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7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade
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M O V I M N T O
7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade
2/31
50,
AVENIDA RIO BRANCO
Rio de Janeiro
C o r r e i o A r e o
Linhas C G. A . Rereas
Horrio e taxas de RIO DE JANEIRO
ENTREGAR AS CORRESPONDNCIAS AO CORREIO
para Victoria, Caravellas, Bahia, Macei,
Recife, Natal e EUROPA.
para Santos, Florianpolis, Porto Alegre,
Pelotas, URUGUAY, ARGENTI
NA, PARAGUAY e CHILE.
10 horas
AOS
SABBADOS
12 horas
T a x a s P o s t a e s
R correspondncia transportada nos avies d as linhas Q
t
Q , #
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paga:
Em sellos ordinrios d o correio 1, a taxa pOStal BIDV|0r
Em sellos especiaes do servio areo 2. a taxa tansportB
M B
A taxa de
E x p r e s s o
facultativa
T a b e l i das taxas d e transporte areo d e R i o d e Janeiro
RIO DE JANEIRO
PARA:
Pelotas
Porto Alegre
Cartas, bilhetes 5
grms. Impressos,
Amostras, encom-
mendas 50 grms.
$500
$500
1
EUROPA
Urueuav e Argent ina . . .
Paraguav e Chile
RIO DE JANEIRO
PARA:
J
Cartas, bilhetes 5
grms. Impressos,
Amostras, encom-
mendas 50 grms.
Bahia
Macei
Natal
F.
Noronha
$500
$750
$750
$750
$750
Cartas, Bilhetes, por Impressos, Amostras e
5 grms. | Encommendas-por 50 grms.
1
2$500
13000
I C K / V i
*
u w
5$000
2$500
J-UUU
7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade
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P e am
C A P I L 1 D T
O nico preparado vegetal, sem
leo, que destroe a caspa, e revigora o
couro cabelludo, evitando
em muitos casos a queda do cabello.
F O R M U L A D O C H I M I C O
A. RABELLO
A venda em todas as pharmacias
e perfumarias.
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Revista de critica e informao
PRIMEIRO ANNO
Numero 11
Director:
RENATO ALMEIDA
LE CORBUSIER
UMA ENTREVISTA COM HERMANN KEYSERLING
ARCHITECTURA E URBANISMO
RENATO ALMEIDA: A NOVA POESIA BRASILEIRA
MARIO DE ANDRADE: MOMENTO
HILDEBRANDO ACCIOLY: A LIGA DAS NAES E O PROBLEMA DA PAZ
TEIXEIRA SOARES: STRESEMANN
O. B. DO COUTO E SILVA:
O CASAMENTO NA AMERICA
VVALDO FRANK NA ARGENTINA
O QUE OS HOMENS AT 1870 NO VIRAM NEM SOUBERAM
R E P E R T R I O
RcDACAO:
R. D. MANUEL, 62
A S S I G N A T U R A A H N U A L
BRASIL DEZ MIL REIS
Exterior Dois dollares
H*****
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Movimento Brasileiro
ANNO 1 N. 11
N O V E M B R O 1 0 2 0
LE CORBUSIER
Visitar ainda este mez, o Rio de Janeiro, a con
vite do Instituto Central de Architectos, cujo esforo
pelo modernismo devemos realar com entusiasmo, o
artista francez Le Corbusier, um dos grandes mestres
modernos. A sua palavra, depois da do prof. Steinhof,
trar seguramente para o nosso meio o prestigio de
uma poderosa fora de renovao, que se impe a todo
o mundo. E certo que as idas que Le Corbusier expor,
como as do
prof.
Steinho, no representam uma novi
dade para o Brasil. Tm apenas o mrito da autori
dade, affirmando aquillo que, desde 1922, os escritores
modernos brasileiros vm pregando, a necessidade da
criao de uma arte prpria e pessoal, condicionada
ao ambiente e ao tempo, e no mais a reproduco
das frmas mortasi e as pardias ridculas e inada-
ptaveis.
Ainda agora, quando o prof. Agache formula o
seu plano de reconstruco da cidade, no nos deixa
mos entusiasmar pela gran dez a d as linhas e propor
es,
pelo encanto de algumas realizaes e conde-
mnamos esse esforo como copia, que no deve vingar,
porque uma capital no se desenvolve livremente aen-
tro de planos inadequados de architectos extnainhos,
mas o seu rythimo que deve guiar a obra dos cons-
tructores. O contrario ser pura imitao. Uma ei-,
dade vive em harmonia com o meio physico e re-
flecte o caracter da sua populao. um organismo
'vivo,
portanto livre, e ser errneo Limitar-lhe o des
envolvimento em planos que no expressem as suas
tendncias, ou as limitem. A nossa natureza se des-
forar desses jardins exticos, alinhados, disciplinados,
que transportam para o caloro do Rio de Janeiro os
parques macios das Tulherias ou de Versalhes.
A palavra audaz de Le Corbusier, embora j nos
seja familiar pelos seus livros, pelas descries e pho-
lographias dos seus projectos e edificaes, ter para
ns o prestigio de uma das grandes foras da reno
vao moderna. Para elle, a vida moderna espera por
um plano novo para a casa e para a cidade. Esse plano
ser a criao da architectura, que no depende dos
estilos mentirosos, quando a nossa poca fixa cada dia
um estilo novo, mas do espirito do tempo, com as suas
condies psychologicas e as suas determinantes eco
nmicas, que obrigam serie e standardizao. A
grande reforma do espirito veiu da machina. Mas a
machina vem da geometria. "A geometria a nossa
grande criao exclama Le Corbusier e ella nos
emociona." t esse espirito geomtrico deve ser a syn-
these contempornea. Ainda agora, na sua primeira
conferncia em Buenos Aires, Le Corbusier realou o
contraste que vae entre as criaes architectonicas
modernas, complicadas e desnaturalizadas, e os prin
cpios que regiam a architectura hellenica, clara, ma-
tliematica, symbolo da simplicidade mesma, do equil
brio da barbaria vencida.
Nesse particular, a indagao deve ser profunda.
No ha duvida que o espirito geomtrico uomiua a
matria e tudo se reduz ia volumes. Mas, como no ha
uma s geometria, diversas so tambm as suas tOrmas.
Como outras geometnas constrem por sua vez o uni
verso, variam as suas expresses, tssa geometria ciana,
e hellenica, sobre a barbaria vencida, ser nappiicavel a
um paiz como o Brasil, que ainua procura vencer a bar
baria e que logicamente so a vencer dentro do rythmo
da sua natureza. Seria absurdo transpor para este con
tinente o schema hellenico. Devemos suscitar o espirito
criador do lairclutecto e do urbanista. Admittir essa
geo
metria
para condicionar as frmas plsticas seria taivez
arriscado e pouenamos entrar na regra inactual, que
tanto horroriza o arcnitecto francez. A geometria se co
ordenara com o meiu, ser o seu uibcipnnauor e nao
estrangulara a sua ung.naudade. i\a v^riaau uu niunuu
actual, as formulas absolutas degeneram sempre em
preconceitos, em que se conserva o passauismo. No
Brasil, o phenomeno architectural diffenr da Europa
e dos Estados Unidos, e no se reger portanto por
uma mesma geometria. Basta pensar na influencia for
midvel uo clima, para sentir toda a differenciao
exigida.
Quando comea a surgir, entre ns, uma gerao
de architectos modernos, a lio de um mestre como
Le Corbusier no representar apenas um motivo de
entusiasmo idealista. Ser de resultados efficientes e
prticos, adaptando a vibrante sensibilidade brasileira
s resultantes universaes do espirito construetor novo.
Ningum se illudir pensando que os homens do futuro,
dentro de meio sculo, estaro ainda curvados sobre
os planos passadistas do professor Agache, para orien
tar o desenvolvimento da nossa capital. Ella ser remo
delada, fatalmente, pela prpria energia brasileira.
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A
Uma entrevista com Hermann
Keyserling
Com Keyserling no se pde seguir o processo
usual das entrevistas, porque elle mal deixa ao inter
locutor o tempo para rpidas perguntas, uma ou
outra observao. Fala sempre, vertiginosamente, exi
gindo que se lhe fique muito attento, para no perder
as palavras que, por mais que corram, ainda ficam
atraz do seu pensamento. O philosopho de Damstadt
comeou a sua conversa comnosco insistindo no
leit-
motiv,
com que tambm principiou a sua primeira con
ferncia entre ns, depois de o ter muito repetido nos
outros paizes do continente, que a America do Sul foi
a maior impresso directa que tem tido da humanidade.
Por toda parte tem encontrado homens cheios de pre
conceitos, formulas literrias, velhos. Aqui, o homem
novo e cria uma civilizao de base emocional.
O que procura sempre o homem, por isso viaja.
L pouco e s conhece os livros essenciaes formao
de cultura ou as grandes obras-primas do gnero hu
mano. Prefere conhecer o homem directamente e para
isso o procura em toda parte em que se encontra. Per
guntam os se a natureza o interessava, e respondeu
Keyserling que pouco. Olha apenas de relance para
tirar a impresso do meio. Mas nunca estaciona para
contemplal-a. Aqui, nos paizes sul-americanos, s ci
dades,
construces, monumentos, a nada disso d
atteno, pois, nesse particular, tudo nosso est em
comeo. , e s quer ser, um homem sem compromissos,
ao meio dos outros homens.
Dahi a sua philosophia ser feita sem jargo,
interrompemos.
Sim, porque a philosophia antiga era outra
espcie de philosophia e eu acho que o philosopho no
apenas o doutrinador, mas o indivduo que v o uni
verso em funco da compreenso, como o economista
o faz em funco das trocas e o poltico das relaes
sociaes.
Tambm Bergson um philosopho sem jargo,
ou, pelo menos, com muito pouco.
Mas Bergson, que foi meu grande amigo pes
soal, antes da guerra, tem uma maravilhosa expresso
literria, que o seu grande prestigio.
Falou-se em Nietzsche e Keyserling disse que elle
foi o philosopso da nostalgia. Depois a conversa rodou
para a situao mundial. Keyserling, com a sua admi
rvel intuio sociolgica, porventura a feio mais
car act ers tica do seu esp irito, disse logo que os dois*
paiz es que m aiores altera e s soffreram uepois da
guerra foram a Russiaye a Inglaterra. Enquanto frana
e Allemanha pouco se Vodiicaram, aquelles oiferecehi
fundas uiii ere na s. Nenrfuma mud ana ioi mais rapina
na h isto ria do qu e a da Kuss ia, cujo regime actual e
devido a uma iite de gnios, continuando a tradio
nac ion al, de ser a RussSa go ve rna da por uma minoria
forte, a que se s u b m e tt e \ maioria. Por isso l nunca
entrou nem e ntr ar a d em ocrac ia. A essncia russa,
peia trad io mon golica, imp etuos a. O mongol o
o povo mais impenaiista e conquistador. Dahi o russo
ser um homem de convices absolutas. bolchevista
porque . Enquanto um allemo, por exemplo,.no
ace itaria uma pos io ante s de ter raciocinado, porque
filho de um povo de raz o , o russo se entrega pela
paixo e extremado. Sobre as influencias criadoras
citou-s e Do toiesw sky e K eyserling replicou que no.
