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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Poéticas da cidade: representações das manifestações populares de São Luiz do Paraitinga Gisele Jordão 1 ESPM-SP Resumo O contexto contemporâneo traz novas realidades e interpretações sociais bem como novas formas de viver, de pensar, de se relacionar. Em uma sociedade estruturada pelas novas tecnologias que imbricam no uso e na produção intensa de informações, a cultura, mais do que nunca, é um forte sistema simbólico a permear as interações na sociedade global. As manifestações populares ganham atenção e, neste novo contexto proposto, suas dimensões tradicionais de sentido não mais acompanham suas necessidades na contemporaneidade. Por este motivo, propõe-se como objetivo para este artigo, observar as poéticas destas manifestações no contexto contemporâneo e suas influências no consumo, a partir de algumas teorias estruturantes do contexto. Assim, a partir de um estudo de caso, constroem-se as ideias de contemporaneidade, de representação estética e poética, de espaço urbano e de apropriação deste espaço. Palavras-chave: cultura popular; contemporaneidade; poética e consumo; São Luiz do Paraitinga. Epistemologia da perspectiva contemporânea A cultura realiza-se como elemento constitutivo da forma de viver contemporânea, estruturada basilarmente pela relação comunicação-consumo. Certamente, suas formas de representação na sociedade contemporânea ganham novos contornos e atenções. Contudo, antes de se iniciar a digressão teórica com o propósito de refletir sobre como representações do popular estabelecem-se nas poéticas de consumo contemporâneas da cidade, faz-se necessária a contextualização epistemológica, e por que não dizer, histórica, do raciocíonio a ser construído (PAREYSON, 1997). Desta forma, apresentam-se as características centrais de acercamento para a construção do proposto: a ideia de contemporaneidade, de pós- modernidade. Sociedade informacional, sociedade em rede (CASTELLS, 2000), sociedade pós-moderna (LYOTARD, 2000; CONNOR, 2004), sociedade-mundo 1 Doutoranda em ci (PPGCOM ESPM-SP), professora da ESPM São Paulo e integrante do grupo de pesquisa Comunicação, consumo e arte (ESPM). Desenvolve pesquisas orientadas ao entendimento de consumo cultural, gestão cultural e atores da cultura. [email protected]/[email protected]

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PPGCOM  ESPM  //  SÃO  PAULO  //  COMUNICON  2015  (5  a  7  de  outubro  2015)  

Poéticas da cidade: representações das manifestações populares de São Luiz do Paraitinga

Gisele Jordão1

ESPM-SP

Resumo O contexto contemporâneo traz novas realidades e interpretações sociais bem como novas formas de viver, de pensar, de se relacionar. Em uma sociedade estruturada pelas novas tecnologias que imbricam no uso e na produção intensa de informações, a cultura, mais do que nunca, é um forte sistema simbólico a permear as interações na sociedade global. As manifestações populares ganham atenção e, neste novo contexto proposto, suas dimensões tradicionais de sentido não mais acompanham suas necessidades na contemporaneidade. Por este motivo, propõe-se como objetivo para este artigo, observar as poéticas destas manifestações no contexto contemporâneo e suas influências no consumo, a partir de algumas teorias estruturantes do contexto. Assim, a partir de um estudo de caso, constroem-se as ideias de contemporaneidade, de representação estética e poética, de espaço urbano e de apropriação deste espaço. Palavras-chave: cultura popular; contemporaneidade; poética e consumo; São Luiz do Paraitinga.

Epistemologia da perspectiva contemporânea

A cultura realiza-se como elemento constitutivo da forma de viver contemporânea, estruturada basilarmente pela relação comunicação-consumo. Certamente, suas formas de representação na sociedade contemporânea ganham novos contornos e atenções. Contudo, antes de se iniciar a digressão teórica com o propósito de refletir sobre como representações do popular estabelecem-se nas poéticas de consumo contemporâneas da cidade, faz-se necessária a contextualização epistemológica, e por que não dizer, histórica, do raciocíonio a ser construído (PAREYSON, 1997). Desta forma, apresentam-se as características centrais de acercamento para a construção do proposto: a ideia de contemporaneidade, de pós-modernidade.

Sociedade informacional, sociedade em rede (CASTELLS, 2000), sociedade pós-moderna (LYOTARD, 2000; CONNOR, 2004), sociedade-mundo 1Doutoranda em ci (PPGCOM ESPM-SP), professora da ESPM São Paulo e integrante do grupo de pesquisa Comunicação, consumo e arte (ESPM). Desenvolve pesquisas orientadas ao entendimento de consumo cultural, gestão cultural e atores da cultura. [email protected]/[email protected]

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(MORIN, 2003), sociedade pós-capitalista (DRUCKER, 1999), entre tantas outras denominações, são representações do entendimento de uma nova forma social munida tecnologicamente, com alto grau de utilização de informação e novos entendimentos de espaço e tempo.

