo, a qualidade pessoal de quem fala (honradez, dignidade,

autoridade, etc.) dá credibilidade e torna o discurso aceitável, provocando a adesão do

auditório. No segundo, o auditório é disposto em um estado de emoção (tristeza, alegria, etc.)

que leva a um julgamento favorável relativo ao discurso, resultando a comoção em

convencimento. Já no último modo, a persuasão é decorrente da expressão do conteúdo do

discurso, é oriunda do que ele demonstra ou parece demonstrar. 22

Entretanto, no século IV a.C, em que viveu Aristóteles (384 a 322 a.C), o mundo

grego viveu grandes mudanças políticas e culturais. Com a expansão da Macedônia, realizada

por Felipe II e Alexandre (que reinaram de 359 a 336 a.C. e 336 a 323 a.C., respectivamente),

toda a Grécia e larga extensão do oriente foram incorporadas ao seu império. A organização

política do mundo grego, até então disposta sobre cidades-estados livres, foi transformada em

razão da submissão aos macedônios, e uma mútua influência entre os gregos e os povos

19 Esta adscripción de la retórica a las matérias de la deliberación es particularmente interessante. (...) El elogio y la oratoria forense van perdiendo terreno, hasta el punto de que ni siquiera son aquí mencionados, en cambio de la necesidad de controlar razonablemente “lo que puede resolverse de dos modos” (o sea, el campo de lo ético y, más aún, de lo político) se convierte en el tema principal, si no único, de la última version de la Retórica. RACIONERO, Quintín. In: ARISTÓTELES. Retórica. Introducción, traducción y notas por Quintín Racionero. Madrid: Editorial Gredos, 1994, p. 183. 20 ARISTÓTELES. Retórica. Introducción, traducción y notas por Quintín Racionero. Madrid: Editorial Gredos, 1994, p. 182 e 183 (I, 2, 1357a 5-8). 21 Ibidem. p. 465 (II, 25, 1402b 12-16). 22 Ibidem. p. 175 a 177 (I, 2, 1356a 1-20).

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orientais dominados foi estabelecida, originando a chamada cultura helenística, na qual foram

fundidos elementos desses universos culturais distintos23.

As formas de vida gregas, então, foram amplamente difundidas. Alexandre, que

buscava reproduzir as instituições gregas onde exercia o seu domínio, chegou mesmo a se

intitular, segundo Bertrand Russell, o apóstolo do helenismo24. E nesse percurso histórico de

irradiação da cultura grega, os saberes retóricos foram propagados e desenvolvidos,

integrando o mundo helenístico (que, após a morte de Alexandre, em 323 a.C., se dividiu em

diversos reinos, os quais se prolongaram até o período em que sobreveio o domínio romano,

entre os séculos II e I a.C.25). Entre os retóricos do período helenístico, pode-se mencionar

Teofrasto (discípulo de Aristóteles), Demétrio de Falero e Hermágoras.

No entanto, se entre os gregos a retórica foi mais altiva do que em qualquer outro

povo, em Roma os saberes retóricos tiveram uma projeção cultural perene, prolongando-se

desde a república até o fim do império. Na era republicana (509 a 27 a.C.), Roma deu

molduras e cores latinas à retórica grega com a qual estabelecera contato, conferindo à

herança helênica uma orientação pragmática, voltada para as exigências práticas da vida

social26. Nessa época, Cícero (106 a 43 a.C) escreveu as suas obras retóricas: Rethorica ad

Herennium (a autoria desse texto ainda é discutida), De Inventione, De Oratore, Orator,

Brutus, De Optimo Genere Oratorum, Topica e Partitiones Oratoria.

Entre esses escritos, que tiveram grande influência na tradição retórica, o De

Oratore é apontado como a obra-prima da retórica ciceroniana27. Nesse texto, elaborado em

forma de diálogo, Cícero observou que a arte oratória demanda estilo e conhecimento sobre o

que se vai falar, e que é exigido do orador um amplo horizonte de saberes, sendo a filosofia, a

23 BOWRA, C.M. Grécia Clássica. Biblioteca de História Universal Life. Tradução de Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972, p. 157-171; RUSSELL. Bertrand. A History of Western Philosophy. New York: Touchstone, 1972, p. 218 e s. 24 RUSSELL. Bertrand. A History of Western Philosophy. New York: Touchstone, 1972, p. 219. 25 BOWRA, C.M. Grécia Clássica. Biblioteca de História Universal Life. Tradução de Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972, p. 157-171; RUSSELL. Bertrand. A History of Western Philosophy. New York: Touchstone, 1972, p. 218 e s. 26 GARCÍA, María del Carmen; HERNANDEZ, José António. Historia breve de la retórica. Madrid: Síntesis, 1994, p. 53. 27 Neste sentido, José António Hernandez e María del Carmen García comentaram que o De Oratore é “según la opinión de lamayoría de críticos, la obra maestra de la retórica ciceroniana”. Ibidem, p. 57. Também Olivier Reboul se refere ao De Oratore como a obra axial de Cícero. Ver em REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 71.

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política e a moral complementares à retórica28. Desse modo, definiu que “o completo e

perfeito orador é aquele que, em toda e qualquer matéria, pode falar com plenitude e

variedade”29.

Contudo, a retórica latina entrou em uma fase de declínio com a emergência do

império. Tal percurso descendente teve como um dos principais motivos a redução dos

espaços de debates, que foi decorrente do estabelecimento de um maior controle público das

discussões30. A arte oratória, então, foi disposta em um contexto hostil, pois a eloqüência

perde valor num ambiente em que as palavras ficam represadas na consciência. Neste sentido,

Nietzsche chamou a retórica de “uma arte essencialmente republicana” 31, dizendo com isso

que ela pressupõe a aceitação de opiniões e pontos de vista alheios. Mas apesar dessa perda de

força, o ensino da retórica fez parte da formação dos romanos durante toda a época imperial32,

o que demonstra que a arte oratória estava longe do horizonte de obscurecimento que seria

configurado na modernidade.

Do período imperial, teve grande projeção o texto Institutio Oratoria, de

Quintiliano (35 a 96 d.C.). Nessa obra, na qual se percebe a influência de Aristóteles (como

na divisão dos tipos de oratória em deliberativo, epidídico e judicial), o foco central é a

educação na retórica, vista como “a ciência de falar bem”33. Na sua perspectiva sobre a arte

oratória, Quintiliano estabeleceu o vínculo com o justo como um aspecto fundamental,

rejeitando as concepções que afirmavam que a retórica também servia como instrumento para

assegurar a injustiça. Assim, alegou que:

Desde que um caso seja baseado na injustiça, não tem lugar nele a retórica, e, conseqüentemente, raramente pode acontecer, mesmo sob as mais excepcionais

28 CICERO. De Oratore: Books I, II. The Loeb Classical Library. Translated by E.W. Sutton. Cambridge: Harvard University Press, 1967, p. 43-45 (I, XIII, 58-59). 29 “The complete and finished orator is he who on any matter whatever can speak with fullness and variety”. Ibidem. p. 45. (I, XIII, 59) 30 GARCÍA, María del Carmen; HERNANDEZ, José António. Historia breve de la retórica. Madrid: Síntesis, 1994, p. 60 e s.; REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 74 e s. 31 NIETZSCHE, Friedrich. Da Retórica. Tradução de Tito Cardoso e Cunha. 1ª Edição. Lisboa: Veja, 1995, p. 30. 32 REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 76. 33 “The science of speaking well”. QUINTILIAN. Institutio Oratoria . Books I-III. The Loeb Classical Library. Translated by H. E. Butler. London: Harvard University Press, 1996, p. 315 (II, XV, 34).

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circunstâncias, que um orador, ou seja, um bom homem, fale indiferentemente em ambos os lados [defendendo tanto o que é justo como o injusto]34.

Dessa maneira, a teorizar sobre a formação do orador, elaborou uma pedagogia

da oratória que foi firmada como uma das mais influentes contribuições da antiguidade para a

tradição retórica. Além das preocupações sobre a beleza do discurso, abordou, entre outros

elementos, problemas em torno do conceito de retórica, a história dessa arte, seus tipos, as

partes do discurso e o uso persuasivo da emoção.

Contudo, o colapso do império romano e o seu processo de desestruturação

montaram um novo cenário da história na Europa, e novas formas de vida centradas numa

cultura teocêntrica (cristã) e feudal configuraram a Idade Média. Naquele novo palco da

história, o regime escravista deu lugar ao feudalismo, que era fundado na vida rural, no

microcosmo representado pelo feudo (dotado de um alto grau de auto-suficiência) e tinha

como eixo as relações de produção entre duas classes sociais sem mobilidade: os proprietários

de terras (minoria formada pelo clero e pela nobreza) e os servos, população camponesa que

usava a terra alheia e era disposta sob uma condição servil (não confundida com a escravidão,

pois os servos não eram propriedade dos senhores feudais).35

No entanto, a tradição clássica da retórica persistiu no mundo medieval, e,

integrando a cultura cristã, sua depositária, foi ensinada e desenvolvida durante toda a Idade

Média (do século V ao século XV),36 sendo um dos elementos permanentes dos programas

educativos de tal período.

A entrada da retórica, no século V, em sua fase medieval (limiar que a conduziu

ao isolamento dos monastérios, os quais concentraram a cultura durante o período da alta

Idade Média) foi marcada pela obra De Doctrina Christiana, de Santo Agostinho, na qual,

diante do conflito entre a cultura cristã e a cultura pagã, ele defendeu que os cristãos deveriam

se utilizar dos elementos da herança antiga úteis ao cristianismo, abrindo caminhos para os

34 “Since if a case be based on injustice, rethoric has no place therein and consequently it can scarcely happen even under the most exceptional circumstances that an orator, that is to say, a good man, will speak indifferently on either side”. QUINTILIAN. Institutio Oratoria . Books I-III. The Loeb Classical Library. Translated by H. E. Butler. London: Harvard University Press, 1996, p. 339 (II, XVII, 31-32). 35 VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p. 108 e s. 36 BARTHES, Roland. La Aventura Semiológica. Traducción de Ramon Alcalde. 2ª edición. Barcelona: Ediciones Paidós, 1993, p. 105 e s.; REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 76 e s.

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saberes retóricos37. Neste sentido, argumentou que: “Visto que a arte da palavra possui o

duplo efeito (o forte poder de persuadir seja para o mal, seja para o bem), por qual razão as

pessoas honestas não poriam seu zelo em vista de se engajar ao serviço da verdade?”38.

Do mesmo século, outro texto basilar para a retórica medieval foi o De Nuptiis

Philologiae et Mercuri, de Marciano Capella, no qual foram esboçadas as sete artes sobre as

quais o saber medieval foi estruturado. Segundo Jacques Le Goff:

Não foi de Cícero ou de Quintiliano de quem os clérigos da alta Idade Média tomaram seu programa científico e educativo, mas de um retórico de Cartago, Marciano Capella, que, em começos do século V, definiu as sete artes liberais em seu poema: As Núpcias de Mercúrio e da Filologia.39

Essas sete artes eram: Música, Geometria, Aritmética e Astronomia (quatrivium) e

Retórica, Gramática e Dialética (trivium). Entretanto, o trivium se prolongou durante toda a

Idade Média como um conjunto de saberes relativos à palavra, constituindo uma das bases da

educação medieval. Considerando a relação entre as três disciplinas do trivium, comentou

Barthes que:

[…] Desde o século V ao XVI, a liderança emigrou de uma arte para outra, de maneira tal que cada segmento da Idade Média esteve sob o predomínio de uma arte distinta: sucessivamente, foram a Retórica (séculos V-VII), logo a Gramática (séculos VIII-X) e logo a Lógica (XIV-XV) as que dominaram suas irmãs, relegadas à categoria de parentes pobres.40

A retórica, portanto, assumiu um protagonismo no âmbito do trivium no princípio

da Idade Média, mas foi disposta em um plano secundário do século VIII ao século XV, algo

provavelmente decorrente da tendência de reduzir a arte oratória ao ornato do discurso.

37 LE GOFF, Jacques. La Civilización Del Occidente Medieval. Traducción de Godofredo González. Barcelona: Ediciones Paidós, 2002, p. 98. 38 AGOSTINHO, Santo. Da Doutrina Cristã: manual de exegese e formação cristã. Tradução do original latino cotejada com versões em francês e espanhol de Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 2002, p. 209. 39 No fue de Cicerón o de Quintiliano de quienes los clérigos de la alta Edad Media tomaron su programa científico y educativo, sino de un retórico de Cartago, Marciano Capella que, en los comienzos del siglo V, definió las siete artes liberales en su poema: Las nupcias de Mercurio y de la Filología. LE GOFF, Jacques. La Civilización Del Occidente Medieval. Traducción de Godofredo González. Barcelona: Ediciones Paidós, 2002, p. 95. 40 [...] Desde el siglo V al XVI el liderazgo emigró de una arte a otra, de manera tal que cada segmento de la Edad Média estuvo bajo el predominio de una arte distinta: sucesivamente, fueran la Rethorica (siglos V-VII), luego la Grammatica (siglos VIII-X) y luego la Logica (XIV-XV) las que dominaran sus hermanas, relegadas al rango de parientes pobres. BARTHES, Roland. La Aventura Semiológica. Traducción de Ramon Alcalde. 2ª edición. Barcelona: Ediciones Paidós, 1993, p. 105.

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1.2. A modernidade e a retórica opaca: entre a sombra e a

penumbra

Considerando a retórica como metalinguagem, pode-se observar, assim como

Nietzsche, que o nível do seu desenvolvimento constitui uma das grandes diferenças entre os

antigos e os modernos41. Com efeito, os saberes retóricos, que ocupavam uma posição

proeminente na antiguidade ocidental desde as suas raízes gregas, decaíram na modernidade,

a qual, segundo João Maurício Adeodato, representa “esse hiato que torna a retórica ainda

mais marginal, até a ‘virada lingüística’ do século XX, quando recomeça alguma atenção às

perspectivas retóricas”42.

Todavia, pode-se enxergar que esse quadro de degradação da arte oratória na

educação e nas produções intelectuais não tem como moldura toda a modernidade, e que os

traços que marcaram o declínio da tradição retórica foram delineados com mais nitidez no

século XIX. A retórica, saindo do plano secundário em que permaneceu durante a maior parte

da Idade Média, assumiu uma proeminente posição na cultura européia nos séculos XV, XVI

e XVII, situação que foi decorrente de vários fatores, entre os quais a revalorização dos

clássicos e a recuperação de textos latinos originais (notadamente de Cícero e Quintiliano)43.

Observa-se, no entanto, que os saberes retóricos decaíram já no século XVII44, e que

deixaram, então, a postura de protagonismo que ocupavam para seguir caminhos de

obscurecimento, como os abertos na obra de Descartes. O seguinte comentário desse filósofo

francês, feito no princípio do Discours de la méthode, aponta para os roteiros de

desvalorização do ensino da retórica:

Eu estimava muito a eloqüência e era apaixonado pela poesia, mas eu pensava que uma e outra eram dons do espírito e não frutos do estudo. Aqueles que têm o raciocínio mais forte, e que digerem melhor seus pensamentos a fim de torná-los

41 NIETZSCHE, Friedrich. Da Retórica. Tradução de Tito Cardoso e Cunha. 1ª Edição. Lisboa: Veja, 1995, p. 27. 42 ADEODATO, João Maurício. Retórica Constitucional: sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 26. 43 GARCÍA, María del Carmen; HERNANDEZ, José António. Historia breve de la retórica. Madrid: Síntesis, 1994, p. 91-93. 44 Ibidem. p. 107-108.

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claros e inteligíveis, podem sempre persuadir melhor sobre o que propõem, ainda que só falassem baixo bretão, e não tivessem jamais aprendido retórica.45

Contudo, se houve no século XVIII uma efêmera revitalização da arte oratória

(com a publicação de muitos tratados sobre o assunto, que ainda integrava o currículo da

maioria das principais universidades e escolas européias), no século XIX foram alongadas as

vias do seu declínio, e foi configurado o “ocaso” da retórica no horizonte da cultura. 46

Entre os motivos dessa situação, figura a promoção do valor da evidência47, que,

representando uma força capaz por si só de levar à persuasão, minimiza o espaço sobre o qual

se desdobra a retórica. Nesse sentido, Perelman e Olbrechts-Tyteca comentaram que as

concepções de razão e raciocínio de René Descartes, as quais partem da consideração de que

o ser humano pode ter o domínio da verdade e têm como marca a idéia da evidência, tiveram

larga influência na filosofia do século XVII ao século XIX, e desempenharam um papel no

contexto da perda de prestígio da retórica e da argumentação.48

Também como motivo do obscurecimento, podemos apontar a tendência de

restringir a retórica a uma teoria dos ornamentos do discurso. Se entre os gregos a retórica foi,

sobretudo, uma teoria da persuasão, da argumentação, a sua história posterior levou

progressivamente à redução a uma de suas partes. A este respeito, discorreu Paul Ricoeur:

Esta é uma das causas da morte da retórica: reduzindo a si mesma a uma de suas partes, a retórica [...] se tornou uma disciplina fútil e irregular. A retórica morreu quando a propensão para classificar figuras de linguagem suplantou completamente a sensibilidade filosófica que animou o vasto império da retórica, manteve suas partes juntas, e ligou o todo ao organon e à primeira filosofia. 49

45 J'estimois fort l'éloquence, et j'étois amoureux de la poésie; mais je pensois que l'une et l'autre étoient des dons de l'esprit plutôt que des fruits de l'étude. Ceux qui ont le raisonnement le plus fort, et qui digèrent le mieux leurs pensées afin de les rendre claires et intelligibles, peuvent toujours le mieux persuader ce qu'ils proposent, encore qu'ils ne parlassent que bas-breton, et qu'ils n'eussent jamais appris de rhétorique. DESCARTES, René. Discours de la méthode. Paris: Bnf-Gallica, 2006, p. 38-39. 46 BARTHES, Roland. La Aventura Semiológica. Traducción de Ramon Alcalde. 2ª edición. Barcelona: Ediciones Paidós, 1993, p. 86 e s.; GARCÍA, María del Carmen; HERNANDEZ, José António. Historia breve de la retórica. Madrid: Síntesis, 1994, p. 91-93 e p. 108 e 121.; REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 77 e s. 47 BARTHES, Roland. La Aventura Semiológica. Traducción de Ramon Alcalde. 2ª edición. Barcelona: Ediciones Paidós, 1993, p. 114. 48 OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; PERELMAN, Chaïm. Tratado de Argumentação: a nova retórica. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 01 e s. 49 This is one of the causes of the death of rhetoric: in reducing itself thus to one of its parts, rhetoric […] became an erratic and futile discipline. Rhetoric died when the penchant for classifying figures of speech completely supplanted the philosophical sensibility that animated the vast empire of rhetoric, held its parts together, and tied the whole to the organon and to first philosophy. RICOEUR, Paul. The Rule of Metaphor:

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Na segunda metade do século XX, porém, houve uma revivescência dos estudos

retóricos, ao menos nos Estados Unidos e em países Europeus. Nesse sentido, são marcantes

os caminhos teóricos de Chaïm Perelman, que evocou a importância do contingente, do

verossímil, da relação com o auditório, anunciando uma “nova retórica” como uma teoria

“vinculada a uma velha tradição, a da retórica e da dialética gregas”50. Na sua obra, a retórica

ganhou novamente os contornos de uma teoria da argumentação, de uma “ciência” que “tem

como objeto o estudo das técnicas discursivas que visam a provocar ou aumentar a adesão dos

espíritos às teses apresentadas a seu assentimento”51.

O seu livro mais importante, o “Traité de l’Argumentation: la nouvelle

rethorique” (Tratado de Argumentação: a nova retórica), elaborado com Lucie Olbrechts-

Tyteca e publicado em 1958, foi feito sob a pretensão de constituir uma teoria da persuasão

em reação ao modelo de racionalidade cartesiana, e descerrou rumos para o regresso da

retórica, para a revalorização dos saberes sobre o discurso.

No âmbito específico do Direito, também aconteceu uma revivescência dos

estudos retóricos. Observa-se tal reflorescimento em autores como Theodor Viehweg, Niel

MacCormick, Ottmar Ballweg, o próprio Chaïm Perelman, Katharina Von Schlieffen, e, no

Brasil, sob a influência da Escola de Mainz, João Maurício Adeodato, da Faculdade de Direito

de Recife.

Na obra “Topik und Jurisprudenz” (Tópica e Jurisprudência), de Viehweg,

lançada em 1953, a retórica encontrou um pórtico fundamental para o seu regresso ao

pensamento jurídico. Esse livro, que teve ampla repercussão teórica, parte da diferença

traçada por Vico entre o método de conhecimento antigo (retórico, tópico) e o moderno

(crítico). Tomando como eixo o conceito de problema (“toda questão que aparentemente

the creation of meaning in language. Translated by Robert Czerny with Kathleen McLaughlin and Jonh Costello. London: Routlegde, 2004, p. 09. 50 OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; PERELMAN, Chaïm. Tratado de Argumentação: a nova retórica. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 01. 51 “A pour objet l’étud des techniques discursives visant à provoquer ou à accroître l’adhésion des esprits aux théses qu’on presente à leur assentiment”. PERELMAN, Chaïm. Logique Juridique: Nouvelle réthorique. Deuxième édition. Paris: Dalloz, 1979, p. 105.

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admite mais de uma resposta e que necessariamente pressupõe uma compreensão

provisória”52), herdado de seu mestre Nicolai Hartmann, Viehweg considerou que a tópica é

uma técnica de pensar problematicamente53, é um método de perceber os casos apresentados

como problemas, como questões sem soluções definitivas, sobre as quais há apenas opiniões.

Na sua visão, a jurisprudência é um espaço tópico, e o problema fundamental do direito é a

questão do que é justo aqui e agora, que é irrecusável e sempre emergente54. O direito, sob tal

perspectiva, não se compromete como a idéia de sistema, mas com a solução que promove o

que é justo no caso, que envolve apenas respostas opináveis em razão do caráter problemático

de tal questão.

Contudo, mesmo que obras germinais como a de Viehweg tenham aberto

horizontes para o ressurgimento da retórica na segunda metade do século XX, o espaço dos

saberes retóricos ainda parece ser pequeno na educação e nas produções intelectuais, inclusive

no universo jurídico, e pode-se dizer que a retórica está longe do protagonismo que exercia na

antiguidade. Atualmente, ainda há uma ênfase no seu sentido negativo, e, no curso da

linguagem, flui a idéia que caracteriza o discurso retórico como ornamento para encobrir o

vazio de conteúdo55 ou máscara para ocultar o vácuo que há por trás da sua bela imagem.

