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PODER JUDICIÁRIO TRF/fls. ____ TRIBUNAL R EGIONAL F EDERAL DA 5. ª R EGIãO Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 10292/RN (0001791-59.2011.4.05.8401) APTE : ADAUTO GOMES DA SILVA JUNIOR ADV/PROC : WALTER DE AGRA JÚNIOR E OUTROS APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 10ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - RN RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO RELATÓRIO O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO: Cuida-se de julgamento de apelação interposta às fls. 825/888 e docs. de fls. 889/914 (vol. 04), pela defesa do réu ADAUTO GOMES DA SILVA JÚNIOR, Delegado da Polícia Federal, qualificação completa nos autos, associada à Sentença de fls. 780/793 (vol. 04), que impôs apenação ao ora apelante, traduzida em 04 (quatro) anos de reclusão e multa, pela prática da conduta prevista no art. 325, §2º, do Código Penal (violação de sigilo funcional qualificada), e, ainda, 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa, pelo cometimento do delito previsto no art.37 c/c art. 40, II, da Lei nº 11.343/06 (colaboração, como informante, com grupos ligados ao tráfico de substância entorpecente), totalizando, pela regra do concurso formal impróprio de crimes, o total de 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 326 dias-multa, além da perda do cargo público. Regime inicial fechado de cumprimento de pena. Recorreu em liberdade. Pugna a defesa do recorrente, em seu longo arrazoado recursal (fls. 825/888, acompanhado dos docs. de fls. 889/914), pela total reforma do veredicto condenatório, sustentando, em síntese, as seguintes teses: a) Ausência de provas concretas de que tenha havido vazamento de informação da Operação Serra Negra; b) Inexistência de provas de que o recorrente sequer tinha conhecimento acerca da existência e objeto da Operação Serra Negra; c) Ausência de qualquer ligação entre o recorrente e os alvos da Operação Serra Negra, tendo sido tal fato reconhecido pelas próprias testemunhas de acusação; d) Fragilidade do acervo probatório, parcialidade dos depoimentos das testemunhas de acusação decorrente da animosidade com o recorrente e aplicação do princípio da presunção da inocência.Requereu-se, alternativamente: absolvição pela atipicidade da conduta, visto que ausente a comprovação do dolo no agir do apelante; reconhecimento da ocorrência de bis in idem, ante a impossibilidade de concurso formal impróprio e manifesta subsidiariedade do delito de violação de sigilo funcional. Ainda: novo cômputo dosimétrico, por valoração equivocada das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP e violação ao art. 93, inc. IX da CF, ante a insuficiência de fundamentação para justificar a indevida exasperação da pena-base. ACR nº 10292-RN 1 LSJ

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PODER JUDICIÁRIO TRF/fls. ____TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO

Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro

APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 10292/RN (0001791-59.2011.4.05.8401)APTE : ADAUTO GOMES DA SILVA JUNIORADV/PROC : WALTER DE AGRA JÚNIOR E OUTROSAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : 10ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - RNRELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO

RELATÓRIO

O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELONAVARRO: Cuida-se de julgamento de apelação interposta às fls. 825/888 edocs. de fls. 889/914 (vol. 04), pela defesa do réu ADAUTO GOMES DA SILVAJÚNIOR, Delegado da Polícia Federal, qualificação completa nos autos,associada à Sentença de fls. 780/793 (vol. 04), que impôs apenação ao oraapelante, traduzida em 04 (quatro) anos de reclusão e multa, pela prática daconduta prevista no art. 325, §2º, do Código Penal (violação de sigilo funcionalqualificada), e, ainda, 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa,pelo cometimento do delito previsto no art.37 c/c art. 40, II, da Lei nº 11.343/06(colaboração, como informante, com grupos ligados ao tráfico de substânciaentorpecente), totalizando, pela regra do concurso formal impróprio de crimes,o total de 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 326 dias-multa, alémda perda do cargo público. Regime inicial fechado de cumprimento de pena.Recorreu em liberdade.

