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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – RELATÓRIO TÉCNICO
1
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro:
Um Estudo da Vitimização do Policial Militar
Andreia Dias Mendes – Paracambi – [email protected] – UFF/ICHS
Resumo
Este trabalho traz uma abordagem ao fenômeno da vitimização sofrida por policiais militares
no desempenho da atividade profissional e/ou em razão dela. A instituição foco deste relatório
técnico é a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Dentre os problemas identificados na
temática estão: os agravos físicos e emocionais; o comprometimento da missão constitucional
de proteger a sociedade; a inconsistência e desconfiança na divulgação dos dados oficiais; e, a
ausência de políticas públicas efetivamente voltadas ao problema. Foi apresentada uma
agenda de medidas direcionadas à Polícia Militar e aos demais atores envolvidos nesta
problemática. Para o seu desenvolvimento foram realizadas pesquisas bibliográficas em
livros, jornais, revistas, periódicos e sites oficiais de divulgação de dados alusivos ao tema.
Palavras-chave: Polícia Militar; Vitimização do Policial; Segurança Pública.
1 – Introdução
A instituição relatada neste trabalho é a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
(PMERJ). Uma organização pública governamental, bicentenária, com grande participação e
marco na história brasileira e fluminense (PMERJ, 2017).
Atualmente, composta por 46 mil policiais militares na ativa – dentre homens e
mulheres, oficiais e praças – os quais desempenham o papel preconizado pela Constituição
Federal de 1988, a qual prevê que às polícias militares cabem o policiamento ostensivo e a
preservação da ordem pública (PLANALTO, 2017).
A Vitimização do policial aplicada ao contexto do desempenho desta atividade ou em
razão dela “refere-se a policiais que sofrem lesões e traumas no exercício da profissão e às
consequências que os fatos traumáticos trazem para si, para sua saúde, sua família, seus
relacionamentos e o desempenho de sua profissão” (Souza e Minayo, 2013).
A proposta deste trabalho é fomentar uma discussão a respeito da vitimização do
policial militar do ERJ de forma ampla (física e psicológica), bem como de forma
pormenorizada, ou seja, daquela vitimização que tem reflexo ou efeito letal. Que muito
embora,
“Apesar da importância do conhecimento dos problemas da vitimização para as
instituições policiais – uma vez que as conseqüências dessa vitimização afetam sua
missão constitucional de proteger a sociedade e de investigar e prevenir crimes e
delinquências – apenas muito recentemente o tema entrou na agenda da Segurança
Pública (Souza e Minayo, 2013, p. 110).
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – RELATÓRIO TÉCNICO
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Ainda sobre a problemática da vitimização do policial militar, destaca-se a dificuldade
de se mensurar este fenômeno dadas as divergências e inconsistências dos bancos de dados de
divulgação oficial, dentre outros fatos, conforme Souza e Minayo (2013, p. 110) apontam que,
“desde o início de 2013, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) tem solicitado às
Secretarias Estaduais de Segurança Pública e Defesa Social que produzam uma série histórica
de vitimização e letalidade policial”.
A incapacidade de ação institucional na prevenção da criminalidade e da violência –
inclusive esta que é cometida contra seus próprios agentes – representam um desafio para as
instituições públicas de segurança e por conseqüência, um desafio para a PMERJ, a qual tem
como missão precípua a preservação da vida, para onde direciona o relato deste trabalho.
Entretanto, o objetivo geral deste trabalho é fomentar uma análise sobre a
disseminação da violência contra policiais militares do Estado do Rio de Janeiro (RJ),
sobretudo aquela que “diz respeito àqueles que morrem por causa e em conseqüência de sua
missão constitucional ou sofrem agravos físicos e emocionais no exercício de sua profissão”
(Souza e Minayo, 2013, p. 111) ou em razão dela, a partir do ano de 2009 – quando a
Secretaria de Segurança Pública (SESEG) criou o Sistema Integrado de Metas, um modelo de
gestão por desempenho, que tem por objetivo desencadear ações integradas de prevenção e
controle qualificado do crime, em suas respectivas regiões, por meio do estabelecimento de
metas para a redução da incidência dos Indicadores Estratégicos de Criminalidade (ISP) – até
o ano de 2016.
