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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO ACR 11733-PE (2009.05.00.111801-2) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : ROMERO MAGALHÃES LEDO ADV/PROC : ARY QUEIROZ PERCINIO DA SILVA e outros ORIGEM : JUÍZO FEDERAL DA 18ª VARA/PE (SENTENÇA DE DR. GUSTAVO HENRIQUE TEIXEIRA DE OLIVEIRA) RELATOR : DES. FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO EMENTA PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. DESVIO DE VERBA PÚBLICA. ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO- LEI N. 201/67. SUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA CONDENAÇÃO. ARTS. 298 E 304 DO CÓDIGO PENAL. CRIMES-MEIO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 18ª VF/SJPE, que julgou improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para absolver o acusado ROMERO MAGALHÃES LEDO, ex- prefeito do Município de Itacuruba/PE, com esteio no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. 2. Segundo a denúncia, na qualidade de Prefeito do Município de Itacuruba/PE, o sentenciado desviou verba pública federal, em proveito próprio ou alheio, destinada à execução dos convênios firmados entre o Município referido e o Governo Federal, mais precisamente originários dos Ministérios da Saúde e Educação, mediante o repasse de verbas destinadas à concretização de programas assistenciais, dentre os quais se destacam os seguintes: Programas Sentinela, Agente Cidadão, Educação Infantil, Saúde da Família, Saúde para Todos, Agentes Comunitários de Saúde, Educação de Jovens e Adultos, Erradicação do Trabalho Infantil, Agentes Jovens Egressos do PETI, Se Liga, Epidemiologia, Incentivo ao Desenvolvimento Agropecuário, Educação e Saúde e Educação e Arte celebrados entre aquele município e o Governo Federal. 3. A par dos documentos juntados aos autos, restam comprovadas a autoria e a materialidade do delito previsto no supracitado dispositivo legal, destacando-se os elementos fornecidos de Auditoria de Tribunal de Contas, perfeitamente legitimadora de elementos para uma denúncia e condenação,

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GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO

ACR 11733-PE (2009.05.00.111801-2)APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPDO : ROMERO MAGALHÃES LEDOADV/PROC : ARY QUEIROZ PERCINIO DA SILVA e outrosORIGEM : JUÍZO FEDERAL DA 18ª VARA/PE (SENTENÇA DE DR.

GUSTAVO HENRIQUE TEIXEIRA DE OLIVEIRA)RELATOR : DES. FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO

EMENTAPENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL.CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. DESVIODE VERBA PÚBLICA. ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI N. 201/67. SUFICIÊNCIA DE PROVAS PARACONDENAÇÃO. ARTS. 298 E 304 DO CÓDIGO PENAL.CRIMES-MEIO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.DOSIMETRIA. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICOFEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contrasentença proferida pelo Juízo Federal da 18ª VF/SJPE, quejulgou improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúnciapara absolver o acusado ROMERO MAGALHÃES LEDO, ex-prefeito do Município de Itacuruba/PE, com esteio no artigo386, inciso VII, do Código de Processo Penal.2. Segundo a denúncia, na qualidade de Prefeito do Município deItacuruba/PE, o sentenciado desviou verba pública federal, emproveito próprio ou alheio, destinada à execução dos convêniosfirmados entre o Município referido e o Governo Federal, maisprecisamente originários dos Ministérios da Saúde e Educação,mediante o repasse de verbas destinadas à concretização deprogramas assistenciais, dentre os quais se destacam osseguintes: Programas Sentinela, Agente Cidadão, EducaçãoInfantil, Saúde da Família, Saúde para Todos, AgentesComunitários de Saúde, Educação de Jovens e Adultos,Erradicação do Trabalho Infantil, Agentes Jovens Egressos doPETI, Se Liga, Epidemiologia, Incentivo ao DesenvolvimentoAgropecuário, Educação e Saúde e Educação e Arte –celebrados entre aquele município e o Governo Federal.3. A par dos documentos juntados aos autos, restamcomprovadas a autoria e a materialidade do delito previsto nosupracitado dispositivo legal, destacando-se os elementosfornecidos de Auditoria de Tribunal de Contas, perfeitamentelegitimadora de elementos para uma denúncia e condenação,

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como restou utilizada. Fundamento constitucional e legal nosarts. 129 da Constituição Federal, 26 da Lei nº 8.625/93 e 39, §5º, do Código de Processo Penal. Precedente do STF: RE468523 - 2ª T. - RELª MIN. ELLEN GRACIE - DJ 19.02.2010.4. A materialidade das condutas criminosas é imputada peloDenunciante a três células de atuações distintas e que estariaminterligadas, que atuariam na manipulação de diversas pessoasfísicas e jurídicas (SERVIL SERVIÇOS LTDA., APTAEMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS LTDA., REALIZEEMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., OSASCOCONSTRUÇÕES LTDA., IDECI - INSTITUTO DEDESENVOLVIMENTO E CIDADANIA e MIXPREL –UNIÃO DE PROFISSIONAIS EMPREENDEDORES LTDA.),as quais usariam notas fiscais que efetivamente nãocorrespondiam às compras ou contratações de serviços para osmunicípios (notas fiscais inidôneas ou notas fiscais frias),locupletando-se indevidamente de verbas públicas esupostamente ocultando e dissimulando a natureza, origem,localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, doscrimes de lesão ao patrimônio público.5. Com base nos documentos apresentados pelo MinistérioPúblico, especialmente os extratos bancários apreendidos,evidencia-se divergências entre os valores constantes nos recibosfirmados pela CEGEPO e aqueles registrados na conta correntenº 11729-3, Ag. 1028-6, Banco do Brasil (sendo esta a contaespecificada nos termos de parceria para o recebimento dosrecursos) referentes aos meses de julho a setembro de 2005. 6.Do repasse de R$ 895.419,60 (oitocentos e noventa e cinco mil,quatrocentos e dezenove reais e sessenta centavos), restouquantia significativa sem a comprovação de destinação, no caso,correspondente a R$ 514.131,18 (quinhentos e quatorze mil,cento e trinta e um reais e dezoito centavos), tendo sido apenasR$ 381.288,42 (trezentos e oitenta e um mil, duzentos e oitentae oito reais e quarenta e dois centavos) depositados na contacorrente especificada nos Termos de Parcerias para recebimentode recursos, tudo com base nos extratos bancários constantesnos autos. Pode-se concluir a evidência de indícios de: 1 –desviode verba federal repassada do Município para uma entidadeprivada sem qualquer autorização legal e pelas vias próprias dautilização desse dinheiro; 2 – consequente utilização indevida deverbas públicas federais; 3 –emprego de recursos públicos