O p ae foi To lstoi , de quem diss e no ser um espirito
sincero , pois enq uan to eva ngel izav a, era um homem
muito mau.
Pe rgu nta mo s se ju lga va o bolchevismo um phe
nomeno russo, e respondeu:
um phenomeno oriental, cuja infiuencia im
possvel de evitar ou limitar...
E invadir o occidente. . .
Isso, nun ca. Ser o riental apen as. A linha que
divide o Oriente do Occidente passa pelos estados bal-
ticos, Pol nia e vae R um ania. O bolchevismo no
a ultrapassar, j em 1919, quando me pergunta**^
na Allemanha, se elle nos invadiria, affirmava o con
trario, sob palavra. Quanto America do Sul, nem ha
que pen sar em bolche vism o. A Itlia apresenta no
fascismo um phe nom eno com g ran des pontos de con
tac to com o bo lchev ism o, no que se refere vontade
dominadora, mas em essncia diverso. Na Inglaterra
a trans form a o enor me . a luta dos filhos contra
os p e s. O part ido trab alh ista est cheio de aflito--
cratas.
Perguntamos sobre a approximao entre a Frana,
e a Allemanha, e Keyserling disse que
natural
$i*
"casamento de razo". O grande mrito da guerra]/
tornar impossvel, de futuro, outra guerra entre oss
paizes , porqu e elles represe ntam a cultura europa. 0
dio no de raa, mas de tradio politica, por caiu
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M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
do Rheno. As mocidades hoje se adm iram, os indu s
triaes *e admiram e tm interesses communs, logo
nada tu pede esse app roxim ao auspicios a. Curioso
que grandes homens franczes tm enormes contactos
Com os allemes . Poin car , po r exem plo, cujos defeitos
so todos allemes. Elogiou largamente a cultura e a
espiritualidade francezas, como uma das coisas supe
riores do mundo. Acha, porem, que a Frana deve re
novar os seus quadros, pois o nico paiz europeu,
bujos estadistas so os mesmos de antes e de durante
a^guerra.
E os Estados Unidos ?
o paiz que apresenta maior semelhana com
a Rssia, pela essncia econmica communista. Odeiam-
se,
certo, mesmo porque so os dois imperialismos
que regero o mundo. So os dois maiores aconteci
mentos da civilizao moderna. A approximao anglo-
americana de interesses momentneos, no funda
mental. A Inglaterra hoje obrigada a estar em 1>".T*
relaes com os E. Unidos, por causa do Canad e
talvez das outras colnias. Isso lhe tolhe os movimen
tos.
Em qualquer estremecimento, o Cana d ut. o
apoio americano para a separao.
Falou-se depois no Brasil e Keyserling mostrou
o grande interesse pelo nosso paiz, onde encontrou
uma elite de homens representativo* de cultura, como
em nenhum outro deste hemispherio. Como estivesse
aqui, ha poucos dias, no poderia dizer com maior se
gurana, mas a physionomia espiritual do Brasil se \h:
afigurava a de um povo de grande preoccupao intel
lectual.
1
ARCHITECTURA E URBANISMO
A PALAVRA DE STEINHOF
O professor EugnioSteinhof,da Escola de Artes Decorativas de Vicnna,
um artista moaerno, um verdadeiro construetor, de orientao clara e segura.
Sobre architectura e urbanismo, nos deu algumas conferncias e artigos, mos
trando as suas tendncias actuaes e defendendo os princpios evidentes da
subordinao ao tempo e suas determinantes e da harmonia com o ambiente,
evitando as deformaes da copia e do passadismo, que esterelizam e prejudi
cam o livre desenvolvimento da personalidade dos artistas. Visitando o Brasil,
a convite do "Instituto Central de Architectos", que assim testemunhou a sua
preoccupao pelas correntes modernistas, adquirindo inegualavel prestigio
junto aos moos, oprof.EugnioSteinhof, que demonstrou grande entusiasmo
pela renovao brasileira, dentro do espirito moderno, concedeu ao MOVI
MEN TO BRASIL EIRO a entrevista abaixo, cheia de vibrao nova e aguda
penetrao.
nossa primeira pergu nta sobre a remodelao da
cidade, explicou o prof. Steinhof que, at agora, pelo
desenvolvimento espantoso que tem tido o Rio de Ja
neiro, no foi possivel cuidar de urbanismo, nem de
licliitectura. A cidade est num momento de transio.
preciso, antes de tudo, formar uma g erao de archi
tectos livres, sem estar infeccionada pelas theorias, vin
das de uma gerao anterior que nada criou. Deve des
pertar-se nos moos, a criao pelo prprio tempera
mento, evitando o preconceito passadista e acadmico,
bem como a obcesso modernista. Xada de
dernier cri.
A CASA BRASILEIRA
Falamos, a seguir, da casa brasileira, e o
prof.
Steinhof nos disse que uma ctes suas alegrias foi ter
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compreendido o nosso espirito. Acha que, na Europa,
a famlia vive muito isoladamente, ao passo que aqui,
sempre um conjunto. Assim, a casa brasileira dever
ser feita de modo que nella se ande livremente, sem
as escadas complicadas das europas. A importncia
do clima preponderante, mas preciso considerar que
a sua ventilao se faz pela corrente de ar, isto , pela
circulao constante do ar. Isso se consegue por meios
que so differentes e contrrios mesmos aos da casa
europa. O principio technico da casa brasileira deve
ser o de uma garrafa thermica: paredes grossas e va
randas. A questo no s de grandies janellas, mas
de aberturas no alto, por onde se renove o ar e saia todo
o ar quente.
O ABSURDO COLONIAL
Indagamos da sua opinio sobre o colonial no
Brasil. Respondeu claramente: "Acho um absurdo. Pri
meiro, porque o paiz no mais colnia, depois porque
foi uma arte portugueza campestre, feita numa poca
em que o espirito era barroco, o que no acontece mais
hoje. A architectura deve vir do fundo do espirito do
povo. Os ornamentos so reflexos do seu subconsciente.
preciso extrair a essncia desse espirito, que se revela
na prpria linha ornamental. Por ella se saber da ori
gem e da espiritualidade de um povo. O colonial uma
volta ao passado sobre o estilo passado, to falso como
o Luiz XVI." Adora o colonial feito pelo espirito in
gnuo da grande alma barroca, mas abomina todas as
copias. Sobre o arranha-ceu, disse que o julga uma
questo econmica, determinada pelo valor dos terre
nos. Do contrario, acha um puro romantismo. Quanto
s nossas casas altas (que se admirou um pouco de
serem chamadas de arranha-cus) disse que no as con^
demna e as justifica, tudo dependendo da localizao,
de accordo com o ambiente e a paizagem.
O JARDIM BRASILEIRO
A propsito dos nossos jardins actuaes, acha-os
detestveis. uma copia servil e iwadaptavel. E ex
plicou: o jardim deve estar em relao com a flora. A
arvore europa de contornos incertos e vae bem no
seu ambiente. Aqui, a arvore definitiva, o que es
panta o estrangeiro. A palmeira uma cristalizao
clara da lei da formao. Em compensao, no pode
ramos ter aqui o carvalho, alis uma arvore magnfica.
O critrio dever ser a flora, aqui de uma superiori
dade extraordinria. O contrario puro snobismo.
Seria querer que um povo habituado aos meio-tons
compreendesse uma musica de quarto de tons. O eu
ropeu julga sempre a architectura hindu sobrecarre
gada, mas os hindus nella expressam sinceramente o
seu temperamento, sem nenhum excesso.
ARCHITECTURA, ECONOMIA, ENGENHARIA
Sobre a determinante econmica na architectura
disse q ue a g uer ra trouxe na E urop a a misria e esta
criou uma architectura econmica, mas recusa-se a acre
ditar que a economia seja o fim de qualquer arte. A
simp licidade de uma ponte ou de uma g are so admiV
raveis ma s a pe rfeio do calculo n o pde ser tam^
bem architectura, porque a architectura o symbolo do
espa o no q ual o homem vive, espa o criado com as
suas mos. A architectura deve criar o bem estar hu I
mano no seu sentido mais elevado. A construco d
os m eios. O h an gar d'O rly, ou a ponte do Porto so
coisas marav ilhosas, mas no podem substituir a ar
chite ctura . O archite cto deve pa rtir da riqueza da na
tureza, que no contem plar apena s segundo uma im
pres so sentim ental de belle za, mas pelo lado da sua
prp ria cria o . A na ture za sempre bella e a belleza
est em com preend er a s ua lei. preciso libertar o
joven archite cto do p lano dese nhad o pelos meios te
chnicos do rectangulo e do linear. O plano deve ser uma
execu o livre como a c ria o de um quadro ou de
uma est atu a. por isso q ue no estado de criao o
desenho deve ser feito a mo livre e somente depois
ser fixado pa ra a execu o. E no passado mesmo,
vemos isso, os planos dos grandes mestres da arflii-
tectura foram sempre desenhos livres.
Insis tiu em dizer que no um nihilista nem quer
destru ir o pa ss ad o. Es te deve ser c ultivado pela admi
ra o ao s g ran des art ista s, que s foram gnios porque
evi tara m a co pia e isso que lh es deu fora., Miguel
ngelo s revelou o seu gnio, quand o se libertou da
influencia de Do natel lo. S quem compreende bem o
passado, pde evital-o.
Falando sobre o classicismo, disse que no elle
greg o. "O Parth enon , affirmou ousadamente, era uma
pequena casa , m uito bella, campez ina". O que se con
vencionou cham ar de cls sico um estado de espirite
oom duas chamadas superpostas: uma, grega, vindado
culto de Hermes e de Apollo, outra, franceza, vinda
do Renascimento italiano. Porque o verdadeiro esprito
francez no o bom gos to, m as est synthetizado na
cathedral gothica. Aquelle espirito destruiu a essncia*
(
france za, dim inuin do-a. O verd adeiro gnio francez
Villon. Na Frana foi impossvel a impetuosidadejda
Renascena italiana.
O CLASSICISMO
As su as ultima s p ala vra s foram de entusiasmo peto
mod ernism o bras ileiro e pelo es pirito renovador qu*
encontrou, sobretudo nos estudantes de archtectwa,
de cuja formao acredita que se pode esperar a trans
formao architectural do Brasil.
