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1 realização Poeta de Gaveta 2006

Poeta de Gaveta

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Page 1: Poeta de Gaveta

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r e a l i z a ç ã o

Poet

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2006

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Profª Drª Suely VilelaReitora

Prof. Dr. Sedi HiranoPró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária

Prof. Dr. José Aparecido da SilvaPrefeito do Campus Administrativo de Ribeirão Preto

João Braz Martins JúniorDiretor da Divisão de Apoio à Cultura e Extensão

Aurélio M. C. GuazzelliChefe da Seção de Atividades Culturais

EquipeAurélio M. C. Guazzelli (Lelo)Camila de Carvalho Michelutti

Carlos de Araújo ArantesJosé Gustavo Julião de Camargo

Lélis C. CavalieriRegina Célia Reis da Silva

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2 0 0 6

V O L U M E 1 3

ISSN 1516-0513

poesia & prosa

P O E T Ad e

G A V E T A1 3

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ProduçãoSeção de Atividades Culturais

Coordenação do ProjetoLelo Guazzellie-mail: [email protected]

Seleção de OriginaisAndré BordiniOsvaldo Felix da Silva

Preparação / Projeto GráficoValnei Andrade

SEÇÃO DE ATIVIDADES CULTURAIS • DVACEX • PCARPPrefeitura do Campus Administrativo de Ribeirão Preto – USPRua Pedreira de Freitas, casa 0414040-900 Ribeirão Preto / SPTel.: (16) 3602.3530

http://www.pcarp.usp.br/[email protected]

Capa / obra: Lélis Camilo CavalieriArtista plástico e arte-educador formado pela UNESP / Bauru. Integra aequipe da Seção de Atividades Culturais / DVACEX / PCARP – USP.

Obra: Sem Título, 2006.Técnica: Óleo sobre tela.Dimensões: 1,40 x 0,60m• A imagem que ilustra a capa deste volume é um detalhe da obra compostapor uma fusão de estilos, que integram dialeticamente o academicismo e oabstracionismo como forma de expressar a intimidade do afeto.

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prefácio

A Poesia da Academia e a Poesia na Academia

José Aparecido Da Silva

Poeta de Gaveta, iniciativa cultural da Seção de Atividades Culturais daUSP de Ribeirão Preto, é a concretização da poesia da academia em poe-sia na academia. De modo geral, ao optar por uma carreira acadêmica, oprofissional vivencia as Letras de uma forma mais sistematizada que lite-rária, ou seja, na escrita de papers, teses, palestras e assim por diante.Entretanto, ainda que imerso em atividades científicas, nunca se afasta doembricamento da poiesis com a catarsis no cotidiano de seus dias. E, naeventual falta de tempo para se dedicarem à leitura de crônicas, contos eromances, que cobram uma quantidade maior de dedicação, que nemsempre lhes é possível, é à poesia que os acadêmicos recorrem.

Mas recorrer à poesia para quê?, perguntariam-nos os não iniciados. Sim-plesmente para colaborar com a fluidez da vida, que uma vez leve e bela,ressuscita em nós a esperança e a coragem na construção necessária deum dia melhor.

Assim, ao folhear esta coletânea Poeta de Gaveta, que hoje me chega àsmãos, penso na esperança e coragem depositadas em suas páginas porintegrantes de todo o Campus, a revelarem que a poesia da academia é averdadeira propulsora da poesia na academia.

Sonhos e desilusões, alegrias e tristezas, coragem e esmorecimentos com-puseram seus versos, revelando a todos que na quietude dos laboratóriose nas prescrições das enfermarias, profissionais sentem a vida e a ensinama todos que se questionam como ela está a passar.

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Emergindo das gavetas, do anonimato e do silêncio, estes poetas ganhamvoz e buscam nos ensinar que é preciso caminhar, sem medo de sofrerou chorar. Logo, com seus poemas delicados e profundos, conclamam avida a ser bela, apesar de todas as pedras no meio do caminho.

Parodiando Castro Alves, penso ser possível perguntar “Poetas! Oh poe-tas! Onde estão que não respondem?” Para, em coro, ouvi-los responder“Aqui! Lançando para os próximos dois mil anos o nosso grito!”

A todos os integrantes e organizadores desta coletânea o nosso “muitoobrigado”. Muito obrigado por não desistirem da poesia enquanto vidaque ela é.

Novembro de 2006

José Aparecido Da SilvaPrefeito do Campus da USP de Ribeirão Preto

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comissão de seleção

A palavra é a matéria essencial do poeta. A linguagem — articulação depalavras — tende a dar sentido ao que vemos e sentimos. A tarefa dopoeta é escoimar a linguagem, libertá-la de todo e qualquer excesso, fazê-la significar, transformá-la em instrumento agudo capaz de ferir e afagar asuperfície dos desejos.

Nos 138 trabalhos inscritos na 13ª edição de Poeta de Gaveta ocor-rem erros de diversas ordens, estruturais e gramaticais. Mas os errostêm o dom de fecundar, de fazer germinar a semente da transformação, oque nos permite perceber que nas Instituições Acadêmicas existem pes-soas dispostas a não sucumbir ante uma realidade reificadora, e que, paraisso, lançam-se na humana e por isso arriscada aventura da escrita. Certa-mente, são pessoas que procuram, através da escrita, compreender efazer compreender que o que já foi vivido, só ganha significado se auxiliara desvendar o que permanece.