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federais em desacordo com cronograma, finalidade e justificativaplausível; 4 – realização de despesas em desacordo com a lei.7. A destinação dos recursos sacados (cheques e dinheiro emespécie) não restou comprovada, constando dos autos apenasnotas fiscais inidôneas, recibos de recebimento dos valores eoutros documentos que, conforme pontuado pelo MPF, foramconfeccionados para justificar as despesas com o objeto firmadocom o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde e assimdesviadas em proveito do réu.8. Como bem assinalou o MPF, nas razões finais (fls.1227/1362): “a documentação na qual se esteia a denúncia,notadamente os extratos bancários apreendidos, demonstramuma incompatibilidade entre os valores constantes nos recibosemitidos pelo CENTRO DE GERAÇÃO DE EMPREGO –CEGEPO (fls. 124/187) e os verificados nas movimentações daconta corrente nº 11729-3, ag. 1028-6, do Banco do Brasil (fls.219/288)”.9. Encontra-se demonstrada nos autos uma evidenteincompatibilidade entre os extratos bancários e os recibos depagamentos, juntados pelo próprio edil réu na presente ação (fls.1227/1362), as notas de empenho emitidas pela Prefeitura deItacuruba/PE, para pagamentos de despesas não previstas nosobjetos dos termos de parceria (fls. 1241/1243), caracterizando autilização indevida de verbas públicas, a ver as notas de empenhoabaixo descritas: - levantamento estatístico do impacto financeirodas despesas de pessoal por meio da OSIP em relação aos 54%da Lei Complementar nº 101/2000 LRF (nota de empenho de R$8.000,00 – fl. 1253); - despesas para atender custosadministrativos originário dos termos de parceria para realizaçãode treinamento e confecção de folha de pagamento do pessoal(nota de empenho no valor R$ 6.500,00 – fl. 1253); e - curso dopessoal voluntário da CEGEPO (nota de empenho no valor deR$ 3.500,00 – fl. 1360).10. Além disso, na documentação colacionada pelo denunciado,identifica-se, claramente, o emprego de verbas públicas federaisem desacordo com o plano de trabalho e as regras de aplicaçãode tais verbas, nos seguintes programas: a) Programa deEducação Infantil – no termo de parceria, o custo previsto era deR$ 82.137,86 (fl. 1241), sendo que as notas de empenhorelativas ao mencionado programa governamental (fls. 1264,1279 e 1311) dão conta do pagamento do valor total de R$33.050,60; b) Programa Saúde para Todos – PSPT, com custoprevisto de R$ 246.183,84 (fl. 1241), e as notas de empenho

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referentes a tal programa apresentam o somatório de R$177.598,88 (fls. 1262, 12821, 1316, 1331, 1344 e 1359).11. Além das provas da materialidade, a autoria também restousuficientemente comprovada, merecendo destaque a narrativa dadenúncia, da decisão de recebimento da denúncia pela CorteFederal e também os termos da apelação ministerial.12. Em conclusão, o conjunto probatório dos autos demonstraque o Acusado, quando investido no cargo de Prefeito doMunicípio de Itacuruba/PE, desviou, em proveito próprio, partedas verbas públicas recebidas por aquela municipalidade,oriundas de transferências de Programas Federais, firmados como Ministério da Educação e o da Saúde, restando devidamentecomprovadas a materialidade e a autoria delitiva em relação àreferida conduta, a qual se subsume ao art. 1º, inciso I, doDecreto-Lei n. 201/67.13. Ocorre que, como já pacificado na jurisprudência pátria, emrazão do princípio da consunção, os crimes de dispensa irregulardo processo licitatório e de uso (crimes-meios), quando têm porúnica finalidade a consecução do desvio de verbas públicas(crime-fim), devem ser por este último absorvidos. Precedentesdo STJ e do Pleno desta Egrégia Corte: RESP 200401642965,Rel. Min. Paulo Medina, STJ - SEXTA TURMA, DJ Data:25/09/2006 PG:00322; APN 200080000042292, DesembargadorFederal Edílson Nobre, TRF5 - Pleno, DJE - Data::09/05/2013;APN 200005000252404, Desembargador Federal Paulo Robertode Oliveira Lima, TRF5 - Pleno, DJE - Data:28/09/2009.14. O fato de os tipos penais do falso e o da responsabilidade dosprefeitos tutelarem bens jurídicos distintos não constitui óbice aoreconhecimento da absorção do crime-meio (art. 298, CP) pelocrime-fim (art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967), quando apotencialidade lesiva do primeiro se exaure e se esgota nosegundo. Destarte, em relação aos crimes dos arts. 298 e 304 doCP, embora tenham existência própria e visem proteger a fépública, ambos foram praticados unicamente com o objetivo dedar aparente legitimidade à aplicação das verbas públicasrecebidas em razão dos Programas do Governo Federal,devendo-se aplicar o princípio da consunção.15. Fixação da pena privativa de liberdade em 03 (três) anos e 04(quatro) meses, substituída por duas restritivas de direitos.16. Inabilitação do sentenciado pelo prazo de 05 (cinco) anospara o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou denomeação.17. Apelação provida parcialmente.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram comopartes as acima identificadas,

DECIDE a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ªRegião, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do Relatório,do Voto do Relator e das Notas Taquigráficas constantes dos autos, que passam aintegrar o presente julgado.

Recife, 03 de setembro de 2015 (data de julgamento).

PAULO MACHADO CORDEIRO Desembargador Federal Relator

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RELATÓRIO

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADOCORDEIRO (RELATOR):

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federalcontra sentença de absolvição proferida pelo Juiz Federal da 18ª Vara Federal dePernambuco, em face de ROMERO MAGALHÃES LEDO, limitada a apelação ao delitoprevisto no Decreto-lei nº 201/1967 (fls. 1997/2013), a qual foi contrarrazoada pelo réu(fls. 2017/2039).

A ação penal cuida de supostos crimes praticados por ROMEROMAGALHÃES LEDO, Prefeito do Município de Itacuruba/PE, no período de junho adezembro de 2005, consistentes no desvio, malversação e fraudes na aplicação de verbasfederais repassadas ao Município com fundamento nos programas Sentinela, doMinistério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Agente Cidadão – PAC(Ministério da Saúde), Educação Infantil (Ministério da Educação), Saúde da Família-PSF (Ministério da Saúde), Saúde para Todos-PSPT (Ministério da Saúde), AgentesComunitários da Saúde-PACS (Ministério da Saúde), Educação para Jovens e Adultos-EJA (Ministério da Educação), Erradicação do Trabalho Infantil-PETI (Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome, Agentes Jovens e Egressos do PETI(Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), Se Liga (Ministério daEducação), Epidemiologia (Ministério da Saúde), Incentivo ao DesenvolvimentoAgropecuário (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Educação e Saúde(Ministério da Educação) e Educação e Arte (Ministério da Educação).

Na apelação interposta pelo Ministério Público Federal, a práticados ilícitos teria iniciado antes mesmo da celebração do termo de parceria entre aPrefeitura de Itacuruba/PE e o CENTRO DE GERAÇÃO DE EMPREGO – CEGEPO,organização civil de interesse público (OSCIP), a qual recebeu repasses de verbasfederais no montante aproximado de R$ 895.419,60, para aplicação nos citadosprogramas sociais de âmbito federal. A prática de atos ilícitos continuou durante avigência do termo de parceria, consistentes na contratação pela CEGEPO depseudovoluntários, ligados à Prefeitura, na burla à Lei de Responsabilidade Fiscal e numasérie de irregularidades nas prestações de contas, tudo com a finalidade de utilizarindevidamente, desviar e empregar um desacordo com os planos a que se destinavam asverbas públicas federais repassadas.

