Poesias Dispersas Guerra Junqueiro

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Poesias Dispersasde Guerra Junqueiro

NDICE:

DedicatriaManhO primeiro filhoCano de batalhaDsticoGrupo antigoIdeal negativoAo luarIn pace - finisElegiaA lgrimaAdoraoO teu aniversrioF.Carta a F.Em viagemCarta a MimiA minha filhaVendo-a sorrirRomariaNatalDivino HugoMaterEvoluoA agonia do castanheiroA BismarckA um heri redentor que vi em sonhosHino de algum diaConfissesNotas

DEDICATRIA

A F.

Entre os teus dedos de opala,Sob a luz do teu olhar,Estas endechas sem falaComearo a cantar.

MANH

Que esplendor! que vigor! que graa! que harmonia!A pulverizao da luz acariciaDa floresta viosa, atltica, possanteOs frescos vagalhes de verdura fragrante,Que rolam da montanha em doidas gargalhadas,Desgrenhando no azul as jubas inflamadasE inundando de sombra e de fora e de amorOs peitos maternais da natureza em flor!

Dir-se-ia um tropel de gigantes convulsosCom tirsos colossais nos monstruosos pulsos,Um ruidoso tropel de enormes briareusLevantando e agitando os braos para DeusCheios de luz, de sons, de frmitos, de vida,E que ao verem de longe a campina floridaCorrem avidamente alegres, como outroraOs robustos teutes de cabelos de aurora,Ao verem com o olhar ingnuo e deslumbradoAo longe a Itlia a rir, branca no azul doirado!

Como isto d sade, alegra e robustece!Um ditirambo de oiro aqui termina em preceE uma orao termina em vermelha canoA morte no se v nesta religioDa natureza; aqui tudo resplende e canta,Um sepulcro de planta o bero doutra planta,E a vida to profunda e to fresca e to forte,Que est constantemente eliminando a morte.

Na floresta no h cruzes nem caveiras.Os vermes sepulcrais aqui so trepadeirasA flor no se baptiza, o roble no jejuaA lmpada do Sol e a lmpada da LuaNo precisam de azeite, os frescos arvoredosAbraam-se dizendo adorveis segredos.E casam-se vontade a rir na luz imensa,Sem precisar de cura e sem tirar dispensa,Porque um dia os rosais votaram num conclioQue havia s um papa infalvel - Virglio.

Que esplendor! que vigor! que amor! que plenitude!Eu quero mergulhar o corpo na sadeDa terra que produz as rvores frondosas!Quero aprender a ser vermelho com as rosas!guas vivas da encosta a correr transmitiPara o meu corao a frescura que riNesse vivo cristal! Lrios brancos do monte,Vertei-me dentro da alma e vertei-me na fronteEssa candura, intacta e virgem, de luar!Rouxinis, ensinai-me a chorar e a cantar!Abelhas, revelai-me a graa misteriosaCom que extras o mel do clix duma rosaPara eu extrair puras canes de amorDuns lbios que tambm so como a rosa em flor!

Crianas, vinde rir, brincar, saltar, voar, Abri o firmamento azul do vosso olharOnde cantam no sei que aves do paraso...O aroma do lils transforma-se em sorrisoNessas bocas em flor, cuja alegria puraBorboleteia em ns, como o sol na verduraPara vos ver passar pelo caminho agreste,Abre a pervinca em flor o seu olhar celeste...Duma risada vossa, crianas vermelhas,Fez Deus no ms de Abril asas para as abelhas!Desprendei a correr os cabelos doirados,Rasgai os aventais nas sebes dos valados,Encharcai-vos de orvalho, estrelai-vos de amoras,Perpassai, colibris! Iluminai, auroras!Sede um enxame de oiro a rir pelos caminhos,Tendes bero, poupai por conseguinte os ninhosMas, como os Anjos so em Abril salteadores,Anjos, colhei, cortai aos braados as floresCom que o Amor enfeitou as vrzeas e as campinas!As rosas f-las Deus para as mos pequeninas.

E vs, noivas gentis, noivas de loiras tranas,Virgens que j corais e que inda sois crianas,Pombas em cujo seio o amor vai despontarComo um lrio da aurora em urnas de luar,Vinde, correi tambm pelas profundas navesDeste templo de Deus onde cantam as avesE vestidas de branco e de graa inocente,Pombas, deixai cair religiosamenteA bno patriarcal dos ramos da florestaNo divino esplendor da vossa fronte honesta!...

1878.

O PRIMEIRO FILHO

(Carta ao meu amigo Bernardo Pindela)

Entre tanta misria e tantas coisas vis Deste vil gro de areia,Ainda tenho o condo de me sentir feliz Com a ventura alheia.

minha noite triste, noite tormentosa, Onde busco a verdade,Chegou com asas de oiro a cano cor-de-rosa Da tua felicidade.

s pai, viste nascer um fragmento da aurora Da tua alma, de ti...Oh, momento divino em que o sorriso chora, E em que o pranto sorri!

Que ventura radiante! oh que ventura infinda! Olmpicos amoresTer frutos em Abril com o vergel ainda Carregado de flores!

Deslumbramento! .. ver num bero o teu futuro Sorrindo ao teu presente!...Ter a mulher e a me: juntar o beijo puro Com o beijo inocente!...

Eu que vou, javali de flanco ensanguentado, Pelos rudes caminhosAjoelho quando escuto beira dum valado Os murmrios dos ninhos!...