Os textos evidenciam um processo de criação desenvolvido num espaçoindefinido entre a fidelidade a certos sentimentos e a liberdade estilísticacapaz de lhes conferir vida. O resultado é um conjunto de textos queoscilam entre a extrema subjetividade, manifesta em versos despretensi-osos, e uma certa objetividade firmada na adequação a certas estéticas jáconsagradas pelo tempo, como a estética concretista.

Com esta nova edição, o projeto Poeta de Gaveta mantém viva a suatarefa: a de fazer vir à luz o texto de pessoas que não se afastaram dadimensão humana da vida.

André Bordini é bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela UNESP, psicólogo, escritore professor de redação e interpretação de texto do ensino médio e curso pré-vestibular do SistemaCOC de Ensino.

Osvaldo Felix da Silva é doutor em Estudos Literários pela UNESP (Campus deAraraquara) e professor de literatura no Colégio Quarup-Objetivo, Sertãozinho.

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Sum

ário

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text

os11 | Língua • Edberto Ferneda13 | De cabeça baixa • Edberto Ferneda15 | Vilma Godê • Carla Cristina Barizza

17 | Olhar meio-amargo • Carla Cristina Barizza19 | Meio a meio • Cristiano Chaves

21 | Como Frida • Clarissa Mendonça Corradi-Webster23 | Cogitações • Werner Robert Schmidek

25 | Na química dos sentimentos • Stefania Lello Wilkeris27 | Transubstanciação de mim • Stefania Lello Wilkeris

29 | Alma fria e congelada • Stefania Lello Wilkeris31 | Polícia • Alex Wagner Dias

33 | Papel de presente • Felipe Watarai35 | Desdita • Felipe Watarai37 | Epitáfio • Felipe Watarai

39 | Diálogo • William Lyudi Sanai41 | Bichopovo • Maria Luiza de Moraes Souza

43 | A vida inevitável tornou-se... • Maria Luiza de Moraes Souza45 | Não percas tempo com este poema... • Maria Luiza de Moraes Souza

47 | Estrela • Janaína de Godoy Gonçalves49 | Sonhos • Alexandre Donizeti dos Reis Cintra

51 | Eufemismo • Glauco Fernando Ribeiro de Araújo53 | Trenzinho • Fabio Scorsolini Comin55 | Castigo • Fabio Scorsolini Comin57 | Milagre • Fabio Scorsolini Comin

59 | Luz do ocaso • Ronie Charles Ferreira de Andrade61 | Reexplorificatízio • Fellipe Miranda Leal

63 | Arames com veludo • Fellipe Miranda Leal65 | Prólogo feliz • Fellipe Miranda Leal

67 | Esboço de tarde, com metamorfose • Manoel Antônio dos Santos69 | As fomes de domingo • Manoel Antônio dos Santos

71 | As armas da aurora (Viagem da carne) • Manoel Antônio dos Santos75 | A rebrota • Eduardo Francisquine Delgado

77 | Mágico • Edmir Ravazzi Franco Ramos79 | Minha fortaleza de papel • Michel Renato Manzolli Ballestero

81 | Álgebra no coração • Michel Renato Manzolli Ballestero

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A pálavra

sem fronteiranembeira

Nenhuma palavra é necessáriadepois que as línguas se tocam

Líng

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bert

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rned

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Edberto FernedaPós-graduando – FFCLRP

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I

A calçada passapassoporpasso

A ponta do calçado desponta mecânicamente

II

Sentado no meio-fioa água suja

es

co

rr

ecomo

vida

III

Sozinho no cinematento desvendar a arquitetura

e a minha vidapassada

em super-oitono fundo

musical

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Fern

eda

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Vilma era viciada em tintas, goma-laca e solventes.Possuía um coração em tons pastéis e sentimentos azuis.Fazia pinturas modernas e abstratas em seus cabelos,Amava Paul Klee pela sua experimentação incansável.E usava seis cores de rímel nos cílios, ao redor de cada olho.Era incrível a habilidade em transformar seus cílios em um corte do arco-íris.Às vezes seu corpo surgia coberto de bolinhas vermelhas...Pintura orgânica dizia, técnica da reação alérgica.Antialérgico era sopa e hidratante era água de banho.“Vilma Quatro Cores” era como a chamavam os amigos da gráfica.“Vilma Godê”, o apelido entre os artistas pintores.Vilma, na verdade, era composta em milhões de cores.Só não pintava a íris dos olhos porque já possuíam duas cores... uma verde,outra azul.Certo dia arranjou um namorado de verdade.Bancário e engomadinho, um tanto acadêmico para seu estilo.Trabalhava no caixa e odiava o sol.Seus cabelos e olhos eram pretos e sua pele, um papel em branco.Parecia uma xilogravura monocromática.Aparência que incomodava Vilma.Acostumada às abundâncias pictóricas, sentia desejo pela sua pele tela nova.Resolveu pincelar a óleo aquele corpo tela, imerso no sono dos embriagados.Ele adorou acordar com o corpo repleto de tons cromáticos...Pena ter ficado de pintura orgânica uma semana.Na dieta: antialérgico e banho de hidratante.