Para a identificação e elucidação do problema apontado neste trabalho foram utilizadas
as ferramentas de diagrama de causa e efeito. e 5W2H, por meio de um Plano de Ação que
busca através de pesquisa às fontes de dados oficiais dos órgãos de segurança pública,
consultas a bancos de dados, objetivando trazer possíveis propostas, ditas como medidas e
contra-medidas para o problema, a saber a questão da vitimização policial militar.
2 – Apresentação do Caso
A organização abordada neste trabalho é a PMERJ sob o aspecto da problemática da
vitimização de seus agentes ante o desempenho da atividade policial e/ou em razão dela.
A escolha do tema se atribuiu ao desempenho da função de analista criminal do
Terceiro Comando de Policiamento de Área da PMERJ desenvolvida pela relatora deste
trabalho, dada à percepção empírica pela problemática da instituição, o impacto psicológico e
moral que o tema abordado traz à organização, a importância da necessidade de políticas
públicas prioritárias à atenuação/solução do problema e a complexidade de mensuração.
De acordo com o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Ano 10, 2016), no ano
de 2014, em todo o território brasileiro 59.681 pessoas foram mortas por violência e no RJ
esse número corresponde a 5.412 de vítimas fatais. A taxa de mortalidade calculada por 100
mil habitantes, no RJ é de 31,2 superando do Brasil que é de 28,2 (Fórum Brasileiro de
Segurança Pública) quando comparadas.
Neste número de 5.415 vitimas letais de violência no RJ, só no ano de 2014 estão 112
policiais militares (PMERJ) que, integrantes deste cenário de violência, se tornaram
protagonistas destes números, tanto quando em confronto direto com o opositor, e mais ainda
quando em seu status de vulnerabilidade, ou seja, em sua folga.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – RELATÓRIO TÉCNICO
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A proposta deste trabalho é relatar a problemática da vitimização do agente policial
militar no exercício de sua atividade ou em razão dela. Sobretudo a partir da identificação da
incidência da problemática e a dificuldade da mensuração.
Através de uma análise comparativa realizada na base de dados da própria PMERJ,
dos 982 policiais militares mortos no RJ entre os anos de 2009 e 2016, 171 morreram em
serviço e 811 durante o horário de folga, ou seja, 83% dos casos (ou ainda, oito a cada dez
policiais militares vítimas fatais de violência morreram em seu horário de folga).
O número absoluto de mortes de policiais militares por ano em serviço variou pouco
desde 2009. Cabendo destacar o ano de 2016, que aumentou 219% (46 casos), quando
comparado à média anual (21 casos/ano) no período analisado (PMERJ). O número absoluto
de mortes de policiais militares por ano em situação de folga também teve pouca variação no
mesmo período. A média anual obtida aponta para 101 casos/ano. Os anos de 2014 e 2015
registraram redução em relação à média anual com 95 e 94 casos respectivamente e, aumento
nos anos de 2009, 2010 e 2016 em relação à mesma média, com 110, 107 e 106 casos
respectivos (PMERJ) e conforme apresenta o gráfico 1.
Gráfico 1. Policiais Militares Vítimas Letais no ERJ de 2009 a 2016.
Fonte: PMERJ.
Conforme o gráfico 2, verifica-se que o número de letalidades poderia ter sido ainda
maior, ante ao registro de policiais militares feridos durante o período relatado. Do ano de 2009
até o ano de 2016, 2.223 policiais militares foram feridos em serviço e outros 2.341 na situação
de folga, totalizando 4.564 policiais militares vitimizados parcialmente (site PMERJ).