Pugna a defesa do recorrente, em seu longo arrazoado recursal(fls. 825/888, acompanhado dos docs. de fls. 889/914), pela total reforma doveredicto condenatório, sustentando, em síntese, as seguintes teses: “a)Ausência de provas concretas de que tenha havido vazamento de informaçãoda Operação ‘Serra Negra’; b) Inexistência de provas de que o recorrentesequer tinha conhecimento acerca da existência e objeto da Operação ‘SerraNegra’; c) Ausência de qualquer ligação entre o recorrente e os alvos daOperação ‘Serra Negra’, tendo sido tal fato reconhecido pelas própriastestemunhas de acusação; d) Fragilidade do acervo probatório, parcialidadedos depoimentos das testemunhas de acusação decorrente da animosidadecom o recorrente e aplicação do princípio da presunção da inocência.”Requereu-se, alternativamente: absolvição pela atipicidade da conduta, vistoque ausente a comprovação do dolo no agir do apelante; reconhecimento daocorrência de bis in idem, “ante a impossibilidade de concurso formal impróprioe manifesta subsidiariedade do delito de violação de sigilo funcional”. Ainda:novo cômputo dosimétrico, por valoração equivocada das circunstânciasjudiciais do art. 59 do CP e violação ao art. 93, inc. IX da CF, ante ainsuficiência de fundamentação para justificar a indevida exasperação dapena-base.

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Contrarrazões ministeriais às fls. 917/926, em tudo contrárias àpretensão recursal.

Às fls. 931/933, Parecer do Ministério Público Federal, comatuação nesta instância revisional, pela manutenção do decreto condenatórioem todos os seus termos e comandos.

É o relatório. À douta Revisão.

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APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 10292/RN (0001791-59.2011.4.05.8401)APTE : ADAUTO GOMES DA SILVA JUNIORADV/PROC : WALTER DE AGRA JÚNIOR E OUTROSAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : 10ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - RNRELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO

VOTO

O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELONAVARRO: Por entender haver o réu, Delegado da Polícia Federal ADAUTOGOMES DA SILVA JÚNIOR, promovido a divulgação, desautorizada, deinformações sigilosas a terceiros, referentes à “Operação Policial SerraNegra”, de combate ao tráfico ilícito de substância entorpecente, no Municípiode Mossoró-RN e região circundante, estendendo-se, possivelmente, a rota dotráfico a Brasília/DF, aplicou a douta magistrada sentenciante a apenação, jádescrita no relatório deste voto, como sendo, em seu conteúdo principal, de 04(quatro) anos de reclusão e multa, pela prática da conduta prevista no art. 325,§2º, do Código Penal (violação de sigilo funcional qualificada), e, ainda, 03(três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa, pelo cometimento do delitoprevisto no art.37 c/c art. 40, II, da Lei nº 11.343/06 (colaboração, comoinformante, com grupos ligados ao tráfico de substância entorpecente),totalizando, pela regra do concurso formal impróprio de crimes, o total de 07(sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 326 dias-multa, além da perda docargo público. Regime inicial fechado de cumprimento de pena. Recorreu oapelante em liberdade.

Desmerecida a responsabilização penal. Explico adiante.

Centra-se a respeitável sentença condenatória na premissa deque o réu efetivamente forneceu, à jovem KARLA MICAELLY FERNANDES DASILVA, “MICAELA”, com a qual mantinha relação de intimidade, inclusivesendo ela também ligada afetivamente a traficante alvo da investigaçãopolicial, IKARO MIKAEL DA SILVA JÁCOME, “MIKAEL”, informes acerca dasdiligências a cargo de específica equipe de policiais federais que sequer o réuintegrava, apesar de haver, outrora, composto outras operaçõesassemelhadas e com resultados exitosos (prisão de envolvidos e apreensãode substância entorpecente).

Fato é que a instrução revelou, tão-somente, além doenvolvimento passional do réu, ainda que furtivo ou inconstante, com areferida mulher de qualificação moral duvidosa, conforme assim descrita nosautos a jovem MICAELA, aligeirada ligação telefônica entre ambos, sem que

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se possa atestar - e em que grau -, de forma extreme de dúvidas, se o seuconteúdo aponta, irrefutavelmente, para a violação do sigilo funcionalassociada à operação policial em causa, até mesmo porque, segundopassagem da Sentença, especificamente às fls. 786, “Não existe transcrição daconversa entre ADAUTO e MIKAELY, pois, ao tempo dos fatos, apenasMIKAEL era alvo de interceptação telefônica.”

Em idêntico sentido, a conclusão da Comissão Processante(Processo Administrativo Disciplinar – P.A.D.): “Por todo o exposto, observa-seque o DPF Adauto Gomes da Silva Júnior, embora tenha mantido contatotelefônico com Micaelly, na data de 15.03.2010, não consta registro de nenhumáudio direto envolvendo a conversa mantida naquela data entre ambos, e quetenha revelado segredo do qual se apropriou em razão do cargo de Delegadode Polícia Federal, até porque não sabia da existência da Operação SerraNegra, e também nenhum Policial lotado no NOIP/MOS/RN, lhe revelou oupassou qualquer informação a respeito do investigado Mikael ou sobre odesencadeamento da Operação Serra Negra. Ao contrário, procurou fornecerinformações ao NOIP/DPF/MOS/RN, acerca do suposto traficante que estariaatuando em Mossoró.” (vide fls. 342, do vol.1 dos apensos).