Vilm

a Go

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rist

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Bari

zza

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A coisa mais emocionante da vida dele.Casaram-se, claro...E todos os convidados espantaram-se ao vê-la entrando de branco clássico.É que Vilma havia feito uma exigência aos padrinhos, que cumpriram...Ao invés de arroz, ao final da cerimônia, jogaram baldes de tinta acrílicacolorida neles.Tornaram-se então, um casal contemporâneo.E viverão alérgicos e felizes para sempre.Até que um edema de glote os separe.

Carla Cristina Barizza – F – EERP“Escrevo contos há vários anos. Tenho trabalhos publicadosno Poeta de Gaveta. Hoje, optei por contos breves, por ser

breve o tempo que existe para a leitura.”

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Ló olhou para seu chocolate com avelãs pelo qual sempre foi apaixonada.Doce demais.Enjoou dele. Largou tudo.Um desejo inesperado de que aquele doce se transformasse em amargo.Desejos súbitos em mutação.Ló reconhecia no espelho sua gostosura, suas estrias ao leite, suas aeradascelulites.Olhou seu corpo minuciosamente, sentindo água na boca.Ló lembrou daquele outro olhar. Que a comia sem perdão, lambendo atéos dedos.O olhar chocolate. Visualmente doce. Distantemente amargo.Olhar meio-amargo.Ló derreteu.

Olha

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eio-

amar

goCa

rla C

rist

ina

Bari

zza

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O ópio me consome,Com rosto e nome,Fascínio que me chama,Chama que se inflama.

É ódio que não some,Tem olhos e sobrenome,Desamor em corda bamba,Que chora e descamba.

Bato, entro, lamento.Sento, adentro, sem alento.Olho, procuro, não te vejo.É teu cheiro que ainda almejo.

No vício de te desamar,Denuncio-me por inteiro,Tropeço ao te falar,Não te quero meio a meio.

Mei

o a

mei

oCr

isti

ano

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es

Cristiano ChavesResidente – FMRP

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Aquele vestido florido do verãodisfarçando muitas tristezasuma barriga vaziaum caroço de ameixaas rosas todas esvoaçanteso espinho cortando por dentrosangue cor-de-rosa

Com

o Fr

ida

Clar

issa

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Clarissa Mendonça Corradi-Webster – F – EERP“Participei da sétima edição do Poeta de Gaveta (2000).”

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Eu pensoe logo insisto:

“Descartequem mente

e corpoquer por aparte”

Cogi

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Werner Robert Schmidek - D – FMRP“Participei da edição anterior do Poeta de Gaveta (2005).”

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niilismo dos sentimentos modernosdos meus, somente.químico.atuação: dissolução fracionadadaquela que reage por tisobre o bico de bulsen viracomo produto.........lágrimacondensado no tubo: minha paixãofator exógeno de atuação: teu sexo

dissipada força proveniente do calorque aqueciaagora em forma de vaporo sentimento chora o produtorendimento de poucos por cento

na química dos meus sentimentosa soma dos reagentes nem sempreé igual à soma dos produtos eProust, descrente, injeta no béquermeu descontentamento depositadocomo a areia na solução bifásica heterogêneacomo nossos corposágua + óleo = solução heterogêneacorpo A + corpo B = solução homogênea

Na

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Stef

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a reaçãocatalisada pela minha mentepermite que o bastão de vidrointroduza no interior do béquerdissolve a solução bifásica

catalasena base

fase assimmono fase

não desfazeque fico assim

sem fimmim

sim simfim.

Stefania Lello Wilkeris – A – FFCLRP“Meus poemas, minha terapia.”

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Os meus suspiros são pra vocêUm estranho jeito de dizer “mas pra quê?”

Entornada em seus delgados braçosEntorpecida de êxtase hilarianteAmotinada por hematomas periclitantes

Apaixonada por ti

Humanizado, encarnado, realO amor transcendente e imortalDá formas às palavras que não cabemapenas sentemnão ditas

A transubstanciação de mim.

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mim

Stef

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Com selvageria alcançou o segundo andar e deu as mãos ao cora-ção selvagem Apertou com insistência sem entender o motivo da dorFitou e deduziu Não reconheceu As mãos sedentas de prazer alcançavama tão sonhada amiga Ignorou o fato do prazer O medo pela figura angelicalalcançou o par de olhos que não suportaram a brancura dos dois pendu-rados à parede amarelo-clara.

Sentiu asco a ternura no olhar e pensamentos distantes Como afir-mar se algo estava errado? Aparentemente tudo certo O gelo instalou-sepor alguns minutos Mudou de idéia quanto ao local e buscou meus olhospara sugerir que retomasse ao cômodo de início Talvez pela assustadorafigura angelical.

Sugestão de um contato mais profundo A resposta veio como ig-norância “por quê?” Seria óbvio se ele respondesse Mas não... Calou-seno modo da exposição absurda do seu mais tenro desejo.

A sabatina Sem propósito Só contra suas frases e sentenças malcolocadas “Why?” Era tudo para fazê-lo se sentir inferior no entanto nãoassim se sentia.

A amargura por sua vez alcançava um patamar mais notório na mi-nha sabedoria Ganhou novos versos Um corpo dotado de vontade e deprincípios Versos outrora sem sentido Nonsense.

Características próprias e o rosto voltado para a televisão Que falamostra figuras mas não diz nada Só a linguagem corporal Que busca meucorpo como quem agarra um copo e mata a sede com a boca imersa emsaliva.

