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- - EXPEDITO SEBASTIAO DA SILVA - POETA-ARTESAO DE JUAZEIRO DO NORTE A lgo surpreende e se- duz no poeta popu- lar Expedito Sebas- tião da Silva. Cearense de Juazeiro do Norte, onde mo- ra até hoje, ele nasceu em 20 de janeiro de 1928 numa fa- mília pobre. Os pais, ala- goanos, vieram a J uazeiro como romeiros do Padre Cícero. Freqüentou escola até o quinto ano primário. Depois, por causa da neces- sidade, trabalhou no curtu- me do "finado" José Pedro da Silva. Em torno de 1945 foi contratado por José Ber- nardo da Silva, fundador de uma das maiores editoras de cordel do Nordeste, a Tipografia São Francisco. Escreveu o primeiro fo- lheto em 1948. O relatório biográfico permanece fragmenta- do, difuso, ele não emerge como totalidade con- creta, cronológica. Expedito faz poucas confidên- cias sobre sua vida pessoal, ele conta casos, his- tórias, põe em cena alguns personagens, produz efeitos dramáticos, mas o discurso não chega a ter forma autobiográfica. No entanto, uma ple- nitude desabrocha na fluidez do tempo; ficamos satisfeitos, repletos, com o sentimento de conhe- cer uma vida compacta que oferece uma prodigi- osa unidade de sentido. A obra do poeta popular Expedito Sebastião da Silva, a sua existência pes- soal e o universo social no qual se inscrevem são um feixe de conexões e ressonâncias intimamen- te ligadas. A vida alumia a obra, a produção dos folhetos faz parte integrante da sua existência, o texto e o mundo se revelam um pelo outro. Ne- nhum elemento é fechado em si mesmo. A trajetória é exemplar no universo da Li- teratura de Cordel e apre- senta características que re- gem também o ofício des- ses artesãos da palha ou da renda, do couro ou da cerâ- mica, "um segmento sem rosto e sem nome, que em nosso país sequer faz parte dos cadastros profissionais e das estatísticas oficiais". MARTINE KUNZ* RESUMO Expedito Sebastião do Silvo morreu em 8 de agosto de 1997. Foi um grande nome, e um dos últimos, do cordel tradicional em rela- ção à temótica dos seus folhetos e à visão do mundo que neles se expresso. Deixamos que o exto elaborado em 1996 permane- cesse com os marcos do presente. O traba- lho apresento e comento uma história de vida e uma obro exemplares no universo do litera- tura de Cordel. (Porto Alegre, 1994). A aprendizagem não veio da escola mas através do meio de origem; determinadas re- gras que conferem uma cer- ta perícia técnica hão de ser obedecidas; Expedi- to Sebastião da Silva se fez poeta numa tipogra- fia que funcionava como loja, oficina e lar; exis- te uma integração total e harmoniosa entre sua arte e a vida cotidiana. Enfim, o artista não se preocupa tanto com a originalidade quanto com a busca da perfeição e o domínio do seu ofício. Artesão do verso, não foi na escola ou nos tratados de versificação que Expedito aprendeu a ser poeta. Ele herdou a profissão de um com- panheiro de outra geração, dando continuida- de à tradição através de uma aprendizagem que alternava tentativas e erros. Ainda criança, ele tinha descoberto por si mesmo os encantos da Literatura de Cordel, lendo os romances 1 de Le- andro Gomes de Barro e João Martins de Athayde". A amizade e vizinhança com o ve- lho poeta Antonio Caetano de Palhares per- mitiu reforçar e incentivar o gosto juvenil pela poesIa. * Doutoro em literatura Estrangeiro pelo Universidade de Poris-SorbonneNouvelle, professora do Curso de LetrasEstrangeirosdo UFC. 64 Revisto de Ciências Sociais v.27 n.1/2 1996

POETA-ARTESAO DE JUAZEIRO DO NORTE A - repositorio.ufc.br · tura de Cordel. (Porto Alegre, 1994). A aprendizagem não veio da escola mas através do meio de origem; determinadas

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--EXPEDITO SEBASTIAO DA SILVA-POETA-ARTESAO

DE JUAZEIRO DO NORTE

Algo surpreende e se-duz no poeta popu-lar Expedito Sebas-

tião da Silva. Cearense deJuazeiro do Norte, onde mo-ra até hoje, ele nasceu em 20de janeiro de 1928 numa fa-mília pobre. Os pais, ala-goanos, vieram a J uazeirocomo romeiros do PadreCícero. Freqüentou escolaaté o quinto ano primário.Depois, por causa da neces-sidade, trabalhou no curtu-me do "finado" José Pedroda Silva. Em torno de 1945foi contratado por José Ber-nardo da Silva, fundador deuma das maiores editoras de cordel do Nordeste, aTipografia São Francisco. Escreveu o primeiro fo-lheto em 1948.