Pode-se dizer o mesmo da ligação entre referida mulher(MICAELA) e o alvo integrante do grupo investigado (MIKAEL), ocorrida logoem seguida ao contato entre ela e o Delegado de Polícia Federal ADAUTO, nomesmo dia 15/03/2010, havendo a própria interlocutora revelado, emdepoimento prestado às fls. 178, que “...na referida ligação o DPF Adauto nãodisse para a depoente que iriam fazer um raio-X em tudo, falou apenas quenão poderia estar presente a um encontro marcado previamente com adepoente e amigos, pois teria uma operação e não poderia estar presentenaquele momento...; que o termo fazer um raio-X em tudo, partiu da própriadepoente...”.

Eis a transcrição da interceptação telefônica do aludido contato(entre MICAELLY e MICAEL), também reproduzido na Sentença, às fls.784/785:

“Cumprimentam-se. MNI (MICAELLY) pergunta se MICAELlembra o que ela (MICAELLY) falou a MICAEL a respeito daamiga dela (de MICAELLY) com aquele amigo dela (deMICAELLY). MICAEL concorda. MNI (MICAELLY) mandaMICAEL se desfazer do chip dele o mais rápido possível.MICAEL pergunta por que?. MNI (MICAELLY) diz que ele estáaqui ‘ligou para mim nesse instante, disse que vão fazer umraio X em tudo’. MICAELLY diz que não pode nem conversarmuito e manda MICAEL retornar de um orelhão ou de outronúmero. Despedem-se.” (grifos no original)

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A questão envolve, portanto, deficiência do acervo probatórioque, inclusive, não se fez sanear por nenhum meio, nem mesmo pelasinterceptações telefônicas, igualmente inconclusivas da práxis delituosa, aexemplo, também, da inconsistência dos vários testemunhos - nãoconfirmatórios, ora da autoria, ora da materialidade das ações criminosasimputadas ao Delegado ADAUTO, prenhes de acepções de cunho pessoalrelacionadas ao réu, enfraquecidos a servir de prova, notadamente quandocotejados entre si.

Portanto, ainda que se tome como verídico o testemunho damulher envolvida (MICAELA), prestado na fase inquisitorial, no sentido de lhehaver o réu, por telefonema, alertado da deflagração de uma operação policialna região, objetivando justificar, tão-somente, a ausência do DelegadoADAUTO a encontro agendado pelo casal, não se pode aferir, ainda assim esó por tal episódio, o grau de comprometimento – em nenhum momentocomprovado - da investigação policial decorrente de tal telefonema, mormenteem razão do desconhecimento do seu inteiro e verídico teor.

O alerta da jovem MICAELA, simultaneamente envolvida com oDelegado ADAUTO e com o traficante MIKAEL, capaz de promover a mudançareiterada de chips do telefone deste último, alvo da investigação, não teria, anosso ver, como ocasionar, por si só, o total prejuízo da empreitada policial – ede fato isso não ocorreu -, em razão dos próprios informes colhidos nos autos,salientados por outro policial e reproduzido na Sentença, de que haveria formadiversa de monitoramento de escutas telefônicas, sendo “possível que umtraficante inexperiente não tenha conhecimento de que a interceptação é feitapelo IMEI do aparelho.” (excerto de depoimento testemunhal transcrito nasentença, fls. 786).

Eis que, à vista da deficiência do acervo probatório, não resultoucomprovado o nexo de causalidade, o liame etiológico, entre as ligaçõestelefônicas do réu para a mulher e, logo em seguida, desta para o traficante,como suficientes a levar a operação policial ao seu absoluto insucesso, atéporque, frise-se, isso não ocorreu.

Disso resulta a irrelevância de se aquilatar o grau de intimidadeentre o réu ADAUTO e a jovem MICAELA, que, ao que tudo indica, tambémmantinha relacionamento com o alvo das investigações, o traficante IKAROMIKAEL. Despiciendo, ainda, aferições acerca da intensidade do dolo do réu,baseadas na vagueza e genericidade dos elementos de prova reunidos,incapazes, portanto, de comprovar, por exemplo, a aventada ingerênciapropositada do réu, voltada ao seu suposto interesse pelos alvos edesdobramentos de operação policial que não integrou formalmente

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(“Operação Serra Negra”), na ocasião em que teria adentrado sala especial detrabalhos reservada à equipe, etc.