Gráfico 2. Policiais Militares Feridos no ERJ de 2009 a 2016
Fonte: PMERJ.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – RELATÓRIO TÉCNICO
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Souza e Minayo (2013, p. 111) afirmam que:
“Desde que existe polícia no mundo, ela é alvo de vitimização, que se materializa
em mortes, traumas, lesões por arma de fogo ou arma branca, agressão física,
agressão psicológica e tentativas de homicídio. Também se sabe, por estudos
nacionais e internacionais, que algumas situações tornam esses profissionais mais
vulneráveis: treinamento para o confronto, inadequadas condições de trabalho,
precariedade das viaturas, dos armamentos e das estratégias de ação, embates com
gangues de delinquentes armados e prontos para o combate de vida ou morte”
(Souza e Minayo, 2013, p. 111).
Sob a ótica quantitativa desta contextualização da vitimização do policial militar,
descrita por Souza e Minayo (2013), evidencia-se que este, enquanto corpo funcional
comandado pelo Estado é potencialmente uma vítima desta funcionalidade ou em razão dela.
Sendo este o principal objeto de estudo deste relatório.
Para a realização deste trabalho o método utilizado foi a pesquisa feita a
materiais bibliográficos, cujas fontes foram os órgãos oficiais de segurança pública como o
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro
(ISP – RJ) e a própria PMERJ.
3 – Referencial Teórico
Este referencial teórico elucida e evidencia o objetivo deste trabalho acadêmico sob a
problemática da vitimização de policiais militares. E está subdividido nos seguintes tópicos:
3.1 A atividade policial e o fenômeno da violência: Uma breve abordagem sobre a
definição preconizada do papel da polícia; seqüenciada pela contextualização histórica do
fenômeno da violência a partir dos mecanismos sociais e políticos; e, a concepção de um
estado de guerra civil. 3.2 Efeitos da atividade policial para o agente: A violência e a
segurança pública – a partir dos efeitos psico- sociais destas – sobre a vida dos agentes e a
percepção dos riscos ante a atividade de segurança. 3.2.1 Efeitos psicológicos da vitimização
do policial militar do RJ: Pormenorização do problema sob a ótica dos danos psíquicos
sofridos pelo policial militar no RJ. 3.3 A contabilização da violência e da vitimização de
policiais militares: A falhas sistêmicas envolvendo as instituições de segurança ante as
divergências metodológicas de contabilização dos dados e a incredulidade destes diante
dessas disparidades.
3.1 A atividade policial e o fenômeno da violência
As atribuições apresentadas e preceituadas às policias militares direcionam a refletir
sobre a evolução deste serviço público, que em síntese, seu papel bem definido é o estrito
cumprimento preventivo da criminalidade através da ação ostensiva de seu policiamento e
preservação da ordem pública.
A sociedade brasileira, sobretudo a sociedade fluminense, ao longo da história, se
consolidou utilizando-se de mecanismos sociais e políticos, que provocaram segregação social
e marginalização (Mir, 2014). Crimes e delitos variam desde aqueles cometidos contra o
patrimônio até os mais graves que são os crimes cometidos contra a vida.
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Segundo Mir (2014), é possível que a explicação para o fenômeno de majoração da
violência oriunda de conflitos sociais seja encontrada na construção histórica do país, que teve
início há mais ou menos quinhentos anos, pelo que os conflitos armados de hoje – um
verdadeiro apartheid social da modernidade – revelam a continuidade de uma violência que
sempre existiu, porém expressa de forma diferente.
“Os 322 anos de administração colonial – governo absolutista – produziram
ressentimentos (sociais e étnicos) que o continuísmo colonial, que os teóricos
independentistas e dirigentes do novo Estado mantiveram, tornou a mais pérfida
particularidade do novo país: a perpetuação da colonização” (Mir, 2014, p.56).
Diversos atores da sociedade defendem a ideia de que o Rio de Janeiro está vivendo
um estado de Guerra Civil não declarada dados os seus números.