O relatório biográfico permanece fragmenta-do, difuso, ele não emerge como totalidade con-creta, cronológica. Expedito faz poucas confidên-cias sobre sua vida pessoal, ele conta casos, his-tórias, põe em cena alguns personagens, produzefeitos dramáticos, mas o discurso não chega ater forma autobiográfica. No entanto, uma ple-nitude desabrocha na fluidez do tempo; ficamossatisfeitos, repletos, com o sentimento de conhe-cer uma vida compacta que oferece uma prodigi-osa unidade de sentido. A obra do poeta popularExpedito Sebastião da Silva, a sua existência pes-soal e o universo social no qual se inscrevem sãoum feixe de conexões e ressonâncias intimamen-te ligadas. A vida alumia a obra, a produção dosfolhetos faz parte integrante da sua existência, otexto e o mundo se revelam um pelo outro. Ne-

nhum elemento é fechadoem si mesmo. A trajetória éexemplar no universo da Li-teratura de Cordel e apre-senta características que re-gem também o ofício des-ses artesãos da palha ou darenda, do couro ou da cerâ-mica, "um segmento semrosto e sem nome, que emnosso país sequer faz partedos cadastros profissionaise das estatísticas oficiais".

MARTINE KUNZ*

RESUMOExpedito Sebastião do Silvo morreu em 8 deagosto de 1997. Foi um grande nome, e umdos últimos, do cordel tradicional em rela-ção à temótica dos seus folhetos e à visãodo mundo que neles se expresso. Deixamosque o exto elaborado em 1996 permane-cesse com os marcos do presente. O traba-lho apresento e comento uma história de vidae uma obro exemplares no universo do litera-tura de Cordel. (Porto Alegre, 1994). A

aprendizagem não veio daescola mas através do meiode origem; determinadas re-gras que conferem uma cer-

ta perícia técnica hão de ser obedecidas; Expedi-to Sebastião da Silva se fez poeta numa tipogra-fia que funcionava como loja, oficina e lar; exis-te uma integração total e harmoniosa entre suaarte e a vida cotidiana. Enfim, o artista não sepreocupa tanto com a originalidade quanto coma busca da perfeição e o domínio do seu ofício.

Artesão do verso, não foi na escola ou nostratados de versificação que Expedito aprendeua ser poeta. Ele herdou a profissão de um com-panheiro de outra geração, dando continuida-de à tradição através de uma aprendizagem quealternava tentativas e erros. Ainda criança, eletinha descoberto por si mesmo os encantos daLiteratura de Cordel, lendo os romances 1 de Le-andro Gomes de Barro sê e João Martins deAthayde". A amizade e vizinhança com o ve-lho poeta Antonio Caetano de Palhares per-mitiu reforçar e incentivar o gosto juvenil pelapoesIa.

* Doutoro em literatura Estrangeiropelo Universidadede Poris-SorbonneNouvelle, professora do Curso deLetrasEstrangeirosdo UFC.

64 Revisto de Ciências Sociais v.27 n.1/2 1996

"...eu com Antonio Caetano de Palhares fui porali, escrevendo umas poesias, mas umas poesiasmuito erradas, não tinha ainda métrica, só o quevinha na cabeça eu botava, isso aí ... já tinha assimuns 14anos, e então eu mostrava ao finado Anto-nio Caetano de Palhares, ele prestava tanta aten-ção... ele endireitava e por ali fui entrando, sóporque achava bonito efoi indo até que enfim,eu fiz um cordel, isto é uma poesia, uma poesiacomum, uma coisa comum, que ele pegou, quan-do leu, aí ele chegou e disse assim: "O cabra me-donho, mas tá quase boml'"

Nada de nebuloso ou heróico, o caminho nãofoi custoso ou tormentoso, "fui por ali" comenta opoeta, como se sem se dar conta, espontaneamen-te, tivesse acompanhado o amigo num passeio gos-toso, "e por ali fui entrando, só porque achava bo-nito ... e foi indo ..." até que, naturalmente, outroamigo de Palhares, aparecesse na casa do mestre.Era o José Bemardo da Silva, dono de gráfica, edi-tor de folhetos, dotado de bom tino para os negó-cios e descobridor afinado de talentos:

- "Mas você é um menino novo, rapaz e escreveaté bonzinho e me diz uma coisa, você trabalha?

- Trabalho.- Aonde é?- No curtume do senhor Zé Pedro da Silva.- Quanto é que você ganha?- 7 e 200- Você quer vir trabalhar comigo, eu pago o

mesmo, 7 e 200- Eu vou."

A conversa foi breve, sem muitos rodeios e ter-giversações. Poucas palavras para selar um desti-no: Expedito Sebastião da Silva tornava-se operá-rio da palavra, escrevendo folhetos para a Tipo-grafia São Francisco.

Palhares já tinha ensinado a Expedito que "oque há de mais bonito na poesia é a métrica", oconvívio nesse núcleo de arte e a persistência noaprimoramento do seu talento levariam o jovemaprendiz a perpetuar a grande tradição. Ele já es-tava no miolo da fruta. Expedito se lembra aindacom um orgulho legítimo do seu primeiro "atre-vimento", foi quando escreveu, em poucas horas,o folheto sobre o caso da moça que depois de

morta dançou com um rapaz na capital de SãoPaulo. O próprio Damásio Paulo, gerente da grá-fica na época, celebrou a perícia técnica nessestermos: "Você é um condenado, você vai ser umgrande poeta, viu!". De fato, as regras tinham sidoobedecidas:

"A gente tem que escrever é de forma que sefaltar uma sílaba na métrica, aquelapessoaque ama,entende e sabe o que é cordel, já viu o erro daquelepoeta. O mais importante do cordel é a métrica.Uma poesia sem métrica é uma coisa inválida. Amétrica é que faz o cordelficar bonito".

