Poema Momento - Mário de Andrade

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  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

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    M O V I M N T O

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

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    50,

    AVENIDA RIO BRANCO

    Rio de Janeiro

    C o r r e i o A r e o

    Linhas C G. A . Rereas

    Horrio e taxas de RIO DE JANEIRO

    ENTREGAR AS CORRESPONDNCIAS AO CORREIO

    para Victoria, Caravellas, Bahia, Macei,

    Recife, Natal e EUROPA.

    para Santos, Florianpolis, Porto Alegre,

    Pelotas, URUGUAY, ARGENTI

    NA, PARAGUAY e CHILE.

    10 horas

    AOS

    SABBADOS

    12 horas

    T a x a s P o s t a e s

    R correspondncia transportada nos avies d as linhas Q

    t

    Q , #

    0

    paga:

    Em sellos ordinrios d o correio 1, a taxa pOStal BIDV|0r

    Em sellos especiaes do servio areo 2. a taxa tansportB

    M B

    A taxa de

    E x p r e s s o

    facultativa

    T a b e l i das taxas d e transporte areo d e R i o d e Janeiro

    RIO DE JANEIRO

    PARA:

    Pelotas

    Porto Alegre

    Cartas, bilhetes 5

    grms. Impressos,

    Amostras, encom-

    mendas 50 grms.

    $500

    $500

    1

    EUROPA

    Urueuav e Argent ina . . .

    Paraguav e Chile

    RIO DE JANEIRO

    PARA:

    J

    Cartas, bilhetes 5

    grms. Impressos,

    Amostras, encom-

    mendas 50 grms.

    Bahia

    Macei

    Natal

    F.

    Noronha

    $500

    $750

    $750

    $750

    $750

    Cartas, Bilhetes, por Impressos, Amostras e

    5 grms. | Encommendas-por 50 grms.

    1

    2$500

    13000

    I C K / V i

    *

    u w

    5$000

    2$500

    J-UUU

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

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    P e am

    C A P I L 1 D T

    O nico preparado vegetal, sem

    leo, que destroe a caspa, e revigora o

    couro cabelludo, evitando

    em muitos casos a queda do cabello.

    F O R M U L A D O C H I M I C O

    A. RABELLO

    A venda em todas as pharmacias

    e perfumarias.

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

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    Revista de critica e informao

    PRIMEIRO ANNO

    Numero 11

    Director:

    RENATO ALMEIDA

    LE CORBUSIER

    UMA ENTREVISTA COM HERMANN KEYSERLING

    ARCHITECTURA E URBANISMO

    RENATO ALMEIDA: A NOVA POESIA BRASILEIRA

    MARIO DE ANDRADE: MOMENTO

    HILDEBRANDO ACCIOLY: A LIGA DAS NAES E O PROBLEMA DA PAZ

    TEIXEIRA SOARES: STRESEMANN

    O. B. DO COUTO E SILVA:

    O CASAMENTO NA AMERICA

    VVALDO FRANK NA ARGENTINA

    O QUE OS HOMENS AT 1870 NO VIRAM NEM SOUBERAM

    R E P E R T R I O

    RcDACAO:

    R. D. MANUEL, 62

    A S S I G N A T U R A A H N U A L

    BRASIL DEZ MIL REIS

    Exterior Dois dollares

    H*****

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

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    Movimento Brasileiro

    ANNO 1 N. 11

    N O V E M B R O 1 0 2 0

    LE CORBUSIER

    Visitar ainda este mez, o Rio de Janeiro, a con

    vite do Instituto Central de Architectos, cujo esforo

    pelo modernismo devemos realar com entusiasmo, o

    artista francez Le Corbusier, um dos grandes mestres

    modernos. A sua palavra, depois da do prof. Steinhof,

    trar seguramente para o nosso meio o prestigio de

    uma poderosa fora de renovao, que se impe a todo

    o mundo. E certo que as idas que Le Corbusier expor,

    como as do

    prof.

    Steinho, no representam uma novi

    dade para o Brasil. Tm apenas o mrito da autori

    dade, affirmando aquillo que, desde 1922, os escritores

    modernos brasileiros vm pregando, a necessidade da

    criao de uma arte prpria e pessoal, condicionada

    ao ambiente e ao tempo, e no mais a reproduco

    das frmas mortasi e as pardias ridculas e inada-

    ptaveis.

    Ainda agora, quando o prof. Agache formula o

    seu plano de reconstruco da cidade, no nos deixa

    mos entusiasmar pela gran dez a d as linhas e propor

    es,

    pelo encanto de algumas realizaes e conde-

    mnamos esse esforo como copia, que no deve vingar,

    porque uma capital no se desenvolve livremente aen-

    tro de planos inadequados de architectos extnainhos,

    mas o seu rythimo que deve guiar a obra dos cons-

    tructores. O contrario ser pura imitao. Uma ei-,

    dade vive em harmonia com o meio physico e re-

    flecte o caracter da sua populao. um organismo

    'vivo,

    portanto livre, e ser errneo Limitar-lhe o des

    envolvimento em planos que no expressem as suas

    tendncias, ou as limitem. A nossa natureza se des-

    forar desses jardins exticos, alinhados, disciplinados,

    que transportam para o caloro do Rio de Janeiro os

    parques macios das Tulherias ou de Versalhes.

    A palavra audaz de Le Corbusier, embora j nos

    seja familiar pelos seus livros, pelas descries e pho-

    lographias dos seus projectos e edificaes, ter para

    ns o prestigio de uma das grandes foras da reno

    vao moderna. Para elle, a vida moderna espera por

    um plano novo para a casa e para a cidade. Esse plano

    ser a criao da architectura, que no depende dos

    estilos mentirosos, quando a nossa poca fixa cada dia

    um estilo novo, mas do espirito do tempo, com as suas

    condies psychologicas e as suas determinantes eco

    nmicas, que obrigam serie e standardizao. A

    grande reforma do espirito veiu da machina. Mas a

    machina vem da geometria. "A geometria a nossa

    grande criao exclama Le Corbusier e ella nos

    emociona." t esse espirito geomtrico deve ser a syn-

    these contempornea. Ainda agora, na sua primeira

    conferncia em Buenos Aires, Le Corbusier realou o

    contraste que vae entre as criaes architectonicas

    modernas, complicadas e desnaturalizadas, e os prin

    cpios que regiam a architectura hellenica, clara, ma-

    tliematica, symbolo da simplicidade mesma, do equil

    brio da barbaria vencida.

    Nesse particular, a indagao deve ser profunda.

    No ha duvida que o espirito geomtrico uomiua a

    matria e tudo se reduz ia volumes. Mas, como no ha

    uma s geometria, diversas so tambm as suas tOrmas.

    Como outras geometnas constrem por sua vez o uni

    verso, variam as suas expresses, tssa geometria ciana,

    e hellenica, sobre a barbaria vencida, ser nappiicavel a

    um paiz como o Brasil, que ainua procura vencer a bar

    baria e que logicamente so a vencer dentro do rythmo

    da sua natureza. Seria absurdo transpor para este con

    tinente o schema hellenico. Devemos suscitar o espirito

    criador do lairclutecto e do urbanista. Admittir essa

    geo

    metria

    para condicionar as frmas plsticas seria taivez

    arriscado e pouenamos entrar na regra inactual, que

    tanto horroriza o arcnitecto francez. A geometria se co

    ordenara com o meiu, ser o seu uibcipnnauor e nao

    estrangulara a sua ung.naudade. i\a v^riaau uu niunuu

    actual, as formulas absolutas degeneram sempre em

    preconceitos, em que se conserva o passauismo. No

    Brasil, o phenomeno architectural diffenr da Europa

    e dos Estados Unidos, e no se reger portanto por

    uma mesma geometria. Basta pensar na influencia for

    midvel uo clima, para sentir toda a differenciao

    exigida.

    Quando comea a surgir, entre ns, uma gerao

    de architectos modernos, a lio de um mestre como

    Le Corbusier no representar apenas um motivo de

    entusiasmo idealista. Ser de resultados efficientes e

    prticos, adaptando a vibrante sensibilidade brasileira

    s resultantes universaes do espirito construetor novo.

    Ningum se illudir pensando que os homens do futuro,

    dentro de meio sculo, estaro ainda curvados sobre

    os planos passadistas do professor Agache, para orien

    tar o desenvolvimento da nossa capital. Ella ser remo

    delada, fatalmente, pela prpria energia brasileira.

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    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    A

    Uma entrevista com Hermann

    Keyserling

    Com Keyserling no se pde seguir o processo

    usual das entrevistas, porque elle mal deixa ao inter

    locutor o tempo para rpidas perguntas, uma ou

    outra observao. Fala sempre, vertiginosamente, exi

    gindo que se lhe fique muito attento, para no perder

    as palavras que, por mais que corram, ainda ficam

    atraz do seu pensamento. O philosopho de Damstadt

    comeou a sua conversa comnosco insistindo no

    leit-

    motiv,

    com que tambm principiou a sua primeira con

    ferncia entre ns, depois de o ter muito repetido nos

    outros paizes do continente, que a America do Sul foi

    a maior impresso directa que tem tido da humanidade.

    Por toda parte tem encontrado homens cheios de pre

    conceitos, formulas literrias, velhos. Aqui, o homem

    novo e cria uma civilizao de base emocional.

    O que procura sempre o homem, por isso viaja.

    L pouco e s conhece os livros essenciaes formao

    de cultura ou as grandes obras-primas do gnero hu

    mano. Prefere conhecer o homem directamente e para

    isso o procura em toda parte em que se encontra. Per

    guntam os se a natureza o interessava, e respondeu

    Keyserling que pouco. Olha apenas de relance para

    tirar a impresso do meio. Mas nunca estaciona para

    contemplal-a. Aqui, nos paizes sul-americanos, s ci

    dades,

    construces, monumentos, a nada disso d

    atteno, pois, nesse particular, tudo nosso est em

    comeo. , e s quer ser, um homem sem compromissos,

    ao meio dos outros homens.

    Dahi a sua philosophia ser feita sem jargo,

    interrompemos.

    Sim, porque a philosophia antiga era outra

    espcie de philosophia e eu acho que o philosopho no

    apenas o doutrinador, mas o indivduo que v o uni

    verso em funco da compreenso, como o economista

    o faz em funco das trocas e o poltico das relaes

    sociaes.

    Tambm Bergson um philosopho sem jargo,

    ou, pelo menos, com muito pouco.

    Mas Bergson, que foi meu grande amigo pes

    soal, antes da guerra, tem uma maravilhosa expresso

    literria, que o seu grande prestigio.

