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cronos

Polimorfismo CRONOS

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Polimorfismo: acaso, tempo, acasalamento PGD Tomás Susemihl Polimorfismo é um projeto experimental, semiótico, filosófico, poético, rizomático, político, polifônico, politemporal e policorporal; em busca de novos panoramas para o processo criativo e para o design.

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por um acaso.

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EPÍGRAFE cronos

foto de @alouleticia (Letícia Barçanelli)

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III. como diz McLuhan, tudo acontece de uma só vez. imagem não é mais o córrego que cai sobre rochas,partindo de um lugar original para um final,é como Tenney explicou: um complexo de vibração, qualquer adição ou subtração de componente(s), independentemente de posições aparentes no sistema total, produzindo alteração, uma música diferente.

CAGE, John. 1967.

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agradecimentos

ESPM, pelo espaço ao experimental.Orientadores, Cláudia Pucci e Celso Cruz pelos toques, afetos e forças.Mas principalmente aos amigos, pelos encontros e trocas.

Mãe, pai e o acaso.

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resumo

Projeto de conclusão de curso pela faculdade ESPM no curso de design gráfico na modalidade experimental.

Este trabalho busca projetar o próprio design sobre pensamentos da filosofia, procurando reflexões sobre o processo criativo que alimentem a produção de novos conceitos. Colocando assim o design como questionador de si mesmo e, principalmente, do modo como ele é mais concebido na atualidade.

Sob esta problemática, dentro de um contexto de experimentação, alguns conceitos foram articulados, desorganizados e reorganizados em diversos suportes visuais.

palavras-chave

Experimental, acaso, tempo, ciclo, movimento, devir, montagem, ideograma, rizoma, máquinas, desejo, subjetividade, polimorfismo, poliamor.

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SUMÁRIOcronos

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introdução

problemáticaobjetivo

conceitos-base

autoresnietzsche, deleuze e guattari vilém flusserbruno latourautores paralelos

conceitossignificação e identidade forças, corpos e afetosdesejo, agenciamento e máquinas desejantesprodução de subjetividade e singularidadeacaso e morteaion e cronostempo, devir, rizomamemética, entwendung e printscreens

correlatos

experiências poéticasHaroldo de Campos: Ideograma e Teoria da Poesia Concreta Mallarmé: Um jogo de dadosJohn Cage: De Segunda a um anoFlávio de Carvalho: A cidade do homem nu

experiências audiovisuaisNaomi Kawase: O segredo das águasJames Holden + Jack Featherstone + Will Samuel: RenataRodrigo Lucheta: Uma felicidade estranhadavidope: Visual Chinatown

experiências gráficasKlára Grančičová: Works on PaperMaster Slave: Maps of SorrowFrancis Alÿs: Numa Dada SituaçãoLucía Ladreche: Médula

bibliografia

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introdução

Você não encontrará aqui um produto final, uma identidade ou uma marca com estudo de marketing, mas um percurso de investigação criativa e elucubrações, contemplações e percepções sobre as questões que esta investigação propiciou. Aqui descorre então o o processo de elaboração de imagens e textos que são a proposição e a resposta para a problemática colocada.

A motivação para essa pesquisa surge de um desejo por entender a fundo o processo de significação pelo receptor, e o processo de criação de sentido pelo design. O que advém de um questionamento sobre as coisas produzidas através do design, se elas estão fazendo sentido no mundo de hoje, ou de que modo elas poderiam ser melhor pensadas e projetadas. De certa maneira, uma revisão temporal sobre o sentido do design e daquilo que ele cria.

Com enfoque inicial na semiótica, ou o estudo dos sistemas de significação, e conforme as experiências e diálogos foram aumentando, alguns caminhos de pensamento foram revelando-se mais aptos a receber indagações mais amplas, que habitam áreas anteriores à linguagem, representações e significados. E portanto, pelo entendimento de que existe um campo de acontecimentos que gera os signos, viu-se o modelo no qual grande parte da produção criativa atual se insere como um

método limitado, de arbítrio estruturalista, superintendente de desejos, preso a uma rotina cansada, que reage a movimentos não planejados e conserva a crença num único sentido, aparentemente deliberado.

Por questionar tal formato de “criatividade”, visto aqui como predominante, e suas respectivas consequências, é ressaltado por este trabalho a responsabilidade da atividade do designer sobre a introdução de soluções e problemas no mundo. Assim, define-se a necessidade de buscar alternativas de abordagem para o design, necessariamente revisando alguns de seus principais conceitos.

Lanço-me então à experimentação, através da projeção do olhar por diferentes perspectivas sobre as coisas. Criando e sendo afetado pelo que criei, correndo os riscos dos vícios de pensamentos, abrindo o olhar ao acaso, me jogando em leituras, procurando trabalhos com os quais me indentificava. Quando cruzando e colocando em conflito estes conteúdos, foi-se produzindo o desejo de me desprender de conexões iniciais e propor novas relações na ponta dessa trajetória, o que denota talvez a característica principal desse trabalho: o constante movimento. Aqui estão os registros dos sentidos tomados por este movimento, de um tempo-devir-rizoma que sucede a novas conexões e espaços, compondo com autores, referências e materiais vindos de diversas direções, espécies e propriedades. Assim como o rizoma, esse trabalho não tem começo nem fim, e pode ser navegado em qualquer ordem ou sentido. A ordem linear do livro é apenas uma sugestão.

Assumo agora esse trabalho como um recorte, uma fruta-semente que se expõe ao mundo, oferecendo-se para que outros possam prová-la e combiná-la com suas próprias singularidades. Como uma palavra nova que agora se dispõe a ser parte de um ecosistema vivo, portanto copulativo, sujeito ao afeto com outros corpos e sujeito ao acaso. Como leitor e observador, você também é articulador, manuseador e agente copulador dos conteúdos projetados.

Bom proveito.

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problemática

Esse trabalho é a busca por um outro entendimento sobre o que faço enquanto designer.

O design como entendemos, ou como é ensinado hoje, é uma atividade característica de um tipo específico de cultura ou visão de mundo. É definido pelo tempo que vivemos, os tempos modernos ou pós-modernos. Mas afinal, como se define o modernismo?

Claro que existem diferentes visões sobre o movimento do modernismo, mas emprestamos aqui a percepção do filósofo e antropólogo francês Bruno Latour, autor do livro “Jamais fomos modernos”. Latour define o modernismo como um momento que tem raízes fortes no pensamento grego, mais especificamente em Platão, filósofo que atua no eixo “vertical”, das alturas, profundidades, da totalidade, da plena razão, do discurso universal e da busca pela perfeição. Segundo Latour, é aí que surge o domínio da representação na filosofia ocidental, que se manifestou de forma a determinar,

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estruturar e conservar conceitos dentro de um sistema, dividindo-os de modo científico para aprofundar-se em suas diferenças, sempre em busca da essência. Assim também prosseguiu Aristóteles no desenvolvimento da teoria de classificação das espécies, pela hierarquização. Onde o ser vivo é definido sob o conceito de “hilemorfismo”, como um composto de hyle (do grego: madeira, matéria) e morphē (do grego: forma). Colocando a alma como aquilo que faz uma coisa ser viva, ou a forma, e o corpo físico como matéria, d ividindo a vida então entre espiritualismo e materialismo.

Latour coloca que a narrativa modernista no ocidente proclama um certo “processo de purificação”, onde as pessoas finalmente distinguem o mundo das “questões de fato” do mundo das “questões de interesse” (matter of fact e matter of concern), o mundo da objetividade do mundo da subjetividade, sendo as questões de fato as científicas, indiscutíveis, que contrapoem-se às coisas de interesse, discutíveis, incluindo aí regras e convenções ou aquilo que foi projetado. Com essa divisão, estaríamos deixando os deuses para trás e rumando à modernização. Porém, o autor ressalta que o discurso, no campo da prática, está atuando de forma contrária, integrando, em escala expandida, as questões de fato às questões de interesse, mas por outro viés.

Muitas das dicussões em design passam pela problemática da relação entre forma e conteúdo, e forma e função, e o que tem se estabelecido desde a era industrial é a regra de que forma segue função, e de que o design teria papel de elaborar as formas para que a função ocorresse. O projeto moderno então foi definindo-se pelo abandono dos deuses e pela busca ao racional, porém seguindo novas leis morais, onde o ser humano tomou a posição divina e agora é capacitado da solução perfeita, do caminho do “bem” como o caminho único e absoluto. Daí as características de ser um projeto que sempre parte da construção do zero e, tendo a resposta perfeita, se dá a permissão de atropelar o que estiver no caminho para a realização do “bem”, como por exemplo destruir um ecossistema para a construção de uma hidroelétrica, dizimar milhares de pessoas para a implantação do

stalinismo ou do nazismo. É um projeto que busca alcançar a perfeição e se conservar, como também o projeto da cidade de Brasília, que não considerou o crescimento da cidade ou o tempo, que está sempre mudando.

A partir desta prática, cria-se um “mundo real” funcional, objetivo e materialista, onde o homem é então abençoado pelo seu valor divino e espiritual (o que só faz sentido pelas lentes da utopia modernista, onde moldamos o mundo à nossa própria maneira e temos uma sociedade igualitária, felicidade geral e total controle sobre o destino). Feliz pela padronização de tudo e de todos, tem-se um mundo tornado inteiramente dócil, adestrado, que está submetido ao incessante trabalho pelo “bem”. Um mundo sempre cansado e reativo. Um sistema atemporal e fechado ao acaso, que se mantém sempre vigilante, a fim de conservar um significado absoluto.

Latour sugere então que o modernismo falhou ao colocar os fatos como induscutíveis, embasados em uma certa moral científica, e propõe uma relação com o grego Prometeu.Defensor da humanidade conhecido por sua inteligência, Prometeu roubava o fogo dos deuses e dava aos mortais, para que eles se tornassem superiores aos outros animais e tão poderosos quanto os próprios deuses. Ao fazer isso, Prometeu torna-se um megalomaníaco, alguém que via a natureza como um não-design e acreditava cegamente no seu caminho como o único do “bem”, uma certa “lei universal” para o projetar. Os deuses então, vendo aquilo, colocam-no sob a punição de estar preso eternamente no topo de uma colina, com o fígado para fora, do qual os corvos se alimentavam e que crescia novamente durante a noite, já que era de um imortal.

A partir disso, Bruno Latour propõe uma teoria pós-prometéica, ou de um “Prometeu Cauteloso”. Nela, o projeto é uma reelaboração que acontece aos poucos, com certa atenção aos detalhes, ou uma transformação cautelosa, como pequenas gambiarras que criam novos meios e perspectivas, onde o designer é, na verdade, um redesigner de algo que já estava lá, e o mundo, um eterno redesign.

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Sem a idéia de fundação (construção), ou de se projetar diretamente ao progresso e à evolução, “para frente”, rompendo radicalmente com o passado, mas sim de reelaboração e reconfiguração, com cautela e atento aos detalhes. Nesse sentido, Latour enxerga a proliferação do termo “design” como um substituto para o avanço ou modernização, e coloca então o eterno redesign, seguindo as leis naturais, como o melhor modo de lidar com as principais crises atuais, como a crise climática. Ele também ressalta a vantagem sobre o conceito de design, que envolve necessariamente uma discussão ética ligada ao bom design versus o mau design, e que no estilo modernista eram qualidades de questões de fato e não poderiam ser discutidas ou julgadas, pois eram simplesmente impostas. Quando algo é elaborado através do design, entretanto, estamos autorizados a questionar se o design foi bem ou mal feito sem distinguir mais as questões de fato das questões de interesse, assumindo então todas as questões (até as da natureza) como sendo de interesse, projetadas. Como se estivéssemos simplesmente relatando aquilo que “existe”, ou que é dado como existente em esfera real ou virtual.

