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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
POLÍTICA CRIMINAL E SISTEMA PRISIONAL: A ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS
NAS PRISÕES PARAIBANAS
Rebecka Wanderley Tannuss
Natal
2017
i
Rebecka Wanderley Tannuss
POLÍTICA CRIMINAL E SISTEMA PRISIONAL: A ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS
NAS PRISÕES PARAIBANAS
Dissertação de mestrado elaborada sob a orientação da Profª
Drª Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira e apresentada
ao programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial à obtenção do título de mestre.
Natal
2017
ii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Tannuss, Rebecka Wanderley.
Política criminal e sistema prisional: a atuação dos
psicólogos nas prisões paraibanas / Rebecka Wanderley Tannuss. -
2017.
189f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa
de Pós-Graduação em Psicologia, 2017.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Isabel Maria Farias Fernandes de
Oliveira.
1. Criminologia Crítica. 2. Política Criminal. 3. Sistema
Prisional. 4. Trabalho do psicólogo. I. Oliveira, Isabel Maria
Farias Fernandes de. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9:343.2(813.3)
iii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “Política Criminal e Sistema Prisional: A Atuação dos Psicólogos nas Prisões
Paraibanas”, elaborada por Rebecka Wanderley Tannuss, foi considerada APROVADA por
todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal/RN, 22 de agosto de 2017.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Isabel Fernandes de Oliveira (Presidente) _________________________________
Profa. Dra. Candida de Souza (UFRN) ____________________________________________
Prof. Dr. Nelson Gomes de Sant’Ana e Silva Junior (UFPB)____________________________
iv
Nada é impossível de mudar.
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é
de hábito como coisa natural, pois em tempo de
desordem sangrenta, de confusão organizada, de
arbitrariedade consciente, de humanidade
desumanizada, nada deve parecer natural, nada
deve parecer impossível de mudar.
Berthold Brecht.
v
Aos meus pais, Sandra e Yussif, com
todo meu amor e dedicação.
vi
Agradecimentos
A Deus, por tudo que conquistei.
A mainha e painho, Sandra Wanderley e Yussif Tannuss, e irmão, Yussef, sinônimos de
amor e motivos pelos quais continuo e continuarei lutando sempre. Serei eternamente grata por
tudo que me foi proporcionado, principalmente, por todo amor e dedicação incondicional. Por
me ensinarem que, mesmo diante de todas as lutas diárias, não devemos perder a doçura e nem
desistir diante dos desafios. Por abrirem mão de tanto, sem qualquer questionamento, sempre
acreditando e torcendo pela realização desse mestrado. Que eu possa retribuir com a mesma
força, generosidade e carinho sempre. Essa conquista é nossa e, com toda certeza, não teria sido
possível sem vocês.
Ao meu companheiro Igor, por todo amor, carinho e compreensão durante esses 7 anos
de união. Pela simplicidade e leveza com que me ensina a levar a vida, por conseguir, diante de
todos os sacrifícios, enfrentar com doçura, serenidade e companheirismo todos os momentos
durante essa caminhada juntos. Por ser capaz de transformar a distância e a saudade das partidas
em sorrisos e abraços de chegada. Por nunca deixar de me incentivar, por acreditar e dividir
comigo sua vida e seu amor. Por ser meu porto seguro.
A Isa, por ter me recebido de braços abertos e com tanto carinho como sua orientanda.
Por ter conseguido, em meio a tantos afazeres, se desdobrar e se fazer sempre presente todas as
vezes em que foi preciso. Por ter me orientado, com tanto afeto, respeito e paciência na
construção dessa pesquisa. Por ter acreditado, defendido, construído comigo esse trabalho e ter
sido a melhor orientadora que eu poderia ter.
A Nelson, por ter segurado na minha mão durante a graduação e, com toda generosidade
e paciência do mundo, me guiado nesse percurso acadêmico que venho trilhando, sendo um dos
principais responsáveis pelo meu crescimento. Por ter sido orientador, professor, advogado e
amigo durante essa caminhada. Pelo cuidado, atenção e, principalmente, por todos os
vii
ensinamentos. Por ter depositado em mim tanta confiança e partilhado comigo, de forma tão
generosa, a coordenação do LAPSUS. Gratidão! Por tudo.
A todos os meus amigos, representados aqui por Carol Sobchacki, que estiveram comigo
durante esses anos, por todo companheirismo, pelas risadas compartilhadas e por toda torcida
durante a construção desse trabalho. Em especial, a Lorenna, Nira, Pedro, Henrique, Igor, Carla,
Filipe, Matheus e Natália.
A Roza, Ítalo, Hirla, Vanessa, Reiron, Pablo, Lucas e Kimy, pela amizade de tantos
anos, que só tem se fortalecido com o tempo. Pelo apoio, pela torcida e por compartilharem
comigo todas as conquistas que alcancei. Sou muito grata por ter amigos tão leais e por dividir
com vocês esse momento.
