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OFÍCIO DE POETA Sonetos de Esio Antonio Pezzato 2007

OFÍCIO DE POETA

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OFÍCIO DE POETA

Sonetos de Esio Antonio Pezzato

2007

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Pequeno comentário

Há quarenta anos, desde 1967, me fiz andarilho...Primeiramente do Verso. Depois, me fiz andarilhode estrada mesmo. Em 1997 celebrei o feitopublicando Romaria. Então tais trajetóriascompletavam 30 anos.

Agora em 2007, tais ciclos chegam a 40ininterruptos anos. Os versos continuam a sair.Agora mais maduros. Tornei-me crítico feroz emordaz de mim mesmo. As caminhadas naspassadas com o Pedrão – já começam a antever ofim, mas quem dera ainda durem alguns lustrosmais... Quem dera...

Fui abolindo de vez da minha poética os versoslivres. Fui preferindo os velhos decassílabos ealexandrinos, a velha métrica aos versos brancos elivres. No Ofício do Silêncio foram 161 sonetos.Agora neste novo Livro OFÍCIO DE POETA, sãoquase duzentos deles. Aqui me tornei um poucomais aberto. Aos velhos sonetos decassílabos ealexandrinos, inseri um soneto monossilábico e

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ainda abusei outro tanto: publico um Soneto Inglês,outros sonetos com dois finais possíveis, oEstrambótico e um soneto com esquema rimáriodiferente do que reza a tradição multissecular. Deresto mesmo a velha forma de sempre.

Fui colhendo os versos espalhados entre tantosoutros que escrevi. Como pouco ou quase nadatenho guardado dos últimos vinte anos depublicação, e com certeza são algumas centenasdeles.Com tantos juntos deverei chegar à Piraporade todas as Poesias!

Assim espero no futuro. Por ora este meu novoLivro de versos com uma ressalva: cada rimacolhida foi um passo a mais nesta longacaminhada. Eis, portanto, os versos de umAndarilho...

Esio Antonio Pezzato

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Autobiografía

O menino sonhava que sonhavaUm dia ser chamado de poeta.Sendo sua vontade, sua escrava,Com letras foi moldando sua meta.

Num dos versos a métrica saltava,Não achava a medida mais correta.Depois aos decassílabos tentavaE o verso parecia-lhe uma seta.

Estudou e estudou a vida inteira,Compôs versos e versos, de maneiraQue sentiu a alegria mais completa.

Hoje, o menino vive na alegria,Acabou de compor esta PoesiaE é por todos, chamado de Poeta.

21.07.2005

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Soneto da Morte

(Para o meu amigo Dr. Alex Alves)

Para onde vai a Vida quando a Morte,– Sorrateira e fatal, – num passo invadeO nosso Sonho de felicidadeNão deixando ninguém que nos conforte?

É muito azar ter essa ingrata sorteMuito embora a ninguém no mundo agrade,Mas ela veio com perversidade,Mostrando à Vida o quanto tem de forte!

Sem ruído chega. Com seu passo mansoAquieta o coração e deixa frioO sonho de um futuro sem aurora...

Lembra um lago com ondas no remanso:Embaça o olhar que fita o amplo vazio,Planta a ausência e em silêncio vai embora...

29.04.2005

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Rumo a esmo

Uma lua de imensa primaveraFloriu e perfumou meu céu de agosto.E iluminado então ficou meu rosto,Que dentre muros reflori-me em hera.

Agora não há mais tempo de espera.Das flores – pétalas mastigo a gosto.Engulo cores rubras de um sol posto,Buscando achar encantos na tapera.

Tantos dentro de mim, me vejo agora,E vou seguindo por um rumo a esmoPondo sementes pelo espaço afora.

E nessa diversão eu me ensimesmo.Longo passado foi de mim embora,E único sendo já não sou eu mesmo.

28.11.2003

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Elogio funesto

Vivemos a contar nossas históriasE somos sempre o artista principal.Nelas vencemos grandes trajetóriasCom enredo perfeito e magistral.

Cavamos fundo, pálidas memórias,E em lutas contribuímos contra o mal.Querendo para nós todas as glórias,– Fato este corriqueiro e até banal.

Somos Protagonistas de chanchadas.Sempre descarregamos num patetaA nossa fúria cômica a patadas...

E ainda queremos ter, por recompensa,Nossos feitos nos versos de um poeta,Nossas vitórias em nefasta crença...

10.10.2002

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Saudade

Meu coração recorda ainda em sonhoO tempo das cantigas infantis.Quando tudo era belo, era risonho,E em êxtase eu vivia mais feliz.

Hoje que o tempo em embalar medonhoDa amargura plantou-me a cicatriz,Aos ecos do passado ouvidos ponhoQuando dos versos era um aprendiz.

As cirandas ficaram esquecidas,Os cantos são apenas ilusõesDaquelas noites líricas, floridas...

E ao recordá-las quantas sensações:As esperanças brotam coloridasE o coração se embala em tais canções.

29.08.2003

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Soneto das trevas

O delírio da treva me revelaCobras, lagartos, escorpiões e aranhas,Uivos de cães em vibrações estranhas,Mórbido medo ao qual meu ser se atrela.

Um pirilampo ao longe a noite vela.Porém, sinto arrepios nas entranhas...Tento fazer com o céu minhas barganhas,Mas o frio da noite me enregela.

Ouço os pios soturnos das corujas.Os sapos coaxam num desvão de brejo,E uma cobra rasteja junto ao muro.

Olhos! Por que nas noites te enferrujas,E, não consegues ver um só lampejo,Para na vida eu não ficar no escuro?

27.12.2002

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Alegria fugidia

O sorriso que molda este meu rostoJá foi um dia franco e mais aberto.Não trazia o desdém oblongo e incertoNem tamanha algidez de frio agosto.

Hoje cansado, amargo, decomposto,Mostra rugas se olhado mais de perto.Traz o ressequimento do desertoE um profundo e sarcástico desgosto.

Esse meu riso insípido, vazio,Ao invés de calor provoca frioNum profano desdém negro e sem fim.

Todos vão, na vanguarda da Esperança,Porém meu riso é a pálida lembrança,De uma alegria que fugiu de mim.

14.01.2004

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Abandonado

Ausente dos meus sonhos e desejosEis que palmilho só na longa estrada.Mais longa por ter a alma abandonada,E não ter teus abraços e teus beijos.

Sou estrangeiro nesta caminhada!E do prazer sequer tenho lampejos!É o cortejo mais triste dos cortejosPara quem vai com a alma espedaçada.

Se eu conseguisse descobrir a ciênciaDe transpor mundos e seguir em frente,E poder dominar toda a emoção...

O que mais dói não é a tua ausência,Mas é tua presença permanenteApenas dentro do meu coração.

28.06.2004

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Soneto técnico(para o Lino Vitti)

Quando crio meus versos sempre buscoDecassílabas formas de escrevê-los.Nas heróicas cesuras me chamuscoTentando não me ater em pesadelos.

E os versos vão saindo dos novelosCheios de inspiração... Com jeito bruscoProcuro decifrá-los, entendê-los,Com seus brilhos, porém – o mundo ofusco.

Às vezes, duplamente cesuradoO verso corre solto na cadência,Por outras vezes, sem querer, e o verso

Torna-se sáfico, mas não errado...E ao perceber que o verso é mais que ciência,Tento apenas achá-lo no Universo.

24.04.2002

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Dúvida

O pensamento em febre é uma montanha:Na coragem precisa ser transposta!Se a solidão do instante me acompanha,À pergunta é impossível ter resposta.

A dúvida cruel a alma me arranhaE a crença é verdadeira em tal aposta.Na dívida jamais se faz barganha,Não se leva o impossível sobre a costa.

Vencer o medo é dúvida constante.Num eco sem retorno vibra a vozQue num refrão me manda à frente! Adiante!

Contra o ímpeto é impossível ser feroz.Em fogo o coração se faz amante,E do delírio desentrança os nós.

06.06.2004

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Medo e barganha

Velho vento voraz e vagabundo,Que destelhas meus sonhos tão floridosE ao relento me deixas neste mundoDentro de meus sofreres tão sentidos;

Assobios, funéreos sustenidos,Em teu gemer tristonho e tão profundo,Réquiem feito em delírios já perdidos,Onde, entre angústias – meu viver afundo...

Sou árvore! Decepas minhas ramas.Sou poesia! Revolves-me as entranhas!Sou água! Em ondas lúgubres me envolves.

Com teu soar funesto é que me chamas,Entre notas de medo e entre barganhas,Levas meus sonhos e não mos devolves.

27.12.2002

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Segredos dos versos

Procuro, no concreto da cadência,Decifrar os enigmas e os segredosDos versos que componho com freqüência,Contando em transe, as sílabas nos dedos.

A metrificação é uma seqüênciaQue tamborila sons cheia de medos.Corre a cesura em danças e folguedos,Sem sequer darmos conta de tal ciência.

Decassílabos ou alexandrinos!Versos heróicos, sáficos, martelos,Ou mesmo duplamente cesurados.

Mistérios que convergem os destinos!Perfeitos tornam-se formosos, belos,Num altar dever ser glorificados!

28.03.2003

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Flores da saudade

Quero plantar ao longo dos canteirosSementes das espécies mais variadas,Para deixar as noites perfumadasE todos os meus sonhos prisioneiros.

Plantar as esperanças encontradas.Dos canários seus cantos seresteiros.Os meus sonhos azuis e verdadeiros,Minhas insônias, minhas madrugadas.

Plantar a tua ausência tão sentida,Que levo na sem-fim eternidadeE invade a solidão da minha vida.

Porém, na minha louca insanidade,Só consegui, com a alma entristecida,Fazer brotar as flores da saudade.

18.05.2004

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Soneto de Natal I

Natal! Na terra há um hino de alegriaAnunciando a chegada de Jesus.Em Belém, uma pobre estrebaria,Envolve-se no brilho que seduz.

Tudo vibra de encanto e de harmonia,A salvação do mundo jorra a flux.Humilde serva – a celestial Maria! –Sabe que a um Deus Divino deu a luz.

Num instante o Menino aflito chora,E, Maria nos braços, sem demora,Acolhe-O com carinho divinal.

Dá-Lhe o peito e, nos braços ela O aquece.Logo após em silêncio Ele adormeceInocente no colo maternal.

16.11.2004

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Soneto de Natal II

Na mais humilde e pobre estrebariaO menino Jesus ergue os bracinhos.Aflita e inexperiente, eis que Maria,O acolhe nos seus braços com carinhos.

Jesus chora mais alto... A noite é fria.Ele e seus pais na noite estão sozinhos.Um galo canta na amplidão vazia.A um passo a neve cai pelos caminhos.

– “ Meu amado José, o que precisoFazer para o Menino não chorar?”E José, com a voz do paraíso:

– “ Maria, minha esposa, o Deus-meninoEmbora sendo Deus é pequeninoE está com fome. Dê-Lhe de mamar!”

22.11.2004

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País do Sonho

Se é loucura sonhar, é bendita a loucuraQue à minha mente traz o delírio do sonho.Nele, em frêmitos viajo ao país da aventura,Onde posso trilhar um caminho risonho.

No sonho que idealizo a esperança é mais pura,E meus passos, febril, na caminhada ponho.Não há dias sem sol, e nem há noite escura:Tudo brilha e tem cor – no próprio sonho – sonho!

Nele te encontro em mim, e ambos somos capazesDe viver o prazer que em segredos sonhamosNum país do deserto em abismo de oásis.

Dentro deste país, Senhor da Eternidade,Posso pomos colher dentre dourados ramos,Como exigir de ti toda a minha Vontade.

12.07.2004

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Incapacidade

Se somos nós o amor que existe em nósPor que vivemos ardilando tramas,Em tragédias, comédias, falsos dramas,Amarrando ilusões em falsos nós?

Ocultamos no peito a própria vozE acendemos na Vida falsas chamas.Se o verbo é um só, e eu te amo e se tu me amas,Por que esse desespero tão atroz?

O eco repete sempre o fim das frases,Mas para o amor nós somos incapazesE assim vivo sem ti, vives sem mim.

E toda a história que sonhamos juntosFará de nós misérrimos defuntos,Numa história de amor que teve fim.

02.09.2003

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Crença banal

Eu acredito que a felicidadeNas coisas muito simples, ela mora.Estar feliz cheira à banalidade,E estar feliz não tem razão nem hora.

E ela arrebenta da tristeza a grade,Que de alegria mesmo o peito chora.Estar feliz beira à casualidade,E estar feliz é bom estar no agora.

E estou feliz agora, por exemplo!Uma notícia construiu o TemploOnde canto em enorme alacridade.

E estou feliz, muito feliz... Quem deraEsse instante de azúlea primavera,Ser sublime na minha eternidade.

29.03.2004

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Instinto

Se esta vida é de fato uma baladaDentro de seu refrão imaginário,Eu me transformo ao longo da jornadaPara fazer justiça ao meu salário.

Posso, é claro, cantar na madrugada,Por instinto mudar o itinerário.Também mostrar ter alma apaixonadaE soltar longos trinos de canário.

Posso tudo fazer preso à vontade.Se às vezes no silêncio me apareço,Busco ocultar a minha identidade.

No anonimato a vista ao longe alargo,Mas se para cantar existe um preço,O meu canto se torna duro e amargo.

17.05.2004

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Semeadura variada

Passei a semear sementes de saudadeDesde que tua ausência em minh’alma alojou-se.E aquele tempo bom, de alegria tão doce,Pôs em meu coração da angústia a férrea grade.

Se o passado voltasse e florido me fosse,Eu cantara feliz em terna suavidade.No presente, porém, brota amarga maldade,E sinto meu viver ardendo em tredo alcouce.

Pudesse eu plantaria as mais variadas flores,Para multiplicar meu caminho de cores,Para poder viver meus dias mais felizes.

Porém, dentro de mim brotam os pesadelos,A angústia vai tecendo intrínsecos novelos,E não posso curar tão negras cicatrizes.

17.05.2004

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Companhia

Se parece loucura a insanidade,A decisão tomada foi correta.O não jamais se diz para um PoetaQuando ele canta em rimas – a verdade.

A forma de atendê-lo é a mais completaPara que possa haver felicidade.Ocultá-la é ferir a liberdade,É encher de curvas uma linha reta.

Se dois pontos de luz estão distantes,Um não consegue ao outro ater-se ao brilho.Separados não podem ser amantes.

Mas se juntos cruzarem os caminhos,E seguirem do amor o mesmo trilho,Dois corações jamais irão sozinhos.