    Falou-se em Nietzsche e Keyserling disse que elle

    foi o philosopso da nostalgia. Depois a conversa rodou

    para a situao mundial. Keyserling, com a sua admi

    rvel intuio sociolgica, porventura a feio mais

    car act ers tica do seu esp irito, disse logo que os dois*

    paiz es que m aiores altera e s soffreram uepois da

    guerra foram a Russiaye a Inglaterra. Enquanto frana

    e Allemanha pouco se Vodiicaram, aquelles oiferecehi

    fundas uiii ere na s. Nenrfuma mud ana ioi mais rapina

    na h isto ria do qu e a da Kuss ia, cujo regime actual e

    devido a uma iite de gnios, continuando a tradio

    nac ion al, de ser a RussSa go ve rna da por uma minoria

    forte, a que se s u b m e tt e \ maioria. Por isso l nunca

    entrou nem e ntr ar a d em ocrac ia. A essncia russa,

    peia trad io mon golica, imp etuos a. O mongol o

    o povo mais impenaiista e conquistador. Dahi o russo

    ser um homem de convices absolutas. bolchevista

    porque . Enquanto um allemo, por exemplo,.no

    ace itaria uma pos io ante s de ter raciocinado, porque

    filho de um povo de raz o , o russo se entrega pela

    paixo e extremado. Sobre as influencias criadoras

    citou-s e Do toiesw sky e K eyserling replicou que no.

    O p ae foi To lstoi , de quem diss e no ser um espirito

    sincero , pois enq uan to eva ngel izav a, era um homem

    muito mau.

    Pe rgu nta mo s se ju lga va o bolchevismo um phe

    nomeno russo, e respondeu:

    um phenomeno oriental, cuja infiuencia im

    possvel de evitar ou limitar...

    E invadir o occidente. . .

    Isso, nun ca. Ser o riental apen as. A linha que

    divide o Oriente do Occidente passa pelos estados bal-

    ticos, Pol nia e vae R um ania. O bolchevismo no

    a ultrapassar, j em 1919, quando me pergunta**^

    na Allemanha, se elle nos invadiria, affirmava o con

    trario, sob palavra. Quanto America do Sul, nem ha

    que pen sar em bolche vism o. A Itlia apresenta no

    fascismo um phe nom eno com g ran des pontos de con

    tac to com o bo lchev ism o, no que se refere vontade

    dominadora, mas em essncia diverso. Na Inglaterra

    a trans form a o enor me . a luta dos filhos contra

    os p e s. O part ido trab alh ista est cheio de aflito--

    cratas.

    Perguntamos sobre a approximao entre a Frana,

    e a Allemanha, e Keyserling disse que

    natural

    $i*

    "casamento de razo". O grande mrito da guerra]/

    tornar impossvel, de futuro, outra guerra entre oss

    paizes , porqu e elles represe ntam a cultura europa. 0

    dio no de raa, mas de tradio politica, por caiu

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    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    do Rheno. As mocidades hoje se adm iram, os indu s

    triaes *e admiram e tm interesses communs, logo

    nada tu pede esse app roxim ao auspicios a. Curioso

    que grandes homens franczes tm enormes contactos

    Com os allemes . Poin car , po r exem plo, cujos defeitos

    so todos allemes. Elogiou largamente a cultura e a

    espiritualidade francezas, como uma das coisas supe

    riores do mundo. Acha, porem, que a Frana deve re

    novar os seus quadros, pois o nico paiz europeu,

    bujos estadistas so os mesmos de antes e de durante

    a^guerra.

    E os Estados Unidos ?

    o paiz que apresenta maior semelhana com

    a Rssia, pela essncia econmica communista. Odeiam-

    se,

    certo, mesmo porque so os dois imperialismos

    que regero o mundo. So os dois maiores aconteci

    mentos da civilizao moderna. A approximao anglo-

    americana de interesses momentneos, no funda

    mental. A Inglaterra hoje obrigada a estar em 1>".T*

    relaes com os E. Unidos, por causa do Canad e

    talvez das outras colnias. Isso lhe tolhe os movimen

    tos.

    Em qualquer estremecimento, o Cana d ut. o

    apoio americano para a separao.

    Falou-se depois no Brasil e Keyserling mostrou

    o grande interesse pelo nosso paiz, onde encontrou

    uma elite de homens representativo* de cultura, como

    em nenhum outro deste hemispherio. Como estivesse

    aqui, ha poucos dias, no poderia dizer com maior se

    gurana, mas a physionomia espiritual do Brasil se \h:

    afigurava a de um povo de grande preoccupao intel

    lectual.

    1

    ARCHITECTURA E URBANISMO

    A PALAVRA DE STEINHOF

    O professor EugnioSteinhof,da Escola de Artes Decorativas de Vicnna,

    um artista moaerno, um verdadeiro construetor, de orientao clara e segura.

    Sobre architectura e urbanismo, nos deu algumas conferncias e artigos, mos

    trando as suas tendncias actuaes e defendendo os princpios evidentes da

    subordinao ao tempo e suas determinantes e da harmonia com o ambiente,

    evitando as deformaes da copia e do passadismo, que esterelizam e prejudi

    cam o livre desenvolvimento da personalidade dos artistas. Visitando o Brasil,

    a convite do "Instituto Central de Architectos", que assim testemunhou a sua

    preoccupao pelas correntes modernistas, adquirindo inegualavel prestigio

    junto aos moos, oprof.EugnioSteinhof, que demonstrou grande entusiasmo

    pela renovao brasileira, dentro do espirito moderno, concedeu ao MOVI

    MEN TO BRASIL EIRO a entrevista abaixo, cheia de vibrao nova e aguda

    penetrao.

    nossa primeira pergu nta sobre a remodelao da

    cidade, explicou o prof. Steinhof que, at agora, pelo

    desenvolvimento espantoso que tem tido o Rio de Ja

    neiro, no foi possivel cuidar de urbanismo, nem de

    licliitectura. A cidade est num momento de transio.

    preciso, antes de tudo, formar uma g erao de archi

    tectos livres, sem estar infeccionada pelas theorias, vin

    das de uma gerao anterior que nada criou. Deve des

    pertar-se nos moos, a criao pelo prprio tempera

    mento, evitando o preconceito passadista e acadmico,

    bem como a obcesso modernista. Xada de

    dernier cri.

    A CASA BRASILEIRA

    Falamos, a seguir, da casa brasileira, e o

    prof.

    Steinhof nos disse que uma ctes suas alegrias foi ter

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    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    compreendido o nosso espirito. Acha que, na Europa,

    a famlia vive muito isoladamente, ao passo que aqui,

    sempre um conjunto. Assim, a casa brasileira dever

    ser feita de modo que nella se ande livremente, sem

    as escadas complicadas das europas. A importncia

    do clima preponderante, mas preciso considerar que

    a sua ventilao se faz pela corrente de ar, isto , pela

    circulao constante do ar. Isso se consegue por meios

    que so differentes e contrrios mesmos aos da casa

    europa. O principio technico da casa brasileira deve

    ser o de uma garrafa thermica: paredes grossas e va

    randas. A questo no s de grandies janellas, mas

    de aberturas no alto, por onde se renove o ar e saia todo

    o ar quente.

    O ABSURDO COLONIAL

    Indagamos da sua opinio sobre o colonial no

    Brasil. Respondeu claramente: "Acho um absurdo. Pri

    meiro, porque o paiz no mais colnia, depois porque

    foi uma arte portugueza campestre, feita numa poca

    em que o espirito era barroco, o que no acontece mais

    hoje. A architectura deve vir do fundo do espirito do

    povo. Os ornamentos so reflexos do seu subconsciente.

    preciso extrair a essncia desse espirito, que se revela

    na prpria linha ornamental. Por ella se saber da ori

    gem e da espiritualidade de um povo. O colonial uma

    volta ao passado sobre o estilo passado, to falso como

    o Luiz XVI." Adora o colonial feito pelo espirito in

    gnuo da grande alma barroca, mas abomina todas as

    copias. Sobre o arranha-ceu, disse que o julga uma

    questo econmica, determinada pelo valor dos terre

    nos. Do contrario, acha um puro romantismo. Quanto

    s nossas casas altas (que se admirou um pouco de

    serem chamadas de arranha-cus) disse que no as con^

    demna e as justifica, tudo dependendo da localizao,

    de accordo com o ambiente e a paizagem.

    O JARDIM BRASILEIRO

    A propsito dos nossos jardins actuaes, acha-os

    detestveis. uma copia servil e iwadaptavel. E ex

    plicou: o jardim deve estar em relao com a flora. A

    arvore europa de contornos incertos e vae bem no

    seu ambiente. Aqui, a arvore definitiva, o que es

    panta o estrangeiro. A palmeira uma cristalizao

    clara da lei da formao. Em compensao, no pode

    ramos ter aqui o carvalho, alis uma arvore magnfica.

    O critrio dever ser a flora, aqui de uma superiori

    dade extraordinria. O contrario puro snobismo.

    Seria querer que um povo habituado aos meio-tons

    compreendesse uma musica de quarto de tons. O eu

    ropeu julga sempre a architectura hindu sobrecarre

    gada, mas os hindus nella expressam sinceramente o

    seu temperamento, sem nenhum excesso.

    ARCHITECTURA, ECONOMIA, ENGENHARIA

    Sobre a determinante econmica na architectura

    disse q ue a g uer ra trouxe na E urop a a misria e esta

    criou uma architectura econmica, mas recusa-se a acre

    ditar que a economia seja o fim de qualquer arte. A

    simp licidade de uma ponte ou de uma g are so admiV

    raveis ma s a pe rfeio do calculo n o pde ser tam^

    bem architectura, porque a architectura o symbolo do

    espa o no q ual o homem vive, espa o criado com as

    suas mos. A architectura deve criar o bem estar hu I

    mano no seu sentido mais elevado. A construco d

    os m eios. O h an gar d'O rly, ou a ponte do Porto so

    coisas marav ilhosas, mas no podem substituir a ar

    chite ctura . O archite cto deve pa rtir da riqueza da na

    tureza, que no contem plar apena s segundo uma im

    pres so sentim ental de belle za, mas pelo lado da sua

    prp ria cria o . A na ture za sempre bella e a belleza

    est em com preend er a s ua lei. preciso libertar o

    joven archite cto do p lano dese nhad o pelos meios te

    chnicos do rectangulo e do linear. O plano deve ser uma

    execu o livre como a c ria o de um quadro ou de

    uma est atu a. por isso q ue no estado de criao o

    desenho deve ser feito a mo livre e somente depois

    ser fixado pa ra a execu o. E no passado mesmo,

    vemos isso, os planos dos grandes mestres da arflii-

    tectura foram sempre desenhos livres.

    Insis tiu em dizer que no um nihilista nem quer

    destru ir o pa ss ad o. Es te deve ser c ultivado pela admi

    ra o ao s g ran des art ista s, que s foram gnios porque

    evi tara m a co pia e isso que lh es deu fora., Miguel

    ngelo s revelou o seu gnio, quand o se libertou da

    influencia de Do natel lo. S quem compreende bem o

    passado, pde evital-o.

    Falando sobre o classicismo, disse que no elle

    greg o. "O Parth enon , affirmou ousadamente, era uma

    pequena casa , m uito bella, campez ina". O que se con

    vencionou cham ar de cls sico um estado de espirite

    oom duas chamadas superpostas: uma, grega, vindado

    culto de Hermes e de Apollo, outra, franceza, vinda

    do Renascimento italiano. Porque o verdadeiro esprito

    francez no o bom gos to, m as est synthetizado na

    cathedral gothica. Aquelle espirito destruiu a essncia*

    (

    france za, dim inuin do-a. O verd adeiro gnio francez

    Villon. Na Frana foi impossvel a impetuosidadejda

    Renascena italiana.