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A absolvição do réu de todas as imputações da denúncia foiexposta, nos seguintes termos:

POSTO ISSO, julgo IMPROCEDENTE a acusação formulada na denúncia eABSOLVO o réu ROMERO MAGALHÃES LEDO da imputação atinente àprática dos crimes previstos no artigo 1º, I, II, III, IV e V, do Decreto-lei nº201/67, no art. 89 da Lei nº 8.666/93 e nos arts. 288 e 203, caput, do CP.

O MPF apela, sustentando haver provas suficientes damaterialidade, autoria e dolo, os quais consubstanciaram os pontos controvertidossubmetidos à Corte, analisados que serão em cada ponto e premissa no voto.

É o relatório. Ao revisor.

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ACR Nº 11733 – PE

VOTO

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADOCORDEIRO (RELATOR):

Importante asseverar neste passo que a Medida Provisória nº2.178-36/01 e a Lei nº 10.880/04 tratam da questão da fiscalização na aplicação dosrecursos financeiros relativos aos programas vinculados ao Ministério da Educação,enquanto a Lei nº 8.080/90 trata da questão da fiscalização dos programas vinculados aoMinistério da Saúde.

Art. 10 da lei nº 10.880/04:Art. 10. A fiscalização da aplicação dos recursos financeiros relativos aosProgramas de que trata esta Lei é de competência do Ministério daEducação, do FNDE e dos órgãos do Sistema de Controle Interno do PoderExecutivo Federal e será feita mediante a realização de auditorias,fiscalizações, inspeções e análise dos processos que originarem asrespectivas prestações de contas.Art. 33, § 4º da Lei nº 8.080/90:§ 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema deauditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dosrecursos repassados a Estados e Municípios. Constatada a malversação,desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicaras medidas previstas em lei.

De acordo com o disposto nos referidos dispositivos, afiscalização atinente ao emprego das referidas verbas federais recai sobre os entesvinculados à União, o que se denota por se tratar de repasses voluntários para aconcretização de programas assistenciais em favor da população, atraindo a aplicação daSúmula 208 do STJ:

Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desviode verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

Assim, tratando-se de cometimento de ilícito que envolve verbasfederais, em função da execução dos termos de parceria firmados com a CEGEPO parautilização de verbas federais repassadas aos Municípios, pelos Ministérios da Educação eSaúde, é devida a aplicação da Súmula 208 do STJ.

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Justifica-se, portanto, o interesse da União, a competência dajurisdição federal, e, outrossim, não se justifica a absolvição do réu, com fundamento deaprovação das contas pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.

Neste sentido:

101000031297 - HABEAS CORPUS - PREFEITA MUNICIPAL -DENÚNCIA - ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67 E ART.89 DA LEI Nº 8.666/93 - APURAÇÃO DE MALVERSAÇÃO DEVERBAS PÚBLICAS - CONVÊNIO - MINISTÉRIO DA SAÚDE -FISCALIZAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO -INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 208 DO STJ - COMPETÊNCIA DO TRFDA 1.ª REGIÃO – ORDEM DENEGADA. 1- A denúncia imputa à prefeitaa malversação de verbas públicas federais, repassadas à Prefeitura porintermédio de convênio, assinado entre o Fundo Nacional de Saúde e aMunicipalidade, sujeito à prestação de contas ao Tribunal de Contas daUnião e sob fiscalização do Ministério da Saúde, que é responsável porapurar a correta utilização do dinheiro repassado, bem como odesenvolvimento da ação social. 2- Evidente interesse da União em apuraros possíveis crimes praticados pela prefeita municipal, nos termos do verbetesumular nº 208 do STJ, in verbis: "Compete à Justiça Federal processar ejulgar Prefeito Municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contasperante órgão federal." Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 3-Ordem denegada. (STJ - HC 107.753 - (2008/0119776-3) - 5ª T - Relª MinªLaurita Vaz - DJe 12.04.2010 - p. 709).

116090833 - HABEAS CORPUS - PENAL - DENÚNCIA DE DESVIO DEVERBAS DO FUNDEF POR PREFEITO MUNICIPAL - PRESTAÇÃO DECONTAS JUNTO A ÓRGÃO FEDERAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇAFEDERAL - SÚMULA 208 DO STJ - ORDEM CONCEDIDA - 1. Competeà Justiça Federal o julgamento de eventual desvio de verbas relativas aoFundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e deValorização do Magistério - Fundef, praticado por Prefeito Municipal. 2.Inteligência da Súmula 208 desta Corte. Precedentes. 3. Ordem concedidapara trancar a ação penal em trâmite na Justiça Estadual e fixar acompetência da Justiça Federal para julgamento do feito. (STJ - HC200401273428 - (38136 BA) - 6ª T. - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa -DJU 13.12.2004 - p. 00462).

1302137570 - PENAL E PROCESSUAL PENAL - RECEBIMENTO DEDENÚNCIA - CRIME PRATICADO POR PREFEITO (ART 1º, VII, DODECRETO-LEI Nº 201, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1967) -COMPETÊNCIA - JUSTIÇA FEDERAL. 1- Segundo a Súmula nº 208 doSuperior Tribunal de Justiça, compete à Justiça Federal processar e julgarprefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas peranteórgão federal. 2- A denúncia preenche todos os requisitos do art. 41 doCódigo de Processo Penal, e não se configuram as hipóteses de rejeição doart. 43 desse diploma normativo. 3- Na hipótese, há indícios damaterialidade e da autoria do crime de responsabilidade praticado porprefeito que se omitiu no dever de prestar contas, na época devida, dosrecursos de convênio celebrado com a Fundação Nacional de Saúde- Funasa

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(art. 1º, VII, do Decreto- Lei nº 201, de 1967). 4- Denúncia recebida. (TRF-5ª R. - INQ 2006.81.01.000717-7 - (1839) - TP - Rel. Des. Fed. FranciscoCavalcanti - DJU 02.07.2008 - p. 165).

Assim, mediante inclusive a aplicação do entendimento sumuladodo STJ, conforme verbete nº 208, há de se reconhecer a competência desta Casajulgadora para proceder ao recebimento da peça acusatória, haja vista o interesse daUnião na aplicação das verbas federais repassadas ao Município e considerar,igualmente, a independência das instâncias, não havendo qualquer espécie de isenção dejurisdição a administrador público que tem suas contas aprovadas por Tribunais deContas, máxime no caso presente, em que competente a Justiça Federal, em face danatureza da verba objeto do convênio.