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A nova poesia brasileira
Conferncia de Renato Almeida, ds A. B. E.
A natureza, no Brasil, no tem sido somente essa
fora de mysterioso terror que amesquinha o homem,
nem essa perturbao constante obra do progresso,
que entrava como a defender a barb aria nativa, m as,
por sobre tudo, uma inspiradora fiel do lirismo, com
que o homem tem proc urado e xalta l-a, soffrer a s ua
tirannia, dominai-a e vencel-a. Toda a nossa poesia
brota dessa fonte prodigiosa. O seu deslumbramento
nos
faz eloqentes e vibrantes. Se, porm, nos deprime,
tudo melancolia, lassido, desanimo. O sortilegio per
dura. Do xtase dos primeiros conquistadores emoo
dos poetas modernos, a poesia tem sido o milagre su
premo da terra. Do pasmo inicial, das sensaes do
olhar, do tacto, do gosto, do olfato, tudo novo na terra
nova, at a sensibilidade nativista da poesia moderna,
ha por certo um longo sentimento que se transforma.
A principio o canto terra "estupida men te bella",
depois ao paiz que surge, se modifica, e comea a
criar a civilizao. Mais tarde, as foras humanas se
incorporam e o indio romntico um symbolo da terra,
que se torna ptria. Vm depois outros poetas, imbu
dos agora de espirito estranho, muito mettidos com
gregos e romanos. Mas, nem assim, fogem fascinao
da natureza e so seus grandes cantores, ainda que por
vezes o artificio prejudique a sinceridade. Os que se
^afastaram e se isolaram dessa emoo nacionalista, que
na poesia contaminou o prprio Machado de Assis, fi
zeram obra incompreensvel na harmonia da sensibili
dade brasileira. O nosso lirismo a magia da natureza
que nos envolve e j agora ns a completamos.
^ Mas, se a imagina o brasileira se commove sem
pre diante dos mesmos motivos, como variou a sensi
bilidade, que hoje se reclama moderna e renovadora,
para exprimir sensaes mais puras e mais livres ? Que
transformao essa que impe o espirito moderno e
as suas correntes victoriosas ? N o so esse s poe tas,
novos cantores da terra, das suas lendas, da sua gente,
do seu dinamismo, das suas aspiraes e das suas for
as numerosas e activas ? No os ha exaltado s e fre-
mentes, melanclicos e ingnuos, no ha mesmo os
que renovam o indianismo, ansiando pela volta sel-
vageria, como a suprema expresso brasileira, que a
cultura compromette e degrad a ? Onde a novidad e e
a differena entre antigos e modernos, se nestes per
dura o sentimento que animou seus antecessores ? Onde
est a poesia nova do Brasil ?
Se quizesse responder a essas perguntas, de uma
s vez, creio que acertaria dizendo que s mudemos
trouxeram ao sentimento uma conscincia brasileira.
Nelles, o lirismo no vem do esplendor ou
di
melan
colia, mas da unio profunda com o Brasil, da intimi
dade que adquiriram com as cousas, do sentido intenso
das suas vozes e das suas nsias, da ideologia forma
dora de um espirito nacional, que se liberta de todos
os entraves e se affirma decididamente. Nem o espanto
inicial, com as formas do terror, nem a exaltao des
ordenada, nem o lamento persistente e torturado, nem
a transubstanciao da terra na paizagem apenas. Ha
ver de tudo, mas orientado num sentido intelligente
e criador. Porque a poesia moderna no mais de pura
sensibilidade, antes cerebral por excellencia. Ao invs
do devaneio a inteno. Procura construir, espiritual
mente, o Brasil e para isso o interpreta.
No indagaremos das muitas correntes que por-
fiam no mesmo esforo, pois, na finalidade commum,
explicaremos a sua razo de ser, que a inquietao
moderna a todas justifica. O poeta do futuro nascer
das nsias que agora se multiplicam e aspiram a expri
mir a essncia fundamental da terra. Poetas dinmicos
ou sentimentaes, uns exaltados pelo progresso avassa-
lador, outros humildes, preferindo a poesia simples da
gente rstica, outros ainda, sob a inspirao de Os--
wald de Andrade, reclamando selvageria e anthropo-
phagia, querem todos o segredo da realidade brasileira,
que lhes foge subtilmente.
Se ha uma constncia de energia na poesia e na
arte brasileira a do sentimento nacional. O Brasil
no cessa de affirmar a sua independncia, o que torna
o seu nacionalismo aggressivo. A principio, na colnia,
a revolta contra um s adversrio, Portugal, e a
aggresso o insulto, o achincalhe, a stira, ou a exal
tao do indgena e do ambiente brasileiro por poetas
de feitio clssico lusitano, como Basilio da Gam a e
Santa Rita Duro. Com a independncia, veiu a viglia
constante contra uma imaginaria dominao estran
geira, que redobra as foras da sua permanente ener
gia. Agora no s a terra, mas o homem que se
exalta, a sua construco, o seu espirito de barbaria, a
sua alegria nova. a "luz selvagem do dia ameri
cano"
(1) .
(1) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra, que deu a esta con
ferncia a collaborao admirvel de sua sensibilidade pene
trante e modernista, declamando poemas da nova poesia bra
sileira, recitou
Advertncia,
de Ronald de Carvalho.
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M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
A grande transformao foi obra da intelligencia.
A contemplao rara, mas longa a analyse e a in
teno, profunda a descoberta. O poeta novo procura
as determinantes ostensivas ou obscuras do espirito
nacional e se affirma pela aco. As descries arden
tes substituiu o schema, rpido e preciso. Um epi-
gramma tem mais substancia do que longos poemas e
o conceito no vem mais de um enunciado prolixo,
aponta-se na suggesto apenas. Seria curiosa a ana
lyse psychologica do processo, em que o subconsciente
desperta aos menores choques para as associaes
suggeridas. Nesse particular, toda a arte moderna est
animada por esse espirito geomtrico, em que a ima
ginao se compraz apontando intelligencia os ele
mentos fundamentaes da construco. Cada palavra
vem carregada de suggestes e cheia de idas que se
desdobrariam longamente. Resultam dahi o simulta-
neismo, que permitte essas impresses de conjunto,
atravs da superposio de muitas coisas numa mesma
emoo, e o synthesismo que agrupa as mais ousadas
associaes em torno de um n central. Tomemos, por
exemplo, um epigramma de Ronald de Carvalho, para
citar uma das frmas mais avassaladoras da poesia mo
derna brasileira.
Vero.
Ao invs da impresso vir de
um quadro descritivo, marcada atravs de alguns
pormenores da natureza que, por elles, se constre e
integra no motivo: folhas de metal, que brilham na cla
ridade; brilhos e scintillaes, aroma de resinas, crepi-
taes, zumbidps, trilhos surdos. E a nota psychologica
(synthetismo) marca o ambiente
torpor, monotonia,
desalento, lassido.
uma poesia cerebral, de impres
ses simultneas, cortadas e rpidas.
A renovao espiritual. Est no tempo. Foi a
guerra que modificou a sensibilidade e a civilizao da
machina, pratica e econmica, habituou o homem mo
derno a disciplinar o espirito pela synthese. A intelli
gencia reclamou o poder de ordenar pela essncia. A
arte, mais do que nunca, uma suggesto objectiva,
para que o subjectivismo multiplique a fantasia cria
dora. Mario de Andrade, para mostrar o mysterio da
unidade brasileira, a tragdia da nossa vida de ptria
immensa que se procura mas se desconhece ainda, assim
falou ao seringueiro distante:
"Fomos ns dois que botmos
Pra fora Pedro II...
Somos ns dois que devemos
At os olhos da cara
Pra esses banqueiros de Londres...
Trabalhar ns trabalhamos
Porm para comprar as prolas
Do pescocinho da moa
Do deputado Fulano.
Companheiro, dorme:
Porm nunca nos olhmos
Nem ouvimos e nem nunca
Nos ouviremos jamais...
No sabemos nada um do outro,
No nos veremos jamais
Atravs de todos esses pormenores, que a poesia
.fixou, ha um s entid o in tenso e profund o, que vem da
* inteno espiritua l, que o fundo mesmo da arte mo
derna. O grande choque da iraiovtao consiste na dif-'
ficuldade de perceber desde logo. Os que esto habi
tuados aos desenhos longos e aos quadros pittorescoj
se commoveriam se o poeta, em numerosos versos,'des
crevesse dramaticam ente essa historia brasileira. Mas
no sendo c apaz es da abs tra o, no pa ssaro do por-
menor banal, que tomam como a essncia da poesia,
assim tornada ridcula.
Se ia emoo brasileira a mesma que fez vibrar
os antigos, apparece 'transformada, pela intelligencije
pela mod ernidade. A ntes de tu do, a poesia nova des
prezou o formalismo e a liberdade da mtrica e do sen
tido estreito d a gra mm atic a lhe permittiu dominar a
ma tria n um erosa em que tem de mode lar. Dir-se- que
os antigos, nas frmas rgidas, criaram obras impere^
cveis.
Ma s q ue, no seu te mp o, a sensibilidade a ellas
se adap tava sem constra ngim ento, quando no repre
sentavam innovaes sobre os modelos passadosv|0
alexandrino romntico j uma conquista sobre o cls
sico e para ns ambos so inteis, como as expresso^
de hoje envelhecero para os homens do futuro. Acre-,
ditar n as frmas per pt uas desconhecer o rythmo
universal, que, variando, nos permitte a illuso conso-
Iadora de modificar e de criar. S o espirito ordena o
mundo e elle no se pde limitar s frmas. Tambm*
no o assumpto que determina a arte7 pois persistiria
o infecundo preconceito. a emoo de cada tempo
que a arte reflecte e n o se escrav iza, porque nsia
de liberdade. Por absurdo, justificaramos a palavra de
No vali s, qu e a su prem a poes ia s eria aquella que nem
assumpto t ivesse . . .
Vimos que o mod ernism o se differencia da poe-
sia antiga pela intelligencia, que lhe d maior liber
dade. Os poetas moderno s quebraram displicentes to
das as frmas, sorriem aos cnones, desprezai^o
:xemplo inactu al e vm com olhos prprios o espe
ctaculo da vida. Persistindo a mesma constante lrica,
transfiguram. Approximam-se das coisas, so simples
e busc am a expre ss o directa da realidade, que a re
trica sempre evitou, deformando-a em imagens retor
cida s e c om para e s artificiae s. Vivem o real sem se
transpor a planos abstractos. O poeta de hoje fala nas
coisas tal qual so, citadino ou rstico,^
0
f
x
^
humilde. E essa realidade nasce da profunda impressij
de poes ia que sublim a os motivos e os eleva e*no>
hum ana, alm das relatividades do tempo e do espao,
em que se constre.