Segundo o portal de notícias G1, no RJ morreu em média 01 policial a cada 64 horas entre os
anos de 1995 até o mês de agosto do ano de 2017, totalizando 3.087 mortes. Ainda segundo este site, de
acordo com as estatísticas da PMERJ sobre a vitimização letal na corporação, a taxa de mortalidade
entre os anos de 1994 e 2016, é superior a de soldados americanos na Segunda Guerra Mundial, uma
vez que, nos últimos 22 anos 3,52% dos 90 mil integrantes da PMERJ morreram, enquanto que 2,52%
da tropa americana foi abatida totalmente durante os três anos e meio de participação na citada guerra
(site G1).
Faria, define guerra civil a partir de:
“Uma disputa hostil e armada entre pessoas de um mesmo país. Entretanto esta
definição, embora também correta pode abranger também, outros conflitos entre os
habitantes de um mesmo Estado que nem sempre são caracterizados como “guerra”
(grifo da autora) devido à sua dimensão ou motivos”. Por isso, costuma-se observar
três características principais para caracterizar um conflito nacional de “guerra
civil”: primeiro e bastante óbvio, a guerra civil deve ser uma “guerra”, ou seja, é
necessário que haja luta armada; em segundo lugar o conflito deve ser de caráter
“civil”, o que não significa que as forças armadas do país em guerra não estejam
envolvidas, mas que o conflito tem forte participação popular, ocorre dentro das
fronteiras de um país e grande parcela de seus habitantes está diretamente envolvida
na luta armada; e em terceiro lugar, o conflito tem sempre como objetivo a
aquisição, manutenção ou exercício da autoridade nacional.
Ao explorar um pouco mais a construção histórica brasileira nota-se que a luta pelo
avanço dos direitos fundamentais (saúde, educação e segurança), bem como os direitos sociais
(emprego e renda) nunca foram o primado desse estado de bem-estar-social em que se
objetivasse assegurar ao gênero humano como fraternidade e justiça.
“Na medida em que o Estado abre mão de políticas educacionais, ou se omite na
questão dos direitos sociais e utiliza as forças de segurança como forma de
contenção social dos “excluídos”, ele incentiva confrontos que tornam policiais e
população potenciais vítimas, e, no caso dos policiais, vítimas dúplices, visto que
quando confrontado, o Estado não raras vezes culpa o policial, seja por ter agido ou
por ter morrido” (LOTIN, 2016, p. 28).
Entretanto, ocorre um processo de falsificação da história, onde independência,
império, abolição e república não mudaram o pensamento das elites governantes que sempre
utilizaram de mecanismos repressivos para atender exclusivamente seus interesses, pelo que:
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“O Estado brasileiro, ao invés de fomentar políticas públicas pautadas na lógica da
redução de enfrentamentos (que culminam em mortes de ambos os lados), faz
justamente o oposto. Os discursos e ações dos poderes vão de encontro às estraté-
gias de redução das mortes, ou pior, estimulam enfrentamentos que resultam em
ações letais” (LOTIN, 2016, p. 28).
A sociedade brasileira é historicamente violenta e desigual. E o policial militar, fruto
desta sociedade, da qual o Estado é o maior promotor da violência, reproduziu e ainda
reproduz os hábitos dessa herança não desejada.
3.2 Efeitos da atividade policial para o agente
A respeito dos efeitos provocados pela atividade policial, no ano de 2014 o Sistema
Nacional de Segurança Pública realizou uma pesquisa envolvendo 10.323 agentes do sistema
público de segurança, da qual 44,5% dos agentes entrevistados eram policias militares (site
Fórum de Segurança).
Neste universo de pesquisa, buscava-se mensurar a percepção de riscos entre esses
10.323 profissionais. Diagnosticou-se que 66,7% desses profissionais temem serem vítimas
de homicídio durante a execução do serviço, enquanto que 68,4% têm o mesmo temor durante
o seu período de folgas. Na região Sudeste do Brasil concentrava-se 38,5% do público que
respondeu a esta pergunta, dos quais 44,5% são policiais militares (site Fórum de Segurança).