O dispositivo legal que dá supedâneo à acusação tem a seguinteredação:

Decreto-lei nº 201/67Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos aojulgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento daCâmara dos Vereadores:I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveitopróprio ou alheio;II – utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens,rendas ou serviços públicos;III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;IV – empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquernatureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;(...)§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dositens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com apena de, de três meses a três anos.

A absolvição se deu pela falta de provas, nos seguintes termos:

(...)Quanto à imputação da prática dos crimes de responsabilidade previstos noart. 1º, I, II, III, IV e V, do Decreto-lei nº 201/67, cumpre destacar que acelebração de termos de parcerias pelo prazo de seis meses numa situação deemergência não indica, necessariamente, o dolo de apropriar-se de bens ourendas públicas (ou desviá-los em proveito próprio ou alheio), de utilizar-se,indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviçospúblicos, de desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas, deempregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquernatureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam oumesmo de ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-lasem desacordo com as normas financeiras pertinentes.A eventual existência de dolo do réu na celebração dos termos de parcerianão restou demonstrada diante das circunstâncias objetivas apresentadas.Isso porque, além dos fatos de ter sido editadas leis, com participação da

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Câmara dos Vereadores, para a realização de parcerias e das parcerias teremdurado apenas seis meses, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco,no Processo TC 0650059-6, julgou regular com ressalvas as contas doexercício de 2005 apresentadas pelo réu, na qualidade de Prefeito doMunicípio de Itacuruba (fl. 1362). Ademais, não há sequer notícia de que foiinstaurada tomadas de contas especial ou processo administrativo no âmbitodo Tribunal de Contas da União.Quanto ao Parecer Técnico nº 099/07 (fls. 76/87 do PA), deve-se destacarque o mesmo foi elaborado pelo próprio órgão acusador e apenas com osdocumentos apreendidos em cumprimento da ordem judicial da busca eapreensão dos documentos da CEGEPO, assinada em 05/10/06 (fls. 41/44).Ou seja, considerando que os termos de parcerias celebrados pelo réutiveram vigência entre 01/06/05 e 31/12/05, há a possibilidade de não teremsido encontrados todos os documentos referentes aos termos de parcerias emque estão, o que, a princípio, invalida as conclusões apresentadas nomencionado parecer. Ressalte-se que o pagamento de voluntários, a título dereembolso, a princípio, não constitui ilicitude.Desse modo, não há prova de que houve a apropriação indevida, a utilizaçãoindevida ou o desvio de verbas públicas ou mesmo o emprego de recursos,em desacordo com os planos ou programas a que se destinam, ou aordenação de despesas não autorizadas por lei, em desacordo com as normasfinanceiras pertinentes.Diante do exposto, pode-se afirmar que a instrução processual nãodemonstrou a materialidade dos crimes de responsabilidade imputados aoréu. Inexistindo robusta prova acerca da prática dos crimes deresponsabilidade, impõe-se a absolvição, sobretudo em respeito ao princípioque milita em favor dos réus, in dubio pro reu.

As conclusões da sentença estão em completo desacordo com afundamentação do voto do Des. Fed. Barros Dias, quando do recebimento da denúncia,momento em que foi ressaltada a existência da prova da materialidade delitiva:

(...)Com base nos documentos apresentados pelo Ministério Público,especialmente os extratos bancários apreendidos, evidencia-se divergênciasentre os valores constantes nos recibos firmados pela CEGEPO e aquelesregistrados na conta 11729-3, Agência 1028-6, Banco do Brasil, sendo essaa conta especificada nos termos da parceria para o recebimento dos recursos,referentes aos meses de julho a setembro de 2005.Assim, do repasse de R$ 895.419,60, restou quantia significativa sem acomprovação da destinação, no caso, correspondente a R$ 514.131,18, tendosido R$ 381.288,42, depositados na conta corrente especificada nos termosde parcerias para recebimento de recursos, tudo com base nos extratosbancários constantes dos autos (fls. 189/250).Com base nessa narrativa pode-se concluir: 1 – desvio de verba federalrepassada ao Município para uma entidade privada sem qualquerautorização legal e pelas cias próprias da utilização desse dinheiro; 2 –consequentemente utilização indevida de verbas públicas federais; 3 –emprego de recursos federais em desacordo com cronograma, finalidade ejustificativa plausível; 4 – realização de despesas em desacordo com a lei.(...)

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Com base nos documentos colacionados e as demais provasproduzidas nos autos, no curso da instrução criminal, o réu cometeu o delito de que éacusado.

A vasta prova documental demonstra a procedência daimputação da denúncia, revelando o desvio de verbas federais repassada ao CEGEPO e aconsequente utilização e emprego indevidos de tais verbas, com enormes prejuízos nãosó para o erário federal, como também para os beneficiários dos diversos programas epolíticas públicas acima mencionadas.

Como bem assinalou o MPF, nas razões finais (fls. 1227/1362):“a documentação na qual se esteia a denúncia, notadamente os extratos bancáriosapreendidos, demonstram uma incompatibilidade entre os valores constantes nos recibosemitidos pelo CENTRO DE GERAÇÃO DE EMPREGO – CEGEPO (fls. 124/187) e osverificados nas movimentações da conta corrente nº 11729-3, ag. 1028-6, do Banco doBrasil (fls. 219/288)”.

Encontra-se demonstrada nos autos uma evidenteincompatibilidade entre os extratos bancários e os recibos de pagamentos, juntados pelopróprio edil réu na presente ação (fls. 1227/1362), as notas de empenho emitidas pelaPrefeitura de Itacuruba/PE, para pagamentos de despesas não previstas nos objetos dostermos de parceria (fls. 1241/1243), caracterizando a utilização indevida de verbaspúblicas, a ver as notas de empenho abaixo descritas:

- levantamento estatístico do impacto financeiro das despesas de pessoal pormeio da OSIP em relação aos 54% da Lei Complementar nº 101/2000 LRF(nota de empenho de R$ 8.000,00 – fl. 1253);- despesas para atender custos administrativos originário dos termos deparceria para realização de treinamento e confecção de folha de pagamentodo pessoal (nota de empenho no valor R$ 6.500,00 – fl. 1253); e- curso do pessoal voluntário da CEGEPO (nota de empenho no valor de R$3.500,00 – fl. 1360).

Além disso, na documentação colacionada pelo denunciado,identifica-se, claramente, o emprego de verbas públicas federais em desacordo com oplano de trabalho e as regras de aplicação de tais verbas, nos seguintes programas:

a) Programa de Educação Infantil – no termo de parceria, ocusto previsto era de R$ 82.137,86 (fl. 1241), sendo que as notas de empenho relativasao mencionado programa governamental (fls. 1264, 1279 e 1311), dão conta dopagamento do valor total de R$ 33.050,60;

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b) Programa Saúde para Todos – PSPT, com custo previsto deR$ 246.183,84 (fl. 1241), e as notas de empenho referentes a tal programa apresentam osomatório de R$ 177.598,88 (fls. 1262, 12821, 1316, 1331, 1344 e 1359).