A respeito de tal concepção que generaliza a retórica como recurso para preencher

a ausência de substância, entendemos que é uma perspectiva demasiadamente pobre, que

revela o desconhecimento da ampla tradição retórica. Ademais, o preconceito contra a parte

ornamental das artes oratórias e contra as preocupações estéticas acerca do discurso tem o

poder de empobrecer a linguagem, de retirar dela o encanto da beleza, dando-lhe traços de

uma feição grosseira.

52 “Toda cuestión que aparentemente admite más de una respuesta y que necesariamente presupone una comprensión provisional”. VIEHWEG, Theodor. Tópica y Jurisprudencia. Traducción de Luíz Díez-Picazo Ponce de Léon. Madrid: Taurus, 1964, p. 50. 53 Ibidem. p. 49. 54 Ibidem. p. 129-130. 55 ADEODATO, João Maurício. Retórica Constitucional: sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17-19; CUNHA, Tito Cardoso e. Prefácio. In: NIETZSCHE, Friedrich. Da Retórica. Tradução de Tito Cardoso e Cunha. 1ª Edição. Lisboa: Veja, 1995, p. 05.

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2. A inafastabilidade da retórica na vivência humana: o espelho que dá às

linguagens e às realidades os seus rostos

2.1. A linguagem como palco inseparável da arte de modelar o

discurso

Se a retórica erguida como reflexão sobre o uso eficiente da linguagem encontra

suas origens na Grécia antiga, a retórica considerada como faculdade de identificar os

caminhos disponíveis para bem argumentar (ou seja, “faculdade sobre o discurso”, e não

“discurso sobre o discurso”) é anterior a qualquer teoria sobre ela, sendo algo inafastável da

experiência da linguagem, com raízes tão antigas quanto a própria vivência do ser humano.

Afinal, o falante ou escritor que pretende convencer a respeito de algo organiza suas idéias,

estrutura o discurso, usa figuras de linguagem que ilustram o seu relato, seleciona aspectos do

acontecimento que dêem respaldo ao que defende e o tipo de linguagem que usará. Ou seja,

busca caminhos para bem argumentar e persuadir, e, para isso, monta (mesmo que de maneira

inconsciente) estratégias, métodos.

Pode-se dizer, portanto, que a retórica como “ciência” ou conjunto de saberes

sobre o uso eficiente da linguagem permite um maior domínio da argumentação, mas também

que a retórica enquanto faculdade de identificar na prática os meios para argumentar bem se

manifesta mesmo sem essa metalinguagem (meta-retórica), persistindo mesmo diante do

comum desprezo que é dedicado à arte oratória. A retórica no sentido de faculdade sobre o

discurso é como uma espécie de “personagem” que, mesmo quando está invisível ou sem

nome diante da platéia, sempre desempenha um papel no cenário. Sobre isso discorreu

Nietzsche:

Mas não é difícil provar, à luz clara do entendimento, que o que se chama retórica, para designar os meios de uma arte consciente, estava já em acto, como meios de uma arte inconsciente, na linguagem e no seu devir, e mesmo que a retórica é um aperfeiçoamento dos artifícios já presentes na linguagem. A linguagem ela mesma é o resultado de artes puramente retóricas [...] essa força [a retórica] é ao mesmo

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tempo a essência da linguagem. [...] É o primeiro ponto de vista: a linguagem é a retórica, porque apenas quer transmitir uma doxa, e não uma epistêmê 56.

Numa perspectiva semelhante (baseada no olhar de Nietzsche), Ottmar Ballweg

também observou a situação de inafastabilidade da retórica, e a definiu em três sentidos: 1)

retórica material, identificada com a própria linguagem, que “tem todos os meios retóricos a

seu alcance”57; 2) retórica prática, metalinguagem que ensina “o emprego transcendente dos

meios retóricos imanentes à linguagem”58; 3) retórica analítica, que corresponde a um estudo

descritivo das relações entre as retóricas materiais e práticas59.

Desse modo, ainda que se apresente por meios irrefletidos, como uma “arte

inconsciente” (de acordo com a expressão de Nietzsche acima referida), a retórica dá rumos

ao uso dos signos lingüísticos, dá à linguagem substância e vestes, modelando-a como faz o

escultor de uma obra “inacabável”. E tal obra (linguagem) tem um caráter fluido, e assume

variados padrões (não definitivos) em diferentes circunstâncias.

A respeito dessa variedade de padrões, é de se observar que a vida social é um

complexo de ambientes lingüísticos, uma rede de comunicação que se desdobra em variados

contextos que apresentam distintos modelos de linguagem. A existência social implica, em

maior ou menor grau, uma pluralidade de ambientes lingüísticos, e as linguagens utilizadas no

trabalho, no lar e em cerimônias religiosas, por exemplo, ocorrem sobre diferentes padrões.

Nesse sentido, um advogado não usa a linguagem da mesma maneira na intimidade familiar e

numa audiência, assim como um cientista assume discursos diferentes ao escrever um artigo

científico e ao conversar com amigos em um momento de lazer. E o padrão de linguagem

profissional do advogado não é o mesmo de um médico, ou de um engenheiro, pois as

exigências técnicas e os problemas são distintos, e o uso adequado da linguagem em uma peça

processual não é o mesmo que em um diagnóstico de uma enfermidade.

Entretanto, as diferentes esferas de linguagem que constituem a sociedade

impõem alguma adequação aos padrões estabelecidos, algum nível de conformação às regras

em curso, compondo múltiplos horizontes retóricos, que apresentam à vista caminhos de

56 NIETZSCHE, Friedrich. Da Retórica. Tradução de Tito Cardoso e Cunha. 1ª Edição. Lisboa: Veja, 1995, p. 44-46. 57 BALLWEG, Ottmar. Retórica analítica e direito. Tradução de João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, nº 163, Vol. XXXIX, p.175-184, jul/set, 1991, p. 176.

58 Ibidem. p. 178.

59 Ibidem. p. 179 e s.

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modelação da linguagem (a escolha do que dizer, com quais palavras dizer e de qual maneira

usá-las) para que haja sucesso no discurso. Todavia, os múltiplos padrões de linguagem e os

horizontes retóricos não são fechados, definitivos, mas abertos, em permanente redefinição.

Pode-se notar essa abertura lançando um olhar sobre a modificação da linguagem teórica no

direito com a perda de espaço do modelo de discurso científico. Com efeito, a idéia de

constituir um saber jurídico em conformidade com as exigências do conhecimento científico

firmou um padrão de discurso pretensamente neutro e descritivo60 e um horizonte retórico

diante do qual a linguagem avalorativa desponta como apropriada ao discurso teórico. No

entanto, a crise do juspositivismo na segunda metade do século XX deu lugar a um campo

teórico caracterizado por um modelo de discurso valorativo, afirmativo de uma linguagem que

envolve temas e conceitos que representam uma postura valorativa.61

Ademais, a própria retórica, que é um poder capaz de fazer relatos prevalecerem

sobre outros, tem um papel na construção e na transformação de padrões de linguagem, na

demarcação do que é adequado ou inadequado no uso da linguagem. A constituição do padrão

de discurso avalorativo no juspositivismo, por exemplo, decorreu de um projeto retórico de

enquadramento a um tipo de discurso (o científico) considerado legítimo, então dotado de

grande prestígio e força persuasiva (como será analisado mais detalhadamente no capítulo

posterior).

2.2. Retórica e construção da realidade

A conclusão de que o ser humano enxerga o mundo pelas lentes da linguagem

marcou a virada lingüística (linguistic turn) da filosofia do século XX. Com essa guinada, que

levou a linguagem ao centro dos problemas filosóficos, a idéia de que o conhecimento é algo

feito sem a mediação da linguagem (uma das perspectivas fundamentais da filosofia ocidental

desde suas raízes platônicas) deu lugar à concepção de que o conhecimento é algo lingüístico.

60 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 135 e s.

61 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 247 e s.; CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 209-219, 1998; REGLA, Josep Aguiló. Positivismo y postpositivismo. Dos paradigmas jurídicos en pocas palabras. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 30, p. 665-675, 2007.

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Sob tal consideração, a linguagem é o pórtico que abre para os olhos os horizontes da vivência

humana, e a retórica desempenha a função fundamental de estruturar tal ponto de entrada para

todas as vias, desde os alicerces sobre os quais é sustentado até os adornos que o tornam mais

belo.

Contudo, pode-se dizer que não há uma isomorfia entre o real e a linguagem, e

que a visão da realidade e das essências nas palavras é uma miragem da compreensão. A

gênese e a dinâmica da linguagem ordinária não são fundadas em análises ontológicas que

levem à conclusão da existência de uma essência comum entre os objetos a serem designados.

Na fabricação dos conceitos, o determinante são ligações de semelhanças conjugadas com

abstrações de diferenças, como percebeu Wittgenstein62. Conceituar é envolver elementos

complexos e indefinidos da existência na dimensão artificial dos signos lingüísticos, é a

atividade de encobrir uma pluralidade de características distintas com uma mesma “máscara”.

O inevitável entendimento do mundo pela linguagem, portanto, implica reconstruí-lo, e a

retórica, ao estruturar a linguagem, modela as “lentes” pelas quais vemos (criamos) o mundo.

Em tal “construção de realidades”63, ela assume um papel semelhante ao de um arquiteto.

Sobre as relações entre realidade e retórica, Hans Blumenberg compreendeu que

podem ser reduzidas a duas alternativas: a retórica se refere às conseqüências do domínio da

verdade ou da sua impossibilidade. Essas alternativas são vinculadas a duas perspectivas

antropológicas fundamentais, de riqueza ou de carência: de um lado, o ser humano visto como

rico é capaz de atingir verdades absolutas, e a retórica serve como instrumento de

comunicação da realidade objetiva, e, de outro lado, enquanto carente, o ser humano não é

capaz de atingir a verdade, e a retórica serve para o trânsito de idéias num mundo de

aparências e opiniões, em que a linguagem é a “única realidade artificial com que é capaz de

lidar”64.

Considerando essa redução antropológica de Blumenberg, a carência é disposta

como uma condição na qual a verdade é algo inapreensível, que habita dimensões

inalcançáveis, além das fronteiras do que é cognoscível. Todavia, podemos enxergar a idéia

62 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical Investigations. Translated by G.E.M. Anscombe. Third Edition. Singapure: Blackwell Publishing, 2001, p. 27 e s. (principalmente os fragmentos 66 e 67) 63 BLUMENBERG, Hans. Las realidades en que vivimos. Trad. de Pedro Madrigal. Madrid: Ediciones Paidós, 1999, p. 115 e s. 64 ADEODATO, João Maurício. Retórica Constitucional: sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17.

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de carência em um sentido mais amplo, entendendo-a como a condição na qual não há

afirmação do domínio da verdade pelo ser humano, seja em razão do juízo de que isso é

impossível ou em virtude da suspensão de juízo a esse respeito, mas sem negação da

possibilidade de verdade. Tomemos o exemplo do ceticismo da antiguidade para observar a

postura de carência antropológica nesse sentido.

Com o ceticismo pirrônico, o primeiro organizado como escola, e que leva esse

nome porque foi formulado inicialmente por Pírron de Elis (360 a.C a 275 a.C.), a carência

não é disposta no sentido de negar a possibilidade de verdade. Os céticos pirrônicos não

afirmavam que detinham a verdade ou que ela era inapreensível, mas continuavam

investigando65. O princípio desse ceticismo consiste em contrapor perspectivas conflitantes

dotadas de igual força. Assim, diante da equivalência de argumentos contraditórios

(isostenia), chega-se à suspensão de juízos definitivos (epoché). Os pirrônicos, portanto, não

consideravam qualquer perspectiva como verdadeira, e assumiam as aparências como a base

do conhecimento.

Por outro lado, os céticos acadêmicos (que têm esse nome porque constituíram e

desenvolveram uma corrente filosófica cética na antiga Academia platônica66) consideravam a

verdade como algo inapreensível. Filósofos como Arcesilau e Cornéades afirmavam a

impossibilidade de verdade, reconhecendo a opinião como a única forma válida de lidar com

65 SEXTUS EMPIRICUS. Outlines of Pyrrhonism (Pyrrhoniae Hypotyposes – PH I, II e III). Translated by R.G. Bury. Cambridge: Harvard University Press, 1976, p. 3. 66 É interessante observar que os rumos tomados pela Academia após a morte de Platão levaram a um domínio do ceticismo no seu âmbito. Essa guinada cética da Academia pode ter, em alguma medida, ligação com alguns elementos da obra de Platão que dão margem a uma leitura cética. Como exemplo de perspectiva que pode dar lugar a alguma perspectiva cética, há a compreensão platônica do mundo das aparências. Partindo da distinção entre realidade e aparência, que foi traçada pela primeira vez por Parmênides, segundo Bertrand Russell (RUSSELL, Bertrand. History of western philosophy: and its connection with political and social circumstances from the earliest times to the present day. London: Routlegde, 1999, p. 135), Platão considerou que o mundo real é constituído por elementos imutáveis, eternos, absolutos, não podendo ser apreendidos pelos sentidos. Por outro lado, concebeu que o mundo visível é composto por elementos irreais que sofrem constante mudança (aí se percebe a influência de Heráclito). Sobre o mundo das aparências, no entanto, entendeu que não se pode ter uma visão da verdade e construir conhecimento (o entendimento platônico de “conhecimento” disposto na República pressupõe verdade), pois os seus elementos não são puros ou simples, mas complexos, contraditórios, só se podendo falar em opinião a esse respeito. Ver PLATO. The Republic. In: Dialogues of Plato. Col. Great Books of the Western World. Translated by Benjamin Jowett. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1952. p. 370-373.

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o mundo. O primeiro, por exemplo, entendeu que:

Falsas e verdadeiras apresentações são indiferenciáveis: não existe critério válido: não temos guia a não ser a opinião, e nós apenas podemos pensar, acreditar e agir de acordo com o que parece razoável e provavelmente certo.67

Sob tais perspectivas céticas, observa-se que vivemos num mundo de aparências,

no qual há apenas opiniões sobre a verdade absoluta. Nesse horizonte filosófico, as aparências

são julgadas como distintas da verdade ou são suspensos os juízos sobre a correspondência

entre o que é aparente e o que é verdadeiro. Assim, por exemplo, pode-se considerar certa a

sensação de doçura do mel (aparência), mas não é reconhecido critério válido para identificá-

la com uma verdade absoluta, em torno da qual podemos apenas opinar. O mesmo ocorre em

relação à ética, pois também não é admitida a existência de qualquer critério suficiente para a

identificação de valores universais, e os juízos éticos são vistos como opiniões.

Ante tais concepções, pode-se dizer que o que é proferido como “realidade” é um

conjunto de opiniões e aparências que triunfaram, e que foram consolidadas sob o rótulo de

“verdade”. A retórica, entretanto, encontra um espaço em que tem uma importância

fundamental. Ao fazer relatos prevalecerem sobre outros, a retórica exerce uma função

constitutiva da “realidade”, delineando a face em que o mundo é reconhecido.

3. A retórica como luz para clarificar a verdade ou arte inútil diante da

evidência

Como refletiu Vico, “se a retórica [rhetorica] pudesse ser vertida em latim com a

elegância grega que a caracteriza, se diria ‘o que flui’ [ fluentia]” 68. Afinal, a retórica é uma

faculdade ou arte que não é restrita a nenhuma doutrina ou ideologia, e que se desdobra na

amplitude de qualquer discurso, dando força de expressão a qualquer voz ou texto. Daí a

67 False and true presentations are indistinguishable: no valid criterion exists: we have no guide but opinion, and we can only think, believe, and act in accordance with what seems reasonable and probably right. ARCESILAU. Apud BURY, R. G. Introduction. In: SEXTUS EMPIRICUS. Outlines of Pyrrhonism (Pyrrhoniae Hypotyposes – PH I, II e III). Translated by R.G. Bury. Cambridge: Harvard University Press, 1976, p. xxxiii. 68 “Si la retórica [rhetorica] pudiera verterse en latín con la elegancia griega que la caracteriza, se diría ‘lo que fluye’ [fluentia]”. VICO, Giambattista. Instituciones de Oratoria (selección de los 10 primeros capítulos). Traducción del latín y notas de Francisco Navarro Gómez. Cuadernos sobre Vico, Sevilla, nº 15-16, p. 415, 2003.

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“fluência” identificada por Vico, que fez da retórica algo moldável como úmida argila nas

mãos da história, a qual lhe deu, como um artífice de tempo, a consistência de vaso em que

cabe qualquer líquido, qualquer conteúdo.

Contra essa versatilidade, argumentou Platão que é uma característica que

representa um vazio, uma ausência de um espaço próprio preenchido, e que, portanto, a

retórica não é uma arte, mas apenas uma experiência, algo “incapaz de explicar ou de dar uma

razão da natureza de suas próprias aplicações”69. Aristóteles, porém, deu à retórica o campo

da contingência, o espaço que preenche com todas as suas possibilidades. O seu domínio é

todo assunto que, ao menos aparentemente, pode ser resolvido de dois modos70, é uma esfera

constituída pelo que pode existir ou ser compreendido de maneiras distintas. Afinal, de acordo

com o que percebeu Aristóteles, a argumentação tem pouco ou nenhum valor diante de algo

que só pode ser de uma maneira e que só pode ser visto sob uma mesma forma.

No entanto, se a contingência tem uma maior dimensão diante da incerteza sobre

o que é a verdade, ela é também admitida por concepções afirmativas do domínio da verdade.

Afinal, a existência da “verdade” pode não ser condição suficiente para sua aceitação, pois o

que é compreendido como verdadeiro pelo orador pode ser assunto de discordância com o

interlocutor, e a questão pode ser resolvida em um sentido contrário à “verdade”. Dessa

maneira, a retórica serve de instrumento para a defesa do que é visto como justo e verdadeiro

ante a contingência relativa à adesão do interlocutor. Neste sentido, Aristóteles afirmou que

a retórica é útil porque por natureza a verdade e a justiça são mais fortes que seus contrários, de modo que se os juízos não são estabelecidos como se deve, será forçoso que sejam vencidos por ditos contrários, o que é digno de recriminação71.

Santo Agostinho também refletiu sobre a importância da retórica para os

defensores da verdade, e observou que a falta de eloqüência dos que devem persuadir para o

bem pode ser um fator que determina a vitória dos adversários partidários do erro. Deste

modo, discorreu:

69 “Unable to explain or to give a reason of the nature of its own applications”. PLATO. Gorgias. In: Dialogues of Plato. Great Books of the Western World. Translated by Benjamin Jowett. Chicago: Encyclopedia Britannica, 1952, p. 261 (465). 70 ARISTÓTELES. Retórica. Introducción, traducción y notas por Quintín Racionero. Madrid: Editorial Gredos, 1994. p. 182 e 183 (I, 2, 1357a 5-8). 71 La retórica es útil porque por naturaleza la verdad y la justicia son más fuertes que sus contrários, de modo que si los juicios no se establecen como se debe, será forzoso que sean vencidos por dichos contrarios, lo cual es digno de recriminación. Ibidem. p. 169 e 170 (I, 1.5, 1355a 20-25).

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É um fato, que pela arte da retórica é possível persuadir o que é verdadeiro como o que é falso. Quem ousará pois afirmar que a verdade deve enfrentar a mentira com defensores desarmados? Seria assim? Então, esses oradores, que se esforçam para persuadir o erro, saberiam desde o proêmio conquistar o auditório e torná-lo benévolo e dócil, ao passo que os defensores da verdade não o conseguiriam?72

Todavia, perante a visão da “verdade” no conhecimento ou na ética, há uma

redução, ao menos aparente, do campo da retórica, ficando a contingência limitada à aceitação

ou não da verdade pelo interlocutor. Dessa maneira, o reconhecimento do domínio da verdade

dispõe a retórica como um instrumento útil para a sua comunicação e defesa, mas, por outro

lado, minimiza a capacidade persuasiva dos discursos que discordam do que é visto como

verdadeiro, enfraquecendo a retórica no âmbito dos argumentos que afirmam perspectivas

distintas.

Porém, se a própria existência da “verdade” for considerada suficiente para levar à

sua aceitação, a retórica e a argumentação se tornam instrumentos dispensáveis na sua defesa.

Sob tal ótica, a verdade ostenta a força da evidência e é capaz por si só de provocar persuasão,

independentemente das armas da retórica. Dessa maneira, não é considerado um espaço de

contingência, pois o lampejo da evidência conduz a uma mesma visão do que é verdadeiro. A

idéia de que a norma jurídica é clara, por exemplo, dispõe como prescindíveis esforços

argumentativos e habilidades retóricas para a indicação do seu sentido na justificação de uma

decisão.

A evidência, contudo, pode também ser vista como um instrumento retórico. Para

a argumentação nos espaços da contingência, Aristóteles apontou que o orador pode utilizar

argumentos irrefutáveis, premissas necessárias, evidentes, que expressam o que não pode ser

de outra maneira73. Sob tal consideração, a evidência de um argumento é um elemento

retórico quando ele é inserido em um espaço deliberativo, em que serve para resolver uma

questão que poderia ser resolvida de outra forma. Assim, a evidência presente em um

entimema (silogismo retórico) irrefutável74 serve para resolver questões não evidentes,

dispostas no reino da retórica.

De todo modo, a idéia de que algo é evidente pode ser um resultado retórico, um

relato realçado retoricamente que é compartilhado por intérpretes que o aceitam em um grau

72 AGOSTINHO, Santo. Da Doutrina Cristã: manual de exegese e formação cristã. Tradução do original latino cotejada com versões em francês e espanhol de Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 2002, p. 208. 73 ARISTÓTELES. Retórica. Introducción, traducción y notas por Quintín Racionero. Madrid: Editorial Gredos, 1994. p. 163, 184 e s., 465 e 466. 74 Ibidem. p. 467 (II, 25.2, 1403a 10-15).