Na atual era da informação, o design é muito visto como executor da forma, ou até com o objetivo da função. Muitas vezes considerado uma mera ferramenta de “articulação simbólica” dentro de um sistema limitado de significados, como um propagador de verdades que ele próprio constrói. Assim, as informações ao nosso redor nos dizem no que devemos acreditar, como uma circulação de palavras de ordem em uma estrutura de controle, onde buscamos sempre os significados e objetivos das coisas, sem atentar ao que está por baixo disso. Buscamos, na realização desses intermédios, organizar estruturas que sobrevivam à nossa efemeridade, e criar convenções e linguagens que nos tragam alguma segurança num mundo de acasos.

Durante sua história, o design reproduziu símbolos universais através da contemplação, reflexão e da comunicação. Consistindo em uma representação estética da natureza segundo regras e valores que delimitam o belo, o universal, o imutável, a essência, a consistência, a consciência, a estrutura, a significação e a mensagem.

A representação comporta a divisão do mundo em dicotomias (real e abstrato, essência e aparência), fixando um referente “maior” que opera pela equivalência sobre o mesmo com caráter extensivo e valor universal. Porém, reside também no design a possibilidade de fugir dessa forma de organização, de modo a fazer o próprio uso dela para tal, gerando combinações que vão além da representação, colocando-a então contra si mesma.

A crítica das representações se apresenta por estas não poderem apresentar as relações. Fazendo assim, da representação, um critério, e colocando na ideia a razão e a necessidade da segurança de não haver contradição. O design é, inevitavelmente, uma atividade que atua na relação entre as coisas, sendo mediador entre humanos e coisas, e também das próprias relações dos humanos entre si e consigo mesmos, através das coisas.

Portanto, busca-se aqui explorar perspectivas e alternativas a este caminho estruturado, entrando então no universo daquilo que está por trás das respresentações: relações, forças, corpos, afetos e acasos. Num eixo “horizontal”, conectivo e rizomático, dos pensamentos de Friedrich Nietzsche, Gilles Deleuze e Félix Guattari, com apoio da visão compatível de Vilém Flusser e da crítica atual de Bruno Latour, que vem também ressaltar a importância do diálogo entre o design e a filosofia no espaço de intersecção de propósitos entre eles: a reelaboração de conceitos.

Conversando com conteúdos que surgem da filosofia, o design atua como uma linguagem ativa na articulação de ideias, colocando um conteúdo que é principalmente linear, textual e objetivo, no campo das imagens, mais subjetivo, possibilitando novos afetos, que estão de certa forma “elitizados” e pouco acessíveis aos menos literados. Traduzindo-os e reproduzindo-os em imagens subjetivas, amplia-se o seu alcance linguístico, expandindo o campo desse conteúdo, buscando democratizar e produzir outras relações, outros encontros.

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corpo

acaso

tempo

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movimento

espaço

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espaço

forças

tempo

subjeto

possibilidades

subjetividade

devir

afetos

energia

corpo

movimento

agenciamento

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energia

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Colocando então o próprio design sobre a luz da dúvida, esse trabalho ganha força no seu movimento de questionamento da relação entre as coisas, e portanto, dele mesmo.

Ao pensarmos o design como uma forma de repensar problemas, reavaliamos o próprio pensar, cultivando novas complicações, alimento primordial do design. CARDOSO, Rafael, 2012.

Caso definido e fechado em si, o ciclo se fecha e terá seu papel cumprido, finalizado. É necessário que se assuma uma abertura que permite seu próprio redesign, que vai se transformando aos poucos, sendo um ciclo de pequenas revoluções que recria à si mesmo. Uma potência em si mesmo, que pulsa e combustiona a partir das de novas relações.

Para Deleuze, todo e qualquer ser humano é um atribuidor de sentido, capaz de interpretar os vários tipos de signos e algumas das diversas forças existentes num determinado fenômeno. Mas destaca a necessidade de que não esqueçamos que nele são as suas forças que estão a produzir o sentido. Quando algo aparece, emerge dotado de certa natureza ou identidade, esta natureza não é a da essência do objeto, e sim aquilo que emergiu do encontro e ação de determinadas forças.

A imagem do “eterno processo de redesign” como sendo a realização de uma “música polimórfica, tocada por diversos instrumentos diferentes, cada um com seu timbre específico, sua singularidade, produzindo qualidades; uma música que se transforma lentamente, onde instrumentos vão potencializando um ao outro em suas trocas, seus cruzamentos, suas danças; na coexistência conflituosa e amorosa de seus ritmos, melodias e harmonias; oscilando entre momentos de escutar e tocar, vão absorvendo as forças e energias no corpo, ocasionando novas intensidades por modelar e brincar com a percepção do espaço-tempo, do movimento. De se projetar, se lançar ao acaso, explorar os espaços ainda não mapeados, improvisar atalhos, de modo a revelar outros possíveis movimentos”, se identifica muito com o objetivo do ambiente que esse trabalho pretende fabricar.

objetivo subjetivoA produção de subjetividade.

Considerando que o trabalho experimental não tem conclusão nem um objetivo pré-determinado, podemos de certa forma dizer que surgiu, durante o processo, um objetivo subjetivo, ou seja, aos poucos o objetivo principal tornou-se justamente estudar a subjetividade, e produzir subjetividades por meio do uso do da poética, do gráfico-visual e do audiovisual.

Mesmo considerando a qualidade da atividade objetiva do design, aqui ele é encarado como uma potência em si mesmo , sendo assim, possível de criar a si mesmo e se reinventar. Por meio da experimentação, é possível pegar o conceito atual de design e sacodir, colocar contra a parede, espremer, picotar, e observar o que acontece a partir disso.

Conforme o caminhar do processo, o trabalho foi encontrando novas motivações, e podemos dizer que a motivação do estado atual dessa pesquisa surge de uma frustração com as limitações da forma e do método colocado como vingente na modernidade, e seus produtos ou consequências que afetam constatemente as pessoas, e claro, os designers. Portanto, surge a necessidade de buscar novas formas que tenham consequências menos danosas às pessoas e ao ambiente que vivemos, preservar a vida, dar continuidade ao movimento.

Para isso, buscou-se estudar possibilidades de quebra de certas objetividades que se dizem atemporais, ou que não estão sujeitas às mudanças do tempo. Certas burocracias estacionárias, reacionárias à diferença. As leis firmes, as tentativas de controlar e conservar identidades, de se preservar no tempo, de estar seguro em um mundo imprevisível de acasos.

Assim, subjetivamente, imagina-se uma nova perspectiva para as identidades e, portanto, para o ato de criar identidades, talvez de modo geral uma das atividades mais comuns no design.

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conceitos-base

Aqui concentram-se os conceitos que formarão um mapa inicial, por onde esse trabalho irá se territorializar. É válido constar que foram abordadas apenas referências tangíveis ao projeto, já assumindo a impossibilidade de se aprofundar em todos os assuntos no espaço-tempo determinado.

No decorrer das pesquisas foram revelando-se cada vez mais autores que dialogavam com o trabalho, portanto, para este mapa conceitual, foram selecionados apenas os principais.

Além da apresentação dos autores, nesse capítulo está disposta uma breve apresentação dos conceitos, junto com uma definição rápida da minha percepção sobre eles.

Os conceitos-base são recortes sujeitos a novas composições, conflitos, movimentos. Como pedaços de papel jogados ao vento.

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“Há um laço profundo entre os signos, o acontecimento, a vida, o vitalismo. É a potência de uma vida não-orgânica, aquela que pode haver numa linha de desenho, de escrita ou de música. São os organismos que morrem, não a vida. Não existe obra que não indique uma saída para a vida, que não trace um caminho por entre as vias. Tudo o que escrevi era vitalista, pelo menos eu espero, e constituía uma teoria dos signos e do acontecimento.” DELEUZE, 1970.

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conceitos-base

nietzsche, deleuze e guattari

Os três filósofos ocidentais foram de constante consulta desse trabalho, seguindo uma linha de pensamento que surge a partir de Espinoza (1632-1677) e também com influências de David Hume (1711-1776), que abrem caminho para o ceticismo e empirismo.

Friedrich Nietzsche (1844-1890) foi um filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX. Ele escreveu vários textos críticos sobre a religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência. As ideias-chave que são trazidas a esse trabalho são a vontade de poder, a “morte de Deus”, o Übermensch (Além-Homem) e o eterno retorno. Seu questionamento radical do valor e da objetividade da verdade se tornou a sua maior influência, que continua muito atual na compreensão do existencialismo, principalmente para pensadores do pós-estruturalismo, que usaram destes conceitos como pontos de partida para o desenvolvimento de suas filosofias, dentre eles estão Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Para Nietzsche, a vida só se pode conservar e manter-se através de sobreposições incessantes entre os seres vivos, através da

luta entre vencidos que gostariam de sair vencedores e vencedores que podem, a cada instante, serem vencidos. Nesse sentido, a vida é vontade de poder, domínio ou potência. Vontade essa que não conhece pausas e, por isso, está sempre criando novas máscaras para se esconder do apelo constante e sempre renovado da vida, pois, para Nietzsche, a vida é tudo, e tudo se esvai diante da vida humana. Porém, as máscaras, segundo ele, tornam a vida mais suportável, ao mesmo tempo em que a deformam, mortificando-a e a tornando venenosa, ameaçando finalmente a destruir própria vida.

Nietzsche ataca pontos importantes sobre a prisão moral presente no modernismo, e na crítica ao antropocentrismo. Porém para alguns, como o antropólogo Bruno Latour, ele se coloca de certa forma como um novo “Deus do devir” na modernidade, na totalidade do eterno retorno, que tende a ser fechado em si mesmo e também com fins de natureza trágica.

Gilles Deleuze (1925-1995) cursou filosofia na Universidade de Paris, concluindo o curso em 1948, dedicando-se então à história da filosofia, tornando-se professor da matéria na Universidade Sorbonne, em Paris. Em 1962, conhece Michel Foucault, de quem se torna amigo até sua morte em 1984. Apesar da amizade, não trabalharam juntos, mas foram apontados como responsáveis pelo renascimento do interesse pela obra de Nietzsche.

Entre 1964 e 1969, Deleuze foi professor de História da Filosofia na Universidade de Lyon. Em 1968, apresenta como tese de doutoramento “Diferença e Repetição”, na qual critica o conhecimento via representação mental e a ciência derivada desta forma clássica lógica e representativa; e como tese secundária, o livro “Espinoza e o Problema da Expressão”. No mesmo ano, ele conhece Félix Guattari, que já tinha um longo passado político e de trabalho psiquiátrico, e este encontro resulta numa longa colaboração.