Há, em tudo que exsurge dos autos, invencíveis controvérsias abeneficiar o apelante.

Milita, ainda, em favor do réu, a ausência de comprovação dadanosidade irreversível do seu agir quanto ao desfecho da “Operação SerraNegra”. Com efeito, prejuízo algum foi cabal e irrefutavelmente demonstradonos autos. Mais: ressalte-se a condição de prisioneiro de IKARO MIKAEL DASILVA JÁCOME, o “MIKAEL”, alvo investigado, detido na “Operação SerraNegra”, além de quase todos os demais integrantes da quadrilha (vide apenso1 de 1, fls. 68 e 70 e fls. 77/117). Registre-se, ainda, a deflagração dacorrespondente persecução penal associada à dita investigação policial.

O relativo retardo na conclusão da operação policial, porcircunstâncias que não guardam, necessariamente, relação alguma com osuposto vazamento de informações, não pode ser de molde a importar emsubsunção à qualificadora do §2º, do art. 325 do Código Penal, visto que nãocomprovado, tecnicamente, haver decorrido de ação ou omissão atribuíveis aoréu, ficando, no caso dos autos, sujeito, portanto, às valorações subjetivistasdos testemunhos prestados, pelo sim e pelo não, por colegas da corporaçãopolicial, sem nenhum resultado pontual e objetivamente aferível de suaocorrência.

Vale a pena, no sentido da inexistência de comprovação deprejuízo irreparável à operação policial e, portanto, à Administração Públicacomo um todo, a transcrição de excertos do Relatório conclusivo do ProcessoAdministrativo Disciplinar instaurado para apurar a conduta do réu ADAUTO,no episódio aqui tratado (vide vol.1 dos apensos):

“Uma vez analisado todo o material probatório até aqui produzido,depreende-se que o acusado Adauto Gomes da Silva Júnior aonão se comportar de modo compatível com o cargo de Delegadode Polícia Federal, ao se permitir a farras, festas e amizade coma jovem Micaelly, que era dada a festas, digamos, extravagantes,além de um relacionamento com Mikael, traficante deentorpecentes, conhecido por todos na cidade de Mossoró,inclusive no meio Policial, cometeu o ilícito administrativo-disciplinar previsto no artigo 43, inciso VIII, da Lei nº 4.878/65,cuja redação segue abaixo transcrita:

Art. 43. São transgressões disciplinares:

(...).

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VIII – praticar ato que importe em escândalo ou que concorrapara comprometer a função Policial;

Deve-se registrar, por oportuno, que não há elementos nos autosque conduzam à interpretação de que a conduta do acusadoconfigure infração ao inciso XI do art. 132, da Lei 8.112/90. Portodo o exposto, observa-se que o DPF Adauto Gomes da SilvaJúnior, embora tenha mantido contato telefônico com Micaelly, nadata de 15.03.2010, não consta registro de nenhum áudio diretoenvolvendo a conversa mantida naquela data entre ambos, e quetenha revelado segredo do qual se apropriou em razão do cargode Delegado de Polícia Federal, até porque não sabia daexistência da Operação Serra Negra, e também nenhum Policiallotado no NOIP/MOS/RN, lhe revelou ou passou qualquerinformação a respeito do investigado Mikael ou sobre odesencadeamento da Operação Serra Negra. Ao contrário,procurou fornecer informações ao NOIP/DPF/MOS/RN, acerca dosuposto traficante que estaria atuando em Mossoró. Por outrolado, mesmo após ter sido alertado por Micaelly para se desfazerde seu chip, fl. 110, Apenso I, Volume I, Mikael continuou a falarao celular, vide fls. 112, 191, 193/198, Apenso I, Volume I, bemcomo, esse dado não influenciou o andamento das investigações,haja vista que com o desencadeamento da Operação SerraNegra quase todos os alvos foram presos.(...);(...);a) É fato que, efetivamente na data de 15.03.2010, o DPF Adautose encontrava na DPF/MOS/RN, cumprindo OMP nº 235/2010-DREX/SR/DPF/RN, visando instruir inquéritos eleitorais, quandose dirigiu ao NOIP/DPF/MOS para levar informações acerca deum possível traficante muito atuante naquele cidade, conhecidopor Mikael, vide depoimento APF Luiz Firmino Filho, fls. 197/203.É certo, também, que na mesma data, após sair doNOIP/DPF/MOS/RN, o DPF Adauto teria entrado em contatotelefônico com a pessoa de Micaelly, uma vez que foi verificadono extrato telefônico do terminal nº 84.8859.7580 cadastrado emnome de Karla Micaelly Fernandes da Silva, registro de contatoentre os TMC 84.8859.7580 e 84.8877-061, na data de15.03.2010, este pertencente ao DPF ADAUTO, vide fls. 123/128,Apenso I, Volume I. Contudo, não existe nos autos nenhum áudiodireto envolvendo a conversa mantida naquela data entre ambos,até porque o terminal telefônico de Micaelly ainda não seencontrava monitorado, o que vem corroborado nos depoimentosdos APF’s Paulo Kleber de Oliveira Nascimento, José Medeiros

