10
ESTUDOS AVANÇADOS 26 (76), 2012 29 ÃO SE TRATA de discutir aqui a questão de saber se a poesia é ou não traduzível. Partamos do fato de que a poesia sempre foi traduzida e sempre o será, e examinemos, de preferência, a especificidade da opera- ção tradutória que tem por objeto a poesia em sua manifestação textual mais característica: o poema. Observemos, primeiro, que se pode traduzir poesia sem que nem por isso se faça tradução poética, como fazem, infelizmente, com frequência, nu- merosos tradutores, especialmente na França. Vamos justamente tentar en- contrar no texto o que constitui a manifestação do poético e verificar que operações, no ato de tradução, permitem “fazer passar” esse poético para o texto traduzido; noutras palavras, como traduzir um texto do tipo poético de maneira que ele seja manifestado como poesia na língua-cultura que o acolhe. Na distribuição tipológica dos textos não há compartimentos estanques, emparedados, mas antes, dois polos rumo aos quais tendem os textos, ocupando espaços com limites mais ou menos indefinidos. Em um lado encontra-se o polo do conceito, do significado, e no outro extremo, o polo do significante, do elemento material do signo. Alguns textos são marcados pela primazia do conceito. O que é importante preservar são as ideias, os fatos, as relações, os processos. Há compromisso com uma realidade exterior ao texto, com uma racionalidade considerada como objetiva, com uma lógica que se rege pelo critério de verdade. Nesse caso, a relação entre o signi- ficado e o significante aparece como totalmente arbitrária, e o caráter linear do significante se impõe. Esse fica reduzido à condição de veículo do conceito, o que me faz chamar de veicular esse tipo de textos. Nessa categoria se inserem os textos ditos científicos, técnicos, informativos, pragmáticos, argumentativos etc. Assim, no relatório de uma experiência física ou de uma operação, na demons- tração de um teorema de geometria, nas instruções para o uso de um aparelho, na descrição de um acidente rodoviário, a primazia do conceito sobre a mate- rialidade do signo se impõe, e a relação com um referente externo exige uma leitura linear e unívoca para que seja plenamente cumprida a função do texto. O tradutor, pois, reescreve um texto desse tipo, deve cuidar primordial- mente para que o sentido seja respeitado o mais estritamente possível; para tanto, a escolha do léxico e da estrutura das frases deve ser feita em razão dos conceitos veiculados de modo a permitir essa leitura unívoca e clara que evitará “erros de Sentido e significância na tradução poética 1 MáRIO LARANJEIRA N

Poética Da Tradução - Do Sentido à Significância

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Poética Da Tradução - Do Sentido à Significância. Mario Laranjeira

Citation preview

  • estudos avanados 26 (76), 2012 29

    o se trata de discutir aqui a questo de saber se a poesia ou no traduzvel. Partamos do fato de que a poesia sempre foi traduzida e sempre o ser, e examinemos, de preferncia, a especificidade da opera-

    o tradutria que tem por objeto a poesia em sua manifestao textual mais caracterstica: o poema.

    Observemos, primeiro, que se pode traduzir poesia sem que nem por isso se faa traduo potica, como fazem, infelizmente, com frequncia, nu-merosos tradutores, especialmente na Frana. Vamos justamente tentar en-contrar no texto o que constitui a manifestao do potico e verificar que operaes, no ato de traduo, permitem fazer passar esse potico para o texto traduzido; noutras palavras, como traduzir um texto do tipo potico de maneira que ele seja manifestado como poesia na lngua-cultura que o acolhe.

    Na distribuio tipolgica dos textos no h compartimentos estanques, emparedados, mas antes, dois polos rumo aos quais tendem os textos, ocupando espaos com limites mais ou menos indefinidos.

    Em um lado encontra-se o polo do conceito, do significado, e no outro extremo, o polo do significante, do elemento material do signo. Alguns textos so marcados pela primazia do conceito. O que importante preservar so as ideias, os fatos, as relaes, os processos. H compromisso com uma realidade exterior ao texto, com uma racionalidade considerada como objetiva, com uma lgica que se rege pelo critrio de verdade. Nesse caso, a relao entre o signi-ficado e o significante aparece como totalmente arbitrria, e o carter linear do significante se impe. Esse fica reduzido condio de veculo do conceito, o que me faz chamar de veicular esse tipo de textos. Nessa categoria se inserem os textos ditos cientficos, tcnicos, informativos, pragmticos, argumentativos etc. Assim, no relatrio de uma experincia fsica ou de uma operao, na demons-trao de um teorema de geometria, nas instrues para o uso de um aparelho, na descrio de um acidente rodovirio, a primazia do conceito sobre a mate-rialidade do signo se impe, e a relao com um referente externo exige uma leitura linear e unvoca para que seja plenamente cumprida a funo do texto.