Para Deleuze, “a filosofia é criação de conceitos”, coisa da qual nunca privou-se (rizoma, desterritorialização, ritornelo,

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máquinas desejantes, corpo-sem-órgãos, etc), mas também nunca se preocupou a transformá-los em “verdades” a serem reproduzidas. A sua filosofia vai de encontro à psicanálise e à política quando escreve “O Antiédipo - Capitalismo e Esquizofrenia”, com Félix Guattari. A psicanálise de origem freudiana, aos seus olhos, reduz o desejo ao complexo de édipo, à falta de algo. Sua filosofia é considerada como uma filosofia do desejo. Com a crítica radical ao complexo de édipo, a relação “papai, mamãe e eu” é muito limitada, segundo ele. Assim, Deleuze consagrará uma parte de sua reflexão à esquizofrenia, denotando que o processo esquizofrênico faz experimentar de modo direto as “máquinas-desejantes” e é capaz de criar (e preencher) o “corpo-sem-órgãos”. Seu intuito sempre foi o de explorar as suas potencialidades ao máximo. Em “Mil Platôs” Deleuze e Guattari enfatizam a necessidade de extrema prudência nos processos de experimentação, para que não se prenda a qualquer preceito moral. Deleuze sempre advertiu quanto ao perigo de se tornar um “trapo” através de experimentações que inicialmente poderiam ser positivas, mas que depois eram regulamentadas e punidas por uma moral subjetiva culposa. Ele também deu muitas palestras para cineastas, onde falava sobre criatividade e criador (este, como um ser que não trabalha pelo prazer, mas só faz aquilo que tem absoluta necessidade), traçando nelas uma relação direta entre a linguagem do cinema e o pensamento: a imagem-movimento.

Em 1995, afetado por um câncer, só respirava com a ajuda de aparelhos. Sem poder realizar seu trabalho, Deleuze atirou-se pela janela de seu apartamento em Paris.

Félix Guattari (1930-1992) foi um filósofo, psicanalista e militante francês, praticamente autodidata, que não chegou a cumprir o formato de nenhum título universitário mas que produziu grande quantidade de textos, relacionando-se de forma produtiva com muitas das figuras mais importantes das ultimas quatro décadas. Militou ativamente tanto nas organizações tradicionais como na maioria das alternativas importantes do seu tempo, e foi criador de uma série de movimentos.

Entre os conceitos e noções criadas por Guattari estão a Transversalidade, Ecosofia, Caosmose e Capitalismo Mundial Integrado. Também criou com Deleuze os conceitos de Desterritorialização, Ritornelo, Singularidade, Produção de Subjetividade. Teorizou sobre a questão da transdisciplinaridade, do desejo, das instituições e foi, juntamente com Deleuze, o mais profundo crítico da Psicanálise que, segundo Michel Foucault, podia considerar-se um inimigo tático, ao passo que o seu inimigo estratégico seria o poder, o fascismo. A partir desta crítica, Félix Guattari cria, em conjunto com Deleuze, o que chamou de Esquizoanálise. Atuou e teorizou nos temas da homossexualidade sobre travestilidade, feminismo, anticolonialismo, chegando inclusive a ser preso por seus ditos e escritos, além das temáticas anarquistas e comunistas. É um dos principais percursores e referências da Reforma Psiquiátrica no mundo, além de ser considerado parte do movimento do pós-estruturalismo francês.

O método psicanalítico é totalmente diverso: em vez de re- portar a representação simbólica a objetidades determinadas e a condições sociais objetivas, reporta-a à essência subjetiva e universal do desejo como libido. Assim, a operação de descodificação não pode significar, na psicanálise, o que significa nas ciências do homem, a saber, descobrir o segredo de tal ou qual código, mas desfazer os códigos para atingir fluxos quantitativos e qualitativos de libido que atravessam o sonho, o fantasma, as formações patológicas, assim como o mito, a tragédia e as formações sociais. A interpretação psicanalítica não consiste em rivalizar com códigos, em juntar mais um código aos códigos conhecidos, mas em descodificar de maneira absoluta, em destacar algo de incodificável em virtude do seu polimorfismo e da sua polivocidade. Parece, então, que o interesse da psicanálise pelo mito (ou pela tragédia) é um interesse essencialmente crítico, uma vez que a especificidade do mito objetivamente compreendido derrete-se quando exposta ao sol subjetivo da libido: é certamente o mundo da representação que desmorona, ou tende a desmoronar. DELEUZE, O Anti-Édipo, 1995.

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Deleuze e Guattari fomentam a necessidade de uma filosofia experimental, contrapondo a relação entre a interpretação dos conteúdos e subjetividades massificados pela mídia. Ressaltam então a experimentação, onde se produz suas próprias subjetividades.

Entendidos esses conceitos, adianta-se que nesse projeto vamos improvisar no espaço comum entre o design e a filosofia:

Se nos perguntarmos qual é o conteúdo da filosofia? É muito simples: a filosofia é uma disciplina tão criativa, tão inventiva, quanto qualquer outra disciplina. A filosofia é uma disciplina que consiste em criar ou inventar conceitos. E os conceitos não vêm feitos, eles não existem numa espeçie de céu onde eles esperariam que um filósofo os pegasse. [...] é preciso fabricá-los.

DELEUZE, O que é Filosofia, 1992.

Ou melhor, recriando, reinventando conceitos. E repensando o pensamentos, juntos vamos projetar uma imagem diferente, uma música diferente, dando continuidade ao ritmo da vida.

vazio

fissura

máquinareprojeto

diálogorelação

desejo

terra

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“Namely the fact, linguistic communication, both the spoken and the written word, are no longer capable of transmitting the thoughts and concepts which we have concerning the world. New codes are being elaborated. So it is my firm belief, that if you want, nowadays, to have a clear and distinct communication of your concepts, you have to use synthetic images, no longer words.” FLUSSER, Interview about technical revolution, 1988.

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conceitos-base

vilém flusser

Vilém Flusser (1920 - 1991) nasceu em Praga, onde estudou filosofia entre 1938 e 1939, na Universidade Carolina, e em seguida foi viver em Londres, onde deu continuidade a seus estudos na London School of Economis and Political Science. Em 1940, durante a Segunda Guerra, veio para São Paulo fugindo do nazismo, onde naturalizou-se brasileiro, residiu e atuou como filósofo, escritor, jornalista e professor por cerca de 30 anos, mas a ditadura militar obrigou-o a voltar à Europa em 1973.

Durante sua estadia no Brasil, colaborou com a Revista Brasileira de Filosofia, editada pelo Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF), lecionou Filosofia da Ciência na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, e Filosofia da Comunicação na Escola de Arte Dramática, quando publicou seu primeiro livro, “Língua e Realidade”, em 1963.

Escreveu e ministrou conferências sobre a Teoria da Comunicação, consagrando-se como um importante filósofo no campo da filosofia da linguagem e da imagem. Seus trabalhos se concentraram na discussão do pensamento de Heidegger, sendo marcados pelo existencialismo e pela fenomenologia.

Pode-se destacar no trabalho de Flusser a sua persistente luta contra todo tipo de ideologia, que assumem as formas mais inesperadas na nossa sociedade.

Ele nos ensina que toda informação que recebemos, por mais clara e transparente que nos possa parecer, precisa ser detalhadamente examinada. Isso porque nós todos vivemos num mundo codificado e, sem o permanente esforço de decifrá-lo, tornamo-nos facilmente manipuláveis e exploráveis.

À medida em que seus textos estão sendo redescobertos e publicados, a importância de sua obra cresce no meio acadêmico brasileiro e internacional. Grande parte desta valorização deve-se ao fato de Flusser ter enfrentado, logo

no surgimento das tecnologias de informação e comunicação, algumas das principais questões que surgem de uma cultura permeada pelos aparelhos tecnológicos, traçando também uma crítica ao modo como a ciência é vista, separada das demais atividades e endeusada como se fosse uma religião.

Num artigo publicado em 1964 na Revista Brasileira de Filosofia, com o título: “A crise da Ciência”, Flusser projeta uma das teses centrais de seu pensamento, que terá múltiplas aplicações: a ciência automatiza-se e transforma os cientistas em suas próprias ferramentas. Em outras palavras, o cientista vai passando automaticamente de programador a programado, enquanto é tomado pela plenificação do rigor científico; segundo Flusser, “a consumação automática do delírio”.

Publicação também importante foi a do livro “A Dúvida” que, quando interpretado no contexto desse trabalho, mostra um espaço que sugere o design como atividade de duvidar, colocando todas as coisas como questões, sejam elas um logo ou peças de propaganda, gerando curiosidade sobre o caminho, o proceso, e a composição.

Muito do que escreveu sobre tecnologia pode ser melhor compreendido hoje do que foi em sua época. Outro aspecto que caracteriza a grande importância da sua obra é a perspectiva teórica e filosófica peculiar adotada por ele, fortemente influenciada pela cibernética.

Sobre o tempo, Flusser anunciava que o mesmo era visto como cíclico e baseado nos ciclos das estações do ano, até surgir a escrita linear e sua propagação por meio da imprensa, inventada por Gutenberg. Flusser diz que isso incentivou a nossa busca pelos fins e pelo progresso, mas especula uma possível volta, do tempo linha-rio para o tempo ciclo-mar.

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“Mordernism failed itself. We have never been modern. [...] The west has been respectfull with the representation of something that Nietzsche is.” LATOUR, 1991.

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conceitos-base

bruno latour

Nascido na França em 1947, Bruno Latour é filósofo, antropólogo e sociólogo da ciência, bastante conhecido por seus livros, que descrevem o processo de pesquisa científica dentro das perspectivas pós-construtivistas. ”Jamais Fomos Modernos”, “Ciência em Ação” e “Reagregando o Social” são alguns exemplos de tais obras. Também escreveu o “Manifesto Composicionista”, onde fala da terra como Gaia e do mito de Pandora. Participa de projetos experimentais na área de tecnologia sob um viés político e sociológico.

Latour critica o modo de se fazer o projeto moderno, mostrando que este busca uma certa perfeição, um final, uma certeza que só encontra nos valores absolutos e que, portanto, é um movimento contraditório e paradoxal. Ressalta que a humanidade tem se suicidado lentamente à base dos pequenos prazeres relativos, sem se deixar perceber nem digerir os afetos do dia-a-dia.

Em sua crítica ao modernismo, sob a sua visão, ele comenta sobre a história grega de Prometeu, que rouba o fogo dos céus e torna os humanos imortais, perfeitos, como os deuses, indiferentes ao tempo e ao acaso.

A partir desse raciocínio, sugere uma nova abordagem sobre o projetar que chama de “O Prometeu Cauteloso”, onde denota alguns

pontos importantes para que as pessoas consigam projetar soluções aos maiores problemas atuais do planeta.

Bruno Latour sublinha e reconfigura o termo design como sendo um eterno redesign, que exita e mira a flecha diretamente à perfeição e ao que é atemporal, mas que também é cauteloso no sentido de saber que não o será, mantendo uma abertura no ciclo, sem fechar-se viciosamente. Ele também coloca que, desde a filosofia grega de Platão e Aristóteles, há uma divisão entre as questões de fato e as questões de interesse, ou seja, surge naquela época uma certa moral de padrões estéticos e ideológicos que nos influencia fortemente até hoje. As questões de fato seriam as inquestionáveis, as certezas, já as questionáveis seriam as que surgem por meio de um projeto. Porém, supor a existência de questões de fato tem nos cegado sobre as possibilidades, sobre os nossos limites de duvidar e dialogar. Na verdade, as questões de interesse só existem porque até mesmo a natureza e as religiões são projetadas. Analisando o termo design mais de perto, comenta:

[...] estamos inquestionavelmente lidando com significados – sejam eles comerciais, simbólicos ou de outra ordem. O design se oferece à interpretação; ele é feito para ser interpretado na linguagem dos signos. No design há sempre, como dizem os franceses, um dessein, ou, em italiano, designo. É claro que, em sua forma mais fraca, o design acrescenta apenas significados superficiais ao que era matéria bruta e pura eficiência. Mas à medida que o design se infiltra em mais e mais níveis dos objetos, ele traz consigo um novo tipo de atenção aos significados. Sempre que você pensa em alguma coisa como objeto de design, você traz todas as ferramentas, habilidades e perícias da interpretação para a análise dessa coisa. É, portanto, extremamente importante atentarmos para o quão profundamente encaramos os artefatos cotidianos como objetos de design. Pensar sobre os artefatos em termos de design significa concebê-los cada vez menos como objetos modernistas e cada vez mais como “coisas”. Usando minha linguagem: os artefatos estão se tornando concebíveis como

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conjuntos complexos de questões contraditórias (lembrando que esse é o sentido etimológico da palavra “thing” em inglês, bem como em outras línguas europeias). Quando as coisas são consideradas como bem ou mal elaboradas, elas não se apresentam mais como questões de fato. Assim, à medida que sua apresentação como questões de fato se enfraquece, seus lugares entre as muitas questões de interesse são fortalecidos.