Além das provas da materialidade, a autoria também restousuficientemente comprovada, merecendo destaque a narrativa da denúncia, da decisão derecebimento da denúncia pela Corte Federal e também os termos da apelação ministerial,da qual deve ser destacado o trecho abaixo:

(...)“A autoria delitiva resta sobejamente comprovada pelo fato de que, nacondição de Prefeito, Rogério Magalhães Ledo, participante e beneficiáriodas fraudes promovidas pela organização criminosa, agiu, livre econscientemente, da seguinte forma:- contratou a CEGEPO sem a realização de um concurso de projetos, mesmotendo plena consciência da inidoneidade da referida OSCIP, a qual estavasendo investigada por inúmeras fraudes cometidas em detrimento daAdministração Pública, sendo tal informação pública e notória;- terceirizou atividades exclusivas do Estado, mediante a contratação diretada OSCIP CEGEPO, intermediando mão de obra para o desempenho deatividades próprias de cargos e empregos públicos;- exonerou-se, no exercício 2005, da limitação existente nos artigos 18 a 19da Lei de Responsabilidade Fiscal, em decorrência da contratação ilegal demão de obra terceirizada;- favoreceu a circulação e malversação de dinheiro público entre oscomponentes da empreitada criminosa, desviando-o de sua finalidade socialpara satisfazer interesses pessoais;- não fiscalizou a aplicação dos recursos públicos federais repassados aoMunicípio de Itacuruba em decorrência da celebração do Termo de Parcerianº 01/05/2006, celebrado com a CEGEPO, mormente o fato de que aprestação de contas da aludida avença serviu apenas para dar ares deregularidade na aplicação das verbas malversadas;(...)

O MPF descreve o elemento subjetivo do tipo penal e comprovao dolo do réu, nos seguintes termos:

9. Da presença do elemento subjetivo dos tipos penais imputados ao apelanteDe acordo com toda carga probatória carreada aos autos, percebe-se queRogério Magalhães Ledo agiu com o dolo necessário para permitir aaplicação das figuras típicas a ele imputadas, senão veja-se. Na função dePrefeito, o apelado contratou a CEGEPO sem a realização de um concursode projetos, mesmo tendo plena consciência da inidoneidade da referidaOSCIP.Soma-se a isso o fato de que ele terceirizou atividades exclusivas do Estado,mediante a contratação direta da OSCIP CEGEPO, intermediando mão deobra para o desempenho de atividades próprias de cargos e empregospúblicos, com a finalidade precípua de exonerar-se, no exercício de 2005, dalimitação existente nos artigos 18 e 19, da Lei de Responsabilidade Fiscal,em decorrência da contratação ilegal de mão de obra terceirizada.

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Ademais, concorreu para a malversação de dinheiro público entre oscomponentes da empreitada criminosa, desviando-o de sua finalidade socialpara satisfazer interesses pessoais, não fiscalizando, propositadamente, aaplicação dos recursos públicos federais repassados ao Município deItacuruba em decorrência da celebração do Termo de Parceria nº01/05/2006.Em consulta ao Dicionário de Português Online Michaelis, podemosverificar os possíveis significados dados ao verbo utilizar, aplicar, elementardo tipo previsto no inciso II, art. 1º, Decreto-lei 201/67. Vejamos:Utilizar. (Útil mais izar). Vtd. 1. Tornar útil, empregar utilmente:Utilizemos bem o tempo. Utilizemo-lo em boas ações. Vtd. 2. Ganhar,lucrar: nada utilizou com esse proceder. Vtd. 3. Ser útil; aproveitar: “A málíngua não utiliza a ninguém” (Cândido de Figueiredo). Vpr. 4. Servir-se,tirar vantagem: Utilizara-se de seu grande cabedal de leituras. Antôn.(acepção): inutilizar.Levando-se em conta apenas este tipo penal, conclui-se que: não fossemestes motivos de foro íntimo, as verbas públicas utilizadas teriam cumpridoseu objetivo, que seria proporcionar qualidade de vida aos moradoresdaquela municipalidade. A existência de dolo nas condutas do demandado éextraída dos próprios fatos narrados e de suas circunstâncias, restandoevidente que, no caso concreto, estas não acomodam a boa-fé.Nesta órbita, ante a robusta carga probatória carreada aos autos, é impositivaa condenação do apelado às cominações previstas no § 1º do art. 1º doDecreto-lei 201/67 c/c, na forma dos artigos 13 e 29, do Código Penal,merecendo retoque, data máxima vênia, o decisum do primeiro grau.”

O representante ministerial, na fl. 2052, descreve:

O dolo na conduta do acusado restou devidamente comprovado, consoante seobserva do encadeamento fático acima demonstrado, que revela que o ex-gestor municipal tinha plena consciência dos seus atos e agiu conforme suavontade. Resta claro, portanto, que o réu, consciente da inidoneidade doCEGEPO, efetuou termos de parceria com tal OSCIP, sem realizar concursode projetos, em ofensa ao decreto 3100/99, e, além disso, decretou estado deemergência no Município a fim de justificar tais irregularidades, tudo com afinalidade de desviar verbas federais repassadas para utilização emprogramas sociais e, consequentemente, utilizar e empregar indevidamentetais verbas.Embora a materialidade do delito estivesse amplamente comprovada porvasto arcabouço probatório, composto de farta documentação, relatóriotécnico e sólida prova testemunhal, todos submetidos ao crivo docontraditório perante o Poder Judiciário, o juízo a quo entendeu nem mesmocomprovada a materialidade dos crimes, fundando a absolviçãoespecialmente na tese da rejeição pura e simples das conclusões do parecertécnico nº 099/07 (fls. 106-117 e anexos), da COORDENADORIAMNISTERIAL DE APOIO TÉCNICO – CONTABILIDADE DO MPPE,que analisou os inúmeros documentos apreendidos em cumprimento amandado de busca e apreensão expedido no processo criminal 3.403/06, porter sido tal parecer técnico “...elaborado pelo próprio órgão acusador eapenas com os documentos apreendidos em cumprimento da ordem judicialde busca e apreensão de documentos da CEGEPO, assinada em 05/10/2006(fls. 41/44).