Alm

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na calada da noitecomo quem tem fome

não se alimentaSó hesita

A amargura da solidãoPor sua vez

soluçano peito

desassossegadodoentio

clama o êxtase.

Combinação de culturas desacordos implícitos Somente a vontadeAlgo unia os dois corpos Quem vai abrir a boca para dizer o quê? Tá tudocerto não tá? Não!

A tempestade de neve já foi embora Minha alma no entanto aindaclama o êxtase.

Exausta no tédio balanço meus negros cabelos no ar em busca deum reconhecimento pelos meus cachos “Não prende não!” como se dis-sesse Mas ele é mudo Eu sou surda E nosso mundo não tem diálogo emcomum.

Assim é melhor senão destrói e demole a alma fria e congelada e édepois que

O âmago sôfregotro

pe

çaaaaaaaaa

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NervosoNervoso com maracujá no estômagoCom maracujá no estômago, nervoso.O mundo instiga-me e nervoso, ansioso, preguiçoso,Com maracujá. Sem água, e açúcar, e polpa.A vida é o mundo todo.

E toda vida sou eu.O todo.Nervoso, ansioso, sem água,açúcar.

Preguiçoso como polpa.Nervoso como o maracujá:Maracujá remédio que o próprioNão pode tomar.

Nervoso!Nervoso maracujá do universoNuma semente de contrição e estouro.

Polí

cia

Alex

Wag

ner

Dias

Alex Wagner Dias – A – FFCLRP“Participei dos volumes 10, 11 e 12 do Poeta de Gaveta; da

coletânea Poemas de Amor (Ed. Riopretense) e Uni-Verso,coletânea de poemas (tema livre).”

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Guarde contigo— como esta caixa —o mais bonitoverso que caiba

não em presente,nem em canção,mas no que senteo coração.

Pape

l de

pre

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eFe

lipe

Wat

arai

Felipe Watarai – Pós-graduando – FFCLRP“Publiquei poemas no volume 9 do Poeta de Gaveta (2002).

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Despejo despautériosdesde quandodescobri que tudo édesespero nas minhasdespedidas de você.

Desd

ita

Felip

e W

atar

ai

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O FIMENFIM

EM MIM

Epit

áfio

Felip

e W

atar

ai

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DuvidoNão faço

DesafioParaliso

InstigoMe calo

QuestionoSem resposta

ObrigoEu brigo

ForçoTe bato

Te matoMorro

Diál

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Will

iam

Lyu

di S

anai

William Lyudi Sanai – A – FMRP

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A caneta é bicho fêmea,é mulher essencialmente dura,essencialmente tórrida,essencialmente.é mulher que se demora em curvase se desmancha em retase acaba no sem fim,em reticências:brancas duras penasbrancas duras presasbrancos duros partosde cada letra, de cadapalavra-ovodo novoque lhe infla o ventrefruto do sexo entre o nexoe o léxico.

A caneta é bicho mãeda poesiamuito embora o cérebro machoqueira sê-lo.É sangue que se derrama em corese se perde em marese se espatifa verdeem Ilha Negra.

Bich

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aria

Lui

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uza

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É torrente do humanoque deságua tinta,e dilui metáforasem grafite gris,que de ponto e penaescreve e encenao alfabeto nossoe recita rezase receita versose revolve riose revive ossos;é mulher ilimitadahumanamente pétrea,humanamente tépida,humanamentee que pinga pontosque não são finaisno sem fim do mundono sem fim do tempono sem fim de nós.

Maria Luiza de Moraes Souza – A – FMRP“Participei do volume 12 do Poeta de Gaveta (2005).”

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A vida inevitável tornou-secriança feia e torta(respirar e seguir sendo)

É impossível não serao menos nada.Do suicídioa cartaé a vida.

Não valem os pulsos cortadosmas o sangue na camisaNão é a balamas o resto de chumboo estampido nos tímpanossegundos antesquando se vivia.Irrefutavelmente.

O choro explode do berço roucoSino inevitável do presenteTalvez fugirTalvez não ser(ser sem que tu sejas)

Mar

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Às quatro horasmatar é poucoÀs quatroestateladashoraso sangue, lento,não tem nenhum prazerA morte é como se acordássemosFim de um sonho que nem merece recordação

Mas a vida!...

A vida baleA vida berra, grasna, ruge, zurraa pulmões tão plenosque é só o espanto:

RespirarE seguir sendo.

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Não percas tempo com este poemaque eu só escrevo porque não posso não fazê-lo.O que se segue te distrai da vida,da vida real tangível que é o que realmente importa:O haver outras pessoas como tu apoiadas sobre as patasO haver bichos e seres e montesO haver vento quando há ventoou sol quando é dia e faz sole chuva quando inevitavelmente chove.Não leias.Sai à tua janela metálicae olha as coisas do mundo.Percebes?Não precisas que eu te diga que da tua janela se vêem os prédiose que não há pássaros na cidadenem nuvens.Não precisas que eu te lembre de que há um horizontediferente de tudo o que nunca viste,um horizonte, em algum ligar,visto por outros olhos amarelos-puxados-russos-redondosem que talvez haja neve ou arroz ou mar ou nadaou apenas uma menina que corree esquece,perdido no ar,um cheiro de cabelo e infânciaque existe dentro de qualquer um —— mesmo de ti e de Adolf Hitler.