LATOUR, O Prometeu Cauteloso, 2014.

A transformação dos objetos em signos foi fortemente acelerada pela proliferação dos computadores. É claro que a digitalização teve grande influência na expansão da semiótica até o cerne da objetividade: uma vez que quase todas as partes dos artefatos digitais são “escritas” em códigos, em softwares ou sistemas, não espanta que a hermenêutica, a teoria da interpretação, tenha penetrado cada vez mais na própria definição de materialidade, colocando a ciência em busca das essências.

A discussão em design ainda paira muito sobre a velha dicotomia entre forma e função, ou forma e conteúdo, como uma divisão entre corpo e alma (ou espírito). Isso poderia se sustentar vagamente ao falarmos sobre um martelo, uma locomotiva ou uma cadeira, mas torna-se ridículo quando aplicado a um telefone celular, uma árvore ou uma pessoa, por exemplo. Onde seria traçada a relação entre forma e função? A quem responde ou pertence a forma e a quem responde a função?

Aqueles que conseguem determinar um logo ou identidade e implantar etiquetas de direitos autorais nas origens, nos DNAs, no novo celular mais fino, ou qualquer outra nova tecnologia, certamente se consideram designers, autores e proprietários de suas criações, de seus filhos. O designer é como uma espécie de pai. Porém, de fato, ou melhor, de interesse, os filhos são como frutas que caem ao acaso, passíveis de diálogos no ecossistema, um polissistema, o espaço-tempo do cosmos. Assim, aceitamos que não temos controle algum sobre os acasos que os afetarão, não nos prendendo às suas identidades, mas deixando-os livres para

acasos incertos, para serem acasalados, fora de casa, na casa ao lado, na casa imaginária, onde os filhos se projetam, e então transbordam pelas janelas.

Sob este viés, talvez seja melhor deixar o corpo-matéria longe da forte absorção e sugação dos sistemas de significados. Uma vez que a matéria é absorvida pelo significado, ela passa a fazer parte de uma disputa, ou uma guerra dos signos, reações crescentes que tomam formas cada vez mais íntimas, porém desnecessárias.

Pode-se dizer então que o corpo não comporta todas as formas, todos os signos ou todos os movimentos de uma só vez. Ele precisa estar no meio, na relação, no espaço, no caminho, ocupando o espaço de signo a signo, recortando o tempo como o ritmo recorta e, simultaneamente, o corpo como suporte faz desenrolar uma nova música.

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conceitos-base

autores paralelos

Além das leituras dos autores citados anteriormente, o decorrer dessa pesquisa também foi afetado por outros pensadores, os quais também merecem ser notados por estarem produzindo conteúdo relevante, atual e de movimentos semelhantes.

Amauri Ferreira, professor de filosofia e de quem realizei o curso “Sobre o Corpo, pensamento e liberdade em Espinoza, Nietzsche, Bergson e Deleuze” durante meus estudos. Escritor, entre outros, do livro “Introdução à filosofia de Nietzsche”, que trouxe grande inspiração ao devir desse trabalho.

Luiz Fuganti, da Escola Nômade (grupo de estudos sobre Deleuze e Guattari), pelo seu vídeo da palestra apresentada a estudantes de dança, sobre o Corpo-sem-orgãos, conceito apresentado por Antonin Artaud e depois também trabalhado por Deleuze como uma máquina sem divisões, que se auto-combustiona. O vídeo da palestra para “Criação de si mesmo como obra de arte”, onde ele coloca os problemas vividos pela sociedade como consequências de uma visão limitada do movimento.

Cláudio Ulpiano, um grande estudioso de Deleuze e que foi professor de Filosofia renomado no Rio de Janeiro, dando aula na UFF e na UERJ. O vídeo de sua palestra “Pensamento e Liberdade em Spinoza” e fragmentos do livro “Gilles Deleuze: A grande aventura do pensamento”, além de outros conteúdos de sua vasta biblioteca digital, alimentaram em partes essa pesquisa.

Rafael Cardoso, escritor e historiador da arte, estudioso da história do design brasileiro, autor de “O Design Brasileiro Antes do Design”. Mas é de seu livro “Design para um Mundo Complexo” que destaca-se o olhar, posicionamento e construção crítica sobre o pensar-design, ou o design como o

“repensamento” das coisas. Cardoso também destaca o momento de diversas crises que a humanidade vive e a responsabilidade do designer para solver, resolver estes problemas, trazendo assim um olhar mais aberto sobre as questões de interesse, ou seja, as questões projetuais e de envolvimento político, por onde os designer poderia se projetar.

O livro “Existe Design? Indagações filosóficas em três vozes”, escrito por Marcos Beccari, Daniel Portugal e Ivan Mizanzuk, faz conexões com diversos filósofos, desde Sócrates e Platão até Flusser e Deleuze. Os autores são também produtores dos podcasts chamados Anticast, que buscam explorar uma visão do designer sobre o mundo, e o Não Obstante, de filosofia, que acompanho há certo tempo e me incentivaram de modo geral a buscar e explorar os espaços entre design e a filosofia, ou a proposta “filosofia do design”, nome dado a seu blog, onde também são produzidos conteúdos sobre essa perspectiva.

E por último, o livro “O Tempo Não Reconciliado”, do filósofo e professor Peter Pál Pelbert, nascido em Budapeste e atualmente em São Paulo, onde leciona aulas de filosofia e semiótica na PUC e coordena a Companhia Teatral Ueinzz, formada por pacientes psiquiátricos do hospital A Casa. Autor também do livro “O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento”, onde, estruturado sobre o pensamento de Deleuze, ele se aprofunda nos diferentes conceitos de tempo, permeando assuntos como cinema, o cristal do tempo, multiplicidade virtual, cisão e dobra, subjetivação, paradoxo e pensamento, e as duas leituras do tempo: Aion e Cronos.

Apesar de paralelos, esses autores também alternam nos seus sentidos, ocasionando cruzamentos que se propulsionam em uma mesma direção geral, subjetiva. Sua relação configura uma máquina de guerra, uma ferramenta de cortar inimigos e, quem sabe, a composição de uma chave para abrir portas ocultas..

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conceitos-base

significação e identidade

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O mundo das significações é um mundo transcendente, das projeções bem e mal, meros usos ou informações, das palavras de ordem.

Vivemos como seres que têm a tendência de organizar o mundo de forma que ele nos sirva, e de buscar uma recompensa pela dor e miséria que nos habita. Instituimos como divino aquilo que criamos, louvamos o sistema do lucro onde tudo deveria ser intencional e racional. Mas o capitalismo e as relações de poder diminuem drasticamente as zonas de inderteminação.

A moral nega que o mundo pode ser perfeito por si só, e que poderia ser autosuficiente. Nega parcialmente a realidade, nega o acaso, fica só com a parte que acredita que vai ser boa.

Deleuze opõe-se à concepção da significação como entidade plena, presente em toda filosofia da “essência”, dizendo que um mundo de essências não faria sentido por si mesmo, e que faltaria aí um sentido como diferença ou acontecimento, o único capaz de tornar sensíveis as significações e produzi-las no pensamento, pois a representação não tem afeto.

A vida sempre perde quando entra nos campos da significação, os signos são usados muitas vezes por nós mesmos para nos esconder, nos proteger, nos conservar.

significação

Um hábito.

identidade

Uma simulação. Uma proteção. Uma tentativa.

A identidade nada mais é do que lembranças de mim mesmo para poder me conservar. A ideia de falta, na psicanálise, vem do apego ao rosto, às marcas. Porém, as marcas podem ser o “não ao novo”, nos impedindo de ver no tempo, no movimento, no devir, um aliado.

Vivemos em um mundo estratificado de marcas - uma estrutura formada por camadas pela qual as coisas se solidificam e estabilizam - que nos ajudam na organização do que nos atinge de fora, nos protegendo do caos. Porém, há a necessidade de desestratificar e esquecer de você mesmo, a fim de abrir espaço para a criação de si mesmo. Como designers, somos criadores de marcas, posicionados como cúmplices desse modo estruturado de existir, criando estratificações.

Esquecer é fundamental para manter a superfície do acontecimento fluída e flexível, para que o novo se assedie. Mas estamos entupidos de marcas, palavras, regras e técnicas, de muletas e de escudos para nos defender de um mundo efêmero. Para Nietzsche, a liberdade do pensamento é ser capaz de agir por si própria, largando a identidade.

Um sistema de significações e representações mostra-se impotente à comportar toda a força de movimento da vida, e dá indícios de que existe um outro plano mais amplo abaixo deste.

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conceitos-base

forças, corpos, afetos

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As coisas não vem do nada. O contrário da transcendência, de uma origem oculta e superior.Portanto, estamos aqui lidando com um mundo imanente, que causa a si mesmo, que não é causado por deuses ou por alguma força superior.

Existem dois tipos de força, as ativas e as reativas. As forças reativas são dominadas, ressentidas, buscam conservar e se adaptar ao meio. Possuem impulsos interiorizados, negam aquilo que muda, ignoram suas afeições, ignoram a relação com a alimentação, com o clima. Ocorrem à reação quando acabam por vazar e transbordar.

As forças ativas dominam, sem culpa, e criam uma visão singular. Realizam a crítica sobre os reativos e criam seus próprios valores.

As forças atuam entre os corpos (as coisas). Cada corpo é composto de várias forças que atuam sobre ele, portanto é um conjunto plural, heterogêneo. O contato ou conflito entre os corpos é o afeto, o modo como eles colidem. Vivemos sob a constante variação da potência de agir, dado a constante afeição entre os corpos.

A imagem ou impressão é a assimilação dos afetos.

A imaginação é a consciência da presença de um corpo. A consciência é como um espelho, reflete a imagem que já foi produzida. É a ideia da afeição, passada do inconsciente pro consciente. É só aí que entram os signos e os significados, que tornam possível a nossa articulação por meio da linguagem.

No livro “Ética”, de Espinoza, ele faz a crítica de que há uma mistura entre a percepção da imagem e afeto, e que se soubermos diferenciá-los seremos livres na atividade de pensar. Assim, é necessário entender a fundo os afetos, se deixando ser afetado, desprendendo-se do hábito constante da significação e reconhecimento de signos imóveis.

Há também o conceito de “afeto-paixão”, que é o esforço consciente de um corpo para agir em um determinado afeto, buscando preservar-se na sua própria natureza, no seu próprio movimento, a fim de amplificá-lo. É um fotógrafo que direciona a câmera para onde ele almeja ser afetado. É o desejo, um querer afetos, a consciência do apetite.