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Esse relatório técnico nº 099/2007, preparado pelo setor pericial do MPPE(fls. 106/117), indicou a realização de gastos com contratação de pessoasfísicas sem a devida comprovação da necessidade do objeto e com aqualificação dos profissionais contratados, além da falta de comprovação daefetiva prestação dos serviços. Tal documento técnico é dotado de presunçãode legitimidade e legalidade, própria dos atos públicos, assemelhando-se,inclusive, aos laudos e relatórios técnicos produzidos por setores periciaisdos órgãos policiais, bem como a outros documentos administrativos queembasam denúncias (autos de infração dos mais diversos órgãos,representação fiscal para fins penais, etc).Além dessa presunção, o relatório técnico foi submetido, como qualqueroutra prova, ao contraditório em juízo, não tendo as conclusões neleconstantes sido rebatidas. Em razão do valor probatório dos documentosproduzidos pelas autoridades públicas, inclusive pelos setores técnicos doMinistério Público, o entendimento proferido na sentença vergastada nãopode ser mantido, que afastou o valor probante de tal documento, pelosimples fato dele ter sido produzido pela acusação. Esse entendimentosufragado na sentença colide com os artigos 155, 156 e 381, III, do Códigode Processo Penal, abaixo transcritos:“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da provaproduzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisãoexclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redaçãodada pela Lei nº 11.690, de 2008).Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas asrestrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008).I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada deprovas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade,adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de2008)II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, arealização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.(Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).Art. 381. A sentença conterá:(...)III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;(...)Desse modo, merece reforma a conclusão do juízo sentenciante, ao afirmarque: “não há prova de que houve a apropriação indevida, a utilizaçãoindevida ou desvio de verbas públicas ou mesmo o emprego de recursos, emdesacordo com os planos ou programas a que se destinam, ou a ordenação dedespesas não autorizadas por lei, em desacordo com as normas financeiraspertinentes”, uma vez que não há provas suficientes para amparar acondenação do réu pelos crimes do DL 201/67”.

Aliter, consta na denúncia, em síntese, que, mediantecumprimento de mandado de busca e apreensão concedido nos autos de outro processocriminal, obteve-se acesso à documentação referente à parceria entre a OSCIP(CEGEPO), representado pelo Sr. Erivado Saraiva Feitosa, e a Prefeitura de Itacuruba,

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representada pelo Sr. Romero Magalhães Ledo, com vigência no período de junho adezembro de 2005, para execução dos Programas Sentinela, Agente Cidadão, EducaçãoInfantil, Saúde da Família, Saúde para Todos, Agentes Comunitários de Saúde,Educação de Jovens e Adultos, Erradicação do Trabalho Infantil, Agentes JovensEgressos do PETI, Se Liga, Epidemiologia, Incentivo ao DesenvolvimentoAgropecuário, Educação e Saúde e Educação e Arte.

Evidenciaram-se mais precisamente recibos, através dos quais severificou a efetivação de repasses de eventuais verbas federais por parte da PrefeituraMunicipal de Itacuruba ao CEGEPO no montante de R$ 895.419,60 (oitocentos enoventa e cinco mil, quatrocentos e dezenove reais e sessenta centavos), para aplicaçãoem programas sociais, referente a diversos termos de parceria. Do referido montantetotal, teria ficado um valor correspondente a R$ 514.131,18 (quinhentos e quatorze mil,cento e trinta e um reais e dezoito centavos) sem a devida comprovação de suadestinação, haja vista o encontro dos recibos do CEGEPO e os valores depositados nascontas correntes destinadas ao recebimento do numerário.

Segundo a denúncia, constatou-se a indicação nos relatórios doCEGEPO de que teria sido aplicado ao todo o valor de R$ 601.865,35 (seiscentos e ummil, oitocentos e sessenta e cinco reais e trinta e cinco centavos) – correspondente aopercentual de 69,68% (sessenta e nove vírgula sessenta e oito por cento) – no reembolsode voluntários, evidenciando-se verdadeiro caráter remuneratório, mediante a condiçãode pagamento fixo e, em alguns casos, correspondeu exatamente ao valor do saláriomínimo vigente, o que afrontaria o disposto na Lei nº 9.608/98, o que descaracterizaria acondição de voluntariado prevista no referido diploma legal.

Constata-se, portanto, que “restou patente que a administraçãomunicipal se valeu dessas ‘parcerias’, firmadas com o CEGEPO, basicamente, para sefurtar aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal 101/2000, notadamenteno que concerne aos gastos com pessoal previstos em seu art. 18, escudando-se, para tal,na legislação que trata do serviço voluntário. Tal constatação deve-se ao fato de quecaso a municipalidade efetuasse a contratação desse pessoal, da forma correta, através decontratação temporária ou mediante a contratação de prestação de serviços, ou ainda,por meio de fiscalização de concurso público, em qualquer das hipóteses, tais gastosseriam considerados no cômputo de despesas com pessoal em relação ao total de suasreceitas líquidas, conforme previsto no art. 19, inciso III, da LRF.

No presente caso, por se caracterizar como terceirização demão-de-obra, a Prefeitura de Itacuruba deveria contabilizar essa despesa na rubrica“Outras Despesas de Pessoal”(art. 18, § 1º, da LRF) e considerá-la para cálculo de limitede gastos com pessoal, o que não ocorreu.

No que tange à outra parte do valor que teria sido repassado pelaadministração pública municipal à OSCIP, correspondente ao percentual restante de

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25,98% (vinte e cinco vírgula noventa e oito por cento) referente ao numerário de R$224.400,00 (duzentos e vinte e quatro mil e quatrocentos reais), este foi indicado norelatório da entidade parceira como tendo sido utilizado no pagamento de serviços depessoa física.

Sustenta-se, na peça acusatória, que inexiste qualquerdocumentação demonstrando a necessidade e o objeto de tais serviços, ou ao menosrelatórios que comprovem a efetiva realização da prestação ou justificativa dos preçosou comprovação da qualificação dos profissionais contratados. Com base em taispremissas, o MPF concluiu corretamente e restou comprovado na instrução que taisgastos se prestaram basicamente para o comprometimento de recursos, de forma que nãohouvesse sobras, desobrigando, assim, o CEGEPO a efetuar restituições à Prefeitura deItacuruba, sendo essa uma forma de remuneração da instituição e, consequentemente, deseus dirigentes.

Os relatórios apresentados não passam de meras peçascontábeis/financeiras, pois tratam das metas e resultados de maneira evasiva, sem trazerindicadores que demonstrem o efetivo impacto dos programas nas condições sociais dapopulação atingida. Conclui-se, portanto, que o CEGEPO se beneficiou das parceriaspara terceirizar mão-de-obra, para efetuar contratação direta com o município deItacuruba sem participar de licitação, em desacordo com a Lei nº 8.666/93.

O CEGEPO expandiu suas atividades criminosas nos diversosmunicípios e obteve seus ganhos ilícitos através de Assessorias Contábeis, Jurídicas eAdministrativas, com recibos de pessoas físicas e notas fiscais de pessoas jurídicasprestadoras desses serviços, as quais, pela impossibilidade de estarem presentes emdiversos municípios simultaneamente, raramente prestavam os mesmos, fornecendocomprovantes graciosos que serviam apenas para justificar supostos gastos realizados emprol dos termos de parcerias celebrados com as prefeituras municipais. De tão gritantesas irregularidades, terminaram por atrair a atenção do Tribunal de Contas.