Contudo, uma série de estruturas basilares desta relação foram construídas na modernidade. A industrialização da cultura e a noção de indústrias culturais (ADORNO e HORKHEIMER, 1985), por exemplo, datam de tempos modernos ainda que tais ideias sejam, mesmo que como contrapontos, esteios da contemporaneidade. Neste sentido, corroboram Boltanski e Chiapello (2009) quando, em digressão histórica desde 1968 reconstróem o percurso ideológico das transformações do capitalismo, configurando em um quadro teórico novos sentidos que justificam a ideia do novo espírito do capitalismo.

Nesta discussão, pode-se destacar o filósofo francês Jean-Francois Lyotard que, em sua obra de 1979, La condition postmoderne: rapport sur le savoir, sugere que “o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX” (LYOTARD, 2000, p. xv) altera o status do saber na contemporaneidade, que favorece a verificação das diferenças.

É pautado pelas perspectivas de mudança do saber – centrada na reificação do conhecimento – que Lyotard (2000) rejeita qualquer possibilidade de visão totalizante ou certeza absoluta acerca do mundo e valoriza as pequenas narrativas quando “considera todo o domínio do social, sob a pós-modernidade, como intrinsecamente estético - organizado, mas não em termos de poder, mas de estrutura narrativa, linguística e libidinal” (CONNOR, 2004, p. 41). Isto parece, na proposta do autor, ser um marco para o debate entre modernidade e pós-modernidade.

Stuart Hall (2006) estrutura sua interpretação da pós-modernidade por meio da compreensão da concepção da identidade do sujeito – e como ele a constrói -, traduzindo uma nova perspectiva epistemológica a partir do entendimento do sujeito pós-moderno, fruto das transformações contemporâneas,

conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 1987 apud HALL, 2006, p. 12-13).

Assim como em Hall (2006), centrado nos estudos culturais da sociologia da cultura, a questão da alteração da essência do sujeito está presente em diversas abordagens e temas como, por exemplo, na educação, na antropologia e na sociologia, na metodologia científica, na cultura, na filosofia, nas artes, na história. Consequentemente, a formação de novas subjetividades é, também, abordada a partir de tais perspectivas. O “sujeito centrado” (PELBART, 2011, p. 11) dá lugar à centralidade do sujeito – e de suas subjetividades -, aquele que “só toma sentido num ecossistema (natural, social, familiar, etc.)” (MORIN, 2007, p. 48).

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O geógrafo David Harvey (2012) argumenta que o pós-moderno pode ser levado em consideração para significar um estágio descentralizado e diversificado no desenvolvimento do local de mercado. Uma nova forma de fabricação, que coordena uma diversidade de fontes em busca de maior flexibilidade de produção, é resultado dos tempos pós-modernos. O autor (2012) sugere que a ressignificação do espaço e do tempo, possível de ser concebido pluralmente em sua perspectiva, é consequência da percepção de que tudo é avassaladoramente “vasto, intratável e fora do controle individual” (HARVEY, 2012, p. 315). Estruturado por tais idéias sugere que, por meio da renovação do materialismo histórico, é possível compreender a pós-modernidade como condição histórico-geográfica.

Com essa base crítica, torna-se possível lançar um contra-ataque da narrativa contra a imagem, da ética contra a estética e de um projeto de Vir-a-Ser em vez de Ser, buscando a unidade no interior da diferença, embora um contexto em que o poder da imagem e da estética, os problemas da compreensão do tempo-espaço e a importância da geopolítica e da alteridade sejam claramente entendidos (HARVEY, 2012, p. 325).

Nota-se que por interesses e ênfase distintos, perspectivas diversas e formações diferentes, a transformação ou transição apresentada nos autores citados – e em tantos outros – é nomeada distintamente, a saber, revolução tecnológica (CASTELLS, 2000), pós-modernidade e pós-modernismo (LYOTARD, 2000; JAMESON, 2007; HARVEY, 2012; HALL, 2006), a era planetária (MORIN, 2003), capitalismo tardio (JAMESON, 2007), modernidade tardia (JAGUARIBE, 2007), entre outras. De certa forma, de acordo com a perspectiva experimentada, verificam-se características mais proeminentes e menos proeminentes. Como ressalta Nicolaci-Da-Costa (2004)

para alguns, os avanços tecnológicos são determinantes do quadro de mudanças atual. Para outros, esse papel central é desempenhado por fatores econômicos. Para muitos, a mudança representa uma ruptura com o que veio antes; para outros tantos, essa mesma mudança é apenas um outro estágio da velha ordem. NICOLACI-DA-COSTA (2004, p. 83).

Os tratamentos sobre este novo contexto são diversos e múltiplos. Estas abordagens são verificadas em perspectivas favoráveis ao entendimento de uma nova proposta – pós-modernidade –, ontológica ou epistêmica ou contestadoras, apontando-as como modismos ou mesmo avaliações precipitadas. Fato é que em todos os autores citados, mesmo em aqueles que não aceitam a proposta de um novo período ou uma nova epistemologia, há a consideração de novas formas de viver, de pensar ou, ainda, de se relacionar.