Esse respeito incondicional às regras da métri-ca nos remete às origens do folheto e ao seu cará-ter de oralidade, honrando um público que, nasua grande maioria, não sabe ler nem escrever. Ojogo das rimas e o ritmo dessa literatura mais ou-vida do que lida nos lembram que poetas e leito-res-ouvintes afinam pelo mesmo diapasão. As for-mas foram fixadas desde o final do século passa-do, quando apareceram os primeiros folhetos im-pressos. O formato era de llx16 em, o númerode páginas oito ou um múltiplo de oito. Na capao nome do autor e o tÍtulo da obra, uma ilustra-ção com clichê de zinco ou xilogravura. O textoera escrito em versos e estrofes rimadas, o versoquase sempre heptassílabo e a estrofe, dominanteaté hoje, uma sextilha rimando todos os versospares. De Leandro Gomes de Barros a ExpeditoSebastião da Silva, passando por tantos outrospoetas populares, a forma permaneceu, jogandouma ponte entre passado e presente, e passarelasinfinitas entre todos os poetas. A forma rígida,dogmática, é também resistente, mineral. Umaimensa rede de versos e palavras, de rimas e vozesque prende e protege na sua forma imóvel, retéme exalta, ao mesmo tempo, uma arte ameaçada.

A arte era bem guardada naqueles anos qua-renta. "Nesse tempo, diz Expedito, o cordel es-tava no apogeu, era uma grande elevação, eramuito procurado". Nessa pequena comunidadeartesanal que era a Tipografia São Francisco, to-dos, a família do dono e os operários, os xiló-grafos e poetas populares, revendedores e fregue-ses, aprendizes e mestres, jovens e velhos, todostrabalhavam de uma maneira ou de outra natransmissão da Literatura de Cordel. Expedito

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fez de tudo. Começou dobrando folhetos, traba-lhou na composição e impressão, acertou negó-cios no balcão, nunca deixou de revisar todos os"livros", e assumiu a gerência da gráfica no finaldos anos cinqüenta. Ele não podia ter encontra-do mirante melhor situado para descobrir o gos-to do seu futuro público. Nesse contexto de fer-vor e companheirismo, Expedito fincou o pé e aalma. Testemunha ativa da grande saga, ele acom-panhou de perto as transformações e a queda docordel e a desativação progressiva da gráfica,rebatizada Lira Nordestina quando seu esplendorjá fenecia. Entre o rangido contínuo das máqui-nas e as gavetas repletas de folhetos, entre a mesade encadernação, o balcão de venda e o momentoda merenda, foram mais de quarenta anos.

"Eu fico triste, eu olho assim, ali os originaistudo de histórias boas, me lembro daqueles ve-lhos tempos, então aquilo me dá assim uma cer-ta tristeza, uma melancolia, mas ... só o que épe-rene é o poder de Deus, mais nada, o resto tudo épalhaçada. "

Quanto excesso na simplicidade, paz e nobre-za no cumprimento de seu tempo. Um tempodilatado por uma certa lentidão do gesto, do olhar.Não houve dispersão nessa geografia repetitiva,limitada, conhecida, e mesmo assim ele pareceainda passear "por ali", como se fosse por acaso.O novelo do cotidiano se desenrolou, linear, idên-tico, os passos de hoje nos passos de ontem. Ocorriqueiro tornou-se ritual. O eterno chapéu defeltro virou escudo. Expedito Sebastião da Silva étão próximo de si mesmo, do que ele é, que éimpossível distinguir a arte da vida. Tudo se tor-nou essencial, a insignificância da rotina, o pra-zer e o vigor da criação.

No conjunto da obra descobrimos o arcabou-ço da personalidade do autor. Dois princípios es-senciais norteiam a sua produção: o respeito àsregras estabeleci das e o cumprimento da grandeprescrição: agradar ao público. Afirma o poetaque sem esses preceitos de ordem formal e ético,não há beleza. Estética e moral andam juntas.Longe de tolher a dignidade do poeta, a submis-são às normas alimenta o orgulho de pertencer aum coletivo. A filiação não só é reconhecida comoreivindicada.

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"... para as camadas populares o conceito deartista está relacionado à idéia de competência,de domínio da arte. (...) a singularidade da condi-ção artística que se procura afirmar pela intençãoda originalidade, a figura do criador solitário, ca-rece de sentido, pois para o artista popular, o fun-damental não é ser diferente, único, mas sim atin-gir a perfeição, ...". (Porto Alegre, 1994).

Lembrando o primeiro romance escrito por elee que foi sucesso de público O Prêmio da inocên-cia (1974a), Expedito contracena com seu ZéBernardo:

"Expedito, quem vê assim pensa que é de JoãoAthayde, aí eu disse: sabe por quê? É que eu meinspiro muito nas estórias dele. Eu lia muito, aí agente fica com aquela base concreta que a gentenão foge... o indivíduo já tem a veia poética, aqui-lo ali vai pra cuca dele, depois de penetrar dentrodo indivíduo, ele não esquece jamais."