O desejo sempre busca um agenciamento, uma composição de corpos. A composição de corpos cria um espaço subjetivo, uma relação de trocas e conflitos, matéria prima, corpo da criação.

forças Geradoras de pensamento. Estado inconsciente de pré-representação. As forças pensam e querem.

corpos

As coisas, o livro, o sol, o vento, aquilo que afeta e é afetado. O mundo é uma composição de corpos. Nós somos uma composição de corpos. Uma pluralidade de forças.

afetos A relação de “conflito” entre corpos. Nos afetos entre corpos ocorre um cadeamento infinito.

afeto paixão O olhar atento para o corpo.

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conceitos-base

desejo, agenciamentoe máquinas desejantes

a catraca

surubapi

cote

sistem

a

coisas

cozinha

mem

órias

jogadas

tatto

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bike fix

a

sucosfr

utas

liquidi ficador

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bike fix

a

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desejo

O desejo não é falta, é produção.

agenciamento

O desejo busca o agenciamento, a composição, e o diálogo entre os corpos que criam o espaço.

Segundo o pensamento elaborado por Deleuze e Guattari, principalmente no livro “O Anti-Édipo”, o desejo não é carência, mas excesso que ameaça transbordar, produzir. O desejo é responsável por fabricar novos arranjos: desejar é elaborar um agenciamento, configurar um conjunto. Uma espécie de construção, ou reconstrução, para criar um certo momento desejado, um certo movimento, um corte do tempo.

O desejo sempre busca o agenciamento.

O conjunto de corpos que se afetam criando um espaço subjetivo entre eles, um espaço real-virtual de muitas possibilidades. Um certo território subjetivo. O espaço público.

É chegar em casa, colocar aquela música, preparar aquele suco, cozinhar aquela comidinha boa, criar aquele clima desejado, aquele espaço-encontro, aquele clima. Um recorte especial, um cheiro que fica na memória. Geralmente vem por acaso, a alegria, aí recortamos e deixamos flutuar no mar, para um dia encontrar de novo, em um momento diferente. A alegria move o “eterno retorno da diferença”, de Nietzsche.

máquinas desejantes

Somos máquinas desejantes. Tudo em nós cria, faz, corta, processa, produz.

Somos máquinas desejantes, um agencimento de orgãos que buscam criar o corpo subjetivo, a matéria ocupando o espaço, ocupando a casa, dançando. Somos literalmente máquinas. Máquinas acopladas a outras máquinas, máquinas produzindo conexões. Tudo em nós recria, reprocessa. Nosso corpo é uma indústria rítmica. Um liquidificador, uma bicicleta cortando o trânsito.

Na bike “fixa”, ou a bike sem freio, segundo alguns a forma mais “pura” da bicicleta, a que é comumente usada nas corridas de velódromo... Não é a bike de contra-pedal, uma bike que o seu pé gira conforme a roda de trás corre, ou vice-versa. Um “favor-pedal”.Uma ironia. Nunca se tem a roda “livre” ou solta, e ela não permite que o ciclista pare de peladar quando em movimento, nem que ele pegue uma velocidade descontroladamente alta, porque os pés tem um giro limitado. O corpo tem limite. Para freiar é preciso se forçar a pedalar mais devagar. Com essa profunda ligação com esta máquina, onde usa-se até um firmapé, a bike fixa se torna mais um orgão do seu corpo. Ou o Corpo-sem-orgãos, de Artaud. Junto com a bike formamos uma máquina de recortar a cidade, em busca de agenciamentos, derrapando e seguindo o fluxo.

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conceitos-base

morte e acaso

fim

dife

rença

fecundação

ritm

o

temporal

espacial

dor

petite

mort

apetite

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às coincidências, aos fluxos, aos casos. Uma confiança no destino, o Amor Fati.

A crítica de Bruno Latour diz que no tempo moderno estamos lentamente nos matando sob o viés de uma utopia modernista. De um único tempo, o não-tempo, o estado absoluto. O que também pode ser relacionado com o pensamento de Espinoza, Nietzsche e Deleuze, sobre as forças reativas, de conservação e atemporalidade, a partir do o uso do corpo e dos signos como proteção contra os acasos e a morte. Assim, acabamos nos fechando à diferença, vestindo máscaras para assutar o diferente. Os carros. Utilizando armas para nos defender reativamente. Máquinas mortais, serras elétricas cortando freneticamente tudo que vêem pela frente, sem dar tempo de digerir os afetos e as forças para torná-las ativas. Sem deixar a água do chá esquentar tomamos água fria com camomila achando que vamos nos acalmar. Só sendo muito calmo para conseguir lidar com esse mundo nervoso, essa loucura, esse consumismo sem freio, de roda livre tomada por forças que impõem o poder linear. O projeto é sempre de interesse, não foi Deus.

O acaso é o corte, a abertura, a fissura, que permite mudar, a faca picotando o tempo. O olho aberto para a morte é saudável para manter o corpo vivo. O acaso é uma lembrança para manter o corpo acordado. Um beliscão na bunda. Um tombo, um tropeço, uma ralada. Te faz lembra de fechar a janela, senão, vai chover dentro da casa. Encostar a porta para não deixar o vento frio te dar um resfriado. Ficar doente é uma reação ativa, quase uma obrigação.

morte

Uma certeza incerta.O grande final absoluto.Um caso.

acaso

Uma certa incerteza.A pequena morte.Um temor.

A morte é a condição e possibilidade para o acontecimento. O mundo do imortal é o mundo sem diferença. A morte é a condição para diferença. Os imortais perderiam completamente o interesse pela vida. Tudo já teria sido dito, tudo já teria acontecido. É o mundo da repetição, da indiferença, do absolutismo, do certo e do errado, do dentro e do fora, da moral.

O conceito da morte é paradoxal por ser a única coisa que torna o acontecimento possível e, ao mesmo tempo, é a única coisa que não acontece em nós, pois quando morremos não a percebemos.

Apesar de ser a nossa única certeza, ela é incerta, pode vir num simples atravessar da rua, num raio que cai do céu.

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro coloca que “toda história tem um quase morri, ou passar perto da morte, para que isso interesse ao ouvinte”. A morte como quase acontecimento é o acaso.

A morte é um grande acaso. Ou, o acaso pode ser uma pequena morte. A morte e a vida insinuam um ritmo-movimento-singular. Uma música que improvisa os acasos. Deixa de ser acaso. Acasala.

É preciso estar de peito aberto, não ter medo dele, ter em mente que vivemos um mundo de acasos incertos, porém de grande possibilidade. Estar aberto ao acaso é estar aberto também

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conceitos

produção de subjetividadee singularidade

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produção de subjetividade

Fabricação de possibilidades, de mapas, de qualidades, singularidades, de pluralidades. Uma explosão de gostos, de sentimentosA euforia incontrolável.

singularidade

A qualidade do afeto de um corpo. O clima, o cheiro, a vibe, de um certo-incerto agenciamento entre corpos. Uma jam session inesquecível. A consciência do devir-louco.

Seguindo a linha argumentativa de Félix Guattari em “Caosmose” (1992), onde ele propõe o entendimento do conceito de produção de subjetividade como uma maneira de ver as polimaneiras de ver. É enxergar o processo dos engendramentos, as mais diversas formas de ver, sentir e estar no mundo.

A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de modo contínuo sua relação com o mundo. GUATTARI, 1992.

A atividade de pensar esse conceito pode ser considerada como o rompimento das relações de complementaridade entre altura e profundidade, alterando também a ideia de sujeito como autônomo. Uma floresta de corpos e signos encaixados, quebra-cabeça, formando uma sensação, um jeito de se vestir, um modo de viver, de dançar, de tocar instrumentos. O modo como o bem-te-vi ou o sabiá voam. O modo como trepadeira de maracujá e a trepadeira de argyreia nervosa crescem e ocupam o espaço.

Não mais falar em sujeito como um être-là, dado a priori, mas em agenciamentos coletivos de enunciação, concerto polifônico de vozes, devires imperceptíveis, mutações afetivas e outras sensibilidades. GUATTARI; ROLNIK, 1999.

O sujeito não objetivo, não localizado, e não pontual. Um polisujeito, ou um sub-jeito, uma quase-forma descentrada. O centro, o átomo, a origem e o ego são às vezes quase tudo, às vezes quase nada, às vezes centro, átomo, a origem e o ego. Mas são a possbilidade de todos esses ao mesmo tempo.

Há então o descentramento da questão do sujeito para a da produção de subjetividade, como dizia Guattari, pois esta “constitui matéria-prima de toda e qualquer produção”. A esse nível, cada coisa não é mais ela mesma senão uma singularidade que:

[...] se abre ao infinito dos predicados pelos quais ela passa, ao mesmo tempo em que perde seu centro, isto é, sua identidade como conceito e como eu. GUATTARI, 1992.

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conceitos-base

cronos, aion e o paradoxo

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lugar

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o p a r a d o x o

do v a z i o

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p a r a d o x o

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Cronos e Aion são duas leituras simultâneas do tempo. O tempo é também forma deformável.

“Se o bom senso é a afirmação de que em todas as coisas há um sentido determinável, no paradoxo os sentidos são simultâneos”.DELEUZE, Lógica do Sentido

Cronos é o presente, onde só o presente existe. Cronos é limite, uma pulsação delimitada que se dilata e contrai para absorver o presente. Expande buscando abraçar tudo, como um maníaco, e contrai como quem não quer conter nada, como um depressivo. Nesse ritmo, é auto-suficiente, porém beira a loucura nos intervalos, nos gaps, recortes nos pontos mais altos ou pontos mais baixos. Ponto delicado pois mergulhar nas águas mais abissais do oceano ou voar até o ar acabar mostra que o ar acaba, o espaço acaba, corpo cansa, precisa descansar para reativar, reviver. O corpo-espaço-matéria precisa de energia para continuar em movimento, e busca então novos afetos.

Uma profunda revolta incessante. Respiro, quase piro.Repito, repiro.

Cronos é o tempo total, infinito nas suas extremidades: o passado e o futuro. Mas apenas insistentes passados e futuros, sem presentes.Um “começo” e um “fim” utópicos, atópicos, sem superfície, sem corpo. A ideia do “nada”.

Cronos é das ações dos corpos, das causas, ao passo que Aion é o lugar dos acontecimentos

cronos

O tempo da profundidade desmedida,porém limitada. O círculo, o ciclo. O mar.

paradoxo

A paixão do pensamento. O espaço, o respiro, o gap.

aion

O tempo da superfície medida,porém ampla. A linha reta, o plano. Os rios.

incorporais, dos efeitos, das qualidades. Cronos é o domínio do limitado e infinito, localizado, assinalável. Aion é do finito e ilimitado, a pura forma vazia do tempo que se liberou do corpo. A energia sem a matéria. A força-energia ainda não tornada reação-onda. Portanto, Aion é matéria passível de qualquer assinalamento temporal.

Ambos são recortáveis, e é aí que mora talvez um ponto em comum. Ambos são sujeitos à faca, ou ao desprendimento. Podemos soltá-los a qualquer momento. Você pode parar esse texto em qualquer momento, fechar essa aba, esse livro, e ir para qualquer lugar que deseja. Há uma relação livre, leve e solta. De constante abraço e desabraço. Um desejando o outro. Como uma música que apaixona, ruma ao infinito, ao sexo, que goza e acaba. Mais um acaso acasalado, mais um recorte singular do tempo, uma vírgula, um ponto. Aí, uma alegria de querer voltar, uma projeção presente de passado no futuro. O presente é repleto de possibilidades, polidimensional. O pássaro, o peixe e a mão conseguem voar, nadar e dançar por multilados, de multijeitos, multiformas.