Em tudo que alvorece h um sorriso de esperana, Candura imaculada!...E quer seja na flor, quer seja na criana Sente-se a madrugada.

Quando, como um aroma, o hlito da infncia Passa nos lbios meusVejo distintamente encurtar-se a distncia Entre a minha alma e Deus.

A mo para apontar o azul, mo cor-de-rosa Que aconselha e domina,Ser tanto mais forte e tanto mais bondosa Quanto mais pequenina.

CANO DE BATALHA

Que durmam, muito embora, os plidos amantes,Que andaram contemplando a Lua branca e fria...Levantai-vos, heris, e despertai, gigantes!J canta pelo azul sereno a cotoviaE j rasga o arado as terras fumegantes...

Entra-nos pelo peito em borbotes joviaisEste sangue de luz que a madrugada entorna!Poetas, que somos ns? Ferreiros de arsenais; bater, bater com alma na bigornaAs estrofes de bronze, as lanas e os punhais.

Acendei a fornalha enorme - a Inspirao.Dai-lhe lenha - A Verdade, a Justia, o Direito -E harmonia e pureza, e febre, e indignao;E p'ra que a labareda irrompa, abri o peitoE atirai ao braseiro, ardendo, o corao!

H-de-nos devorar, talvez, o incndio; embora!O poeta como o Sol: o fogo que ele encerra quem espalha a luz nessa amplido sonora...Queimemo-nos a ns, iluminando a Terra!Somos lava, e a lava quem produz a aurora!

DSTICO

(Por baixo do Cavalo da Morte de Alberto Drer)

O Cavalo da Morte avana a passo lentoCom o pajem sinistro e o fnebre mastim:Batalhador, chegou teu ltimo momento!Morre cantando! Solta o derradeiro alento,Com a espada na mo, num golpe de clarim ! ...

GRUPO ANTIGO

H em frente ao meu quarto um roble - uma florestaNum tronco s. Podia ali dormir a sesta, sombra, Adamastor. Uma vide gigante(A vide era a serpente e o roble era o elefante)Enroscou-lhe, atirou-lhe os seus braos violentos,E, subindo e trepando a todos os momentos,Um sculo gastou para ao alto chegar.O roble enche um celeiro e a vide enche um lagar.E a vide de tal forma o carrega, o inundaCo'a riqueza brutal, co'a fartura jucundaDos festes de verdura oppara e frondosa,Que eu nas ureas manhs de Maro, cor-de-rosaJulgo por entre o sol e entre as nvoas ligeiras,Ver Hrcules a rir com Baco s cavaleiras!

IDEAL NEGATIVO

Lama, dissoluo, fermentao de tudo,Esterquilnio podre, esterquilnio mudo,Onde a Vida repousa em embrio, em germe,Que desejas tu ser, lama infecta? Verme.

E tu ao ver do mar soturno, em que te banhas,A verdura que alegra os prados e as montanhas,Ao ver da terra o vasto e embalsamado Abril,Que desejas tu ser, monstro do mar? Rptil.

E tu, grilheta viva a contemplar de rastros,Florestas, vagalhes, nuvens, crateras, astros,O que desejas tu, em teu sonho idealista?- A asa para o voo e a mo para a conquista.

Quadrmano - gorilha, orango, chimpanz,Quase lobos, no cho, quase gente, de p!Ambguos animais de olhar manso e feroz,(Ado inda com cauda, almas inda sem voz),Que aspiraes, fundas e estranhas, vos consomem?Qual o teu ideal, gorilha hirsuto? o homem.

E tu da Natureza 6 imorredoira glria,Tu que em tantos milhes de sculos de histriaConseguiste, num grande esforo triunfal,Pr a prumo no globo a tua espinha dorsal,Tu que nesse ascender de vrtebras, que vaiDa moreia no lodo a Moiss no Sinai,Resumiste o marchar sem fim da criao,Tu que foste Jesus, Buda, Maomet, Plato,Tu, que encarnaste em mil heris, em mil gigantes,squilo, Shakespeare, Isaas, Cervantes,Scrates, Galileu, Newton, Darwin, Laplace,Tu, tomo de p, que encaras face a faceA eternidade, tu, Prometeu resoluto,Que pesas na tua mo, onde mal cabe um frutoQuantos mundos a arder Deus arrojou no espao,Tu que com teu olhar, teu crebro, teu brao,Escravizas a luz, a terra, a gua, o vento,Tu, cujo misterioso e imortal pensamentoInquilino fugaz duma caveira a rir,Enche o Universo desde o znite ao nadir,Sabendo com o mesmo idntico rigorComo nasce um planeta ou germina uma flor;Tu que depois de dar enfim, guia altaneira,Um balano grandioso natureza inteiraEstacaste assombrado, e perplexo e contrito,Contemplando o horroroso enigma do InfinitoDize, dize-me tu, dbil criaturaEm frente dessa eterna imensidade obscuraOnde, guia, o teu olhar um carvo apagado, Que que desejas, diz! Prometeu fulminado Qual a tua ambio, teu ideal incoercvel?

- ser ou lodo inerte ou rochedo impassvel!

AO LUAR

Andam milhes de pirilamposA relva fresca a iluminar,Como se houvera sobre os camposCado em gotas de luar.

Alm na encosta as cerejeiras,Todas em flor neste momento,Parecem ser bandos de freirasQue se evadiram dum convento,

Ou noivas todas j vestidasDe linho branco ou de alva l,Para casar s escondidas luz da estrela da manh...

Biam nas guas cristalinas,Entrelaando-se dormentes...