O poeta não manifesta a menor preocupaçãoem demarcar a sua obra do conjunto da Literatu-ra de Cordel. Levada às últimas conseqüências,essa discrição de quem é consciente e seguro doseu talento, converte-se em desprendimento ex-cessivo e perigoso quando se trata da identifica-ção e preservação da sua produção. Expedito Se-bastião da Silva escreveu aproximadamente 200folhetos dos quais, a duras penas, conseguimosjuntar 62 de diferentes coleções privadas e públi-cas. O próprio autor não guardou nenhum origi-nal e todos os direitos autorais foram vendidos. Asua fala mansa e tranqüila confirma:

"Eu não ligo não de juntar esse negócio de ori-ginais. Nunca liguei não. Olha, pra melhor lhedizer, eu escrevia esses folhetos anteriormente,nunca botava meu nome em capa de folheto. Ovelho Zé Bernardo ficava grosso comigo. Escre-via só por esporte. Como hoje mesmo, ainda es-crevo por esporte."

Uma vez conquistado o domínio do ofício,tudo transcorre como se a competência tivesse aforma, a força, a evidência da autoria. A perfei-ção na tradição dignifica mais do que a manifes-tação de uma singularidade. O versejador irrepre-

ensível chega a passar à frente do poeta inspiradoquando recebe encomenda de folhetos.

"Eu posso tratar de qualquer assunto, qualquercoisa. O meu sistema de escrever é um só, sendo emcordel é um só. O poeta está à disposição de quemquer que seja que necessita da poesia dele. Isso aínão desvirtua o prestígio do poeta, ele está aí praisso, pra escrever. (...), tanto faz de propagandacomo história de fato acontecido, como sendo umfato político, o que vier eu não estou escolhendo."

De panificadora a fábrica de bebidas, passandopor campanhas eleitorais, esses folhetos não cons-tituem a parte mais interessante da obra de Expe-dito, mas são bem representativos da sua habilida-de. Profissional da rima, ele não demonstra o me-nor constrangimento em versejar as qualidadesde candidatos políticos pleiteando cargos de vere-ador ou prefeito em ]uazeiro. Trata-se de ser per-suasivo, qualquer que seja a bandeira ideológica, eo panegírico não oferece muitas variações. Com abênção do Padre Cícero, os eternos futuros ben-feitores do povo revelam um toque de religiosida-de, uma pitada de ordem e progresso, uma pince-lada de bom-mocisrno, um fervor de obreiro e umaboa dose de profunda simpatia pelos humildes.Profissional da comunicação, o poeta conhece mui-to bem o universo referencial dos eleitores pobres,suas crenças e comportamentos. Estudo de mer-cado e pesquisa de motivação são dispensados. Aargumentação deve levar o público a agir, querdizer a votar certo. A conclusão é verbalizada paraevitar qualquer dúvida. A função injuntiva do dis-curso publicitário é manipulada com absolutamaestria. Esse ramo comercial do folheto de en-comenda confirma que poesia é também traba-lho e sobrevivência. Embora nesses casos pontu-ais sua arte não passe de mera mercadoria, Expe-dito não reduz a sua obra a um simples intuitomercadológico.

"A poesia é o seguinte, é um dom divino, o indi-víduo já nasce com ele, aí ele chega, puxa pra aque·le caminho até que ele chega a ser um poeta mes-mo, porque ele tem aquela vontade e não foge."

Poeta é aquele que sabe conjugar o impulsomisterioso e a sua determinação. Poesia é criaçãoinspirada, mas também, e sobretudo, lucidez, do-

mínio, construção, inteligência e imaginação. Boapoesia é aquela que agrada ao público.

"... a pessoa tem que fazer a coisa como ela há deser e no gosto do povo, a gente escreve não é pragente, é pra o povo. Se eu vou fazer uma história,não vou fazer de acordo com o que eu gosto não,faço de acordo com o que o povo gosta, porque eusou escritor, eu não vou escrevera história pra mim,escrevopra opovo. "

Mais uma vez o coletivo suplanta o individual.De acordo com esse voto de devoção ao gosto po-pular, valentia e gracejo, religião e amor são temasdominantes na obra de Expedito.

O valente de Expedito Sebastião da Silva é nor-destino e sertanejo, ele evolui no meio de fazendase mandacarus. A primazia da sua força física e ovigor do seu temperamento destemido são postos aserviço do melhor e do pior, do divino ou do de-moníaco. Aos heróis da atualidade, construídos pelamídia, descartáveis, intercambiáveis, consumidos eesquecidos no mesmo instante, o poeta prefere oherói que segue o seu destino com uma constânciaexemplar, aquele que nunca se aposenta nem se tor-na enfadonho. Ele come feijão mas é arquétipo, eleé músculo e abstração, ele tem a força de uma idéia.Lampião aparece, é claro. Bárbaro e simpático aomesmo tempo, ambíguo, é devoto do Padre Cíceromas tem pacto com o demônio.