Em todas estas abordagens, verifica-se que o tempo e o espaço são elementos continuamente abordados e, não raro, as cidades, suas dinâmicas, seus fluxos e interações recebem destaque. A organização social se enquadra aos novos parâmetros, acarretando em novas malhas sociais, centros urbanos de diferentes constituições, com miscigenações culturais das mais diversas que se modelam no entorno desse ambiente urbano (GARCÍA CANCLINI, 2003, p. 284-290). Entende-se

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aqui que “a cidade é uma das chaves culturais para entender o movimento da arte e o movimento das mercadorias, não para inteirar-se, por curiosidade ou inclinação difusa, de como são as cidades” (SARLO, 2005, p. 100). Assim, é a partir da cidade e de sua observação que se pretende construir a ideia de suas poéticas.

Ambiente urbano, experimentação subjetiva

De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.

Marco Polo em conversa com Khan. As cidades invisíveis. Ítalo Calvino.

Se os novos parâmetros, como apontados anteriormente, fundamentam um novo ambiente urbano, o que se pode, então, entender por cidade na perspectiva contemporânea? No pensamento moderno, a cidade era entendida como o “oposto do campo, ou um tipo de agrupamento extenso e denso de indivíduos socialmente heterogêneos. Nas últimas décadas, tenta-se caracterizar o urbano levando em conta também os processos culturais e os imaginários dos que o habitam.” (GARCÍA CANCLINI, 2008, p. 15). Neste sentido, a superposição destes imaginários desdobrados em “pastiches, paródias, apropriação de elementos e referências do passado mesclados com o presente” (CARRASCOZA, 2011, p. 48) resultam em representações da cidade, de seus indivíduos, de seus coletivos, de suas redes de afeto. O momento coletivo, já caracterizado por Bakhtin (2010) como elemento do popular, é visualizado, muitas vezes, em representações de lugares das cidades como, por exemplo, a praça pública.

Afinal, se é no consumo de produtos, de serviços, de bens, de informações e, assim, de símbolos que “construímos nossos próprios significados, negociamos nossos valores e, ao fazê-lo, tornamos nosso mundo significativo” (SILVERSTONE, 2002, p. 150), a cidade é composta por suas partes físicas mas, sobretudo também, por suas imaterialidades. A abordagem que prevê a virtualidade da cidade (GUATTARI apud PELBART, 2011; PELBART, 2011) chama atenção para a formação subjetiva na “apropriação e uso” da cidade e, consequentemente, sua tomada de sentido.

Mas se Jameson (2007) está certo que percepções e construções de sentido estão embaladas prioritariamente pelas categorias espaciais, que localizam espacialmente imagem e infomação e as destemporalizam (PELBART, 2011, p. 188), a materialidade urbana é constituinte de sua imaterialidade e vice-versa. Não obstante, não se pode esquecer que neste ambiente interferem também os meios de comunicação e as novas tecnologias que instigam “uma acirrada disputa por uma nova dimensão do espaço público” (JAGUARIBE, 2007, p. 42). Provavelmente por tal caráter espacial e de poder, Baitello (2010, p. 10) propõe repensar a mediação,

repensar o foco na emissão e na produção, tampouco ficar apenas na recepção, e sim buscar uma perspectiva comunicacional ecológica, ou seja voltada para o ambiente comunicacional. Isso significa exercer poder de escolha – sobretudo de rejeição a tudo o que não seja comprometido com o projeto de cidadania. (BAITELLO, 2010, p. 10)

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Para tanto, não se pode esquecer o papel imperativo da imagem neste contexto comunicacional, que com sua força determina a “época e o lugar dos nossos pertencimentos coletivos” (JAGUARIBE, 2007, p. 42) de acordo com o que se pode (e se quer) apreender.

A cidade de fluxos de informação e de imagens, dos processos culturais e dos imaginários dos que a habitam (GARCÍA CANCLINI, 2008, p. 15), oferece cada vez mais elementos para formar/formatar a subjetividade de quem por ela passa ou nela permanece (PELBART, 2011).

A partir desta proposição – dos efeitos afetivos do conteúdo cultural da mercadoria – lembra-se que a cultura tornou-se o centro das atenções em razão do entendimento do papel dos ativos imateriais no crescimento econômico e do aumento da troca de bens simbólicos nos mercados mundiais e, assim, estabeleceram a esfera cultural como principal personagem da atualidade, ainda que seja “um pretexto para a melhoria sociopolítica e para o crescimento econômico” e, consequentemente, favorecendo uma “transformação naquilo que entendemos por cultura e o que fazemos em seu nome” (YÚDICE, 2006, p. 26).

Esses ativos imateriais constituem-se em discursos e poéticas presentes hoje nas cidades, que servem não só para interpretá-las mas também como “estratégias urbanas e pacotes de vendagem” buscando obter visibilidade no cenário global (JAGUARIBE, 2007, p. 98). O protagonismo da representação diluiu a fronteira entre o real e o imaginário, entre o evento e sua enunciação simbólica que, além das narrativas do realismo estético apontadas por Jaguaribe (2007, p. 99-106), coabitam “fantasias de consumo, desejos publicitários, mundo oníricos subjetivos e domínios encantatórios coletivos de práticas mágicas” como ofertas para o habitante das grandes cidades que busca “revitalizar emoções mortas” por meio do “choque e do risco”.