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Vieira Porto e Henrique George Lopes Cunha, fls. 122/130,destacando-se:(...);(...);b) Não restou comprovado também, que o DPF Adauto teria seapropriado de segredo em razão do cargo, senão vejamos osdepoimentos dos Policiais lotados no NOIP/DPF/MOS/RN, PauloKleber de Oliveira Nascimento, José Medeiros Vieira Porto eHenrique George Lopes Cunha, fls. 131/140, 73/93 e 122/130,respectivamente, abaixo transcritos:(...);(...);c) Não ficou comprovado, ainda, se efetivamente houvevazamento ou prejuízo ao desenvolvimento da operação policialdenominada Serra Negra, conforme podemos extrair dosdepoimentos abaixo transcritos:(...);(...).”

Observe-se que a Comissão processante, no âmbito da apuraçãodisciplinar, sequer entendeu pela necessidade de enquadramento do réuADAUTO nas sanções do inc. IX, do art. 132 da Lei nº 8.112/90 (RegimeJurídico Único dos Servidores da União), como se vê da transcrição abaixo:

“Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão docargo;

Ocorre que, quanto a esses fatos, a Comissão entendeu que nãohá nos autos elementos que conduzam à interpretação de que aconduta do acusado DPF Adauto se amolda ao ilícitoadministrativo-disciplinar acima descrito.”

Deu-se a reprimenda do Delegado ADAUTO, no âmbitoadministrativo-disciplinar, na forma prevista no estatuto próprio da categoriapolicial, a saber, a do art. 43, VIII, da Lei nº 4.878/65 (Dispõe sobre o regimejurídico peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal),que possui a seguinte redação, verbis:

“Art. 43. São transgressões disciplinares:

(...).

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VIII – praticar ato que importe em escândalo ou que concorrapara comprometer a função Policial”.

Ao fim dos trabalhos apuratórios encetados no âmbitoadministrativo, restou o réu ADAUTO punido disciplinarmente, nos termosadiante em parte reproduzidos (vide completo teor da Portaria nº 067/2012-SR/DPF/RN, de fls. 376 do vol. 1 – apensos):

“(...).

RESOLVE:

I- Aplicar a pena disciplinar de 12 (doze) dias de suspensão aoservidor ADAUTO GOMES DA SILVA JÚNIOR, Delegado dePolícia Federal, primeira classe, matrícula 9.455, lotado naSR/DPF/RN, em razão de restar comprovado o seu envolvimentocom a então namorada de um traficante investigado e preso na“Operação Policial Serra Negra”, deflagrada pela DPF/MOS/RN,fato que teve ampla repercussão na mídia e desdobramentos naesfera criminal, conduta que configura a transgressão disciplinartipificada no inciso VIII do art. 43 da Lei nº 4.878/65;

(...).”

Já na esfera criminal, como se extrai do teor da condenaçãoobjeto deste apelo, por entender haver o réu, Delegado da Polícia FederalADAUTO GOMES DA SILVA JÚNIOR, promovido a divulgação, desautorizada,de informações sigilosas a terceiros, referentes à “Operação Policial SerraNegra”, de combate ao tráfico ilícito de substância entorpecente, no Municípiode Mossoró-RN e região circundante, aplicou a douta magistrada sentenciantea apenação de 04 (quatro) anos de reclusão e multa, pela prática da condutaprevista no art. 325, §2º, do Código Penal (violação de sigilo funcionalqualificada), e, ainda, 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa,pelo cometimento do delito previsto no art.37 c/c art. 40, II, da Lei nº 11.343/06(colaboração, como informante, com grupos ligados ao tráfico de substânciaentorpecente), totalizando, pela regra do concurso formal impróprio de crimes,o total de 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 326 dias-multa, alémda perda do cargo público. Regime inicial fechado de cumprimento de pena.