"Da vida dele só contotrechos que chamam atençãode acordo o que ouvicontado pelo sertãoe baseado no livroFaçanhas de Lampião." (E.S. da Silva, 1988)

A intenção expressa era de contar a história ver-dadeira do cangaceiro, mas a narração escapa logoà vontade do historiador, o bandido rouba a ima-ginação de Expedito.

A verve criativa do poeta e o seu pendor mora-lizante desabrocham de vez, quando o valente,herdeiro das virtudes de Roldão e Oliveiros, der-ruba e extermina o valentão: Em Sandoval eHele-na ou a fera do Paraná e O Lobo do Amazonas ouLindomar eJacira, folhetos de "pura criação", ca-pas e tÍtulos deixam pensar que teremos direito auma bela história de amor. Leve engano. O ma-

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cho resplandece de ponta a ponta, não há cenaslíricas e entre estupros e castrações, o erotismo émais do que rude. O 'autor notifica um amor àprimeira vista numa sextilha concentrada, maistarde um beijo relâmpago abre o portal da eterni-dade. O amor é secundário, só serve para insuflarcoragem ao herói inabalável e alimentar a pun-gência da intriga.

"Luta, trama, sofrimentoperseguição, amor, glóriasurpresa, bravura, ódiocrueza, morte e vitóriatudo isto o leitor vêno decorrer desta estória." (E.S. da Silva, 1976)

O enredo tem uma dinâmica parecida nos doisfolhetos. Tudo começa com a seca e a guerra pelasobrevivência. O herói cearense se vê condena-do a viver fora do seu centro. Sandoval vai a umcafezal do Paraná, Lindomar, a um seringal doAmazonas. Revoltados pelo sistema escravocratade trabalho, os justiceiros enfrentam administra-dores, cabras e capangas e restabelecem a justiçasocial. O exílio trágico virou epopéia e ficçãocompensatória do sofrimento de gente miúda. Aglória é de todos e foi perseguida em ritmo defilme de aventura.

Pairando sobre esse mundo de ciladas e perfídi-as, o Padre Cícero herói carismático e pacífico,pertence à temática religiosa do poeta entre episó-dios bíblicos, profecias e aparições. O padretaumaturgo de Juazeiro do Norte é fonte inesgotá-vel de inspiração em toda a Literatura de Cordel.Filho de romeiros e devoto do "Padim Ciço", Ex-pedito Sebastião da Silva não podia deixar de reve-renciar o soldado de Deus.

"Tenho uma fé inabalável nele, porque eu vimuitos milagres que aconteceram, e outros de ro-meiros, eles contavam grandes milagres operadospor ele e eu então não desacreditei e nem desacre-dito o que eles disseram."

"E sobre os grandes milagresque foram por ele obradosvou relatar sobre algunsque a mim foram contadospor velhos daquela épocaque os tem mernoriados." (E.S. da Silva, 1986)

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Como tantos outros bardos do sertão, o poetanos oferece mil e um milagres em troca daqueleque foi vetado, censurado pela Igreja CatólicaApostólica Romana'. A vingança é jocosa. Vai dojeitinho ao prodígio: casos de adivinhação, domde ubiqüidade, curas inesperadas, conversões es-petaculares, salvações inopinadas. O poeta se deli-cia. Em poucas estrofes um milagre, em poucaspáginas um acúmulo de maravilhas. O papel foiescrito sob medida para o principal ator, não hátempo morto e há muitos "coups de théâtre", Émilagre de vedete e interpretação de "star". O mo-do espontâneo, sem pomposidade como é tratadoum assunto tão prestigioso traduz o quanto o sa-grado é intrincado no profano: o espantoso virarotineiro e o poeta apropria-se do santo sem maio-res rodeios, lembrando assim que poesia e religiãosão para ele exercícios cotidianos de vida. MasExpedito destaca-se do resto dos poetas quandoresolve engajar-se nas questões polêmicas em tor-no do grande sacerdote. Deixando de lado biogra-fias, milagres e profecias, ele soube, em nome dosromeiros e a pedido deles, engrossar a voz, aban-donar a postura de cidadão pacato e quebrar opacto com o seu eterno bom humor. Foi quandoa Igreja Brasileira canonizou, por sua conta, o Pa-dre Cícero sob os protestos da Igreja de Roma e orepúdio de muitos romeiros.

"Romeiros da mãe de Deusessa canonizaçãoque a Igreja Brasileirafez, não tem efeito nãoé uma trama ilusóriaque fere a santa memóriado Padre Cícero Romão." (E.S. da Silva, 1973)

A indignação torna-se eloqüente, de modo pon-derado e longe de qualquer sectarismo, o seu textoé um convite à reflexão. O assunto é grave, o tomcompenetrado, a paixão contida. Se as homenagensimpróprias e oportunistas irritam o poeta, ele toma-se de fúria quando alguém ousa difamar o "Santode Juazeiro". Nos folhetos Em defesa do Pe. Cícero"O Apóstolo do Nordeste" e Verdades incontestáveisou A voz dos romeiros, Expedito ataca quem calu-nia. Os réus são padres, no entanto não há tÍtulosacerdotal que consiga inibir o sentimento de re-pulsa e o ímpeto de raiva do poeta. Ordenados ou

não, os clérigos são suspensos de ordens, sem bulapapal nem direito de resposta. Expedito ergue-secomo o advogado de defesa de Maria de Araújo,leiga, pobre e mulher, cujo nome quase nem apa-rece no conjunto dos títulos sobre Padre Cícero.O poeta, decididamente, não questiona a ortodo-xia da crença na origem divina do milagre e fecha aquestão com certa indiferença e altivez:

"Pe. Gomes me perdoeeu só disse o necessárioDeus me livre de falare maltratar um vigárioa vingança dos romeirosé só rezar o rosário." (E.S. da Silva, 1956)

Desempenhar o papel de justiceiro não é a pre-ocupação maior de Expedito Sebastião da Silva.Uma ponderação natural, um certo equilíbrioentre adesão e reserva o retém de levantar bandei-ras ideológicas ou confessionais ou de preconizardeterminados preceitos éticos. Como em toda Lite-ratura de Cordel, há um certo intuito moral queperpassa a sua obra, mas a intenção expressa, rei-terada, imperativa do autor é o entretenimento.O grande desafio é agradar ao público. Para isso oRISO e o AMOR.

"Eu faço aquilo dali pelo um divertimento,entende? Assim como uma brincadeira. Eu nãoacho de sacrifício escrever não. Eu não faço nemtanto visando o dinheiro mas o gosto do público,que é isso que eleva o poeta, é a aceitação do povo.Agora eu dou preferência ao amor, ao sofrimen-to, mas também sendo assim de bagunça, de hu-mor, eu gosto Imensamente porque sou um pou-co humorístico, viu!"

Rir e chorar são as duas faces de Jano do prin-cípio-mor do nosso poeta. Deixamos as lágrimaspara o final. A recomendação inicial do livro deGargantua poderia servir de aviso ao leitor paraos folhetos do ciclo lúdico. "Mieux est de ris quede larmes écrire, Pour ce que rire est le propre deI'hornme". O folheto As consequências do peidoexplora um tema escatológico bem ao gosto dalinguagem rabelaisiana.

"Eu conheço um rapazinho

que numa noite peidouna festa dum casamentona sala ninguém ficouo que foi de carrapatoque tinha ali se acabou." (E.S. da Silva, 1990)

O realismo grotesco dos episódios pestilenciaisnão demonstra nenhuma vontade de edificaçãodo leitor. Não podemos vislumbrar a menor in-tenção de aperfeiçoamento moral. É farsa absolu-ta. Nada sério. O herói musculoso ou religiosocede o passo ao anti-herói. A malícia impera. É avez de Pedro Malazartes, primo do espanhol Pedrode Urdemalas. É o "campeão das travessuras","cheio de diabruras", dono de uma insuperávelpreguiça, apimentada pela gula da sua sensualida-de imprevisível.

"Das histórias de proesaslidas em todas as partestalvez não haja nenhumajocosa e cheia de artesque chegue a se comparara de Pedro Malasartes." (E.s. da Silva, 1974b)

Feio e covarde, ladrão e mentiroso, uma mansacrueldade transparece no assassino pacato e noestuprador dolente. Criado do diabo e amante davida, ele termina casado com uma princesa e tor-na-se rei de uma nação. A inversão carnavalesca égeral: Pedro revela-se inteligente e ordeiro. O risoterá intenção satírica ou trata-se apenas do delici-oso prazer da incoerência? Mas nem sempre obufão toma o lugar do rei. No folheto As aventu-ras de Lulu na capital de São Paulo, o matutobobalhão permanece até o fim da história impe-netrável a qualquer faísca de inteligência. O seuespírito mergulha na mais profunda indigência.A gesta urbana esquece o épico nas primeiras es-trofes. A tipificação farsesca do nosso caipira e amecânica imutável da sua pobreza mental refor-çam o cômico cuja eficácia é assegurada pela re-petição do mesmo tipo de bobeira. O fracasso équase total.

"Dizia ele: - Mil vezesseguir para o cadafalsodo que viver entre estranhocumprindo um destino falso

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sem chapéu e sem dinheiroagora por fim, descalço!" (E.S. da Silva, 1978a)

Ao lembrar a história de Lulu, Expedito ri ain-da hoje, riso catártico de moleque cearense que saberir da desgraça, inclusive da sua. Embora haja sem-pre no riso um caráter desagregador do equilíbriosocial, esse riso é transparente, mais eufórico doque satÍrico. Não há nada o que debater. Mas a vozembarga, o olhar parece compadecer uma doralheia se o poeta falar de O segredode Verônica,Alouca da sepultura, O calvário de uma mãe ou oamorde Albertina, História de Adriano eJoaninha, e ou-tros poemas de amor e dor. A mesma magia sim-pática aproxima o poeta do carrasco e da mãe so-fredora, do covarde e do valente, do santo e dosamantes. E como um ator de teatro que sai à pro-cura do outro e encarna o personagem.