Mar

ia L

uiza

de

Mor

aes

Souz

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Não precisas de mim por detrás desta folha que devoras(linha a linha)esperando qualquer coisa que te renda da dureza de estar vivo.Larga esta folha, homem,que mesmo do teu tédio nunca tirarás um verso.És um homem comum,Um homem qualquer da tua espécie,de carne e de memória,a se distrair da vida com a tinta alheia.Se queres mesmo um conselho, sugiro:Não percas tempo com este poema.Melhor ficares com teus prédios emoldurados da janela —

— Pois estes sim existem.

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Janaína de Godoy Gonçalves – A – FFCLRP“A poesia sempre faz parte dos meus momentos mais marcantes.”

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Foi assim que se deu. A grande cientista sonhou, adormeceu. Nosilêncio da noite viveu e morreu. Sentiu, sofreu e acordou para um novodia.

Era de noitinha e estava Sophie às voltas com seus experimentos.Eles eram complicados e nem vale muito a pena explicar. Basta dizer queSophie queria descobrir uma essência, um tudo, o segredo de nossospensamentos e sentimentos. A razão, uma razão.

Era física, matemática, teóloga e socióloga; filósofa, historiadora,geógrafa e economista; bióloga, médica, escritora contista; tentava tudojuntar a sonhadora cientista. Mas nada conseguira até agora...

Desde criança fora um prodígio. Enigma profundo, livre de litígio;trilhara os caminhos com total maestria e agora contemplava o final enig-ma que se abria.

Clara, obstinada e pensativa, Sophie trilhara os caminhos da vida.Não se contentava com ideologias, políticas e senões. Tinha ela suas pró-prias razões.

E agora, ante o experimento primordial e final; ela pensava, pensa-va, mas o fulgor de sua razão era enfim vencido. As horas passavam (pas-savam) e o silêncio de Morfeu trocava sua obstinação pela falta de razão.Os sonhos começavam a povoar sua mente e em seu mundo entrou tran-qüilamente.

Ah, o mundo dos sonhos...

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“Renda-se como eu me rendi.Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei.

Pergunte, sem querer, a resposta, como estou perguntando.Não se preocupe em “entender”.

Viver ultrapassa todo o entendimento.”Clarice Lispector

Poema Narrativo de Rimas Toscamente Pobresem Alguns Parágrafos com uma Mensagem de Epígrafe

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Delírio onírico dos poetas, palco da visão dos profetas; palco davida que fulgura, com tal clamor e candura, que chega a comover o maisracional dos corações.

Sophie se viu criança a andar, tentando mistérios explicar, mas coma mente livre do pensamento e plena do encantamento; que é típico dascrianças, mas que é comum aos adultos abandonar na busca de seus mis-térios explanar.

Ela corria, vivia; mistérios desvendava, florescia; vivia e sonhava, sóisso bastava. Essa era a vida que tanto queria.

Então Sophie se viu pensando, estudando; a solução do mistériosonhando, procurando; buscando algo que há décadas descobrira.

Sophie acordou, encontrou, seus mistérios solucionou, se encon-trou; enfim entendera. Ganhara um entendimento mágico, que só tradu-zir-se-ia na serenidade de um sonho.

Estava a vida explanada, como causa solucionada que não carecia desolução. Sophie entendia, vivia; solenemente refletia. Sua vida mudava. Elavivia.

Lá fora, as estrelas ainda brilhavam e os mistérios oníricos se tra-duziam na beleza epifânica de um vaga-lume.

Alexandre Donizeti dos Reis Cintra – A – FMRP

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Decretou um silêncio estridente, que fez sua mãe chorar, seu paiperder a fé, os vizinhos chamarem polícia e médico e o síndico de seuprédio pedir para ele gritar.

Somente quem se calou sabe, que o sol nasce e não dura mais queum dia, depois da luz, surge à escuridão e aqueles que não acreditam emdeus, imploram para alguém lhe ninar, me ninar, menina.

O cessar de sua voz denuncia o desejo de quem não quer mais serímpar, denuncia o desejo de dividir sobre as batalhas ganhas, as aventurasenfrentadas e os caminhos que passou. E não importa as guerras e asfestas imensas, ou se na sala as rosas estão cheirando mal, tudo esta muitodistante, afinal tudo é super, as garotas são super, os dias são super, a vidaé superficial e não adianta se calar que a dor não passa.

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Glauco Fernando Ribeiro de Araújo – A – EERP“Sou um iniciante na atividade literária.”

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Foi numa festa de Santa Rita que eu pedi para você nascer. Tomeibanho de cheiro, cobri minha cara com pó e abri todos os trinta e doisdentes para o dia da ceia de santo. E rezei terços, quartos, quintos, todosos rosários, para o dia de você chegar. Pintei as unhas e deixei o laço defita para que me visses mais mulher. Guardei um verso rimado em papelde carta, com sete chaves. Aguardei tua chegada na estação como quemrecebe um trem de presente.

O amor tinha olhos puxados, a cara amarrada e um sotaque folga-do, como quem diz que vai à praia, todo vestido de preto. Eu deixei meusolhos verdes fechados, levantei a saia e abri as minhas pernas, em sinal dedevoção. Veio, se apossou, comeu pastel de vento, lambuzou-se de cafée de carinhos. Deixou pequenas mordidinhas na minha pele branca e umamúsica da Bethânia para eu decorar. Eu cirandava e te sentia em mim, talcomo um bater de asas.