Duas so as grandes tendncias da nova poe
7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade
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M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
brasileira. Ellas no esto, porm, afastadas e no
raro se encontram na mesma emoo. Essas expresses
so alis as frmas permanentes da nossa poesia. O en
tusiasmo e a melancolia. Aquelle continua no fundo do
espirito brasileiro e uma constante do nosso tempe
ramento. Esta afina-se nas cordas languidas da sau
dade, do 'amor infeliz, do desengano irremedivel.
Aquella dynamica, eloqente e vivaz. Esta, triste e
nostlgica. Uma reclama a vida intensa e mecnica, a
outra lana-se s fontes da poesia popular, ao resduo
perpetuo do nosso romantismo. Em tudo, um reflexo
da inquietao brasileira. Da primeira feio, nenhum
livro mais caracterstico do que este grande poema
que Toda a America, de Ronald de Carvalho, synv-
^phonia de todas as vozes do mundo novo, agitao fe
cunda das suas energias dispares e vibrantes, tumulto
das foras criadoras que renovam o espirito humano,
eloqncia dos seus rythmos numerosos que ordenam
a Civilizao moderna. Ronald de Carvalho o poeta
do nosso entusiasmo e este livro um dos mais altos gri
tos do nosso lirismo. certo que, tambm elle, nos
Epigramm as Irnicos e Sentimentaes, que tanta in
fluencia tm tido na nossa poesia, sobretudo nos seus
processos de factura e no cerehralismo synthetista, jus
tificando o conceito de Graa Aranha, quando o cha
mou "creador do novo lirismo", tambm elle se mostra
par vezes cheio de me lancolia , ainda que de fundo
illltellectuair tambm Guilherme de Almeida poeta da
nossa exaltao
e Raa,
o poema extraordinrio da
magia brasileira. Mas em Guilherme de Almeida, como
em nenhum outro, a maravilha do artista. Elle sabe
tocar em tudo para transformar em motivos de belleza
e joga cores, massas, sonoridades com mo gil e
prodigiosa. o poeta de todas as coisas, que dellas
tira um mundo de suggestes. Preoccupa-lhe a alma
sensorial, a essncia lirica que pde descobrir em todos
os objectos para a transfigu rao esthetica (2 ).
A poesia brasileira approxim a-se sobretudo da
terra e se melancoliza. As impresses de interior, da
gente pobre e miservel, das coisas humildes e singelas,
so ainda muito profundas. Tudo isso se reflecte no
folk-lore e elle se tornou o seu grande inspirador. Len
das,
supersties, fantasmagorias, toda a theoria do
terror primitivo avassala ainda a alma do nosso interior.
0 encantamento assenhoreia-se da emoo potica. As
festas, os sambas, os batuques, os rythmos syncopados
da sua musica se transportam para a poesia original
e barbara que apparece, criando um pathos curioso.
Sem se poder falar de regionalismo, ha um intenso
localismo. Os poetas gachos cantam pampas e vida
livre. Os mineiros, seus lugares, suas terras calmas das
montanhas, suas cidades velhinhas, seus rios meia-
pataca, suas fazendas e suas rezas. Os bahianos. a agi
tao da Bahia que se renova e seus lugares do im.-r>s
cearenses
resurgem a poesia nordestina, cheia de sol e de per
fume agreste, em que:
"Cabe todo o Cear dos cangaceiros,
cabe o gemer de todas as violas..." (3)
Os paulistas so pela terra roxa, pela cidade es
tupenda envolta em neblinas, que Mano de . \ndradte e
Ribeiro Couto cantam enternecidamente, pelo rythmo
do progresso e da civilizao intensa, pela maravilha do
ambiente activo e enrgico, ao mesmo tempo que pre-
sentem o tumulto perturbador que resulta do entre-
choque de muitas gentes, muitas lnguas, muitas von
tades.
Tambm os cariocas criam uma poesia da nossa
cidade. Ronald de Carvalho, lvaro Moreyra, Manuel
Bandeira, Felippe d'OIiveira, Murillo de Arajo. Curiosa
a feio local da nova poesia, que caracteriza essa pes
quiza do Brasil, como a sentir melhor a sua posse,
chegar-se mais, incorporar-se a elle, auscultar intima
mente no seu rythmo (4).
Poder parecer extranho e contradictorio que a ,
poesia moderna demonstre tanto apego s frmas pri^ i
mitivas e volva s suas emoes simples, ao invs de .
encaminhar-se toda para a corrente dynamica que canta J
a civilizao, com alguns dos poetas referidos e Manuel
de Abreu e Tasso da Silveira, libertos da tristeza.
que vacillamos entre esses dois modos de ser e ha um
temor que o progresso nos tire a frescura da terra n
genua e moa. Dahi essa persistncia romntica, que
se exaggera nos que se proclamam anthropophagos
para defender a pureza do estado selvagem, a que no
podemos mais voltar e, portanto, se vae resumir num
exerccio literrio. Precisamos tomar o Brasil na sua
realidade dispar e monstruosa, de paiz de contrastes
e differenas fundamentaes, que aure de todas as fontes
a energia vital, que transforma em actividade criadora.
A melancolia est no fundo da alma brasileira. No
se v discutir o problema da tristera brasileira, essa
duvidosa tristeza, de que no nos convenceu o livro
admirvel de Paulo Prado. O que certo que a poesia
popular melanclica, como, alis, quasi todas as poe
sias populares, e a arte em geral se inspira mais na
tristeza do que na alegria. Aquella nos commove muito
:i
(2) ASra. Eugenia lvaro Moreyra recitou Missa negra,
de Guilherme de Almeida.
(3) Da Iniciao de Rachel de Oliveira.
(4) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra recitou Essa nega
Ful, de Jorge de Lima, Melancolia,de V argas Netto e Sce-
nario de loua e de crystal, de Felippe d'01iveira.
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10
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mais profundamente e a vida se transfigura sobretudo
pelo lado pathetico. Schoppenhauer disse: "S a dr
positiva, o prazer negativo."
Dessa nossa poesia melanclica, que Manuei Ban
deira e a influencia mais considervel, por nos ter dado
os motivos mais dolorosos numa simplicidade muito
brasileira, que lembra, com maior intensidade subjectiva
est claro, Casemiro de Abreu, por ter fixado esse fundo
recalcado da nossa alma em formao num meio exu
berante, dessa nossa poesia de nostalgia est cheio o
Brasil inteiro. Poesia sincera e intima, sem literatura,
que procura a ingenuidade das coisas e o desengano do
seu atropelo, o eterno mal da vida, o sabor amargo de
todos os frutos. lvaro Moreyra, por um toque de hu
mor, a torna inquieta, d-lhe o travo da intelligencia,
quando em geral resignada e abatida. Conforma-se
com a dr, alegra-se em soffrel-a, como faz Augusto
Frederico Schmidt (5).
No se negar a pureza dos motivos primitivos
para a arte. Transplantados para um quadro superior
tm todas as suggestes da vida. Mas limitar a poesia
a determinados quadros, situar o Brasil em meia dzia
de ambientes de Toca e interior, satisfazer-se com a
magia popular e abandonar as feies intensas do
momento de civilizao mecnica, olhar as coisas sem
sentir nellas tudo que o nosso domnio lhes extrae, ver
uma cachoeira como uma paizagem apenas e no pen
sar nas possibilidades de fora, luz e movimento que
brotam do seu jorro, no penetrar no supremo encan
tamento da velocidade que condensa o mundo, tudo isso
uma limitao, em que no devemos persistir. Toda
essa sensibilidade que se contenta com o interior e seus
aspectos pittorescos ainda um resduo passadista que
nos cumpre vencer. Vem talvez do excesso de nacio
nalismo, que obriga a concentrao, para repellir o
que vem de fora e estratificar o que havemos das ori
gens. Mas esse preconceito absorvente um perigoso
embarao. O Brasil tem por funco fundir as foras
do seu temperamento ao universalismo, para criar obra
de cultura. A poesia brasileira no perder o seu ca
racter, tornando-se universal.
Bem sei que o primeiro beneficio desse retraimento
foi libertar a nossa poesia das influencias estrangeiras,
que sempre pesaram sobre os poetas nacionaes, fazen
do-os reflexos, embora com vigor e espontaneidade, de
sensibilidades estrangeiras, variando aqui os motivos.
Gonalves de Magalhes, Gonalves Dias ou Castro
Alves, Alvares de Azevedo ou Olavo Bilac so todos
f representativos de outras poes ias. Ao passo que os po e-
( tas novos do Brasil, se a principio ain da se ligavam aos
da scorrentes de vanguarda de outros paizes, se liber
taram pela fora intrnseca do nosso espirito, fatigado
das correntes de vanguarda de outros paizes, se liber.
prio . P ar a is so n ao 101 precis o taze r uma poesia rudi
mentar e primitiva. Po rtan to, a conquista no nos deve
levar agora ao excesso que degenerar em preconceJ
A nossa p oesi a do min ar livremente a matria uni
versal.
Nada de mais delicioso do que a conquista sobre
a lingua portugueza, para o que no preciso tambm
chegar ao extremo de criar uma expresso voluntaria
mente err ad a e cheia de m odism os. Acompanhemos a
evoluo da lingua na bocca do povo, que se forma>e lhe
d um s abor de co nstante novid ade. Assim como nin
gum mais pensa no motivo nobre, po is a arte trans
figura todas as c oisas , ac abem os tambm com o pre
conceito da lingua esc rita, pa ra mumificar o pensa
mento e a se nsib ilida de. Foi e ssa uma das mais bellas
affirma es do m odern ism o, esc rever na lingua brasi
leira , sem as h orr ve is defo rma es do classicismo lusi-i
tano, que at agora perdurou aqui, fermentando essa
retri ca va sia e pa lav ros a, ess a poe sia secca e detes
tvel, que no poesia porque no tem vida. Uuamfll,
ness a sim plicid ade mo der nist a, um magnfico. poeta
joven, Henrique de Resende (6).
A poesia ganha um singular prestigio e, felizmente,
o soneto morreu... Ningum mais ousa perpetral-O,"
mesmo porque impossvel vencer o ridculo. A replica
que os ha ma ravi lhos os ing nua, porque tambm fo
ram ma ravilho sas as g ale ras antiga s e ningum hoje
vae estabelecer tuna companhia de navegao em ga
l e r a s . . .
No emtanto, antes da reaco modernista,
andv amo s por aqui nas g alera s de Cleop atra... De
1922 par a c foram tod as torp ede ada s. Se ainda pde
have r, e por cer to que ha, muito de que se libertar a
poe sia bras ileir a, no ser d os precon ceitos de frmas.