Eis o teor dos dispositivos legais que lastrearam a proclamaçãodo julgado ora recorrido:

Código Penal:

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“Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo eque deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fatonão constitui crime mais grave.

§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:

I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento eempréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso depessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco dedados da Administração Pública;

II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.

§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Públicaou a outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.”

Lei nº 11.343/2006 (repressão à produção não autorizada e aotráfico ilícito de drogas)

“Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organizaçãoou associação destinados à prática de qualquer dos crimesprevistos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300(trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem quedelas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ouem desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamentode 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.

Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao ConselhoFederal da categoria profissional a que pertença o agente.

Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo dedrogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além daapreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ouproibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de

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liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400(quatrocentos) dias-multa.

Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadascumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis)anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se oveículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo depassageiros.

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei sãoaumentadas de um sexto a dois terços, se:

I - a natureza, a procedência da substância ou do produtoapreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem atransnacionalidade do delito;

II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função públicaou no desempenho de missão de educação, poder familiar,guarda ou vigilância;

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ouimediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ouhospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais,recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalhocoletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversõesde qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentesde drogas ou de reinserção social, de unidades militares oupoliciais ou em transportes públicos;

IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça,emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidaçãodifusa ou coletiva;

V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entreestes e o Distrito Federal;

VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescenteou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida acapacidade de entendimento e determinação;

VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.”

Em que pese dever ser preservada a plena independência entreas esferas civil, penal e administrativa, fato é que, no caso concreto destesautos, a instância criminal em nada acrescentou ao apuratório administrativo,no sentido de apresentar inquestionáveis comprovações – a partir de regular

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contraditório judicial -, da autoria e materialidade delituosas descritas naacusação e imputadas ao réu ADAUTO.

Digo isso para que não se imagine que estou baseando minhasconclusões tão-somente no material apurado administrativamente. Não. Tenhocuidado com tais inquéritos ou sindicâncias, muitas vezes contaminados pelocorporativismo ou por deficiências na sua estrutura. In casu, não vi nada disso,antes pelo o contrário. Parece que o que não há mesmo é prova, já que nemna seara policial, ministerial e judicial ela exsurgiu.

Interessante realçar, ainda, que eventual configuração deviolação de sigilo funcional – eventual porque não restou provada – dar-se-iapelo Delegado ADAUTO perante MICAELA, ou seja, pessoa nãocomprovadamente integrante efetiva de grupo, organização ou associaçãocriminosa voltada à prática dos ilícitos relacionados ao tráfico deentorpecentes, como exige a diretiva do art. 37 da Lei nº 11.343/06,inadequadamente utilizado para responsabilizar penalmente o apelante, issoporque sequer MICAELA foi denunciada, ao contrário de IKARO MIKAEL –preso e denunciado por tráfico de entorpcentes levando a magistradasentenciante a registrar: “...que as informações passadas a MIKAEL, em tese,também configuram a prática do crime previsto no art. 37 da Lei nº11.343/2006 por MIKAELY.”

Ainda quanto ao fato de sequer MICAELA haver sido denunciadacomo partícipe ou colaboradora do tráfico, nos autos da Ação Penal correlata àOPERAÇÃO SERRA NEGRA, em tramitação na 5ª Vara Criminal de Mossoró-RN, mister salientar que o Delegado ADAUTO, também não o foi.

Disso resulta, somente a título ilustrativo, não poder ADAUTOresponder por eventual ato de MICAELA, que, motu proprio, teria feitorevelações a integrante de grupo criminoso (MIKAEL), acerca das diligênciaspoliciais da “Serra Negra”, não necessária e comprovadamente autorizadaspelo réu ADAUTO - isto tudo no plano conjetural, vez que não há provassequer da transmissão, pelo apelante, de dados sigilosos da operação paraMICAELA.

Acertada a pretensão recursal, não satisfatoriamente infirmadapelo Ministério Público Federal, que não se desincumbiu do seu exclusivoônus de fazê-lo: “a) não existe nos autos nenhum áudio com o conteúdo daconversa entre o recorrente e Karlla Micaelly que pudesse comprovar que omesmo teria vazado informações acerca da Operação ‘Serra Negra’; b) nãoexistem provas de que o mesmo sequer tivesse conhecimento acerca daexistência e do objeto das investigações da Operação ‘Serra Negra’; c)continuamente, inexistem também provas concretas de que tenha havidovazamento de informações e comprometimento das investigações, mormente

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segundo afirmações das próprias testemunhas, a operação foi exitosa; e, porfim, d) não há nos autos uma única prova que seja de que o recorrente teriaenvolvimento com qualquer dos investigados da Operação ‘Serra Negra’, emparticular, com Ikaro Mikael, sendo inequívoco que o mesmo não colaboroucom o tráfico.”