    O CLASSICISMO

    As su as ultima s p ala vra s foram de entusiasmo peto

    mod ernism o bras ileiro e pelo es pirito renovador qu*

    encontrou, sobretudo nos estudantes de archtectwa,

    de cuja formao acredita que se pode esperar a trans

    formao architectural do Brasil.

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

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    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    A nova poesia brasileira

    Conferncia de Renato Almeida, ds A. B. E.

    A natureza, no Brasil, no tem sido somente essa

    fora de mysterioso terror que amesquinha o homem,

    nem essa perturbao constante obra do progresso,

    que entrava como a defender a barb aria nativa, m as,

    por sobre tudo, uma inspiradora fiel do lirismo, com

    que o homem tem proc urado e xalta l-a, soffrer a s ua

    tirannia, dominai-a e vencel-a. Toda a nossa poesia

    brota dessa fonte prodigiosa. O seu deslumbramento

    nos

    faz eloqentes e vibrantes. Se, porm, nos deprime,

    tudo melancolia, lassido, desanimo. O sortilegio per

    dura. Do xtase dos primeiros conquistadores emoo

    dos poetas modernos, a poesia tem sido o milagre su

    premo da terra. Do pasmo inicial, das sensaes do

    olhar, do tacto, do gosto, do olfato, tudo novo na terra

    nova, at a sensibilidade nativista da poesia moderna,

    ha por certo um longo sentimento que se transforma.

    A principio o canto terra "estupida men te bella",

    depois ao paiz que surge, se modifica, e comea a

    criar a civilizao. Mais tarde, as foras humanas se

    incorporam e o indio romntico um symbolo da terra,

    que se torna ptria. Vm depois outros poetas, imbu

    dos agora de espirito estranho, muito mettidos com

    gregos e romanos. Mas, nem assim, fogem fascinao

    da natureza e so seus grandes cantores, ainda que por

    vezes o artificio prejudique a sinceridade. Os que se

    ^afastaram e se isolaram dessa emoo nacionalista, que

    na poesia contaminou o prprio Machado de Assis, fi

    zeram obra incompreensvel na harmonia da sensibili

    dade brasileira. O nosso lirismo a magia da natureza

    que nos envolve e j agora ns a completamos.

    ^ Mas, se a imagina o brasileira se commove sem

    pre diante dos mesmos motivos, como variou a sensi

    bilidade, que hoje se reclama moderna e renovadora,

    para exprimir sensaes mais puras e mais livres ? Que

    transformao essa que impe o espirito moderno e

    as suas correntes victoriosas ? N o so esse s poe tas,

    novos cantores da terra, das suas lendas, da sua gente,

    do seu dinamismo, das suas aspiraes e das suas for

    as numerosas e activas ? No os ha exaltado s e fre-

    mentes, melanclicos e ingnuos, no ha mesmo os

    que renovam o indianismo, ansiando pela volta sel-

    vageria, como a suprema expresso brasileira, que a

    cultura compromette e degrad a ? Onde a novidad e e

    a differena entre antigos e modernos, se nestes per

    dura o sentimento que animou seus antecessores ? Onde

    est a poesia nova do Brasil ?

    Se quizesse responder a essas perguntas, de uma

    s vez, creio que acertaria dizendo que s mudemos

    trouxeram ao sentimento uma conscincia brasileira.

    Nelles, o lirismo no vem do esplendor ou

    di

    melan

    colia, mas da unio profunda com o Brasil, da intimi

    dade que adquiriram com as cousas, do sentido intenso

    das suas vozes e das suas nsias, da ideologia forma

    dora de um espirito nacional, que se liberta de todos

    os entraves e se affirma decididamente. Nem o espanto

    inicial, com as formas do terror, nem a exaltao des

    ordenada, nem o lamento persistente e torturado, nem

    a transubstanciao da terra na paizagem apenas. Ha

    ver de tudo, mas orientado num sentido intelligente

    e criador. Porque a poesia moderna no mais de pura

    sensibilidade, antes cerebral por excellencia. Ao invs

    do devaneio a inteno. Procura construir, espiritual

    mente, o Brasil e para isso o interpreta.

    No indagaremos das muitas correntes que por-

    fiam no mesmo esforo, pois, na finalidade commum,

    explicaremos a sua razo de ser, que a inquietao

    moderna a todas justifica. O poeta do futuro nascer

    das nsias que agora se multiplicam e aspiram a expri

    mir a essncia fundamental da terra. Poetas dinmicos

    ou sentimentaes, uns exaltados pelo progresso avassa-

    lador, outros humildes, preferindo a poesia simples da

    gente rstica, outros ainda, sob a inspirao de Os--

    wald de Andrade, reclamando selvageria e anthropo-

    phagia, querem todos o segredo da realidade brasileira,

    que lhes foge subtilmente.

    Se ha uma constncia de energia na poesia e na

    arte brasileira a do sentimento nacional. O Brasil

    no cessa de affirmar a sua independncia, o que torna

    o seu nacionalismo aggressivo. A principio, na colnia,

    a revolta contra um s adversrio, Portugal, e a

    aggresso o insulto, o achincalhe, a stira, ou a exal

    tao do indgena e do ambiente brasileiro por poetas

    de feitio clssico lusitano, como Basilio da Gam a e

    Santa Rita Duro. Com a independncia, veiu a viglia

    constante contra uma imaginaria dominao estran

    geira, que redobra as foras da sua permanente ener

    gia. Agora no s a terra, mas o homem que se

    exalta, a sua construco, o seu espirito de barbaria, a

    sua alegria nova. a "luz selvagem do dia ameri

    cano"

    (1) .

    (1) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra, que deu a esta con

    ferncia a collaborao admirvel de sua sensibilidade pene

    trante e modernista, declamando poemas da nova poesia bra

    sileira, recitou

    Advertncia,

    de Ronald de Carvalho.

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    10/31

    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    A grande transformao foi obra da intelligencia.

    A contemplao rara, mas longa a analyse e a in

    teno, profunda a descoberta. O poeta novo procura

    as determinantes ostensivas ou obscuras do espirito

    nacional e se affirma pela aco. As descries arden

    tes substituiu o schema, rpido e preciso. Um epi-

    gramma tem mais substancia do que longos poemas e

    o conceito no vem mais de um enunciado prolixo,

    aponta-se na suggesto apenas. Seria curiosa a ana

    lyse psychologica do processo, em que o subconsciente

    desperta aos menores choques para as associaes

    suggeridas. Nesse particular, toda a arte moderna est

    animada por esse espirito geomtrico, em que a ima

    ginao se compraz apontando intelligencia os ele

    mentos fundamentaes da construco. Cada palavra

    vem carregada de suggestes e cheia de idas que se

    desdobrariam longamente. Resultam dahi o simulta-

    neismo, que permitte essas impresses de conjunto,

    atravs da superposio de muitas coisas numa mesma

    emoo, e o synthesismo que agrupa as mais ousadas

    associaes em torno de um n central. Tomemos, por

    exemplo, um epigramma de Ronald de Carvalho, para

    citar uma das frmas mais avassaladoras da poesia mo

    derna brasileira.

    Vero.

    Ao invs da impresso vir de

    um quadro descritivo, marcada atravs de alguns

    pormenores da natureza que, por elles, se constre e

    integra no motivo: folhas de metal, que brilham na cla

    ridade; brilhos e scintillaes, aroma de resinas, crepi-

    taes, zumbidps, trilhos surdos. E a nota psychologica

    (synthetismo) marca o ambiente

    torpor, monotonia,

    desalento, lassido.

    uma poesia cerebral, de impres

    ses simultneas, cortadas e rpidas.

    A renovao espiritual. Est no tempo. Foi a

    guerra que modificou a sensibilidade e a civilizao da

    machina, pratica e econmica, habituou o homem mo

    derno a disciplinar o espirito pela synthese. A intelli

    gencia reclamou o poder de ordenar pela essncia. A

    arte, mais do que nunca, uma suggesto objectiva,

    para que o subjectivismo multiplique a fantasia cria

    dora. Mario de Andrade, para mostrar o mysterio da

    unidade brasileira, a tragdia da nossa vida de ptria

    immensa que se procura mas se desconhece ainda, assim

    falou ao seringueiro distante:

    "Fomos ns dois que botmos

    Pra fora Pedro II...

    Somos ns dois que devemos

    At os olhos da cara

    Pra esses banqueiros de Londres...

    Trabalhar ns trabalhamos

    Porm para comprar as prolas

    Do pescocinho da moa

    Do deputado Fulano.

    Companheiro, dorme:

    Porm nunca nos olhmos

    Nem ouvimos e nem nunca

    Nos ouviremos jamais...

    No sabemos nada um do outro,

    No nos veremos jamais

    Atravs de todos esses pormenores, que a poesia

    .fixou, ha um s entid o in tenso e profund o, que vem da

    * inteno espiritua l, que o fundo mesmo da arte mo

    derna. O grande choque da iraiovtao consiste na dif-'

    ficuldade de perceber desde logo. Os que esto habi

    tuados aos desenhos longos e aos quadros pittorescoj

    se commoveriam se o poeta, em numerosos versos,'des

    crevesse dramaticam ente essa historia brasileira. Mas

    no sendo c apaz es da abs tra o, no pa ssaro do por-

    menor banal, que tomam como a essncia da poesia,

    assim tornada ridcula.

    Se ia emoo brasileira a mesma que fez vibrar

    os antigos, apparece 'transformada, pela intelligencije

    pela mod ernidade. A ntes de tu do, a poesia nova des

    prezou o formalismo e a liberdade da mtrica e do sen

    tido estreito d a gra mm atic a lhe permittiu dominar a

    ma tria n um erosa em que tem de mode lar. Dir-se- que

    os antigos, nas frmas rgidas, criaram obras impere^

    cveis.

    Ma s q ue, no seu te mp o, a sensibilidade a ellas

    se adap tava sem constra ngim ento, quando no repre

    sentavam innovaes sobre os modelos passadosv|0

    alexandrino romntico j uma conquista sobre o cls

    sico e para ns ambos so inteis, como as expresso^

    de hoje envelhecero para os homens do futuro. Acre-,

    ditar n as frmas per pt uas desconhecer o rythmo

    universal, que, variando, nos permitte a illuso conso-

    Iadora de modificar e de criar. S o espirito ordena o

    mundo e elle no se pde limitar s frmas. Tambm*

    no o assumpto que determina a arte7 pois persistiria

    o infecundo preconceito. a emoo de cada tempo

    que a arte reflecte e n o se escrav iza, porque nsia

    de liberdade. Por absurdo, justificaramos a palavra de

    No vali s, qu e a su prem a poes ia s eria aquella que nem

    assumpto t ivesse . . .

    Vimos que o mod ernism o se differencia da poe-

    sia antiga pela intelligencia, que lhe d maior liber

    dade. Os poetas moderno s quebraram displicentes to

    das as frmas, sorriem aos cnones, desprezai^o

    :xemplo inactu al e vm com olhos prprios o espe

    ctaculo da vida. Persistindo a mesma constante lrica,

    transfiguram. Approximam-se das coisas, so simples

    e busc am a expre ss o directa da realidade, que a re

    trica sempre evitou, deformando-a em imagens retor

    cida s e c om para e s artificiae s. Vivem o real sem se

    transpor a planos abstractos. O poeta de hoje fala nas

    coisas tal qual so, citadino ou rstico,^

    0

    f

    x

    ^

    humilde. E essa realidade nasce da profunda impressij

    de poes ia que sublim a os motivos e os eleva e*no>

    hum ana, alm das relatividades do tempo e do espao,

    em que se constre.