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suficientemente elevado para que ele tenha uma aparente clareza. A visão da evidência na

identificação do bem, do mau, do belo, do feio e do sentido dos textos pode ser apenas a

representação de relatos vitoriosos, que, em razão da força que têm no contexto em que são

inseridos, estabelecem a idéia de que manifestam as únicas visões corretas e possíveis. A

evidência do sentido de um texto normativo jurídico em um easy case (no qual a solução a ser

dada ao caso é aparentemente clara), por exemplo, pode ser vista como produto de um acordo

acerca da ligação entre significante e significado, a qual foi retoricamente consolidada em

uma comunidade de intérpretes. Afinal, não há significados intrínsecos nos textos (e nos

outros elementos do mundo), mas apenas caminhos interpretativos contextuais.

Portanto, do complexo conjunto de ligações teóricas feitas entre a retórica e

concepções do domínio da verdade, podemos identificar, de maneira simplificada, ao menos

dois tipos de ligações: 1) a retórica como instrumento útil à comunicação e afirmação da

verdade; 2) a retórica como algo que tem pouco valor para o objetivo de comunicar a verdade,

a qual é dotada de evidência.

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CAPÍTULO SEGUNDO – Juspositivismo, retórica do discurso científico e a

idéia de justificação das decisões judiciais erguida sobre a separação entre

criação e aplicação do direito

Sumário: 1. O conceito de positivismo jurídico: um quadro entre outros possíveis diante de uma face de reflexo múltiplo. 1.1. Linguagem, ordenação simbólica e o mundo como espelho turvo: observação sobre a relação entre os conceitos e a realidade para uma adequada análise do juspositivismo. 1.2. Delimitação do conceito de juspositivismo nesta dissertação. 2. Retórica, secularização e o discurso científico do juspositivismo. 2.1. Religião, razão e ciência entre vontade de verdade e vontade de poder: horizontes antropológicos e históricos da ascensão da racionalidade e do discurso científico. 2.2. A retórica no discurso científico juspositivista e na caricatura antipositivista da Reductio ad Hitlerum. 3. Florescimento do liberalismo e do ideal de legalidade como “oráculo” burguês: caminhos em direção à separação entre a criação e a aplicação do direito 4. O espaço reduzido da retórica na justificação de decisões judiciais sob a distinção entre produzir e aplicar o direito: a limitação da jurisdição a uma racionalidade formal e a um campo argumentativo no qual é minimizada a contingência em torno do sentido dos textos normativos

1. O conceito de positivismo jurídico: um quadro entre outros possíveis

diante de uma face de reflexo múltiplo

1.1. Linguagem, ordenação simbólica e o mundo como espelho

turvo: observação sobre a relação entre os conceitos e a realidade para uma

adequada análise do juspositivismo

A condição fundamental do ser humano parece ser a relação simbólica com o

mundo. Para alcançar o mundo, lançamos sobre ele uma extensa e complexa rede de

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símbolos, composta por elementos como a linguagem, a arte e o mito75. Mas quando o temos

ao alcance, já não é nele que tocamos, e as nossas mãos só nos permitem tatear a sua

superfície simbólica (tocá-lo é como tocar em nós mesmos). Ao mesmo tempo em que essa

“rede de símbolos” nos traz o mundo sobre o qual foi lançada, ela o encobre para poder

aproximá-lo. E, assim, o mundo ressurge em nós como uma espécie de espelho turvo: as suas

imagens são sempre projeções dos traços do ser humano, as suas aparências são delineadas

pelos nossos contornos. Essa relação com o mundo é bem expressa em uma cena do filme “Le

Testament d’Orphée” (O Testamento de Orfeu), de Jean Cocteau76, na qual um pintor não

consegue pintar nada além da sua própria face.

No universo simbólico em que se constrói a vivência humana, o centro é a

linguagem. Os signos lingüísticos são condições de possibilidade para que possamos

compreender e lidar com os elementos da existência, e eles estruturam as outras formas

simbólicas pelas quais nos relacionamos com o mundo: as expressões religiosas, artísticas ou

míticas só ocorrem como manifestações da linguagem. No entanto, como já observado no

capítulo anterior, os processos de criação e transformação da linguagem ordinária não são

baseados em análises ontológicas que autorizem a conclusão da existência de uma essência

comum entre os objetos a serem designados. Na prática cotidiana da linguagem, não há uma

rigidez analítica a respeito da estrutura ontológica do mundo, tal como pretendido pelo

essencialismo em suas várias formas. Para que se chame algo de “justo” no uso ordinário das

palavras, por exemplo, não é estabelecida uma investigação sobre a “essência da justiça”

como condição prévia de designação. As desconsiderações de diferenças conjugadas com

ligações de semelhanças parecem constituir o grande fundamento da gênese e dinâmica da

linguagem. Sobre a ausência de uma essência comum por trás das palavras, escreveu

Wittgenstein:

Considere, por exemplo, os procedimentos que chamamos de jogos. Quero dizer jogos em tabuleiro, jogos com cartas, jogos com bola, jogos Olímpicos e assim por diante. O que é comum a todos eles? Não diga: deve haver algo comum, ou eles não seriam chamados de jogos. Mas olhe e veja se há qualquer coisa comum a todos. Pois, se você olhar para eles, você não verá algo que é comum a todos, mas

75 CASSIRER, Ernst. Antropología Filosófica: introducción a una filosofía de la cultura. Traducción de Eugenio Ímaz. 5ª Edición. México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1968, p. 26. 76 LE TESTAMENT d’Orphée. Long-métrage de Jean Cocteau. Paris: Studio Canal, 2005. 1 DVD (77 min.) Son, film en noir et blanc.

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semelhanças, relações [...] Eu não posso pensar em nenhuma expressão melhor para caracterizar estas similaridades do que semelhanças de família.77

A linguagem, portanto, não tem como matriz a preocupação com a verdade, e o

grande manancial dos conceitos parece ser formado por processos cotidianos de associação

entre semelhanças que fluem sem grande análise ou reflexão. Dessa maneira, a linguagem,

que é o pórtico que descerra para o ser humano todos os horizontes da existência, lança a

nossa visão sobre realidades artificiais (simbólicas) constituídas pelas as palavras.

Contudo, mesmo que representem distanciamentos em relação ao real, somente

pelos conceitos “o homem acordado tem a certeza clara de estar acordado” 78. As palavras

permitem uma ordenação do mundo ao reduzirem acontecimentos a conceitos, ao reunirem

aspectos complexos e multifacetados em uma mesma identidade. Os conceitos representam

um controle simbólico do mundo, e ordenam elementos diversos em rótulos como Direito,

ciência, juspositivismo, jusnaturalismo, etc.

Max Weber observou construções conceituais que chamou de tipos ideais ou

puros, que mostram “a unidade mais conseqüente de uma adequação de sentido o mais plena

possível; sendo talvez por isso mesmo tão pouco freqüente na realidade — na forma pura,

absolutamente ideal do tipo”79. Tais formas expressam um tipo perfeito, a situação ideal de

reunião de todas as características que formam uma unidade plena, e que normalmente não

ocorre. Têm função classificatória, de enquadramento terminológico: elementos do mundo

que apresentam alguma característica do tipo ideal são nele enquadrados, mesmo que não

77 Consider for example the proceedings we call games. I mean board-games, card-games, ball-games, Olympic games and so on. What is common to them all? Don’t say: there must be something common, or they would not be called games. But look and see whether there is anything common to all. For if you look at them you will not see something that is common to all, but similarities, relationships […] I can think of no better expression to characterize these similarities than family resemblances. WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical Investigations. The German Text, with a Revised English Translation. Anniversary Commemorative Edition. Translated by G.E.M. Ascombe. Third edition. Singapure: Blackwell Publishing, 2001, p. 27. 78 NIETZSCHE. Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral. In: Obras incompletas. Coleção Os Pensadores. Seleção de textos de Gérard Lebrun; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 50. 79 La unidad más consecuente de una adecuación de sentido lo más plena posible; siendo por eso mismo tan poco frecuente quizá en la realidad — en la forma pura absolutamente ideal del tipo. WEBER. Max. Economía y Sociedad: Esbozo de sociología comprensiva. Traducción de José Medina Echavarría, Juan Roura Parella, Eugenio Ímaz, Eduardo García Máynez y José Ferrater Mora. 2ª Edición. Décimosexta reimpressíon. México D. F.: Fondo de Cultura Económica, 2005, p. 17.

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preencham todas as suas características, que não tenham uma adequação completa a ele

(como acontece ordinariamente).

Entretanto, o conceito de juspositivismo será aqui observado como uma forma de

ordenação simbólica que aproxima vários elementos do mundo, e não como algo que reflete a

realidade. A palavra juspositivismo é um tipo ideal usado para identificar um campo teórico

multifacetado, e envolve um conjunto de elaborações teóricas que não manifestam

necessariamente uma adequação plena às características do tipo puro.

1.2. Delimitação do conceito de juspositivismo nesta dissertação

A adequada investigação sobre os conceitos não deve ser a busca das “naturezas”,

mas dos usos que são dados às palavras80. No entanto, conforme apontou Hart, a observação

do termo “juspositivismo” a partir do seu uso demonstra uma pluralidade de sentidos e de

critérios para a sua definição que torna o seu conceito um assunto complexo81. Nos limites

deste trabalho, porém, não pretendemos fazer uma análise sobre os vários significados da

expressão “juspositivismo”, e a delimitação do seu conceito cumpre apenas a finalidade de

apresentar o sentido em que usamos tal termo. Dessa maneira, com a palavra “juspositivismo”

indicamos um rumo teórico segundo o qual:

1) o direito é uma construção social, e só é admitido caráter jurídico no direito

positivo;

2) não há vínculo necessário entre o direito e qualquer conteúdo ético –

compreensão referida como a “tese da separação”82. No plano teórico recente, as diferenças de

80 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical Investigations. The German Text, with a Revised English Translation. Anniversary Commemorative Edition. Translated by G.E.M. Ascombe. Third edition. Singapure: Blackwell Publishing, 2001, p. 41 e s. 81 HART, Herbert. Essays in Jurisprudence and Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 57. 82 A título de exemplo, ALEXY, Robert. Derecho y Moral: Reflexiones sobre el punto de partida de la interpretación constitucional. In: MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.). Interpretación Constitucional. Tomo I. Traducción de Eduardo R. Sodero. México D.F.: Editorial Porrúa, 2005, p. 01 e s.; HART, Herbert. Essays in Jurisprudence and Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 49 e s.; MARMOR, Andrei. Law in the Age of Pluralism. New York: Oxford University Press, 2007, p. 128 e s.; WALUCHOW,

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interpretação em torno dessa tese dividiram correntes juspositivistas e deram lugar aos rótulos

“positivismo jurídico exclusivo” e “positivismo jurídico inclusivo”. Para as versões do

positivismo jurídico exclusivo (o qual encontra expressões em obras de autores como Andrei

Marmor83 e Joseph Raz84), a validade das normas jurídicas não pode ser condicionada à

adequação a conteúdos morais, mas sim à existência de aspectos formais como a proveniência

de autoridade competente e o cumprimento de normas procedimentais para sua elaboração.

De outro modo, o positivismo jurídico inclusivo (o qual tem Hart85 e Jules Coleman86 entre os

seus representantes) reconhece que não há conexão necessária entre o direito e a moral, mas

admite que a conformidade com determinados conteúdos morais pode ser adotada, ao lado de

requisitos formais, como uma condição de validade em ordens jurídicas. Neste sentido,

comentou Hart que “em alguns sistemas, como nos Estados Unidos, os critérios últimos da

validade jurídica incorporam explicitamente princípios de justiça ou valores morais

substantivos”87. Dessa maneira, compreende-se que é possível (mas não necessário) que o

vínculo com determinados conteúdos éticos sirva como critério de validade jurídica88. A este

respeito, afirmou Marmor que:

o positivismo jurídico inclusivo sustenta que a moral e outras considerações avaliativas “podem” determinar, sob certas circunstâncias, o que o direito é, mas essa é uma questão contingente, dependente das regras sociais particulares de reconhecimento de sistemas jurídicos particulares, em tempos particulares [...]89.

Wilfrid. Legal positivism, inclusive versus exclusive. Routledge Encyclopedia of Philosophy. Disponível em <http://www. rep.routledge.com.libaccess.lib.mcmaster.ca/article/T064>. Acesso em 3 de dezembro de 2011.

83 MARMOR, Andrei. Positive Law and Objective Values. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 49 e s. 84 RAZ, Joseph. The Authority of Law : Essays on Law and Morality. Oxford: Oxford University Press, 1979, p. 37 e s. 85 HART, Herbert. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 312 e s. 86 COLEMAN, Jules. The Practice of Principle: In defense of a pragmatist approach to legal theory. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 151 e s. 87 HART, Herbert. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 220. 88 WALUCHOW, Wilfrid. Legal positivism, inclusive versus exclusive. Routledge Encyclopedia of Philosophy. Disponível em <http://www. rep.routledge.com.libaccess.lib.mcmaster.ca/article/T064>. Acesso em 3 de dezembro de 2011. 89 Inclusive legal positivism maintains that moral and other evaluative considerations “may” determine, under certain circumstances, what law is, but this is a contingent matter, depending on the particular social rules of recognition of particular legal systems, at particular times […]. MARMOR, Andrei. Law in the Age of Pluralism. New York: Oxford University Press, 2007, p. 129-130.

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Assim, apesar das divergências, essas duas correntes do positivismo jurídico

compartilham o entendimento de que o direito é uma construção social que não tem ligação

necessária com a moral.

No entanto, considerando o juspositivismo nesse sentido que foi acima indicado,

não é cabível falar da sua superação por um outro paradigma teórico, como é anunciado entre

partidários do “pós-positivismo” 90 (conceito que não denota uma orientação teórica uniforme

– como será analisado mais detalhadamente no próximo capítulo – mas que envolve a

afirmação de uma postura valorativa na reflexão jurídica e o enfraquecimento da idéia da

separação entre direito e moral). Apesar da crise vivenciada pelo juspositivismo a partir da

segunda metade do século passado (quando discursos antipositivistas erguidos sobre a

exigência de aproximação do direito de determinadas perspectivas morais passaram a ter

grande expressão teórica), as concepções juspositivistas permanecem no cenário teórico

recente, como podemos observar no debate entre o positivismo jurídico exclusivo e o

positivismo jurídico inclusivo. Dessa maneira, é carente de justificativa a periodização que

sugere o rótulo pós-positivismo91, pois o juspositivismo é um rumo teórico que tem expressão

atual e que continuou a ser desenvolvido durante a segunda metade do século XX, em que

encontrou expoentes como Hart, que publicou o seu influente livro “The Concept of Law” (O

Conceito de Direito) em 1961.

Entretanto, os desenvolvimentos recentes do positivismo jurídico representam um

campo teórico multifacetado que não é o mesmo que foi disposto pela abordagem

juspositivista na primeira metade do século passado. Em relação ao positivismo jurídico atual

não é cabível, por exemplo, a alegação de que é caracterizado pela idéia de que a

interpretação “consiste numa atividade puramente declarativa e reprodutiva de um direito pré-

existente”92. Com efeito, se as teorias da única decisão correta (erguidas sobre a idéia de que a

criação e a aplicação do direito são atividades distintas) refletem a concepção usual de

90 A este respeito, escreveu Barroso que “a quadra atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação – dos modelos puros [juspositivismo e jusnaturalismo] por um conjunto difuso e abrangente de idéias, agrupadas pelo rótulo genérico de pós-positivismo”. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 247. Também Aguiló Regla apontou “el paradigma postpositivista como una superación del paradigma positivista”. REGLA, Josep Aguiló. Positivismo y postpositivismo. Dos paradigmas jurídicos en pocas palabras. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 30, p. 668, 2007.

91 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico político. São Paulo: Método, 2006, p. 51. 92 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 211.

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interpretação no século XIX e na primeira metade do século XX93, o mesmo não ocorre em

relação ao juspositivismo recente, em que ganha destaque a indeterminação do direito e o

papel criativo do intérprete. Em tal sentido, concepções como a de Kelsen e a de Hart abriram

horizontes do positivismo jurídico para o entendimento de que o processo interpretativo

envolve escolhas determinantes do significado do enunciado normativo. Kelsen, com sua

imagem da moldura, compreendeu que as palavras e as seqüências de palavras têm uma

pluralidade de significações, e que o julgador se encontra diante de várias significações

possíveis em relação à “norma” (há ainda a confusão entre significante e significado nesse

autor, que não enfatiza a dimensão pragmática da linguagem, e centra a sua análise nos

aspectos semânticos)94. Dessa maneira, entre as várias significações possíveis (as que podem

ser inscritas na moldura interpretativa), não há uma que possa ser identificada como a única

correta. Por sua vez, Hart observou a “textura aberta do Direito”95 compreendendo que “a

linguagem geral dotada de autoridade em que a regra é expressa pode guiar apenas de modo

incerto”96.

Todavia, neste capítulo pretendemos observar os seguintes aspectos que foram

marcantes no juspositivismo:

1) primeiro, a busca de cientificidade do saber jurídico, que foi uma das bases

sobre as quais foi erguido o positivismo jurídico, mas que aparenta não ter a mesma força no

juspositivismo atual. Analisaremos o sentido retórico do florescimento de tal busca em um

horizonte histórico no qual o discurso científico foi erguido como caminho adequado para a

obtenção da verdade. Ademais, observaremos a retórica no argumento antipositivista da

Reductio ad Hitlerum (de acordo com a expressão utilizada por Bobbio97), que traz a acusação

de que o entendimento segundo o qual o direito pode assumir qualquer conteúdo (que foi

originado da atitude avalorativa baseada na busca de cientificidade do saber jurídico)

representa uma postura que foi favorável a regimes autoritários como o nazismo e o fascismo.

93 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 391. 94 Ibidem, p. 388 e s. 95 HART, Herbert. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 137. 96 Ibidem. p. 140. 97 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, 225 e s.

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2) depois, a metodologia fundada na separação entre a criação e a aplicação do

direito. Por um lado, apontaremos que essa metodologia jurídica manifesta, no campo teórico

juspositivista, uma concepção sobre as relações entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário

que é ligada ao ideal de segurança jurídica e domínio do futuro que floresceu no liberalismo.

Por outro lado, refletiremos sobre o espaço da retórica na justificação de decisões judiciais

vista de acordo com tal metodologia.

2. Retórica, secularização e o discurso científico do juspositivismo

2.1. Religião, razão e ciência entre vontade de verdade e vontade

de poder: horizontes antropológicos e históricos da ascensão da

racionalidade e do discurso científico

Parece certo que o ser humano tem um instinto questionador, e que o ato de

perguntar é tão natural para nós quanto é o vôo para um pássaro. Porém, se de um lado temos

essa característica, também nos parece ser inato o impulso de enxergar “verdades”, de

“fabricar” certezas e segurança. A vontade de verdade transborda na história das idéias,

inundando a ciência e a filosofia, que foram erguidas, em grande medida, em razão da força

dessa vontade. E o instinto de poder (de prevalência sobre os outros seres humanos e sobre o

restante da natureza), que faz da existência um palco permanente dos jogos de poder, se

manifesta na vontade de verdade. Se o impulso em direção à verdade não é, inteiramente, uma

manifestação da vontade de poder, como entendeu Nietzsche (o qual definiu “toda força

atuante, inequivocamente, como vontade de poder98”), há, ao menos, uma forte ligação entre

essas vontades, que parece existir independentemente de uma reflexão sobre os fatores do

poder, podendo ser consciente ou irrefletida.

Com efeito, a consideração de que se tem o domínio da verdade dispõe quem

assim julga, ao menos ilusoriamente, em uma situação de poder. A idéia do conhecimento da

98 NIETZSCHE. Friedrich. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução, notas e pósfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 40.

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verdade, da posse de um saber universalmente válido, que representa um estado de

consciência quanto ao funcionamento da realidade, projeta níveis de controle de expectativas

sobre os acontecimentos futuros, estabelece uma relativa segurança quanto ao devir e permite

enxergar (mesmo que de maneira fictícia) o que é ou não controlável e formas possíveis de

controle. Assim, em uma cultura na qual predominam as ligações religiosas com o mundo, a

explicação divina promove o conhecimento da dinâmica da existência, permite um

entendimento do que é controlável ou não, e o domínio de formas de controle do mundo,

como rituais em que se oferece à divindade algo em troca dos acontecimentos favoráveis

(objetos, animais, a própria vida humana, etc.). Por outro lado, em culturas nas quais há uma

projeção da ciência, observa-se que sobre tal tipo de saber são lançadas expectativas de

conhecimento e domínio da realidade. A fé nas divindades cede espaço para a fé na ciência, e

as crenças em torno de rituais religiosos para atingir o objetivo de controlar o mundo dão

lugar às expectativas sobre as técnicas baseadas nos saberes científicos, as quais permitem,

entre inúmeras possibilidades, a criação de medicamentos, de naves espaciais, de

computadores e mesmo de outros seres vivos.

Sobre o vínculo entre o conhecimento e o poder, é emblemática a narrativa bíblica

do Gênesis, que apresenta o conhecimento da verdade em torno do bem e do mal como uma

condição que iguala o ser humano a Deus, o qual reconhece que “o homem se tornou como

um de nós, conhecedor do bem e do mal”99.

No entanto, pode-se dizer que a secularização (entendendo como tal a transição de

formas de vida predominantemente religiosas para formas de vida sem caráter religioso100)

não implica o esvaziamento da vontade de verdade, mas sim a modificação de caminhos para

a realização (aparente) dessa vontade. Da maneira que ocorreu na Grécia, por volta do século

VI a.C., e no decorrer da modernidade na Europa, a secularização representou o deslocamento

do eixo da verdade da religião para a razão. Na Grécia, foi lançado sobre o discurso filosófico

o ideal de domínio da verdade, e, na modernidade ocidental, provavelmente foi a ciência a

forma de conhecimento sobre a qual mais expectativas para atingir a verdade foram

concentradas.

99 BÍBLIA . Português. Bíblia sagrada. Tradução, introdução e notas de Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulus, 2000, p. 17. 100 SALDANHA. Nelson. Da Teologia à Metodologia: secularização e crise no pensamento jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 57.

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Na Grécia do século VI a.C., o desabrochar da filosofia descerrou caminhos para

explicações e questionamentos não religiosos sobre o mundo, manifestando o processo de

secularização da cultura grega, erguido sobre uma forte crença nas capacidades da razão.