    O tradutor, pois, reescreve um texto desse tipo, deve cuidar primordial-mente para que o sentido seja respeitado o mais estritamente possvel; para tanto, a escolha do lxico e da estrutura das frases deve ser feita em razo dos conceitos veiculados de modo a permitir essa leitura unvoca e clara que evitar erros de

    Sentido e significnciana traduo potica1Mrio Laranjeira

    N

  • estudos avanados 26 (76), 201230

    interpretao e garantir a equivalncia do texto de chegada ao texto de partida no que concerne sua performance do ponto de vista da funo comunicativa.

    Por sua vez, existem os textos que tendem em direo ao polo do signi-ficante, em que a materialidade do signo prevalece sobre o conceito: o fone-ma recupera o seu valor de som, a escrita assume com frequncia aspectos icnicos, a arbitrariedade do signo se enfraquece em proveito da motivao das relaes entre significado e significante, e esse deixa de ser simples veculo do primeiro para vir a determin-lo, a engendr-lo. A leitura linear substituda pela leitura retroativa e tabular que redefine as relaes entre os elementos da cadeia discursiva. Considerado do ponto de vista no simplesmente lingustico, mas semanaltico, a linearidade sinttica batida em brecha, deixando infiltrar--se o semitico no simblico (cf. Kristeva, 1974, p.40, 67-9 passim) sob a ao das pulses corporais do sujeito. esse novo modo de produo do sentido que acontece no interior do texto mediante o jogo das foras que subtendem a significao a que se chama significncia, por oposio ao sentido referencial.

    A significncia responsvel pela abertura da significao a leituras ml-tiplas, todas plausveis, e isso uma das marcas do texto potico, por oposio univocidade do texto veicular. Como se v, estamos diante de um modo bem diferente de significar, que a marca do texto potico, do poema. Segundo Michael Riffaterre (1983, p.11), o poema nos diz uma coisa e significa outra, e isso se explica inteiramente pela maneira como o texto potico gera o seu sen-tido. Riffaterre (1983, p.13ss.) reserva o termo sentido para a informao for-necida pelo texto mimtico2 e emprega o termo significncia para designar essa unidade formal e semntica que contm os ndices da obliquidade. Esses ndices assinalam que o texto faz explodir os limites da mimese e que deve ser lido e in-terpretado em outra dimenso, a da semiose, que ultrapassa o nvel estritamente lingustico. A significncia uma manifestao da semiose.

    O tradutor do poema deve, pois, ter diante de seu texto uma atitude bem diferente daquela do tradutor de um texto veicular. Enquanto esse traduz espe-cialmente o sentido, o primeiro deve, em sua operao de reescrita, fazer que passe para o seu texto a significncia especfica do poema original, pois ela cons-titui a sua carteira de identidade.

    Mas como a atividade do tradutor principia sempre por uma leitura, preciso que esse leitor-escritor leve em conta todos esses fatos observveis e identificveis como responsveis pela obliquidade semntica do poema, isto , as marcas textuais da significncia, e que trabalhe para recuper-las no texto que produz. Essas marcas so numerosas. Indicarei apenas algumas entre as mais importantes.

    Para ultrapassar os limites da mimese e atingir a significncia, o leitor--tradutor deve vencer certos obstculos, dos quais o primeiro constitudo pelas agramaticalidades. Se admitirmos que a gramtica o soco que sustenta o pilar da significao referencial, toda violncia normalidade gramatical pode ser vis-

  • estudos avanados 26 (76), 2012 31

    ta como uma derrogao da mimese, isto , que as agramaticalidades so ndices de que o texto deve ser lido em outro nvel. O sentido, ameaado no nvel mi-mtico, recompe-se no nvel superior da semiose. Assim, as agramaticalidades, que no bastam por si ss para constituir o nvel semitico do texto, devem, entretanto, ser consideradas como chaves da significncia.