O instante presente é diretamente projetado sobre o passado, recortando e redefinindo o futuro, reciclando. Uma nova gambiarra. Uma mão e um elástico: possibilidades de propulsão.O projeto se reprojeta, como uma tendência.

O vazio e o lugar.O preto e o branco vibrando aceleradamente.O caminho, até...

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Identidades infinitizadas, explodidas.

Em defesa ao paradoxo temos o bom senso. O bom senso é o bom sentido, o sentido correto, a direção única das coisas, do passado ao futuro, portanto é previsível. Tende a amansar a relação entre as diferenças. É a busca pelo Eu, o Mundo, Deus, o Estado.

Segundo Deleuze, o paradoxo é justamente a paixão do pensamento, pois existem as coisas que tranquilizam o pensamento e aquelas que o forçam a pensar. As coisas que tranquilizam são as de recognição, reconhecem o mesmo, o possível, o que reforça à identidade, um pleonasmo. Já o pensamento surge de um arrombamento do caminho, do que é previsível.

O paradoxo neste caso, não é uma contradição lógica nem um contra-senso, como a maioria dos dicionários costuma definir, ele simplesmente abole o princípio da mão única, aderindo à diversas direções, múltiplos sentidos simultâneos. E por revogar a direção única do tempo, encancara sua disjunção e colocando em xeque o presente que lhe serve de parâmetro, portanto abrindo à múltiplos sentidos de tempo, um devir-corpo-louco.

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forma

ritmo

terr

a

mús

ica

corp

o

pensamento

bagunça

conceitos

tempo, devir, rizoma

transformar

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tempo

Uma coisa que vai mudando.

devir

O eterno retorno da diferença.

rizoma

O lugar dos encontros e reencontros.

Cada máquina, cada instrumento e cada corpo tem o seu tempo, que vai sendo desenrolado conforme o ritmo dos recortes. Descorrem em busca do agenciamento com o acaso, do imprevisível, da diferença, do devir, aquele que busca diferenciar-se de si mesmo.

[...] em Deleuze, ao invés de uma linha do tempo, temos um emaranhado do tempo; em vez de um fluxo do tempo, veremos surgir uma massa de tempo; em lugar de um rio do tempo, um labirinto do tempo. Ou ainda, não mais um círculo do tempo, porém um turbilhão, já não uma ordem do tempo, mas uma variação infinita, nem mesmo uma forma do tempo, mas um tempo informal, plástico. Com isto, estaríamos mais próximos, sem dúvida, de um tempo da alucinação do que de uma consciência do tempo.” (Pelbart, 2004, XXI)

O tempo da alucinação é como uma arritmia que percorre o espaço criando-o e recriando-o, exigindo constantemente uma reavaliação por na sua mudança interagir e forçar outros corpos a se movimentarem, responderem aos afetos ativamente ou reativamente, dependendo de seu estado atual. Se alterando por um oceano, uma tempestade, uma cachoeira, um cano, uma privada, um copo, uma caixa, uma planta, uma fruta, um pássaro, um xixi, um barro, um humano, um suor, uma cerveja, um vapor na panela, uma nuvem, um cubo de gelo, uma geleira, um chuveiro, uma tinta. Navegando, discorrendo, vibrando, fluindo, quebrando, derrentendo, desmoronando, escorrendo, esquentando, pintando, entre outros, somos um continuum de energia-corpo-tempo-água. Distribuídos em uma superfice vasta, profunda,

acidentada, bagunçada, retilínea, apaziguada, desesperada, um cosmos de possibilidades multi-dimensionais, de multi-momentos, multi-movimentos, multi-formas.

[...] um grandioso tempo de coexistência, que não exclui o antes e o depois, mas os superpõe numa ordem estratigráfica (...) A vida dos filósofos, e o mais exterior de sua obra, obedece a leis de sucessão ordinária; mas seus nomes próprios coexistem e brilham, seja como pontos luminosos que nos fazem repassar pelos componentes de um conceito, seja como os pontos cardeais de uma camada ou de uma folha que não deixam de visitar-nos, como estrelas mortas cuja luz é mais viva do que nunca. A filosofia é devir, não história; ela é coexistência de planos, não sucessão de sistemas.” (Deleuze, 1991, 58-59) (O Que é filosofia?”)

O paradoxo é instrumento fundamental para Deleuze, pois, se não inverte a direção única das coisas em sua sucessão sensata, o sentido tradicional do bom senso que orienta a flecha do tempo necessariamente se apoiando em um presente, abole o princípio da mão única que rege o próprio bom senso, afirmando diversas direções simultâneas, múltiplos sentidos.

Um grande grupo de pessoas tocando multi-instrumentos em uma jam session, onde pessoas dançam, cantam, pintam, reagem às energias, vibrações e forças que as tornam ações em multiformas de ondas efemêras. Somos ondas sonoras que transbordam, transtópicas, antimemoriais, frutas picadas e salada de frutas, sucos, chás. Somos vida em forma de fruta, semente, pássaro, terra, árvore, mesa. R

epet

ição

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conceitos-base

memética, entwendunge printscreens

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Memética é um estudo em desenvolvimento sobre a cultura de criação dos memes, que como prática, sempre existiu na comunicação de histórias, mitos e contos mas se fortalece com o uso da internet com a mistura de símbolos, slogans, rituais, imagens, músicas, etc.

Deleuze cita o conceito de entwendung como um princípio de transgressão experimental, e ressalta sua importância como atividade política e relevância no processo criativo.

Do alemão, entwendung significa furto sem aquisição ou desapropriação. Seria um ato de aquisição, uma extração temporária, que pega um contexto e insere em outro. Transferir conceitos de um domínio para o outro a propósito de testar e experimentar, e ver o que este conceito pode mobilizar num meio estrangeiro, possibilitando os conceitos de novas capacidades criativas.

Como aplicação prática deste conceito, pode-se destacar o printscreen, ou “impressão de tela”, que realiza um recorte dos assuntos dispostos em tela possibilitando a montagem e colagem dos mesmos em outro contexto. Semelhante ao processo da captura e montagem em fotografia ou cinema, porém que colide mais fortemente com as regras de propriedade intelectual, por ser uma representação próxima de verossímea.Se as coisas, são reuniões e composições de forças, então é preciso apenas um pequeno passo para considerar todas as coisas como resultado de uma atividade conhecida como “design colaborativo”, termo já bem ambientado na Escandinávia. Essa atividade é, na verdade, a própria definição da política das questões de interesse, segundo Latour,

memética

Estudo dos memes: unidades de informação cultural que podem ser facilmente “transportados” e replicados por meio da combinação de ideias.

printscreen

Ferramenta de apropriação. Impressão da tela, recorte do que se vê em ambiente digital.

entwendung

Furto sem aquisição, desapropriação, empréstimo sem autorização. Uma coletivização.

as projetadas, uma vez que todos os designs são designs “colaborativos” – mesmo que, em alguns casos, os “colaboradores” não sejam todos visíveis, bem-vindos ou voluntários. Um printscreen não carrega ruídos no seu processo de captura, ele é a uma cópia perfeita da área registrada. Mas sua qualidade ou singularidade está no fato de que trás à tona pixels estourados, que podem ser interpretados como ruído, e elementos de interfaces digitais combinados com os conteúdos mostrados. Muito similar à fotografia, ele é uma máquina rápida de recorte de movimento, mas fica em uma zona cinza em questão de autoria, já que quando é compartilhado ele automaticamente “coletiviza” aquilo poderia ser obra de alguém como uma cópia muitas vezes indiscernível da original. Mas afinal, fazer uma foto também não é se apropriar, tornar seu para você usar como bem entender? E quando você publica em algum lugar, não seria como coletivizar um conteúdo, entregando-o novamente que outras pessoas se apropriem?

Portanto, essa prática questiona a relevância da propriedade e da autoridade, propondo uma relação de colaboração que torne possível os empréstimos, uma economia de energia quanto à produção se levarmos em conta que não precisamos mais refazer algo que já está pronto para que possamos chamar de “nosso”, se podemos simplesmente emprestá-lo e criar novos conceitos pela composição de recortes. Similar também ao conceito de hacking, atividade onde os programadores, ou hackers, se utilizam de todos os recursos alcançáveis em busca de alcançar um certo objetivo, ou passar uma certa mensagem buscando agilidade e usando o mínimo de energia possível.

A prática do printscreen foi muito utilizada durante o processo deste trabalho na organização e coleta de referências, além dos insights vindos pela participação no grupo “pequeno printscreen” no Facebook.

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correlatos

Aqui foram selecionados e recortados alguns autores que afetam e dialogam com esta pesquisa. É claro que a quantidade de relações foi crescente durante o processo e continua só vai aumentando à todo momento, à cada nova conexão, cada nova alteração. E dado à natureza de constante mudança, alguns dos correlatos iniciais ficaram foram deixados para trás, dando espaço à outros.

Os correlatos a seguir atuam em diferentes áreas, sendo alguns praticantes e outros teóricos. Entre os campos principais explorados, pode-se destacar experiências poéticas, experiências gráficas e experiências audiovisuais, envolvendo então ilustrações, mapas, poesias, cinema, GIFs, artigos, livros, que são colocados em cima de um formato que suporte a sujeição à um cruzamento rizomático, produtor de subjetividades, singularidades e máquinas.

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CORRELATOSexperiências poéticas

Haroldo de Campos O princípio cinematográfico e o ideograma

Como importante referência de estudos teóricos e práticos, os livros de Haroldo de Campos Teoria da Poesia Concreta (1975), juntamente com Augusto de Campos e Décio Pignatari, e Ideograma : logica, poesia, linguagem (1977), que destacam a importância da poesia concreta como uma linguagem que onde cabe muita expressão em poucos elementos e, no segundo livro, define cinematografia como sendo essencialmente montagem, ou montagem propondo e gerando conflitos.

No livro Ideograma, Haroldo comenta sobre os tipos de montagem de Einsenstein em A Forma do Filme (2002), e a que recortamos aqui como mais próxima deste trabalho é a montagem ideológica e intelectual. Esse tipo de montagem se difere por ser uma operação que consiste em aproximar planos a fim de comunicar um ponto de vista, um sentimento ou um conteúdo ideológico ao espectador. Eisenstein escreveu na justificativa de sua montagem de atrações:

projeção

diálogo

2. CíclicaBilateral

Duas pessoas projetam uma imagem terceira subjetiva de diversas possibilidades.

projeção

diálogo

1. LinearUnilateral

Uma pessoa se projetando sobre a outra. Imagem de sobreposição, de sombra.

diálogo

projeção

3. SubjetivaPolilateral

Duas ou mais pessoas projetando um território comum, surreal.

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Uma vez reunidos, dois fragmentos de filme de qualquer tipo combinam-se inevitavelmente em um novo conceito, em uma nova qualidade, que nasce, justamente, de sua justaposição [...]EINSENSTEIN, 2002.

A montagem é a habilidade de exprimir ou dar sentido através da relação de conflito de dois planos, dois corpos ou objetos justapostos, de forma que esta composição dê origem à idéia ou se transforme ou transborde uma imagem virtual que não exista em nenhum dos dois planos separadamente. Assim, o conjunto é superior à simples soma das partes.

Como exemplos de conflitos e combinações possíveis temos tomadas curtas e longas, escuras e claras e fechadas e abertas, que podem atuar de várias formas simultâneamente.

Não obstante, o princípio da montagem pode ser identificado como elemento básico da cultura figurativa japonesa. CAMPOS, 1977.