Nos antÍpodas de um mundo obcecado pe-las imperfeições técnicas e as crises do acaso,Expedito Sebastião da Silva se move num uni-verso onde ainda se fala em Deus e se acreditano Destino. Não pode haver dúvidas frente àsgrandes emoções fundamentais que todo mun-do conhece. O amor é soberano e os amantestravam uma luta impiedosa para vencer as difi-culdades que os impedem de ser felizes. Docomeço ao fim do caminho, é Deus que ordenaas estrelas de cada um:

"Cada vida é um destinode impenetrável sigilonão há na terra quem possadesvendá-lo ou corrigí-losomente o Divino Mestreé quem sabe definí-lo." (E.S. da Silva, 1978b)

Os amantes não podem viver um sem o outroe enfrentam por isso uma pletora de tragédias nopercurso da vida: separação, exílio, fuga, aprisio-namento. Mesmo assim, é impossível trair o amore afinal, a passagem se faz do "antro amargurado"da vingança, da violência e do ódio ao "reino en-cantado" do amor e da paz.

"Nesta história se vêcombates comovedoresamor, ternura, tragédiaperseguições e rancores

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nela tem tudo que agradaa meus queridos leitores." (E.S. da Silva, 1980a)

o apelo é lançado. A sina é divina mas a arte édo grande contador de histórias que sabe chamara atenção do seu público e prendê-Ia até o desfe-cho final. Redundantes, superlativos, paroxísticos:os títulos funcionam como chamada. Os sofrimen·tos de Selma (ou Fruto da traição), O Prêmio dainocência, O Suplício de um condenado ... o dramaprometido será total. A abertura, sintética e efi-caz, introduz a história narrada na terceira pessoae no tempo passado:

"Aconteceu em Pariseste drama comoventehá mais de duzentos anosonde vê-se claramentepadecer numa prisãoum pobre homem inocente." (E.S. da Silva,

1974c)

Como nos contos da infância, os personagense os lugares são fora do comum. Em épocas dis-tantes, Paris, Milão ou México acolhem um lei-tor em busca de evasão. Cenário desconhecido enome prestigioso: a cidade parece feita para abri-gar amores desmedidos e personagens fascinan-tes, soma de modelos ideais. Na verdade, mal sevêem os personagens, só se vê o amor. São ho-mens e mulheres de ação que pertencem a Deus,eles não têm uma grande profundeza psicológica.O retrato é simplificado ao extremo e facilita aidentificação, os sentimentos viram logo paixões:Ele é doce como carneiro e valente como leão, évirtuoso como não pode sê-lo. Ela é bela, antesde tudo bela. Anjo de candura, ela galvaniza omacho, a sua pureza incendeia o coração do he-rói e a libido do inimigo. O seu gosto pelo sacrifí-cio é genético, inevitável, natural. Tipos fixos, nósos reconhecemos de um folheto a outro, eles sãofamiliares e a nossa atenção se volta então, intei-ra, absorta, para o enredo. Um enredo sofistica-do, engenhoso que corre e tropeça, termina e re-começa ao longo das 16, 32 ou 40 páginas, ali-mentando romances de muito fôlego. A sensibili-dade é barroca pela narração transbordante, pelaprofusão de ações e paixões, a exuberância dashistórias diversas, múltiplas, sempre renovadas. O

mundo instável quase que titubeia entre ilusão everdade, aparência e realidade.

Mas o poeta é vigilante e virtuoso, domina acomplexidade da intriga, a brusca reversão dassituações, a cascata de incidentes extraordinários,as peripécias do eterno conflito entre o puro e omonstruoso. Entre culpa e perdão, amores à pri-meira vista e espadas cravadas em corações imun-dos, Expedito não se perde no caminho, não con-ta sob a inspiração do momento para conduzir ahistória, e quando o herói é impedido de apare-cer, um desvio providencial da intriga terá queresolver um conflito insolúvel.

"Se for fazer um livro, e não fazer um roteiro,aí ele se bombardeia. Tem que saber como termi-na, fazer o roteiro, tudo enfim. Temque traçar logoa estrada pra saber pra onde vai, pra chegar no fi-nal. O poeta que vai escrever e não sabe como é ofinal, ele só escreve errado, foge e muito da mirada história."

O talentoso fabulador não perde o fio das suashistórias rocambolescas. A verossimilhança érelegada ao segundo plano, não se trata de pare-cer verdadeiro, mas de fazer com que a fantasiaconvença. E convence. Expedito pega o leitor naprimeira estrofe e o larga na última, exausto deemoções. A razão não foi contemplada com lógi-ca e coerência mas a imaginação foi premiada cominvenção e coesão. O leitor é raptado, aprisiona-do pela narrativa linear e ansioso de chegar aofim, ele fica envolvido nessa dinâmica cinemato-gráfica, concentrado, tenso, apreensivo do quevem a seguir. A precipitação da ação não permiteo distanciamento reflexivo. Implicado, ele queriaestar à frente da intriga, a astúcia do autor não opermite. Nenhuma estrofe morde a seguinte. Osenigmas são múltiplos, cada um é elucidado noseu tempo, todos têm um fim. E parece natural.A transparência prevalece. Os personagens fazemrevelações bombásticas em falas curtas, como sefosse no teatro; cenas apocalípticas são relatadasmas uma cortina rápida já nos leva para outras;há um acúmulo de cadáveres mas não exalam ocheiro da morte; o patético é acentuado mas omelodrama nunca vira tragédia. Enfim, nessemundo povoado de assassinos, estupradores, blas-femadores, ladrões, onde nenhuma redenção pa-

rece possível, onde os bons enfrentam todas asperseguições imagináveis, nesse mundo entramose saímos, liberados no final do percurso, empan-turrados de ação, consolados e confortados pelo"Happy End".