Do público total participante desta pesquisa, 63,5% respondeu que já foi vítima de
assédio moral ou algum tipo de humilhação no trabalho e 36,6% respondeu que já sofreu
alguma acusação injusta de prática de ato ilícito, desses últimos 65,7% são policiais militares
(site Fórum de Segurança).
Desse diagnóstico de vitimização moral, de humilhação sofrida na execução do
trabalho, de acusação injusta ou em decorrência da atividade policial, um percentual desses
agentes acaba desenvolvendo uma série de distúrbios psicológicos, pelo que a pesquisa
constata que para este dado 15,6% disse possuir ou já ter possuído algum distúrbio
psicológico, onde 15,1% dos que responderam à pesquisa são policiais militares (site Fórum
de Segurança).
E ainda: 65,7% disseram sofrer discriminação por ser profissional do sistema público
de segurança. Dado este que leva o profissional a assumir alguns hábitos distintos da maioria
da sociedade como evitar usar transporte público coletivo, esconder farda, arma, distintivo e
etc. Ou seja, omitem o fato de ser um agente e limitam o seu círculo de amizade e convívio
aos seus colegas de trabalho (site Fórum de Segurança).
E que, estes mesmos profissionais quando perguntados sobre os fatores que causavam
sua insegurança 64,5% responderam a impunidade, outros 59,7% disseram sentir falta de
apoio da sociedade, enquanto 55,1% atribuíram a esses fatores aos seus respectivos comandos
e 54,5% alegaram as fragilidades e por consequência a vulnerabilidade no uso de seus
equipamentos (site fórum de segurança).
3.2.1 Efeitos psicológicos da vitimização do policial militar do ERJ
“O interesse pelo estudo do estresse no trabalho tem sido crescente na literatura
científica, particularmente nos últimos anos. Uma razão para o aumento de pesquisas
sobre este tema deve-se ao impacto negativo do estresse ocupacional na saúde e no
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bem-estar dos empregados e, consequentemente, no funcionamento e na efetividade
das organizações” (PASCHOAL e TAMAYO, p. 45, 2004).
Ratificando esta abordagem a respeito dos efeitos da atividade policial militar na vida
do agente policial militar, a PMERJ através do Núcleo de Psicologia de sua Diretoria Geral de
Saúde, realizou entre os anos de 2013 e 2016 uma pesquisa onde se diagnosticou os impactos
da vitimização psicológica sofrida pelo policial a partir do manejo institucional, sob a
preocupação do fenômeno tipificado por estresse ocupacional. Que consiste:
“Num fenômeno tão complexo que não deveria ser tratado como uma variável, mas
como uma área de estudo e prática que se preocupa com diversas variáveis
interligadas, tais como estímulos do ambiente de trabalho e respostas não saudáveis
de pessoas expostas a eles” (PASCHOAL e TAMAYO apud BEEHR, 2004, p. 46).
Nesta pesquisa, buscou-se identificar a delimitação da vitimização e o panorama desta;
os fatores laborais; os aspectos organizacionais e operacionais; análise qualitativa; e,
propostas de ações para os resultados identificados.
Como resultado da pesquisa pelo núcleo de psicologia da PMERJ, constatou-se que no
período analisado, 9.058 policiais foram totalmente afastados da atividade que exercia.
Desses, 2.751 o fizeram pela clínica psiquiátrica. Número este que saltou de uma média/dia de
0,5 para 3,8 por policial afastado.
Da clínica de psiquiatria, constatou-se que 59% do público pertenciam às unidades
operacionais da polícia militar. Onde 69% exerciam a atividade fim, ou seja, o serviço
ostensivo. E ainda, que 40% tinham até cinco anos de incorporação (site PMERJ).