06.06.2004

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Percepção

No início a sensação é tanto estranha,Não se consegue, não, lidar com isso.Pesa no peito colossal montanha!Fica-se devaneando no serviço...

Dorme esquecido velho compromisso,Uma tocha de fogo arde na entranha!A vida vibra em forte reboliço,Na noite o pensamento faz campanha.

A palavra aparece poderosa,Há uma explosão de dínamos profundos,No jardim desabrocha rubra rosa.

No momento um farol brilha e projetaDentro do coração imensos mundos.Nesse instante maior – nasce o Poeta!

18.03.2002

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Sonâmbulo

Este meu coração que sonha tanto,Por certo há de morrer por tanto sonho,E a cada sonho invento um novo cantoNa ânsia de caminhar sempre risonho.

Em cada um deles busco um novo encantoE, com firmeza, os pés confiante ponho.Cada sonho me cobre com seu manto,Feliz nesta clausura penso e sonho.

Mas acordo... Profana é a realidade:Subitamente tudo é atroz miragem,Fantasia cruel que em transe vivo.

E cada vez mais cheio de saudadeBusco encontrar no sonho a mesma imagemQue tanto o coração deixa cativo.

14.04.2002

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Solidão de Poetisa

– Eras tu o Poeta... E eu era tão-somenteAquela que te ouvia os versos que compunhas.Hoje, porém, partiste e tristonha e demente,Com esta solidão vivo roendo as unhas.

Eras tu o Poeta... E puseste a sementeDentro do meu viver do amor que não supunhas...E este amor eu vivi escandalosamente;– As flores do jardim são minhas testemunhas! –

Eu, atenta te ouvia os versos rendilhados...Redondilhas azuis, baladas e sonetos,Rimas da cor do sol, cantos apaixonados...

Hoje, sozinha estou, a solidão me avisa.De tudo o que cantaste eu recolho os gravetos,Mas não sei escrever... Eu não sou Poetisa...

23.10.2003Porto de Galinhas, PE

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Solidão

Essa vontade de não ter vontadeA angústia e o tédio fervem junto à mente,Desânimo total e persistenteO pensamento preso em férrea grade.

Olhar perdido equidistantemente,E essa falta constante de ansiedade.Vago e perdido olhar, simples saudade,Que apodrece e não passa de semente.

Frio, calor, pancadas, densa estiagem,Uma vontade absurda de estar sóNo deserto fugir-se da miragem.

Antecipar o fim e não ter medo,Solitário partir com meu segredo,Deixando sobre a estrada a angústia e o pó.

17.02.2004

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Eterno elixir

Às vezes tento pôr no verso que fabricoGotas d’ouro de mel de inspiradas abelhas.E quanto mais escrevo eu me torno mais rico,Que as palavras são luz brilhando iguais centelhas.

O verso é minha capa e as estrofes são telhasQue protegem meu sono em locais onde fico.As palavras reúno em rebanhos de ovelhas,E com elas me aqueço e a Deus me glorifico!

Meu verso é puro, é claro, e é sonoro, e percebo,Que se transforma em água e é doce e é cristalino,Meu eterno elixir quando na fonte o bebo.

Bem mais que minha vida é o verso que ora teço,Porque com ele em mim desvendo o meu destino,E a quem eu quero bem, com amor o ofereço.

21.05.2002

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Medo

Da vida, ao me sentir ameaçado,Eu me fecho num círculo perfeito.Assim desta maneira enclausurado,Às intempéries sinto-me insujeito.

Sem rebarbas que possa ser tocado,Oculto o coração dentro do peito.Desta forma não posso ser domado,A ataques de surpresa – vivo afeito.

Por isso às agressões estou imune,Ao mundo ingrato sempre saio ilesoE a palavra de fogo não me pune.

Dou a volta ao redor de cada engodo,Dos desejos que tenho sei-me preso,E das minhas verdades sou um Todo.

21.05.2002

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Caminhos e caminhos

Caminhos e caminhos e caminhos.E eu aqui – frente a rumos a seguir...Tantos passam por mim e vão sozinhos,Que me atrevo a ir buscar o meu porvir.

Ouço além esfuziantes burburinhos:São crianças que chegam a sorrir...Todas elas cantando a voz dos ninhos,– Impossível que possam me trair!

Apresso o passo e vou no rumo delas:Todas com lindos sonhos, tagarelas,Esperanças nas mãos... e lá vou eu...

Mas ao chegar de vez junto às crianças,Percebo atrás de mim as esperanças,E contemplo um passado... que morreu...

05.11.1996

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No silêncio

No silêncio da minha solidãoEm vão procuro achar tua presença.Nessa angústia minh’alma se condensaNão acho lenitivo ao coração.

Murmuro a mais tristíssima cançãoBuscando as rimas de esquecida crença.Porém, no peito a dor é tão intensa,Que à voz do canto fico sem razão.

Em labirintos de tristezas erro...Num cárcere moldado a angústia e a ferroPerpétua é a pena por saber-me só.

Sem ar, sem luz, sem fé, vago nas trevas...Só tu, sofrida vida, é que me levas,Para o deserto de tristeza e pó.

20.10.200400:10h.

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Abandono

Foste a ilusão de um sonho simplesmente...Um sonho que ruiu em tempestade.Que transformou esperas em saudade,Apodrecendo ainda na semente.

Foste um sonho feroz, cruel, latente,Que do castigo fez a suavidade.E que à alma escrava trouxe a liberdade,Trazendo ao frio o referver mais quente.

Foste o Nada podendo ser o Tudo,Tétrica noite a recobrir o dia,Para o Poeta trouxe o canto mudo.

Abandonado neste imenso porto,Morre-me o Verso, morre-me a Poesia,E mesmo vivo sei que sou um morto.

21.10.2004

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Sonhos de ilusão

Se existiu no passado ardente fantasia,Neste presente vibra a dor, paira o abandono.Dias atrás um sol de verão que fulgia,Agora a solidão de um sepulcral outono.

Para ti dediquei versos numa poesia;Primavera – sonhei na languidez do sono.Hoje a noite que chega é letárgica e fria,E sei que já não sou da tua mente – o dono.

Esquiva tu fugiste e me escondeste o rosto,E eu – inverno glacial – sem trono e sem cajado,Sou Senhor da Ilusão não impondo respeito.

Mordo o sonho e o sabor de amargo e ácido gostoDesta batalha atroz me mostra derrotado,E a lança desta Dor penetra no meu peito.

23.03.2004

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Perfeição

À cadência do Verso mais perfeitoEis que busco viver meu duro ofício.E me ponho no altar do sacrifícioPara jamais compô-lo com defeito.

Ao cruel desafio estou afeito.Chega-me a inspiração como um bulício.Cada verso é um efêmero exercícioQue o Poeta procura satisfeito.

Mas assim que o poema está composto,Tira, o Poeta, as bagas de seu rostoE esquece a inspiração daquele instante.

Fica esquecido o verso na gaveta,E ele parte buscando delirante,Outra rima esquecida numa greta.

28.08.2003

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Submissa

Eu te ofereço além dessa paixão extremaA ânsia de dominar desejos e verdades.Depois te conduzir à glória mais suprema,Fazer-te sucumbir frente as minhas vontades.

Eu te ofereço mais... A mais preciosa gemaQue existe na palavra e prende em férreas grades.Te ofereço grilhões e cristalino estemaFeito de etéreos nós, feito de insanidades.

Te ofereço o poder da submissão completa,Tu sendo Musa-escrava, eu sendo o teu Poeta,Para te contemplar na prisão do meu verso.

E estarás por prazer presa em tão ferrenho elo,Que jamais poderás fugir deste casteloOnde o Poeta-rei será teu Universo!

15.03.2006

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Comparações

Inspiro-me em Marília de DirceuE vou ao campo, minha doce amada.Se teu amor um dia não for meu,A Moçambique irei de alma penada.

Mas podes ser Julieta, e eu, teu Romeu,Lânguida, te verei numa sacada.Sabes, porém, que foi que aconteceu,A este casal com alma apaixonada?

Também podes, amor, ser Beatriz,E posso ser teu florentino DanteMas que tragédia... ele não foi feliz.

Sendo eu mesmo contudo, meu amor,Tenho n’alma essa angústia anavalhante,Por tua ausência vivo imerso em dor.

15.01.2004

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Apenas sonhos

Todos os sonhos são apenas sonhosPovoando nossas imaginações.Uns trazem seus vergéis amplos, risonhos,E causam indeléveis sensações.

Outros opacos, túrgidos, medonhos,Causam as mais horríveis decepções.Deixam nosso viver pasmos, tristonhos,Apegados a tolas orações.

Às vezes são castelos assombrados,Vales, abismos, traumas, assassinos,E momentos de dor desesperados.

Chegam das formas mais extravagantes,E parecem mudar nossos destinosE ferir-nos de modos contagiantes.

07.10.2001

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Letargia

O pensamento vaga em devaneio.Penso alhures, porém, em nada penso.Letargia total, falta de anseio,Idéias esfumadas por incenso.

Em tudo a solidão é um lago imenso.A vontade é menor do que o receio.O verbo na palavra fica tenso,A verdade e a mentira estão no meio.

Penso falar e continuo mudo.Existe um nada que preenche tudo.Olho-me e não me vejo em tal instante.

Não sei para onde vou, nem de onde venho.Sombrio olhar em meu olhar mantenho.Perto de tudo sinto estar distante.

15.05.2004

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Voragem

Se tanto te amo e tanto te desejoE trago ao coração essa loucuraSe teu corpo é loucura para o beijoNa razão mais sagrada e na mais pura

Emoção de viver essa aventuraA minha voz nos timbres de um arpejoQuer de beijos fazer a semeaduraPara colher depois num terno ensejo

Os frutos mais sagrados e mais docesDessa posse carnal que me alucinaO coração pois se mais santa fosses

Iria profanar a tua imagemPois o desejo atroz me determinaA desfrutar teu corpo com voragem.

28.08.2003

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Escravo da Poesia

Preciso que a Poesia me abasteçaDe raios de luar, harpas e sinos.Dos sonhos dos meus sonhos tão meninos,Antes que a noite rígida aconteça.

Preciso que a Poesia-amor me aqueçaCom sons suaves, ternos, argentinos.E que eu possa antever os meus destinosAntes que a primavera refloresça.

Preciso que a Poesia ande em atalhos,Onde as flores miúdas e esquecidasTeçam mantas de líricos retalhos.

Preciso que a Poesia em mil cantigasPerfume com carinho as nossas vidas,E alegre nossas almas tão amigas.

23.06.2004

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Tétrico cenário(para Cesário Verde)

No estéril chão hei de plantar orquídeasPara a Vida brotar de tanta morte.Pois o homem – tenebroso e odiento Fídias! –Talhou a guerra em sua insana sorte.

No desejo profano das insídiasO homem tudo matou de sul ao norte.Vidas, vidas! Em transe o homem agride-asE não existem sonhos que as conforte.

É tétrico o cenário disso tudo,Até meu verso num soluço mudoTenta gritar, após tanta barbárie.

Porém, a voz estrebuchando em fúria,Só canta a injúria após tamanha injúria,Por ver no solo tão horrível cárie.

25.06.2003

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Antagonismo

Se bem podemos nós, viver felizes,Com o sorriso a estampar-se em nosso rosto,Por que ansiamos viver dias de agostoTrazendo em nosso olhar mágoas e crises?

A vida está coberta de matizes:Um arco-íris no céu, a nosso gosto,Um amor a viver no peito posto,E sinos badalando nas matrizes...

Vamos na contramão de nosso enredo,Ao doce procuramos ter o azedo,À alegria a tristeza nós buscamos.

E ao fim do longo dia de trabalho,À estrada azul – um sinuoso atalho,É uma coroa de espinhosos ramos.

14.05.2003

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Abrir a porta

Necessário, talvez, abrir a porta,Para o sonho tornar-se realidade.E o martírio deixar, qual coisa morta,Na esquina escura e oculta da cidade.

Antes a estrada sinuosa e tortaAgora vibra o sol da suavidade.Existes. E no canto a alma se exorta.Bastas-me. Quero a azul felicidade.

Estás dentro de mim mesmo distante,Teu nome é-me canção que agora cantoTua presença em mim se faz constante.

Quero-te para ser feliz agora.Se tanto te esperei e tanto, e tanto,Nunca mais, nunca mais, irás embora.

27.05.2003

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Frente ao grito

Preciso recompor o pensamentoAntes que a insanidade torpe o invada.Tirar o nó do próximo momentoE encher de luzes minha madrugada.

Depois folhas colher ao vir do ventoE colocar os passos na ampla estrada.Desencadear o próprio movimentoE frente ao grito a voz deixar calada.

O pensamento invade a madrugada,Na estrada o vento gira em movimentoE no momento a voz torna calada.

Misturo após palavras repetidas,E se a lei for contrária ao mandamento,À própria vida pedirei mais vidas.

19.03.2002

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Em meu silêncio

O teu silêncio grita, de maneiraQue posso ouvi-lo a séculos distante.Dele, minh’alma fica prisioneira,Meu espírito fica agonizante.

Teu silêncio ao meu corpo traz canseiraNo abandono letárgico e constante.Eu fico recordando a vez primeiraQue falaste de amor de forma ebriante.

Mas hoje teu silêncio invade tudo...E sorrateiramente vivo mudoGritando salmos, mas a angústia é tanta,

Que no martírio caio-me de bruços.Em meu silêncio solto mil soluços,Sufocando meus gritos na garganta.

25.03.2004

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Musa bailarina

Poeta – perambulo pela rua,Buscando minha Musa bailarina,Que há de surgir-me em luz clara, opalina,Envolta em gazes linda, etérea e nua.

E ao vê-la, langorosa e loura a lua,Hei de em meus braços ter esta menina:E seu olhar que em êxtase ilumina,Irá clarear minh’alma que tressua.

Tendo-a em meu colo iremos para casaE a ela darei meu coração em brasaPara dela, fazer o que quiser.

E abrindo-me seus braços num carinho,Dirá esquecida nesse etéreo ninho:“ – Sou tua Musa, faças-me Mulher!”

05.07.2004

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Tecendo o silêncio

Tanto já te busquei num labirinto,Tanto tentei moldar-te no laringe,Mas teu segredo – silenciosa Esfinge! –Tornou-me verde e amargo como o absinto.

No pensamento minha voz te cingeE tento ser cruel por puro instinto.Para fazer o mal – bem não me sinto,E meu profano olhar não te constringe.