Es sa libe rta o inte gra l v ir como fruto do esforo
magnfico dos poetas de hoje, procurando atravlSde
todas as foras do espirito brasileiro as expres8p|de-
finitivas da sua ess ncia. Com ellas se criar esse
rythmo novo, que est nos poetas modernos, mas con
tinua uma perpetua aspirao.
No posso acompanhar o parecer sempre
\
de T ris to de At hay de, uma da s no ssa s novas foras
renovadoras mais efficientes, quando v nessa agitaa^
que vae por todo o Brasil, um movimento intencional^
a qu e neg a v alo r. Muito ao co ntr ario, essa stoS",'*",
iden tidad e de es pirito reno vad or, a trav s de exces0|j
absurdos, monstruosidades se quizerem a min*
se me afigura como a demonstrao de que
v a r
**l
nossa sensibilidade, torna-se brasileira exclusiva**l|||
e procura uma expresso livre. Replicam outrosque
ram Ronald de Carvalho, Mario de Andrade, Gulbep**
(5) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra recitou
A mangueira
e o sabi,
de lvaro Morevra.
(6) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra recitouSenzdkh*
Henrique de Resende.
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M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
i :
M O M E N T O
Ningum ignora a inquietao do clima paulistano
Pois tivemos hoje uma arraiada fresca de neblina.
Depois do caloro duma noite maldita, sem sono,
Uma neblina leviana desprendeu das nuvens lisas
E pousou um momentinho sobre o corpo da cidade.
Oh como era boa e o\carinhoque teve pousando
No espantou, no bateu asa, no fez nenhuma bulha,
Veio que nem beijo de minha mi si estou enfezado
Vem mansinho, sem medo de mim e pousa em minha testa.
Assim neblina fez e o sopro dela acalmou as penas
Desta cidade histrica, desta cidade completa,
Cheia de passado e presente, bero nobre em que nasci.
Os beijos de minha mi so tal-e-qual a neblina madruga.. .
Meu pensamento tal-e-qual So Paulo, histrico e completo,
presente e passado e dele nasce meu ser verdadeiro. .\
Vem, neblina, vem Beija-me, sossega-me o meu pensamento
MARIO DE ANDRADE.
de Almeida, Manuel Ban deira, Osw ald de Andrade e
i
os outros chefes da vanguarda. Pouco importa. Era na
tural que uma modificao to profunda viesse criar
grandes influencias e ai do movimento se no se pro
duzisse por tal frma Dess a intensa vibra o que
\
se formaro as grandes personalidades, que no podem
[apparecer ao acaso, mas so precedidas de longas for
maes. Toda a poesia nova do Brasil, dos de menos
de 25 annos, nasce do modernismo e o que parece in
teno o imperativo do tempo, que assim modela a
sensibilidade.
J no s a maravilha da terra que nos arrebata.
Hoje o mysterio do homem a suprema indagao.
Volveram-se a elle os poetas tambm e a poesia nova,
por esse aspecto, se torna subjectiva. O homem no
mais uma fora da natureza, como as arvores, ou os
animaes. o ordenador. Sem elle, tudo intil pai
sagem e preciso conhecel-o para sentir o ambiente,
entender as suas vozes, interpretal-o. O mysterio bra
sileiro o da adaptao do homem terra, desse ho
mem, em cujas veias cada dia se sommam mais san
gues, em cujo espirito se vo debatendo as mais di
versas tendncias, e cuja formao deve ser o equilbrio
de mltiplas foras imponderveis ainda. O seu segredo
no ser decifrado pela intelligencia apenas, mas se
revelar sensibilidade. E essa indagao domina os
poetas de hoje, que procuram o Brasil, dentro do seu
problema fundamental. Esse poeta que nos fala do
roceiro, aquelle que exalta o homem da cidade, o ope
rrio, o mecnico, o industrial, um outro que penetra
na humanidade primitiva e recolhe as suas vozes e bal-
bucios, indagam todos o sentido da mesma realidade.
Ha um canto de futuro na poesia nova do Brasil.
Quando o grande Graa Aranha affirmou que "ser bra
sileiro ver tudo, sentir tudo como brasileiro, seja a
nossa vida. seja a civilizao estrangeira ,seja o pre
sente, seja o passado", disse a synthese de toda a ten
dncia modernista de activo nacionalismo. No era
uma escola artificial que se criava, no era uma orien
tao que se fixava, nem mesmo uma tendncia que
se abria. Valiam todas as tendncias, todas as orien
taes, talvez todas as escolas, desde que permaneces
sem fieis ao espirito criador. Tanto assim foi, que, va
riaram as feies modernistas, no para prejudicar o
movimento, seno para tornal-o mais vivo, desdobral-o,
pois cada qual procura realizar mais livre e mais deci
sivamente a aco brasileira. Esse modo de sentir, num
paiz joven e immenso, no poderia ser uniforme e o
que parece a muitos confuso o signal mais seguro
de um espirito construetor que reformou a sensibili
dade brasileira e aspira libertao integral. Essa tal
vez se consiga um dia. Ou talvez nunca. Ser melhor
assim, o lirismo brasileiro se mover sempre no rythmo
da aspirao.
\
http://carinho/http://carinho/http://carinho/7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade
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A Liga das Naes e o Problema
da Paz
A terrvel catastrophe que enluctou o mundo, de
1914 a 1918, e cujos desastrosos effeitos ainda per
duram, fez nascer, por toda parte, um anseio de paz,
um desejo de se evitar a guerra, to intensos como
jamais se vira.
A Liga das Naes, organismo surgido daquella
grande conflagrao, teve por fim precipuo, precisa
mente, manter a paz. E no Pacto, que a sua lei or
gnica, se acham indicadas certas medidas, destinadas
obteno de tal objectivo.
Abrangem, taes medidas, as trs categorias se
guintes: a) limitao de armamentos; b) assistncia
ou garantia mutua contra as aggresses; c) soluo
pacifica das controvrsias.
O principio da assistncia mutua recolheu, em
certa poca, as maiores attenes da Liga e foi consi
derado como o melhor caminho, para se chegar ao fim
collimado. Nesse sentido, chegou a ser elaborado um
projecto de tratado collectivo, bem depressa abando
nado e substitudo pela ida mais larga de um amplo
tratado geral de arbitragem e conciliao.
Essa nova tentativa, que teve a sua expresso no
famoso Protocollo de Genebra, de 1924, no foi mais
feliz do que a primeira. O Imprio britannico oppoz-se
fortemente realizao de um tratado collectivo na-
quelles termos, e essa opposio foi decisiva.
Julgou-se, ento, prefervel o systema de pactos
regionaes. Dahi, os tratados de Locarno, que tanta re
percusso tiveram no mundo.
Entrementes, o organismo de Genebra procurava
realizar, noutro sentido, os propsitos que lhe indica
o seu estatuto fundamental. Fazia-o, estudando acura
damente o problema da reduco e limitao dos arma
mentos. '
Segundo o artigo 8. do Pacto, "os membros da
Liga reconhecem que a manuteno da paz exige a
reduco dos armamentos nacionaes ao mnimo com
patvel com a segurana nacional e com a execuo
das obrigaes internacionaes, por aco commum".
Ao Conselho incumbe, ento, preparar os planos dessa
reduco. sem esquecer a situao geographica e as
condies especificas de cada Estado.
Como se v, o problema bastante complicado.
Desde alguns annos, vem a Liga cuidando desse
assumpto, sem haver chegado, at hoje, a nenhum re
sultado prtico.
HIL D E B R A N D O A C C IOL Y .
Ao principio, enqarou-se o problema sob o aspecto
exclusiva men te technico e militar. Foi a poca em que
se julgou possivel a sua soluo por meio da Commis
so permanente consultiva para o estudo das questes
militares, navaes e areas, criada em Maio de 1920, em
virtude do artigo 9. do Pacto, e composta de officiaes
de terra e mar.
Verificou-se, logo depois, que o assumpto apresen
tav a, tamb m , a spec tos no militiares. Criou-se, ento,
uma Co mm isso m ixta, na q ual figuravam alguns menv
bros da primeira, ao lado de politidos e economistas.
Os seus resultados no corresponderam espectativia,
e a nova commisso desappareceu.
Em 1926, o Conselho da Liga convocou outra com
misso, confiando-lhe a tarefa de preparar uma grande
conferncia interniaoional, para a limitao e reduco
dos armamentos.
H trs annos, vem se reunindo periodicamente
essa commisso preparatria, sem que, at agora, tenha
julg ado sufficiente o trab alh o realiza do, paria se con
vocar a conferncia. que, no seio da prpria com
misso, tm surgido pontos de vista to divergentes,
que se p ode ter, de an tem o, a certeza de que, por em
quanto, nenhum xito poderia resultar da projectiad
conferncia.
Na impossibilidade em que se acha de conseguir
resultados positivos, em matria de reduco de arma
me ntos, a Liga j pensou em envereda r por outro ca
minho. A prprio commisso prepanatoria acima refe
rida passou, em. 1927, por iniciativa da 8.
a
Assembla,
a ter, entre os seus rgos auxiares, um
comit,
in
cumb ido do est udo das quest es de arbitragem e segu
rana.
Na esphera desta e daqu ella, esperou a Liga, no
sem alguma razo, realizar progressos apreciveis.
Parece, realmente, que a reduco dos armamento
ser, antes, conseqncia do que causa do estabeleci
mento de um regimen de pa z e de s egurana, entre os
povos.
Mais ou menos neste sentido, manifestaram-se
ainda na penltima reunio da commisso preparatofla
da conferncia do d esarm ame nto, vrios delegados a
mesma conrmisso.
Assim, por exemplo, o Sr. Gibson, dos Estados
Unidos da America, disse: "A confiana na sotaa
pacifica dos confliotos reduz iria automaticamente os ar-
7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade
15/31
M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
i i
mamentos. A reciproca, comtudo, no verdadeira".
O Sr. Hennings, da Sucia, declarou: "Os arma
mentos no so o nico perigo que ameaa a paz;
ainda num universo completamente desarmado, graves
conflictos poderiam surgir, e surgiriam certamente. As
naes no se desarmariam sem estar seguras de que
os conflictos internacionaes seriam submettidos a um
tribunal imparcial, cuja sentena fosse escrupulosa-
mente observada".
O Sr. Sato, do Japo, affirmou: "O desarmamento
uma questo subjectiva; o simples facto de um paiz
se desembaraar de suas larmas, em vez de criar um
sentimento de segurana poderia at chegar a produzir
o effeito contrrio".