Dentre os principais fatores laborais apontados pelos policiais militares como
causadores de fadigas – tanto físicas quanto psicológicas – estão: a falta de recursos materiais;
o trabalho extraordinário na folga; equipamentos inadequados; fadiga; riscos de ser ferido em
serviço; excesso de burocracia interna; problemas de saúde relacionados com o trabalho (dor
de costas, lesões); sensação de que são aplicadas diferentes regras a diferentes pessoas;
demandas de trabalho após o horário; deslocamentos entre casa e serviço devido a
periculosidade; distribuição desigual de responsabilidades no trabalho; não dispor de tempo
suficiente para estar com a família e amigos, dentre outros.
Em síntese, os principais fatores diagnosticados no estresse institucional na PMERJ
são a falta de recursos materiais, a carga excessiva de trabalho, as relações interpessoais, a
identidade policial e os riscos/periculosidade da profissão (site PMERJ) que,
“Dependendo de suas percepções, o indivíduo pode reagir aos estressores
organizacionais de forma positiva ou negativa. Neste último caso, tem-se o
fenômeno de strain, termo que abrange a diversidade de respostas negativas que são
emitidas como conseqüência da exposição aos estressores. As categorias de resposta
aos estressores podem ser divididas em: psicológicas, fisiológicas e
comportamentais” (Paschoal e Tamayo, 2004, p. 47).
A partir destes diagnósticos, foram identificadas algumas etapas de adoecimento
destes policiais militares. Dentre elas, a primeira que é a etapa do adoecimento silencioso, do
sofrimento psíquico; cultura do “forte”; temor de rótulos discriminatórios (“maluco” ou
armador); falta de tempo para cuidar da própria saúde; temor de perder o porte de arma
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(sensação de indefesa, perda de oportunidades de trabalhos ou gratificações). Agravantes que
retardam a busca por auxílio e quando ocorre a recuperação é mais prolongada (site PMERJ).
A segunda é a do afastamento: da preocupação de ser tratado com desconfiança por
colegas e superiores; e, a terceira que é a da tentativa e dificuldade de readaptação: fatores
como provocações por pares e superiores, dificuldade de permanecer na unidade onde o
problema iniciou; os trâmites burocráticos (site PMERJ).
As principais propostas consistiram na implementação de um serviço de atenção à
saúde do policial militar com avaliação tri-anual de toda a corporação; política de
fortalecimento institucional, capaz de desarticular as “bombas psicológicas”; cursos de
prevenção de distúrbios psiquiátricos; encaminhamento obrigatório para acompanhamento
psicológico na Corporação (além do acompanhamento psiquiátrico), etc (site PMERJ).
3.3 A Contabilização da violência e da vitimização de Policiais Militares
Ainda a respeito da vitimização de policiais militares, há o problema da falha ou
inconsistência dos dados relativos às mortes e assassinatos desses agentes, dadas as
divergências e incompatibilidades existentes até mesmo dentre as instituições de interesse.
“Existem divergências quanto ao uso de categorias e quanto ao que foi informado ao
Sistema Nacional de Estatísticas em Segurança Pública e Justiça Criminal
(SINESPJC) nos últimos anos, de modo a impedir a comparação dos dados. Por
exemplo, alguns Estados simplesmente enviaram informações sobre “policiais
mortos em serviço”, outros informaram adicionalmente os que morreram nos seus
dias de folga; outros ainda incluíram “policiais que tiveram morte natural em
serviço”, o que prejudica o mapeamento correto dos óbitos em confronto” (SOUZA
e MINAYO, 2013, p.110).
No RJ, o ISP mensura as incidências criminais e administrativas de vítimas de crimes
violentos a partir dos títulos:
Homicídio Doloso, Lesão Corporal Seguida de Morte, Roubo Seguido de Morte
(Latrocínio), Tentativa de Homicídio, Homicídio Decorrente de Oposição à
Intervenção Policial, Policiais Militares Mortos em Serviço, Policiais Civis Mortos
em Serviço, Lesão Corporal Dolosa e Estupro (site ISP).