Considerando, como Sexto Empírico, a divisão dos tipos de filósofos em acadêmicos (os que

negam a possibilidade de verdade), céticos (identificados por Sexto com os pirrônicos, que

suspendem o juízo sobre a verdade) e dogmáticos (os que reconhecem que têm o domínio da

verdade)101, pode-se observar que a filosofia grega foi, em grande parte, a filosofia de

dogmáticos (como Parmênides, Platão e Aristóteles) que acreditavam na capacidade racional

do sujeito cognoscente de apreender a realidade.

Por outro lado, foi marcante na história da filosofia e na história do direito do

ocidente o processo de secularização que ocorreu durante a modernidade na Europa. A

modernidade (termo aqui usado para designar um período histórico iniciado no século XVI,

delimitando o fim da Idade Média) foi caracterizada pelos discursos com pretensão de

validade universal sustentada pela razão. Nos debates sobre modernidade e pós-modernidade,

é patente a divergência em torno dos significados desses termos, mas ressalta das discussões a

idéia de modernidade como condição filosófica de crença em discursos universais construídos

racionalmente, que representa uma disposição filosófica que marcou o período definido como

moderno em oposição ao período medieval. Nesse sentido, Jean-François Lyotard definiu pós-

modernidade simplesmente como “incredulidade em relação às metanarrativas”102, como

descrença em torno da pretensão de validade universal dos discursos.

Durante a modernidade, o conhecimento e a ética perderam muitos matizes

divinos, e na razão foi firmado o sustentáculo da pretensão de universalidade. A ciência,

situada entre as formas racionais de conhecimento, foi posta em relevo como veículo do

progresso e do controle da natureza, e assumiu uma posição fundamental no “projeto da

modernidade”. Neste sentido, comentou Habermas que:

o projeto da modernidade, como ele foi formulado pelos filósofos do Iluminismo no século XVIII, consiste no inexorável desenvolvimento de ciências objetivas, dos fundamentos universalistas da moralidade e do direito, e de arte autônoma [...].103

101 SEXTUS EMPIRICUS. Outlines of Pyrrhonism (Pyrrhoniae Hypotyposes – PH I, II e III). Translated by R.G. Bury. Cambridge: Harvard University Press, 1976, p. 03. 102 “Incredulity towards metanarratives”. LYOTARD, Jean François. The Postmodern Condition: A Report On Knowledge. Translated by Geoff Bennington and Brian Massumi. Manchester: Manchester University Press, 1984, p. xxiv. 103 The project of modernity as it was formulated by the philosophers of the Enlightenment in the eighteenth century consists in the relentless development of objectivating sciences, of the universalistic foundations of

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Entretanto, o discurso científico assumiu uma posição eminente entre os outros

tipos de discurso, havendo mesmo a igualação entre conhecimento racional e conhecimento

científico (identificação essa que caracteriza o modelo de racionalidade que domina a ciência

moderna, conforme aponta Boaventura de Souza Santos104, e que dispõe como irracional

qualquer tipo de conhecimento que não seja constituído como ciência).

No campo das idéias jurídicas, a busca da cientificidade só triunfou com o

advento do positivismo jurídico, mas a ascensão do jusracionalismo, nos séculos XVII e

XVIII, já demonstra um novo horizonte antropológico, o mesmo que elevou o discurso

científico. A visão que o ser humano tinha de si mesmo subjacente ao jusracionalismo, apesar

de não romper necessariamente com um olhar religioso (Grócio, por exemplo, acreditava em

Deus, que considerava o autor da natureza humana racional da qual emana o direito

natural105), não representa mais uma perspectiva teocêntrica, mas um olhar disposto sobre o

eixo da razão, aproximado de uma visão antropocêntrica, de soberania sobre os elementos da

existência. O célebre comentário de Grócio de que o “direito natural é tão imutável que não

pode ser modificado nem mesmo por Deus”106 ressalta uma compreensão do mundo que

estabelece uma centralidade do entendimento racional e dos ditames da razão que o poder

divino não pode atingir, conferindo à natureza humana uma grandeza que não é subordinada

ao arbítrio de Deus.

Portanto, o juspositivismo surgiu, no decorrer dos séculos XVIII e XIX, em um

plano histórico no qual a fé nas divindades já tinha cedido muito espaço à fé na ciência, e

grandes expectativas eram lançadas sobre o discurso científico. Em um quadro social afastado

das cores do teocentrismo, o saber científico era disposto em relevo por um grande prestígio,

delineado como forma legítima de conhecimento e caminho apropriado para alcançar a

verdade.

morality and law, and of autonomous art […]. HABERMAS, Jürgen. Modernity: An Unfinished Project. In: Habermas and The Unfinished Project of Modernity: Critical essays on Philosophical Discourse of Modernity. Edited by Maurizio Passerin d' Entrèves and Seyla Benhabib. Translated by Nicholas Walker. Cambridge: MIT Press, 1997, p. 45. 104 SANTOS, Boaventura de Souza. Um Discurso sobre as Ciências. 7ª edição. Porto: Edições Afrontamento, 1995, p. 10 e s. 105 GROTIUS. On The Rights of War and Peace. Translated by William Whewell. Cambridge: Cambridge University Press, 1853, p. 04 (digitalized by Google). 106 “Natural law is so immutable that it cannot be changed by God himself”. Ibidem. p. 04.

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2.2. A retórica no discurso científico juspositivista e na caricatura

antipositivista da Reductio ad Hitlerum

No século XIX, a propagação da idéia de adequação dos saberes sociais às

exigências do conhecimento científico resultou no desabrochar das ciências sociais. Esse

processo de conformação a um modelo científico pode ser compreendido como um percurso

retórico, como um caminho de modelação de discursos para revesti-los dos atributos de um

tipo de discurso (o científico) dotado de grande prestígio e capacidade de convencer. O

projeto de atingir um caráter científico representou uma estratégia retórica de legitimação a

partir do enquadramento a um modelo dotado de grande força persuasiva.

O pensamento jurídico seguiu essa tendência, e foi difundida a pretensão de

conferir cientificidade à abordagem sobre o direito. Como roteiro de auto-afirmação, a

metalinguagem que é a teoria do direito incorporou exigências que estruturam um modelo de

discurso científico, e o paradigma do juspositivismo teve como um dos seus alicerces a idéia

de constituir o saber jurídico de acordo com uma postura científica107. Desse modo, o

florescimento da busca de tornar científico o conhecimento sobre o direito teve o sentido

retórico de trazer para o discurso teórico jurídico o crédito da ciência, envolvendo o campo

das idéias jurídicas com o “encanto” que marcou a narrativa científica na modernidade – o

qual consiste na ideal possibilidade de espelhar de maneira exata e objetiva a realidade.

Com efeito, a modernidade não foi palco do declínio da fé, mas da perda de

espaço da fé nas divindades para a fé na razão, e pode-se dizer que a crença na validade

universal dos enunciados científicos108 – os quais são dispostos no âmbito dos discursos

107 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 135 e s. 108 Entendemos que a idéia da validade universal dos enunciados científicos é carente de fundamentos. Por um lado, compreendemos que as teorias científicas dependem, em sua formulação e justificação, de circunstâncias históricas em que são produzidas. Os fatores sociais dão forma às interpretações do mundo, e os requisitos para que um enunciado seja definido como científico (como a utilização de determinados métodos e instrumentos de análise) refletem exigências contextuais. Uma perspectiva semelhante encontra-se na influente obra “The Structure of Scientific Revolutions” (A Estrutura das Revoluções Científicas), de Thomas Kuhn. Em tal livro, a

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racionais – deu grande poder de convencimento às ciências. Dessa maneira, os esforços

retóricos para conferir à teoria jurídica a credibilidade do discurso científico tiveram como

traço marcante uma noção de ciência que se associa com o ideal da certeza e da objetividade

do saber. Neste sentido, Savigny, que nos seus primeiros escritos identificava direito positivo

com direito legislado (em contraposição aos seus escritos posteriores, nos quais fez a defesa

dos costumes como fonte do direito)109, escreveu que “a lei deve ser objetiva, ou seja, deve se

expressar diretamente”110 , e que “denomina-se saber histórico todo saber de algo

objetivamente dado [...] por conseguinte, todo o caráter da ciência legislativa deve ser

histórico”111. Também Kelsen pretendeu “elevar a Jurisprudência [...] à altura de uma genuína

ciência [...] e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda a ciência:

objetividade e exatidão”.112

Sobre tal modelo objetivista de discurso científico, pode-se dizer que, apesar de

ser uma construção retórica, assim como qualquer discurso, reduz o espaço da retórica, que é

o campo da contingência (o qual engloba todo assunto que pode existir ou ser compreendido

história da ciência não é vista como uma progressão de teorias fundadas em uma metodologia e uma concepção de razão comuns, mas sim de uma forma descontínua, com rupturas e revoluções. Dessa maneira, o conhecimento científico se desdobra em contextos específicos, nos quais são compartilhados fundamentos avaliativos comuns e marcos conceituais (paradigmas). A verdade científica, portanto, é fragmentada em “perspectivas” confirmadas por critérios que não extrapolam os contextos (ver KUHN, Thomas. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: The University of Chicago Press, 1970, p. 111-136). Por outro lado, além da consideração do caráter paradigmático do conhecimento científico, pode-se observar que a lógica da ciência não autoriza a conclusão de que se tem o domínio de verdades universais. Neste sentido, Popper formulou uma percepção da lógica da descoberta científica caracterizada pela “falseabilidade”. Aduziu que os enunciados das ciências não expressam elementos singulares, e que são dotados de um caráter totalizante, abarcando um universo de situações, como ocorre, por exemplo, na afirmação “todos os cisnes são brancos”. Assim, expôs que os enunciados científicos não são verificáveis, pois não podemos investigar o mundo todo de modo a estarmos certos de que não existe nada contrário à lei científica. Dessa maneira, por exemplo, pode-se dizer que as experiências passadas confirmam o enunciado “todos os cisnes são brancos”, e que ele não foi falseado. Porém, não se pode dizer que é verdadeiro, pois é possível que haja um cisne negro, já que o nosso campo de experiência é limitado. O critério de demarcação da ciência, portanto, é a falseabilidade, já que não se pode decidir definitivamente sobre a verdade de seus enunciados. No âmbito desse critério de demarcação proposto por Popper, não é utilizada a lógica indutiva, pois não há uma passagem de experiências particulares para uma conclusão universal. O que há é a constatação de que as experiências particulares não demonstram a falsidade da idéia, algo que ainda é possível ocorrer no futuro. A ciência, sob tal perspectiva, não é sustentáculo do domínio da verdade, tal como pretendido insistentemente no decorrer da modernidade. Ver POPPER, Karl. The Logic of Scientific Discovery. London: Routlegde, 2002, p.03 e s. 109 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 10 e 11. 110 SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Metodologia Jurídica. Tradução de Heloísa da Graça Buratti. 1ª Edição. São Paulo: Rideel, 2005, p. 26. 111 Ibidem. p. 20. 112 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. XI.

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de maneiras distintas). Mesmo que a objetividade seja uma metáfora para identificar um

conjunto de opiniões e aparências que triunfaram, mesmo que seja apenas um rótulo que

encobre a incerteza e a relatividade, ela provoca uma redução, ao menos aparente, da

contingência e, conseqüentemente, do espaço da retórica.

Entretanto, a busca de adequação à narrativa científica deu ao juspositivismo uma

linguagem descritiva, pretensamente neutra, que procura retratar o modo de ser dos objetos do

conhecimento sem a emissão de juízos de valor. Neste sentido, Kelsen comentou que a sua

Teoria Pura do Direito, em razão de ser ciência do direito, “procura responder a esta questão:

o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o

Direito, ou como ele deve ser feito”113. Dessa maneira, os limites do discurso científico

demarcaram a inadequação da abordagem da justiça e do manejo de elementos conceituais

que não satisfazem a pretensão de neutralidade. A postura avalorativa, portanto, não foi

delineada em razão da “visão vazia dos olhos dos positivistas [...] [apontada como]

conseqüência, até certo ponto exótica e inesperada, da sua irremediável cegueira moral”114,

mas sim em virtude de uma estratégia retórica de legitimação do discurso teórico sobre o

direito.

Dessa postura avalorativa derivou o formalismo jurídico que caracteriza o

juspositivismo, segundo o qual o direito não é delimitado pelo seu conteúdo, mas pela

maneira que se manifesta.115 Assim, as normas jurídicas não envolvem qualquer vínculo ético

necessário, e são caracterizadas por elementos como coercitividade, heteronomia e

bilateralidade. Os requisitos de validade das normas jurídicas, desse modo, são relativos

apenas a aspectos formais como a proveniência de autoridade competente e o cumprimento de

normas procedimentais para a elaboração. Também os critérios para solução de antinomias

entre regras jurídicas como o hierárquico (lex superior derogat inferiori), o da especialidade

(lex specialis derogat generali) e o da posterioridade (lex posterior derogat priori) não

representam meios afirmativos de qualquer conteúdo ético necessário.

113 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 01. 114 PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e Sistema Jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do direito. 1ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 66. 115 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 131 e 144 e s.

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Porém, a pretensão de adequação do pensamento jurídico aos limites do discurso

científico entrou em crise após a segunda guerra mundial, quando foi desencadeada uma

grande reação ao positivismo jurídico. Em um cenário histórico no qual a legalidade abrigou a

ascensão do nazismo e do fascismo, tal reação teve como um dos aspectos relevantes o

entendimento de que a idéia de neutralidade e o formalismo do positivismo jurídico foram

elementos que favoreceram os regimes totalitários116. Dessa maneira, em um contexto que

passou a apresentar uma crescente demanda de respostas em torno da problemática da justiça

no direito, o caminho retórico de conformação do discurso jurídico a um modelo descritivo

deu lugar a um horizonte teórico no qual foi firmada a exigência de um discurso valorativo

diante do direito.

Entretanto, o argumento da vinculação ao nazismo e ao fascismo – que Bobbio

observou como Reductio ad Hitlerum117, e que foi um dos fatores mais eficientes da retórica

antipositivista – projetou “caricaturas” negativas do positivismo jurídico. Tal argumento

segue a comum estratégia retórica de associar o objeto da crítica a um elemento que goza de

desprestígio no auditório que se pretende convencer. Esse tipo de associação é uma manobra

argumentativa que tem um potencial de transferência de desprestígio capaz de obscurecer

eventuais aspectos positivos da postura criticada. Representa um caminho que leva o

interlocutor a enxergar o alvo da crítica em imagens (caricaturas) que dispõem em relevo as

características negativas. É uma maneira eficiente de compor a figura do objeto criticado por

meio de uma seleção de aspectos negativos, “um artifício retórico que objetiva desqualificar

os adversários sem análise da substância”118.

Porém, são carentes de fundamentos os argumentos que indicam que o

positivismo jurídico é uma postura que apoiou autoritarismos e que “acabou se convertendo

em uma ideologia, movida por juízos de valor [...] [diante da qual] o debate acerca da justiça

116

GARZÓN VALDÉS, Ernesto. Introducción. In: GARZÓN VALDÉS, Ernesto. (Org.). Derecho y filosofia. Barcelona: Editorial Alfa, 1985, p. 06 e s.; HESPANHA, António Manuel. Cultura Jurídica Européia : Síntese de um Milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 469 e s.; PAULSON, Stanley L. Lon L. Fuller, Gustav Radbruch, and the Positivist Theses. Law and Philosophy, Netherlands, nº 3, Vol. 13, Special Issue on Lon Fuller, p. 313 e s., aug, 1994.

117 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 225. 118 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico político. São Paulo: Método, 2006, p. 260.

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se encerrava quando da positivação da norma”119. A perspectiva de que a validade é uma

condição suficiente para a existência da justiça é “principalmente um alvo criado pelos

antipositivistas para conduzir sua polêmica”120, é mais uma manobra retórica para facilitar o

discurso antipositivista do que uma característica do juspositivismo. Com efeito, não é

sustentada por exemplos a idéia de que o positivismo se converteu em um rumo teórico

segundo o qual qualquer conteúdo ético acolhido pelo direito representa a justiça. O

formalismo que caracteriza as correntes teóricas juspositivistas não implica o juízo de que

todo valor acolhido pela ordem jurídica representa o justo, mas sim o juízo de que não são os

conteúdos éticos que delimitam o conceito de direito. Há uma diferença fundamental entre o

reconhecimento da “existência do direito” e o da “existência da justiça – o problema da

validade e o problema da justiça não se identificam. Conforme observado por Kelsen, “um

direito positivo não vale pelo fato de ser justo, isto é, pelo fato de a sua prescrição

corresponder à norma da justiça – e vale mesmo que seja injusto”121. Desse modo, admite-se

que as normas jurídicas podem refletir quaisquer faces do bem e do mal, e não que a

positivação do direito encerra a questão da justiça.

Portanto, é impertinente interpretar que o formalismo jurídico denota

cumplicidade com o regime estabelecido por Hitler. Pode-se dizer que tal interpretação não

conduz a um relato adequado da trajetória do juspositivismo, mas permite a construção de

“caricaturas” que facilitam o sucesso dos discursos que se opõem a esse rumo teórico.

Conforme observamos, a vinculação do discurso adversário a um elemento que sofre rejeição

no auditório é um método retórico que tem grande potencial de provocar convencimento, o

que torna a Reductio ad Hitlerum um rumo argumentativo que confere força persuasiva a

relatos que se opõem ao juspositivismo.

Do mesmo modo, é carente de fundamentos o entendimento de que a postura

avalorativa serviu de sustentáculo para o nazismo. A atitude teórica construída sobre o ideal

de neutralidade não implica a concordância com tal regime, mas uma disposição que busca

adequar o pensamento jurídico aos limites da linguagem descritiva – os quais foram erguidos

119 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009 p. 241. 120 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 230. 121 KELSEN, Hans. O problema da justiça. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 68.

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pela retórica do discurso científico como forma de legitimação da teoria jurídica. Com efeito,

se a abordagem avalorativa que caracterizou o juspositivismo não se oferece à crítica da ética

nazista, também não é afirmativa dela. Contudo, apesar de ser improcedente, a perspectiva de

que a postura avalorativa representa cumplicidade com o nazismo também dá poder

persuasivo aos relatos antipositivistas.

3. Florescimento do liberalismo e do ideal de legalidade como “oráculo”

burguês: caminhos em direção à separação entre a criação e a aplicação do

direito

De acordo com o que já indicamos neste capítulo, pode-se dizer que, até meados

do século passado, o juspositivismo foi marcado pela pretensão retórica de adequar o discurso

teórico jurídico a um modelo científico e pela concepção de que a aplicação do direito não

representa uma atividade produtiva de normas jurídicas. No entanto, depois de termos

refletido sobre a retórica em relação ao discurso científico no direito e ao argumento

antipositivista da Reductio ad Hitlerum, passamos, agora, a lançar o foco de análise sobre este

outro aspecto que foi proeminente no positivismo jurídico: a idéia da separação entre a

criação e a aplicação do direito. Dessa maneira, faremos uma abordagem sobre o horizonte

histórico no qual floresceu o ideal liberal de segurança jurídica e previsibilidade da ação

estatal, e buscaremos apontar que a distinção entre produzir e aplicar o direito expressa, no

campo teórico juspositivista, uma visão sobre as relações entre o Poder Legislativo e o Poder

Judiciário que é ligada a tal ideal.

Pode-se dizer que o florescimento da pretensão liberal de estabelecer a

previsibilidade da ação estatal ocorreu com ascensão da burguesia no âmbito do Absolutismo

– em que os monarcas não eram submetidos a limites jurídicos no exercício do poder político.

Com efeito, as monarquias nacionais européias se consolidaram em regimes absolutistas a

partir do século XVI, tomando como ponto de partida as guerras civis religiosas posteriores à

Reforma. Sobre as bases da independência do poder do monarca e da ausência de controle de

sua atividade por qualquer outro poder, o Absolutismo formou uma esfera de ação supra-

religiosa, buscando a extinção ou neutralização de instituições autônomas, mas permanecendo

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ligado à divisão social estamental122. Porém, o fim das agitações provocadas pelas guerras

civis religiosas (como decorrência da ação pacificadora e da ordem jurídica supra-religiosa)123

dispôs o Regime absolutista em um horizonte histórico distinto daquele que legitimou a sua

ascensão e que era seu sustentáculo. Os burgueses, então, concentrando o poder econômico

em uma Europa que já vivia um estágio desenvolvido do capitalismo, continuavam reduzidos

à condição de súditos, sendo excluídos do poder político (restrito ao soberano e aos seus

ministros) e submetidos a um espaço público que retirava das convicções privadas a sua

repercussão política124 . Nesse sentido, Hobbes bem expressou a condição do cidadão

referindo que “a liberdade de um súdito reside apenas nas coisas que, ao regular suas ações, o

soberano permitiu” 125. Ademais, o regime absolutista, de modo geral, mantinha uma série

privilégios da nobreza, gerando tratamento desigual em relação às outras classes sociais. Na

França do século XVIII, por exemplo, a nobreza tinha considerável favorecimento em relação

às outras classes, como a isenção de vários tributos e o recebimento de pensões dadas pelo

Estado. Os nobres, por força da tradição, eram mesmo formalmente dissuadidos de exercer

alguma profissão, e a burguesia se via desprestigiada por uma monarquia revestida por um

caráter aristocrático e mesmo feudal 126.

Em tal contexto histórico, o Estado absolutista ainda impunha altas cargas

tributárias, e atuava na economia sob uma concepção fortemente intervencionista. Tais

aspectos foram vistos como limitadores do desenvolvimento do capitalismo127, sendo vetores

da insatisfação burguesa e servindo de catapulta para as idéias liberais. O liberalismo,

entretanto, emergiu como um complexo de idéias que atendiam a anseios políticos e sociais da

burguesia, se desdobrando, entre outras características, como proposta de construção de

esferas de liberdade individual diante do Estado e de enquadramento da atividade estatal em

122 KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução de Luciana Villas-Boas Castelo Branco. Rio de Janeiro: EDUERJ, Contraponto, 1999, p. 19 e s.; SCHIERA, Pierangelo. Absolutismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (Org.). Dicionário de Política. 1ª Edição. Volume 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 2 e s. 123 KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução de Luciana Villas-Boas Castelo Branco. Rio de Janeiro: EDUERJ, Contraponto, 1999, p. 40. 124 Ibidem, p. 31 e s. 125 The Liberty of a Subject, lyeth therefore only in those things, which in regulating their actions, the Soveraign hath praetermitted. HOBBES, Thomas. Leviathan. Oxford: Oxford University Press, 1929, p. 161 (digitalized). 126 HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution. New York: Vintage Books, 1996, p. 56. 127 VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p. 174.