Por outro lado, como assignalou o General de Ma-
rinis, da Itlia, o desarmamento no resolveria o pro
blema da paz e da segurana, porque certos paizes,
em razo de sua riqueza, de sua organizao indus
trial e de sua popubao, poderiam reconstituir seus
armamentos mais rapidamente do que outros e, por
conseguinte, ame aar a seg uran a do s ltimos.
No se pde dizer que no tenham sido auspicio
sos os resultados do
comit
de arbitragem e segurana.
Os seus trabalhos consubstanciaram-se em alguns tex
tos, adoptados pela 9.
a
Assembla e constantes: 1.)
de um
Acto geral
para a soluo pacifica dos litgios,
no qual foram englobados os projectos de tratados ge
raes elaborados pelo
comit
e relativos arbitragem,
soluo judiciaria e conciliao; 2.) de modelos de tra
tados collectivos de assistncia e de no-aggresso,
bem como de tratados bilateraes de conciliao, arbi
trag em , soluo judiciaria e no-a ggress o. O Acto
geral foi aberto assignatura de todos os Estados mem
bros da Liga e de alguns, como o Bnasil, que a ella
no pertencem. Os modelos de tratados foram forne
cidos aos paizes de boa vontade, que, dos mesmos, se
queiram aproveitar.
Esse Acto geral tem o defeito de ser um tratado
collectivo. Em tal matria, os (actos collectivos dificil
mente recolhem ratificaes: o exemplo do Protocollo
de Genebra expressivo.
O facto que a arbitragem constitue acto de con
fiana e no se pode exigir que uma nao tenha em
muitas a confiana que deposita numa ou noutra, ou
em varias dellas. Pensamos, por isto, que a arbitragem
caminhar mais depressa, por mais paradoxal que isto
parea, por meio de tratados bilateraes do que por um
acto collectivo.
Bastaro, entretanto, alguns modelos de tratados
simples de arbitragem e conciliao ou a abertura de
um tratado geral assignatura de todas as potncias
para que o problema da paz tenha dado um passo de
cisivo no caminho da sua soluo ? Ningum ter a
ingenuidade de o suppr. No resta duvidia, porm, de
que, na engrenagem mundial de interesses mltiplos
divergentes, a segurana elemento indispensvel da
paz; e o desarmamento so por si nao proauzira o anne-
jado resultauo, se, conconuanternente, nau eAibur a
confiana mutua. Ura, s a arDitragem e os ueiiiais
metnodos de soluo pacifica dos litgios podem or-
necer uma base solida para tal coniiana.
Qual a difficuldade essencial, entretanto, para a
laacceitaao ua aroitragem obrigatria e generan/aua t
"O verdadeiro obstculo" disseram os niusues m-
ternacionalistas Srs. E. Borel e N. Foiitis, em retatorio
apresentado no faz muito ao Instituto de direito inter
nacional "o verdadeiro obstculo reside muito me
nos no direito do que na mentalidade dos uovernos,
em sua repugraancia em abandonar o terreno da sooe-
rania intangvel do Estado e em acceitar o principio ua
soluo judiciaria dos litgios internacionaes com as in
certezas e os riscos que a sua appiicaao comporta".
Com a adopo dos resultados do seu
comit
de
arbitragem e segurana, a Liga no deu por inua a
sua tarefa. E voltou novamente as suas vistas para a
questo que, seguramente, mais impressiona a atteno
de todos os povos, no momento actual, isto , a ques
to dos armamentos.
De Abril a Maio do corrente anno, esteve reunida
em Genebra, pela sexta vez, a commisso preparatria
da conferncia do desarmamento. Para no haver equ
vocos, convm esclarecer que, apesar do titulo, a pro-
jectada conferncia, segundo foi resolvido h muito
tempo, no ter em vista, propriamente, o
desarma
mento, mas apenas o que j ser muito
a redu
co e a limitao dos armamentos.
O trabalho realizado nessa reunio deu lugar s
mais fundadas esperanas. Graas boa vontade do
Governo americano, revelada nas instruces de que foi
portador o seu delegado naquella commisso, tornou-se
possivel o accordo da grande maioria da mesma sobre
certos pontos de importncia capital.
Um desses pontos dizia respeito aos armamentos
navaes. A defesa dos Estados Unidos, disse o Sr. Gib-
son, delegado americano, constitue essencialmente um
problema navial. Apesar disto, o seu Governo estava
disposto a facilitar um accordo geral, a tal respeito.
Assim que, embora acreditasse que o methodo mais
prtico, com relao reduco dos referidos arma
mentos, fosse a limitao da tonelagem por categorias,
consagrado, alis, no tratado de Washington, o Go
verno americano acceitaria, como base de discusso,
uma proposta francesa, que procurava combinar o me
thodo da limitao da tonelagem global com o da limi
tao da tonelagem por categorias.
A declarao americano, nesse sentido, causoutal
effeito que o delegado britannico, Lord Cushendun, im-
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M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
uiediatameiite se levantou para affirmar que ella fora
to importante e teria tal alcance, no tocante a todas
as questes navaes, que attingiria profundamente todo
o trabalho da commisso.
Outro ponto importante, para a soluo do qual
a boa vontade americana trouxe valioso auxilio, foi
o das reservas instrudas. A delegao francesa, por
motivos facilmente comprehensiveis, sempre sustentara
que a salvaguarda dos princpios vitaes sobre que se
baseava ia defesa nacional no permittia ao Governo
francs concordar em que as reservas instrudas fossem
includas no systema de limitaes a ser estabelecido.
Sustentavam pontos de vista anlogos, as delegaes
italiana e japonesa. Outra tinha sido, desde o comeo,
a attitude da delegao americana. Na reunio a que
nos referimos, porm, o Sr. Gibson fez a sensacional
declarao de que o Governo americano, pneoecupado
com a necessidade de se accordar num texto commum,
estava "disposto a adherii* opinio da maioria dos
pases cujo principal interesse militar reside nas foras
terrestres e a acceitar a sua these, em matria de re
servas instrudas"
Essa declarao impressionou to fortemente que
varias delegaes, intransigentes nessa questo de effe-
ctivos e oppostas at excluso da limitao das re
servas instrudas, immediatamente se mostraram dis
postas a fazer concesses, no mesmo sentido. A dele
gao inglesa, que estava nesse aaso, foi adiante. Com
effeito, Lord Cushendun no hesitou em affirmar que,
depois de maduras reflexes, chegara concluso de
que "a interdico das reservas instrudas um sys
tema que se no pode combinar com o da conscripo".
Na questo da limitao do material de guerra,
a interveno americana tambm foi auspiciosa. Havia
duas theses em presena: uma, previa a limitao dire-
cta do material pela fixao do mximo do numero
de peas de cada categoria; a outra, previa a limitao
indirecta, pela fixao do mximo das despesas consa
gradas manuteno, compra e fabricao do material.
A delegao americana props, como medida de
conciliao, >um terceiro methodo, que obteve assenta
mento quase unanime e segundo o qual a limitao e
reduco do material de guerra devero basear-se num
systema de ampla publicidade das despesas.
Parecia que a commisso preparatria dera um
grande passo frente, na organizao dessa confe
rncia, em que j muita gente descr. Infelizmente,
aquelles resultados no fonam definitivos. A prova aca
bamos de l-ia, na recente eunio da Assembla da
Liga uas N a es, r^or iniciativa de Lord Cecil, dele
gado britannico, toi reposta em ujscusso uma das
que ste s so bre a qual m ais diffieil fora o accordo nu
seio da commisso preparatria. Referimo-nos das
reservas instrudas. O representante da r-tretanha
desrez o compromisso assumido poucos mezes antes
por outro repres entan te britannico . verdade que,
agora, Lord Cecil talou em nome do Governo traba
lhista, ao pasiso que Lord Cusnendun era delegado de
um G overno conse rvado r. Nem por isto deixou de ser
accentuada a con,tradtico de attitudes entre dois re
presentantes, igualmente autorizados, de um grande
pas.
Tem -se a im press o, m ais um a vez, de que a so
luo do problema da paz muito longe estar, se fr
proc urada apen as nas conferncias de limitao e re
duco de armamentos.
A confer ncia navial de W ash ingto n, em 1921-
1922, chegou a resultados que se podero talvez con
siderar excellentes, do ponto de vista oramentrio das
naes que nella participaram. No garantiu, porm,
essas naes contra a eventualidade de uma guerra.
O novo a ccord o na val que dizem em vsperas de
realizao, encabeado pela Inglaterra e os Estados
Unidos, poder ter etfeitos idnticos aos daquella con
ferncia.
O problem a, porm , muito mais complexo/ E,
no mundo, j se vai impondo a convico de que a sua
soluo depen de m uito mais das toras m oraes do que
das simples ten tativa s technicas de reduco dos ar
mamentos.
Na prp ria sess o d a commisso preparatria a
que nos referim os, o dele gad o american o disse, com
muita sensatez, estas palavras: "O meu Governo nunca
acreditou que se pudesse abordar utilmente o problema
do desarmamento, recorrendo-se apenas aos methodos
de reduco dos armamentos. Elle considera que o des
armam ento verda deiro est subordinad o a uma mu
dana de a ttitude, no que toca ao em prego da fora na
soluo das controvrsias internacionaes".
Esse, realmente, o pensamento que deve guiap os
povos, n as suas aspiraes pacifistas. Todas as nos
sas espe rana s se voltam pana a victoria de uma nova
men talidade, que cons idere od iosa s as guerras e torne
desnecessrio o recurso a esse meio extremo, pela or
ganizao de um systema efficaz de justia interna'
cionial.
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M V M E N T B S l L f e l R
15
STRESEMANN
T E I X E I R A S O A R E S .
Todo aquelle que estudar com certa persistncia
os programmas dos estadis tas que serviram a Gui
lherme n ficar impressionado com notar que quasi to
dos falharam nos seus pl ano s. Holstein, Euien burg,
Blow, Kiderlen-Wchten e Bethmann-Holwegg, chan-
celleres oo soberano, por influencia deste, seguiram
uma politica sinuosa, cheia de becos-sem-sahida sce-
nicos,
ouriada de ameaas incrveis, e que deram
muito dr de cabea velha Europa de 1900 a 1914.
A Guerra. O Trat ado de Versalhes. Do chos,
surge uma nova ordem de coisas. A Europa, reta
lhada em puzzle, refaz-se e procura reintegrar-se na
sua misso politica, social e intellectual. A pparecem
essas figuras culminantes: Lenine, Trotzky, Staline,
Stresemann, Briand e Mussolini. Figuras que dynami-
zam povos, incentivam energias, iniiundem a confiana
no que antes era confuso, desanimo e exgotamento.