    Lembro que o termo agramaticalidade usado aqui em sentido amplo e no exclusivo, contrariamente ao uso que dele fazem os gramticos gerativistas. Ele pode designar desde os casos mnimos de perturbao da linearidade sint-tica at aqueles casos extremos que conduzem ao hermetismo ou esbarram no contrassenso. O prprio verso, seja ele regular ou livre, pode ser visto como uma espcie de agramaticalidade na medida em que se define como perturbao da linearidade gramatical:

    A ordenao sinttica dos elementos na frase e da frase no pargrafo encontra-se, em poesia, trabalhada e contestada pelo verso. Diferentemente da prosa como discurso que vai para a frente, o verso desloca os elementos e sobrepe os prin-cpios do metro e do paralelismo linearidade gramatical. (Adam, 1985, p.221)

    Da mesma forma, as recorrncias lexicais, semnticas, sintticas e fnicas que chamam a ateno do leitor por seu carter inslito podem ser consideradas como agramaticalidades lato sensu.

    O tradutor, que deve traduzir as agramaticalidades e no elimin-las sob pena de perder uma das chaves da significncia, se ver muitas vezes em-baraado com o fato de que lnguas diferentes tm gramticas diferentes e, em consequncia, as agramaticalidades no so as mesmas, ou no so da mesma natureza. Assim, a anteposio do adjetivo ao substantivo pode, em certos casos, constituir uma agramaticalidade em francs, em portugus e nas lnguas rom-nicas em geral. Essa agramaticalidade no pode ser traduzida por uma agramati-calidade da mesma natureza em ingls pelo simples fato de que, nessa lngua, a anteposio do adjetivo constitui a regra geral. O tradutor deve, pois, violar ou-tro ponto da gramtica para recuperar um nvel equivalente de agramaticalidade.

    Outro ndice textual da significncia que importante assinalar o signo duplo. Michael Riffaterre (1983, p.113) define o signo duplo ou ponto nodal como sendo uma palavra equvoca situada na interseco de duas sequncias de associaes semnticas ou formais. Quando acontece de o signo duplo ser o t-tulo, a sua fora como fator de obliquidade fica extraordinariamente aumentada, pois o ttulo muitas vezes a matriz de que o poema a expanso. Como o sig-no duplo na realidade um significante nico que, em dada lngua, veicula dois significados diferentes, a sua utilizao em poesia constitui um caso particular de jogo de palavras ou um trocadilho. Ora, sabe-se que o jogo de palavras , em geral, intraduzvel pelo fato de que, em outra lngua, se ter normalmen-te um significante diferente para cada um dos significados do signo duplo. O tradutor de poesia deve colocar em jogo a sua imaginao e o seu domnio dos recursos de sua lngua para recuperar o efeito de poesia que, no original, decorre

  • estudos avanados 26 (76), 201232

    do emprego de um signo duplo, seno um elemento da significncia ficar irre-mediavelmente perdido. o caso da traduo do poema de Carlos Drummond de Andrade (1976, p.120-1), intitulado Poema-orelha, por Jean-Michel Massa, de que transcrevo, a seguir, os quatro primeiros versos:

    POME-OREILLE

    Voici loreille du livrepar o le pote coutesi on parle mal de luiou si on laime.

    uma traduo palavra por palavra do original brasileiro. Mas Drum-mond tinha jogado com a palavra orelha que, em portugus, um signo du-plo: designa seja o pavilho exterior do aparelho auditivo, seja a dobra da capa de um livre na qual o editor muitas vezes insere comentrios sobre o contedo do volume ou a opinio de crticos e leitores. Tal ambiguidade no existe em francs; a obliquidade de significao se perde. Voici loreille du livre percebi-do, em francs, como uma figura de inveno, como uma metfora nova, ao pas-so que, em portugus, orelha do livro uma lexia de uso corrente atestada pelos dicionrios. O interesse e a originalidade do texto brasileiro residem no fato de que o poema a expanso do ttulo-matriz; isso quer dizer que a gramtica da significncia do texto consiste justamente em explorar as relaes existentes en-tre os dois significados manifestados por um s e mesmo significante.

    Os interpretantes textuais constituem um terceiro indcio da passagem do nvel mimtico para o nvel semitico ou da significncia que a traduo potica deve levar em conta. A passagem do sentido significncia impe o conceito de interpretante, um signo que governa a interpretao dos signos superficiais do texto e explicita tudo o que esses signos apenas sugerem, diz-nos ainda Riffa-terre3 (1983, p.107).

    Examinemos, a ttulo de exemplo, o curto poema de Jacques Prvert (1985, p.38-9):

    MEA CULPA

    Cest ma fauteCest ma fauteCest ma trs grande faute dorthographeVoil comment jcrisGiraffe.