Campos cita a categoria dos hieróglifos huei-i, que não são a soma de signos, mas a “copulação” entre eles, formando uma expressão mais ampla. A combinação de dois elementos suscetíveis de serem “pintados” permite a representação de algo que não pode ser graficamente formatado. Os hieróglifos separadamente relacionam à um objeto, e na sua combinação à um conceito. Faz-se então uma relação direta com a montagem cinematográfica como o exemplo a seguir:

É então uma forma breve, resumida e concisa de comunicação de conceitos abstratos, criando uma imagem-movimento, pensamento, talvez a forma mais ágil de comunicação dos mesmos. Como exemplo, são notáveis os haicais:

Sopra uma brisa vespertina. A água se encrespa Contra as pernas da garça azul. - Buson

Por relacionar objetos materiais e criar uma imagem psicológica, problematizando a relação da forma dos objetos “reais”, como uma ordem de coisas inviolável e inquestionável. Logo, coloca o certo realismo absoluto de como algo que não representa a percepção corretamente, sendo apenas função de certa forma temporária e específica e de estrutura social.

Como decorrência de uma monarquia estatal, implanta-se uma uniformidade estatal de pensamento. Uma uniformidade ideológica suscetível de ser desenvolvida pictoricamente nas fileiras de cores e desenhos dos uniformes dos regimentos da Guarda. CAMPOS, 1977.

Uma base estruturalista que busca a certeza absoluta, a compressão e formatação dos conceitos, os objetos em formato “final” ou “essencial”, considerando um hilemorfismo de separação entre matéria e forma, corpo e alma, que na verdade são em si um conjunto de infinitas divisões, sofríveis de cortes, afetos, forças e tempos de outros conceitos.

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Procurando escapar do julgamento pela carga de significados da imagens escolhidas, esse é um exemplo grosseiro de tentar facilitar a geração de uma imagem terceira, subjetiva. Aqui propõe-se que o leitor produza um diálogo entre as duas imagens, a de um símbolo masculino e a de símbolo feminino,

significação de hábito constante na sociedade contemporânea Assim, cria-se um espaço projetado sobre as possibilidades entre os dois nos determinados contextos das fotos, que também poderia ser composto de mais, ou outros, gêneros, formas, objetos e corpos.

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Notando que nas fotos ambos estão sem roupa e em lugares e tempo semelhantes na sua luz, ambos contam com mar no fundo, o que nos projetam à uma proximidade e relação mais direta entre um e outro recorte. Além disso, há também elementos de linguagem da fotografia como as cores, granulação, contraste, que são

comuns em ambas as fotos, ajudando a ter uma relação ainda mais forte de que ambas podem estar em um certo espaço-tempo comum, em um certo movimento que é oculto para nós, portanto sujeito de imaginação, copulação e produção de subjetividade. Uma especulação sobre o gap oculto do espaço subjetivo da relação.

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recortes forçados

feito pelas máquinasviciadas, máquinaslineares e cíclicas.

cisão do tempo

fruta do acaso,recorte que dá tempo ao espaço.

recorte do fluxo

mandalas, um recorte do rio.

estudossobre recortes, tempo, agenciamento

Ao questionar as formas, questionamos o nosso modo de fazermos uso delas, ou as “entre-formas”, as interfaces. Será que hoje também seguimos uma espécie de manual sobre como certas coisas devem ou não ser representadas? No contexto atual parecemos permear um grande sistema de linguagem que nos protege do vazio existencial de um mundo de acasos, que por limitar as formas limita também os limites da linguagem para reconhecer e criar novas formas, portanto limita o que vemos, imaginamos e conhecemos. Daí talvez surja a grande necessidade do crescimento de uma linguagem poética, de qualidades emocionais, que habitam esse espaço subjetivo de infinitas possbilidades entre as coisas, um espaço projetado no

inconsciente que aos poucos se torna espaço espaço-tempo, movimento que a partir do devir de polimorfose, navegando por recortes ritmados que fortalecem o corpo, em movimento de desprendimento e crescimento rizomático transformando as formas dos tempos em matéria, pelas copulação e recriação de conceitos e corpos.

No cinema, cada tomada é uma célula, um fragmento de acontecimento, que quando argamassadas de forma rítmica, constituem a montagem. O ritmo é aquilo que não só marca o tempo a partir de um fragmento, mas o coloca em relação de colisão, de conflito e dúvida quanto aos seguintes fragmentos. Na composição singular dessas células também acaba por formar uma composição de um corpo

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flores e ondas

são naturalmente transbordadas.um super-signo. uma boca, um beijo.um tapa, um puxão.

explosão de sabor

uma nova singularidadeum novo corpo-limite.uma suruba.

recortes forçados

feito pelas máquinasviciadas, máquinaslineares e cíclicas.

caretas

a vontade do eterno retorno da diferença.

cozinhar é agenciar.Produzir uma subjetividade.

recorte do agenciamento

de natureza singular, um policorpo. Assim, a dinâmica da montagem age como impulso que impele para a frente a totalidade do filme, como diria Haroldo de Campos:

[...] deveria ser comparada à série de explosões de um motor de combustão interna, a impelir para a frente um automóvel ou trator.CAMPOS, 1994.

Além do conflito entre tomadas, existem também os conflitos dentro das composições: conflito de linhas estáticas ou dinâmicas, de escalas, de volumes, de massas, profundidades, volumes, luz, etc. E também os conflitos sonoros, e entre a acústica e a ó ptica.Em tomadas de articulação de movimento da câmera, pode-se observá-la como função

de materialização do conflito entre o objeto e a lógica organizadora do diretor, que traça o caminho entre os planos, entre as idéias. A câmera pode dar a direção à uma sequência ou acontecimento, escolhendo uma certa perspectiva e também pode ter a função de selecionar, ou realizar o corte de um fragmento da realidade, como um machado que corta pedaços menores de uma árvore com intuito de configurar algo novo.

A independência dos fragmentos como partes deste corpo, não impede que cada desenvolva seus próprios papéis e se transformam simultaneamente, como instrumentos em uma banda. A tensão da direção ao trágico final, que quase chega.

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CORRELATOSexperiências poéticas

John Cage A year from Monday

John Milton Cage Jr. foi um compositor, teórico da música, escritor, e artista gráfico. Um pioneiro na música eletrônica e também muito conhecido pela composição 4’33” composta pela abstenção de som. Suas obras gráficas e poéticas possuem fortes relações com esta pesquisa, pesquisando diferentes formas de representar as notações musicais e escrevendo poesias, colando recortes de diferentes autores, discorrendo sobre música, ritmo, política, ciência, improviso, comunicação, etc. Como principais referências percorridas até então, estão o livro Segunda a um Ano (1967), onde dentro das obras e autores que cita, vale destacar Buckminster Fuller, Ludwig Wittgenstein e a composição de Pierre Boulez, Structures I & II (Kontarsky/Kontarsky) como um representação de um devir rizomático, uma música que conecta várias camadas, vários rítmos, sempre imprevisível, sempre um acaso, uma consciência da loucura.

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This has brought it about that the work and thought of Buckminster Fuller is of prime importance to me. He more than any other to my knowledge sees the world situation—all of it—clearly and has fully reasoned projects for turning our attention away from “killingry” toward “livingry.”

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CORRELATOSexperiências poéticas

Andy Goldsworthy: River and Tides (2001)

O documentário, dirigido por Thomas Riedelsheimer, sobre o artista mostra o seu processo de construção de estruturas extremamente frágeis, efêmeras e minuciosas e a partir de materiais da natureza e nela própria. Além disso, Andy coloca muitos dos seus pensamentos sobre a ideia dos rios e marés, ou movimentos lineares e cíclicos, colocando as suas produções justamente nas margens entre eles, levantando algumas questões sobre o tempo, existencialismo , a arte como atividade humana e as motivações para o trabalho.

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CORRELATOSexperiências poéticas

Flávio de Carvalho: A cidade do homem nu

Em 1930, o artista e arquiteto paulistano Flávio de Carvalho (1899-1973) propôs a construção de uma nova cidade. Sua proposta, projetava a umagem de uma metrópole para o homem do futuro, o qual, segundo ele, não teria nem Deus, nem propriedade privada. Em outras palavras, tratava-se de um urbanismo pensado para uma humanidade que teria se despido da construção cultural do seu corpo. Como dizia ele, um homem “livre para raciocinar e pensar”, para começar um contínuo e imparável processo de curiosidade, mudança e transformação.

O relacionamento desta pesquisa não foi diretamente com sua exposição mas com a o seu manifesto escrito, no qual estão alguns recortes destacados na página seguinte.

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A cidade antropofágica satisfaz o homem nu porque ela suprime os tabus do matrimônio, e da propriedade, ela pertence a toda coletividade, ela é um imenso monolito funcionando homogeneamente, um gigantesco motor em movimento, transformando a energia das idéias em necessidades para o indivíduo, realizando o desejo coletivo, produzindo felicidade, isto é, a compreensão da vida ou movimento.

A cidade do homem nu será toda ela a casa do homem. O homem encontrará na sua casa imensa, as suas necessidades organizadas, arquivadas em locais apropriados, permitindo o acesso fácil e imediato. Ele não perderá energia inultimente como o nosso homem de hoje. A sua fadiga será a mínima, o seu relacionamento espantoso surpreenderá a ele próprio, ele encontrará na sua vida uma nova felicidade, a felicidade da eficiência; um novo orgulho, o de ter conquistado a sua alma, o orgulho da compreensão da sua existência e do desejo de mudar sempre.

As necessidade do homem serão concêntricas por ser a disposição concêntrica a mais igualmente acessível a todos. Elas serão localizadas em círculos concêntricos. O bem-estar geral da cidade, a magnitude de eficiência da vida da cidade depende da posição relativa dessas zonas.

Uma zona inconvenientemente locada, em relação ao centro, poderá trazer sérios distúrbios no equilíbrio orgânico das cidades, perturbando o seu processo.

O homem de hoje gasta as suas energias inutilmente

devido ao organismo doentio da cidade. A cidade cansa o

homem, destruindo a sua energia vital.

A cidade do homem nu é dominada pelo centro de pesquisas, é esta a única

autoridade constituída; ele seleciona e distribui, de acordo com o critério

científico, ele domina e ordena todas as energias da metrópole, ele é o deus

mutável, o deus em movimento contínuo, o deus símbolo do desejo maravilhoso de

penetrar no desconhecido.

O continente americano, pela sua privilegiada situação histórica,

está mais apto que qualquer outro a contemplar o problema do homem nu.

O continente americano não herdou do passado o recalque trágico da filosofia

escolástica, ele possui elementos próprios para criar uma civilização

nua; um novo mecanismo despido dos tabus da velha Europa, uma

renovação científica e estética que o colocará na vanguarda da organização

humana. Convido os representantes da América a retirar as suas máscaras

de civilizados e pôr à mostra as suas tendências antropófagas, que foram

reprimidas pela conquista colonial, mas que hoje seriam o nosso orgulho

de homens sinceros, de caminhar sem deus para uma solução lógica do problema da vida da cidade, do

problema da eficiência

da vi

da.

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O longa, visto na 38º Mostra de Cinema de São Paulo, mostra o processo de amadurecimento de dois adolescentes, enquanto enfrentam seus primeiros contatos com a morte em suas respectivas famílias. À medida em que suas famílias se esforçam para enfrentar as tempestades da mudança, Kaito e Kyoko encontram consolo na companhia um do outro. O filme nos transporta para a ilha de Amami-Oshima, onde os locais vivem em harmonia com os imprevisíveis ritmos da natureza.

Reflexões sobre vida e morte são temas recorrentes na obra de Naomi Kawase. E eles sempre vêm acompanhados da natureza, como símbolo de espiritualidade e de força mística e transformadora.