Desvario cruel da minha mente.Teço o silêncio convulsivamente,Agarro o sonho e não me prendo a nada.

Urdo as tramas com a hóstia purpurina,Sangro-me em sol na tarde que declina,E tanjo estrelas pela madrugada.

21.10.2004

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(Entre parêntesis)

Tanjo a lira, urdo o som, ascendo o pensamento,Vibro cordas em mim, teço milhões de tramas,À pauta musical eu me pego violento,(Eu te amo, meu amor... oh meu amor, tu meamas?)

Uso cores febris, pincéis à tela tento,Desespero cruel, paisagens são meus dramas.No campo aberto sou vencido pelo vento.(Tu me chamas, amor. Meu amor tu me chamas?)

Sinto parte de mim às partes da loucura,Procuro decifrar o enigma da Ventura.(Onde estás, meu amor, por que demoras tanto?)

Teço o silêncio, só. Noite de eternidade.Um passado sem fim envolto de saudade.(Tu cantas, meu amor... ou é ilusão o canto?)

21.10.2004

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Homens de Deus

Somos homens de Deus, somos por certoPoeira cósmica advinda do Universo.Grão de areia perdida no deserto,De modo frio, insípido, diverso.

Somos homens de Deus, de peito abertoMeu coração nas mãos carrego imerso.Ao seu sopro, porém, vivo desperto,De pensamento livre, amplo e disperso.

Somos homens de Deus, filho perdidoAo longo dessa estrada tão distanteQue vai e vem num valsejar do vento.

Somos homens de Deus, de olhar ferido,De tanta fé o meu viver é errante,Que nem pressinto o próximo momento.

06.01.2005

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Ciclo

Sem destino caminho sem destinoNum caminhar frenético e constante.Cada vez mais de mim vejo distanteOs meus dourados sonhos de menino.

Com passos firmes vou seguindo avantePorém, dentro de mim badala um sino.Enquanto o rubro sol cintila a pino,Me distancio do Oriente ebriante.

A tarde vem chegando lentamente,O sol segue o caminho do poenteE traz a noite breve e breve em mim.

Meus sonhos de ontem morrem sem futuro,À claridade exsurge eterno escuro,E a passos lerdos sigo para o fim.

12.01.2005

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Ervas rasteiras

Meu verso é simples. Como ervas rasteirasBrota em terrenos e grotões baldios,Não tem o porte altivo das paineiras,São insípidos, tristes e vazios.

Não lembra árvores fortes, altaneiras,Mas aguapés que correm pelos rios,No máximo são tenras trepadeiras,Que sobem postes alcançando os fios...

Suas rimas também são simples, pobres,Não lembram colossais castelos nobres,Ou brilhantes vestidos de cetim.

Mesmo assim são meus versos, meus somente,E mesmo pobres trazem a sementeDe um sonho lindo que jamais tem fim.

21.01.2005

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Romance

Como posso entender-me nesta vidaSe a incompreensão divide meus sensores?Há uma imagem na tela repartidaEntre cacos de poeira e frias cores.

O pensamento ruge nesta lidaComo o ronco de intrépidos motores.Há uma porta de entrada e de saída,Um jardim metafísico e sem flores.

A idéia brota, cresce e se avoluma,Uma ilusão transmuda-se em capítulosE não há como tudo se resuma.

Abro os olhos e a mente se ensimesma...A vida é um livro com milhões de títulos,E cada história é a mesma e sempre a mesma...

23.01.2005

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Sonho simples

Me interpreto nos versos que componhoMas dentro das estrofes eu me escondo.– Da realidade teço um simples sonho,Do silêncio provoco um grande estrondo.

Mostro-me nu nos dias que me exponhoE me enclausuro quando o êxtase rondo.Ponho fel nas carícias meigas, ponhoOlhar de lince em tudo o quanto sondo.

Oculto-me em verdades, me desvendoEm artimanhas que se contradizem,Tramo clausuras, fecho-me em remendo.

Com pau a pique engendro a rima e a teço.Antes que as pústulas se cicatrizem,No silêncio total de tudo esqueço.

23.01.2005

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Sonâmbulo

No silêncio da noite te procuroE entre sombras de luzes me apareces.Procuro te buscar no quarto escuroNas valsas das cortinas te esmaeces...

A fantasma notívago pareces:Brilhas, porém, em luz no meu futuro.Com meus lábios envio algumas precesPara te oferecer um sonho puro.

Ouço-te a voz que entre silêncio fala,E teu aroma essência rara exalaE perfuma o ambiente em toda a essência.

Súbito acordo e ao sonho deste sonoEu me percebo só neste abandonoAbraçado com tua densa ausência.

19.08.2004

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Doces versos

Quando a saudade bate no meu peito,Crio versos em forma de cantiga.As Estrofes tomando um terno jeitoO coração em doce enleio abriga.

A poesia é-me sempre airosa amigaEm todo o tempo já que a tenho feito.É brisa da manhã – jamais me intriga! –Raio de sol que faz sublime efeito.

Por isso, em doces versos me retenho,Com o que ele me dá me satisfaço.Sou feliz até mesmo na ansiedade.

Se estou sozinho, ao seu encalço venho,E ele também oferta-me um abraçoQue faz morrer toda e qualquer saudade.

12.12.2000

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Minha Poesia

Minha Poesia às vezes traz o encantoDas tardes de verão ensolaradas,Quando o sol, parecendo um flavo helianto,Tenta queimar as nuvens arruivadas...

Minha Poesia às vezes cala o prantoDas noites frias, quando as madrugadas,Enevoam de brumas nosso canto,Deixando as ilusões desesperadas...

Minha Poesia serve-me de veste,E sou rimas, estrofes e cesuras,Versos brancos, sonoros, coloridos.

Minha Poesia brota em chão agreste,Dela fazendo enormes semeaduras,Tento deixar os corações floridos.

18.03.2002

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Comparação

Podemos comparar a nossa vidaÀ de Jacob, fenomenal Escada.Onde pisamos firmes na subidaPara alcançar a glória desejada.

Degrau após degrau na ânsia incontidaDe conseguir vencer a árdua jornada.Onde entre flores, vibra, colorida,A vitória fantástica do Nada.

Com ânimo sequer temos cansaço,E a vida ao longe fita o imenso espaçoNuma visão festiva de Colombo...

Porém, basta um vacilo – e a cambalhota! –Acontece fantástica derrotaE o corpo treme em tenebroso tombo.

06.03.2002

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Mudo, mudo, mudo...

Este silêncio torpe me apavora.Sinto vontade de falar imensa.Mas no silêncio evoco minha crençaE sinto que a Palavra me devora.

Contemplo, do crepúsculo à alva aurora,No céu a lua cintilar suspensa.Assim minh’alma em seu silêncio pensa,Até que o sol a lua manda embora.

Pensativo por vales e montanhas,O pensamento alucinado gritaE calcina sem dó minhas entranhas.

Mas permaneço mudo, mudo, mudo...Se a Palavra é meu lema e meu escudo,Do silêncio o meu mundo necessita.

11.11.2005

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Transformação

Sempre que a Inspiração brota em meupensamento,Procuro decifrar, da Musa, o seu chamado:Às vezes é cantiga e traz bulício ao vento,Tecendo em rima pura um canto apaixonado.

Outras vezes, porém, chega igual a um lamento,Fazendo o coração bater desesperado.E meu canto se torna ácido, num momento,E nos meus olhos, denso é o pranto derramado.

Nada, porém, me trava o continuar do canto.As lágrimas modulo, e disfarço o meu pranto,Para tentar mostrar que nada me domina.

Sou apenas Poeta e ao compor minha Lira,Consigo transformar em Verdade a Mentira,Se, é o silêncio que vem – minh’alma em brilhostrina!

09.11.2005

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Soneto caseiro

Em nossa casa, de maneira intensa,Vibra a harmonia em todos os sentidos.Se do amor comungamos áurea crença,Por tal amor vivemos nós unidos.

Um meigo olhar é terna recompensa,Se de improviso, doces são servidos.Entre nós a ternura é tão imensa,Que em dobro vêm os beijos repartidos.

Por tudo o nosso amor fala a verdade!E quem nos vê felizes busca em vãoEntender tão banal felicidade...

Por isso te componho esta canção.Para provar que o amor não tem idade,Fugindo de qualquer explicação.

11.11.2005

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Vida da vida

Em meu peito a Poesia é uma fornalha:Crepita em labaredas num compasso.Molda rimas e métricas com aço,Grita e berra e com êxtase gargalha.

Em ecos de fuligem galga o espaçoParecendo rugidos de metralha.Depois o corpo cobre de limalha,Se aconchega ridente em meu regaço.

Vivo dela, com ela e só por ela!Minha pele, meus órgãos, meus sentidos,Túnica que me cobre colorida.

Em minh’alma a Poesia é uma procela,Coração a pulsar em sustenidos,Vida da vida para a própria Vida!

14.09.2004

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Desejos

Se buscamos viver a fantasia,Que ela seja vivida assim completa.Na cadência do sonho e da poesia,Na inspiração divina de um Poeta.

Que ela em su’alma seja noite e diaO delírio na forma mais concreta.Que traga olhares ternos de magia,A tu’alma divina de arquiteta.

Que sejamos felizes delirantes,E que sejamos colossais amantesRompendo diques e quebrando grades.

Que se rompa do céu qualquer barreira,Porque tu’alma escrava e prisioneira,Há de ser minha em mil Eternidades.

13.12.2005

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Sentimentos

Às vezes, n’alma a idéia me atormenta,E crio labirintos dentro dela.Pois chega nos delírios da procelaDe forma horripilante, atroz, violenta.

No encalço de domá-la a febre aumentaE na ânsia o coração à força atrela.A mente em prontidão, de sentinela,Procura desvendar o que ela inventa.

Um caldeirão de pérolas fervendo!É tudo quanto sinto dentro d’alma.Das bordas eis que escorrem fios d’ouro.

Com a mente alucinada fico vendoA falsa mansidão, a ignota calma,Da força bruta e assaz desse tesouro.

02.08.2004

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Velho enigma

Procuro decifrar no velho EgitoOs Pharaós e sua dinastia.A Esphinge em seu silêncio solta um gritoQue reboa nos ecos da agonia.

As Pirâmides – tumbas de granito –Guardam a alma do Nilo à revelia.Ramsés mumificado em torpe ritoClama pelo deus Sol, dia após dia.

Tutankamon em ouro reluzenteBusca dentro da noite um assassinoQue se oculta entre sombras num repente.

É manhã. Rompe o sol no céu festivo.O Egito corre atrás de seu destinoQue posto em liberdade, está cativo.

08.08.2004

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Fazendo um Soneto

Faço o primeiro verso do sonetoE encadeado ao primeiro – eis o segundo.Crio o terceiro – sou Senhor do mundo;Ao quarto vou juntar algum graveto.

Ao quinto verso estou meditabundo(Onde mais versos para este esqueleto!?)O pensamento vai chegando ao fundoE ao oitavo termino outro quarteto.

Faltam mais seis – que dúvida profana,A inspiração no décimo se enganaFaltam três para o fim desta empreitada.

Parto agora para o último tercetoE para terminar esta maçadaCrio mais um e findo este Soneto!

03.02.2001

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Inútil esforço

A solidão que às vezes me acompanhaAtravés dos caminhos desta vida,Que deixa minha senda mais feridaE prende-me com palpos de atra aranha,

A solidão é a pérola escondidaNa ostra que vive em alto mar e banhaO precipício e o labirinto, e assanhaO coração que pulsa sem saída.

A solidão porquanto mais existe!Tem o poder de carregar no dorsoO silêncio que faz-me ser um triste.

A solidão é o tenebroso corsoQue intimida, que fere, que persiste,E a combatê-la é inútil todo o esforço!

01.03.2001

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Final da caminhada

Podemos comparar a nossa vidaA um belo, caudaloso e insano rio,Cobrindo a ampla paisagem coloridaNum sonho que até causa desvario.

Assim que estamos dela de partidaSentimos n’alma o mais horrendo frio.E a mesma estrada outrora tão florida,Do inverno agora traz nefasto estio.

Pois juntos temos nós esta jornada– Manhã deslumbra em brilhos, perfumada,Com cheiros de eucaliptos e hortelãs...

Se juntos nós cruzarmos toda a estrada,Seremos, ao final da caminhada,Um rio onde se cruzam amanhãs...

13.02.2001

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Assombros

Tantas sombras invadem minha menteQue até meu coração fica nublado.Se o ânimo me faz seguir em frente,Por que me vejo como um derrotado?

Se tenho tudo para ser sementeE posso florescer iluminado,Por que no pensamento sou somenteAquele que viu tudo dar errado?

Se consigo no chão deitar-me em sombra,Por certo a luz cintila às minhas costasE impulsiona-me os rumos a seguir...

Mas por que tal visão tanto me assombra,E anseio escarpas ríspidas e encostasSem encontrar sorrisos no porvir?

02.07.2002

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Prazer na Dor

O pensamento ferve, há ebulição,E evapora em delírios e tormentos.Depois crio combates mais sangrentosPara fazer sofrer o coração.

É meu prazer, é pura convicção,Desta forma, viver os meus momentos.Uso para sofrer mil instrumentos,Sou masoquista cheio de paixão.

Meu delírio é sonhar coisas inúteis,Sofrer pelos motivos – os mais fúteis,E o pranto derramar no cais da vida.

É um bálsamo o sofrer dentro do peito,E assim vivendo vivo satisfeitoMostrando a todos a expressão sofrida.

05.07.2002

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Labirinto

O homem caminha e quanto mais caminhaMais longe está do ponto de partida.E neste labirinto – a alma perdida,Cada vez mais percebe estar sozinha.

Evoca o céu sentida ladainhaE preocupado com a sua Vida,Jamais escuta a voz enternecidaQue o convida a encontrar sua Rainha.

E a vida corre em louco labirinto,Corre o falerno puro de CorintoE bêbado o homem busca as fantasias.

Caminha atrás de seu fugaz delírio,Despedaça no pântano o áureo lírio,E chega ao fim com suas mãos vazias.

07.06.2002

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Busca Inglória

O homem busca encontrar qualquer atalhoPara encurtar os passos da jornada.Anseia sempre ter menos trabalhoPara ganhar do Tudo – um grande Nada!

Seu dia-a-dia é feito de retalhoE vai tecendo a manta esfarrapada.Quando o inverno, porém, – negro espantalho! –Chega, ele tem a manta inacabada!

Sempre o deixar para depois é a norma,A existência, contudo nunca informa,A chegada do tempo no amanhã.