A materialidade das condutas criminosas é imputada peloDenunciante a três células de atuações distintas e que estariam interligadas, que atuariamna manipulação de diversas pessoas físicas e jurídicas (SERVIL SERVIÇOS LTDA.,APTA EMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS LTDA., REALIZEEMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., OSASCO CONSTRUÇÕESLTDA., IDECI - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E CIDADANIA eMIXPREL –UNIÃO DE PROFISSIONAIS EMPREENDEDORES LTDA.), as quaisusavam notas fiscais que efetivamente não correspondiam às compras ou contratações deserviços para os municípios (notas fiscais inidôneas ou notas fiscais frias), locupletando-se indevidamente de verbas públicas e supostamente ocultando e dissimulando anatureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,

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direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos crimes de lesão aopatrimônio público.

A primeira célula identificada na peça acusatória é representada,segundo alegações do Denunciante, pelo Sr. ROMERO MAGALHÃES LEDO, Prefeitode Itacuruba, representando o Poder Público, que teria celebrado vários termos deparceria com a OSCIP –CEGEPO, que possui como presidente o denunciadoERIVALDO SARAIVA FEITOSA e como administradores ocultos (AMAURY DASILVA PINTO, EDIRCE EUGÊNIA CORREIA PINTO e AMAURY DA SILVAPINTO JUNIOR). Conclui-se que a ligação destes últimos se evidencia em função desuas atuações nas empresas que orbitam em torno do CEGEPO, quais seja, a SERVIL,APTA, REALIZE, OSASCO, IDECI, MIXPREL, bem como da atuação do próprioERIVALDO SARAIVA FEITOSA, que também é sócio das empresas REALIZE,OSASCO e MIXPREL, que se beneficiariam das verbas públicas de forma fraudulenta.

Restou provado nos autos que o acusado, Romero MagalhãesLedo, desobedeceu aos limites da LRF para despesas de pessoal e ainda favoreceu acirculação de dinheiro público entre os componentes das células criminosas, privando ossupostos voluntários de seus direitos trabalhistas, bem como deixando de realizarprocedimento licitatório, inexigindo-o fora dos casos previstos na Lei 8.666/90.

A evidência dos tipos penais não se exaure na análise de ter sidolegal o procedimento de escolha da OSCIP na Administração do Município deItacuruba/PE, em atenção aos ditames da Lei nº 9.709/99, vez ser necessário se analisaro desenvolvimento do processo de escolha, bem como as alegações de envolvimento doMunicípio com a organização escolhida, o que só foi possível apurar no curso da açãocriminal.

A alegação acerca da efetivação do repasse de todos os valoresdevidos à CEGEPO, totalizando um total de R$ 914.037,26 (novecentos e quatorze mil,trinta e sete reais e vinte e seis centavos), ou da aprovação das contas municipais peloórgão competente para fazê-lo, não afasta a possibilidade de análise da configuração dostipos penais presentes na denúncia, sendo devido no caso, no desenvolvimento da açãopenal, a efetiva comprovação da prática de diversos ilícitos pelo denunciado.

Com base nos documentos apresentados pelo Ministério Público,especialmente os extratos bancários apreendidos, evidencia-se divergências entre osvalores constantes nos recibos firmados pela CEGEPO e aqueles registrados na contacorrente nº 11729-3, Ag. 1028-6, Banco do Brasil (sendo esta a conta especificada nostermos de parceria para o recebimento dos recursos) referentes aos meses de julho asetembro de 2005.

Assim, do repasse de R$ 895.419,60 (oitocentos e noventa ecinco mil, quatrocentos e dezenove reais e sessenta centavos), restou quantia

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significativa sem a comprovação de destinação, no caso, correspondente a R$514.131,18 (quinhentos e quatorze mil, cento e trinta e um reais e dezoito centavos),tendo sido apenas R$ 381.288,42 (trezentos e oitenta e um mil, duzentos e oitenta e oitoreais e quarenta e dois centavos) depositados na conta corrente especificada nos Termosde Parcerias para recebimento de recursos, tudo com base nos extratos bancáriosconstantes nos autos (fls. 189/250).

Com base nessa narrativa, pode-se concluir: 1 – desvio de verbafederal repassada do Município para uma entidade privada sem qualquer autorizaçãolegal e pelas vias próprias da utilização desse dinheiro; 2 – consequente utilizaçãoindevida de verbas públicas federais; 3 – emprego de recursos públicos federais emdesacordo com cronograma, finalidade e justificativa plausível; 4 –realização de despesasem desacordo com a lei.

Considerando as planilhas elaboradas pelo CEGEPO, que tratamda aplicação dos recursos em cada programa, informa-se que o valor total dos repassescorresponde à quantia de R$ 863.754,36 (oitocentos e sessenta e três mil, setecentos ecinquenta e quatro reais e trinta e seis centavos). Com base em tal informação, restariaum total de R$ 482.465,94 (quatrocentos e oitenta e dois mil, quatrocentos e sessenta ecinco reais e noventa e quatro centavos), vide documentos de fls. 88/93. Tais evidênciasvão de encontro àquelas extraídas da movimentação bancária extraída da conta referenteao recebimento dos recursos advindos do termo de parceria firmado com a Prefeitura.

A utilização dos recursos, por sua vez, informou-se ter se dadoda seguinte forma: a) 69,68% com reembolso de voluntários e; b) 25,98% com opagamento de serviços de pessoa física.

De acordo com o relatório que subsidiou a oferta da denúncia,elaborado pela Coordenadoria de Apoio Técnico em Contabilidade –CMAT, a utilizaçãoexpressiva de recursos com a remuneração de voluntários e ressarcimento depagamentos em favor de terceiros suscita a possibilidade de verdadeira desobediência àLC 101/2000 e consequentemente à Lei nº 8.666/93, no que tange à necessidade delicitação, inexistindo qualquer menção acerca dos procedimentos administrativos dedispensa ou inexigibilidade de licitação.

Vale transcrever trecho do relatório:

Conforme demonstrado nas planilhas de prestação de contas foi empregadoem remuneração de voluntários a quantia de R$ 601.865,35 (seiscentos e ummil, oitocentos e sessenta e cinco reais e trinta e cinco centavos). Talreembolso tem caráter remuneratório, o que é vedado pela Lei nº 9.608/98,pois decorre de atividade laboral das pessoas que prestam os serviços, quebuscam uma remuneração para o seu sustento e não de uma atividade quevise tão somente à consecução de objetivos sociais mediante o seu esforçopessoal. Isso, portanto, descaracteriza a condição de cooperação e a