Assim, pode-se concordar com Featherstone (1995, p. 152) que com relação à cidade ocidental contemporânea, está-se argumentando que as tendências pós-modernas e pós-modernizantes podem ser observadas nos novos espaços urbanos, assinalando uma estetização maior da trama urbana e das vidas diárias das pessoas.

PELBART (2011, p. 47-48) corrobora com tal perspectiva verificando linhas de fuga “frente à homogeneização planetária ao nível dos equipamentos urbanos e comunicacionais”. A cidade pode, portanto, ser possível a partir de seus milhares de contornos subjetivos, na reinvenção de seus espaços psicológicos e afetivos.

Se “consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se evapora” (GARCÍA CANCLINI, 2010, p. 65) a alternativa contemporânea é consumir a cidade, apropriar-se dela e vivenciar uma experiência.

1. Consumo, cultura popular e localidade: representações estéticas

A apropriação e o consumo cultural, e consequentemente das artes, são tão heterogêneos como seus espectadores. “As políticas culturais mais democráticas e

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mais populares não são, necessariamente, as que oferecem espetáculos e mensagens que cheguem à maioria, mas as que levem em conta a variedade de necessidades e demandas da população” (GARCÍA CANCLINI, 2010, p. 109).

A cultura global necessita da “diferença” para prosperar — mesmo que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial (como, por exemplo, a cozinha étnica). É, portanto, mais provável que produza “simultaneamente” novas identificações “globais” e novas identificações locais do que uma cultura global uniforme e homogênea (HALL, 1997, p. 17).

No imaginário de muitos estudos contemporâneos, esse volume de diferenças pode ser encontrado na cultura popular. Contudo, como alerta García Canclini (2008, p. 207), o discurso científico sobre o popular traz consigo vieses políticos e ideológicos no recorte dos objeto de estudo, situando-o, muitas vezes, numa perspectiva epistemológica que ora o entendia como tradição, como a manutenção de sobras de uma cultura que se esvai, ora como expressão subalterna filiada ao passado rural e, ainda, por vezes, como o massivo. A

noção de popular construída pelos meios de comunicação, e em boa parte aceita pelos estudos nesse campo, segue a lógica do mercado. Popular é o que se vende maciçamente, o que agrada as multidões. A rigor, não interessa ao mercado e à mídia o popular e sim a popularidade. (GARCÍA CANCLINI, 2003, p. 259-260).

Nestas representações de cultura popular ficam evidentes uma contradição fundamental que pode – e deve – ser questionada: sua imobilidade e inorganicidade.

Interessam mais os bens culturais – objetos, lendas, músicas – que os agentes que os geram e consomem. Essa fascinação pelos produtos, o descaso pelos processos e agentes sociais que os geram, pelos usos que os modificam, leva a valorizar nos objetos mais a sua repetição que sua transformação (GARCÍA CANCLINI, 2003, p. 259-260).

Tais noções, como sugere García Canclini (2003), não constituem uma perspectiva possível de análise para compreender as dinâmicas de culturas que não cabem mais nas embalagens do popular, do global, do regional ou mesmo do massivo. Por este motivo, García Canclini (2003) propõe seis paradigmas epistemológicos a serem vencidos para que se possa compreender as dinâmicas sociais contemporâneas.

a) o desenvolvimento moderno não suprime as culturas populares (…); b) as culturas camponesas e tradicionais já não representam a parte majoritária da cultura popular (…); c) o popular não se concentra nos objetos (…); d) o popular não é monopólio dos setores populares (…); e) o popular não é vivido pelos sujeitos populares como complacência melancólica para com as contradições (…); f) a preservação pura das tradições não é sempre o melhor recurso popular para se reproduzir e reelaborar sua situação (…). (GARCÍA CANCLINI, 2003, p. 215-238).

Reconhecer as particularidades de cada representação - a partir de seus contextos, enunciadores e enunciatários - pode favorecer a percepção da enunciação.

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Neste sentido, apoiados pelos autores aqui elencados, propõe-se tratar o espaço urbano como um bem de consumo construído pelos diversos discursos culturais que perpassam suas virtualidades e materialidades. Desta forma, se o consumo é um “conjunto de processos sociais em que se realizam a apropriação e o uso dos produtos” (GARCÍA CANCLINI, 2010, p. 60), pode-se inferir que o consumo das cidades acontece na apropriação e uso da representação urbana a partir da constituição subjetiva do consumidor.

Nesta proposição, cada cenário é construído a partir de seus elementos particulares que criam uma nova poética – ou, por vezes, uma nova estética2, como propôs Bakhtin (2010). Não é intenção deste artigo estruturar a leitura neste sentido, dada a “precaução metodológica” necessária a tal proposição. Reforça-se “que a estética tem um carater filosófico e especulativo enquanto que a poética, pelo contrário, tem um caráter pragramático e operativo” e, portanto, não cabe aqui “transferir para a esfera da filosofia aquilo que só vale na esfera do gosto” (PAREYSON, 1997, p. 15). Reforçado isto, em um breve relato, a seguir, verifica-se a ideia de poética na cidade de São Luiz do Paraitinga, SP.