Pois pode acontecer que Ele inexista,Ou poderá apagar no chão a pistaOnde a jornada foi inglória e vã.

07.06.2002

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Esperança cor-de-rosa

Enquanto os sonhos eram tão-somenteUma esperança a mais em nossa vida,E a gente os tinha n’alma qual sementePara semear na estrada percorrida;

Enquanto os sonhos eram a floridaIlusão de um futuro reluzenteE o coração olhava na avenidaPara deixar a nossa estância crente;

Quando tudo era apenas uma espera:– Uma bela esperança cor-de-rosaFlorindo nos jardins à primavera,

O coração fiava nesta LiraE não cria na peste pegajosaQue faz de nosso sonho – uma mentira!

19.01.2001

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Árvore de Natal

A Árvore de Natal que foi armadaAnuncia a chegada de Jesus.Por isso ela está toda iluminadaJorrando fortemente a sua luz.

Eu contemplo-a feliz... apaixonadaA alma cintila e fosforesce a flux.E cada luz que brilha é uma alvorada– Um pequenino sol que nos seduz.

Por isso, nestas noites de dezembro,A Árvore de Natal eu vou armandoPara trazer o sol dentro de mim.

Pois foi há muito tempo (nem me lembro)Que a Árvore de Natal foi se apagandoQuando minha esperança teve fim.

28.12.98

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Painel piracicabano

A tarde cor de cobre o espaço tinge.Eu, Poeta, num êxtase a contemplo.Qual Artista construiu tão belo Templo?– Meu verso mudo morre no laringe!

Nuvens formando colossal EsfingeMostram, de Deus, um panteísta exemplo.Vejo um Altar no centro desse TemploE mil astros fulguram como impinge.

Distante do crepúsculo – eis a Lua!Trazendo a Noite, fustigando em tudo,Sombras borradas no painel imenso.

De joelhos, tenho em transes, a alma nua.Penso cantar, porém o verso é mudo,E no silêncio penso e apenas penso.

11.11.2005

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Suave melodia

Ouço o som de suave melodiaQue me penetra n’alma em frenesi.Canção de amor que os sonhos extasiaQuando ouve sua voz – estou aqui!

A voz do amor – sonora sinfonia –Tem a delicadeza do biscuit!Emoldura o silêncio, e a fantasia,Dedilhada na Lira de David.

Em suaves acordes se desataCom purpurinos sons cheios de luzBrilhando igual a plácida cascata...

E tanto a melodia nos seduzAo som de violões em serenata,Que amar é bom até morrer na cruz.

12.11.1999

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Pouso

Uma ave preta pousa em meu sonetoE sorrateira torna minha Musa.Minh’alma de imediato logo acusaQue o céu azul tornou-se todo preto.

Contra esse tredo agouro me intrometo!E parecendo antiga frota lusaA ave preta com garras de MedusaAlimenta seu sonho neste gueto.

Não posso me dobrar a tal acinte!No meu céu interior busco a alva pombaQue traz no bico um ramo de esperança...

Augusto! vem a mim! Conto até vinte!Mas de repente na minh’alma tombaO fantasma do horror e da vingança.

07.01.2004

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Concerto da Vida

O tempo é uma ilusão. Dentro dele vivemosNa determinação que nos é concedida.Assim como no rio os braços tangem remos,Dentro do espaço baila o Concerto da Vida.

Quando chegamos nós, nos pontos mais extremos,E acenamos do cais nossa própria partida,O tempo continua em delírios supremosSem se ater a esperar a nossa despedida.

E o tempo continua a arquitetar su’arte,Modelando feições nas cristas das montanhas,Desenhando painéis num saudoso estandarte.

Sua força feroz o século não gasta,Porém, quebra a Esperança e com forçasestranhas,Ao silêncio do vácuo o pensamento arrasta.

23.03.2004

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Duas vidas

Como posso pensar na vida eternaSe sequer da terrena me dou conta?Se uma envolta em mistérios me amedronta,A outra envolta em prazeres, é-me terna.

Uma, em gases, rebrilha sempiterna,E a mente, alucinada, deixa tonta...A outra é uma faca, e traz veneno à ponta,E dá mil gozos, mas também inferna...

Se esta é uma realidade, a outra é mistério,Se uma é de carne e trágica apodrece,A outra só iremos ter no espaço etéreo.

Em qual acreditar? Se uma é certeza,Que a outra nos leva, como a nossa prece,Irá deixar, por fim, noss’alma presa.

06.11.2002

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Como prece

Preciso achar dentro do próprio tempoA hora mais calma para ser Poeta.As palavras são ramas e eu as empoDa maneira perfeita e predileta.

Poesia não se faz por passatempoQue a idéia deve ser pura e correta.Se se perder em mero contratempo,A palavra endurece e se concreta.

Necessário se faz estar atentoÀ inspiração que vem na voz do ventoQue modula canções em tons suaves.

Ah! Poesia – quem dera, eu só pudesse:Externar pensamento como prece,Na perfeição gorjear igual às aves.

04.11.2000

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Em harmonia

A madrugada brinca de poesiaTamborilando versos na janela.O vento sopra leve melodiaParece-me trazer notícias Dela.

O pensamento voa em harmoniaE a minha mente traz – visão mais bela! –Um sorriso, um olhar, uma alegria,Que as trevas eu transmudo em aquarela.

Ternura tanta me faz rei sem trono,Fico a lembrar de meu amor tão ricoQue pouco importa não me vir o sono.

O amor dentro do peito glorifico.E se os dias me levam para o Outono,Vivendo o amor, bem mais feliz eu fico.

10.07.2002

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Inverno

Nessas manhãs de inverno, quando o frioPinta fantasmas alvos de neblina,Treme minh’alma em denso calafrio,Esmaece o céu em pálida opalina.

Sons sibilantes de álgida ocarinaDeixam meus sonhos num vagar vazio.Na árvore a copa densa sibilinaE pálido meus versos inicio.

O orvalho é denso e brinca sobre as folhas,Congeladas, as flores pendem galhos,E, colares de gemas são de gelo...

Pálido, o sol estrinca suas bolhas,E colore com luz pingos de orvalhos,E a vida põe final ao pesadelo.

10.07.2002

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Vista embaçada

Vivemos a sonhar com a áurea esperançaQue doura nossos passos pela vida.Deixamos nossa estrada assim floridaEnquanto a sombra, nesses passos, dança.

Tudo é felicidade colorida;E frenético, o tempo louco, avança...E o sorriso de outrora, (os de criança),Vai vincando no rosto, a alma ferida.

E sequer percebemos esse tempoQue corre malicioso e em fúria imensaMais rápido parece a cada instante...

Quando à parreira já não basta o empo,A vista embaça junto à poeira densa,E o passado feroz, se faz distante.

10.09.2002

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Castigo

Vivemos todos nós, dia após dia,Jogando pedras em telhado alheio.Também nosso telhado vive cheioDas pedras que nos vêm à revelia.

Vivemos nós assim, nesta porfia,Apenas por prazer e devaneio.E pedras atirar é puro anseioDos erros encobrir com ironia.

Tentamos ocultar as nossas falhasE a vida alheia a nós demais importaE por ela ardilamos mil batalhas.

Porém, a olhar o nosso próprio umbigo,Nós pressentimos tanta coisa mortaQue merecíamos maior castigo.

10.09.2002

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Busca insana

O homem busca que busca em ânsia intensaO sonho tolo de uma vida eterna.Constrói altares, faz profana crença,Para ter sua glória sempiterna.

Tenta regurgitar de forma imensaOs seus dias passados na caverna.Apenas para ter, por recompensa,Mais luz na sua pálida lanterna!

Busca a filosofal fórmula mágicaQue prolongue seus dias de futuroA fim de conseguir o que acumula.

Porém, tal ansiedade é vesga e é trágica:Como o homem pode ter um sonho puroSe ele a Vida destrói de forma chula?

11.09.2002

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Rotina do Tempo

Vivemos a reter no pensamentoAs mais profanas das alegorias;Para somente, no escaldar dos dias,Carregarmos o fardo do lamento.

A própria vida é de fumaça e ventoE perfeita demais para heresias.Portanto mágicas e fantasias,E os próprios truques passam num momento.

A perfeição é o instante que amedronta,Dela passamos e não damos contaQue em seu cortejo vai despercebida.

Tombam as estações após três meses,E a contemplar os rápidos revezes,Na rotina do tempo, passa a vida.

09.09.2002

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De espreita

Espaços tantos em caminhos tantosE rumos a seguir em campo aberto.Os olhos fitam livres o deserto,Onde vivem ocultos, os encantos.

Com grãos de areia teço régios mantosPara encontrar algum oásis perto.Caminho firme, com o passo certo,Busco a felicidade pelos cantos.

Mas tudo tão distante vive e tudoParece estar oculto no segredoDo silêncio monótono que soa.

O olhar espreita a imensidão e mudo,Sem dar demonstrações de tanto medo,A alma do corpo para longe voa.

16.01.2000

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Mote da Carla(no dia dos meus 50 anos)

O bem que temos pelo mal trocamosE assim que a estrada se nos mostra certa,A gente busca, em vão, a porta aberta,Sonhando com recônditos recamos...

E muitas vezes, sem querer achamosQue a vida é uma ilusão... Que descoberta!...E a realidade é uma ínfima cobertaQue junto ao frio vai sangrando os ramos.

E o sorriso se faz cara fechada,Ao cumprimento, a mão traz bordoada,E no fundo do poço eis que ficamos.

Se ao amor colocamos o desprezo,Natural que sintamos todo o pesoE o bem que temos pelo mal trocamos.

03.12.2002

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Vencer! I

Talvez exista um mundo à parte ao mundoEm que vivo, ando, sonho, choro e rio...Oásis desconhecido ao desafioDe vencê-lo ao fulgor amplo e profundo.

Da semente do Cosmos sou oriundo,Mas o Espaço se mostra tão vazio,Que se torna frugal, um arrepio,Frente ao vácuo feroz, forte, fecundo.

E este segredo, mais do que segredo,Meu espírito em trevas alucinaE faz-me um despojado frente ao medo.

Caminho e mais caminho e mais caminho,Que a Vontade mais forte determinaSeguir em frente até se estar sozinho!

12.07.2002

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Vencer! II

Ás vezes, sinto uma ânsia incontrolada,De parar os meus passos no caminho,E desistir da longa caminhadaE os ouvidos fechar ao burburinho.

E perscrutar à margem da ampla estradaA vida que prossegue em remoinho...Ver quem passa feliz, vai de mão dada,Ver quem passa tristonho, e vai sozinho...

Mas uma força estranha me impulsionaE não desisto os passos no momento:Venço léguas de sombra e sol ardente...

Com o fracasso sempre vindo à tona,Vou seguindo sangrando contra o ventoE destemido ponho os pés à frente!

12.07.2002

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Dor

Quem já sentiu a dor em tal efeito,Consegue compreender a dor alheia;Pois ela nos envolve em densa teiaQue perdemos razão, forma e conceito.

É lâmina afiada e de tal jeitoNos pega sem propósito e golpeia,Que o sangue denso corre em nossa veiaE se transforma em lágrimas no peito.

Já senti esta dor também, um dia,Num passado que sempre está presenteNum sonho repisado de agonia

Mas esta dor aos poucos, de orfandade,Pelo passar do tempo em nossa menteTransforma-se na Sombra da Saudade!

03.03.1995

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Asas

A grande angústia que o homem tem na vidaÉ não poder voar! Nesta ânsia intensaEle profere a sua insana crençaAo ver sua vontade carcomida.

O ínfimo inseto voa em plena lidaCausando ao homem uma inveja imensa.Assim ele só tem por recompensaCriar asa de ferro – retorcida.

Isso não satisfaz tanta ganância!Sua vontade era transpor distânciaGalgando o espaço colossal, sidéreo...

Mas o Arquiteto, com sabedoria,Não dando as asas tais que o homem queria,Só para si guardou esse mistério.

29.08.2001

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Honestidade

O dever do Poeta é ser honestoAté quando cantar sua mentira.Sendo Poeta dizem que não prestoQuando tento iludir em minha Lira.

Se nas desilusões a alma se inspiraComo posso fugir de tal contexto?Se maliciosa a inspiração transpiraComo posso buscar outro pretexto?

Não duvidem da minha honestidade,Minhas dores são feitas na verdadeDas mentiras que colho no caminho.

Se, choro, por viver abandonado,Alguém ouve meu choro estando ao ladoSendo Poeta nunca estou sozinho.

03.05.2001

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Sonâmbulo

No silêncio da noite te procuroE entre sombras de luzes me apareces.Procuro te buscar no quarto escuroNas valsas das cortinas te esmaeces...

A fantasma notívago pareces:Brilhas, porém, em luz, no meu futuro.Com meus lábios envio algumas precesPara te oferecer um sonho puro.

Ouço-te a voz que entre silêncio fala,E teu aroma essência rara exalaPerfuma o ambiente em toda a sua essência.

Súbito acordo e ao sonho deste sonoPercebo-me estar só neste abandonoAbraçado com sua densa ausência.

19.08.2004

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Batalhas

Travo batalhas contra o pensamentoPara vencer o horror que me domina.Se o terror me atormenta e me fulmina,Tento escutar lá fora a voz do vento...

Entre tormentas tantas me atormento.Meu cérebro caótico rumina.Tudo me afeta, nada me ilumina,E a agonia me envolve em movimento.

Sou um bárbaro que uiva enquanto vivo,E trago um coração em mim cativoQue enquanto me entorpece me atordoa.

Enlouqueço no fundo do submundoE quanto mais com os pés procuro o fundo,Mais me afundo no lodo da lagoa.

09.09.2004

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Impulsão

A loucura é a razão do pensamentoQue fere e freme em fogos de artifício.– Insanidade ao próximo momento,Escalada de grande sacrifício.

Dura é a normalidade por oficioSe contra o corpo há colisão de vento.E o sorriso é motivo para o vício,E à razão joga a lei e o mandamento.

Por isso esgueiro os olhos contra o muro,E procuro encontrar alguma fendaPara que possa me servir de fresta.

Ou algo que impulsione-me ao futuro:Uma palavra com sabor de lenda,Uma ilusão que me pareça festa.

30.01.2002

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Carrilhão

Contemplo, na parede, pendurado,O carrilhão dos tempos de Saudade.Corre a Vida e ele, presto, inabalado,Em segundos fatia a Eternidade.

Cada quadrante avisa que o passado,Novamente alongou sem ter piedade.Quando a hora tem seu ciclo terminado,Retorna o seu avanço de eqüidade.