    Duas so as grandes tendncias da nova poe

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    11/31

    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    brasileira. Ellas no esto, porm, afastadas e no

    raro se encontram na mesma emoo. Essas expresses

    so alis as frmas permanentes da nossa poesia. O en

    tusiasmo e a melancolia. Aquelle continua no fundo do

    espirito brasileiro e uma constante do nosso tempe

    ramento. Esta afina-se nas cordas languidas da sau

    dade, do 'amor infeliz, do desengano irremedivel.

    Aquella dynamica, eloqente e vivaz. Esta, triste e

    nostlgica. Uma reclama a vida intensa e mecnica, a

    outra lana-se s fontes da poesia popular, ao resduo

    perpetuo do nosso romantismo. Em tudo, um reflexo

    da inquietao brasileira. Da primeira feio, nenhum

    livro mais caracterstico do que este grande poema

    que Toda a America, de Ronald de Carvalho, synv-

    ^phonia de todas as vozes do mundo novo, agitao fe

    cunda das suas energias dispares e vibrantes, tumulto

    das foras criadoras que renovam o espirito humano,

    eloqncia dos seus rythmos numerosos que ordenam

    a Civilizao moderna. Ronald de Carvalho o poeta

    do nosso entusiasmo e este livro um dos mais altos gri

    tos do nosso lirismo. certo que, tambm elle, nos

    Epigramm as Irnicos e Sentimentaes, que tanta in

    fluencia tm tido na nossa poesia, sobretudo nos seus

    processos de factura e no cerehralismo synthetista, jus

    tificando o conceito de Graa Aranha, quando o cha

    mou "creador do novo lirismo", tambm elle se mostra

    par vezes cheio de me lancolia , ainda que de fundo

    illltellectuair tambm Guilherme de Almeida poeta da

    nossa exaltao

    e Raa,

    o poema extraordinrio da

    magia brasileira. Mas em Guilherme de Almeida, como

    em nenhum outro, a maravilha do artista. Elle sabe

    tocar em tudo para transformar em motivos de belleza

    e joga cores, massas, sonoridades com mo gil e

    prodigiosa. o poeta de todas as coisas, que dellas

    tira um mundo de suggestes. Preoccupa-lhe a alma

    sensorial, a essncia lirica que pde descobrir em todos

    os objectos para a transfigu rao esthetica (2 ).

    A poesia brasileira approxim a-se sobretudo da

    terra e se melancoliza. As impresses de interior, da

    gente pobre e miservel, das coisas humildes e singelas,

    so ainda muito profundas. Tudo isso se reflecte no

    folk-lore e elle se tornou o seu grande inspirador. Len

    das,

    supersties, fantasmagorias, toda a theoria do

    terror primitivo avassala ainda a alma do nosso interior.

    0 encantamento assenhoreia-se da emoo potica. As

    festas, os sambas, os batuques, os rythmos syncopados

    da sua musica se transportam para a poesia original

    e barbara que apparece, criando um pathos curioso.

    Sem se poder falar de regionalismo, ha um intenso

    localismo. Os poetas gachos cantam pampas e vida

    livre. Os mineiros, seus lugares, suas terras calmas das

    montanhas, suas cidades velhinhas, seus rios meia-

    pataca, suas fazendas e suas rezas. Os bahianos. a agi

    tao da Bahia que se renova e seus lugares do im.-r>s

    cearenses

    resurgem a poesia nordestina, cheia de sol e de per

    fume agreste, em que:

    "Cabe todo o Cear dos cangaceiros,

    cabe o gemer de todas as violas..." (3)

    Os paulistas so pela terra roxa, pela cidade es

    tupenda envolta em neblinas, que Mano de . \ndradte e

    Ribeiro Couto cantam enternecidamente, pelo rythmo

    do progresso e da civilizao intensa, pela maravilha do

    ambiente activo e enrgico, ao mesmo tempo que pre-

    sentem o tumulto perturbador que resulta do entre-

    choque de muitas gentes, muitas lnguas, muitas von

    tades.

    Tambm os cariocas criam uma poesia da nossa

    cidade. Ronald de Carvalho, lvaro Moreyra, Manuel

    Bandeira, Felippe d'OIiveira, Murillo de Arajo. Curiosa

    a feio local da nova poesia, que caracteriza essa pes

    quiza do Brasil, como a sentir melhor a sua posse,

    chegar-se mais, incorporar-se a elle, auscultar intima

    mente no seu rythmo (4).

    Poder parecer extranho e contradictorio que a ,

    poesia moderna demonstre tanto apego s frmas pri^ i

    mitivas e volva s suas emoes simples, ao invs de .

    encaminhar-se toda para a corrente dynamica que canta J

    a civilizao, com alguns dos poetas referidos e Manuel

    de Abreu e Tasso da Silveira, libertos da tristeza.

    que vacillamos entre esses dois modos de ser e ha um

    temor que o progresso nos tire a frescura da terra n

    genua e moa. Dahi essa persistncia romntica, que

    se exaggera nos que se proclamam anthropophagos

    para defender a pureza do estado selvagem, a que no

    podemos mais voltar e, portanto, se vae resumir num

    exerccio literrio. Precisamos tomar o Brasil na sua

    realidade dispar e monstruosa, de paiz de contrastes

    e differenas fundamentaes, que aure de todas as fontes

    a energia vital, que transforma em actividade criadora.

    A melancolia est no fundo da alma brasileira. No

    se v discutir o problema da tristera brasileira, essa

    duvidosa tristeza, de que no nos convenceu o livro

    admirvel de Paulo Prado. O que certo que a poesia

    popular melanclica, como, alis, quasi todas as poe

    sias populares, e a arte em geral se inspira mais na

    tristeza do que na alegria. Aquella nos commove muito

    :i

    (2) ASra. Eugenia lvaro Moreyra recitou Missa negra,

    de Guilherme de Almeida.

    (3) Da Iniciao de Rachel de Oliveira.

    (4) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra recitou Essa nega

    Ful, de Jorge de Lima, Melancolia,de V argas Netto e Sce-

    nario de loua e de crystal, de Felippe d'01iveira.

    http://ndradte/http://ndradte/
  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    12/31

    10

    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    mais profundamente e a vida se transfigura sobretudo

    pelo lado pathetico. Schoppenhauer disse: "S a dr

    positiva, o prazer negativo."

    Dessa nossa poesia melanclica, que Manuei Ban

    deira e a influencia mais considervel, por nos ter dado

    os motivos mais dolorosos numa simplicidade muito

    brasileira, que lembra, com maior intensidade subjectiva

    est claro, Casemiro de Abreu, por ter fixado esse fundo

    recalcado da nossa alma em formao num meio exu

    berante, dessa nossa poesia de nostalgia est cheio o

    Brasil inteiro. Poesia sincera e intima, sem literatura,

    que procura a ingenuidade das coisas e o desengano do

    seu atropelo, o eterno mal da vida, o sabor amargo de

    todos os frutos. lvaro Moreyra, por um toque de hu

    mor, a torna inquieta, d-lhe o travo da intelligencia,

    quando em geral resignada e abatida. Conforma-se

    com a dr, alegra-se em soffrel-a, como faz Augusto

    Frederico Schmidt (5).

    No se negar a pureza dos motivos primitivos

    para a arte. Transplantados para um quadro superior

    tm todas as suggestes da vida. Mas limitar a poesia

    a determinados quadros, situar o Brasil em meia dzia

    de ambientes de Toca e interior, satisfazer-se com a

    magia popular e abandonar as feies intensas do

    momento de civilizao mecnica, olhar as coisas sem

    sentir nellas tudo que o nosso domnio lhes extrae, ver

    uma cachoeira como uma paizagem apenas e no pen

    sar nas possibilidades de fora, luz e movimento que

    brotam do seu jorro, no penetrar no supremo encan

    tamento da velocidade que condensa o mundo, tudo isso

    uma limitao, em que no devemos persistir. Toda

    essa sensibilidade que se contenta com o interior e seus

    aspectos pittorescos ainda um resduo passadista que

    nos cumpre vencer. Vem talvez do excesso de nacio

    nalismo, que obriga a concentrao, para repellir o

    que vem de fora e estratificar o que havemos das ori

    gens. Mas esse preconceito absorvente um perigoso

    embarao. O Brasil tem por funco fundir as foras

    do seu temperamento ao universalismo, para criar obra

    de cultura. A poesia brasileira no perder o seu ca

    racter, tornando-se universal.

    Bem sei que o primeiro beneficio desse retraimento

    foi libertar a nossa poesia das influencias estrangeiras,

    que sempre pesaram sobre os poetas nacionaes, fazen

    do-os reflexos, embora com vigor e espontaneidade, de

    sensibilidades estrangeiras, variando aqui os motivos.

    Gonalves de Magalhes, Gonalves Dias ou Castro

    Alves, Alvares de Azevedo ou Olavo Bilac so todos

    f representativos de outras poes ias. Ao passo que os po e-

    ( tas novos do Brasil, se a principio ain da se ligavam aos

    da scorrentes de vanguarda de outros paizes, se liber

    taram pela fora intrnseca do nosso espirito, fatigado

    das correntes de vanguarda de outros paizes, se liber.

    prio . P ar a is so n ao 101 precis o taze r uma poesia rudi

    mentar e primitiva. Po rtan to, a conquista no nos deve

    levar agora ao excesso que degenerar em preconceJ

    A nossa p oesi a do min ar livremente a matria uni

    versal.

    Nada de mais delicioso do que a conquista sobre

    a lingua portugueza, para o que no preciso tambm

    chegar ao extremo de criar uma expresso voluntaria

    mente err ad a e cheia de m odism os. Acompanhemos a

    evoluo da lingua na bocca do povo, que se forma>e lhe

    d um s abor de co nstante novid ade. Assim como nin

    gum mais pensa no motivo nobre, po is a arte trans

    figura todas as c oisas , ac abem os tambm com o pre

    conceito da lingua esc rita, pa ra mumificar o pensa

    mento e a se nsib ilida de. Foi e ssa uma das mais bellas

    affirma es do m odern ism o, esc rever na lingua brasi

    leira , sem as h orr ve is defo rma es do classicismo lusi-i

    tano, que at agora perdurou aqui, fermentando essa

    retri ca va sia e pa lav ros a, ess a poe sia secca e detes

    tvel, que no poesia porque no tem vida. Uuamfll,

    ness a sim plicid ade mo der nist a, um magnfico. poeta

    joven, Henrique de Resende (6).

    A poesia ganha um singular prestigio e, felizmente,

    o soneto morreu... Ningum mais ousa perpetral-O,"

    mesmo porque impossvel vencer o ridculo. A replica

    que os ha ma ravi lhos os ing nua, porque tambm fo

    ram ma ravilho sas as g ale ras antiga s e ningum hoje

    vae estabelecer tuna companhia de navegao em ga

    l e r a s . . .