O caso de São Luiz do Paraitinga

É há quase um quarto de milênio que esta história começa. Fundada em 8 de maio de 17693, elevada à cidade em 1857, São Luiz do Paraitinga, “como era de praxe na sociedade do século XVIII e, servindo para reforçar o papel da religiosidade nesses municípios nascentes”, traz

no documento oficial da fundação do povoado o incentivo primordial à construção de uma Igreja, com a invocação de Nossa Senhora dos Prazeres. Dentro da proposta de um maior controle da sociedade, a questão religiosa era uma das principais. Construir imediatamente uma Igreja era um signo importante do controle estabelecido. Ainda mais quando a religiosidade estava pautada em práticas tradicionais. (SANTOS, 2008, p. 54).

Com o objetivo político de ocupação de terras e aumento de produção agrícola, o povoado de São Luís e Santo Antonio do Paraitinga nasceu, no local outrora de descanso da rota do ouro, a partir da colonização de poucas famílias sem posses, que plantavam para seu próprio consumo. Datam desta época as primeiras referências à organização de festas populares, encontradas pelo pesquisador João Rafael Coelho Cursino dos Santos (2008, p. 58). De certa maneira, portanto, pode-se inferir que são sincrônicas a cidade, centro da observação neste artigo, e suas festas.

No decorrer do século XIX, o avanço da agricultura, especialmente a cafeeira, e o consequente poderio de senhores escravocratas – que foram aos poucos mitigando a estrutura militar dominante, até então, na Capitania –, impulsionou

2 Bakhtin (2010) propôs ideia de uma nova estética – a do grotesco – a partir de alguns princípios construídos com grande rigor metodológico, para se interpretar a cultura popular na idade média e no renascimento. 3 Data oficial de fundação da cidade (SANTOS, 2008, p. 54).

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economicamente São Paulo e, inclusive, o município de São Luiz do Paraitinga. Da mesma forma, a crise do café foi igualmente avassaladora no município como no estado, favorecendo o desenvolvimento de uma nova atividade, a pecuária leiteira, esteio econômico da cidade até 1980, quando foi substituída pela agropecuária e pelo turismo (SANTOS, 2008; ALLUCCI, 2015).

São Luiz do Paraitinga, cidade situada no Vale do Paraíba, tem atualmente 10.397 habitantes (IBGE, 2010), possui centenas de imóveis tombados pelo patrimônio histórico estadual e federal e figura entre as poucas estâncias turísticas do estado de São Paulo. Seu centro histórico é reconhecido, desde 1982, pelo Condephaat - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado – como patrimônio histórico (CONDEPHAAT, 1982). Em 2010, o centro histórico teve o reconhecimento de bem do patrimônio cultural brasileiro pelo IPHAN – Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2010).

O município é um verdadeiro caldeirão cultural, o que rendeu à cidade, popularmante, o cognome afetuoso de cidade das mil festas (ALLUCCI, 2015, p. 20 e 27). Paraitinga é palco de diversas manifestações populares – mais de 60 atividades por ano4 – como o Carnaval de rua5, a Festa do Divino, o Festival de Marchinhas, e a Semana da Canção Brasileira, por exemplo. Não obstante, São Luiz do Paraitinga costuma figurar em noticiários nacionais e internacionais devido às suas atividades culturais. Um exemplo disto ocorreu em 2008, quando o jornal The New York Times publicou uma matéria sobre o carnaval brasileiro e inseriu a cidade entre os destinos possíveis para vivenciar a festa, destacando que “a cidade é conhecida por ter um dos melhores carnavais de rua à moda antiga”6.

Santos (2008, p. 11-12) sugere que foi a partir da elevação do município à Estância Turística do Estado de São Paulo7, em 2002, que Paraitinga tornou-se, midiática e equivocadamente, a representação da “ ‘genuína’ cultura caipira”, de uma cidade “congelada no tempo”. Contudo, o pesquisador (2008, p. 144) reconhece que tal titulação favoreceu não só o desenvolvimento da infra-estrutura local bem como o maior cuidado com seus atrativos (materiais) para o turismo.

Para Renata Allucci (2015), pesquisadora do carnaval luizense, é a aceitação por parte da cidade de novas possibilidades da festa e de seus usos por novos públicos que propicia a inserção de São Luiz do Paraitinga como atração turística, que consolida nessa festa um fator econômico importante para a comunidade luizense e, também, que a apresenta no cenário midiático. Contudo, são estas mesmas razões que, se observadas infra-estruturalmente, afasta os habitantes da cidade da participação da festa, que causa o aumento caótico de turistas e favorece a tendência

4 http://www.saoluizdoparaitinga.sp.gov.br/site/calendario/. Acesso em maio de 2015. 5 Festa mais importante da cidade. Movimenta o maior número de turistas (150 mil de um total de 500 mil/ano), segundo depoimento do Diretor de Turismo de São Luiz do Paraitinga, Eduardo Coelho, para a autora deste artigo. Depoimento colhido em maio de 2015 por telefone. 6 http://www.nytimes.com/2008/01/27/travel/27journeys.html?_r=0. Acesso em abril de 2015. 7 Pela Lei Estadual nº. 11.197 de 5 de julho de 2002 a cidade foi alçada à Estância Turística de São Luiz do Paraitinga.