Às vezes, na ânsia louca de retê-lo,Deixo de alimentá-lo em sua cordaPara que não avance tão depressa...

Mas para meu constante pesadelo,De seu sono letárgico ele acordaE parece maior a sua pressa.

22.01.2002

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O Medo

O medo é uma canção que não se canta;Sente-se pelo menos, e ao senti-lo,Ninguém consegue se sentir tranqüiloPor que o corpo entre febres se quebranta.

A fuga torna-se impossível – mantaCobrindo o corpo e, em vão vale o sigilo...Pensa-se nisto, foge-se daquilo,E o medo, com temores – se agiganta!

O medo todo o mundo um dia o sente.Muitos de uma maneira diferenteGuardam, só para si este segredo.

Muitos querem cobrir o ser covardeAntes, porém, que tudo fique tarde,O inconsciente dá mostras deste medo.

19.01.92

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Eu e o silêncio

O silêncio é quebrado pelo ventoQue soa em cadavéricos gemidos.E os lancinantes ais feito lamentoParecem misereres, sustenidos...

Uma coruja em pios doloridos,Sua presença avisa no momento.Eu e o silêncio estamos aquecidosEnquanto a noite vai – no esquecimento.

Sozinho, e este silêncio me atordoa.O vento venta, em ecos triste soa,Uma canção que diz de solidão.

Eu, o vento, a coruja e a noite triste,E este silêncio que somente existePara causar angústia ao coração.

21.12.98

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Ser Poeta

O Ofício de Poeta até pareceFácil àquele que não faz poesia,Mas o Poeta perambula o diaNa ânsia de cultivar a sua messe.

Se a encontra, de joelhos, reza a prece,E colhe os versos da palavra fria!Entra na mais dinâmica porfiaE jamais, forma alguma, recrudesce!

E ainda deve ser o homem que pensa,– Um verdadeiro cidadão comumSenão à vida vai causar ofensa!

Mas ao levar adiante o seu ofícioDeve o Poeta ser o Número UmE sorrir frente a tanto sacrifício!

21.12.98

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Limite

A vida que há em nós e pulsa e vibraE nos parece ser sonora e eterna,Sobre uma faca afiada se equilibraE apaga como as luzes de lanterna.

A vida que sonhamos sempiternaÉ fumaça, porém, que aos ares libra.Ora tem olhos dentro da caverna,Após se torna treva e se desfibra.

A vida que respira, anda, arde e pensa,Num só suspiro pode ser suspensaE pode se tornar imóvel, fria.

E sem saber o seu valor exato,A gente dá-lhe muito pouco tratoSem termos chances para um novo dia.

06.01.2003

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Maior valia

Se, posso tudo ser num só momento:– Árvore, sonho, amor, prece, ternura,Alegria, tristeza, pensamento,Desejo para plácida aventura,

Se, posso amar, ter uma vida pura,Cantar, sorrir, ser valsa junto ao vento,Também posso ter cismas de loucura:Insanidade atroz, fatal tormento,

Se, posso ter azar, também a sortePode viver em minha companhiaE sendo fraco sobrepujo o forte.

Dentro da noite posso ser o dia.Mas não consigo sobrepor-me à morte.Assim ela é que tem maior valia.

06.01.2003

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Rei infeliz

Dizia-se que havia num CasteloUm rei bastante mau, cruel, insano.Sempre tinha nas mãos atroz cuteloPara ferir de modo desumano.

Usando seu Poder de soberanoProvocava pavor e pesadelo.Mas a vida que vai ano após ano,Fê-lo um rei infeliz em seu anelo.

Morreu o rei. Buscando em seus guardadosDescobriu-se por que tanta maldadeExistia naquele coração.

Era que o rei, em anos já passados,Quando, feliz achou sua metade,De simples camponesa teve um não.

06.01.2003

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Sonho silêncio

Sonho silêncio simples e sereno,Quando o sol se debruça no horizonte.E faz da treva e luz imensa ponteNo instante de magia em tom ameno.

Nest’hora, me percebo tão pequenoQue até da própria vida perco a fonte:O sol – dantesco e rubro mastodonte,De raios, triste, faz o seu aceno.

E me faço Poeta por acaso:Vou percebendo à leve luz do ocasoO cortejo da lua e das estrelas.

E ao ver a ação noturna em alvorada,Com a retina dos olhos encantadaAs fadas mais bonitas – penso tê-las.

06.01.2003

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Cromo(Para B. Lopes)

Aleluia de sinos repicandoNa igrejinha do velho povoado.É Chiquinho e Iaiá que estão mostrandoAo mundo um grande amor iluminado.

O padre no sermão fica louvandoE fala desse amor puro e sagrado.E da vida prosaica vai falandoDizendo com enlevo apaixonado.

“Vejam só, meus amigos, a purezaExistente nos noivos é a emoçãoMais sublime de toda a natureza!...”

Eis que noiva desmaia. Foi enfarto?Medroso o povo faz-lhe uma oração.Porém, Iaiá entrou na hora do parto...

07.01.2003

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Fórmula

Se tudo quanto sonho em transes sorvoMe é absinto puro, seco, azedo, amargo,E se as tristezas todas eu embargoE desesperos negros eu absorvo,

Se minha angústia vem na asa de um corvo(Eu dele não me livro e não o largo)Sinto que esse tormento é meu encargoE em minha vida só produz estorvo.

Se o desespero vibra e se acumulaNão há remédio a me trazer na bulaFórmula que dê fim a essa amargura.

Está dentro de mim essa tristezaE não creio existir na naturezaQuem possa me tirar essa tristura.

07.01.2003

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Eterno desafio

Olho dos sonhos a funesta listaE está lá, como eterno desafio,Razão de meu delírio e de conquistaO sonho que procuro anos a fio.

Ele parece um caudaloso rioQue chega em sua forma ultra-imprevista.Em minh’alma põe pânico e arrepio,Que até me esqueço ser poeta-artista.

Desafio constante em minha vida,É uma esperança que se foi perdidaDesejo tolo para ser feliz.

Talvez não venha a realizá-lo, creio,Mas todo o meu constante e puro anseioSó pôs-me n’alma funda cicatriz.

08.01.2003

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Xou da Xu(bru)xa

Todos os dias a Rainha XuxaConvoca nossas tímidas crianças,E mostra um mundo falso de esperançasCom seu olhar de Maga e voz de Bruxa.

Nos inocentes infelizes, chuchaDesenhos sobre guerras e vinganças,Ídolos falsos empunhando lançasE homens maus empunhando uma garrucha.

Meninos e meninas do auditórioTais como macaquitos obedecemO que essa Fada diz de seu covil.

Choro, bagunça, intriga, falatório...E é nesse estado de ânimo que crescemAs crianças mais burras do Brasil!

09.05.89

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Nossa Senhora agredida

Um homem – um ateu, hipócrita em excesso,Quis a todos mostrar – com seu gesto cretino,Que somente chutava uma imagem de gessoE Ela não lhe podia alterar seu destino.

E a imagem agrediu... e entre os seus fez sucesso;A Agredida, porém, com seu olhar divinoNas contas não levou todo aquele arremessoE calada assistiu o ataque ressupino.

O homem, porém, não quer profanar tal imagem(Que é gesso, tão-somente) ele quer mais pois querNão sei porquê, mostrar que Maria é miragem...

Mas foi Ela que um dia, em todo o seu receio,Ao seu filho Jesus foi Mãe e foi MulherDando ao pequeno Deus o leite de seu seio.

03.11.1995

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Insatisfação

O verso vai bailando em minha menteComo o valsear frenético do vento,Que chega de repente, de repente,Deixando roseirais em movimento.

Chega manso, depois de forma ardente,Estrofes vou tecendo no momento.– Artifício que moldo em minha mente,Na ânsia de eternizar-me em monumento!

Um Monumento de palavras feito,Que há de viver por todos esquecidoJá que a ninguém o verso dá sustento.

E a findá-lo me pego insatisfeito,– Inédito jamais será relido,Sequer será lançado para o vento.

12.02.2005

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Maldição

(após ter mudado meu Pai no cemitério)

O meu Pai trabalhou por tantos anos,E agora quando nos roubou-o a morte,Vimos que a vida é mágica de enganosPois ela nos pregou ingrata sorte.

Se não tivéssemos cabeça forte,Outros seriam, Pai, os nossos planos,Mas o Senhor que nos legaste um Norte,Fez nossos passos serem soberanos.

Nos deste o Orgulho, Pai, Força e Coragem,Para travar a voz que profanavaE pôr-te no lugar que merecias.

Hoje, Pai, as membranas do ódio reagem.A voz primeira que soltou a trava,Terá um porvir de cavernosos dias.

05.01.1988

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Soneto improviso(soneto feito na hora com palavras dadas)

Dentro da noite poliedra e fria,A minh’alma indecisa busca a aurora.Meu coração dentro do peito chora,– Sou um ancoradouro de agonia...

Ao longe uma paisagem fugidiaVê que em mim a saudade revigora...Oh, meu amor, por que tanta demora?O plágio do meu pranto é-lhe poesia?

Meu pensamento em células errantesNão conciliam a paixão que sintoMeus sonhos tornam-se visões distantes...

Mas nessa angústia eu vejo tudo morto:Meu sonho é um sonho vertical e extinto,Meu caminho é um caminho incerto e torto.

30.06.1978

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Juras em sussurros

Cada vez que te deitas, linda e nua,Molemente ofegante sobre a cama,E, refulges brilhante, à luz da lua,Com o corpo incendiado em rubra flama;

A minha boca a pele te tatuaE ardente de desejos, cospe chama,Com carimbos te marca a pele nuaE delirantemente geme e clama.

Quando o meu corpo ao teu provoca sombra,A paixão que me invade é tão intensa,Que entre delírios minha mente assombra.

E enquanto nós vivemos a loucura,Nossa linguagem se transforma em crença,Que até nosso sussurro é terna jura.

19.11.1996

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Bater de asas

Sempre que a noite – em seu sudário imensoCobre de crepe o cálice do sono,Também minh’alma imersa em transe densoDorme em calmo e letárgico abandono.

Mas do sonho letal me recompensoSonhando horas sem fim, como um colonoQue olhando o campo fértil, largo, extenso,Sonha com seu império e com seu trono.

E eu sonho possuir tudo o que quero...Terras, prados, pomares, sítios, casas,Ser um Rei soberano em meu império...

Mas acordo e por fim me desespero:Os meus sonhos bateram suas asasE foram se alojar no cemitério.

30.08.1989

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Entre sombras

O pensamento em transe eis que embaralho.(Deixei por fim o vício do cigarro!)Tenho feições de um tímido espantalhoCom seu modo de ser todo bizarro.

Mas sou mesmo um estúpido paspalho!Por que minha derrota em versos narroE tal um perdedor jogo o baralhoE desdenho a vitória com escarro?

Esta é a noite de um grande derrotado:Com garrafas vazias me sucumboE entre sombras não quero ser notado.

Mais uma vez perco os anéis e os dedos,O ouro perdido pesa como chumbo,E a derrota ainda tem muitos segredos.

24.02.1995

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Plena comunhão

O mundo – tenda bela e imaculada,Altar de Deus sublime, EternidadeDa Noite, do Luar, da Madrugada,E de todo o rosário de Saudade;

Onde o homem vive, como simples Nada,Pervertido na impávida piedade,Em contraste com Deus – Alma adorada! –Comum ao sonho de atra iniqüidade –

O Homem e o Mundo – em comunhão perfeita –Campo fértil para ótima colheita,Devastador de sonhos e quimeras,

Ah, sem a besta do homem iracundo,Teria a terra em transe mais fecundo,Tão-somente estações de primaveras!

30.12.1991

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Palavra fugaz

O Poeta procura em sua insanidadeUma rima de luz para pôr em seu verso.E deseja lustrar com forte intensidade,Versos de paz e amor de modo mais diverso.

Assim tenta cantar com densa alacridade,As belezas que vê nos plainos do Universo,Mas encontra, porém, total promiscuidade,E o tempo de compor cada vez mais lhe é adverso.

Eis, portanto, o Poeta em sua insana busca,O sol que brilha vê repleto de tesouro,Ao fitá-lo, porém, a sua vista ofusca.

E a Palavra é fugaz ao pensamento mouro:Fica o Verso incompleto e sua força bruscaNão consegue juntar para ter um tesouro.

06.01.2003

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A respeito da solidão

A solidão que às vezes me acompanhaAtravés dos caminhos desta vida,Que deixa minha senda mais feridaE prende-me com palpos de atra aranha,

A solidão é a pérola escondidaNa ostra que vive em alto mar e banhaO precipício e o labirinto, e assanhaO coração que vê-se sem saída.

A solidão porquanto mais existeE tem o dom de carregar no dorsoO silêncio que faz-me ser um triste.

A solidão é o tenebroso corsoQue intimida, que fere, que persiste,E combatê-la é inútil todo o esforço!

01.03.2001

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Um novo encanto

Ainda é nova a dor, sangra, portanto.Não teve tempo de cicatrizar-se.Por isso necessito de disfarcePara mostrar que estou feliz, e canto.

Muito embora na face escorra o pranto,E do olhar a pupila mais se esgarce,Eu posso, sim, fazer minha catarse,Para encontrar na vida um novo encanto.

Pois muito bem, ajunto-me à bagagem,E vou para o porão seguir a viagemEm busca de outro sol, de nova luz.

Se notares, por fim minha presença,Com a alma de joelhos teça alguma crençaPara ter menos peso a sua cruz.

23.03.2004

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Busca

Buscas dentro de mim o homem-Poeta;Porém, o homem-Poeta não existe.Existe uma Ilusão que se completaE esta ilusão, por certo, é muito triste.

O Poeta é uma luz que se projeta;No imaginário da paixão resiste.O Homem na vida traça a sua metaE o desespero sem razão lhe assiste.

Sou Homem e Poeta num dualismo;Onde a Esperança acaba e surge o abismoO Poeta constrói a sua estrada.

Se vens, portanto, os passos nela pondo,Dentro dos sonhos, o Poeta escondoE Homem eu passo a ser não sendo nada.

07.11.2002

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Imaginação(Para Ícaro)

Aos limites que cercam minha vidaE parecem cercear o meu caminho,Busco sempre uma porta de saídaAo medo de parar e ser sozinho.

Procuro arquitetar um novo ninhoEm outra primavera mais florida.Nasci para viver entre carinhoNunca para viver de alma ferida.