Stresemann foi um desses consolidadores da paz
continental. Apparece como figura de relevo, com idas
precisas, procurando attingir fins precisos. Um homem
pratico, desprovido de ideologias. Um homem vendo os
factos com a preciso de um economista.
*' Stresemann, desde os primeiros tempos da sua vida
politica, acompanhou o phenomeno economico-demo-
graphico, em toda a sua curva graphia. Bateu-se pelo
augmento dia agricultura, pela expanso do commercio
e pela participao de todos na riqueza nacional, sob
todas as suas frmas. Foi em 1906 que comeou a sua
vida politica. Em 1907, com 29 annos de idade, Stre
semann tomou assento no Reichstag.
Iniciada a Guerra, Stresemann verificou que o mo
mento era de attitudes decisivas. Tal foi a sua aco no
Reichstag que aos olhos de muitos o seu nome foi o de
um agitador. Orador claro e preciso , gostan do de con
cluses praticas, procurando proporcionar s massas
factos concretos, cheio de temperamento, elle se impoz
pelo methodo, pela exposio e pela belleza literria das
suas onaes. No famoso discurso que pronunciou em
Ausich, em Dezembro de 1914, Stresemann fez ver que
os fitos da Frana consistiam na reco nquista da A lsa-
|da-Lorena; os da Rssia, no pan-slavismo, incentivado
por idas francezias e por capites franczes; e fez ver
mais que o povo allemo no devia guardar rancor
nem com a Frana nem com a Rssia. O rancor devia
concentrar-se sobre a Inglaterra, ciosa e invejosa do
desenvolvimento allemo, que, a partir de 1887, j ha
via declarado guerra mercantil ao Reich com o seu fa
moso
made in Germany
e que, em 1907, com a sua Lei
de Patentes, causara grande irritao em toda a Alle
manha.
Germaniam esse delendam
Durante os dias sombrios da Guerra, Stresemann
percebeu que o vencedor seria aqueiie que reiuoae
um quarto de hora mais. Venricada a derrota, cum^ie-
henueu ^que novos piianos e n ovas uea s deveriam CI
postos em pratica.
Stresemman nunca poude comprehender ioras
perdidas no
more magnum
da poltica ua sua pairia.
Urgia ireconstruir. Uirgia trabainar. E oeu provus ue
bom senso e de energia mo espinhoso cargo ue "wiiaii-
celler imperial (Ministro da Justia, mais ou menos;,
em 1923. Em. 1923, a Allemanna se encontrava maus
prxima do commuindsmo do que em lyio, ty e zu.
O Ruhr esiava occupado. A moeda canida. -^or touo
o Reich, intensa fermentao pointica. A inquietao
em toda a Europa. Dissenoes fortes entre cursou e
Poincar. nesse momento critico que appaieceiii os
esforos conciliatrios die Stresemann, uw en Young,
Hotiighton, D'Abernoon, Briand, Dawes e CnamOenain.
Um dos pensamentos favoritos a Stresemann e o
seguinte: "Na politica o que, no final das contas, vaie
no o talento, mas o caracter". Frizemos:
caraaer.
A
sua conducta como Ministro dos estrangeiros tio
Reich mostrou o seu caracter. Fazendo suas as paia-
vras de Bismarck, houve um momento em que irese-
mann bem poderia ter dito: "No ha na Europa, entre
o Sena e o Memel, entre o Tibre e o Elba, homem que
seja to odiado quanto eu". Choveram as mais tre
mendas accuses contra a sua poltica de
conciao.
Na Allemanha, conciliao, segundo os hitleristas e us
nacionalistas, era synonymo de traio, etc. Ratnenau e
Erzerberger, querendo ser conciliadores, foram, assas
sinados. Stresemiann foi ameaado de morte varias ve
zes.
Um ex-membro da Duma russa, Freiherr von Frey-
tagh-Lorringhoven, conhecido como o "campeo da
raa germnica", declarou que a politica de conciliao
que Stresemann procurava seguir baseava-se nos in
teresses que seu sogro tinha nas fabricas da Tcheoo-
Slovakia, orientadas e dirigidas por capites franczes.
Locarno foi o ponto oulminante d sua carreira.
O tratado Stresemanin-Kretinski, com a Rssia, man
teve a paz e o intercmbio commercial na Europa orien
tal.
Em 1926, apezlar das pretenes sustentadas por
outros paizes, a Allemanha entrava para a Liga.
Em traos rpidos, essa a carreira daquelle que,
com Briiand e Chamberlain, recebeu o prmio Nobel da
Paz. Stresemann teve, como nenhum outro poltico'
allemo, o senso da opportunidade. Por isso, conseguiu
victorias impressionantes. Essas victorias ainda se tor
naram mais bellas, quando arrancadas pela fora, pela
tenacidade e pela inteireza do seu caracter.
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M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
O CASAMENTO N A AMERICA
O. B. DO COUTO E SILVA
(Cont inuao)
O JUIZ LINDSEY
KEYSERLING E O CASAMENTO
Novas experincias de casamento
Quem chega aos E. U. impressiona-se com o estardalhao
em torno dos chamados "trial marriage" e "companionate
marr iage" .
"Trial marriages' ' , casamentos de experincia, so termos,
simplesmente, uzados pela vanguarda da mocidade revoltada,
na realidade no sendo casamento nenhum.
Para elles, o casamento no nem sagrado nem apa
vorante. Alguma cousa sem conseqncias, que se experimenta
como um chapu, por exemplo.
O "companionate marriage" que se costuma traduzir
"casamento por contracto", (expresso que no traduz a
mesma ida) vem muita vez associado com o nome do Juiz
Lindsey. Os seus adversrios costumam intencionalmente con
fundir "trail marriage" e "companionate marriage", mas Lind
sey invariavelmente protesta.
O casamento por contracto obriga por 2 annos; caso no
haja filhos (como aconselhado) no fim do prazo, si uma
ou ambas as partes desejarem, ha automaticamente separao.
Si houver fi lhos ou prorogao do prazo, o casal obriga-se a
divorcio regular.
o que elle escreve no seu segundo livro "The Compa
nionate marriage" que se segue "Revolta da Mocidade" e
igualmente grande, massudo e impressionante pela massa de
factos. Eu tive opportunidade de ouvir o Juiz Lindsey. Elle
trata da causa dos moos com candura e sympathia: por isso
o auditrio era s de casaes jovens. Elle convence a gente de
seu desgnio superior, e friza sempre que taes "casamentos
preliminares" conduziro muita vez a "casamentos familiares",
com purificao do systema social.
O 1." ponto a provar seria a vantagem de um casamento
precoce. Alm de outros.
Mas sahi com a impresso que o problema no pde ser
resolvido tomando-se simplesmente o lado legal.
E o plano de Lindsey pecca justamente por ser em ex
tremo simplista. sem duvida um "movimento de longo al
cance para a correco do lao matrimonial", como disse
Wells. Porque o problema corajosamente encarado de frente.
Bertrand Russel , mathematico e philosopho, bateu palmas tam
bm, e muitos outros.
Parece-me que em breve valer apenas como documento
photographico da poca.
Fannie Hurst , conhecida escriptora, appella para sua ex
perincia pessoal para gritar histericamente que se tem dado
bem com o seu casamento por contracto. Eu s conheci um
caso na Universidade. Mas depois todo o mundo disse que elle
no estava casado de todo.
Na li teratura, o casamento por contracto figura com livros
medocres, como "Garden Oats", de Faith Baldwin.
Em breve t ; : r . r em passado remoto . . .
Quem o conde Herm ann Keyserling ? Que c o movi
mento de Darm stadt ? Que a Escola de Sabedoria? Key
serlin g en con tra-se na A rgentin a e a sua revelao ao Brasil
est por dias. M as, no mom ento presen te eu creio que muito
poucas pessoas poderiam responder s perguntas formuladas.
O conde Keyserling um aristocrata de ba fibra, nascido
pelas bordas do Baltico, onde a Rssia encontra a Allemanha.
Filosopho e hu ma nista , um dos homen s m ais discutidos no
mun do. "T alvez venha a se r o Jo o B aptista de uma nova Ci
vilizao Occ idental" disse Gleen Franck no "Century", com
evidente exaggero.
O conde Keyse rling, depois de emprehender uma longa
viagem ao O ccidente, pond o-se em contacto com as velhas
civiliza es da Ch ina, d a n dia e do Jap o, escreveu o celebre'
"Di rio de V iagem de um Philo soph o", q ue talvez o livro
melhor que veiu da Allemanh a depois da gu erra. E estabe
leceu ento em D arm stad t a Escola de Sabedoria, que irradia
no m undo mod erno como a Academ ia de Plato irradiou de
Athenas.
Mas o que prete nde o m ovimento de Darm stadt ? Simples
mente isso : d ar uma nova significao vida. seu morto,
"T ire do nada , da r a cad a um a lgum a cou sa". "O nome "Es
cola de Sabedoria", diz elle, foi escolhido justamente'pelo
para dox o que enc erra : no uma escola como as outras e
sabe doria essencialm ente no par a ser ensinada. uma
escola ape zar de tud o, mas os se us processo s que so es-
peciaes. Um a entrevista pessoal. "Uma conversa pessoal
diz Keys erling com a just a pessoa, em justa relao, no
momento justo tem feito mais para accelerar os conhecimento*
humano s, do que a nnos de estudo dil igente. ^
Ou tro method o o treino espiritual. Outro methodo so
os C ong resso s da "So ciedad e Philosoph ica Livre em Darms
tadt", de que Keyse rling p residen te, que cada anno se
occupa de questes especiaes: assim, em 1923 procurou-t
delin ear o possive l futuro do Ch ristia nism o, em que coopera
ram junto s o P rote stan te, o Orth odox o Grego e o Catholico
Rom ano; em 1924, dos p roble ma s da vida e da morte; em
1925, da " nov a sig nifica o da id a de liberdade, etc. Bem;
o cond e K eyserling escreveu o livro sobre o "Casamento*, "
que collaboraram 24 pessoas differentes, de differentes terras,
e que se cham a p. ex. Rabin drav ah Ta gor e, Jokob Wasser-
mann, H avelock Ellis , Thom as Mann, e tc . . . O successo de
livro foi eno rm e, c olos sal. E u tiv e o privileg io de ouvl-o sobre
o assumpto em "Orchestra Hall", em Chicago, em confere*
patr ocin ada s pela melhor e m ais fina sociedade, e que co"l**
tuem o "Chicago Frum Council".
O conde Keyserling conduz a questo do casamentocon
conduz os co ngre ssos de D arm sta dt: influindo com sua vigo
rosssima personalidade, segundo a arte de orchestrao
ritual a expresso delle.
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M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
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Cada indivduo fala num conjuncto, como um instrumento
Suma orchestra, para formar um todo harmonioso.