    No emtanto, antes da reaco modernista,

    andv amo s por aqui nas g alera s de Cleop atra... De

    1922 par a c foram tod as torp ede ada s. Se ainda pde

    have r, e por cer to que ha, muito de que se libertar a

    poe sia bras ileir a, no ser d os precon ceitos de frmas.

    Es sa libe rta o inte gra l v ir como fruto do esforo

    magnfico dos poetas de hoje, procurando atravlSde

    todas as foras do espirito brasileiro as expres8p|de-

    finitivas da sua ess ncia. Com ellas se criar esse

    rythmo novo, que est nos poetas modernos, mas con

    tinua uma perpetua aspirao.

    No posso acompanhar o parecer sempre

    \

    de T ris to de At hay de, uma da s no ssa s novas foras

    renovadoras mais efficientes, quando v nessa agitaa^

    que vae por todo o Brasil, um movimento intencional^

    a qu e neg a v alo r. Muito ao co ntr ario, essa stoS",'*",

    iden tidad e de es pirito reno vad or, a trav s de exces0|j

    absurdos, monstruosidades se quizerem a min*

    se me afigura como a demonstrao de que

    v a r

    **l

    nossa sensibilidade, torna-se brasileira exclusiva**l|||

    e procura uma expresso livre. Replicam outrosque

    ram Ronald de Carvalho, Mario de Andrade, Gulbep**

    (5) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra recitou

    A mangueira

    e o sabi,

    de lvaro Morevra.

    (6) A Sra. Eugenia lvaro Moreyra recitouSenzdkh*

    Henrique de Resende.

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    13/31

    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    i :

    M O M E N T O

    Ningum ignora a inquietao do clima paulistano

    Pois tivemos hoje uma arraiada fresca de neblina.

    Depois do caloro duma noite maldita, sem sono,

    Uma neblina leviana desprendeu das nuvens lisas

    E pousou um momentinho sobre o corpo da cidade.

    Oh como era boa e o\carinhoque teve pousando

    No espantou, no bateu asa, no fez nenhuma bulha,

    Veio que nem beijo de minha mi si estou enfezado

    Vem mansinho, sem medo de mim e pousa em minha testa.

    Assim neblina fez e o sopro dela acalmou as penas

    Desta cidade histrica, desta cidade completa,

    Cheia de passado e presente, bero nobre em que nasci.

    Os beijos de minha mi so tal-e-qual a neblina madruga.. .

    Meu pensamento tal-e-qual So Paulo, histrico e completo,

    presente e passado e dele nasce meu ser verdadeiro. .\

    Vem, neblina, vem Beija-me, sossega-me o meu pensamento

    MARIO DE ANDRADE.

    de Almeida, Manuel Ban deira, Osw ald de Andrade e

    i

    os outros chefes da vanguarda. Pouco importa. Era na

    tural que uma modificao to profunda viesse criar

    grandes influencias e ai do movimento se no se pro

    duzisse por tal frma Dess a intensa vibra o que

    \

    se formaro as grandes personalidades, que no podem

    [apparecer ao acaso, mas so precedidas de longas for

    maes. Toda a poesia nova do Brasil, dos de menos

    de 25 annos, nasce do modernismo e o que parece in

    teno o imperativo do tempo, que assim modela a

    sensibilidade.

    J no s a maravilha da terra que nos arrebata.

    Hoje o mysterio do homem a suprema indagao.

    Volveram-se a elle os poetas tambm e a poesia nova,

    por esse aspecto, se torna subjectiva. O homem no

    mais uma fora da natureza, como as arvores, ou os

    animaes. o ordenador. Sem elle, tudo intil pai

    sagem e preciso conhecel-o para sentir o ambiente,

    entender as suas vozes, interpretal-o. O mysterio bra

    sileiro o da adaptao do homem terra, desse ho

    mem, em cujas veias cada dia se sommam mais san

    gues, em cujo espirito se vo debatendo as mais di

    versas tendncias, e cuja formao deve ser o equilbrio

    de mltiplas foras imponderveis ainda. O seu segredo

    no ser decifrado pela intelligencia apenas, mas se

    revelar sensibilidade. E essa indagao domina os

    poetas de hoje, que procuram o Brasil, dentro do seu

    problema fundamental. Esse poeta que nos fala do

    roceiro, aquelle que exalta o homem da cidade, o ope

    rrio, o mecnico, o industrial, um outro que penetra

    na humanidade primitiva e recolhe as suas vozes e bal-

    bucios, indagam todos o sentido da mesma realidade.

    Ha um canto de futuro na poesia nova do Brasil.

    Quando o grande Graa Aranha affirmou que "ser bra

    sileiro ver tudo, sentir tudo como brasileiro, seja a

    nossa vida. seja a civilizao estrangeira ,seja o pre

    sente, seja o passado", disse a synthese de toda a ten

    dncia modernista de activo nacionalismo. No era

    uma escola artificial que se criava, no era uma orien

    tao que se fixava, nem mesmo uma tendncia que

    se abria. Valiam todas as tendncias, todas as orien

    taes, talvez todas as escolas, desde que permaneces

    sem fieis ao espirito criador. Tanto assim foi, que, va

    riaram as feies modernistas, no para prejudicar o

    movimento, seno para tornal-o mais vivo, desdobral-o,

    pois cada qual procura realizar mais livre e mais deci

    sivamente a aco brasileira. Esse modo de sentir, num

    paiz joven e immenso, no poderia ser uniforme e o

    que parece a muitos confuso o signal mais seguro

    de um espirito construetor que reformou a sensibili

    dade brasileira e aspira libertao integral. Essa tal

    vez se consiga um dia. Ou talvez nunca. Ser melhor

    assim, o lirismo brasileiro se mover sempre no rythmo

    da aspirao.

    \

    http://carinho/http://carinho/http://carinho/
  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    14/31

    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    A Liga das Naes e o Problema

    da Paz

    A terrvel catastrophe que enluctou o mundo, de

    1914 a 1918, e cujos desastrosos effeitos ainda per

    duram, fez nascer, por toda parte, um anseio de paz,

    um desejo de se evitar a guerra, to intensos como

    jamais se vira.

    A Liga das Naes, organismo surgido daquella

    grande conflagrao, teve por fim precipuo, precisa

    mente, manter a paz. E no Pacto, que a sua lei or

    gnica, se acham indicadas certas medidas, destinadas

    obteno de tal objectivo.

    Abrangem, taes medidas, as trs categorias se

    guintes: a) limitao de armamentos; b) assistncia

    ou garantia mutua contra as aggresses; c) soluo

    pacifica das controvrsias.

    O principio da assistncia mutua recolheu, em

    certa poca, as maiores attenes da Liga e foi consi

    derado como o melhor caminho, para se chegar ao fim

    collimado. Nesse sentido, chegou a ser elaborado um

    projecto de tratado collectivo, bem depressa abando

    nado e substitudo pela ida mais larga de um amplo

    tratado geral de arbitragem e conciliao.

    Essa nova tentativa, que teve a sua expresso no

    famoso Protocollo de Genebra, de 1924, no foi mais

    feliz do que a primeira. O Imprio britannico oppoz-se

    fortemente realizao de um tratado collectivo na-

    quelles termos, e essa opposio foi decisiva.

    Julgou-se, ento, prefervel o systema de pactos

    regionaes. Dahi, os tratados de Locarno, que tanta re

    percusso tiveram no mundo.

    Entrementes, o organismo de Genebra procurava

    realizar, noutro sentido, os propsitos que lhe indica

    o seu estatuto fundamental. Fazia-o, estudando acura

    damente o problema da reduco e limitao dos arma

    mentos. '

    Segundo o artigo 8. do Pacto, "os membros da

    Liga reconhecem que a manuteno da paz exige a

    reduco dos armamentos nacionaes ao mnimo com

    patvel com a segurana nacional e com a execuo

    das obrigaes internacionaes, por aco commum".

    Ao Conselho incumbe, ento, preparar os planos dessa

    reduco. sem esquecer a situao geographica e as

    condies especificas de cada Estado.

    Como se v, o problema bastante complicado.

    Desde alguns annos, vem a Liga cuidando desse

    assumpto, sem haver chegado, at hoje, a nenhum re

    sultado prtico.

    HIL D E B R A N D O A C C IOL Y .

    Ao principio, enqarou-se o problema sob o aspecto

    exclusiva men te technico e militar. Foi a poca em que

    se julgou possivel a sua soluo por meio da Commis

    so permanente consultiva para o estudo das questes

    militares, navaes e areas, criada em Maio de 1920, em

    virtude do artigo 9. do Pacto, e composta de officiaes

    de terra e mar.

    Verificou-se, logo depois, que o assumpto apresen

    tav a, tamb m , a spec tos no militiares. Criou-se, ento,

    uma Co mm isso m ixta, na q ual figuravam alguns menv

    bros da primeira, ao lado de politidos e economistas.

    Os seus resultados no corresponderam espectativia,

    e a nova commisso desappareceu.

    Em 1926, o Conselho da Liga convocou outra com

    misso, confiando-lhe a tarefa de preparar uma grande

    conferncia interniaoional, para a limitao e reduco

    dos armamentos.

    H trs annos, vem se reunindo periodicamente

    essa commisso preparatria, sem que, at agora, tenha

    julg ado sufficiente o trab alh o realiza do, paria se con

    vocar a conferncia. que, no seio da prpria com

    misso, tm surgido pontos de vista to divergentes,

    que se p ode ter, de an tem o, a certeza de que, por em

    quanto, nenhum xito poderia resultar da projectiad

    conferncia.

    Na impossibilidade em que se acha de conseguir

    resultados positivos, em matria de reduco de arma

    me ntos, a Liga j pensou em envereda r por outro ca

    minho. A prprio commisso prepanatoria acima refe

    rida passou, em. 1927, por iniciativa da 8.

    a

    Assembla,

    a ter, entre os seus rgos auxiares, um

    comit,

    in

    cumb ido do est udo das quest es de arbitragem e segu

    rana.

    Na esphera desta e daqu ella, esperou a Liga, no

    sem alguma razo, realizar progressos apreciveis.

    Parece, realmente, que a reduco dos armamento

    ser, antes, conseqncia do que causa do estabeleci

    mento de um regimen de pa z e de s egurana, entre os

    povos.

    Mais ou menos neste sentido, manifestaram-se

    ainda na penltima reunio da commisso preparatofla

    da conferncia do d esarm ame nto, vrios delegados a

    mesma conrmisso.

    Assim, por exemplo, o Sr. Gibson, dos Estados

    Unidos da America, disse: "A confiana na sotaa

    pacifica dos confliotos reduz iria automaticamente os ar-

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    15/31

    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    i i

    mamentos. A reciproca, comtudo, no verdadeira".

    O Sr. Hennings, da Sucia, declarou: "Os arma

    mentos no so o nico perigo que ameaa a paz;

    ainda num universo completamente desarmado, graves

    conflictos poderiam surgir, e surgiriam certamente. As

    naes no se desarmariam sem estar seguras de que

    os conflictos internacionaes seriam submettidos a um

    tribunal imparcial, cuja sentena fosse escrupulosa-

    mente observada".

    O Sr. Sato, do Japo, affirmou: "O desarmamento

    uma questo subjectiva; o simples facto de um paiz

    se desembaraar de suas larmas, em vez de criar um

    sentimento de segurana poderia at chegar a produzir

    o effeito contrrio".