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“Lá vai o trem com o menino.Lá vai a vida a girar.

Lá vai ciranda e destino.Cidade e noite a rodar.

Lá vai o trem sem destinopara vida nova encontrar.

Correndo vai pela serra,vai pela terra, vai pelo mar,

correndo entre estrelas ao luarno ar, no ar.”

Letra de Ferreira Gullar para Trenzinho do Caipira,de Heitor Villa-Lobos.

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E um dia, como tudo-nada é eterno, nem mesmo neste conto quelhe dito com voz frouxa, você baixou minhas pernas, fechou minha bocae disse: “Não é nada com você, mas...”. Virei bicho, rasguei peles, pêlos,plumas, pílulas e partituras. Cortei ladainhas, pulsos, cortei meu átrio es-querdo em cem mil pedacinhos para você juntar. Mas você não junta,Marcelo. A gente não se ajunta. Nem com promessa, nem com aqueleverso da Clarice. Nem com cola quente.

Daí virei mulher. Fui colar outros corações por aí. Mas quando ador me vem, eu choro. E viro menina. E quero teu colo. Que não vem.Que não vem. Que não vem. Que não vem. Que não vem. Que não vem.Pego no sono com a cantiga que faz tua ausência. E um trem me atravessa.

Fabio Scorsolini Comin – A – FFCRP“Participei de algumas antologias, entre elas os volumes10, 11 e 12 do Poeta de Gaveta. Escrevo porque uma

idéia me perturba e porque sempre amei as palavras.Palavras com gosto, com cheiro, com vida. E estas,

muitas vezes, me escapam. Aqui sou completo.”

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Deus me perdoepor amar de ato impensado,e religiosamente,um de teus fiéis.Algo de sagrado me habitae me torna seguidorde tua palavra mansa,esguia e sulferina.Separo as asas por entre as costelasindustrioso operário que soucomo um homem ama o outroassim, fiel à carne que cede.

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Crê, Moisés,na chama que ardee que aponta para teu peitofeito sarça que se desmanchasem se esgotar.

(salpica e não fagia)

Alumbra-te com a fagulhaque devora, inconstante,tal qual o desejoque mal sabeo caminho de volta.

(cerceia e não cedia)

Liberta meu povode cem mil homense reserva um espaçopara um único corposagrado e secreto.

(ateia e não sibila)

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A André Ricardo

“(...) e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia”.Livro do Êxodo, 3

“Me chama, me chama, me chama,Nem sempre se vê mágica no absurdo”

Lobão

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Amansa minha carnecom teu cajadoe me faz seguir-tefeito um cordeiro sedentocada vez que passas por mim.

(saboreia e não sadia)

Ama-me, religioso,sem vacilar,que eu sou sarça daninhae eu vou morrerde tanto brotar.

(sarceia e não sacia)

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Vinho raro desprezado.De longa data guardado na adega dos sonhos,Já não me embebedo.Devo estar sóbrio.Levemente quieto.Serenamente distante.Devaneando um estranho e raro silêncio.Pacificado? Domesticado!Soerguido das constantes avalanches da vida.Da incerta constância das cenas,Cansado do baile de máscaras.Macerado na alma, escondendo escaras.Antevendo futuros, revendo passados, estático no tempo de agora.Desfazendo escuros, refazendo muros, redefinindo fronteiras...Será que ainda é tempo?Será que há tempo?Sei sobre a poda da videira!Que não venha a uva costumeira de aparência bela, e de sumo azedo.Que nem vinho se faz com ela, não fermenta, apodrece!E levemente quieto, levedando o incerto...O que faço com tudo isto construído em beira de abismo?

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Talvez eu abra a janela.Que a luz do sol empurra desesperada.E queima como minha alma, na sombra da madrugada.Em que a lua, testemunha ocular da crua insanidade,Revela-me no que cala deste corpo que gela,Que a realidade que me resta, e tão-somente um momento

do falso de nós.Falseado pela minha vontade, de fazer por mim, o que você não fez,

e fazer por ti o que nunca fui capaz de deixar de fazer.Serenamente apagado,Já me vejo distante demais para ir, distante demais para voltar...e sob as linhas do poema, o poente de mim,

no ocaso de nós se confunde com a noite.

Ronie Charles Ferreira de Andrade – F – FFCRPPoeta, historiador, autor do livro “Vazantes da Alma”.

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Parece que não sou muito bom na disciplina carinho,querido aluno estrelar a vagar,

Parece também que meu beijocar não é tão gestante,é motejante, planto rés pranto.

Músculos e dor sem céu para compor,não sou mais o mesmo comigo mesmo.

Meu solitário passatempo é brincar com letrase suas intensas cores num lépido canto.

(E também, muito oportunamente, com as palavrasestampadas nas frestas, ah palavras!

Estas mutualísticas figuras são jardim onde despejo carinhocarim – desencanto encanto).

Crio e descrio, arranjo e desarranjo, leio e desleio,escrevo, rabisco, pinto, apago, rasgo

Compartilho e depois guardo para o sempre,para aquecer tanto quanto um espanto!

Ultimamente, tenho escrito coisas em que notouma patente palavra recorrente,

Uhmm... acho que deveria registrar esta palavra,é algo que sopra um acalanto.