    O ttulo do poema um interpretante textual na medida em que remete ao Confiteor, orao que integra a tradio crist e que, em cada lngua-cultura,

  • estudos avanados 26 (76), 2012 33

    possui uma frmula cannica, oficial, uma forma fixa. Prvert reproduz ipsis litteris uma parte do texto cannico em francs: Cest ma faute, cest ma faute, cest ma trs grande faute. Estamos imersos, por esse interpretante, na isotopia do ritual cristo, do pecado e do perdo... Mas, para grande surpresa do leitor, bem no meio do poema, h uma ruptura provocada pelo signo duplo faute4 que, embora pertencendo isotopia da religio, lana-nos, pelo seu determinante dorthographe , na isotopia da escola, onde se situa toda a sequncia do texto. O modo de expanso da matriz ou a gramtica da significncia est, pois, centrado num interpretante textual (confiteor) e num signo duplo (faute).

    Transcrevemos a seguir a traduo desse poema feita pelo poeta e tradutor brasileiro Silviano Santiago (Prvert, 1985):

    MEA CULPA

    ErreiErreiQue enorme erro de ortografiaEis como escreviGirrafa

    O texto traduzido perdeu inteiramente a poeticidade do original pela sim-ples razo de que o tradutor no soube conservar a gramtica da significncia, isto , no texto de chegada o interpretante textual, que seria o texto cannico do Confiteor em portugus (Minha culpa, minha culpa, minha mxima culpa...), e o signo duplo desaparecem.

    Eu proporia, pois, a traduo seguinte, que leva em conta as observaes feitas antes:

    MEA CULPA

    Minha culpaMinha culpaMinha mxima culpa em ortografiaVejam como escreviBassia

    Assim, alm de conservar o interpretante e a passagem da isotopia da re-ligio para a isotopia da escola, podem-se preservar alguns outros elementos da significncia como o ritmo do original e a primazia do elemento material do signo sobre o conceito. Sem dvida, traduzindo giraffe (girrafa na traduo de S. Santiago) por bassia (cuvette ou bassin em francs, literalmente), fiz uma operao completamente inconcebvel em traduo pragmtica, mas per-feitamente plausvel em traduo potica. Com efeito, quando Prvert escolheu

  • estudos avanados 26 (76), 201234

    a palavra giraffe para fechar o seu texto, no o fez em razo de seus compo-nentes semnticos (animal, mamfero, quadrpede, de pescoo comprido etc.), mas por duas razes especficas: primeiro pela recorrncia fnica (orthographe/giraffe) e em seguida porque o redobramento da consoante f nessa palavra fica s no domnio da grafia, sem nenhuma consequncia fnica ou fonmica. Acon-tece o mesmo com a palavra bassia (cuja ortografia correta em portugus bacia), que rima com ortografia e contm um erro estritamente grfico. S foram considerados os elementos materiais da palavra. Ora, a opo de Santiago, tentando manter os elementos conceituais de girafe (= girafa, em portugus) perdeu a recorrncia fnica e acrescentou um erro de fontica ao erro de grafia: em portugus, o rr (erre duplo) intervoclico se pronuncia diferentemente do r (erre simples) intervoclico.

    Outras marcas textuais da significncia mereceriam ser examinadas aqui em razo da traduo potica do poema, mas os limites deste artigo impem

    jacques Prvert (1900-1977).Fo

    to L

    atin

    stoc

    k

  • estudos avanados 26 (76), 2012 35

    restries. Limitar-me-ei, pois, a citar mais uma para terminar. Trata-se daquilo que J.-M. Adam (1985, p.29), retomando um artigo de Jacques Aris, chama de visi-legibilidade do texto potico. Vimos que se acede significncia do poema por uma leitura em duas etapas: a primeira, linear, mimtica; a segunda, retroa-tiva, tabular, semitica. Existe, entretanto, uma pr-leitura estritamente visual, baseada na distribuio espacial da massa textual sobre a pgina. Ela no partici-pa da discursividade lingustica, mas se apresenta como uma percepo global e acrnica, no sequencial, como nas artes plsticas.

    Ver no potico uma arte da palavra situar a mensagem no tempo e as-sim privilegiar a descodificao sequencial que institui uma hierarquia linear dos materiais lingusticos a serem levados em considerao em certa ordem. Tomar, ao contrrio, a pgina como lugar da manifestao potica dar, de imediato, a primazia a uma descodificao globalizante [...]. O poema se mostrar primeiro como um macro-signo espacializado... (Delas e Filliolet, 1973, p.176).

    A visi-legibildade tem como funo primordial gerar o efeito de poema ou o efeito-poema (cf. Adam, 1985, p.29). Lanando um olhar sobre a pgina onde se insere o texto, v-se que se trata de um poema e no de um artigo de jornal, de uma carta ou de um conto, e isso cria no leitor a predisposio a uma leitura potica, no referencial, que buscar o sentido oblquo, a significncia potica.