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de isolamento e fechamento da cidade como proteção ao que os habitantes reconhecem como sua identidade.

Atualmente, a cidade recebe algo em torno de 500 mil turistas por ano8, quase 50 vezes mais o que a cidade tem de habitantes. Em uma pesquisa realizada em 2008 pela UNESP9, durante a realização da Semana da Canção Brasileira, verificou-se que 99% dos entrevistados estavam muito satisfeitos com a visita na cidade e afirmaram pretender voltar. Na metodologia adotada pelos autores da pesquisa, foi prevista a realização da apresentação e discussão dos resultados com interlocutores e lideranças da cidade. Segundo o relatório consultado (CAMPOS e DELAMARO, 2009),

esses dados foram saudados com alegria e orgulho (N.A.: pelos luizenses que participaram da apresentação dos dados), uma vez que indicavam o acerto de uma decisão estratégica implícita no turismo local: a de não abrir mão da identidade caipira. Indicavam que a valorização dessa identidade – na música, no tratamento interpessoal, na culinária, no falar, no contar histórias e casos, na devoção religiosa – agrada os visitantes.

A mesma pesquisa foi aplicada junto ao turista do Carnaval. As avaliações de satisfação não atingiram os mesmos níveis da Semana da Canção Brasileira, talvez pelos problemas de infra-estrutura causados pela grande quantidade de visitantes, talvez pela própria natureza da festa. A discussão dos dados com os interlocutores da cidade trouxe algumas pontuações importantes para a intenção deste artigo:

Consolidaram algumas posições entre atores do turismo na cidade. Em primeiro lugar, evidenciou-se o desejo de influenciar no perfil de visitante, sendo o perfil do turista da Semana da Canção considerado mais próximo do desejável. Manifestou-se, ainda, o desejo de conciliar os ganhos econômicos obtidos por parte da população durante o carnaval com a diminuição dos impactos negativos criados pelo evento. Uma terceira aspiração manifestada foi a de divulgar que “São Luiz do Paraitinga é bom o ano inteiro” e não apenas no Carnaval (CAMPOS e DELAMARO, 2009).

Tais resultados orientam a duas questões para dar conta do proposto neste artigo. Quais as representações da cidade em cada um dos eventos? Como estas representações dialogam com a expectativa dos visitantes/consumidores?

a. A representação da cidade construída a partir do Carnaval de

São Luiz do Paraitinga A organização do Carnaval de São Luiz do Paraitinga era inicialmente

popular. Com seu desenvolvimento e crescimento, a responsabilidade foi assumida

8 Segundo o Diretor de Turismo de São Luiz do Paraitinga, Eduardo Coelho, para a autora deste artigo. Depoimento colhido em maio de 2015 por telefone. 9  Pesquisa,  extensão  e  parcerias  em  São  Luiz  do  Paraitinga:  refletindo  sobre  passados  e  futuros  carnavais.  http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/38811/1/artigo_Arminda_Mauricio_livro1_SLP.pdf  

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pelo governo municipal. Não há, segundo o diretor de turismo10, um plano de comunicação que trabalhe a percepção do evento frente a seus diversos públicos.

Para Renata Allucci (2015), que corrobora com o pesquisador João Rafael Cursino dos Santos (2008), já abordado anteriormente,

A mídia foi um dos criadores e difusores da representação de um ideal de carnaval, ao usar em sua divulgação expressões como “Carnaval dos velhos e bons tempos”, vendendo e reforçando a imagem idílica da comemoração. Outras manchetes dos jornais, mesmo que distantes geograficamente da festa que anunciam, foram por essa linha: “Em Paraitinga, Carnaval à moda antiga” (Folha de Londrina, Caderno de Turismo – 2002). Depois da enchente11, a Folha de S.Paulo anunciou “São Luiz do Paraitinga (SP) comemora o Carnaval à moda antiga depois das chuvas” (Caderno Cotidiano, 05 de fevereiro de 2010). A cidade é destacada por seus atributos e a imprensa ajudou a compartilhar as construções estéticas que iam se criando, procurando construir um sentido por meio de conexões entre seus elementos, desde o patrimônio arquitetônico tombado às expressões culturais, passando pelas denominações que São Luiz do Paraitinga foi recebendo ao longo dos anos. (ALLUCCI, 2015, p. 65).

Pode-se averiguar que, neste sentido, a representação de São Luiz do Paraitinga coaduna uma nostálgica – talvez até romântica – representação do passado com sua materialidade histórica que, por vezes, reforça a percepção de cidade do passado, abordagem esta criticada por Santos (2008) e por Allucci (2015).