"Sempre eu gosto de um desfecho que agrada.Quando eu escrevo, já sei como é o final da histó-ria. Puxo diretamente pra morrer naquele pontode vida".

Um "ponto de vida", é exatamente isso que nosoferece Expedito Sebastião da Silva. Como nosfolhetos de gracejo onde mesmo quando o mun-do está de cabeça para baixo, o bom humor so-brevive, nos romances de amor, frente a mil e umaadversidades, quando o suicídio coletivo seria umaboa saída, os personagens preferem a vida. O "pon-to de vida", não é tanto o casamento da moça,mas o reencontro de duas pessoas que se amam.O casamento final é fator de coesão social e obe-dece à moral vigente, mas o reencontro afirmaque o amor é um valor em si. É um amor alémdos amores, é fatal mas não tirânico, é emulação,libertação, fonte de glória e heroísmo. É ele quemove os personagens, ela e ele também. Ele temsentimento, ele ama e sofre com generosidade. Elechora até, e escapa ao clichê paleolítico do ma-cho. Ela ama com o mesmo ardor e a sua cora-gem é masculina.

"Quando dois entes se amamcom um verdadeiro amoros dois corações se unemvnum só destino amadorse acaso um padecero outro é quem sofre a dor." (E.5. da Silva,

1980b)

Expedito Sebastião da Silva escreveu todas ashistórias "nascidas" por ele, sob o signo dessa te-lepatia amorosa dos amantes. A sintonia provi-dencial da sua temática com a sensibilidade doseu público tradicional dá lugar a uma literaturafraterna. Espontaneamente fraterna. A obra é na-turalmente solidária ao leitor e conta com a suaadesão. Adesão de amigo e não de consumidor. Apalavra é ponte, ligação e, mesmo inserida numaforma fixa e rígida, flui simplesmente, como se

KUNZ, IVvJr ine. Expedito Sebastião do Silvo .. pp. 64 o 72 71

não fosse inventada. Precisa muita arte para atin-gir a simplicidade e a comunicação feliz dumaliteratura que parece estar à escuta do seu leitor.

Artesão! Artista, o poeta nasce sob os auspíciosda tradição e renasce no sopro da criação inaugu-ral. Como verdadeiro artista é uno e singular. Temo peso da memória no ritual da escrita, a pungên-cia do verbo no impulso da criação.

É artesão, é poeta, é pedra, é paixão.

NOTAS1. Romance: os revendedores costumam chamar folheto

a publicação de oito páginas e romance a de dezesseisou mais.

2. Leandro Gomes de Barros: Pombal- PB, 1865 - Recife- PE, 1918.

3. João Martins de Athayde: Ingá - PB, 1880 - Recife -PE,1959.

4. Todas as declarações de Expedito Sebastião da Silvasão trechos de entrevistas concedidas em Juazeiro doNorte de 1986 a 1992. O grifo é sempre nosso.

5. O milagre de 1889 (quando a hóstia se transformou emsangue na boca da beata Maria de Araújo) é considera-do a pedra fundamental do movimento religioso deJuazeiro, que durou quase meio século, de 1889 a 1934,quando morreu Padre Cícero. O choque aberto entre areligiosidade popular e a religião oficial da Igreja domi-nante não conseguiu impedir que, até hoje, romarias eperegrinações continuem em Juazeiro do Norte.

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BIBLIOGRAFIAPORTO ALEGRE, Sylvia. (1994), Mãos de mestre: itine-

rários da arte e da tradição. São Paulo, Maltese.SILVA, Expedito Sebastião da. (1956), Verdades incontes-

táveis ou a voz dos romeiros. Juazeiro do Norte, Tipogra-fia São Francisco. 16p.

____ o (1973?), A Opinião dos romeiros sobre acanonização do Pe. Cícero pela Igreja brasileira. Juazeirodo Norte, Tipografia São Francisco. 8p.

___ o (1974a), O Prêmio da inocência. Juazeiro doNorte, Tipografia São Francisco. 40p.

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___ o (1974c), Suplício de um condenado. Juazeiro doNorte, Tipografia São Francisco. 32p.

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___ o (1978a), As aventuras de Lulu na capital de SãoPaulo. Juazeiro do Norte, Tipografia São Francisco. 16p.

___ o (1978b), O segredo de Verônica. juazeiro doNorte, Tipografia São Francisco. 40p.

___ o (1980a),Adriano eJoaninha. Juazeiro do Norte,Tipografia Lira Nordestina. 16p.

___ o (1980b), A louca da sepultura. Juazeiro do Nor-te, Tipografia Lira Nordestina. 40p.

___ o (1986), Os milagres do Padre Cícero. Juazeiro doNorte, Tipografia Lira Nordestina. 16p.

___ o (1988), Trecho da vida completa de Lampião.Juazeiro do Norte, Tipografia Lira Nordestina. 32p.

___ o (1990), As conseqüências do peido. Juazeiro doNorte, Tipografia Lira Nordestina.8p.