    Para o tradutor de poemas, a traduo comea pela transposio da visi--legibilidade. Um soneto deve ser traduzido por um soneto, um poema em ver-sos livres por um poema em versos livres, e assim por diante. Proceder de outra maneira seria afastar-se da traduo rumo a uma recriao livre, ou, para retomar o termo que Joachim du Bellay usou j no sculo XVI, rumo simples inutrio. A traduo sempre teve compromisso com a visi-legibilidade do original. Esse compromisso admite certa flexibilidade, sem dvida, mas o tradutor no pode ignor-la e deve tentar recuper-la. O respeito visi-legibilidade desempenha um papel importante na traduo potica de todos os tempos na medida em que ela a guardi de certos traos que a situam em seu tempo e em seu espao cultural; mas essa importncia cresce quando se trata dos textos de certos poetas modernos como e. e. cummings,5 ou os neoconcretistas, por exemplo.

    Em suma, se se pode falar de fidelidade em traduo, a fidelidade em tra-duo potica consistir na recuperao, no texto de chegada, das marcas tex-tuais da significncia, de maneira que o texto de chegada possa ser no somente um poema na lngua-cultura de acolhimento, mas um poema homogneo ao poema original no que constitui a sua identidade potica.

  • estudos avanados 26 (76), 201236

    Notas

    1 O artigo foi publicado, em francs, na revista Meta (v.2, p.217-222, 1996), do Canad.

    2 A mimese caracterizada por uma sequncia semntica com variao contnua, isso porque a representao fundamentada no carter referencial da linguagem (Riffater-re, 1983, p.13).

    3 Como se v, a concepo de interpretante em Riffaterre tem uma extenso mais ampla do que em Peirce (1977, p.43).

    4 Em francs, a palavra faute tanto pode significar erro de qualquer espcie como pecado ou culpa.

    5 Sobre o papel da espacialidade na traduo de e. e. cummings, veja-se o artigo de Guy Leclerc (1987).

    Referncias

    ADAM, J.-M. Pour lire le pome. Bruxelles: De Boeck, 1985.

    DELAS, D.; FILLIOLET, J. Linguistique et potique. Paris: Larousse, 1973.

    DRUMMOND DE ANDRADE, C. runion/reunio, pomes choisis. Traduits et pr-facs par Jean-Michel Massa. Paris: Aubier Montaigne, 1976.

    KRISTEVA, J. La rvolution du langage potique. Paris: Seuil, 1974.

    LECLERC, G. Traduire la posie, cest faire de la posie. Quelques jalons dans lapproche dun pome de e. e. cummings. revue desthtique, Toulouse, n.12, p.117-119, 1987.

    PEIRCE, C. S. Semitica. So Paulo: Perspectiva, 1977.

    PRVERT, J. Poemas. Seleo e traduo de Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

    RIFFATERRE, M. Smiotique de la posie. Paris: Seuil, 1983.

    resumo Na traduo do texto pragmtico, a ateno deve voltar-se particularmen-te para os conceitos e para a relao entre eles, de modo a salvaguardar a sua funo comunicativa e a sua tendncia univocidade. Na traduo potica, predominam os elementos materiais do signo e a passagem para o nvel superior da significao oblqua, para o nvel semitico da significncia, o que permite a leitura mltipla pela quebra da referencialidade externa.

    palavras-chave: Traduo, Tradutor, Poemas, Jacques Prvert, Carlos Drummond de Andrade.

    abstract When translating a pragmatic text, special attention must given to the con-cepts, and to the relationship between them, so as to safeguard their communicative function and their tendency to univocality. In poetic translation, there is a predominan-ce of the material elements of the sign and a shift to the higher level of oblique signifi-cation, i.e., to the semiotic level of significance, allowing multiple readings by breaking the external referentiality.

  • estudos avanados 26 (76), 2012 37

    keywords: Translation, Translator, Poems, Jacques Prvert, Carlos Drummond de An-drade.

    Mario Laranjeira professor aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo e tradutor de obras de filosofia, literatura e ensastica francesa. Em 1997, ganhou o prmio Jabuti pela traduo de Poetas de Frana hoje. Atuou como professor visitante em Toulouse, Rennes e Bordeaux, na Frana, e vive em So Paulo. Tem mais de quarenta publicaes entre livros autorais, tradues e artigos. @ [email protected]

    Recebido em 13.7.2012 e aceito em 27.7.2012.

  • estudos avanados 26 (76), 201238