Não há apuração estatística de crimes violentos para as mortes de policiais militares
em situação de folga, demonstrando a fragilidade da identificação do problema bem como na
implementação de políticas públicas voltadas a ele. Outro fato que chama a atenção é a
ausência da contabilização de vitimização de policiais militares que se encontram na
inatividade policial – os ditos aposentados – o que revela que a violência sofrida contra este
grupo poderia ser evidenciada com números ainda maiores.
Catão (p. 82, 2008) faz uma abordagem sobre a desconfiança dos métodos avaliativos
no que cerne à consistência de dados. Dentre outros problemas, ela aponta como alguns
obstáculos a falta de integração entre as bases de dados estatísticos bem como as dificuldades
de acesso às fontes de informações. Ela também afirma que:
“Durante longo tempo, o tema recorrente entre pesquisadores e estudiosos da
violência, criminalidade e segurança pública tinha como foco a carência de dados
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – RELATÓRIO TÉCNICO
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estatísticos e a má qualidade dos registros oficiais. Não obstante o avanço
significativo na produção de informações estatísticas na última década, persistem os
problemas de confiabilidade e validade dos registros administrativos” (CATÃO, p.
82, 2008).
Diante da importância e complexidade do problema envolvendo os registros de
violência criminal, ante a dificuldade e viabilização de direcionamento das políticas públicas,
Durante (2009, p. 50) defende a definição de:
“Um conjunto mínimo de informações que devem ser sistematizadas de forma
padronizada pelos sistemas de registro de ocorrências dos órgãos de segurança
pública. O conteúdo de estatísticas coletadas orienta os gestores dos órgãos de
segurança pública a respeito das informações às quais eles devem prestar mais
atenção durante as etapas de coleta e registro de dados” (Durante, p. 50, 2009).
4 – Plano de Ação
O objetivo do plano de ação é identificar possíveis causas do problema/tema apontado
por este trabalho acadêmico e assim apresentar propostas de solução/atenuação para estas
causas.
Dada a importância desta etapa do trabalho para o desenvolvimento deste recurso
estratégico, foram realizadas consultas às dinâmicas dos registros de ocorrências dos crimes
contra a vida de policiais militares do RJ tendo como base o ano de 2017 até o mês de agosto.
Diagrama de Causa e Efeito.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – RELATÓRIO TÉCNICO
10
INDICADOR:
INÍCIO
Criar um formato rigido de
concientização de conduta
defensiva para o policial.
Celeridade nos processos de
conclusão de inquéritos policiais
face a utilização consistente de
um banco de dados.
Revisão Constitucional a respeito
da estruturação e definição do
real papel da Polícia Civil e
Militar; Criar um indicador de
violência contra a vida de
policiais.
Ações de Inteligência quanto ao
histórico da dinâmica dos crimes;
Identificação e prisão de autores
de crimes contra a vida;
Governo do Estado;
Assembléia Legislativa e
Secretaria de Segurança.
Polícia Militar
Polícia Civil
Polícia Militar e Civil
Fragilidade ou
inconsistência do Banco de
Dados com informações
incompátiveis com a
realidade e percepção de
vida e segurança do agente
de segurança pública.
Políticas Públicas
Fundamentadas nas
garantias dos Direitos
Fundamentais e Sociais.
Criar canais de comunicação
direta com a sociedade
diretamente interessada e
envolvida nas questões da
segurança pública.
Custo potencial da vida do
policial.
Remodernização Curricular
na Formação do agente
Policial; Reestruturar o
sistema de segurança
pública.
Criar um Sistema de
abastecimento de
informações com
qualificação e
aperfeiçoamento de capital
humano.
Deficiência de Agendas
Públicas no âmbito da
educação e da Segurança,
as quais ocasionam a
proliferação da violência.
Violência praticada contra a
vida de Policiais Militares e
outros agentes da
Segurança Pública no
Estado do Rio de Janeiro.