Abro as asas, assim, do pensamento;O meu limite é o próximo momento,Talvez a vida morra neste afã.

Mas hoje sinto a força que me impele:Aos braços crio penas sobre a pelePara voar no sonho do amanhã.

05.11.2002

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Sonhos

Sonhos – inatingíveis HimalaiasQue vivem povoando a nossa mente! –A solidão de inacessíveis praiasDe algum desconhecido Continente.

Sonhos – angústia e tédio num repente,Crinas ao vento, em retirantes raias...A solidão que n'alma o peito sente,Tardes nubladas, sombras sob as faias...

Sonhos – delírios e tremores – medo!Pressão no coração... tortura... tédio...Realidade composta de segredo.

Sonhos – que fogem sem fazer assédio,Colocam nossa mente no degredoÀ realidade que não traz remédio.

06.10.1999

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Dor Antiga

Cheio de sombras vou moldando os passosDos rumos a seguir nesta jornada.E vou desentrançando os embaraçosQuando a fuligem molda a madrugada.

Vou me esgueirando e assim encubro os traçosQue meus passos impingem nessa estrada,E preso à terra singro amplos espaçosTudo pensando e não dizendo nada.

Quem me vê não conclui o pensamento,Pois sendo sombra sou indefinidoComo sujeito oculto... Inexistente.

Se, faço movimentos – sei-me vento,Que o coração há muito está feridoPela angústia de ser intransigente.

10.01.2002

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Vício da Poesia

O vício da Poesia é o doce vícioQue me entorpece o espírito e o sacia.Para mim não exige sacrifícioQuando caio nos braços da Poesia.

Não sei bem quando foi que teve inícioA minha entrada nesta Fantasia.A mente não guardou nenhum resquícioNão anotou também sequer o dia...

Desde sempre me sei um embriagado.As Musas me oferecem tais licoresE eu os bebo num cálice sagrado.

Ao vício da Poesia me fascino,Pois os versos que brotam como flores,Atapetam o chão de meu destino.

02.05.2001

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Ocaso

O Ocaso vem chegando e com cores sombriasO céu da minha vida aquarela de luto.Se antes, a Primavera era a luz dos meus dias,Hoje o Inverno glacial solfeja seu tributo.

Constelações no céu fulgem alegoriasMas sem força interior não guerreio e não luto.Antes o amor vibrava airosas melodias,Hoje no Inverno busco um asilo, um reduto.

Fico extático a ver da Vida o seu remoinho,Outrora tão vibrante eu nele entrava todoE sabia buscar sempre um novo caminho.

Hoje, porém, contemplo os passos desse engodo.A solidão chegou. Aqui fiquei sozinho.E tenho os meus dois pés atolados no lodo.

18.11.2005

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Ofício

É sílaba após sílaba e à cadênciaTrago os versos nas pontas dos meus dedos.É para mim perfeita e justa a ciênciaE a Arte de dominar esses segredos.

Tudo feito na exótica paciênciaOs versos – vou compondo claros, ledos.Mas é preciso nesta persistênciaDeste ofício, fazer meros brinquedos.

Jamais um verso errado, um verso torto!Se tal acontecer eis que o PoetaSente espasmos cruéis de ser um morto.

Se o Calvário tem furnas perigosas,Quando sente a Poesia estar completa,Eis que seu mundo desabrocha em rosas!

16.07.2004

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Memórias

Memórias são lembranças do passadoDe um sonho bom ou negro pesadelo.Como embromados fios de noveloQue vamos repuxando em torpe estado.

Sempre num colorido renovadoA gente vai narrando num apelo.Porém, para mudá-lo é frio o gelo:– Livro escrito não pode ser mudado.

Assim com a memória detalhistaVou revivendo os traumas da existênciaE reprisando vejo a antiga pista.

Com os mesmos passos velhos dos coturnos,E refazendo o exame de consciência,Culpo a mim mesmo os fatos tão soturnos.

11.11.2003

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Certeza

Sei que virás! Igual à primaveraEm flores vai brilhar a minha vida.Há de ter fim a Noite da QuimeraE minha estrada vai ficar florida.

Meu coração igual a um muro de heraVai ficar de aparência colorida.É tão longa e sofrida a longa esperaPara poder chamar-te de Querida!

Virás! O sonho há de vibrar! – PoetaIrei tecer canções e madrigaisPara agradar a minha predileta.

E ao som dos bandolins em serenata,Farei chover estrelas vesperaisEnquanto o céu rebrilha à luz de prata.

13.02.2004

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Frio

Frio. Faz frio. Faz frígido frio.Frias as mãos, os pés, o coração,Os lábios tremem, gélido arrepio,Ao corpo frio é fria a sensação.

Vento gelado n’alma, atroz vazio.As rimas soam frias na canção.A esperança desliza por um fioNem mesmo o sol aquece o frio, não.

Há calor por viver, mas está frio.Neva no coração, névoa no sonho,Nívea ternura no calor da mão.

Fumaça fria a enevoar o rio,Um misto de agonia, o olhar tristonho,Sangue quente a correr no coração.

22.07.2004

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Encanto

Sei que virás e toda a fantasiaIrá se transformar em realidade.As rosas rubras, plenas de euforia,Irão desabrochar pela ansiedade.

Os olhos com resíduos de poesia,Terão do encanto, a luminosidade.E num poema puro de alegria,Do sonho irei tirar a virgindade.

Trazida pelo gérmen da ternura,Essa felicidade airosa e pura,Silenciosa fará de mim um rei.

Soberano a reinar o campo amado,Teus passos vigiarei estando ao lado,Para fazer cumprir a minha lei.

22.09.2004

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Do sonoOh, Morpheu, oh, Deus do sono,

Foste tu na Grécia antiga, Um asilo do abandono, Um asilo da poesia. Nesta noite errante e fria A minh’alma é tua amiga. (Prece a Morpheu)

Morpheu tenta que tenta, em seus abraços,Levar-me para o reino da utopia.Porém, tento escapar-me de seus braços,E acordado – viver na fantasia.

Porém vou me prendendo nos seus laçosE ele em ternuras leves me sacia.Os olhos morrem sonolentos, baços,Há um perfume sereno que inebria.

Ouço ao longe, bem longe, muito longe,Um canto que parece ser de monge,Não me percebo estar onde os pés ponho...

Há uma Grécia ao redor, Homero canta...País do mar Egeu, tudo me encanta,Os olhos abro e eis o País do Sonho!

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Dotes de Poeta

Em épocas perdidas do passado,Sabia-me ter dotes de Poeta.Assim a minha vida era repletaDe um sonho colorido e iluminado.

Cada verso era feito e publicadoE à minh’alma a alegria era completa.Minha Musa – sublime borboleta! –Punha meu coração apaixonado.

E muitos versos, cheios de esperança,Brotaram em meu peito de criançaAcalentando sonhos e quimeras...

Para a Poesia construí um Trono,E hoje, mesmo chegando o meu Outono,Por ela vivo plenas Primaveras.

18.01.2002

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Variadas fantasias

Sabemos muito bem que precisamosPara viver nossos insanos dias,Usar as mais variadas fantasiasSoltar os mais simbólicos reclamos.

Atrás de sonhos fantasiosos vamosBuscando descobertas e utopias.Fervendo ervas em tachos de magias,Procurando maçãs em secos ramos.

Raia a razão ao pensamento oculto,E nas ciladas desta realidadeNas sombras somos um sinuoso vulto.

E no delírio desta insana busca,À nossa frente uma ferrosa gradeOs passos – trava; e nossa vista – ofusca.

14.01.2002

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Minha lei

Coloquei dentro d’alma áurea esperança.Ansioso pus-me nela acreditar.E sorrindo um sorriso de criança,Contemplei as estrelas e o luar.

O tempo que não pára e sempre avança,Sequer meu sonho pôde realizar.E no passado ele ficou lembrançaPerdido num recôndito pomar.

Homem feito, os meus olhos, tristes, ponho,Na esperança do sonho que sonheiVendo que ela me foi somente sonho.

Fosse na vida um soberano rei,Eu hoje não seria assim tristonho,Que ser feliz seria a minha lei.

14.01.2002

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Jornada

A jornada dos passos mais avançaE a encruzilhada é vista logo à frente.Vai-se acenando adeus para a esperançaO próximo momento é de repente.

E tão rápido é o tempo desta dançaQue alucinada, não percebe a mente.Brotam da terra as flores da lembrançaE uma saudade imensa é o que se sente.

Em tudo brilha um ar de despedida,Inéditos vão sendo digitadosPara virem um dia a luz da vida.

E ausente deste pó que nos invade,Junto a todos seremos derrotados.Seremos tristes trapos de saudade.

06.02.2002

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Soneto das rimas pobres

O Amor não necessita rima rica,Posso exaltá-lo numa rima pobre.Pois se meu coração o glorifica,Nada no mundo pode ser mais nobre.

Se com ternuras meu amor se cobre,Com êxtase de luz minh’alma fica.E a rima de ouro, prata ou mesmo cobre,Tem mesma intensidade nesta bica.

Portanto vou cantar o meu amorE a rima pobre canta-o como florQue brota no jardim, em qualquer chão.

E sendo uma verdade sem razão,O meu amor seja que jeito for,Deixa sempre feliz o coração.

06.02.2002

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Soneto das rimas ricas

Quedo-me na quietude e no silêncioPara poder sentir tua presença:Porém o sono, o pensamento vence-oE não desfruta esta visão imensa.

O coração com nome de InocêncioFaz nesta solidão a sua crença.Oh delírio fatal, meu peito incense-o!Para eu ter este amor por recompensa.

Porém, a angústia – coração de pedra! –De forma descabida e poliedra,Meu olhar deixa igual caleidoscópio...

E em transe diáfano em tal mundo eu entro,E para a lucidez eu me concentroMas o sono é meu sândalo e meu ópio.

08.02.2002

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Saudade(um soneto muito antigo)

Saudade! Uma lembrança grata e ternaDe alguém que nós quisemos e partiu...Um amor que guardou memória eternaEm nosso coração... depois sumiu...

Saudade! Aquela dor profunda e internaQue guarda o coração, porque sorriu.Uma luz que se apaga na lanterna,Doce lembrança do que já existiu...

Saudade! Um beijo frio e sonolento,Uma recordação que foi presenteUm pouquinho da dor que nós corrói.

Saudade! Um verso triste e friorento,Uma presença que se faz ausente,E a dor aflita que no peito dói.

15.03.1973

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Sobre um auto-retrato(De Vincent Van Gogh)

Me olhas. Te olho. Em silêncio nos olhamos.E entre este nosso olhar errante, incerto,Existe mais de um século desertoDe vidas antes as quais nos separamos.

Porém o nosso olhar se cruza – vamosHipnotizarmos num olhar tão pertoE ao mesmo tempo tão distante – abertoPara o céu, onde, absortos nos quedamos.

Se te olho, foi por que eras um Artista!,Se me olhas, foi por que cravaste a vistaAo meu olhar e se ora te contemplo

E – Poeta – escrevo o que já não existe,Que o nosso olhar parado, oblongo, triste,Possa ao mundo servir de algum exemplo.

13.12.1991

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Trágicas derrotas

Não somos nunca o que sonhamos. SomosUma mentira as nossas próprias vistas.No pomar da existência – podres pomos;Hipócritas fantoches de áureas cristas!

E para nos cobrir de tais assomos,Cantamos as vitórias imprevistas...Quais medíocres heróis sempre nos pomosNo centro das batalhas e conquistas!...

Mas bem sabemos nós, que tais alardes,Escondem tantas trágicas derrotasE que somos apenas uns covardes.

E a realidade é mesmo mais bisonha:Ficamos a fazer papel de idiotasEnquanto nas mentiras – a alma sonha!

30.08.2001

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Ecológico

Árvores são plantadas nas calçadasPara que no futuro deitem sombra.Porém, em poucos anos elas crescem,E vão de encontro à fiação elétrica.

E começam daí a ser podadasE ficam tendo uma feição que assombra.Pois mutiladas elas se parecemA uma visão aterradora e tétrica.

Longos braços desnudos, secos, frios,Esturricados pelo sol ardenteE provocando a fúria em sonhadores.

E após machados de aço luzidios,Ferem o tronco inopinadamente,Nos mais profanos e cruéis horrores.

13.05.1997

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Saudade viva

Quero a ternura das canções antigas,Dos saudosos violões em serenata,Velhas canções tão belas, tão amigas,Que eram cantadas sob a luz de prata...

Quero os timbres formosos das cantigasQue alegravam os pássaros na mata,– Oh, coração, tanta saudade abrigas,Que de saudade o coração se mata!...

Quando a vida era um palco iluminadoE o sino badalava a Ave-Maria,Tudo ao redor vivia apaixonado.

Hoje a saudade vive até num beijoDado quando o crepúsculo surgiaAo som de um lerdo e mágico realejo.

10.10.2000

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Sobre a Esperança

A Esperança é a penúltima que morre.Morre por última a desesperança.Quando somente temos por herançaDe nossos ideais – tombada a torre!

O suor da descrença em nós escorreE a baba da ignomínia ensopa a lança...E por tudo morrer – sobra a vingançaDe ingente gosma a gente traga o porre.

Sequer um passo a mais por fim nos resta,A visão que se tem atroz, funesta,Tomba palácios de ideais profanos...

Somente vibra a ingratidão gosmenta:– Ídolos falsos propagando enganos,Uma palavra podre e lazarenta!

12.09.2000

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Ao abismo

O Soneto martela na cabeçaE quer que eu dê-lhe as formas seculares,Porém, a inspiração – tola e travessa! –Não fulge em seus olímpicos altares.

Deixo, por fim, que a mente se abasteça,Para os versos criar, como pilares!E nesta construção a alma áurea teçaOs versos em seus límpidos cantares!

Mas tudo se me oculta ao pensamento,Foge-me o Verso, a Rima é-me um tormento,Ao abismo a minh’alma se projeta.

O esforço é nulo e vão. – MaquinalmenteOs versos alinhavo em minha mente,Sabendo-me patético Poeta.

21.08.1999

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Momento

As alegrias todas que nós temos,Às vezes duram mínimos instantes.Nem sempre são aquilo que queremosE sonhamos em horas delirantes.

Chegam as nossas mãos lembrando remosE cintilam nas águas refrescantes...Mas ao fim da jornada nós só vemosQue os prazeres ficaram bem distantes...

E resta-nos somente a companhiaDas ânsias, dos desejos, da agonia,Do martírio, do tédio e das esperas.