    Por outro lado, como assignalou o General de Ma-

    rinis, da Itlia, o desarmamento no resolveria o pro

    blema da paz e da segurana, porque certos paizes,

    em razo de sua riqueza, de sua organizao indus

    trial e de sua popubao, poderiam reconstituir seus

    armamentos mais rapidamente do que outros e, por

    conseguinte, ame aar a seg uran a do s ltimos.

    No se pde dizer que no tenham sido auspicio

    sos os resultados do

    comit

    de arbitragem e segurana.

    Os seus trabalhos consubstanciaram-se em alguns tex

    tos, adoptados pela 9.

    a

    Assembla e constantes: 1.)

    de um

    Acto geral

    para a soluo pacifica dos litgios,

    no qual foram englobados os projectos de tratados ge

    raes elaborados pelo

    comit

    e relativos arbitragem,

    soluo judiciaria e conciliao; 2.) de modelos de tra

    tados collectivos de assistncia e de no-aggresso,

    bem como de tratados bilateraes de conciliao, arbi

    trag em , soluo judiciaria e no-a ggress o. O Acto

    geral foi aberto assignatura de todos os Estados mem

    bros da Liga e de alguns, como o Bnasil, que a ella

    no pertencem. Os modelos de tratados foram forne

    cidos aos paizes de boa vontade, que, dos mesmos, se

    queiram aproveitar.

    Esse Acto geral tem o defeito de ser um tratado

    collectivo. Em tal matria, os (actos collectivos dificil

    mente recolhem ratificaes: o exemplo do Protocollo

    de Genebra expressivo.

    O facto que a arbitragem constitue acto de con

    fiana e no se pode exigir que uma nao tenha em

    muitas a confiana que deposita numa ou noutra, ou

    em varias dellas. Pensamos, por isto, que a arbitragem

    caminhar mais depressa, por mais paradoxal que isto

    parea, por meio de tratados bilateraes do que por um

    acto collectivo.

    Bastaro, entretanto, alguns modelos de tratados

    simples de arbitragem e conciliao ou a abertura de

    um tratado geral assignatura de todas as potncias

    para que o problema da paz tenha dado um passo de

    cisivo no caminho da sua soluo ? Ningum ter a

    ingenuidade de o suppr. No resta duvidia, porm, de

    que, na engrenagem mundial de interesses mltiplos

    divergentes, a segurana elemento indispensvel da

    paz; e o desarmamento so por si nao proauzira o anne-

    jado resultauo, se, conconuanternente, nau eAibur a

    confiana mutua. Ura, s a arDitragem e os ueiiiais

    metnodos de soluo pacifica dos litgios podem or-

    necer uma base solida para tal coniiana.

    Qual a difficuldade essencial, entretanto, para a

    laacceitaao ua aroitragem obrigatria e generan/aua t

    "O verdadeiro obstculo" disseram os niusues m-

    ternacionalistas Srs. E. Borel e N. Foiitis, em retatorio

    apresentado no faz muito ao Instituto de direito inter

    nacional "o verdadeiro obstculo reside muito me

    nos no direito do que na mentalidade dos uovernos,

    em sua repugraancia em abandonar o terreno da sooe-

    rania intangvel do Estado e em acceitar o principio ua

    soluo judiciaria dos litgios internacionaes com as in

    certezas e os riscos que a sua appiicaao comporta".

    Com a adopo dos resultados do seu

    comit

    de

    arbitragem e segurana, a Liga no deu por inua a

    sua tarefa. E voltou novamente as suas vistas para a

    questo que, seguramente, mais impressiona a atteno

    de todos os povos, no momento actual, isto , a ques

    to dos armamentos.

    De Abril a Maio do corrente anno, esteve reunida

    em Genebra, pela sexta vez, a commisso preparatria

    da conferncia do desarmamento. Para no haver equ

    vocos, convm esclarecer que, apesar do titulo, a pro-

    jectada conferncia, segundo foi resolvido h muito

    tempo, no ter em vista, propriamente, o

    desarma

    mento, mas apenas o que j ser muito

    a redu

    co e a limitao dos armamentos.

    O trabalho realizado nessa reunio deu lugar s

    mais fundadas esperanas. Graas boa vontade do

    Governo americano, revelada nas instruces de que foi

    portador o seu delegado naquella commisso, tornou-se

    possivel o accordo da grande maioria da mesma sobre

    certos pontos de importncia capital.

    Um desses pontos dizia respeito aos armamentos

    navaes. A defesa dos Estados Unidos, disse o Sr. Gib-

    son, delegado americano, constitue essencialmente um

    problema navial. Apesar disto, o seu Governo estava

    disposto a facilitar um accordo geral, a tal respeito.

    Assim que, embora acreditasse que o methodo mais

    prtico, com relao reduco dos referidos arma

    mentos, fosse a limitao da tonelagem por categorias,

    consagrado, alis, no tratado de Washington, o Go

    verno americano acceitaria, como base de discusso,

    uma proposta francesa, que procurava combinar o me

    thodo da limitao da tonelagem global com o da limi

    tao da tonelagem por categorias.

    A declarao americano, nesse sentido, causoutal

    effeito que o delegado britannico, Lord Cushendun, im-

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    16/31

    14

    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    uiediatameiite se levantou para affirmar que ella fora

    to importante e teria tal alcance, no tocante a todas

    as questes navaes, que attingiria profundamente todo

    o trabalho da commisso.

    Outro ponto importante, para a soluo do qual

    a boa vontade americana trouxe valioso auxilio, foi

    o das reservas instrudas. A delegao francesa, por

    motivos facilmente comprehensiveis, sempre sustentara

    que a salvaguarda dos princpios vitaes sobre que se

    baseava ia defesa nacional no permittia ao Governo

    francs concordar em que as reservas instrudas fossem

    includas no systema de limitaes a ser estabelecido.

    Sustentavam pontos de vista anlogos, as delegaes

    italiana e japonesa. Outra tinha sido, desde o comeo,

    a attitude da delegao americana. Na reunio a que

    nos referimos, porm, o Sr. Gibson fez a sensacional

    declarao de que o Governo americano, pneoecupado

    com a necessidade de se accordar num texto commum,

    estava "disposto a adherii* opinio da maioria dos

    pases cujo principal interesse militar reside nas foras

    terrestres e a acceitar a sua these, em matria de re

    servas instrudas"

    Essa declarao impressionou to fortemente que

    varias delegaes, intransigentes nessa questo de effe-

    ctivos e oppostas at excluso da limitao das re

    servas instrudas, immediatamente se mostraram dis

    postas a fazer concesses, no mesmo sentido. A dele

    gao inglesa, que estava nesse aaso, foi adiante. Com

    effeito, Lord Cushendun no hesitou em affirmar que,

    depois de maduras reflexes, chegara concluso de

    que "a interdico das reservas instrudas um sys

    tema que se no pode combinar com o da conscripo".

    Na questo da limitao do material de guerra,

    a interveno americana tambm foi auspiciosa. Havia

    duas theses em presena: uma, previa a limitao dire-

    cta do material pela fixao do mximo do numero

    de peas de cada categoria; a outra, previa a limitao

    indirecta, pela fixao do mximo das despesas consa

    gradas manuteno, compra e fabricao do material.

    A delegao americana props, como medida de

    conciliao, >um terceiro methodo, que obteve assenta

    mento quase unanime e segundo o qual a limitao e

    reduco do material de guerra devero basear-se num

    systema de ampla publicidade das despesas.

    Parecia que a commisso preparatria dera um

    grande passo frente, na organizao dessa confe

    rncia, em que j muita gente descr. Infelizmente,

    aquelles resultados no fonam definitivos. A prova aca

    bamos de l-ia, na recente eunio da Assembla da

    Liga uas N a es, r^or iniciativa de Lord Cecil, dele

    gado britannico, toi reposta em ujscusso uma das

    que ste s so bre a qual m ais diffieil fora o accordo nu

    seio da commisso preparatria. Referimo-nos das

    reservas instrudas. O representante da r-tretanha

    desrez o compromisso assumido poucos mezes antes

    por outro repres entan te britannico . verdade que,

    agora, Lord Cecil talou em nome do Governo traba

    lhista, ao pasiso que Lord Cusnendun era delegado de

    um G overno conse rvado r. Nem por isto deixou de ser

    accentuada a con,tradtico de attitudes entre dois re

    presentantes, igualmente autorizados, de um grande

    pas.

    Tem -se a im press o, m ais um a vez, de que a so

    luo do problema da paz muito longe estar, se fr

    proc urada apen as nas conferncias de limitao e re

    duco de armamentos.

    A confer ncia navial de W ash ingto n, em 1921-

    1922, chegou a resultados que se podero talvez con

    siderar excellentes, do ponto de vista oramentrio das

    naes que nella participaram. No garantiu, porm,

    essas naes contra a eventualidade de uma guerra.

    O novo a ccord o na val que dizem em vsperas de

    realizao, encabeado pela Inglaterra e os Estados

    Unidos, poder ter etfeitos idnticos aos daquella con

    ferncia.

    O problem a, porm , muito mais complexo/ E,

    no mundo, j se vai impondo a convico de que a sua

    soluo depen de m uito mais das toras m oraes do que

    das simples ten tativa s technicas de reduco dos ar

    mamentos.

    Na prp ria sess o d a commisso preparatria a

    que nos referim os, o dele gad o american o disse, com

    muita sensatez, estas palavras: "O meu Governo nunca

    acreditou que se pudesse abordar utilmente o problema

    do desarmamento, recorrendo-se apenas aos methodos

    de reduco dos armamentos. Elle considera que o des

    armam ento verda deiro est subordinad o a uma mu

    dana de a ttitude, no que toca ao em prego da fora na

    soluo das controvrsias internacionaes".

    Esse, realmente, o pensamento que deve guiap os

    povos, n as suas aspiraes pacifistas. Todas as nos

    sas espe rana s se voltam pana a victoria de uma nova

    men talidade, que cons idere od iosa s as guerras e torne

    desnecessrio o recurso a esse meio extremo, pela or

    ganizao de um systema efficaz de justia interna'

    cionial.

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

    17/31

    M V M E N T B S l L f e l R

    15

    STRESEMANN

    T E I X E I R A S O A R E S .

    Todo aquelle que estudar com certa persistncia

    os programmas dos estadis tas que serviram a Gui

    lherme n ficar impressionado com notar que quasi to

    dos falharam nos seus pl ano s. Holstein, Euien burg,

    Blow, Kiderlen-Wchten e Bethmann-Holwegg, chan-

    celleres oo soberano, por influencia deste, seguiram

    uma politica sinuosa, cheia de becos-sem-sahida sce-

    nicos,

    ouriada de ameaas incrveis, e que deram

    muito dr de cabea velha Europa de 1900 a 1914.

    A Guerra. O Trat ado de Versalhes. Do chos,

    surge uma nova ordem de coisas. A Europa, reta

    lhada em puzzle, refaz-se e procura reintegrar-se na

    sua misso politica, social e intellectual. A pparecem

    essas figuras culminantes: Lenine, Trotzky, Staline,

    Stresemann, Briand e Mussolini. Figuras que dynami-

    zam povos, incentivam energias, iniiundem a confiana

    no que antes era confuso, desanimo e exgotamento.