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normas jurídicas128. Dessa maneira, se no Absolutismo a consciência era a única instância

livre para os súditos129, o liberalismo firmou-se como proposta de projetar essa consciência

para o espaço público, assegurando a sua expressão a partir da limitação do poder estatal.

Assim, as idéias liberais representaram um dos fatores que deram forma às revoluções

burguesas. Sobre a Revolução Francesa, comentou Hobsbawn que:

[...] um notável consenso sobre idéias gerais entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário unidade efetiva. O grupo era a “burguesia”; suas idéias eram aquelas do liberalismo clássico, tal como formuladas pelos “filósofos” e “economistas” e propagadas pela maçonaria em por associações informais. Nessa medida, os “filósofos” podem ser justamente responsabilizados pela Revolução. 130

Na maioria dos países da Europa continental, o liberalismo passou a ter grande

expressão no século XIX, o que já ocorria na Inglaterra desde o século XVII131. Em tal

horizonte histórico do século XIX, no qual foi marcante a influência da experiência

revolucionária francesa e floresceu o liberalismo e a sua forma de Estado (o Estado liberal),

teve grande prestígio a doutrina da separação dos poderes. Na obra de Montesquieu, essa

doutrina ganhou os seus contornos mais célebres, e foi estabelecida sobre a compreensão de

que existência da liberdade só é possível quando não houver reunião dos poderes do Estado

(legislativo, executivo e judiciário) em uma mesma pessoa ou mesmo órgão132.

Firmado como instrumento assecuratório das liberdades individuais, o princípio

da separação dos poderes foi erguido sobre a idéia da separação entre a criação e a aplicação

do direito. A atividade de criar o direito, assim, foi entendida como algo pertinente à

competência do Poder Legislativo, cabendo ao Judiciário e ao Executivo as outras funções do

128 JUST, Gustavo. O Princípio da Legalidade Administrativa: o Problema da Interpretação e os Ideais do Direito Público. In: ADEODATO, João Maurício; BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco (Coords.). Princípio da legalidade: Da Dogmática Jurídica à Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.236. 129 KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução de Luciana Villas-Boas Castelo Branco. Rio de Janeiro: EDUERJ, Contraponto, 1999, p. 30 e s. 130 […] a striking consensus of general ideas among a fairly coherent social group gave the revolutionary movement effective unity. The group was the 'bourgeoisie'; its ideas were those of classical liberalism, as formulated by the 'philosophers' and 'economists' and propagated by freemasonry and in informal associations. To this extent 'the philosophers' can be justly made responsible for the Revolution. HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution. New York: Vintage Books, 1996, p. 58. 131 MATTEUCCI, Nicola. Liberalismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (Org.). Dicionário de Política. 1ª Edição. Volume 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 697 e s. 132 MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 167 e s..

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poder político, que deveriam ser exercidas nos limites da lei. Neste sentido, expressou

Montesquieu que “no governo republicano, é da natureza da constituição que os juízes sigam

a letra da lei”133, e que, para cumprir essa função de aplicar o direito, o juiz “só precisa ter

olhos”134.

Contudo, a idéia de jurisdição como atividade reprodutiva do direito criado

anteriormente não é exclusiva do pensamento liberal, e já existia no pensamento político

legitimador do absolutismo. Hobbes, por exemplo, escreveu que

O legislador, em todos os Estados, é apenas o soberano, seja ele um homem, como em uma monarquia, ou uma assembléia de homens, como em uma democracia ou aristocracia [...] Em todas as cortes de justiça, o soberano (que é a pessoa do Estado) é quem julga: o juiz subordinado deve considerar a razão que levou o seu soberano a fazer tal lei, para que a sua sentença possa estar de acordo com ela, e então a sentença é a sentença do seu soberano; de outra maneira, será sua própria sentença, e será injusta. 135

Assim considerada, a atividade jurisdicional deve ser uma manifestação das

escolhas do soberano, não cabendo ao juiz elaborar o direito, mas apenas concretizar os

desígnios que levaram o detentor da soberania a elaborar a lei. Desse modo, a idéia de

jurisdição não criativa do direito serve como garantia da concentração do poder político nas

mãos do soberano, e não para a sua divisão, como disposto na doutrina da separação dos

poderes.

Porém, com a ascensão do liberalismo, a separação entre a criação e a aplicação

do direito foi posta a serviço do valor da segurança jurídica, do ideal da previsibilidade da

atuação estatal. Sob a compreensão de que a linguagem é normalmente dotada de uma clareza

suficiente para que todos entendam do mesmo modo um enunciado legal, a idéia de ação

estatal conforme a lei num Estado organizado sobre a separação dos poderes foi concebida

como algo que permite a previsão segura dos caminhos a serem tomados pelo Poder

133 MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 87. 134 Ibidem. p. 87. 135 The Legislator in all Common-wealths, is only the raignis Soveraign, be he one Man, as in a Monarchy, or one Assembly of men, as in a Democracy, or Aristocracy […]In all Courts of Justice, the Soveraign (which is the Person of the Common-wealth) is he that Judgeth : The subordinate Judge, ought to have regard to the reason, which moved his Soveraign to make such Law, that his Sentence may be according thereunto ; which then is his Soveraigns Sentence ; otherwise it is his own, and an unjust one. HOBBES, Thomas. Leviathan. Oxford: Oxford University Press, 1929, p. 204 (digitalized).

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Executivo e pelo Poder Judiciário136. A legalidade, sob tal perspectiva, foi convertida em uma

espécie de “oráculo”, diante do qual é possível a revelação do futuro.

Esse “planejamento utópico do futuro” 137 foi vinculado ao interesse econômico

da burguesia de projetar com certeza as conseqüências jurídicas da conduta adotada, o que

permitiria uma proteção patrimonial e uma garantia contra as arbitrariedades. Com efeito, o

ideal de ordenação social por normas jurídicas claras que oferecessem segurança à

propriedade contribuiu para a ascensão da metodologia jurídica consagrada na doutrina

clássica da separação dos poderes. Neste sentido, observando a participação de fatores

econômicos na formação de características do direito no século XIX, expressou Max Weber

que:

[…] a direção de sua influência consistiu na racionalização e sistematização do direito, o que em geral significou para os interessados no mercado, com a reserva de uma limitação posterior, uma crescente possibilidade de cálculo do funcionamento da administração da justiça, que é uma das mais importantes condições prévias das explorações econômicas de caráter permanente, especialmente aquelas de tipo capitalista [...] 138.

Entretanto, o positivismo jurídico surgiu na passagem dos séculos XVIII e XIX

diante do contexto histórico de ascensão do liberalismo na Europa, e acolheu o ideal liberal de

segurança jurídica e previsibilidade da ação estatal. A fase inicial do juspositivismo foi

marcada pela idéia da separação dos poderes traçada sobre uma perspectiva legalista, segundo

a qual o legislador tem o monopólio da criação do direito. Neste sentido, a Escola da Exegese

(que abriu caminhos do positivismo jurídico nascente e dominou o pensamento jurídico

francês no século XIX) teve como traço fundamental a idéia de que o direito positivo se

136 MAIA, Alexandre da. Racionalidade e progresso nas teorias jurídicas: o problema do planejamento do futuro na história do Direito pela legalidade e pelo conceito de direito subjetivo. In: ADEODATO, João Maurício; BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco (Coords.). Princípio da legalidade: Da Dogmática Jurídica à Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 06 e s. 137 KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução de Luciana Villas-Boas Castelo Branco. Rio de Janeiro: EDUERJ, Contraponto, 1999, p. 10. 138 […] la dirección de su influencia consistió en la racionalización y sistematización del derecho, lo que en general significó para los interesados en el mercado, con la reserva de una limitación posterior, una creciente posibilidad de cálculo del funcionamiento de la administración de justicia, que es una de las más importantes condiciones previas de las explotaciones económicas de carácter permanente, especialmente aquellas de tipo capitalista […]. WEBER. Max. Economía y Sociedad: Esbozo de sociología comprensiva. Traducción de José Medina Echavarría, Juan Roura Parella, Eugenio Ímaz, Eduardo García Máynez y José Ferrater Mora. 2ª Edición. Décimosexta reimpressíon. México D. F.: Fondo de Cultura Económica, 2005, p. 650.

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identifica por completo com a lei139, e dispôs que o Judiciário tem apenas o papel de

“descobrir, elucidar o sentido exato e verdadeiro da lei”140. A este respeito, é expressivo o

comentário de Laurent, um dos representantes de tal Escola:

Os códigos não deixam nada ao arbítrio do intérprete, este não tem já por missão fazer o Direito: o Direito está feito. [...] Não é verdade que o papel dos jurisconsultos se encontra reduzido; só que não devem ter a ambição de fazer o Direito ao ensiná-lo, ou aplicá-lo; sua única missão consiste em interpretá-lo... A eles não compete o trabalho de legislar, mas ao poder legislativo141.

No entanto, apesar do legalismo ter encontrado refutações já entre os

contemporâneos da Escola da Exegese, como ocorreu, por exemplo, no pensamento de

Savigny (que destacou a idéia de que o direito não emana apenas da lei, ressaltando que os

costumes também representam uma fonte do direito, o qual foi visto por ele como um reflexo

do “espírito do povo”142), a legislação continuou a ocupar, ao menos na Europa continental e

na América latina, o centro teórico do pensamento jurídico até a segunda metade do século

XX – quando os problemas em torno da interpretação e da indeterminação do direito

passaram a ser enfatizados na teoria jurídica, provocando o deslocamento do foco das

atenções da legislação para a jurisdição143. Entretanto, a despeito do desenvolvimento teórico

que levou o juspositivismo para além da ingenuidade das teorias legalistas, a compreensão

sobre as relações entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário continuou a ser marcada pela

concepção que limita a aplicação judicial de textos normativos a uma atividade técnica,

cognitiva do direito prévio. Até meados do século passado, “a teoria usual da interpretação

[...] [manifestava a crença de que] a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas

139 BONNECASE, J. La Escuela de la Exegesis en Derecho Civil. México D. F.: Editorial Cultura, 1944, p. 140-141. 140 “Descubrir, dilucidar el sentido exacto y verdadero de la ley”. DEMOLOMBE, J. C. F. Apud BONNECASE, J. La Escuela de la Exegesis en Derecho Civil. México D. F.: Editorial Cultura, 1944, p. 150. 141 Los Códigos no dejan nada al arbitrio del intérprete, este no tiene ya por misión hacer el Derecho: el Derecho está hecho. [...] No es verdad que el papel de los jurisconsultos se encuentra reducido; sólo que no deben tener la ambición de hacer el Derecho al enseñarlo, o aplicarlo; su única misión consiste en interpretarlo... A ellos no les toca el trabajo de legislar, sino al poder legislativo. LAURENT. Apud BONNECASE, J. La Escuela de la Exegesis en Derecho Civil. México D. F.: Editorial Cultura, 1944, p. 141.

142 SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Sistema del Derecho Romano Actual. Traducción de Jacinto Mesía y Manuel Poley. Tomo I. Madrid: F. Góngora y Compañía Editores, 1878, p. 29 e s. e 108 e s. 143 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 215, 1998; JUST, Gustavo. Guinada Interpretativa. In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coordenação de Vicente de Paulo Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, Unisinos, 2006, p. 395.

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as hipóteses, apenas uma única solução correta”144. Dessa maneira, apesar da perda de espaço

das perspectivas legalistas, a lei continuou a ser vista, no horizonte teórico do juspositivismo,

como um elemento que serve para um controle seguro de expectativas em relação à atividade

do Poder Judiciário. Em conformidade com o ideal liberal de previsibilidade da ação estatal, a

lei permaneceu como um instrumento capaz de permitir o cálculo exato das conseqüências

jurídicas da conduta adotada, assegurando o domínio do futuro.

4. O espaço reduzido da retórica na justificação de decisões judiciais sob a

distinção entre produzir e aplicar o direito: a limitação da jurisdição a uma

racionalidade formal e a um campo argumentativo no qual é minimizada a

contingência em torno do sentido dos textos normativos

A metodologia jurídica baseada na idéia de que a jurisdição é uma atividade

cognitiva (reprodutiva) de normas pré-existentes minimiza na justificação das decisões

judiciais o espaço da retórica considerada como faculdade de identificar os meios disponíveis

para argumentar bem (que se manifesta sobre qualquer expressão lingüística, mesmo que

irrefletidamente, e independentemente da desconsideração ou depreciação da retórica como

metalinguagem). Essa redução é devida à limitação da esfera de atuação do julgador a

atividades que se assemelham a operações de lógica formal e a um campo argumentativo no

qual é subdimensionada a contingência em torno do sentido dos textos normativos.

A jurisdição, sob tal metodologia, é concebida como uma atividade técnica, sem o

caráter volitivo e político que envolve a criação do direito, e representa algo que se desdobra

dentro das fronteiras da lógica, sob a forma de subsunção dos fatos às normas (como

silogismo judicial), e que se manifesta, desse modo, como uma atividade rigorosamente

racional se for realizada sem falhas ou desvios. Para tal ótica (que teve como um dos

sustentáculos a idéia da completude do direito, a qual foi um dos elementos marcantes do

juspositivismo145), as questões em torno da justiça e da racionalidade dos conteúdos

144 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 391. 145 Neste sentido, ver BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. Tradução de Denise Agostinetti. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 259-299.

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normativos são exteriores ao campo argumentativo da jurisdição, a qual é uma “forma” do

direito previamente criado incidir na sociedade, é uma atividade pela qual o julgador aplica

escolhas éticas alheias. Assim, tais questões éticas dizem respeito aos criadores das normas

jurídicas, e extrapolam os limites da racionalidade judicial, que é dirigida para garantir a

harmonia lógica entre as premissas e conclusões jurídicas em jogo. Portanto, o espaço da

retórica na argumentação judicial é reduzido a um âmbito formal, destinado à demonstração

de caminhos cognitivos (lógicos) pelos quais se chegou à decisão, não se referindo a juízos de

valor do próprio julgador.

Para tal perspectiva, a alegação de aplicação das normas jurídicas é feita em um

campo argumentativo que minimiza a contingência a respeito dos sentidos dos textos

normativos, que são vistos como previamente determinados. Essa idéia de anterioridade do

direito em relação aos processos interpretativos é baseada na confusão entre significantes e

significados, entre textos de normas e normas146 . Sob tal visão, os textos jurídicos

(significantes) já representam a própria norma (significado), não cabendo uma produção

normativa na interpretação, mas sim a apreensão do sentido da norma pré-existente diante da

sua clareza ou pela superação da falta de clareza por meio de cânones da interpretação. Desse

modo, a clareza é uma propriedade das normas que permite um entendimento sem esforços

interpretativos, e, nas situações de obscuridade das normas, o positivismo jurídico se serviu de

métodos interpretativos (tais como o lógico, o histórico, o sistemático e o gramatical,

propostos por Savigny147) para dar luz ao que não é claro por si só (o sentido da norma

jurídica), mas que já existe previamente. Entretanto, a retórica perde valor na alegação de

aplicação de normas claras, que exige do julgador que ele aponte o que já transparece por si

só. Por outro lado, nos casos em que não há clareza, meios hermenêuticos levam à

reconstrução do sentido contido na norma148, com a superação da incerteza. Assim, no que se

refere ao sentido do texto normativo, há uma redução da contingência, do espaço

argumentativo e, desse modo, do campo da retórica.

146 MÜLLER, Friedrich. O Novo Paradigma do Direito: Introdução à teoria e metódica estruturantes. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 11. 147 SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Sistema del Derecho Romano Actual. Traducción de Jacinto Mesía y Manuel Poley. Tomo I. Madrid: F. Góngora y Compañía Editores, 1878, p. 150 (digitalizado). 148 Idem. Metodologia Jurídica. Tradução de Heloísa da Graça Buratti. 1ª Edição. São Paulo: Rideel, 2005, p. 26.

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Portanto, a retórica na justificação das decisões judiciais é subdimensionada

diante da metodologia erguida a partir da separação entre a criação e a aplicação do direito,

sendo lançada sobre um âmbito da argumentação jurídica que é limitado a uma racionalidade

formal, e que parte de uma visão interpretativa que oculta a incerteza nos textos normativos.

Essa idéia da redução do espaço da retórica ganha contornos mais nítidos quando

é observada em relação ao panorama contemporâneo da teoria e da filosofia do direito. Em tal

horizonte, há uma ênfase na idéia de que a decisão judicial é uma atividade que se desdobra

sobre a incerteza dos textos normativos, que tem um papel criativo da norma e envolve uma

atitude valorativa do julgador149. Desse modo, é ampliada a importância da retórica, pois há

um aumento da contingência e do espaço argumentativo no que diz respeito ao sentido dos

textos normativos, e a perspectiva de que a jurisdição é um cenário da criação da norma

atribui um maior significado ético à argumentação (que não representa a exposição de um

caminho cognitivo em direção ao direito pré-constituído, mas o momento de justificação em

torno do direito produzido no caso).

No entanto, diante da concepção de que não cabe à jurisdição produzir o direito,

tal campo reduzido da argumentação e da retórica na justificação das decisões judiciais é visto

como ideal, pois a criação da norma no caso reflete uma situação na qual o julgador ultrapassa

os limites da sua função, violando a separação dos poderes e pondo em risco a liberdade e a

segurança jurídica. Neste sentido, demonstrando a persistência de uma metodologia erguida

sobre a idéia da separação entre a criação e a aplicação do direito, um juiz do Tribunal

Regional Federal da 5ª Região (identificado apenas como “juiz 9”, em virtude da garantia de

sigilo para os entrevistados na pesquisa de Eduardo Neves) declarou que:

Eu não tenho a mais mínima dúvida de que, se o juiz quiser agir corretamente, ele tem que aplicar o direito pré-existente. Por uma questão de lógica, o juiz não pode criar direito. Se o juiz pudesse criar direito, nós não estaríamos numa democracia. Uma das características do Estado Social e Democrático de Direitos é a separabilidade das funções. Estuda-se isso até em organização política e social desde o ginásio: que o poder executivo deve aplicar a lei de ofício, o legislativo forma o sistema jurídico e o judiciário aplica o sistema jurídico. Se o judiciário, além de aplicar o sistema jurídico, formasse o sistema jurídico, ele estaria usurpando as funções do legislativo150.

149 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 209-219, 1998; JUST, Gustavo. Guinada Interpretativa. In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coordenação de Vicente de Paulo Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, Unisinos, 2006, p. 395. 150 NEVES, Eduardo. Entre a Teoria e a Práxis Jurígenas: por um translegalismo na criação semântica do direito. 2009. Monografia (graduação) - Curso de Direito, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2009, p. 37.

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Sob tal perspectiva (anacrônica em relação à teoria do direito contemporânea), é

exigida a conformação do discurso judicial ao ideal da jurisdição como atividade reprodutiva

da norma prévia, e, dessa maneira, a argumentação adequada é a que não revela atividade

criativa do direito pelo julgador. A retórica, portanto, indicando os caminhos para argumentar

bem de acordo com tal concepção, serve para conter o discurso judicial dentro de um espaço

em que ela própria é reduzida. É ela disposta como um instrumento para modelar a “máscara”

da reprodução normativa, que oculta as escolhas éticas do julgador, esconde a invenção do

direito na sua concretização e é uma condição de legitimidade no teatro da justificação das

decisões judiciais.

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CAPÍTULO TERCEIRO – A retórica diante do ontologismo

axiológico e a ênfase na indeterminação do direito

Sumário: 1. A proeminência da atitude valorativa e da consciência da indeterminação do direito no cenário das idéias jurídicas recentes, e o reducionismo no uso do termo “pós-positivismo” para identificar o paradigma atual da teoria do direito. 2. O ontologismo axiológico ante o discurso valorativo no pensamento jurídico atual, e o seu caráter problemático em relação ao ideal democrático de tornar o direito um campo aberto para divergências. 3. Adequação da postura opinativa à busca da permeabilidade jurídica e fundamentos filosóficos para um olhar carente de verdades. 4. A visibilidade do espaço da retórica na justificação das decisões judiciais em face da ênfase na indeterminação do direito.

1. A proeminência da atitude valorativa e da consciência da

indeterminação do direito no cenário das idéias jurídicas recentes, e o

reducionismo no uso do termo “pós-positivismo” para identificar o

paradigma atual da teoria do direito

Na segunda metade do século XX, o modelo teórico (retórico) de

neutralidade científica e a idéia da separação entre a criação e a aplicação do direito

foram postos em crise. Nesse período, floresceu o entendimento de que o pensamento

jurídico não deve ser limitado a uma linguagem descritiva e pretensamente neutra (vista

como representativa de uma atitude teórica que não se opôs à ascensão do nazismo e do

fascismo) e foi firmada a tendência de construir o saber jurídico sobre uma atitude

valorativa. Dessa maneira, a teoria do direito descerrou sobre si um horizonte retórico

distinto do que fora estabelecido pela busca de conformação do discurso a contornos

científicos: a escolha dos caminhos persuasivos para o discurso (pelas vias do lógos, do

páthos e do êthos) encontrou uma maior abertura para o manejo de temas e conceitos

que transpõem os limites do saber descritivo e pretensamente neutro e que representam

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uma atitude teórica valorativa. A teoria jurídica, que incorporava exigências que

estruturam um modelo de discurso científico, deu lugar para uma linguagem que assume

um papel construtivo do próprio objeto de análise. Por outro lado, a interpretação

passou a constituir um eixo de análise, e foi exposta a fragilidade da idéia de que a

jurisdição é uma atividade meramente reprodutiva de normas previamente constituídas.

Com efeito, a consciência da indeterminação do direito e do papel criativo do intérprete

passou a ser um dos traços destacados no quadro das idéias jurídicas, e deu lugar a uma

mudança de agenda na teoria do direito, passando a decisão e a aplicação a ocuparem o

centro de reflexão, tomando o foco que era dedicado à legislação151.