Com essas considerações, dou provimento à apelação, para o fimde reformar, in totum, a Sentença recorrida, decretando, na sequência, aabsolvição do apelante, com fulcro no art. 386, inciso V, do Código deProcesso Penal.

É como voto.

Recife, 05 de dezembro de 2013.

Desembargador Federal MARCELO NAVARRORELATOR

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APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 10292/RN (0001791-59.2011.4.05.8401)APTE : ADAUTO GOMES DA SILVA JUNIORADV/PROC : WALTER DE AGRA JÚNIOR E OUTROSAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : 10ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - RNRELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO

EMENTA: PENAL. APELAÇÃO DA DEFESA. CONDENAÇÃODE DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL. VIOLAÇÃO DE SIGILOFUNCIONAL (ART. 325, § 2º, DO CÓDIGO PENAL) EMCONCURSO FORMAL COM DELITO DE COLABORAÇÃO COMGRUPO LIGADO AO TRÁFICO DE DROGAS (ART. 37 C/CART. 40, II, DA LEI Nº 11.343/06). 07 (SETE) ANOS E 06 (SEIS)MESES DE RECLUSÃO E MULTA. REGIME INICIAL FECHADODE CUMPRIMENTO DE PENA. PERDA DE CARGO PÚBLICO.IMPÕE-SE A REFORMA DO JULGADO PELA AUSÊNCIA DEPROVA IRREFUTÁVEL DA AUTORIA E MATERIALIDADEDELITUOSAS. LIGAÇÃO TELEFÔNICA, NÃO INTERCEPTADA,ENTRE O ACUSADO E TERCEIRA PESSOA (MULHER JOVEM)SIMULTÂNEA E INTIMAMENTE RELACIONADA COMTRAFICANTE ALVO DA OPERAÇÃO POLICIAL. AUSÊNCIA DECONHECIMENTO DO TEOR DO DIÁLOGO. GRAVAÇÃO DECONVERSA TELEFÔNICA ENTRE A TERCEIRA PESSOA E OTRAFICANTE INVESTIGADO QUE NÃO CONDUZ,OBRIGATORIAMENTE, DADO O TEOR GENÉRICO,LACUNOSO E INSUBSISTENTE DA CONVERSAÇÃO, ÀCONCLUSÃO DE VAZAMENTO DE INFORMAÇÕESSIGILOSAS. IMPOSSIBILIDADE DE O RÉU RESPONDER PORDISCURSO DE OUTREM, DE NATUREZA CONTRADITÓRIA, ADEPENDER DE ILAÇÕES SUBJETIVISTAS, PORTANTOOBJETIVAMENTE NÃO CONCLUSIVO DE DIVULGAÇÃO DEDILIGÊNCIAS ENCETADAS PELA EQUIPE POLICIAL.INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO ÀINVESTIGAÇÃO. EFETIVA PRISÃO DO TRAFICANTE ALVODA OPERAÇÃO. IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO, NO ÂMBITOADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR, EXCLUSIVAMENTE DESUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES POR 12 (DOZE)DIAS, E NÃO DE DEMISSÃO, PELA PRÁTICA DE ATO QUEIMPORTOU EM ESCÂNDALO, COMPROMETENDO, ASSIM, ODECORO DA FUNÇÃO POLICIAL, POR ENVOLVIMENTO,TORNADO PÚBLICO, COM PESSOA RELACIONADA COMTRAFICANTE. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA,FORMAL, EM DESFAVOR DO DELEGADO E DE SUA AMIGA,NA PERSECUÇÃO PENAL RELACIONADA À QUADRILHAINVESTIGADA NA ESPECÍFICA OPERAÇÃO POLICIAL.