    Stresemann foi um desses consolidadores da paz

    continental. Apparece como figura de relevo, com idas

    precisas, procurando attingir fins precisos. Um homem

    pratico, desprovido de ideologias. Um homem vendo os

    factos com a preciso de um economista.

    *' Stresemann, desde os primeiros tempos da sua vida

    politica, acompanhou o phenomeno economico-demo-

    graphico, em toda a sua curva graphia. Bateu-se pelo

    augmento dia agricultura, pela expanso do commercio

    e pela participao de todos na riqueza nacional, sob

    todas as suas frmas. Foi em 1906 que comeou a sua

    vida politica. Em 1907, com 29 annos de idade, Stre

    semann tomou assento no Reichstag.

    Iniciada a Guerra, Stresemann verificou que o mo

    mento era de attitudes decisivas. Tal foi a sua aco no

    Reichstag que aos olhos de muitos o seu nome foi o de

    um agitador. Orador claro e preciso , gostan do de con

    cluses praticas, procurando proporcionar s massas

    factos concretos, cheio de temperamento, elle se impoz

    pelo methodo, pela exposio e pela belleza literria das

    suas onaes. No famoso discurso que pronunciou em

    Ausich, em Dezembro de 1914, Stresemann fez ver que

    os fitos da Frana consistiam na reco nquista da A lsa-

    |da-Lorena; os da Rssia, no pan-slavismo, incentivado

    por idas francezias e por capites franczes; e fez ver

    mais que o povo allemo no devia guardar rancor

    nem com a Frana nem com a Rssia. O rancor devia

    concentrar-se sobre a Inglaterra, ciosa e invejosa do

    desenvolvimento allemo, que, a partir de 1887, j ha

    via declarado guerra mercantil ao Reich com o seu fa

    moso

    made in Germany

    e que, em 1907, com a sua Lei

    de Patentes, causara grande irritao em toda a Alle

    manha.

    Germaniam esse delendam

    Durante os dias sombrios da Guerra, Stresemann

    percebeu que o vencedor seria aqueiie que reiuoae

    um quarto de hora mais. Venricada a derrota, cum^ie-

    henueu ^que novos piianos e n ovas uea s deveriam CI

    postos em pratica.

    Stresemman nunca poude comprehender ioras

    perdidas no

    more magnum

    da poltica ua sua pairia.

    Urgia ireconstruir. Uirgia trabainar. E oeu provus ue

    bom senso e de energia mo espinhoso cargo ue "wiiaii-

    celler imperial (Ministro da Justia, mais ou menos;,

    em 1923. Em. 1923, a Allemanna se encontrava maus

    prxima do commuindsmo do que em lyio, ty e zu.

    O Ruhr esiava occupado. A moeda canida. -^or touo

    o Reich, intensa fermentao pointica. A inquietao

    em toda a Europa. Dissenoes fortes entre cursou e

    Poincar. nesse momento critico que appaieceiii os

    esforos conciliatrios die Stresemann, uw en Young,

    Hotiighton, D'Abernoon, Briand, Dawes e CnamOenain.

    Um dos pensamentos favoritos a Stresemann e o

    seguinte: "Na politica o que, no final das contas, vaie

    no o talento, mas o caracter". Frizemos:

    caraaer.

    A

    sua conducta como Ministro dos estrangeiros tio

    Reich mostrou o seu caracter. Fazendo suas as paia-

    vras de Bismarck, houve um momento em que irese-

    mann bem poderia ter dito: "No ha na Europa, entre

    o Sena e o Memel, entre o Tibre e o Elba, homem que

    seja to odiado quanto eu". Choveram as mais tre

    mendas accuses contra a sua poltica de

    conciao.

    Na Allemanha, conciliao, segundo os hitleristas e us

    nacionalistas, era synonymo de traio, etc. Ratnenau e

    Erzerberger, querendo ser conciliadores, foram, assas

    sinados. Stresemiann foi ameaado de morte varias ve

    zes.

    Um ex-membro da Duma russa, Freiherr von Frey-

    tagh-Lorringhoven, conhecido como o "campeo da

    raa germnica", declarou que a politica de conciliao

    que Stresemann procurava seguir baseava-se nos in

    teresses que seu sogro tinha nas fabricas da Tcheoo-

    Slovakia, orientadas e dirigidas por capites franczes.

    Locarno foi o ponto oulminante d sua carreira.

    O tratado Stresemanin-Kretinski, com a Rssia, man

    teve a paz e o intercmbio commercial na Europa orien

    tal.

    Em 1926, apezlar das pretenes sustentadas por

    outros paizes, a Allemanha entrava para a Liga.

    Em traos rpidos, essa a carreira daquelle que,

    com Briiand e Chamberlain, recebeu o prmio Nobel da

    Paz. Stresemann teve, como nenhum outro poltico'

    allemo, o senso da opportunidade. Por isso, conseguiu

    victorias impressionantes. Essas victorias ainda se tor

    naram mais bellas, quando arrancadas pela fora, pela

    tenacidade e pela inteireza do seu caracter.

  • 7/25/2019 Poema Momento - Mrio de Andrade

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    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    O CASAMENTO N A AMERICA

    O. B. DO COUTO E SILVA

    (Cont inuao)

    O JUIZ LINDSEY

    KEYSERLING E O CASAMENTO

    Novas experincias de casamento

    Quem chega aos E. U. impressiona-se com o estardalhao

    em torno dos chamados "trial marriage" e "companionate

    marr iage" .

    "Trial marriages' ' , casamentos de experincia, so termos,

    simplesmente, uzados pela vanguarda da mocidade revoltada,

    na realidade no sendo casamento nenhum.

    Para elles, o casamento no nem sagrado nem apa

    vorante. Alguma cousa sem conseqncias, que se experimenta

    como um chapu, por exemplo.

    O "companionate marriage" que se costuma traduzir

    "casamento por contracto", (expresso que no traduz a

    mesma ida) vem muita vez associado com o nome do Juiz

    Lindsey. Os seus adversrios costumam intencionalmente con

    fundir "trail marriage" e "companionate marriage", mas Lind

    sey invariavelmente protesta.

    O casamento por contracto obriga por 2 annos; caso no

    haja filhos (como aconselhado) no fim do prazo, si uma

    ou ambas as partes desejarem, ha automaticamente separao.

    Si houver fi lhos ou prorogao do prazo, o casal obriga-se a

    divorcio regular.

    o que elle escreve no seu segundo livro "The Compa

    nionate marriage" que se segue "Revolta da Mocidade" e

    igualmente grande, massudo e impressionante pela massa de

    factos. Eu tive opportunidade de ouvir o Juiz Lindsey. Elle

    trata da causa dos moos com candura e sympathia: por isso

    o auditrio era s de casaes jovens. Elle convence a gente de

    seu desgnio superior, e friza sempre que taes "casamentos

    preliminares" conduziro muita vez a "casamentos familiares",

    com purificao do systema social.

    O 1." ponto a provar seria a vantagem de um casamento

    precoce. Alm de outros.

    Mas sahi com a impresso que o problema no pde ser

    resolvido tomando-se simplesmente o lado legal.

    E o plano de Lindsey pecca justamente por ser em ex

    tremo simplista. sem duvida um "movimento de longo al

    cance para a correco do lao matrimonial", como disse

    Wells. Porque o problema corajosamente encarado de frente.

    Bertrand Russel , mathematico e philosopho, bateu palmas tam

    bm, e muitos outros.

    Parece-me que em breve valer apenas como documento

    photographico da poca.

    Fannie Hurst , conhecida escriptora, appella para sua ex

    perincia pessoal para gritar histericamente que se tem dado

    bem com o seu casamento por contracto. Eu s conheci um

    caso na Universidade. Mas depois todo o mundo disse que elle

    no estava casado de todo.

    Na li teratura, o casamento por contracto figura com livros

    medocres, como "Garden Oats", de Faith Baldwin.

    Em breve t ; : r . r em passado remoto . . .

    Quem o conde Herm ann Keyserling ? Que c o movi

    mento de Darm stadt ? Que a Escola de Sabedoria? Key

    serlin g en con tra-se na A rgentin a e a sua revelao ao Brasil

    est por dias. M as, no mom ento presen te eu creio que muito

    poucas pessoas poderiam responder s perguntas formuladas.

    O conde Keyserling um aristocrata de ba fibra, nascido

    pelas bordas do Baltico, onde a Rssia encontra a Allemanha.

    Filosopho e hu ma nista , um dos homen s m ais discutidos no

    mun do. "T alvez venha a se r o Jo o B aptista de uma nova Ci

    vilizao Occ idental" disse Gleen Franck no "Century", com

    evidente exaggero.

    O conde Keyse rling, depois de emprehender uma longa

    viagem ao O ccidente, pond o-se em contacto com as velhas

    civiliza es da Ch ina, d a n dia e do Jap o, escreveu o celebre'

    "Di rio de V iagem de um Philo soph o", q ue talvez o livro

    melhor que veiu da Allemanh a depois da gu erra. E estabe

    leceu ento em D arm stad t a Escola de Sabedoria, que irradia

    no m undo mod erno como a Academ ia de Plato irradiou de

    Athenas.

    Mas o que prete nde o m ovimento de Darm stadt ? Simples

    mente isso : d ar uma nova significao vida. seu morto,

    "T ire do nada , da r a cad a um a lgum a cou sa". "O nome "Es

    cola de Sabedoria", diz elle, foi escolhido justamente'pelo

    para dox o que enc erra : no uma escola como as outras e

    sabe doria essencialm ente no par a ser ensinada. uma

    escola ape zar de tud o, mas os se us processo s que so es-

    peciaes. Um a entrevista pessoal. "Uma conversa pessoal

    diz Keys erling com a just a pessoa, em justa relao, no

    momento justo tem feito mais para accelerar os conhecimento*

    humano s, do que a nnos de estudo dil igente. ^

    Ou tro method o o treino espiritual. Outro methodo so

    os C ong resso s da "So ciedad e Philosoph ica Livre em Darms

    tadt", de que Keyse rling p residen te, que cada anno se

    occupa de questes especiaes: assim, em 1923 procurou-t

    delin ear o possive l futuro do Ch ristia nism o, em que coopera

    ram junto s o P rote stan te, o Orth odox o Grego e o Catholico

    Rom ano; em 1924, dos p roble ma s da vida e da morte; em

    1925, da " nov a sig nifica o da id a de liberdade, etc. Bem;

    o cond e K eyserling escreveu o livro sobre o "Casamento*, "

    que collaboraram 24 pessoas differentes, de differentes terras,

    e que se cham a p. ex. Rabin drav ah Ta gor e, Jokob Wasser-

    mann, H avelock Ellis , Thom as Mann, e tc . . . O successo de

    livro foi eno rm e, c olos sal. E u tiv e o privileg io de ouvl-o sobre

    o assumpto em "Orchestra Hall", em Chicago, em confere*

    patr ocin ada s pela melhor e m ais fina sociedade, e que co"l**

    tuem o "Chicago Frum Council".

    O conde Keyserling conduz a questo do casamentocon

    conduz os co ngre ssos de D arm sta dt: influindo com sua vigo

    rosssima personalidade, segundo a arte de orchestrao

    ritual a expresso delle.