Fala-se, no entanto, de um novo modelo para a teoria do direito, de um novo

paradigma que foi erguido a partir da crise do juspositivismo, em meados do século

passado, e que caracteriza o pensamento jurídico atual: o pós-positivismo152. Esse termo

não denota uma escola ou um movimento homogêneo, mas nos debates em que é

utilizado ressalta o significado de uma tendência teórica que busca aproximar o direito

de determinadas perspectivas morais e que reconhece a força normativa dos princípios e

a indeterminação do direito. Contudo, a oposição que é feita entre positivismo e pós-

positivismo parte, em geral, da desconsideração (talvez por motivo de desconhecimento,

em alguns casos) do juspositivismo atual, reduzindo este rumo teórico a características

que o marcaram até meados do século XX, mas que não expressam a sua feição

contemporânea – tais como uma visão de interpretação traçada sobre a idéia da

separação a criação a aplicação do direito e o entendimento de que os princípios são

carentes de normatividade.

151 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 209-219, 1998; JUST, Gustavo. Guinada Interpretativa. In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coordenação de Vicente de Paulo Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, Unisinos, 2006, p. 395. 152 A título de exemplo, BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 247 e s.; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 264 e s.; CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 209-219, 1998; CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 136 e s.; DANTAS, David Diniz. Interpretação Constitucional no Pós-Positivismo: Teoria e casos práticos. São Paulo: Madras, 2005. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos, 2000, p. 169; REGLA, Josep Aguiló. Positivismo y postpositivismo. Dos paradigmas jurídicos en pocas palabras. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 30, p. 665-675, 2007.

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No que diz respeito à idéia da indeterminação do direito, ela é apontada

como um elemento que caracteriza o pós-positivismo. Fala-se, assim, da “escassa

atenção que prestou o positivismo jurídico à interpretação”153, e que nas abordagens

pós-positivistas “o centro de atenção se deslocou para a indeterminação e para a solução

de casos indeterminados”154. Desse modo, o pós-positivismo é referido como um

paradigma que dispõe em relevo as questões em torno da interpretação e o papel

produtivo de normas jurídicas desempenhado julgador. No entanto, é acolhida por

partidários do pós-positivismo a concepção de que as correntes juspositivistas

constituem um horizonte teórico marcado pela perspectiva de que “criar normas e

aplicar normas são operações conceitualmente opostas”155. Assim, o pós-positivismo é

mencionado como

um movimento crítico que encerra o predomínio da dogmática jurídica tradicional [...] [a qual tem como um dos seus elementos característicos a] representação da atividade do juiz meramente como tarefa de “conhecimento” da lei [...].156

Porém, a problemática da interpretação e a idéia da indeterminação do

direito têm destaque no positivismo jurídico recente157. Com efeito, abordagens como a

de Hart e a de Kelsen abriram caminhos para além da separação entre a criação e a

aplicação do direito, e os intérpretes dos textos normativos passaram a ser protagonistas

no palco das teorias juspositivistas. Entretanto, não é adequado o entendimento de que a

ênfase na indeterminação do direito e o reconhecimento do papel criativo do intérprete

refletem uma orientação teórica que não se conforma ao juspositivismo, mas a um

153 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 212, 1998. 154“El centro de atención se ha desplazado a la indeterminación y a la solución de los casos indeterminados”. Ibidem. p. 212. 155 “Crear normas y aplicar normas son operaciones conceptualmente opuestas”. Ibidem.p. 671. 156 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 136. 157 A título de exemplo, BIX, Brian. Law, Language, and Legal Determinacy. Oxford: Oxford University Press, 2003; MARMOR, Andrei (Org.). Direito e Interpretação: Ensaios de Filosofia do Direito. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2004; Idem. Interpretation and Legal Theory. 2nd ed. Oxford: Hart Publishing, 2005; WALUCHOW, Wilfrid. Inclusive Legal Positivism. Oxford: Oxford University Press, p. 191-272, 1994.

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paradigma distinto, considerado como pós-positivista. Tal entendimento expressa um

reducionismo no uso do termo “pós-positivismo”, pois limita o juspositivismo a um

modelo teórico que não contempla os seus desenvolvimentos recentes.

Por outro lado, a atribuição de caráter normativo aos princípios é apontada

como uma característica do pós-positivismo. Neste sentido, observa-se que “com o pós-

positivismo, os princípios passam a ser tratados como direito”158, e que

no conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica, com reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras [...].159

Dessa maneira, o positivismo jurídico é visto como uma orientação teórica

que limita o direito a um modelo de regras, e o pós-positivismo é referido como um

paradigma que adota o entendimento de que as normas jurídicas compreendem regras e

princípios.

Todavia, ante os vários sentidos que têm os termos “regra” e “princípio”, e

na tentativa de não tornar obscura a nossa exposição, é cabível uma abordagem sobre a

diferença entre regras e princípios. Com efeito, há diversos critérios que são usados para

essa distinção, entre os quais ganham destaque o grau de generalidade e o modo de

solução de antinomias. Robert Alexy, na “Theorie der Grundrechte” (Teoria dos

Direitos Fundamentais), comentou que “o [critério] da generalidade é o mais

freqüentemente utilizado”160. Contudo, tal constatação se refere ao panorama teórico que

esse autor observava no contexto em que foi escrita essa obra (a qual foi lançada em

1986), e, atualmente, o critério que parece ter o maior destaque é o modo de solução de

conflitos entre normas – protagonismo que ocorre, em alguma medida, em virtude da

influência de desenvolvimentos teóricos realizados por Alexy. O uso desse critério,

158 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 264. 159 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 249. 160 “El de generalidad es el más frecuentemente utilizado”. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 83.

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conforme apontou Aguiló Regla, é um dos aspectos proeminentes no cenário atual das

idéias jurídicas161.

De acordo com o critério da generalidade, os princípios são caracterizados

pelo elevado grau de generalidade que apresentam, enquanto nas regras esse grau é

baixo. Contra esse critério, pode-se argumentar que apresenta grande imprecisão, pois

os limites que separam as regras dos princípios ficam demasiadamente indefinidos.

Apesar de haver dispositivos que manifestam com relativa clareza um acentuado ou

reduzido nível de generalidade (a exemplo, respectivamente, do princípio da dignidade

da pessoa humana e do artigo 18, § 1º, da Constituição Federal, que dispõe que “Brasília

é a Capital Federal”162), as fronteiras entre o alto e o baixo grau de generalidade são

obscuras.

Por outro lado, o modo de solução de conflitos entre normas representa um

critério que leva a uma diferenciação qualitativa entre regras e princípios. Segundo esse

critério, o conflito entre duas regras implica a invalidade de uma delas, e metanormas

como a da posterioridade (lex posterior derogat priori), a da superioridade (lex superior

derogat inferiori) e a da especialidade (lex specialis derogat generali) podem resolver a

questão de qual das regras em contradição é valida163. Essas metanormas podem servir,

por exemplo, para a solução de uma antinomia entre dois dispositivos que estabeleçam

prazos distintos para a interposição do mesmo recurso. Já as colisões entre princípios

encontram solução além da dimensão da validade, e a decisão de aplicar um dos

princípios contrapostos não implica o reconhecimento da invalidade do outro, mas sim

que as circunstâncias do caso levaram a uma ponderação pela qual um determinado

princípio prevaleceu164. Assim, por exemplo, no Habeas Corpus nº 82424-2 foi

161 REGLA, Josep Aguiló. Positivismo y postpositivismo. Dos paradigmas jurídicos en pocas palabras. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 30, p. 669-670, 2007. 162 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 14 de dezembro de 2011. 163 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 88-89; DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 27. 164 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 89.

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configurada uma colisão entre os princípios da dignidade da pessoa humana e o da

liberdade de expressão, e o Supremo Tribunal Federal concluiu que, diante das

circunstâncias do caso (no qual se constatou a publicação de livros com teor anti-semita

por Siegfried Ellwanger), o primeiro princípio deveria prevalecer – pois o preceito

fundamental da liberdade de expressão não poderia contemplar práticas racistas165.

Desse modo, o julgamento que fez prevalecer do princípio da dignidade não envolve

uma declaração de invalidade do princípio da liberdade de expressão, mas sim uma

ponderação de valores. Todavia, perante circunstâncias distintas, a colisão entre os

princípios poderá ser resolvida de outra maneira, e o princípio que não foi aplicado no

caso – mas que continuou com a sua validade intacta – poderá prevalecer em outro

contexto166.

Entretanto, observa-se que as regras apresentam uma diferença qualitativa

em relação aos princípios, pois estes “têm uma dimensão que as regras não têm – a

dimensão do peso e da importância”167. Ante essa dimensão, as soluções de conflitos

entre princípios podem ser expressas como julgamento sobre qual das normas em

colisão é afirmativa do valor que tem maior importância, maior “peso” no contexto do

caso.

No entanto, feitas essas indicações sobre diferenças entre regras e

princípios, entendemos que não é pertinente a perspectiva de que o juspositivismo é

limitado à concepção de que as normas jurídicas compreendem apenas regras. Talvez

seja cabível afirmar que, até meados do século passado, as teorias juspositivistas não

reconheciam a existência de normatividade nos princípios ou observavam neles um

165 BRASIL. Supremo Tr ibunal Federal . P lenár io . Habeas Corpus nº 82424 – RS. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasí l ia , 17.09.2003. DJU em 19.03.2004. Disponível em: <http:/ /www.st f .gov.br/portal / jur isprudência/ l istarJur isprudencia Detalhe.asp?s1=000296878&base=baseAcordaos>. Acesso em 01 de agosto de 2011. 166 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 89. 167“Principles have a dimension that rules do not – the dimension of weight or importance”. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 26.

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caráter normativo apenas subsidiário (destinado a impedir lacunas do direito)168. Porém,

não é cabível estender tal afirmação ao positivismo jurídico recente, no âmbito do qual

ganhou espaço a idéia de que os princípios são revestidos de força normativa169.

Por sua vez, em relação à atitude de assumir um papel valorativo na reflexão

sobre o direito, compreendemos que não é um aspecto que apenas pode ser enquadrado

em abordagens não positivistas. É cabível considerar que o positivismo jurídico figura

como um amplo e complexo painel em que a busca de conformação a uma linguagem

avalorativa – erguida a partir da retórica do discurso científico – pode ser vista em

matizes marcantes e traços fortes. Contudo, os dois aspectos fundamentais do

juspositivismo (a idéia de que não há conexão necessária entre o direito e a moral, e a

concepção de que só há caráter jurídico no direito positivo) não implicam a exclusão da

postura valorativa. Afinal, emitir juízos de valor e defender como mais justa uma

determinada perspectiva ética não implica a admissão de que há direitos além do direito

positivo ou a concordância com a idéia de que há conexão necessária entre o direito e a

moral. Neste sentido, pode-se dizer que “é uma suposição falaciosa [...] [considerar que]

a teoria do positivismo jurídico é, em si mesma, confinada ao estudo da existência [do

direito], ao passo que oposta ao mérito [...]”170. Com efeito, conforme observou Jeremy

Waldron, “em anos recentes, filósofos do direito prestaram crescente atenção à

possibilidade de que o positivismo jurídico seja remodelado como uma tese normativa

sobre o direito”171, e rótulos como “positivismo ético” e “positivismo normativo”

168 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 262 e s. 169 A título de exemplo, MARMOR, Andrei. Positive Law and Objective Values. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 81 e s.; SHAPIRO, Scott J. On Hart´s Way Out. In: COLEMAN, Jules (Ed.). Hart´s Postcript: Essays on the Postscript to the Concept of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 164 e s.; WALUCHOW, Wilfrid. Inclusive Legal Positivism. Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 168 e s. 170 “Is a fallacious assumption [...] the theory of legal positivism is itself confined to the study of the existence as opposed to the merit […]”. CAMPBELL, Tom. Prescritive Legal Positivism: Law, Rights and Democracy. London: UCL Press, 2004, p. 25. 171 “In recent years, philosophers of law have paid increasing attention to the possibility that legal positivism might be recast as a normative thesis about law.” WALDRON, Jeremy. Normative (or Ethical) Positivism. In: COLEMAN, Jules (Ed.). Hart´s Postcript: Essays on the Postscript to the Concept of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 411.

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passaram a ter lugar no palco das idéias jurídicas – expressando a perspectiva de que a

linguagem valorativa não é incompatível com a postura juspositivista.

Desse modo, há carência de pertinência tanto no relato de que o positivismo

jurídico se converteu em uma ideologia segundo a qual todo direito é justo (conforme

apontamos no capítulo anterior) quanto no relato que reduz esse rumo teórico a uma

linguagem que “deve excluir o elemento da correção de conteúdo”172.

Portanto, de acordo com o que acima foi exposto sobre o positivismo e o

pós-positivismo, pode-se dizer que o uso deste último termo envolve, ordinariamente,

uma caracterização reducionista do positivismo jurídico. Para descrever o plano do

pensamento jurídico atual – que dispõe em relevo os problemas da interpretação e

apresenta um horizonte retórico aberto para a linguagem valorativa –, a referência a um

espaço teórico que é constituído por correntes “positivistas” e “não positivistas” (tal

como fez Alexy173, por exemplo) é mais adequada do que a alusão ao paradigma do pós-

positivismo. Da mesma maneira, a oposição entre positivismo e jusmoralismo também é

mais apropriada do que a menção a um modelo pós-positivista para representar o

panorama das idéias jurídicas recentes (conforme sugeriu Dimoulis, considerando que a

maioria das teorias não positivistas atuais não refuta a tese de que só há caráter jurídico

no direito positivo, mas sim a tese de que não há conexão necessária entre o direito e a

moral174).

De qualquer modo, como já observado nesta dissertação, os conceitos não

são representações da realidade, mas sim produtos de seleções de aspectos comuns entre

elementos distintos. O enquadramento de uma conjuntura teórica multifacetada em

conceitos como pós-positivismo ou jusmoralismo é uma forma de controlar os 172“Must exclude the element of correctness of content”. ALEXY, Robert. The Argument from Injustice: A Reply to Legal Positivism. Translated by Stanley L. Paulson and Bonnie Litschewski Paulson. Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 13. 173 Idem. Derecho y Moral: Reflexiones sobre el punto de partida de la interpretación constitucional. In: MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.). Interpretación Constitucional. Tomo I. Traducción de Eduardo R. Sodero. México D.F.: Editorial Porrúa, 2005, p. 01 e s.; Idem. The Argument from Injustice: A Reply to Legal Positivism. Translated by Stanley L. Paulson and Bonnie Litschewski Paulson. Oxford: Oxford University Press, 2004, p.03 e s. 174 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico político. São Paulo: Método, 2006, p. 85 e s.

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elementos do conhecimento, e não uma forma de espelhar a realidade. Pode-se dizer,

todavia, que a observação por meio de dicotomias – como positivismo e jusmoralismo

ou positivismo e não positivismo – é retoricamente favorável, pois a representação

(caricatural) por meio de conceitos antagônicos torna mais simples a identificação dos

adversários, facilitando, portanto, a construção de argumentos para triunfar sobre os

opositores.

Contudo, ante o horizonte da teoria jurídica recente – que observamos como

um conjunto de abordagens que podem ser enquadradas nos rótulos de “positivismo” e

“não positivismo” –, buscaremos discorrer sobre os seguintes aspectos no restante deste

capítulo:

1) primeiro, o ontologismo axiológico, que ganhou novo fôlego com a

abertura retórica que houve para a linguagem valorativa no discurso teórico jurídico a

partir da crise do juspositivismo. Refletiremos sobre o caráter problemático da

afirmação de conteúdos jurídicos necessários perante a pluralidade ética da sociedade

contemporânea, e observaremos que o entendimento de que um valor respaldado por

normas jurídicas é uma verdade ética pode dificultar a abertura do direito para valores

distintos – erguendo uma barreira contra argumentos divergentes que reduz a

capacidade de convencimento e as possibilidades da retórica no campo dos discursos

que oferecem oposição ao que é tratado como verdadeiro. Desse modo, faremos uma

análise a respeito da adequação da postura opinativa (em que não há reconhecimento do

domínio da verdade) ao ideal democrático de abertura do direito para perspectivas éticas

que nele não são acolhidas;

2) depois, buscaremos refletir que a ênfase na indeterminação do direito

trouxe um aumento da visibilidade do espaço da retórica na justificação de decisões

judiciais.

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2. O ontologismo axiológico ante o discurso valorativo no pensamento

jurídico atual, e o seu caráter problemático em relação ao ideal

democrático de tornar o direito um campo aberto para divergências

Com o obscurecimento do jusnaturalismo e a emergência do juspositivismo

o eixo da verdade no pensamento jurídico foi deslocado dos valores para o discurso

científico. Porém, com o reflorescimento da atitude valorativa no campo das idéias

jurídicas a partir de meados do século passado, houve uma reaproximação da pretensão

de domínio da verdade em relação aos valores e uma retomada de perspectivas

jusnaturalistas175. No âmbito da teoria jurídica recente, em que a conexão entre o direito

e a moral integra a agenda prioritária176, os discursos éticos erguidos sobre a plataforma

da “verdade” ganham espaço significativo com abordagens não positivistas. A este

respeito, observou Dimoulis que

em obras recentes se multiplicam as referências a conceitos como justiça, verdade, moral, ética e dignidade humana enquanto valores que impõem o abandono do positivismo jurídico. [...] Constatamos aqui a insistência na crença metafísica em uma justiça que se identifica com a verdade, ignorando os debates filosóficos do século XX que levaram ao abandono do dogmatismo idealista177.

Neste sentido de afirmação do ontologismo axiológico, fala-se de uma ética

“universal na deferência às desigualdades [que] investiga valores que espelham a

175 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 225 e s.; KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Tradução de António Ulisses Cortês. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 46 e s.; REGLA, Josep Aguiló. Positivismo y postpositivismo. Dos paradigmas jurídicos en pocas palabras. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 30, p. 672 e s., 2007; WIEACKER, Franz. Historia do direito privado moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, p. 679 e s. 176 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 218, 1998. 177 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico político. São Paulo: Método, 2006, p.51-52.

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essência do supremo bem”178, no direito “compromissado com valores como a Justiça (=

verdade = valor)”179, e também é feita a proposta de “levar a todo o planeta um marco

mínimo de respeito entre as mais diversas culturas, para que haja diálogo entre elas [...]

ao contrário do que ocorreria com o relativismo, pois não haveria como chegar a um

mínimo de entendimento”180.

Porém, o discurso valorativo totalizante que tem lugar no cenário atual das

idéias jurídicas é estabelecido em um quadro social marcado pela diversidade cultural e

pela pluralidade ética, no qual o direito constitui “o único ambiente ético comum”181.

Na sociedade contemporânea, as concepções (políticas, éticas, estéticas, etc.) que são

dispostas como únicas visões corretas ou possíveis se deparam, ordinariamente, com

visões que enxergam de maneiras divergentes. Com efeito, os enunciados orais ou

escritos são normalmente projetados sobre auditórios caracterizados pela falta de

comunhão de idéias e valores (nos quais tanto a razão quanto a falta dela apresentam

várias faces), e essa falta de homogeneidade torna o consenso um resultado difícil de ser

atingido. Dessa maneira, resta fragilizada a idéia de que discursos racionais são capazes

de provocar a adesão de todos os interlocutores sensatos, como formulou Perelman com

a sua concepção de auditório universal (composto pelo “conjunto daqueles que são

considerados como homens racionais e competentes na matéria”182). Na atual conjuntura

social, em que o dissenso tem cores mais vivas do que o consenso, fica mais nítido que

a razão não é um caminho que leva ao mesmo ponto, mas sim uma faculdade que se

178 LIMA JUNIOR, Oswaldo Pereira de. Ética, pós-positivismo e ensino do direito na pós-modernidade. Mneme: Revista de Humanidades, Caicó, nº 11 (28), p. 64, ago/dez, 2010. Disponível em <http://www.periodicos.ufrn.br/ojs/index.php/mneme>. Acesso em 14 de agosto de 2011. 179 NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 22. 180 REIS, Marcus Vinicius. Multiculturalismo e Direitos Humanos. Disponível em: <http:// www.senado.gov.br/sf/senado/spol/pdf/ReisMulticulturalismo.pdf>. Acesso em 13 agosto 2011. 181 ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 273 e s. 182“Ensemble de ceux qui sont considérés comme des hommes raisonnables et compétents en la matière”. PERELMAN, Chaïm. Logique Juridique: Nouvelle Réthorique. Deuxième édition. Paris: Dalloz, 1979, p. 122.

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assemelha a uma janela que abre para os olhos uma inesgotável multiplicidade de

horizontes.

Entretanto, o ontologismo axiológico pode levar à desconsideração da

pluralidade ética, pois aquele que assume que tem a compreensão da verdade se fecha

para possibilidades postas além das fronteiras do que concebe como verdadeiro: a ótica

da verdade pode significar a invisibilidade do outro. O dogmatismo pode ser uma

espécie de escudo contra os discursos dos adversários, enfraquecendo as possibilidades

da retórica no campo dos argumentos que se contrapõem à perspectiva assumida como

verdadeira. Apesar do reconhecimento do domínio da verdade não ser algo que se opõe

à retórica (pois esta serve como instrumento útil à comunicação e afirmação do que é

visto como verdade), tal juízo minimiza a capacidade persuasiva dos argumentos que

discordam do que é concebido como verdadeiro, e, portanto, reduz a força da retórica no

plano dos discursos contrapostos à “verdade”.

Quando transposta do plano teórico para a legislação ou a jurisdição, a idéia

de que um valor acolhido pelo direito é uma verdade ética pode dificultar a abertura do

direito para valores distintos. No âmbito legislativo, quando a visão totalizante toma os

olhos de parlamentares (assim como ocorre em relação a qualquer sujeito), ela tem a

força de polarizar as concepções apresentadas nos debates, situando-as, por um lado, no

campo que é visto como o da verdade ética e, por outro lado, no campo das idéias que se

opõem à verdade. Dessa maneira, o ontologismo axiológico é capaz de reduzir a

possibilidade de aceitação de propostas que envolvam valores contraditórios à

“verdade” ética já firmada pelo direito, podendo constituir um obstáculo para debates

efetivos em torno da modificação de textos normativos (que servem de fundamento para

as determinações de sentidos das quais surgem normas jurídicas nas decisões judiciais,

ou que servem, ao menos, como fundamento aparente para legitimar decisões que

partem de outras bases, como os preconceitos dos julgadores).