Um passo a mais para seguir à frente,Um riso a mais para se ver contente,E somente sonhar com primaveras.

11.09.1998

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Livre ser

Quero ser livre. Quero ir para a ruaSem dentro d’alma ter traumas e medos,Poder ficar olhando a luz da luaEm suas fases cheias de segredos.

Quero poder sair com a alma nuaE não provar de frutos tão azedos.Lavar a pele que, salgada sua,E olhar a liberdade dos degredos.

Livre poder cantar todos os cantosEm todos os intrínsecos idiomas,Nas suas puras interpretações.

Por tais caminhos mágicos de encantos,Fazer as contas, auferir as somas,Do amor sorrir às multiplicações.

02.10.2001

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Muitas vidas numa Vida

Se já vivemos nós mil vidas já passadas,Ainda iremos viver mais mil vidas futuras.Por estradas sem fim etéreas, perfumadas,Iremos, sim, viver, em sonhos e em venturas.

Pois nosso amor nasceu ridente de aventuras,Entre explosões de sóis clareando madrugadas.E assim seguimos nós com as esperanças puras,Sem passado e sem fim por todas as estradas.

Se, unidos somos nós – em uma duas almas –Plasmados nesse amor nas carícias mais calmas,Quando o porvir chegar trazendo novas vidas,

Iremos, sim, nos ter, pois a felicidade,Haverá de ser nossa além da EternidadePor estradas de luz sublimes e floridas.

26.05.2005

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Caminhada

Procuro praticar nos versos que fabricoA paciência que tem o Artista em seu ofício.Qual simples artesão – das palavras sou rico,E ao ato de escrever é onírico o exercício.

Cada verso composto em transe glorifico!A Poesia em minh’alma é, porém, rude vício.Se ela me dá prazer, com riquezas não fico,E ao ato de escrever é amargo o sacrifício.

É dura a caminhada, é puro o artesanato,As rimas são cristais feitos de pedras moídas,Que reluzem ao sol no fundo de um regato.

Encontrá-las, porém, belas e coloridas,É jornada cruel que deixa o sonho ingrato.Precisa-se viver numa vida mil vidas!

22.07.2004

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Argumentação

A inspiração é um argumento toloPara escrever bobagens e besteiras.Muitas vezes também entro no boloE escrevo tais estrofes faroleiras.

As verdadeiras musas mensageirasNão agem desta forma, como um roloCompressor a perder horas inteirasMas chegam devagar... Como consolo...

Nestas horas o peito se comprime,E o verso sai pungente, como um crime,Fina faca a furar a pele nua.

Nem se percebe o que escreveu de fato,Mas pinta com horror nosso retrato,Feito com o sangue que escorreu da pua.

05.12.2001

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Peito prisioneiro

Pulsa, forte no peito, o coração,E bate, bate, bate, bate, bate...– Eco de monorrítmica cançãoAo corpo nunca foge do combate.

A sua força – enorme cantochão! –Cobre-o com densa túnica escarlate.Tem a fúria suprema de um vulcãoTambém, nunca se nega a férreo embate.

Em suas claridades absolutas,Condensa as mais frenéticas disputasE jamais dá descanso em seu labor.

Mas dentro de meu peito, prisioneiro,Ele vive pulsando o dia inteiro,Por aquela a quem chamo – meu amor.

25.10.2000

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Além da Vida

Angústia é te saber estar distanteMuito além do passado e do futuro.Perdido sonho de esperança puro.Angústia de sonhar-te delirante.

E o te querer bem perto, num instante,Para clarear meu sonho, agora escuro.Na realidade és luz – porto seguro,Presença ao coração que vaga errante.

Angústia é te querer além do sonho,Muito mais da sonhada realidade,Num sem tempo da vida a que me ponho

Sonhar-te minha além desta Verdade,Para viver o coração risonho,Além da Vida, além da Eternidade!

17.03.2006

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Esperança

Outra noite de espera e novamenteO tédio, a solidão, a angústia, o medo,O desespero tétrico, o degredo,O martírio, o silêncio de repente...

O olhar além perdido, a sombra ardente,O delírio, o pavor, algum segredo,Arremedo de vultos, arremedoDe uma coisa abafada, densamente...

E a voz presa nas cordas do laringe,E o tenebroso olhar de rubra esfingeQue me oculta no escuro e me devora.

A língua presa no delírio insano,Até que as ondas verdes do oceanoCantam saudando ao sol que rompe a Aurora!

27.03.2006

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Pequenez

Ao longo desta poética viagem– Quarenta anos contínuos de jornada! –Tudo ainda me parece ser miragemE por certo é sem fim a caminhada.

Os passos na cadência da baladaLúcidos versos criam, pois a imagemQue é florida, e é formosa, e é ampla, e é áurea, é aestradaOnde sou tão pequeno personagem!

Tanto a aprender e a vida assim tão curta!Para deixar um verso ao léu compostoTanta batalha inútil a alma furta.

Porém, a noite a vida em fúria ataca,O crepúsculo em sombra deixa expostoO coração na ponta de uma estaca.

27.03.2006

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Mudo, mudo

Aleluias de sinos repicando,Glórias rubras ao sol ígneo e sangrento.Meu coração palpita barulhentoCanta a Odisséia dos que estão amando.

Profusão de sabiás num canto brando,Solfejam mil violinos junto ao vento.Há ternuras no sonho, há um movimentoE as notas musicais ficam valsando.

Te espero aqui. Que seja breve a espera.Não dura um dia a mais que nove mesesPara o Inverno romper em Primavera.

Vem que te espero em ânsias mudo. Mudo.Mudo o tempo das coisas em revezes,De um grande Nada vibra um grande Tudo.

27.03.2006

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Delírio total

Sombras espessas pela noite adentro.A passos lerdos vou moldando os passos.Compenetradamente me concentro,Enquanto fito os sepulcrais espaços.

Da noite os astros abrem-me seus braços,E do Universo vejo-me em seu centro.A Via-Láctea dá-me mil abraços,Enquanto que por ela em êxtase entro.

É o delírio total que ora me invade,Estou onde ninguém jamais esteveNo intrínseco de todo o Pensamento.

Sonho maior não há, também não há deExistir sensação assim tão breveQue, instantânea, sequer dura um momento.

28.03.2006

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Ofício literário

A Oficina onde o cérebro trabalha– Caldeiras de aço fervem a mil graus! –Parece um pandemônio e horrível caosOnde a lágrima escorre igual limalha.

A Inspiração em êxtase farfalha!Tropeço sobre estacas, sobre paus!Pensamentos profanos, atros, maus,Em enxurradas descem pela calha.

Caótico olho tudo. E com meus olhosVou perscrutando temporais e escolhos,Vendavais, maremotos e trovões.

Ao final de estupendo sacrifício,Surge a Poesia deste grande Ofício,Para alegrar cansados corações.

31.03.2006

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Caminhos

Ando caminhos turvos e nublados,Também dos próprios sonhos esquecidos.Velhos caminhos onde, abandonados,Sangrentos corações andam perdidos.

Esses caminhos tortos e largados,Em outros tempos foram já floridos.Traziam risos dos apaixonados,E continham os sonhos mais queridos.

Hoje olho esses caminhos tristes, triste.De súbito atra sensação me invadeE um pesadelo sem ter fim insiste,

Que esses caminhos trazem, por maldade,Uma lembrança ao que não mais existe,Nos passos desbotados da Saudade.

24.03.2006

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Divino Poder

Trazemos n’alma desde as mais remotas Eras,O divino poder de transmudar em CantoAs palavras que ao tempo escorrem junto às herasOu de um grotão qualquer, escondido num canto.

É o dom de ser feliz, de espargir primaveras,De espalhar pelo campo o riso aberto e o encanto.E a Fé, alada à Esperança, aos sonhos, àsquimeras,Mostra da Caridade o que é sublime e é Santo.

E assim vivemos nós presos nesta corrente,Os elos urdem nós, dobram sonhos felizes,No canto a nossa voz o Amor supremo exprime.

Mas homem mau em sombra arde na nossa frente,Transforma nosso canto em fundas cicatrizes,E com desdém sorri frente a nefasto crime.

24.03.2006

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Mudança

Este, que o espelho para mim reflete,Bem difere daquele que imagino.“A vida passa!” O espelho me repete...“Não passa o tempo!” Ilude-me um menino...

E o pânico terrível me acomete,Onde foi que ficou o meu destino?Pareço um tolo nesse tete a tete,E para trás meus rastos ilumino...

Foram passos tortuosos tal estrada...De maneira profana e desregradaEu consegui chegar até aqui.

Para frente, porém, não vejo o atalho,Muda o tempo, sequer tenho agasalho,Rugas novas me mostra o espelho... e ri...

20.01.2003

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Talvez

Talvez a vida possa ser um diaUm encontro feliz de outras mil vidas,E todas elas, cheias de magia,Possam cantar histórias já vividas.

Talvez um sonho, ou bela fantasia,Porém que as esperanças coloridasPossam brilhar num rosto que extasia,Mas que elas todas sejam divididas.

Talvez as mãos ofertem mais carinhos,E ajudem nos percalços dos caminhosE a tristeza não viva uma só vez.

Talvez um dia exista esta Unidade,Talvez exista, enfim, Fraternidade,Talvez o amor resista à dor... Talvez...

16.06.2005

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Madrugada

No lusco-fusco rompe à madrugadaFlóreos festões fosforescendo à flux.Cada nuvem – qual tocha incendiada,Como braseiro líquido – seduz.

Passa correndo a tribo dos nhambus.Sobre o espelho de prata refinadaPatos selvagens vão chegando à luzQuando inicia o sol nova jornada.

A passos largos vou picando a estrada.Meu rosto deslumbrado está sereno,Uma árvore já tece a sombra alada.

Imito pássaros em doce treno.Oh, meu Deus! Que paisagem encantada!Como sou, frente a tudo, tão pequeno!

24.04.2006

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Velha saudade

Chego em casa e a lembrança me entorpece.Em estribilhos o meu peito cantaUma sentida, uma sincera prece,Que a saudade, em tremores, se agiganta.

Artífice rolinha o ninho tece.Meu passo distraído não a espanta.Mas a saudade, em sentimentos cresce,E das lembranças teço etérea manta.

Uma velha gaiola penduradaLembra um passado de trinados cheioQue iniciava ante o vir da madrugada.

Hoje tudo está muito diferente.A lembrança perdida em devaneio,Traz a presença de meu Pai ausente.

26.04.2006

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Velho quintal

Vou ao quintal. De tudo evola o aromaDe um tempo antigo que foi muito bom.O ouvido atento busca um velho idiomaDe uma saudosa voz, timbrado tom.

Este quintal é mesmo uma redoma:Prende a lembrança, guarda antigo som.Ilumina o passado, o verso croma,Fá-lo brilhar qual brilho de neon!

Outros ninhos renovam outras vidas,Pelos canteiros lindas margaridasPrendem sons das frenéticas abelhas.

Súbito os passos paro em tal retiro,E d’alma brota trêmulo suspiro,Frente às rosas que surgem-me vermelhas.

26.04.2006

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Sobre a saudade

O tema se renova em minha mente,Mas a saudade é sempre uma saudade.Uma ausência na vida tão presente,Uma visão moldando a realidade.

Eis que me pego continuadamenteCheio de sonhos, cheio de ansiedade.A saudade é de fato uma sementeQue brota ventos frente à tempestade.

Assim, preso à saudade, o verso entranho,E, contemplando a tarde junto à porta,As rimas eu ajunto num rebanho.

A noite vem chegando ao som da Lira.A saudade é uma estrela que está morta,Mesmo assim tem seu brilho de mentira.

26.04.2006

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Prisão

Por vezes a Poesia me aprisionaE a uma prisão perpétua me condena.A Ela amarrado – que Ela é minha Dona,Meu peito à rima atado, se gangrena.

Ânsia de Liberdade me impulsionaPorém esta prisão é minha pena.Que a Poesia me cubra em sua lona,Pois a minh’alma dela vive plena.

Que eu fique preso na dourada celaE cada grade seja em meu destinoFerro para prender-me o coração.

Porém que eu possa olhar pela janela:Se ouvir tocar do campanário o sino,Pouco me importa estar nesta prisão.

26.04.2006

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Aprendiz(para meus IIIr:. da A:. R:. L:. S:. ESPLENDOR, 3480)

Sinto que sou bloco de pedra bruta.Por Buonarotti devo ser moldado.Se ainda estou sem ouvido para a escuta,Indefeso, não posso ser julgado.

Necessário vencer a grande lutaE as arestas limar de cada lado.Usar a régua, o esquadro, a força arguta,E o estudo que alavanca o aprendizado.

É preciso ter força, ter denodo,Deixar de ser poeira, erguer-se em Templo,– Arquiteto moldar a flor com o lodo.

Se não entendo o tudo que contemplo,Aprendiz – vou mirar o Espaço todo,Para, do Sol, buscar o grande exemplo!

02.09.2004

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Fúria do prazer

Tomo das tuas mãos, às minhas prendo-as. TomoTeu coração fremente e junto ao meu o amarro.Prendo tua razão, teu pensamento domo,E insano de delírio a tu’alma eu agarro.

Somos nós dois um só, somos do mesmo barroQue transformou em carne o sonho desse assomo.Pura, te quero em luz, em cujo raio esbarro,O supremo prazer sem hora, ou quando ou como!

É volúpia que vibra entre tapas e beijos,Entre escrava e Senhor, orgasmos e desejos,Entre ferir e amar e soltar e prender.

Branca visão de luz do amor que eu amo tanto,Que me faz delirar na paixão desse canto,E que me faz morrer na fúria do prazer!

16.01.2006

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Thales C. de Andrade

Se Thales não cresceu e sempre foi criança,Por que tivemos nós de nos tornar adultos,Perder do coração a efêmera esperançaE dos sonhos pueris esmagar nossos cultos?

Hoje dias sem sol nublam nossa lembrançaE fantasmas de dor arrastam os seus vultos.A ciranda morreu e sepultou a dança,Nossos sonhos azuis hoje seguem ocultos.

Se Thales mesmo adulto era um simples meninoE de cores povoou nossos sonhos dourados,Em qual atalho foi que erramos o destino,

E crescemos sem fé, entre dores e miasmas,Sem sorrisos de sol e sem sonhos alados,E colamos em nós, máscaras de fantasmas?

09.10.2003

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Sodomia

Venço tua razão, domino-te a vontade,Prendo o teu corpo arfante em transe de loucura.As tuas carnes violo em força e intensidade,Depois te deixo só dentro da mata escura.