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    Cada indivduo fala num conjuncto, como um instrumento

    Suma orchestra, para formar um todo harmonioso.

    Elle acceita dous factos e reputa-os indispensveis para

    a sua noo de um casamento dignificado: a liberdade actual

    de rapazes e moas e o "birth control". So alis factos da

    poca e universaes.

    O "birth control" dominante no actual mundo super-

    populado em que vivemos, a ponto do Japo estar pensando

    adoptal-o como medida official indispensvel.

    Keyserling rejubila-se com a emancipao da mulher.

    Tantas conseqncias que lhe advieram e so julgadas

    por muitos como dissoluo moral elle as recebe com um sor

    riso feliz: so a plataforma, diz elle, em que se vae erigir um

    casamento elevado e nobre. No se deve casar por paixo.

    Em geral, as pessoas porque nos apaixonam os no so as

    melhores para casamentos. Paixo no pde ser motivo para

    casamento. Casamento a frio, de razo exclusivamente.

    A condessa Sternberg discorda nesse po nto: o casamento

    se desenvolveria melhor som bra da affeio.

    Esse casamento visa um alto desenvolvimento pessoal

    aqui que est a originalidade de Keyserling. Elle quer frizar

    tanto esse ponto que exclue completamente os filhos. Diminue

    o aspecto institucional do casam ento, libertand o os as pectos

    pessoaes.

    Parece que primeira vista o casamento ficaria fcil,

    confortvel. um erro. O casamento para Keyserling dra

    mtico, quasi trgico, diffieil, do loro so.

    O moderno desenvolvimento da p erson alidad e, longe de

    semear rosas no caminho do matrimnio, eria-o de escolhos

    a vencer.

    A disciplina era im posta p or fo ra; aqui por dentro .

    Envolve arte. Envolve capacidade e responsabilidade.

    Considera indispensvel e necessria uma unio perma

    nente. Mesmo sem filhos, elle a acha indisp ensvel, cons ide

    rando apenas os factos da personalidade.

    Em ligaes transitrias nenhum poder conhecer bem

    as possibilidades do outro. Um D. Juan no tem alvo em mira.

    Elle simplesmente passa.

    Keyserling pinta asperezas rudes: "alm da felicidade, o

    homem realiza maior felicidade, que encerra soffrimentos e

    qualifica seus instinetos mais profundos."

    Um estado de tenso; ahi que reside o seu valor.

    ^Keyserling exaggera esse caracter penoso, rduo, herico:

    e realmente um aspecto necessrio de vida, mas com certeza

    no a representa totalmente.

    0 QUE SE PODE TIRAR PARA UM NOVO PADRO DE

    CASAMENTO PARA O BRASIL

    Ns passamos os olhos por alguns "sKetches".

    Vamos agora fixar alguma cousa. Pr em evidencia

    .alguns factos, os "cold and clammy facts", como os chama

    o Snr. Mencken, porque s elles que importam.

    Eu vou passar por sobre o divorcio. J disse que o reputo

    indispensvel. a vlvula de segurana por onde passa o

    vapor quando ha excesso de presso.

    clssica a comparao do casamento a uma ratoeira

    0 divorcio deve ser a cordinha que abre a porta para que

    ambos escapem. No como nos paizes latinos, onde se passa

    Por entre as grades. J disse Mareei Prevost, que quanto

    sahimos do casamento temos que nos espremer por grades

    to apertadas que sahimos irremediavelmente machucados.

    preciso que o divorcio seja a senha para uma vida

    melhor e no que faa mais v-ictmas...

    Mas, o divorcio implesmente um aspecto negativo.

    Duas pessoas que se uniram para a vida e que verificam

    terem errado. Simplesmente.

    necessrio que se estude a instituio do casamento,

    nas suas raizes, para que venha de um esforo mantido multi-

    lateralmente, uma norma para conter o maior numero possivel

    de indivduos.

    Devo dizer que eu no proponho nenhuma medida radical,

    que importe em modificao reaccionaria dos nossos hbitos

    e costumes. Longe disso, no a creio vantajosa. A observao

    mesma da vanguarda revolucionaria da America me fortifica

    nessa crena. Acaba de ser publicado um livro de Walter

    Lippmann, "Prefacio moral", que me parece cheio de luz,

    atravs da critica do "New York Times".

    "No se poderia dizer nada contra a nova liberdade, diz

    elle, si fizesse as pessoas felizes. Mas reconhecidamente no

    faz; o que distingue a gerao actual no a rebellio contra

    a religio e o cdigo moral de seus pes, mas a desilluso

    com a prpria rebellio".

    Vou honestamente apresentar o resultado do meu estudo.

    No tenho a preteno emphatica nem a estupidez de julgal-os

    de maior valia qu

    e

    de chamar a atteno da gente de hoje

    para um assumpto que s ella pde resolver. O problema est

    sobre a meza. Vou lhes apresentar os meus dados parciaes

    e conto com a collaborao de todos para um resultado mais

    definitivo.

    Primeira concluso.O casamento deve ser feito t ard e. A

    indicao formal. Po rq ue ? Realmente, a noo de famlia

    evoluiu Esse o primeiro motivo. A familia biolgica vae

    muito longe. A familia agora repousa, no sobre necessidades

    sociaes ou sobre instinetos. Mas sobre uma base cultural, que

    necessariamente mais artificial. Requer mais responsabili

    dade, maior treino de disciplina: s o tempo que os fornece.

    Justamente porque a liberdade maior preciso aprender

    a uzal-a.

    Uma outra razo, que o homem inicialmente um ani

    mal polygamico, mas tende, depois de certa idade, para a

    monogamia. Esse segundo motivo importantssimo. facto

    tirado no s de observao das sociedades mais cultas como

    das sociedades naturaes de selvagens. E o que foi verificado

    por ex. entre os selvagens das ilhas Trobriand, perdidas no

    Pacifico, por B. Malinoswsky, que a respeito publicou um es

    tudo que est tendo grande repercusso. Um terceiro motivo:

    estudos sociaes directos, feitos em Philadelphia por vrios

    educadores, supportam essa opinio.

    Esses estudos foram feitos na Corte de Relaes Domes

    ticas de Philadelphia cidade fundada por "quakers", extre

    mamente conservadora e parecida com o Rio em muitos as

    pectos por H. Hart e W. Schields e outros, mostrando que

    o casamento torna-se rapidamente perigoso sob o ponto de

    vista de felicidade conjugai, quando as idades so menores

    respectivamente de 22 annos para a noiva e de 26 annos para

    os rapazes. Fixam como idades ideaes: 29 para o noivo e 24

    para a noiva, admittindo desvios de 4 annos para o noivo

    (25/33) e 2 annos para a noiva (22/26 annos). (Peo que

    no vejam aqui nenhum caso pessoal). Estou firmemente con

    vencido do erro de casar cedo: as miragens desfazem-se fra-

    gorosamente. E ento no resta nada s vezes fica alguma

    cousa, mas essas cousas, a desilluso do conto do vigrio no

    deixa vr...

    Ha pouco tempo, passou-me pelos olhos um livro de auetor

    anonymo, que se diz ser de um conhecido critico inglez

    sua mulher. Intitula-se "Cartas de amor de um mando" e de

    qualquer maneira a sinceridade tanta, que vale como um

    documento humano. Dez annos de casamento e de mortal

    caceteao, como commum; mas, o que no freqente: no

    fim de 10 annos, a mulher foi-se embora e escreveu-lhe uma

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    M O V I M E N T O B R A S I L E I R O

    carta franca, encantadora: "No sei si ainda te amo ou si te

    odeio. Tudo era to m aravilhoso, no era ? E o que justa

    mente terrvel que as cousas no so mais maravilhosas.

    Vocc aborreceu-se durante annos seguidos. . . e eu por sculos

    Pelo menos o que me parece. Mas, si tiveres dispos io,

    escreve-me". K o marido escreveu-lhe 20 carta s a dm ir ve is. . .

    Assim so os casamentos dos que entram nelle muito jo

    vens.

    Mas esse facto concreto que eu aponto a idade

    ainda encerra mais conseqncias. Eu no exagero a impor

    tncia delle. o degrau que me permitte chegar segunda

    concluso, que me parece fundamental:

    Mudana de attitude mental dos que entram no casa

    mento.

    Os que entram no casamento tm que ter em mente um

    facto:

    uma ligao que se faz por toda a vida. Quem no

    o tem bem fixado, no se case, em nome da dignidade do

    prprio casamento.

    E si ns examinarmos os vanguardeiros da America, ve

    remos qu-i todos concordam nesse ponto, mesmo sem tomar

    em conta as razes de Kayserling, que modelou um casamento

    excepcionalmente elevado.

    Lippmann, que talhou uma nova moral , adiantadissima,

    abolindo todos os preconceitos, e cujo nico defeito ser uma

    moral aristocrtica, porque elevada demais para ter appello

    s massas, escreve:

    "A maioria das pessoas achar na monogamia o mais

    durvel e o mais satisfactoria eschema para a sua satisfao

    emocional".

    Mas, porque no consideramos a familia como necessidade

    social nem como nico abrigo para segurana econmica, e

    requeremos do lar uma fora espiritual, alm dos filhos e de

    uma paixo gratificada torna-se necessria uma nova arte,

    ou por outras palavras, preciso modernisar uma arte velha

    como o mundo e sobre a qual Havelock Ellis tanto insiste:

    a arte de amar.

    Mas,

    para que a arte de amar possa ser exercitada,

    indispensvel a mudana das bases em que o casamento se

    faz no velho padro que constituiu o primeiro "sketch".

    Si izolarmos o casamento-negocio, o casamento-dinhei.ro

    que so casos de falsificao matrimonial que no merecem

    considerao temos o seguinte:

    O homem sem coragem para o matrimnio; l um dia

    apanha um "coup de foudre". o trampolim da paixo que

    o faz dar o pulo. Quanto pulo em falso. . .

    O casamento por paixo completamente absurdo.

    Com as mulheres a cousa differente. Poucas se casam

    por paixo, porque a deciso no lhes pertence. Ellas amon

    toam umas sobre as outras e aprendem uma cousa: a realidade.

    Si uma cabe no lugar da outra que o lugar estava vazio.

    O perigo no esse. que as nossas mulheres educam-se,

    tm o contacto perturbador das cousas movedias e atoarda-

    dor as da civilizao da m achina, mas a machina no lhes deu

    ainda a ind epe nd ncia . . . Sentem a anci, a vertigem dns

    individualidades que se revelam a si prprias: mas estflo su

    jeitas ao que os socilogos de lingua ingleza chamam lag

    que um dep osito rem anesc ente da escrav ido primitiva e

    que ainda impregna nossos costumes o tradies.

    O casamento a libertao: a fuga de um lar infeliz

    ou de pes severos ou a libertao econmica... Igualmente

    e r r ad o . . . i - '

    So estas as duas causas parasitas, perturbadoras, origem

    de tanto casamento fracassado.

    O homem que se apaix ona no v a mulher que ama; v

    "uma" mulher que tem na cabea, um typo standard para todas

    por quem se apaixona suecessivamente.

    Igualm ente a m ulher q ue se qu er liberta r, si pretende ao

    mesmo tempo um lar feliz, s acertar por acaso.

    O casa me nto tem que s er en carad o objectiv