Há uma profunda convicção na capacidade terapêutica e redentora da natureza de aliviar a nossa dor terrestrial. Como um dos personagens diz: “Você tem que manter uma atitude humilde em relação à natureza; é inútil resistir.” Na unidade infinita da natureza, podemos obter uma perspectiva sobre a natureza limitada dos nossos ptróprios corpos.

A câmera desliza através de cenas como um espírito à deriva, testemunhando os momentos íntimos e rituais públicos que conectam esta comunidade, desde um velho pescador sábio abatendo uma cabra, até amigos e familiares ao redor de Isa, a mãe enferma de Kyoko, dançando e cantando um tipo de música originário das ilhas Amami (shima-uta) em clima de ritual.

Segundo as palavras de Kawase, na conferência de imprensa de Cannes, a fotografia visa fundir e diluir as fronteiras entre os personagens, o ambiente e a ilha, numa espécie de junção entre uma linguagem documental e fictícia, buscando um registro “mais real possível”.

Sobre a força da natureza que transborda no filme, Kawase cita como a natureza nos toca com sua beleza que por sua vez, provém do medo que ela nos causa e, segundo ela, esse medo nos inspira. Tanto que apesar do medo das pessoas, continuamos vivendo em um ambiente tão perigoso, sujeito à terremotos, tsunamis, tufões. Como exemplo disso no filme, ela mostra como os habitantes da ilha coexistem com ondas violentas que varrem tudo no seu caminho.

O significado da morte também está diretamente ligado com a cultura oriental, e da ilha de Amami, onde ela é como um link para o futuro, como uma passagem. Os locais consideram a morte uma volta para um lugar seguro de onde viemos.

Todos sabemos que vamos morrer, mas esquecemos deste vínculo com a morte e então pensamos que estamos sozinhos, porque esquecemos o laço com as gerações precedentes e o que estamos entregando para as futuras gerações. Por isso é que nos sentimos tão insatisfeitos, segundo Kawase.

A mãe de Kyoko, Isa, é uma xamã, ou seja, a personificação da natureza, vista como um semideus. E o fato dela também estar fadada à morte, contesta em um certo nível a visão que depositamos sobre crenças e religiões sobre suas promessas de imortalidade.

O filme passa ao mesmo tempo um idealismo e uma tranquilidade, com cenas de incrível sincronia, que realmente transmitem a sensação de uma história um tanto mágica, mas extremamente incorporada na realidade.

É tudo, como os xamãs da ilha nos tranquilizam, parte de um grande ciclo de movimentos e transformações imprevisíveis.

CORRELATOSexperiências audiovisuais

Naome Kawase O segredo das águas

Still The Water, Naomi Kawase, Japão, 2014)

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CORRELATOSexperiências audiovisuais

Rodrigo Lucheta: Uma felicidade estranha (2015)

https://youtu.be/Chz7ey_O0ZI

O video composto por uma música de Rodolphe Burger & Olivier Cadiot (“Je nage” / “Eu nado”), com trechos falados de uma aula de Gilles Deleuze: “Espinosa: Imortalidade e Eternidade”, de 1981. Foi montado e traduzido por Rodrigo Lucheta, filósofo e estudioso de Deleuze que vive em Santos.

O video transpassa muitos dos conceitos elaborados de Deleuze de forma subjetiva se utilizando da linguagem do cinema, ou seja, montagem de blocos de espaço-tempo, recortes criando imagem-movimento, que segundo Deleuze conta em uma palestra para estudantes de cinema, é a forma mais próxima de representar o devir do pensamento.

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CORRELATOSexperiências audiovisuais

James Holden + Jack Featherstone + Will Samuel: Renata (2015)

youtu.be/2FmFXQSIzCo

O clipe de James Holden, músico inglês que trouxe muita inspiração durante o processo do trabalho pelo modo de montagem da sua música, imprevisibilidade e polirritmia, traz uma carga grande de conteúdos relacionados à esse trabalho. Dirigido por Jack Featherstone e Will Samuel, dois designers gráficos, também de origem inglesa, que trabalham com motion design.

O video trabalha o uso diversos signos, imagens ruidosas e subjetivas, e uma divisão central que vai do início o fim, onde junta em uma única imagem e um único símbolo, que logo se dissipa.

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CORRELATOSexperiências audiovisuais

davidope: Visual Chinatown

dvdp.tumblr.com

Atuante em motion design, David cria GIFs animados a partir de imagens generativas criadas no software de computação gráfica chamado Processing. A partir de códigos sistêmicos e reproduz loops que dão vida às diversos tipos de formas. Sua linguagem gráfica e de uso das cores alimentou este trabalho de diversas maneiras. Apesar de não trabalhar com som, suas formas parecem dançar reagindo a algum tipo de música. E quando observadas com música, são muito facilmente sincronizadas.

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CORRELATOSexperiências gráficas

Klára Grančičová: Works on Papercargocollective.com/klaragrancicova

A simplicidade na representação e tradução gráfica de emoções, no conjunto criam um universo próprio de signos, uma linguagem própria que possui certos acordos sobre como são os elementos das forças, das verdades, dos corpos, criando uma singularidade explosiva na produção de novas criações. Klara nasceu na República Tcheca em 1991 e atua como artista visual na inglaterra.

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CORRELATOSexperiências gráficas

Master Slave Maps of Sorrow

behance.net/mshepherd

Master Slave, de nome real Mark Shepherd, é um designer gráfico de Portland, em Oregon nos Estados Unidos, que atuou mais de dez anos na área de design impresso e hoje impresso e trabalha no meio digital projetando experiências de usuário para startups.

Seus projetos pessoais são importante referência no uso das colagens misturando com signos, símbolos, palavras, formando peças que permitem serem exploradas por bastante tempo e sempre encontrar novas camadas, novas nuances, novos sentidos.

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CORRELATOSexperiências gráficas

Francis Alÿs: Numa dada situação

Nascido na Bélgica em 1959 e residente do México, seu trabalho habita oum espaço multidisciplinar, permeando esferas da arquitetura, ciência, política e poesia, quebrando as barreiras do que é pesquisa científica e pesquisa artística. Seus trabalhos geralmente envolvem o tema da efemeridade e storytelling. Este livro retrata seus estudos, pinturas e anotações sobre o seu filme Tornado, exposto no Tate Modern em 2010, onde procura se colocar na situação de paz no meio do olho do tornado.

O projeto gráfico do livro é do próprio Alÿs, e foi muito bem editado e adaptado pela editora Cosac Naify (2010).

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CORRELATOSexperiências gráficas

Lucía Ladreche: Médula

Nascida em 1986 na cidade De Santa Rosa, La Pampa, cidade pequena área central da Argentina, estudou Design Gráfico na Universidade de Buenos Aires (UBA) e trabalhou para o Museo de Arte Moderna de Buenos Aires.

O fato da designer ter desenvolvido todo o sistema de identidade visual para o festival, é algo extremamente contemporâneo por ser atividade frequente do designer nos dias de hoje; aplicando os conceitos de design de forma mais direcionada no mercado, em forma de branding.

O contexto em que a peça se insere é importante porque está diretamente ligado com a suas justificativas no processo. Sendo um festival de dança contemporânea, ou seja, ligado às expressões mais recentes da cultura pós-moderna, é considerado a situação de hiperpluralidade de referências, que se deu também a partir da implantação dos computadores na vida do criativo, contribuindo para a diversidade da produção gráfica, e permitindo interpretações técnicas de inúmeras naturezas.

Ao encontrar o caos informacional da internet, e as possibilidades ferramentais do computador pessoal, o imprevisível se torna chave de uma caixa de Pandora para o mundo do design, de onde pulam incontáveis possibilidades de combinação. O parecer intuitivo passa então a ser bem- vindo na prática de projeto. Este, inclusive, é justamente um dos maiores legados do design pós-moderno (MEGGS, 2009).

Isso permite que o designer pós-moderno possa se colocar com uma postura mais aberta a criações de sua própria individualidade, tornando os projetos de design menos calculistas e mais instintivos e às vezes irônicos e provocantes. Permite-se uma flexibilidade de estilo, um aproveitamento da cultura visual local e uma maior improvisação do designer,

características que antes eram reprimidas pelo estilo modernista até então dominante.

Na concepção do cartaz foram utilizadas colagens texturas compostas de fotografias de concreto e um pattern orgânico ilustrado no fundo, delimitados por formas estritamente geométricas. No centro se vê em grande destaque a colagem da fotografia recortada de uma dançarina, e em sobreposição a ela há linhas brancas conectadas assim como pequenos retângulos coloridos distribuídos de forma alinhada porém com desobrigação sobre toda a peça. Há também a presença de grandes quadrados que destacam textos, de tipografia que faz referência à datilografia, e ao som rítmico de teclar um texto.

Apesar da mistura de linguagens e elementos sobrepostos, há um rigor na composição, que mistura conceitos de simplicidade, geometria e equilíbrio dinâmico com a abundância de ambiguidades, organicidade que reúnem signos de diferentes origem criando contrastes heterogêneos.

A presença das fotos de concreto nos leva à um contexto urbano, e seus recortes combinantes ditam um ritmo. O movimento ondular e do pattern orgânico também prestam bem em representar uma dissonância do som, entregando a fluidez da música, elemento essencial da dança. O corpo denota a expressão acentuada de um movimento, realçado pelo fato de estar cortado na borda inferior, como algo que está saindo ou entrando de cena. O elemento da rede conectada sobre o corpo, passa a ideia de uma rede de significados que estão construídos de uma forma estruturada, como o sistema de linguagem por trás de uma apresentação de dança. Já os retângulos coloridos, remetem à elementos de corpo de texto escrito, acrescentando um ar de conteúdo denso presente, também colocado de maneira a ditar certo ritmo.

behance.net/argenlucia

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A premissa de ser uma peça contemporânea é definitivamente clara pela mistura de linguagens e informações, que combinam aspectos simbólicos de forma a criar uma imagem concisa e singular ainda que plural, causando estranhamento inicial mas uma curiosidade pela novidade que estas novas relações propõem. Portanto, o cartaz nos coloca no contexto urbano da cidade de Buenos Aires, quem também é uma cidade cosmopolita e dialoga com os conceitos contemporâneos de pluralidade bem disseminados no meio digital.

O pós-modernismo no design é uma reação intuitiva da nova geração de designers aos excessos racionalistas e positivistas dos programadores visuais do pós-guerra. Com isso os projetos de design passaram a ser menos calculistas e mais instintivos, muitas vezes irônicos, quase sempre provocantes e muito criativos. Essa tendência foi gradualmente se espalhando pelo mundo ocidental, principalmente por permitir uma maior flexibilidade de estilo, um melhor aproveitamento da cultura visual local e uma maior contribuição da improvisação do designer, características estas dantes reprimidas pelo estilo modernista até então dominante (CAUDURO, 1998)

A forma como é colocada a informação sobre o evento dá o seu devido destaque, mostrando a atração (peça sobre o grupo de música eletrônica Massive Atack), porém se colocando de forma secundária ao restante da composição gráfica. A densa combinação de expressões presente produz um efeito subjetivo, que remete às diversas formas que um corpo pode adquirir a partir das reações ao ritmo e forças transmitidas pela força das ondas do som.devidodestaque,mostrandoadataatração(MassiveAtack),porém se colocando de forma

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entre o preto e o branco transbordam todas as formas, sons e sabores.

entre a água e a terra,entre a luz e a sombra, o reflexo, a margem.

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