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colaboração entre a organização civil e o poder público, restando, apenas, aprestação de serviços por meio da terceirização de mão-de-obra da OSCIP àmunicipalidade. Convém ressaltar que aos voluntários não se admiteremuneração pelos serviços prestados, mas tão-somente, o ressarcimento deeventuais despesas realizadas na atividade voluntária, como bem se vê datranscrição da lei no início desse relatório.Isto posto, resta evidente que a administração municipal se valeu dessas“parcerias” firmadas com a CEGEPO, basicamente, para se furtar aoslimites impostos pela Lei Complementar 101/2000 (Lei de ResponsabilidadeFiscal - LRF), notadamente no que concerne aos gastos com pessoalprevistos em seu artigo 18, escusando-se, para tal, na legislação que trata doserviço voluntário, a qual visa, sobretudo, estimular a cooperação entreorganizações não governamentais e o poder público na consecução deprogramas que objetivem o bem estar social. Tal constatação deve-se ao fatode que caso a municipalidade efetuasse a contratação desse pessoal, de formacorreta, através de contratação temporária ou mediante a contratação deprestação de serviços, ou ainda, por meio da realização de concurso público,em qualquer das hipóteses, tais gastos seriam desconsiderados no cômputode despesas com pessoal em relação ao total de suas receitas líquidas,conforme previsto no artigo 19, inciso III da LRF.No presente caso, por se caracterizar como terceirização de mão-de-obra aPrefeitura de Itacuruba deveria contabilizar essa despesa na rubrica “OutrasDespesas de Pessoal” (artigo 18, § 1º da LRF) e considera-la para cálculo dolimite de gastos com pessoal.No que concerne ao CEGEPO, tais parcerias se revelaram substancialmentevantajosas, pois que lhe permitiu a contratação direta com o ente públicosem a participação em processo licitatório, uma vez que, no caso em apreço,o que ocorreu, na verdade, foi que a Prefeitura de Itacuruba terceirizou mão-de-obra cuja necessidade de licitação para sua contratação está prevista noart. 2º da Lei nº 8.666/93, combinado com o art. 6º do mesmo diploma legal,sendo os mesmos desconsiderados pela administração municipal. Outravantagem auferida pelo CEGEPO diz respeito ao fato de que não houvenecessidade da aplicação de capital próprio para a prestação dos serviços,visto que tais recursos lhe foram disponibilizados pelo poder público,bastando para tanto, revestir-se de uma fachada de legalidade, que no casofoi a obtenção do reconhecimento de Organização de Interesse Público –OSCIP, para, a partir daí, realizar seus negócios, burlando a legislaçãopertinente de forma a obter o enriquecimento de seus dirigentes.

Como se não bastasse, também há a indicação nos relatórios doCEGEPO noticiando os gastos com remuneração de pessoas físicas, sem a indicação dequalquer documentação a respeito da necessidade e do objeto de tais serviços ecomprovação de sua realização, justificativa de preços ou sequer comprovação daqualificação profissional dos contratados, o que se apresenta como verdadeira burla aosprincípios que regem a atividade administrativa no que tange à necessidade de licitação,previstos no art. 116 da Lei nº 8.666/93, que prevê a necessidade de realização delicitação mesmo se tratando de desembolso por parte de OSCIP, haja vista a utilizaçãode recursos públicos.

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Diferentemente do entendimento esposado na sentença deabsolvição, é dever do administrador público cercar-se de todos os cuidados nomomento da contratação de empresas para aquisição de produtos, já que a estas sãoimpostos os requisitos de idoneidade e regularidade cadastrais, os quais devem serobrigatoriamente observados pelo contratante, não sendo plausível simplesmente alegar-se o desconhecimento dessa situação, principalmente quando a sua não observância servecomo esteio para a prática de delitos, como o narrado nestes autos.

Em conclusão, o conjunto probatório dos autos demonstra que oAcusado, quando investido no cargo de Prefeito do Município de Itacuruba/PE, desviou,em proveito próprio, parte das verbas públicas recebidas por aquela municipalidade,oriundas dos Programas Sentinela, Agente Cidadão, Educação Infantil, Saúde daFamília, Saúde para Todos, Agentes Comunitários de Saúde, Educação de Jovens eAdultos, Erradicação do Trabalho Infantil, Agentes Jovens Egressos do PETI, Se Liga,Epidemiologia, Incentivo ao Desenvolvimento Agropecuário, Educação e Saúde eEducação e Arte, firmados com o Ministério da Saúde, restando devidamentecomprovadas a materialidade e a autoria delitiva em relação à referida conduta, a qual sesubsume ao art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67.

Como já pacificado na jurisprudência pátria, em razão doprincípio da consunção, os crimes de dispensa irregular do processo licitatório e de uso(crimes-meios), quando têm por única finalidade a consecução do desvio de verbaspúblicas (crime-fim), devem ser por este último absorvidos. Precedentes do STJ e doPleno desta Egrégia Corte: RESP 200401642965, Rel. Min. Paulo Medina, STJ -SEXTA TURMA, DJ Data: 25/09/2006 PG:00322; APN 200080000042292,Desembargador Federal Edílson Nobre, TRF5 - Pleno, DJE - Data::09/05/2013; APN200005000252404, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 -Pleno, DJE - Data:28/09/2009.

O fato de os tipos penais do falso e da responsabilidade dosprefeitos tutelarem bens jurídicos distintos não constitui óbice ao reconhecimento daabsorção do crime-meio (art. 298, CP) pelo crime-fim (art. 1º, I, do Decreto-Lei201/1967), quando a potencialidade lesiva do primeiro se exaure e se esgota no segundo.

Isso posto, impõe-se a condenação de Romero Magalhães Ledonas penas do art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67.

Passo à dosimetria da pena.

O crime do art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67 é punidocom pena de reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos.

Ao meu ver, dois fatos exacerbam a pena-base além do patamarmínimo. Primeiramente, em virtude do nível de consciência da inadequação social de sua

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO

GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO

conduta delituosa, demonstrado pela forma de realização do desvio, e considerando,ainda, a sua posição de ocupante de cargo público eletivo, a culpabilidade (juízo dereprovação) do réu ROMERO MAGALHÃES LEDO deve ser considerada em graumáximo. Em segundo lugar, as consequências do crime devem ser consideradas em graumédio, uma vez que a verba deveria ter sido destinada a atender a manutenção deprogramas sociais e de saúde pública, afetando, assim, o direito à saúde e à formaçãoprofissional, postulado constitucional. Esses dois fatores autorizam, no exame dascircunstâncias da culpabilidade e consequências do crime (art. 59 do Código Penal), oacréscimo da pena, porém abaixo do patamar médio entre a pena mínima e a máximacominada em abstrato, razão pela qual fixo a pena base privativa de liberdade em 03(três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

Na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes e decausas de diminuição e de aumento, torno a pena definitiva em 03 (três) anos e 04(quatro) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto (art. 33, § 1º,a, e § 2º, c, do CP).

Ademais, com base nos arts. 43 e 44, ambos do CP, substituo apena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação deserviço à comunidade ou a entidade pública e prestação pecuniária, cujas condiçõesdeverão ser especificadas pelo juízo responsável pela execução penal, em audiênciaadmonitória designada para tanto.

Tendo em vista o que dispõe o art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n.201/67, decreto a inabilitação do réu pelo prazo de 05 (cinco) anos para o exercício decargo ou função pública, eletivo ou nomeação.

Com essas considerações, dou parcial provimento à apelação,para condenar ROMERO MAGALHÃES LEDO pela prática do crime do art. 1º, incisoI, do Decreto-Lei n. 201/67, nos termos da fundamentação acima esposada.

É o voto.

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