STATUS
FIM
1º Semestre de
2017
1º Semestre de
2017
1º Semestre de
2018Em Andamento
Período CAUSA O QUE COMO QUEM
QUANDO
PLANO DE AÇÃO
VIOLÊNCIA CONTRA A VIDA DE POLICIAIS MILITARES E DEMAIS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA
UFF CURSO BACHAREL EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Data de Elaboração: 10 / Fev / 2017
Responsável: Andreia Dias Mendes Data de Atualização: 19 / Set / 2017
5W2H
Para o “Quanto” não foi possível estabelecer parâmetros ante a complexidade e o
envolvimento com a secretaria de Fazenda, o que requer um aprofundamento do trabalho a ser
desenvolvido. E o “Onde”, entende-se todo o Estado do Rio de Janeiro.
5 – Conclusão
Conforme a afirmação de Souza e Minayo (2013) na apresentação de caso deste
trabalho, desde que existe polícia no mundo, ela é alvo de vitimização materializada em
mortes, traumas, lesões, agressão e psicológica e tentativa de homicídio (Souza e Minayo,
2013, p.110) e tal fato se dá diante a sua condição de suscetibilidade ao risco ante a algumas
situações de vulnerabilidades profissionais: como o treinamento para o confronto,
inadequadas condições de trabalho, precariedade de viaturas, armamentos e estratégias de
ação, embates com gangues armadas e prontos para o combate de vida ou morte (Souza e
Minayo, 2013, p. 111).
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – RELATÓRIO TÉCNICO
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Para Minayo (et al 2007, p. 2) o risco da profissão representa uma condição intrínseca
à atividade policial. Entretanto, este grupo, constitui uma categoria de servidores públicos
para quem este risco não é mero acidente, e sim desempenha papel estruturante das condições
laborais, ambientais e relacionais (Minayo et al, 2007, p. 2).
Muito embora o risco esteja intrínseco à atividade policial, ele não é sua exclusividade.
Este trabalho demonstrou que historicamente a sociedade brasileira sempre se comportou de
forma violenta e o policial militar como corpo funcional do Estado sofre os reflexos dessa
violência disseminada.
Essa situação tende a se agravar uma vez que, o país se ressente da ausência de uma
política nacional efetiva de segurança pública, baseada em diagnósticos precisos, com
princípios e objetivos claros, de modo que se possa construir um planejamento estratégico, em
que as ações sejam monitoradas e os resultados avaliados (Cerqueira, 2016, p. 81).
Vale ressaltar que além da ausência efetiva de políticas públicas, há o fenômeno da
inconsistência dos dados como problemática para o direcionamento de tais políticas, o que se
percebe também é que o modelo de segurança pública brasileiro ainda guarda pouca relação
com as demandas sociais e políticas contemporâneas e não está preparado para fazer frente às
novas dinâmicas do crime (Lima et al, 2016, p. 56).
Embora, a Secretaria SESEG-RJ tenha criado em 2009 o Sistema Integrado de Metas
como modelo de gestão por desempenho e cujo objetivo é desencadear ações integradas de
prevenção e controle qualificado do crime de forma geral, para a problemática da vitimização
do policial militar não houve ainda o desenvolvimento de uma política pública efetivamente
voltada a este problema.
Policiais são mais vítimas do perigo externo do que no trabalho, particularmente nos
trajetos para casa e nos dias de descanso: morrem mais nas folgas do que em serviço. Fora do
trabalho, mesmo quando escondem suas insígnias, a identidade profissional fortalece seu
sentimento de insegurança (Souza e Minayo, 2013, p. 112).
Cabe concluir que,
“É fundamental que o policial, as corporações e a sociedade tomem consciência da
importância de diminuir a vitimização e tratar os agentes vitimizados, reconhecendo
seus direitos como trabalhadores e cidadãos. Enquanto a sociedade reclama da
letalidade produzida por eles contra a população, os policiais também estão
morrendo violentamente em elevadas proporções” (Souza e Minayo, 2013, p. 116) .
6 – Referências
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