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(...)“Nada pode o olvido

contra o sem sentidoapelo do Não”

Carlos Drummond de Andrade (1951)

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Faltava nas aulas de gramática, talvez seja um verbo,o professor carioca um samba,

Flutuante, impessoal, incessante, anômalo, predicativo,toante sem teto sem manto,

Nominativo, havia um motivo esplendoroso, recreativo,primeira pessoa sem verso,

Num ato único, devia ter prestigiado aos sismos o carioca,agora tenho um verbo santo.

Tutu com quiabo ficam para sexta, ainda tenhoque me recompreender pertuitamente:

Tiamar. Eu tiamo. Agora fica. Volto às estrofessem terminar e fico a tiamar tiamando.

Fellipe Miranda Leal – A – FMRP“Participei da última edição do Poeta de Gaveta(2005), além de outros prêmios e instalações.”

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Pela manhã,Do jornal da zona sulChega a notícia do mês:“Preso no interiorCasal seqüestradorDe espuma e estrelasApós plumas de brilhos e burburinhos”.

Pela tarde,O telejornal local anunciaA liberdade de mais um ex-condenado,E segundo o horticultorO antes preso confessa:— Vou roubar mais confete e sorvete!

E logo chega a noite,Crianças brincam no computador,Tentam acertar a circunferênciaSeus pais dizem austeramente:— Já é tarde, vão dormir...Afinal, noite é cousa de gente grande.

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Vento nas árvoresAs bolhas de sabão

Foram com as folhas.

Estrela Ruiz Leminski

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Lacuna sem vértice,Aresta de giz,Ligação sem réquiem,Determinante e raiz.

Pela escadaGoteja destoanteA mesma flutuante matriz.

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dedicado à Clarice Lispector

“Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.”Clarice Lispector

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Os cotovelos escoradosno parapeito da janela

esperam a serestaPorém pavores dependurados

no espelho cegotestemunham o fim da festa

A brisa desalinha os cabelose eriça a pele acetinadaEmbala a lassidão do diaa lavanda da tarde lavável

— os frutos amadurecendo ao solcom cheiro de urinol

A chama ávida cumpreseu ciclo de perpétuo cio

Espasmo do abismo— a borboleta examina

a mina do casuloe perde o medo do escuro

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Manoel Antônio dos Santos – D – FFCLRP

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Domingo de chuva atravessado pela notícia brutal. Encapotados, a confraria dos ditosmalditos — ou melhor, dos tidos como amigos —, rumamos para a despedida.

Agora, de onde ele nos fita na horizontal, é curioso observar o rosto opaco sem abarreira dos óculos. Com olhar zombeteiro, ele nos mira. O riso estacionado em um cantodos lábios.

Custo a respirar. Esse cheiro de cravo esmagado empesteando o ar compacto. Nuvensde mosquito subindo de águas mortas. Aflição no peito, náusea, bolha escura no estômago.

Tomou um tranqüilizante. Um não, um vidro inteiro. Para dormir. Reparo na rugosidadeda superfície da face perfeitamente escanhoada. Um corpo liso e escorreito, todavia semsubstância. Sem permanência. Só a ânsia do vazio bailando no bojo frio da carne.

Silhuetas ao redor do esquife celebram um pacto abjeto. Estivesse realmente aqui,daria um basta na lamúria, exporia as carpideiras ao ridículo. E desmontaria a impostura dacompaixão, denunciando a meia-verdade dos conluios fúnebres.

O pernóstico cunhado costura uma retórica reverberante que contrasta com seuspensamentos em vida, sempre singulares, quase sempre originais. Cada conto que escreveu,uma jóia de concisão, ovo portátil.

Ele permanece impassível saboreando o legume envenenado. Parece não achar o tomda reação. E eu temo que tenha habilmente escolhido esse momento para ressurgir comouma aparição, mais real e cruel do que nunca, desmentindo o ceticismo da audiência.

Posso identificar essa cena em obras precedentes de sua lavra criativa. A históriacontada sempre se esboçava com traços vagos, apoiada em um fiapo de enredo. Para ele, oque contava era o poder da sugestão, não situações intensas. Estar ali, furtivo, no própriofuneral, poderia ser mais uma de suas reiteradas obsessões, sua reserva final de ironia.

Não deixou testamento. Recém-liberto do cativeiro doméstico. Três ex-esposas, trêspensões vitalícias. E de um incômodo filho bastardo — o fruto espúrio era o segredo maisbem guardado da família. Escapou das multas de trânsito, do tratamento de dentes, do fardodos compromissos pendentes. Não deixou apontamentos para um novo romance. Tampoucoseguro de vida. Nem quando soube que a vida, seguramente, escorria pelo ralo.

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Fico tentado a tocar-lhe a nuca, na parte em que o sol não alcança. O torso do heróidespido da antiga vibração. A escolta dos quatro círios, como hirtas espadas, remos n’águaou aves de arribação. A verve de um criador que sabia esculpir a palavra até o ponto de içaro significado mais inaudito. Agora o sabemos -nós, que o choramos e purgamos seu remorso.

Paira como uma sombra, à maneira de mortalha. Planando em sua morte, ancorado nocentro da sala, velado pela penumbra. As asas encolhidas no casulo de pinho. O silêncio tãodenso que se pode cortar com uma faca.