Como exemplo de uma concepção ética ontológica que dificulta a abertura

para o diálogo com perspectivas divergentes em esferas legislativas, pode-se mencionar

a idéia de que a vida humana tem um valor intrínseco e inviolável, independente de

qualquer processo histórico ou contexto social. Conforme apontou Ronald Dworkin, tal

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idéia representa, no mundo inteiro, a base mais poderosa da proibição a todas as formas

da eutanásia, estabelecendo fortes obstáculos para a aceitação dos argumentos a favor

dessa prática183 (como a dignidade do paciente e a liberdade de escolha para abreviar a

vida quando não há cura para uma enfermidade que provoca grande sofrimento). Assim,

tal alicerce ontológico da condenação à eutanásia dispõe uma impenetrabilidade ética

em relação aos discursos favoráveis à legalização, minimizando a capacidade de

persuasão dos argumentos nesse sentido, e, portanto, as possibilidades da retórica.

Já no âmbito judicial, a admissão de concepções éticas ainda não acolhidas

por normas jurídicas (que são resultados de interpretações) pode ser feita quando o

julgador segue diferentes rumos interpretativos, seja por entender textos e/ou fatos de

maneiras distintas das que são estabelecidas, ou por dispor de um novo texto que

descerra novos caminhos para a interpretação. Porém, a flexibilidade interpretativa que

abre espaço para valores que não encontram respaldo em normas jurídicas pode ficar

engessada em razão do ontologismo axiológico. Quando um valor acolhido por

orientações interpretativas é visto como verdade ética pelo julgador, essa visão pode

dificultar que ele siga caminhos da interpretação diversos. Assim, por exemplo, nos

ordenamentos jurídicos em que a união homoafetiva não tem proteção do direito, a

concepção ontológica de que só a união heterossexual é correta diante de Deus pode ser

uma barreira para o rumo interpretativo que disponha que o princípio da igualdade

impõe tal proteção (rumo o qual foi percorrido pelo Supremo Tribunal Federal, que

consagrou uma interpretação desse princípio que representa uma abertura no

ordenamento jurídico brasileiro à perspectiva ética de que os homossexuais merecem

um tratamento igualitário em relação aos heterossexuais184).

Contudo, diante da pretensão democrática de abertura política aos anseios

dos vários segmentos sociais que constituem o povo, e da impossibilidade do direito

183 DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 95 e s. e p. 302. 184 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 – DF. Relator: Ministro Ayres Brito. Decisão unânime. Brasília, 05. 05. 2011. DJE nº 89. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=400547&tipo =TP&descricao=ADI%2F4277>. Acesso em 01 de agosto de 2011.

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abrigar todos esses anseios (que são muitas vezes contraditórios entre si), é adequado

que os procedimentos legislativos e jurisdicionais não sejam campos fechados para a

consideração de perspectivas éticas não contempladas pelas interpretações das quais

surgem as normas jurídicas (os textos normativos são apenas significantes, pré-formas

da norma, a qual é o significado185). A abertura para dialogar com as divergências é uma

forma de afirmação do ideal democrático, e essa “permeabilidade” não traduz a

aceitação de toda postura ética, mas sim o diálogo construído sobre a “possibilidade do

outro", e não apenas sobre o “erro do outro". No debate que parte de uma concepção

vista como verdadeira, o indivíduo que assume previamente que tem a posse da verdade

tende a realizar um “monólogo” sob a aparência de diálogo. Tal abertura, portanto,

cumpre a finalidade de conferir visibilidade e voz à divergência em procedimentos dos

quais emana o direito, servindo os debates como uma filtragem pela qual a perspectiva

que ainda não é acolhida pelo direito será admitida ou não.

Não obstante, em razão da dificuldade ou mesmo impossibilidade de sua

concretização plena, pode-se opor que tem contornos de utopia a idéia de que a ordem

jurídica seja um campo aberto para concepções éticas por ela ainda não acolhidas. Mas

mesmo se for vista como utopia, essa idéia representa uma busca que pode provocar

efeitos sociais desejáveis. Como pensou Eduardo Galeano, se a utopia é algo que não se

alcança, por mais que se caminhe na sua direção (como um ponto no horizonte que se

afasta dois passos quando damos dois passos), serve ao menos para não deixemos de

caminhar186.

Porém, a permeabilidade do direito exige restrições, pois há posturas éticas

que têm um grande potencial destrutivo da possibilidade de abertura do direito a

divergências, como é o caso do neonazismo. A limitação na permeabilidade jurídica,

desse modo, é uma condição de preservação da sua própria possibilidade de existir, e é

necessário o fechamento do direito a concepções éticas que se opõem ao ideal

185 MÜLLER, Friedrich. O Novo Paradigma do Direito: Introdução à teoria e metódica estruturantes. Tradução de Ana Paula Barbosa-Fohrmann, Dimitri Dimoulis, Gilberto Bercovici e outros. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 11. 186 GALEANO, Eduardo. As palavras andantes. Tradução de Eric Nepomuceno. 4ª. Edição. Porto Alegre: L&PM, 1994, p. 310.

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democrático de abertura às divergências. Contudo, é uma questão problemática a

definição dos limites de aceitação de manifestações de intolerância, e a própria

identificação de quais são as posturas éticas opostas à democracia e ao ideal de abertura

pode dar lugar ao dissenso. Com efeito, falar da necessidade de fechamento do direito a

perspectivas negativas da democracia é abordar um assunto complexo e multifacetado.

Afinal, a grande vagueza e ambigüidade do termo “democracia”, o qual está no centro

desse debate, permite reunir sob tal rótulo uma pluralidade de concepções diversas.

Mesmo que em um determinado contexto haja um exemplo em torno do qual exista

concordância sobre a presença do caráter democrático, esse consenso pode ser apenas a

manifestação de que há pontos de acordo entre diferentes concepções de democracia.

Por outro lado, tal como foi observado por W. B. Gallie, a controvérsia sobre termos

como “democracia” e “obra de arte” pode ser explicada, em alguma medida, pelo fato

de que pessoas diferentes interpretam diferentemente exemplos paradigmáticos em

relação aos quais há um consenso de que os termos deveriam ser aplicados187. Dessa

maneira, o quadro “Guernica”, de Pablo Picasso, pode ser visto como um exemplo

paradigmático de obra de arte, mas diferentes interpretações em torno desse modelo de

expressão artística podem conduzir a diferentes concepções sobre o que é uma obra de

arte. Do mesmo modo, o plebiscito e a liberdade de imprensa podem ser vistos como

exemplos paradigmáticos do que é uma manifestação da democracia, mas diferentes

interpretações acerca desses modelos de experiência democrática podem levar a

divergências no entendimento do que é a democracia.

Não pretendemos, todavia, nos lançar sobre essa complexa tarefa de

identificar os discursos contrários à democracia e à permeabilidade jurídica, mas apenas

mencionar a necessidade de que a abertura para a divergência tenha limites.

Portanto, diante das considerações que foram feitas acima, entendemos que

a revivescência do ontologismo axiológico no campo das idéias jurídicas representa o

florescimento de uma postura ética que pode ser problemática em relação ao ideal

democrático de abertura ao dissenso.

187 GALLIE, W. B. Apud BIX, Brian. Law, Language, and Legal Determinacy. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 55.

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3. Adequação da postura opinativa à busca da permeabilidade jurídica

e fundamentos filosóficos para um olhar carente de verdades

Apesar de discursos totalizantes sobre a ética poderem envolver posturas

inflexíveis, também é possível, por outro lado, que abram espaços para a divergência e

não sejam inadequados a auditórios caracterizados pela carência de comunhão de idéias

e valores. Nesse sentido, os discursos afirmativos da universalidade dos direitos

humanos de igualdade e liberdade de expressão representam uma ética que busca

promover a integração jurídica das diferenças, protegendo a heterogeneidade no

entendimento sobre o mundo e nos modos de vivenciá-lo. A moral universalista que

esses discursos pressupõem corresponde a uma moral do dissenso188 e eles podem ser

eficientes em auditórios sem homogeneidade. Não implicam a compreensão de que há

uma racionalidade uniforme capaz de persuadir qualquer interlocutor racional, e buscam

assegurar uma melhor convivência entre visões divergentes. Ademais, os termos

“igualdade” e “liberdade de expressão” são muito amplos, o que confere a tais discursos

uma elevada capacidade retórica de neutralizar divergências, pois a vagueza e a

ambigüidade têm uma força de provocar consensos aparentes, que escondem a falta de

acordo quanto aos significados. Assim, por exemplo, um orador pode obter uma fácil

adesão do auditório heterogêneo quando exprime que é a favor da liberdade de

expressão, mas se houver um aprofundamento dos debates que leve a uma discussão

sobre o que é a liberdade de expressão e quais são os seus limites, provavelmente o

dissenso terá vez.

Porém, como já foi observado neste texto, o ontologismo axiológico não

deixa de apresentar o seu lado que dificulta a integração jurídica das diferenças. A

noção de que valores têm um caráter absoluto, a qual ganhou novo fôlego no

pensamento jurídico, pode representar um fechamento à diversidade. E isso nos leva a

pensar que uma postura opinativa sobre os valores fundada numa atitude filosófica que

188 NEVES, Marcelo. La Fuerza Simbólica de los Derechos Humanos. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 27, p. 153, 2004.

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não afirma verdades éticas é a mais adequada ao ideal (à utopia) de tornar o direito um

campo aberto para o diálogo efetivo com as concepções éticas por ele ainda não

acolhidas. Com efeito, a postura opinativa dá espaço para o questionamento sobre os

próprios pontos de vista: demarcar uma visão como opinião é admitir a possibilidade de

que não corresponda à verdade, ou mesmo reconhecer que não abarca a verdade,

quando se julga impossível a apreensão desta. Sob a ótica opinativa, a retórica não é um

instrumento de afirmação de uma verdade que pode representar uma barreira para

argumentos opostos (limitando a retórica dos adversários), mas sim um poder que serve

de um modo mais equivalente o discurso diverso. Dessa maneira, a postura opinativa é

mais aberta do que o ontologismo axiológico para a consideração do que é alheio ou

mesmo contraditório, e permite transigência para lidar com as divergências, com a

pluralidade de perspectivas éticas.

Contudo, a carência de verdade ética não pressupõe a fraqueza de valores e

a admissão de toda perspectiva. Se a atitude opinativa pode traduzir niilismo e falta de

firmeza em torno dos valores, pode também, por outro lado, ser uma base forte para a

ética. A verdade não é o único alicerce para o bem e o mal, e a opinião pode ser um

campo de afirmação de valores e idéias, em que há emissão de juízos (não definitivos) e

a consideração de que algumas concepções são melhores do que outras. O razoável e

provavelmente certo são guias para o conhecimento e para a ética, para o pensamento e

para a ação189, e conduzem a juízos de valor e à aceitação ou recusa de determinados

pontos de vista. Desse modo, a disposição opinativa não implica o esvaziamento dos

valores, e permite uma abertura para a diversidade que se ajusta ao ideal da

permeabilidade do direito.

No que se refere aos fundamentos filosóficos da atitude ética opinativa,

pode-se dizer que a falta da consideração de que se tem o domínio de verdades éticas

absolutas reflete uma prudência sobre os juízos. Um dos fatores que justificam essa

cautela é o grande complexo de narrativas contraditórias entre si acerca dos valores.

Perante as várias faces do bem e do mal, há lugar para a dúvida sobre quais são os seus

rostos verdadeiros. A observação de que diversas culturas, povos e mesmo indivíduos 189 ARCESILAU. Apud BURY, R. G. Introduction. In: SEXTUS EMPIRICUS. Outlines of Pyrrhonism (Pyrrhoniae Hypotyposes – PH I, II e III). Translated by R.G. Bury. Cambridge: Harvard University Press, 1976, p. xxxiii.

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inseridos em um ambiente comum manifestam perspectivas éticas conflitantes torna

cabível uma atitude filosófica que se conforma ao pirronismo. Sob tal posicionamento,

há a suspensão de juízos definitivos em torno da posse da verdade em virtude da

percepção da relatividade das relações e da igualdade de forças (isostenia) entre

concepções distintas no que diz respeito à probabilidade ou improbabilidade190.

Ademais, a ausência do reconhecimento de que se tem o domínio da

verdade ética também é justificada diante da desconfiança de que os valores não são

mais do que fatores históricos, do que elementos culturais ligados a contextos. A idéia

de que existe uma ética universalmente válida, a qual independe da história e extrapola

qualquer contexto, parece ter base, de um modo geral, na falta de sentido histórico do

pensamento. Afinal, o contexto histórico dispõe necessidades, práticas, relações de

poder e crenças, entre outros elementos, que influenciam as interpretações do mundo, as

maneiras de vivenciá-lo, e condicionam a ética. Os fatores históricos (como a economia,

a política, a tecnologia, a violência, etc.) constroem, transformam, conservam e

destroem os valores. As concepções éticas dependem, em sua formulação e justificação,

de circunstâncias históricas que constituem o ambiente em que são situadas, e o que é

dito como verdadeiro e universal parece ser apenas “uma soma de relações humanas,

que foram enfatizadas poética e retoricamente [e também pelas vias da violência],

transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e

obrigatórias”191.

Para exemplificar que elementos históricos determinam valores e que o bem

e o mal têm múltiplas aparências, podemos observar alguns aspectos da difusão no

ocidente da concepção cristã sobre o valor da vida, e a abertura para a conduta de tirar a

vida que tinha lugar em contextos históricos anteriores à ascensão do cristianismo.

No ocidente, a proteção à vida sob a idéia de que ela tem um valor

intrínseco e inviolável foi configurada, fundamentalmente, após a emergência do

190 SEXTUS EMPIRICUS. Outlines of Pyrrhonism (Pyrrhoniae Hypotyposes – PH I, II e III). Translated by R.G. Bury. Cambridge: Harvard University Press, 1976, p. 21-93. 191 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral. In: Obras incompletas. Coleção Os Pensadores. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 48. (1)

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cristianismo na Europa192. Antes do triunfo do cristianismo, a cultura ocidental era mais

permissiva a respeito do ato de tirar a vida. Apontando para tal permissividade,

discorreu Durkheim, no seu estudo sobre o suicídio, acerca de um tipo dessa prática o

qual chamou de suicídio altruísta, e que identificou como algo comum em povos

primitivos193. A esse tipo de suicídio foi dado tal nome porque se refere a manifestações

de renúncia individual diante de valores compartilhados por um grupo social,

representando a melhor conduta. Nesse gênero, foram inseridos casos em que idosos

tinham o dever de se matar, sendo punidos com a desonra, e, muitas vezes, com castigos

religiosos, em caso de desrespeito a essa regra. Umas das explicações para isso

Durkheim encontrou na idéia de que é no chefe de família que reside o espírito que a

protege, e que esse espírito passa pelos mesmos estados de saúde e de doença do

indivíduo em que estiver presente, também envelhecendo ao mesmo tempo. O

envelhecimento do chefe de família, assim, representaria o enfraquecimento do espírito

protetor, algo contrário ao interesse do grupo194. Desse modo, uma crença religiosa

dispôs um significado positivo no abreviamento da vida, e estabeleceu um valor

afirmativo da prática do suicídio.

Também demonstra permissividade em relação ao ato de tirar a vida o fato

de que em cidades-estados da Grécia antiga o suicídio era uma conduta tão aprovada

que magistrados portavam porções de veneno para qualquer um que desejasse morrer195.

Já em Roma, devido à influência dos estóicos, a idéia de morrer bem era considerada

um valor máximo, parte de uma vida nobre, sendo permitido o suicídio em caso de

dolorosas doenças terminais196. Contudo, com a ascensão do cristianismo, a vida passou

a tomar um novo significado em virtude dos rumos que tomaram duas crenças

192 SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 98 e 99; Idem. Unsanctifying human life. Massachusetts: Blackwell Publishers, 2002, p. 228-30. 193 DURKHEIM, Émile. Suicídio. Tradução de Luz Cary, Margarida Garrido e J. Vasconcelos Esteves. Lisboa: Editorial Presença, 1977, p. 243-74. 194Ibidem, p. 247. 195 ADMIRAAL, Pieter. Euthanasia and assisted suicide. In: Birth to death: science and bioethics. New York: Cambrigde University Press, 2003, p. 208 e s. 196 Ibidem, p. 208 e s.

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fundamentais: a crença na imortalidade da alma e a crença na indisponibilidade da vida.

Em razão da primeira, tirar a vida humana assumiu o significado de conduzir a pessoa

ao seu destino eterno, e, em virtude da segunda, a vida passou a ser tomada como algo

pertencente a Deus, de que o ser humano não poderia dispor, sendo um direito divino a

escolha de quando devemos viver e morrer197. Tais crenças e as posturas éticas nelas

fundamentadas foram profundamente sedimentadas na cultura européia durante os

séculos em que foi dominada pelo cristianismo.

A partir do século XV, com o colonialismo, o universo europeu passou por

um processo de expansão e de imposição cultural e econômica em razão do qual a ética

cristã (representando a ética dos dominadores) foi elevada a uma situação de

predominância no ocidente. Com efeito, o triunfo que houve no mundo ocidental da

concepção cristã de que a vida tem um valor intrínseco, sagrado e inviolável é um

elemento da projeção do mundo europeu sobre outros contextos históricos. A grande

difusão do cristianismo e da sua ética no ocidente não é decorrente das verdades que

podem envolver, mas sim de processos históricos de dominação.

Em relação às faces que apresentam o bem e o mal, pode-se dizer que a

concepção firmada pelo cristianismo representa somente uma entre diversas outras

visões a respeito do valor da vida que tiveram ou que ainda têm espaço nos horizontes

da história. E há também a pretensão de abarcar verdades éticas entre os pontos de vista

distintos da perspectiva cristã, como no caso da afirmação religiosa do suicídio altruísta.

Dessa maneira, há espaço para que se trilhe o caminho pirrônico em direção à suspensão

de juízos definitivos. Pode-se fazer uma oposição, nesse sentido, entre a idéia cristã de

que o suicídio é sempre uma violação ao valor da vida e a idéia que dispõe tal conduta

como algo desejável em razão da necessidade de preservação da força do espírito

protetor do grupo. Cada uma das duas é considerada verdadeira pelos seus defensores,

tendo cada qual uma explicação de origem divina para o valor defendido, baseado na fé.

197 SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 98 e 99; Idem. Unsanctifying human life. Massachusetts: Blackwell Publishers, 2002, p. 228-30; TRAN, Peter Hung Manh. How Christians overcame the culture of death. Newsweekly, Melbourne, September 19, 2006. Disponível em: <http://www.newsweekly.com.au/articles/2006aug19_b1.html>. Acesso em 9 de agosto de 2011.

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É cabível entender, entretanto, que são duas perspectivas dotadas de uma mesma força,

de uma mesma probabilidade ou improbabilidade, e que permitem a suspensão do juízo

sobre se o suicídio é uma conduta intrinsecamente boa ou má.

Todavia, a dependência de circunstâncias históricas e a ausência de uma

visão única sobre o bem e o mal parecem ser condições gerais da ética, as quais são

dispostas sobre qualquer valor. E tais condições permitem a falta do reconhecimento de

que se tem a posse de verdades éticas, constituindo fundamentos filosóficos para a

postura opinativa, que, em razão de dispor o poder da retórica de um modo mais

equivalente em relação ao discurso diverso, é mais adequada do que ontologismo

axiológico ao ideal da permeabilidade do direito. Portanto, é cabível a desconfiança de

que a ética é um palco no qual há apenas o espetáculo do trânsito entre opiniões, e no

qual a retórica desempenha (em conjunto com outros elementos, tal como a violência)

um papel que tem a força de determinar quais opiniões usarão, em triunfo, a máscara de

verdade.

4. A visibilidade do espaço da retórica na justificação das decisões

judiciais em face da ênfase na indeterminação do direito

De acordo com o que já indicamos neste capítulo, pode-se dizer que o

pensamento jurídico atual é marcado por um horizonte retórico aberto para a linguagem

valorativa (característica que deu lugar a uma revivescência de discursos afirmativos de

“verdades” éticas) e pela perda de força da oposição entre criar e aplicar o direito.

Entretanto, depois de termos refletido sobre aspectos da problemática referente ao

ontologismo axiológico e à permeabilidade jurídica, passamos, agora, a projetar o foco

de análise na questão do reconhecimento da indeterminação do direito e na visibilidade

do espaço da retórica na justificação das decisões judiciais.

Com efeito, assim como a atitude valorativa, o entendimento de que o

direito é constituído por processos interpretativos pode funcionar como um ponto de

articulação entre abordagens heterogêneas que integram o cenário da teoria jurídica

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recente198. Em tal cenário – no qual o protagonismo deixou de ser desempenhado pelo

legislador e o julgador (intérprete) passou a ser visto como o personagem

proeminente–, a insistência nos problemas da interpretação e a ênfase na indeterminação

do direito provocaram uma “guinada interpretativa”, e, desse modo, o centro de análise

do direito passou a ser a decisão e a aplicação.199

Entre os fatores que contribuíram para que as questões sobre a interpretação

ocupassem um lugar central na teoria do direito e na filosofia do direito, podemos

destacar a guinada lingüística (linguistic turn) da filosofia no século XX – que tornou a

linguagem o eixo dos problemas filosóficos, os quais passaram a ser realçados como

problemas em torno da linguagem ou, ao menos, como problemas dependentes de

questões relativas à linguagem. Esse “giro lingüístico” da filosofia repercutiu no âmbito

das idéias jurídicas recentes, no qual as reflexões acerca da linguagem e da interpretação

manifestam significativa influência de filósofos como Gadamer e Wittgenstein. Em

relação a esse último autor, pode-se dizer que o seu trabalho tardio – o qual tem o título

de “Philosophische Untersuchungen” (Investigações Filosóficas) e concebeu a

linguagem como uma condição de possibilidade do conhecimento humano e uma

atividade que não espelha essências200 – inspirou abordagens sobre o direito baseadas na

prática da linguagem, e é uma das obras que apresentam maior prestígio nos debates

sobre a linguagem que têm lugar no campo do pensamento jurídico recente. Entre os

198 JUST, Gustavo. La jurisprudence herméneutique et son horizon: l’interprétation entre ses conditions et ses possibilités. Droits, Paris, nº 40, p. 219, 2004. 199 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 21 I, p. 209-219, 1998; JUST, Gustavo. Guinada Interpretativa. In: Dicionário de Filosofia do Direito. Coordenação de Vicente de Paulo Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, Unisinos, 2006, p. 395. 200 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2006, p. 126 e s.; WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical Investigations. The German Text, with a Revised English Translation. Anniversary Commemorative Edition. Translated by G.E.M. Ascombe. Third edition. Singapure: Blackwell Publishing, 2001, p. 27 e s.