Elle acceita dous factos e reputa-os indispensveis para
a sua noo de um casamento dignificado: a liberdade actual
de rapazes e moas e o "birth control". So alis factos da
poca e universaes.
O "birth control" dominante no actual mundo super-
populado em que vivemos, a ponto do Japo estar pensando
adoptal-o como medida official indispensvel.
Keyserling rejubila-se com a emancipao da mulher.
Tantas conseqncias que lhe advieram e so julgadas
por muitos como dissoluo moral elle as recebe com um sor
riso feliz: so a plataforma, diz elle, em que se vae erigir um
casamento elevado e nobre. No se deve casar por paixo.
Em geral, as pessoas porque nos apaixonam os no so as
melhores para casamentos. Paixo no pde ser motivo para
casamento. Casamento a frio, de razo exclusivamente.
A condessa Sternberg discorda nesse po nto: o casamento
se desenvolveria melhor som bra da affeio.
Esse casamento visa um alto desenvolvimento pessoal
aqui que est a originalidade de Keyserling. Elle quer frizar
tanto esse ponto que exclue completamente os filhos. Diminue
o aspecto institucional do casam ento, libertand o os as pectos
pessoaes.
Parece que primeira vista o casamento ficaria fcil,
confortvel. um erro. O casamento para Keyserling dra
mtico, quasi trgico, diffieil, do loro so.
O moderno desenvolvimento da p erson alidad e, longe de
semear rosas no caminho do matrimnio, eria-o de escolhos
a vencer.
A disciplina era im posta p or fo ra; aqui por dentro .
Envolve arte. Envolve capacidade e responsabilidade.
Considera indispensvel e necessria uma unio perma
nente. Mesmo sem filhos, elle a acha indisp ensvel, cons ide
rando apenas os factos da personalidade.
Em ligaes transitrias nenhum poder conhecer bem
as possibilidades do outro. Um D. Juan no tem alvo em mira.
Elle simplesmente passa.
Keyserling pinta asperezas rudes: "alm da felicidade, o
homem realiza maior felicidade, que encerra soffrimentos e
qualifica seus instinetos mais profundos."
Um estado de tenso; ahi que reside o seu valor.
^Keyserling exaggera esse caracter penoso, rduo, herico:
e realmente um aspecto necessrio de vida, mas com certeza
no a representa totalmente.
0 QUE SE PODE TIRAR PARA UM NOVO PADRO DE
CASAMENTO PARA O BRASIL
Ns passamos os olhos por alguns "sKetches".
Vamos agora fixar alguma cousa. Pr em evidencia
.alguns factos, os "cold and clammy facts", como os chama
o Snr. Mencken, porque s elles que importam.
Eu vou passar por sobre o divorcio. J disse que o reputo
indispensvel. a vlvula de segurana por onde passa o
vapor quando ha excesso de presso.
clssica a comparao do casamento a uma ratoeira
0 divorcio deve ser a cordinha que abre a porta para que
ambos escapem. No como nos paizes latinos, onde se passa
Por entre as grades. J disse Mareei Prevost, que quanto
sahimos do casamento temos que nos espremer por grades
to apertadas que sahimos irremediavelmente machucados.
preciso que o divorcio seja a senha para uma vida
melhor e no que faa mais v-ictmas...
Mas, o divorcio implesmente um aspecto negativo.
Duas pessoas que se uniram para a vida e que verificam
terem errado. Simplesmente.
necessrio que se estude a instituio do casamento,
nas suas raizes, para que venha de um esforo mantido multi-
lateralmente, uma norma para conter o maior numero possivel
de indivduos.
Devo dizer que eu no proponho nenhuma medida radical,
que importe em modificao reaccionaria dos nossos hbitos
e costumes. Longe disso, no a creio vantajosa. A observao
mesma da vanguarda revolucionaria da America me fortifica
nessa crena. Acaba de ser publicado um livro de Walter
Lippmann, "Prefacio moral", que me parece cheio de luz,
atravs da critica do "New York Times".
"No se poderia dizer nada contra a nova liberdade, diz
elle, si fizesse as pessoas felizes. Mas reconhecidamente no
faz; o que distingue a gerao actual no a rebellio contra
a religio e o cdigo moral de seus pes, mas a desilluso
com a prpria rebellio".
Vou honestamente apresentar o resultado do meu estudo.
No tenho a preteno emphatica nem a estupidez de julgal-os
de maior valia qu
e
de chamar a atteno da gente de hoje
para um assumpto que s ella pde resolver. O problema est
sobre a meza. Vou lhes apresentar os meus dados parciaes
e conto com a collaborao de todos para um resultado mais
definitivo.
Primeira concluso.O casamento deve ser feito t ard e. A
indicao formal. Po rq ue ? Realmente, a noo de famlia
evoluiu Esse o primeiro motivo. A familia biolgica vae
muito longe. A familia agora repousa, no sobre necessidades
sociaes ou sobre instinetos. Mas sobre uma base cultural, que
necessariamente mais artificial. Requer mais responsabili
dade, maior treino de disciplina: s o tempo que os fornece.
Justamente porque a liberdade maior preciso aprender
a uzal-a.
Uma outra razo, que o homem inicialmente um ani
mal polygamico, mas tende, depois de certa idade, para a
monogamia. Esse segundo motivo importantssimo. facto
tirado no s de observao das sociedades mais cultas como
das sociedades naturaes de selvagens. E o que foi verificado
por ex. entre os selvagens das ilhas Trobriand, perdidas no
Pacifico, por B. Malinoswsky, que a respeito publicou um es
tudo que est tendo grande repercusso. Um terceiro motivo:
estudos sociaes directos, feitos em Philadelphia por vrios
educadores, supportam essa opinio.
Esses estudos foram feitos na Corte de Relaes Domes
ticas de Philadelphia cidade fundada por "quakers", extre
mamente conservadora e parecida com o Rio em muitos as
pectos por H. Hart e W. Schields e outros, mostrando que
o casamento torna-se rapidamente perigoso sob o ponto de
vista de felicidade conjugai, quando as idades so menores
respectivamente de 22 annos para a noiva e de 26 annos para
os rapazes. Fixam como idades ideaes: 29 para o noivo e 24
para a noiva, admittindo desvios de 4 annos para o noivo
(25/33) e 2 annos para a noiva (22/26 annos). (Peo que
no vejam aqui nenhum caso pessoal). Estou firmemente con
vencido do erro de casar cedo: as miragens desfazem-se fra-
gorosamente. E ento no resta nada s vezes fica alguma
cousa, mas essas cousas, a desilluso do conto do vigrio no
deixa vr...
Ha pouco tempo, passou-me pelos olhos um livro de auetor
anonymo, que se diz ser de um conhecido critico inglez
sua mulher. Intitula-se "Cartas de amor de um mando" e de
qualquer maneira a sinceridade tanta, que vale como um
documento humano. Dez annos de casamento e de mortal
caceteao, como commum; mas, o que no freqente: no
fim de 10 annos, a mulher foi-se embora e escreveu-lhe uma
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18
M O V I M E N T O B R A S I L E I R O
carta franca, encantadora: "No sei si ainda te amo ou si te
odeio. Tudo era to m aravilhoso, no era ? E o que justa
mente terrvel que as cousas no so mais maravilhosas.
Vocc aborreceu-se durante annos seguidos. . . e eu por sculos
Pelo menos o que me parece. Mas, si tiveres dispos io,
escreve-me". K o marido escreveu-lhe 20 carta s a dm ir ve is. . .
Assim so os casamentos dos que entram nelle muito jo
vens.
Mas esse facto concreto que eu aponto a idade
ainda encerra mais conseqncias. Eu no exagero a impor
tncia delle. o degrau que me permitte chegar segunda
concluso, que me parece fundamental:
Mudana de attitude mental dos que entram no casa
mento.
Os que entram no casamento tm que ter em mente um
facto:
uma ligao que se faz por toda a vida. Quem no
o tem bem fixado, no se case, em nome da dignidade do
prprio casamento.
E si ns examinarmos os vanguardeiros da America, ve
remos qu-i todos concordam nesse ponto, mesmo sem tomar
em conta as razes de Kayserling, que modelou um casamento
excepcionalmente elevado.
Lippmann, que talhou uma nova moral , adiantadissima,
abolindo todos os preconceitos, e cujo nico defeito ser uma
moral aristocrtica, porque elevada demais para ter appello
s massas, escreve:
"A maioria das pessoas achar na monogamia o mais
durvel e o mais satisfactoria eschema para a sua satisfao
emocional".
Mas, porque no consideramos a familia como necessidade
social nem como nico abrigo para segurana econmica, e
requeremos do lar uma fora espiritual, alm dos filhos e de
uma paixo gratificada torna-se necessria uma nova arte,
ou por outras palavras, preciso modernisar uma arte velha
como o mundo e sobre a qual Havelock Ellis tanto insiste:
a arte de amar.
Mas,
para que a arte de amar possa ser exercitada,
indispensvel a mudana das bases em que o casamento se
faz no velho padro que constituiu o primeiro "sketch".
Si izolarmos o casamento-negocio, o casamento-dinhei.ro
que so casos de falsificao matrimonial que no merecem
considerao temos o seguinte:
O homem sem coragem para o matrimnio; l um dia
apanha um "coup de foudre". o trampolim da paixo que
o faz dar o pulo. Quanto pulo em falso. . .
O casamento por paixo completamente absurdo.
Com as mulheres a cousa differente. Poucas se casam
por paixo, porque a deciso no lhes pertence. Ellas amon
toam umas sobre as outras e aprendem uma cousa: a realidade.
Si uma cabe no lugar da outra que o lugar estava vazio.
O perigo no esse. que as nossas mulheres educam-se,
tm o contacto perturbador das cousas movedias e atoarda-
dor as da civilizao da m achina, mas a machina no lhes deu
ainda a ind epe nd ncia . . . Sentem a anci, a vertigem dns
individualidades que se revelam a si prprias: mas estflo su
jeitas ao que os socilogos de lingua ingleza chamam lag
que um dep osito rem anesc ente da escrav ido primitiva e
que ainda impregna nossos costumes o tradies.
O casamento a libertao: a fuga de um lar infeliz
ou de pes severos ou a libertao econmica... Igualmente
e r r ad o . . . i - '
So estas as duas causas parasitas, perturbadoras, origem
de tanto casamento fracassado.
O homem que se apaix ona no v a mulher que ama; v
"uma" mulher que tem na cabea, um typo standard para todas
por quem se apaixona suecessivamente.
Igualm ente a m ulher q ue se qu er liberta r, si pretende ao
mesmo tempo um lar feliz, s acertar por acaso.
O casa me nto tem que s er en carad o objectiv