Enfeitiçado à meia-luz, prestes a trespassar o túnel, a ponte, o limiar. Prestes a descobrirque não há nada lá. Borboleta grávida de espanto.

Enfeitiçado como nós, sujeitos ao esquecimento. Definitivamente provisórios.De repente o cheiro adocicado de jasmim invade a sala. Semente nua no canteiro. Senti

um arrepio. E as asas começaram a crescer.

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Viagem da carne nas intermitências da febre:dispara o coração demasiadoFaço exercícios de abismado

A gaiola narra ocorrência de vôose abriga o vento(penas brandas contra um céu de chumbo)Beijo uma idéia(enredos rarefeitos

rolam no abandono do meu desejo)A resposta do pássaro ensolaradoescorre pela foz dos dedos

Os passosainda errantes

na dança infinitado sangue

Minha herançade malogro

Algo que paira escoltadoentre o pássaro

eo

vôo

Como ficaram para trás:1) o sol na varanda

depostoem pétalas de breu

2) o fogo na pele da moçanuma estrada empoeiradade Curvelo

3) as marcas que fizcom os dentes no estriboao espiar a manhã escovar seus cabelos

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Aturdida na quase cegueirada tímida fala íntima

a língua permanece em repouso— dardo vivo debaixo do sol

o espanto do pássaroé assomo espesso como pedrapode-se cortar seu silêncio com facaantes de se atirar ao desnorteamento

O sol me amparariados demais insultos

O sol tem ossos pontudos— e o silêncio pétreo

tão sórdido e rasteiroatravessado pelo galope de crinascomo espada

consignadapelo canto afiado do galo cego

Uma-a-uma-a-uma-a-uma-a-umatrilha de formigas matutando teoremas

Vaga-lumes vagavagando em velocípedesmelodiando o cansaço do brejo

O coaxar de sapos sustémuma afinação sinfônica

até que a marcha dos insetose as setas inquietas das reses

prestes a parirembordem a aurora camaleônica

Escuta-me: daqui de onde divisoum país em convulsão(cadáver na vala comum da crise

em avançado estado dedecomposição)

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Daqui de onde avisto e avioa bula da demolição

não sou nenhum e ninguém(apenas eu e outro)ou se mais que palpávelna erosão da pele

que se interpenetra

No outro de mimque me premeditarenasço

E revogo disposições em contrário

Por favor, não bote reparo. É só um vícioque veio de trás, do través, do antanho

cacoete de anjo baldiocom farda de andrajo

e asas atadas com barbanteHerança do porte solene dos cães

de antesde anteontem

ladrões de madrugadadependurados em estrelas

ilesasno assomo de auroras frígidas

Em suma, o que se diz em mim(no através de meu ser)

é: volto em primeira pessoaVolto em primavera — verás:provisões

que se depuramde um coração renovado

Sei o que é estar vivodepois de morrer e ser árvore

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O ramo não produtivocrescimento excessivo no mundosomente o vegetativoeste é cortado bem fundo

A poda é agressivaprocura limpar por inteiroa parte que é nocivaao olhar do perfeito floreiro

Nasce então a rebrotaque da seiva busca podervinda da vida novaque do céu veio pra ser

Agora sadia e inteiraa vida eterna florescenaquele que na verdadeira videirabem ligado permanece

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Eduardo Francisquine Delgado - D – ESALQ“Não tenho publicações ou participação em eventos

literários, apenas escrevo como um exercício para almae tenho guardado meus pensamentos na gaveta.”

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Tirei uma rosa de minha cartolaPara dizer o quanto te amo.Pena que as rosas de CartolaNão falam...

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(..)“As rosas não falam

Simplesmente as rosas exalamO perfume que roubam de ti, ai...”

Cartola

Edmir Ravazzi Franco Ramos – Pós-graduando – IFSC

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Meus versos mostram minha face rara.Escrevo poemas para me esconder,Ocultar coisas que deveria fazer,São o meu refúgio, minha máscara.

Meu verdadeiro ego, desconheço,Ele aparece e desaparece de repente,Em noites de inspiração, na mente,Em minutos sou eu, depois pereço.

É na minha poesia que eu me defino,Nela me equilibro entre a lucidez e o desatinoQuando o real é deserto, solo seco e sol a pino,Eu saio de cena, escrevo um poema e reanimo.

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Michel Renato Manzolli Ballestero – A – ICMC

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Apesar do subespaço vetorialDa imensidão do seu olharConvergir a mim,De nossa intersecçãoTender ao infinito,Nossa união será sempreO conjunto vazio.

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POETA DE GAVETA

Inscrições realizadas no período de 8 a 31 de maio de 2006.Total de 60 inscritos com 138 trabalhos:

• Piracicaba – 13 inscritos > 29 trabalhos• Pirassununga – 2 inscritos > 06 trabalhos

• Ribeirão Preto – 40 inscritos > 90 trabalhos• São Carlos – 5 inscritos > 13 trabalhos

POETA DE GAVETA é uma publicação de poemas, contos e crônicasde alunos, funcionários e docentes dos campi da USP,

editada pela Seção de Atividades Culturais da Prefeiturado Campus Administrativo de Ribeirão Preto – USP.

Os textos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.

POETA DE GAVETA • Volume 13 / 2006

ISSN 1516-0513

Impresso em novembro de 2006. Tiragem: 2000 exemplares.Distribuição gratuita. PROIBIDA A REPRODUÇÃO.

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