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1. A instrução revelou, tão-somente, além do envolvimentopassional do réu, ainda que furtivo ou inconstante, com mulher dequalificação moral duvidosa, conforme descrita nos autos,aligeirada ligação telefônica entre ambos, sem que se possaatestar - e em que grau -, de forma extreme de dúvidas, se o seuconteúdo aponta, irrefutavelmente, para a violação do sigilofuncional associada à operação policial em causa, até mesmoporque, segundo passagem da própria sentença recorrida, nãoexiste transcrição da conversa.2. Em idêntico sentido, a conclusão da Comissão Processante(Processo Administrativo Disciplinar – P.A.D.).3. A questão envolve, portanto, deficiência do acervo probatórioque, inclusive, não se fez sanear por qualquer meio, nem mesmopelas interceptações telefônicas, igualmente inconclusivas dapráxis delituosa, a exemplo, também, da inconsistência dos váriostestemunhos - não confirmatórios, ora da autoria, ora damaterialidade das ações criminosas imputadas ao réu, prenhesde acepções de cunho pessoal relacionadas ao réu,enfraquecidos a servir de prova, notadamente quando cotejadosentre si.4. Ainda que se tome como verídico o testemunho da mulherenvolvida, prestado na fase inquisitorial, no sentido de lhe havero réu, por telefonema, alertado da deflagração de uma operaçãopolicial na região, objetivando justificar, tão-somente, a ausênciadele a encontro agendado pelo casal, não se pode aferir, aindaassim e só por tal episódio, o grau de comprometimento – emnenhum momento comprovado - da investigação policialdecorrente de tal telefonema, mormente em razão dodesconhecimento do seu inteiro e verídico teor.5. À vista da deficiência do acervo probatório, não resultoucomprovado o nexo de causalidade, o liame etiológico, entre asligações telefônicas do réu para com a mulher e, logo emseguida, desta para o traficante, como suficientes a levar aoperação policial ao seu absoluto insucesso, até porque, frise-se,isto não ocorreu.6. Milita, ainda, em favor do réu a ausência de comprovação dadanosidade irreversível do seu agir quanto ao desfecho daoperação policial. Com efeito, prejuízo algum foi cabal eirrefutavelmente demonstrado nos autos. Mais: ressalte-se acondição de prisioneiro do alvo investigado, detido na referidaempreitada policial, além de quase todos os demais integrantesda quadrilha. Registre-se, ainda, a deflagração dacorrespondente persecução penal associada à dita investigaçãopolicial.

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7. O relativo retardo na conclusão da operação policial, porcircunstâncias que não guardam, necessariamente, relaçãoalguma com o suposto vazamento de informações, não pode serde molde a importar em subsunção à qualificadora do §2º, do art.325 do Código Penal, visto que não comprovado, tecnicamente,haver decorrido de ação ou omissão atribuíveis ao réu, ficando,no caso dos autos, sujeito, portanto, às valorações subjetivistasdos testemunhos prestados, pelo sim e pelo não, por colegas dacorporação policial, sem nenhum resultado pontual eobjetivamente aferível de sua ocorrência.8. Em que pese dever ser preservada a plena independênciaentre as esferas civil, penal e administrativa, fato é que, no casoconcreto destes autos, a instância criminal em nada acrescentouao apuratório administrativo, no sentido de apresentarinquestionáveis comprovações – a partir de regular contraditóriojudicial -, da autoria e materialidade delituosas descritas naacusação e imputadas ao réu.9. Interessante realçar que eventual configuração de violação desigilo funcional – eventual porque não restou provada – dar-se-iapelo réu perante a jovem, ou seja, pessoa não comprovadamenteintegrante efetiva de grupo, organização ou associação criminosavoltada à prática dos ilícitos relacionados ao tráfico deentorpecentes, como exige a diretiva do art. 37 da Lei nº11.343/06, inadequadamente utilizado para responsabilizarpenalmente o apelante, isto porque sequer foi denunciada aocontrário do alvo preso e formalmente denunciado por tráfico deentorpecentes.10. Disso resulta, somente a título ilustrativo, não poder o réuresponder por eventual ato de outrem (a jovem) que, motuproprio, teria feito revelações a integrante de grupo criminoso,acerca das diligências policiais da operação policial, nãonecessária e comprovadamente autorizadas pelo acusado - issotudo no plano conjetural, vez que não há provas sequer datransmissão, pelo apelante, de dados sigilosos da operação paraa mulher envolvida no episódio em questão.11. Impõe-se prover o apelo, para o fim de reformar, in totum, aSentença recorrida, decretando, na sequência, a absolvição doapelante, com fulcro no art. 386, inciso V, do Código de ProcessoPenal.

A C Ó R D Ã O

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ªRegião, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do

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relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, queficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 05 de dezembro de 2013.

Desembargador Federal MARCELO NAVARRORELATOR

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