A noite cai. A treva invade a ampla espessura.Teu corpo imóvel, preso, é tremor e ansiedade.Em vão tentas gritar, porém, forte atadura,Aprisiona teus ais, e à boca traz secura.

Presas, as tuas mãos, os nós firmes e tesos,Impedem-te escapar. Os teus olhos aflitosVasculham ao redor. Nada podes fazer...

Delírios vão além... Teus sentidos acesos...Eclodem os zuns-zuns da noite em frios gritos.Há tremor de teu corpo. Orgasmos de prazer.

25.11.2003

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Entardecer

Entardece. Há no céu vergões doiradosDe um sol vertiginoso e áureo que esmaece.No espaço aves em vôos sublimados,Fazem balé nervoso que endoidece.

Há salmos em prelúdio, apaixonados,E cânticos de luz em tom de prece.Delírios de prazer enamoradosEnquanto o Espectro densa sombra tece.

Meios tons, meias cores, há cansaçoNos rostos que retornam do trabalhoE bandos de crianças junto à rua.

Poeta fito em êxtase o amplo espaço.Teço com rimas mantas de agasalhoE cubro-me com elas vendo a lua.

21.08.2002

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Sagração

De braços dados uno-me à PoesiaE em estrofes semeio-me em ternura.Ressurjo em versos de maneira pura.Broto em rimas de cálida harmonia.

Sou primavera cheia de alegriaE sou semente para a semeadura.Ergo ao sol braços livres de ventura,Sendo feliz à vida que extasia.

Sou notas musicais, portanto canto!A música penetra meu espaço,Invade ruas, praças, avenidas.

E na linguagem pura do EsperantoTodos os homens uno em forte abraço,Para sagrar ao Sol as nossas Vidas!

19.08.2002

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Prisão

Uma cadeia é sempre uma cadeia,Não importa o tamanho que ela seja.O cativo, porém, sempre deseja,Que ela seja maior que sua aldeia.

O prisioneiro em sonhos devaneiaE o pensamento contra os céus peleja.Na imensidão azul, audaz veleja,E de artimanhas a alma vive cheia.

Porém, prisão maior é a própria Terra,Não se consegue, não, sair-se dela,E invisível cortina além a cerra.

Grades de ar nos limitam nesta fuga,A distancia uma estrela é luz de vela,Que para vê-la o olhar a testa enruga.

31.07.2004

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Meu último Soneto

(morreu o Poeta aqui)

Sinto que minhas mãos estão cansadas,Já não sentem vontade de escrever.Minhas rimas estão desanimadas,E delas já não falo com prazer.

O silêncio nas longas madrugadas,Parece preencher o meu viver.Os sonetos perfeitos, as baladas,Somente com carinhos irei ler.

Se tudo o quanto fiz teve valorÉ mérito demais contraditório.Porém, tudo compus com muito amor.

Os Poemas que fiz num sonho pulcro,Se não forem arder num crematório,Sirvam para vedar o meu sepulcro.

14.01.2006

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Soneto do sonho

Não. O sonho não pode ser real.O sonho é simplesmente fantasia.Realidade que em cores se maquiaCausando em nossa vida – um festival.

Quem não sonha, porém, não é normal.Que o sonho é o ingrediente da alquimia,Para poder viver o dia-a-diaSem perceber que tudo é natural.

Se, vivemos o sonho, que vivamosDe qualquer forma, de qualquer maneira,Que além do sonho, nada existe igual.

De nossa árvore os sonhos são os ramos,E de todas as formas é a primeiraQue conspurca nossa aura virginal.

20.11.2001

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Proibição

Meu coração parece uma avenidaOnde o trânsito passa velozmente.Passa também um mundaréu de genteNa mais desenfreada e atroz corrida.

Ele, porém, de tudo é diferente:Não tem uma só árvore florida,Não tem jardins, parece não ter vida,Nem pássaros trinando alegremente.

Mas sempre gente rápida, apressada,Ansiando mundos e encontrando nada,Sofrendo interminante falta d'ar.

Mas traz nos postes, velhas tabuletas:Um E vermelho sob as tarjas pretas,Mostrando ser proibido estacionar!

04.11.1999

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Na bateia

Este caminho que hoje em vão percorro,Em busca de um passado inexistente,Lembra o mesmo caminho diferenteDo qual em vão clamei pelo socorro.

É é tudo igual: recordo o mesmo morroE a mesma sinfonia da nascente,Mas a minha esperança sorridenteJunto à nascente, tristemente, escorro...

O mesmo atalho, mas o mesmo atalho,Necessita de dias de trabalhoPara que eu possa palmilhá-lo a limpo.

E quem sabe encontrar – como cascalho,Um sorriso de amor como agasalhoJogado na bateia do garimpo.

25.09.1997

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Saudade(Um soneto com dois finais)

A saudade que às vezes nós sentimosÉ a vontade de ter o que não temos.É o que resta distante dos extremosÉ o que deixamos quando nós partimos.

É um barco abandonado sem os remosOs braços sem adeuses nos arrimosA chegada do pranto enquanto rimosSonhos de reviver o que vivemos.

É o além da longa curva que se escondeEm sombras, bosques, prados e campinasQue a gente lembra, mas não recorda onde... 1º finalÉ a espera do amanhã que é sem espera,São tardes tristes, cheias de neblinas,É o inverno precedendo a primavera. 2º finalE a espera do amanhã que vive em fugas,São tardes tristes, cheias de neblinas,A pôr em nosso rosto angústia e rugas.

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03.12.1997Soneto Estrambótico

Converso com a Poetisa Carla Ceres(A que fez o Soneto Decomposto)E a conversa se fia em fino gostoCheia de descobertas e prazeres!

Nem parece que corre o mês de agosto.Somente a seca lembra tais sofreres.Nosso Rio em sombrios misereres,Mostra a tristeza em seu opaco rosto.

Mas a Carla, poetisa de primeira,Que até morou nos longes de GoiásÉ mesmo na Poesia uma pioneira.

Não bastou decompor o seu Soneto,(Mostra agora ser mesmo bem capaz)E coloca na forma de amuleto

Seu Soneto de jeito bem caóticoDe forma perspicazRecriando-o num mágico Estrambótico.

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19.02.2004Soneto com dois finais

É muito curta para ser pequenaDentro da Eternidade, a nossa vida.Nem chegamos – e estamos de partida;Mal subimos ao palco – e finda a cena!

Sempre alguém, a distância, um lenço acena,Triste adeus para alguma despedida;A árvore verde fica enegrecida,E o olhar se fecha em expressão serena...

A matéria apodrece e fica à míngua;Há silêncio do verbo preso à línguaE a lembrança é o que resta ao que antes fomos. (1)Mas o espírito eterno, em luzes ficaE se lava nas fontes de outra bicaPara se transformar em novos pomos! (2)E o espírito transcende ao horizonte,Se purifica n’água de outra fontePara fortalecer-se entre outros pomos.

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23.02.2001Soneto Inglês

Acumulamos no correr da vidaSonhos e sonhos, sonhos e mais sonhos.E ao longo da áurea estrada percorridaVamos seguindo alegres e risonhos.

Confiantes, vamos nós, a toda a brida,Buscar os sonhos todos que ansiamos.Mas, às vezes, a tarde enegrecida,De negras nuvens cobre esses recamos.

O sol fere com fogo os verdes ramosE cresta os nossos sonhos sem piedadeE os sonhos coloridos que sonhamosPassam a ser somente uma saudade.

E à tristeza de vê-los como sonhos,Temos no peito os corações tristonhos.

23.02.2001

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Versos de um andarilho

Como eterno andarilho vou seguindo– Passos firmes! – a velha caminhada.Repito os passos pela mesma estradaOnde sonhar, outrora, foi tão lindo.

Surgem outros ideais nessa jornada.A antigo pranto – vejo-me sorrindo.Cada vez mais o sonho é mais infindo,E faz brilhar o sol na madrugada.

De súbito, porém, eis o cansaço!Antes a câimbra não travava o passo,E os pés jamais quedavam-se cansados.

Hoje, os passos mais lerdos vou tramando,Um sorriso no rosto vou moldandoA esperar quem tem passos atrasados.

20.04.2006

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Alma da Palavra I

Da ausência o teu silêncio n’alma gritaE fico a te buscar na voz do vento.Oh, Palavra cruel, mordaz, maldita,Que reboas pelo ar em movimento!

O meu vocábulo te faz restrita.Embora te condense o pensamento.Contudo de maneira ultra-infinita,Na fala não consigo ter sustento.

Maravilha nas salas tu reboas,No vácuo do silêncio atroz tu soasVigorosa e fatal, e densa e forte.

Me equilibro nos fios de teus versos,Na ânsia de conquistar os Universos,Tombo na terra em turbilhão de morte.

21.04.2004

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Alma da Palavra II

A Palavra não pode ser julgadaSimplesmente na forma que é escrita.Antes ela precisa ser moldadaEm sua força máscula e infinita.

Quando posta na forma amalgamada,Na folha de papel que lh’a grafita,Fria e insensível fica inanimadaE seu sentido enorme é-lhe desdita.

A Palavra contém força suprema,Não existe prisão a condená-laMuito menos o ferro de ígnea algema.

A Palavra é feroz em qualquer Rito,Nada a detém no mundo, nem a iguala,E mesmo no silêncio é puro grito.

27.07.2004

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Alma da Palavra III

Quando as Palavras ferem minha menteProvocando erupções de lodo e pus,Delas, tento fazer um arcabuz,Para agredir com fúria permanente.

Quando as Palavras vêm feito semente,Desabrochando em flores de áurea luz,Desvio minhas dores, minha cruz,E me visto de um sol incandescente.

As Palavras são minhas e com elasTeço mantas douradas e de lodoUrdo constelações e treva imensa.

E vivo em calmarias e procelas,Com fragmentos remendo o mundo todo,E entre impropérios junto as mãos em crença.

09.12.2002

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Alma da Palavra IV

Moldo a Palavra de maneira fria,Aquecendo-a, porém, no pensamento.Assim crio no transe do momento,Espasmos e volúpias de alquimia.

Solto-a depois junto ao valsear do ventoE ela dança, e sem freios rodopia.Enche de cantos a amplidão vazia,Depois entra num quarto de convento.

Faz orações de fogo e de mormaço,E frágil passa a ter seus nervos de açoÉ rocha dura que no campo medra.

Eis a Palavra que em furor se mostra,Mas se transforma em pérola num’ostra,E para a morte se transmuda em pedra.

10.12.2002

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Alma da Palavra V

A Palavra – tal fio condutor –Condensa instante a instante o pensamento,Que parece voar na asa do ventoOu na hélice vibrátil de um motor.

Às vezes, num segundo traz o horror,E à alma traz o vagido do tormento.Deixa, momento após de ser lamento,Para escrever os sonhos de um amor.

A Palavra, portanto, é a arma feroz,Que pode ser escrita em folhas d’ouroOu ser articulada pela voz.

Vem, às vezes, selvagem como o touro,Outras vezes, cigana vai veloz,E mostra a falsidade de um tesouro.

21.07.2004

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Alma da Palavra VI

Teço a Palavra em teias de armadilha.Preparo-me feroz para a batalha.Afio-a com a textura da navalhaPara tramar a minha própria trilha.

Em atrito a Palavra geme e rilhaE rola em sinfonia pela calha.Depois soa e é frenética metralhaE o vocábulo deixa inerte em ilha.

Flutua leve como leve rolha,Baila sobre a água como aérea folhaE, solta iluminuras de fagulha.

Mansa, às vezes, parece doce ovelha,Mas quando frente ao caos ela se espelha,Solta ruídos densos de patrulha.

23.01.2003

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Alma da Palavra VII

A Palavra – quem dela toma conta?Se ao vê-la fria sobre o DicionárioUm pânico de morte me amedrontaComo posso seguir-lhe o itinerário?

A Palavra – quem dela fica tonta?Se a usá-la em frios passos de um CalvárioO pensamento em transes se remontaE frige em seu fulgor extraordinário?

À Palavra é impossível ter-se afeto!Necessita-se usar régua e compassoE cálculos de um máximo Arquiteto.

Fria na mente, em fogo se condensa,E a galgar os meus olhos para o espaço,A luz se mostra em lavradia crença.

17.09.2004

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Alma da Palavra VIII

A Palavra é a metáfora e é com elaQue tramo em cismas minha sinfonia.Me abasteço de pura fantasiaE transformo-a em frenética procela.

A Palavra tem cores e na telaCrio imagens de pura simetria.Depois a fúria imensa me saciaE transformo-a na chama de áurea vela.

A Palavra tem palpos como a aranha,Sedosamente tece a sua teiaE com garras de fogo atroz me arranha.

No mundo do silêncio, eis a Palavra:Quanto mais ela em fogo a alma incendeia,Quanto mais a minh’alma em chama a lavra.

04.02.2003

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Alma da Palavra IX

A Palavra na síntese explosivaTem a força da bala de canhão.Causa furor e causa destruição,E no silêncio reage corrosiva.

A Palavra é a cadência pura e viva.Tem passos fortes numa evolução.Domínio imponderado da Razão,Espoleta de fogo, quando ativa.

Hecatombe do medo, eis a Palavra,Quando o Poeta em puro êxtase a lavra,Na picada da pura perfeição,

Transmuda a sua força viva e forte,Traz o advento e à existência dá suporte,Como pode servir de extrema-unção!

10.11.2005

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Tempestade

Relâmpagos, trovões, ziguezagueios De luz.O céu sacode as nuvens de seus seios A flux.

Óperas infernais e bruxuleios E truz! As árvores ensaiam seus rodeios E sus!

Dinamites e pólvora explodindo.Parece até que à terra vem caindo O céu.

Demônios rugem, brilha o largo espaço.Eu medroso, de tudo aprumo o passo, Ao léu.

22.02.2002

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Monossilábico

Sus!ALuzJá

LuzNaCruzDa

Fé.ÉDeus

QueSeusVê!

12.10.89

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Tereza

Teresa é um sonho bom... Uma lembrançaEscandalosamente perfumada.Um desejo incontido, uma esperança,Um sonho a perfumar a madrugada.

Teresa é um vinho bom que à mente entrançaPara fazer florir a alma indomada.Um sorriso inocente de criança,Sorriso de Mulher apaixonada

Teresa é uma esperança fugidia,Sonho distante de uma fantasia,Realidade que baila em minha vida.

Teresa é sonho de um viver amante,Desejo de viver um sonho arfante,Uma presa paixão sempre querida.

23.12.1991