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teóricos do direito influenciados pela filosofia da linguagem de Wittgenstein, estão

Hart201, Marmor202 e Bix203 e Waldron204.

Já em relação a Gadamer (o qual compreendeu que “todo entendimento é

interpretação, e toda interpretação acontece por meio de uma linguagem”205), o seu

pensamento também tem uma repercussão expressiva nas idéias jurídicas, como é

notável na chamada “jurisprudência hermenêutica”. Essa corrente teórica, que foi

constituída principalmente no decorrer das décadas de 1960 e 1970, tem entre seus

protagonistas autores como Josef Esser, Friedrich Müller e Konrad Hesse, e recebeu da

hermenêutica filosófica, sobretudo de Gadamer, uma influência direta no que diz

respeito às teorizações acerca da interpretação e do raciocínio jurídico206.

Ademais, ao lado da guinada lingüística da filosofia, também podemos

destacar a constitucionalização do direito – ocorrida na Europa continental e na América

latina na segunda metade do século XX – entre os fatores que contribuíram para o

surgimento da crise de indeterminação dos textos normativos. Com tal processo, a

constituição passou a ter uma força normativa com contornos firmes, deixando de ser

um mero programa para o Estado, e os princípios gerais do direito (então relegados ao

papel secundário de algo que não se sobrepõe à lei, mas que é depreendido da lei para

preencher as obscuridades e omissões do direito) foram convertidos em princípios

201 Sobre a influência de Wittgenstein na obra de Hart, ver BIX, Brian. Questões na interpretação jurídica. In: MARMOR, Andrei (Org.). Direito e Interpretação: Ensaios de Filosofia do Direito. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 206-212; e MARMOR, Andrei. Interpretation and Legal Theory. 2nd ed. Oxford: Hart Publishing, 2005, p. 100-101. 202 MARMOR, Andrei. Interpretation and Legal Theory. 2nd ed. Oxford: Hart Publishing, 2005, p.95-118. 203 BIX, Brian. Law, Language, and Legal Determinacy. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 36-62. 204 WALDRON, Jeremy. Vagueness in Law and Language: Some Philosophical Issues. California Law Review, Berkeley, nº 03, Vol. 82, p. 509-540, may, 1994, p. 516-521. 205 “All understanding is interpretation, and all interpretation takes place in the medium of a language […]”. GADAMER, Hans-Georg. Truth and Method. 2nd ed. Revised. London: Continuum, 2006, p.390. 390. 390. 390. 206 JUST, Gustavo. La jurisprudence herméneutique et son horizon: l’interprétation entre ses conditions et ses possibilités. Droits, Paris, nº 40, p. 219-220, 2004.

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constitucionais, assumindo a superioridade e hegemonia na pirâmide normativa207. No

entanto, o Poder Judiciário passou a desempenhar o protagonismo no controle de

constitucionalidade, e esse papel foi disposto em um plano constitucional em que textos

com amplo grau de abertura (os princípios) passaram a ter uma importância central, o

que acentuou a visibilidade da incerteza dos textos normativos e da atividade

construtiva de significados que exerce o julgador.

Entretanto, se tornou mais nítido que o texto não representa um rumo que

leva a um mesmo ponto, mas algo que mais se assemelha a uma encruzilhada, a um

lugar onde vários caminhos se cruzam ou podem se cruzar. Desse modo, ficou mais

visível na argumentação judicial o campo da retórica: a contingência, “o que parece que

pode ser resolvido de dois modos”208. De algo que demonstra o direito previamente

determinado (apreendido pelo aplicador em virtude da sua evidência ou pela superação

da falta de clareza por meio de cânones da interpretação), a argumentação judicial passa

a ser realçada como uma atividade que se desdobra sobre o que é incerto, tendo a função

de apresentar um entendimento sobre o que pode ser visto de diversas maneiras, sem

que a variedade de perspectivas represente falhas dos intérpretes. Nesse sentido, por

exemplo, Friedrich Müller fez uma separação entre texto e norma sob a compreensão de

que o direito só surge como resultado da interpretação, sendo os textos legais apenas

“pré-formas legislatórias da norma jurídica, que por sua vez está por ser produzida no

decurso temporal da decisão”209. Assim, ante o reconhecimento da indeterminação do

direito, é ampliada a visibilidade do espaço da retórica na justificação das decisões

judiciais, pois a argumentação deixa ser demarcada como um momento no qual se

aponta o sentido inerente da norma (visto como algo que, ordinariamente, transparece

207 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Org.). Constituição e Crise Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 99 e s.; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 289 e s. 208“Lo que parece que puede resolverse de dos modos”. ARISTÓTELES. Retórica. Introducción, traducción y notas por Quintín Racionero. Madrid: Editorial Gredos, 1994 . p. 182 e 183 (I, 2, 1357a 5-8). 209 MÜLLER, Friedrich. O Novo Paradigma do Direito: Introdução à teoria e metódica estruturantes. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 11.

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por si só em razão da clareza210, dispensando esforços argumentativos para sua

demonstração), e ganha o papel de apresentar uma perspectiva entre outras possíveis

sobre o texto, de demonstrar o direito que surgiu no caso.

Dessa maneira, perante a idéia de que o julgador produz direito a partir da

incerteza dos textos normativos, o espaço da retórica na argumentação judicial não

permanece obscurecido na atividade de demonstrar caminhos cognitivos pelos quais se

chegou ao significado inerente da norma, entendida como uma disposição ética pré-

determinada. À luz de tal idéia, é ampliado o espaço argumentativo (e,

conseqüentemente, o domínio da retórica), o qual passa a englobar a justificação da

decisão que reflete uma escolha do juiz diante da contingência do significado do texto, e

que é uma construção ética própria, não um veículo de expressão de opções éticas pré-

constituídas e alheias à esfera jurisdicional. Sob essa ótica, a argumentação justificatória

não é delineada como uma mera forma lógica de apresentação de disposições éticas

alheias, e pode abarcar juízos de valor do julgador que levaram a um determinado

caminho interpretativo. Pode-se dizer, ademais, que a elasticidade em torno do

significado dos textos normativos dá lugar para que o juiz decida a partir dos seus

valores, crenças e preconceitos, e apenas posteriormente escolha entre os significados

possíveis aquele que se conforma à sua decisão.

Portanto, a ênfase na indeterminação do direito constituiu um campo fértil

para o florescimento dos estudos retóricos e das teorias da argumentação que houve no

pensamento jurídico na segunda metade do século passado. Nesse sentido, observa-se

que o eixo das reflexões jurídicas acerca da argumentação é composto pelos hard cases,

em que a pluralidade de caminhos interpretativos é disposta como um dos aspectos

centrais do problema da justificação da decisão judicial211.

210DASCAL, Marcelo; WRÓBLEWSKI, Jerzy. Transparency and doubt: understanding and interpretation in pragmatics and in Law. Law and Philosophy, New York, nº 7, 203-224, 1988, p. 203 e s. 211 AARNIO, Aulis. Lo Racional como Razonable: Un tratado sobre la justificación jurídica. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 23 e s.; ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2003, p. 18 e s.

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Todavia, pode-se reconhecer que a retórica e a argumentação se desdobram

sobre um plano de incerteza que também abarca os ditos clear cases ou easy cases, nos

quais a solução a ser dada na decisão parece ser clara, óbvia. A clareza que se manifesta

em tais casos não é do texto, mas é uma construção contextual na qual a retórica

desempenhou um papel constitutivo, é o resultado de um contexto interpretativo em que

um conjunto de intérpretes estabeleceu acordo quanto ao sentido do texto em relação a

determinados tipos de caso. E a clareza não é do texto em si porque a linguagem tem um

caráter dinâmico, e as ligações entre significantes e significados são múltiplas e não

definitivas, postas em permanente modificação pela prática, pelo uso. A respeito do

caráter dinâmico das palavras, discorreu Brian Bix:

Se algumas pessoas começassem a usar “vaca” para significar cavalo, os escritores de dicionários e outros guardiões do uso adequado iriam rotular aquele uso como “incorreto”. Porém, se pessoas suficientes admitissem aquele uso, com o tempo ele se tornaria aceitável, e talvez padrão (passando de idioleto a dialeto ao uso aceito). Similarmente, em um certo nível da análise jurídica, não há diferença prática [...].212

A clareza, assim, surge como algo circunstancial, referencial, relativo, e não

está no objeto da observação (o texto), mas nos olhos do observador (intérprete).

Decorrente do acordo quanto ao significado em uma comunidade de intérpretes,

expressa uma orientação interpretativa, envolvendo uma atividade produtiva de

significado. E, em virtude da ausência de fronteiras definitivas nas palavras, a “clareza”

deixa sempre abertura para que discordâncias possam surgir. Desse modo, se o

intérprete segue o caminho que lhe apresenta a clareza, não reproduz um significado

intrínseco ao texto (algo que não existe), mas estabelece uma ligação entre significante e

significado que é tão comum em um contexto interpretativo que gera uma aparente

evidência.213

212 If some persons started using “cow” to mean horse, the writers of dictionaries and other guardians of proper usage would label that usage as “incorrect”. However, if enough people took up that usage, with time it would become acceptable, and perhaps standard (moving from idiolect to dialect to accepted usage). Similarly, at a certain level of legal analysis, there is no practical difference […]. BIX, Brian. Law, Language, and Legal Determinacy. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 65. 213DASCAL, Marcelo; WRÓBLEWSKI, Jerzy. Transparency and doubt: understanding and interpretation in pragmatics and in Law. Law and Philosophy, New York, nº 7, 203-224, 1988.

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No entanto, diferentemente da idéia de clareza do texto, que obscurece o

papel da retórica (pois a argumentação tem pouco ou nenhum valor diante de algo que

só pode ser de uma maneira e que só pode ser visto sob uma mesma forma), a clareza

contextual é um espaço retórico. Afinal, considerando que os textos permanecem

incertos, e que a clareza reflete uma orientação interpretativa vencedora entre as

possíveis, a retórica serve para a sua construção, para a sua manutenção e para a sua

superação. Neste sentido, tem uma força considerável a sentença de Fernando Pessoa:

“O ambiente é a alma das coisas. Cada coisa tem uma expressão própria, e essa

expressão vem-lhe de fora”214. Desse modo, podemos observar os sentidos do mundo e

dos textos como expressões que não são intrínsecas, e que na elaboração da “alma das

coisas” a retórica é um elemento fundamental.

214 PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 88.

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CONCLUSÃO: O discurso teórico jurídico como um horizonte inafastável

da retórica, a necessidade de mais pertinência na caracterização do

juspositivismo por partidários do “pós-positivismo” e a precisão de

posturas éticas construídas sobre a plataforma da tolerância

Considerada como faculdade de identificar os meios para usar eficientemente os

signos lingüísticos, a retórica é a arte que permite compor o discurso adequado em relação a

um determinado contexto, é a arte de esculpir na linguagem os elementos que a podem tornar

eficiente – fazendo dela matéria-prima para a fabricação de “realidades” artificiais. Nesse

sentido, a retórica representa uma força fundamental na construção do discurso teórico

jurídico, e demarca limites para o uso apropriado da linguagem mesmo quando a retórica na

dimensão teórica é desprezada ou ignorada pelo indivíduo que fala ou escreve. Com efeito, o

germinar do positivismo jurídico, na passagem dos séculos XVIII e XIX, coincidiu com o

período de decadência dos saberes sobre a retórica, os quais, seguindo um processo de

desvalorização que se desdobrou pela modernidade, foram então obscurecidos. Contudo,

apesar de tal horizonte histórico ter vivenciado um ocaso das teorizações sobre a retórica, ela

representou, então, uma força que delineou o discurso juspositivista, conduzindo teóricos do

direito em direção à busca de adequar o saber jurídico aos limites de um discurso científico

(busca que fez florescer, no cenário das idéias jurídicas, a atitude pretensamente avalorativa e

o formalismo215). A própria distinção entre criar e aplicar o direito, a qual foi marcante no

juspositivismo no período em que foi abandonada a dimensão teórica da retórica, figura como

um relato, como uma representação feita por meio da linguagem. Dessa maneira, apesar de

minimizar (aparentemente) o espaço da retórica na justificação das decisões judiciais, tal

distinção se serve da retórica, já que “a linguagem ela mesma é o resultado de artes puramente

retóricas”216. Entretanto, sob a perspectiva de que a linguagem é um universo retórico, é

cabível dizer que o discurso teórico jurídico figura como um horizonte inafastável da retórica.

Com as transformações que ocorreram no seu âmbito durante a segunda metade

do século XX, o pensamento jurídico descerrou novos rumos teóricos, mas a retórica

215 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 131 e s. 216 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Da Retórica. Tradução de Tito Cardoso e Cunha. 1ª edição. Lisboa: Veja, 1995, p. 44-46.

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permaneceu (como incessante arte de modelar linguagens) a determinar roteiros para o

discurso teórico jurídico. No entanto, a consciência da construção interpretativa do direito

fragilizou o ideal de previsibilidade da atuação estatal e tornou mais visível o campo da

retórica na atividade de justificar decisões judiciais – fazendo da argumentação jurídica, dessa

maneira, uma esfera favorável para a revivescência das teorizações sobre a retórica no direito.

Por outro lado, perante a teoria jurídica foi enfraquecida a retórica do discurso científico,

sendo estabelecido um horizonte retórico aberto para discursos que assumem uma abordagem

valorativa.

Entretanto, é cabível observar que, diferentemente da atitude valorativa que

refloresceu no cenário da teoria jurídica recente, a postura pretensamente científica afastou

discursos afirmativos de “verdades” éticas e conteúdos jurídicos necessários, concentrando as

pretensões de verdade na descrição do direito. Efetivamente, o juspositivismo despontou

como uma orientação que distanciou o discurso teórico jurídico do ontologismo axiológico,

que sobressai na tradição do pensamento jurídico ocidental – a qual foi dominada, até a

ascensão do positivismo, por um conjunto heterogêneo de teorias jusnaturalistas. No entanto,

entendemos que a postura teórica formalista e pretensamente neutra erguida pela retórica do

discurso científico não apresenta obstáculos ao ideal da permeabilidade jurídica. O argumento

de que o formalismo jurídico se converteu em uma atitude de apoio a regimes totalitários –

contrapostos ao ideal democrático de permeabilidade jurídica – é, sobretudo, um artifício

retórico, conforme observamos, e não serve como uma indicação pertinente de que a retórica

do discurso científico acabou dando lugar a posturas afirmativas de concepções éticas

contrárias à abertura do direito a divergências. Compreendemos, a esse respeito, que aqueles

que utilizam tal argumento – entre os quais estão autores que se reconhecem como “pós-

positivistas”, a exemplo de Luís Roberto Barroso217 – devem rever os seus fundamentos. Do

contrário, permanecerão a manifestar oposição a “caricaturas” do positivismo jurídico, e não à

trajetória efetiva dessa orientação teórica.

Ademais, não concordamos com a perspectiva de que a análise sobre o direito “se

tornou estéril por sua associação com um preconceito pseudocientífico”218. Sob os limites

demarcados pela retórica do discurso científico, o juspositivismo ofereceu importantes 217 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009 p. 240-242. 218“Has been rendered sterile by its association with a pseudoscientific prejudice”. UNGER, Roberto Mangabeira. What should legal analysis become? London: Verso, 1996, p. 122.

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contribuições para a compreensão do direito, desenvolvendo, por exemplo, a teoria da norma

jurídica e a teoria do ordenamento jurídico219. Todavia, a postura que assume uma abordagem

valorativa representa, no palco das idéias jurídicas, um relevante papel: a crítica de valores,

que pode dispor alternativas para que o direito seja reconstruído para abrigar perspectivas

éticas que nele ainda não são acolhidas. Com efeito, a restrição da teoria jurídica nos limites

de um discurso descritivo e pretensamente neutro levou a uma carência de respostas acerca da

problemática da justiça no direito, e essa significativa carência foi um dos fatores

fundamentais para o desencadeamento, em meados do século passado, da crise do

juspositivismo. No entanto, entendemos que é necessário, em face do ideal de abertura do

direito ao dissenso, que as respostas em torno de tal problemática sejam construídas sobre a

plataforma da tolerância – e não da verdade absoluta – e que os valores que encontram

respaldo em normas jurídicas não sejam tomados como armaduras impenetráveis. Este é um

ponto de partida para a utopia de abertura ao dissenso, é um roteiro para que caminhemos em

direção a ela. E mesmo que jamais a alcancemos, mesmo que ela seja apenas miragem, ela

figura, ao menos, como uma ilusão desejável, que deve ser um modelo para que fabriquemos

“realidades”.

Por outro lado, considerando o tratamento que recebe a ciência no pensamento

jurídico recente, pode-se dizer que há uma persistência do entendimento de que o

conhecimento científico é composto por verdades objetivas. Neste sentido, por exemplo,

Tercio Sampaio apontou que “a ciência é constituída de enunciados verdadeiros, os

enunciados duvidosos ou de comprovação e verificação insuficientes são dela, em princípio,

excluídos”220. Também Cláudio Souto compreendeu que “na procura da verdade científica

[...] o estudioso dos fatos sócio-jurídicos tenta observar esses fatos tal como eles se

apresentam”221. Porém, no campo da filosofia da ciência floresceram perspectivas que

redefiniram a compreensão sobre o conhecimento científico, situando a questão da

cientificidade do saber em horizontes distintos dos que são apresentados pela concepção de

que a ciência é caracterizada pela capacidade de espelhar a realidade com exatidão e

219 A esse respeito, ver BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 147-210; Idem. Teoria Geral do Direito. Tradução de Denise Agostinetti. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2008; KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 220 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 10. 221 SOUTO, Cláudio; SOUTO, Solange. Sociologia do Direito: uma visão substantiva. 3ª edição revista e aumentada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 55-56.

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objetividade. Com efeito, filósofos como Thomas Kuhn222 e Feyerabend223 descerraram

caminhos para a compreensão de que os requisitos para a validação científica de um

enunciado (como a utilização de determinados métodos e instrumentos de análise) refletem

exigências que são expressões contextuais (paradigmáticas) e representam “opiniões” aceitas

(retoricamente estabelecidas) em uma comunidade científica sobre o caminho adequado para

a construção da ciência. Dessa maneira, pode-se dizer que a persistência na idéia de que a

ciência é constituída por enunciados universalmente válidos manifesta uma concepção que é

disposta às margens da crise das metanarrativas (conforme a expressão de Lyotard224) que

marca a epistemologia recente225.

Por sua vez, em relação aos autores que se intitulam “pós-positivistas” (os quais

parecem constituir, no Brasil, “a corrente que predomina nos debates sobre a teoria do

Direito”226), entendemos que apresentam, ordinariamente, caracterizações insatisfatórias do

positivismo jurídico, desconsiderando – conforme observamos – todo um conjunto de

desenvolvimentos teóricos recentes que ostentam o rótulo de “juspositivismo”. Efetivamente,

o uso do termo “pós-positivismo” é marcado pelo reducionismo, e uma análise sobre

abordagens que se apresentam como “juspositivistas” no cenário da teoria jurídica recente

(tais como as de Andrei Marmor227, Joseph Raz228 e Jules Coleman229) pode expor que

características referidas como pertencentes ao paradigma pós-positivista (tais como a ênfase

na indeterminação do direito e a atribuição de força normativa aos princípios) são comuns em

teorias positivistas. Entretanto, para que os oponentes do positivismo jurídico – sob o rótulo

222 KUHN, Thomas. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: The University of Chicago Press, 1970, p. 111-136. 223 FEYERABEND, Paul. Realism, Rationalism and Scientific Method: Philosophical Papers. New York: Cambridge University Press, 1981, p. 04 e s.

224 LYOTARD, Jean François. The Postmodern Condition: A Report On Knowledge. Translated by Geoff Bennington and Brian Massumi. Manchester: Manchester University Press, 1984, p. xxiv. 225 A esse respeito, ver PADRÓN, José. Tendencias Epistemológicas de la Investigación Científica en el Siglo XXI . Disponível em: <http://www.moebio.uchile.cl/28/padron/html>. Acesso em 15 de agosto de 2010. 226 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico político. São Paulo: Método, 2006, p. 63. 227 MARMOR, Andrei. Positive Law and Objective Values. Oxford: Oxford University Press, 2001.

228 RAZ, Joseph. The Authority of Law : Essays on Law and Morality. Oxford: Oxford University Press, 1979.

229 COLEMAN, Jules. The Practice of Principle: In defense of a pragmatist approach to legal theory. Oxford: Oxford University Press, 2003.

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de “pós-positivistas” ou outro qualquer – possam dirigir críticas mais apropriadas ao conjunto

das teorias juspositivistas, compreendemos que é necessário considerar que o positivismo não

foi superado, mas sim transformado por desenvolvimentos que o tornaram um campo teórico

que não é o mesmo da primeira metade do século XX. De qualquer modo, pensamos que a

alusão a um cenário teórico composto por correntes “positivistas” e “não positivistas” é mais

pertinente do que a referência ao “pós-positivismo”.

Resta mencionar, por fim, que as teorizações sobre a retórica ainda parecem ter

uma pequena projeção no campo das idéias jurídicas e no plano geral das produções

acadêmicas. Neste sentido, escreveu Wayne C. Booth que os

retóricos ainda representam uma minúscula minoria na cena acadêmica. A maioria dos livros sérios na maioria dos campos ainda não tem qualquer referência à retórica, e aqueles que referem o fazem comumente com desdém. [...] Um colega recentemente me informou que seus últimos três livros, todos eles originalmente empregando “retórica” em seus títulos, foram renomeados pelos editores, já que termos retóricos iriam rebaixar o texto e reduzir a vendas! 230

Porém, de acordo com o que já enfatizamos, a linguagem é um palco inseparável

da arte da retórica, a qual permanece a modelar discursos e a construir “verdades”

independentemente do espaço que os saberes a seu respeito ocupam no universo acadêmico.

230 Rhetoricians still represent a tiny minority on the academic scene. Most serious books in most fields still have no reference to rhetoric at all, and those that refer to it usually do so dismissively. […] A colleague recently informed me that his last three books, all of them originally employing “rhetoric” in their titles, had been retitled by the publishers, since rhetorical terms would downgrade the text and reduce sales! BOOTH, Wayne C. The Rethoric of Rethoric: the quest for effective communication. London: Blackwell, 2004, p. 09.

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