A dissertação de Stela Guimarães de Moraes (2010) focou seu olhar em como a imprensa adjetivou o carnaval de São Luiz do Paraitinga no ano de 2009. De 21 matérias analisadas – 17 do ValeParaibano, 3 do jornal O Estado de S.Paulo e 1 do jornal O Globo – 9 delas usavam tradição ou tradicional para se referir ao carnaval luizense. (…) Ao eleger a tradição como principal característica do carnaval luizense, a imprensa procurou construir um sentido para a festa que estivesse de acordo com as outras qualidades atribuídas a São Luiz do Paraitinga: o modo de vida caipira, o patrimônio histórico conservado, a religiosidade, a musicalidade, suas memórias e suas identidades. Esse conjunto de atributos, veiculado e vendido por meio da imprensa, colaborou para o crescimento do turismo na cidade; mas não se encontraram, nessa mesma imprensa, matérias que se preocupassem em trazer contribuições, com profundidade, para o debate sobre a infraestrutura necessária para a cidade e sobre as transformações surgidas ano a ano nas comemorações do carnaval (ALLUCCI, 2015, p. 67-68).

Contudo, o fenômeno da “tradição” não é apenas alimentado pela mídia. Em sua ampla digressão sobre o carnaval luizense (2015), a pesquisadora Renata 10  Depoimento coletado pela autora, por telefone, em maio de 2015. 11 Nota da autora: A cidade teve parte importante de seu centro histórico tombado destruído pelos temporais do início de 2010. Apesar de haver danificado seu patrimônio físico, não comprometeu seu patrimônio imaterial e a força de vontade dos seus cidadãos. Uma de suas principais fontes de renda é o turismo cultural: as diversas festas e encontros culturais e musicais – particularmente Carnaval, Festa do Divino e Semana da Canção Brasileira – são a engrenagem desse turismo.

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Allucci verifica que a intervenção do poder público - por meio de atos de regulamentação que vão desde o tipo de roupas a se usar até o tipo de música que se pode tocar e ouvir no período da festa – tiram muito da espontaneidade da manifestação. Pode-se inferir que tais ações reforçam a noção de cultura tradicional e conservadora.

Ainda, em maior profundidade de observação, percebe-se que, como uma festa popular, o Carnaval da cidade contempla em sua poética princípios bakhtinianos do grotesco (BAKHTIN, 2010), que percebem a alternância entre alegria e riso e repressão promovida pelas instituições regentes da sociedade.

Na cultura clássica, o sério é oficial, autoritário, associa-se à violência, às interdições, às restrições. Há sempre nessa seriedade um elemento de medo e intimidação. Ele dominava claramente na Idade Média. Pelo contrário, o riso não impõe nenhuma interdição, nenhuma restrição. Jamais o poder, a violência, a autoridade empregam a linguagem do riso (BAKHTIN, 2010, p. 78).

Como pontua Allucci (2015, p. 21), não é difícil imaginar o dilema de alguns dos fervorosos católicos luizenses para lidarem com essa aparente incoerência: apesar de um povo festivo, parecem estar sempre se justificando pela presença tão marcante do carnaval e por ele serem tão marcados.

b. A representação da cidade construída a partir da Semana da

Canção Brasileira A Semana da Canção Brasileira, diferente do Carnaval, não pode ser

entendida em seu projeto inicial como uma manifestação popular. Inicialmente idealizado por Suzana Salles, o evento nasceu em 2007 com o intuito narrado abaixo (em excerto do texto de material de comercialização de patrocínio em 2009).

“Será tudo isto fruto da sua imaginação?” - Arrigo Barnabé, em Clara Crocodilo

O ano de 2007 foi muito especial para a canção brasileira. Foi criada uma semana especialmente para promover sua discussão, analisar e reavaliar sua história e fomentar seu desenvolvimento e sua continuidade: A Semana da Canção Brasileira./É um acontecimento fundamentado na reflexão sobre a Música Popular Brasileira./Essa avaliação é construída através do estabelecimento de ambiente favorável para a discussão entre os diversos públicos que fazem a música acontecer./Espectadores, músicos, estudantes, técnicos, produtores e acadêmicos em constante contato fazem a Semana da Canção Brasileira./E sabe qual o segredo da Semana da Canção Brasileira?/As cores de São Luiz do Paraitinga/Com mais de 250 anos de história, São Luiz do Paraitinga é mais uma das charmosas cidades do Vale do Paraíba, com patrimônio arquitetônico bem preservado. A grande diferença de outros destinos turísticos da Serra da Bocaina está no largo lastro cultural e musical de São Luiz. A cidade respira música popular durante todo o ano, com diversas manifestações culturais e a preservação de festas

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tradicionais folclóricas. Os seus 11 mil habitantes são os guardiões desse rico patrimônio cultural./(…) Os sons do Brasil/A tradição musical do nosso país abrange influências tão diversas quanto ricas./É por esse motivo que produzimos uma das mais férteis músicas populares do mundo. Falar de Brasil é falar de música, onde o país se encontra em permanente criação, atingindo raro nível de sofisticação na cena contemporânea./Os sons do Brasil sob as cores de São Luiz do Paraitinga fazem da Semana da Canção um resgate da identidade brasileira./A música popular brasileira faz a divulgação da nossa cultura no exterior, sendo talvez o veículo mais importante através do qual a língua portuguesa é ouvida em todo o mundo. No Brasil, ela é instrumento de transformação social e ponto de convergência das diversas manifestações culturais do nosso país. Nós brasileiros nos reconhecemos pela música!

A preocupação do texto de apresentação, bem como de todo o evento, era a de ressaltar os fluxos de interação entre o espaço urbano, a canção e identidade brasileiras, especialmente considerando a natureza orgânica da cultura. Neste caso, o plano de comunicação do evento considerava esta abordagem para todas as peças de comunicação.

Considerando o clipping do evento das 5 edições, pode-se verificar que a maior parte dos títulos das matérias (e seus desenvolvimentos) são orientados pelo evento e, quando se reportam ao local de realização, contemplam a vocação cultural luizense, como se pode verificar nos três exemplos destacados que seguem.

Jornal Meio & Mensagem – Setembro de 2011 Semana da Canção retorna a São Luiz do Paraitinga12 CESP e SABESP patrocinam o evento, interrompido pelas chuvas

Estado de São Paulo on line São Luiz do Paraitinga abre hoje 4ª Semana da Canção Brasileira13

Página EcoViagem, do Uol - Setembro de 2011 São Luiz do Paraitinga promove a canção popular em setembro14 A cidade do interior paulista traz a 4ª Semana da Canção Brasileira para encantar a todos com a riqueza desse patrimônio imaterial

Outras matérias seguem a mesma linha verificada nos exemplos disponibilizados.

A representação da Semana da Canção Brasileira, imagina-se pela natureza do evento, consegue estabelecer fluxos de interação entre os elementos considerados constituintes da cidade de São Luiz do Paraitinga e outros atores da cultura brasileira. Verifica-se, então, uma grande sinergia entre a vocação e, por que 12 Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/noticias/2011/09/02/20110902Semana-da-cancao-retorna-a-Sao-Luiz-do-Paraitinga.html Acesso em abril de 2015. 13 Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,sao-luiz-do-paraitinga-abre-hoje-4-semana-da-cancao,771499. Acesso em abril de 2015. 14 Disponível em http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/turismo-cultural/sao-luiz-do-paraitinga-promove-a-cancao-popular-em-setembro-14396.asp Acesso em março de 2015.

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não dizer, poética da cidade e a proposição do evento, construindo uma percepção dinâmica. Infere-se que isso pode acontecer por vários motivos. Os elementos constituintes do evento, a poética constituinte na gênese da Semana da Canção bem como ser uma manifestação, inicialmente, estrangeira à cidade15. Percebe-se, porém, que boa parte do sucesso do evento, paradoxalmente, advém da poética da cidade construída na mídia: uma cidade tradicional que oferece uma proposta contemporânea sem perder o charme colonial. Considerações Finais

O consumo da cidade e de suas poéticas, como evocam diversos autores, perpassa os sistemas urbanos de fluxos de informação; as maneiras de viver, de sentir e de pensar (PELBART, 2011; FEATRHERSTONE, 1995; JAGUARIBE, 2007). Contudo, a produção de sentido não se dá, apenas, na externalidade do espaço urbano. Ela é claramente realizada a partir do processo dialógico produção-consumo, subjetivado no sujeito do processo e todas as suas polifonias.

As representações, como se pode verificar, cumprem com as expectativas tanto do enunciador-enunciatário quanto do enunciatário que, também, tornar-se-á enunciador (BACCEGA, 2011), sendo, também, produtor das poéticas luizenses.

O consumo da cidade é, portanto, simbólico e, se simbólico, necessariamente afetivo (PELBART, 2011), seja por uma sensação de bem-estar, seja por uma sensação de pertencer ou estar conectado a algo. Este sentimento partilhado, como visto nas representações da cidade pelo Carnaval – de habitantes e cena midiática aos consumidores/visitantes estrangeiros, é o que permite a discussão, renovação e ressignificação das atividades culturais. bem como é o que pode impedir tal ocorrência. Orientando o olhar para os fluxos e atores, pode-se apurar o senso crítico e melhor guiar tais interpretações, como propõe García Canclini (2003, 2010).

Contudo, é fundamental imprimir relevo à perspectiva de que todo consumo é, antes de mais nada, um processo de apropriação e, portanto, subjetivo e individualizado (GARCÍA CANCLINI, 2010). No tocante à cidade, que exige a generosidade de compartir para que se possa refutar as teorias do confinamento, a subjetividade forma uma malha de percepções e representações que, estimuladas em rede, coletivamente, levam ao intercâmbio social e, consequentemente, a novas formações poéticas (PELBART, 2011).

REFERÊNCIAS ALLUCCI, R. R.. Carnaval de são luiz do paraitinga: conflito entre isolamento e abertura da cidade. Dissertação de mestrado. São Paulo: PUC-SP, 2015.

15 Nota da autora: Hoje a Semana da Canção Brasileira já ocorre com maior participação popular em algumas decisões como, por exemplo, a programação do evento e das oficinas. Além disso, já existe uma grande base de talentos locais na organização da Semana. Desde a primeira edição, a cidade teve presença em peso nas atividades e apreendeu o evento como se fosse dela.

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