As minhas flores mais lindas que o mestrado me proporcionou conviver. Allana, Luna,
Mari e Roberta, minha imensa gratidão por todos os sorrisos, lágrimas, angustias e vitórias
compartilhadas. Gratidão às meninas de Natal, por me receberem de braços abertos com tanto
amor e cuidado todas as vezes que precisei e por me fazerem me sentir em casa. Gratidão
também a Roberta, irmã da terra paraibana, por ser minha companheira de estrada e por todas
as sábias palavras que tanto me confortaram durante esses dois anos. Meninas, vocês são
verdadeiros presentes que essa caminhada do mestrado me proporcionou.
A Renata, por me inspirar enquanto mulher e profissional, por ser uma amiga tão
querida. Por todo cuidado, pelas palavras de carinho e, ao mesmo tempo, tão cheias de força
que sempre me impulsionaram, confortaram e tanto me ensinaram. Por tornar as viagens entre
João Pessoa e Natal mais leves, divertidas e tão cheias de amor.
A Nara, minha menina astronauta, por me ensinar o que é coragem, por mostrar que
amor é proteção e, assim, me cuidar com sorrisos. Por estar ao meu lado sempre durante essa
caminhada, me dando força e vibrando com cada conquista minha como se fosse sua. Por ser
poesia na minha vida.
viii
A Isadora, musa inspiradora de inteligência, beleza e força, pela amizade sincera,
conversas, caronas, risadas e parceria infinita. Por ser minha companheira de viagens, aventuras
e de vida. Por ter me escutado, acolhido e consolado com toda paciência e serenidade nos
momentos em que precisei. Por estar sempre presente e ser luz na minha vida.
A Ellen, minha amiga-irmã, por ser o pedaço mais importante da minha graduação que
permanece comigo e me mostra, diariamente, o verdadeiro significado de amizade e lealdade.
Por estar pronta para me receber e me ouvir todas as vezes em que precisei, por ser segurança
e calmaria em meio a toda correria e desafios da vida. Pela generosidade e por todo
companheirismo.
A Felipe e Ivo, pela amizade sincera e por todo carinho. Por me lembrarem, em cada
encontro, que não estou só e por vibrarem a cada conquista minha.
A todas e todos do LAPSUS, por terem me acolhido e possibilitado meu crescimento
profissional e pessoal. Por me ensinarem que é possível e necessário lutar por um mundo mais
justo. Por tornarem o LAPSUS espaço de formação, de resistência e, principalmente, de
construção de afetos e grandes amizades. Gratidão por construírem comigo essa dissertação.
Ao Grupo de Pesquisa Marxismo e Educação e ao GT de Políticas Sociais pelos
encontros, conhecimentos compartilhados e por terem me recebido com tanto carinho e me
auxiliado durante minha permanência em Natal.
Aos professores e toda a equipe que compõe a Secretaria de Pós-graduação em
Psicologia da UFRN, por todo cuidado, esclarecimentos e tempo dedicado a nós estudantes.
A FAPERN/CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que tornou possível a
realização dessa pesquisa.
Por fim, aos psicólogos que participaram da pesquisa e contribuíram imensamente para
a construção dessa dissertação. Todo o meu respeito aos que trabalham no sistema prisional e
que, mesmo com a perversidade do cárcere e de seu funcionamento, conseguem se manter
ix
firmes na defesa pela garantia de direitos dos presos e seus familiares. Desejo que nunca lhes
falte força, sabedoria e muita resistência.
Foi com muito amor e gratidão que escrevi esse trabalho que também é de vocês.
x
Lista de Tabelas
Tabela 1: Perfil dos profissionais – Formação.........................................................................106
Tabela 2: Condições de trabalho..............................................................................................111
Tabela 3: Equipes de Saúde necessárias para instituições que possuem entre 301-700
custodiados..............................................................................................................................121
xi
Lista de Siglas
CEDH Conselho Estadual de Direitos Humanos
CFP Conselho Federal de Psicologia
CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
CRDH Centro de Referência em Direitos Humanos
CREPOP Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
CRP Conselho Regional de Psicologia
CTC Comissão Técnica de Classificação
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FLACSO Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
INFOPEN Sistema Integrado de Informações Penitenciárias
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
LAPSUS Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública
LEP Lei de Execuções Penais
NECVU Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana
PNAISP Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de
Liberdade no Sistema Prisional
PNPCP Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária
PNSSP Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário
PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
SEAP Secretaria de Administração Penitenciária
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
xii
Resumo
A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a atuação do psicólogo no sistema
prisional paraibano, bem como, relacioná-la com a política criminal vigente. Para tanto, foram
elencados como objetivos específicos: mapear e caracterizar o trabalho dos psicólogos nas
instituições prisionais paraibanas; investigar as relações existentes entre a política criminal e a
atuação dos psicólogos junto às instituições prisionais. No tocante ao método, foram realizadas
10 entrevistas semiestruturadas e individuais com psicólogos que trabalham nos presídios da
Paraíba. A análise dos dados foi realizada a partir do referencial teórico da Criminologia Crítica,
perspectiva de enfoque materialista e que se propõe a estabelecer uma análise radical dos
mecanismos punitivos e das reais funções do sistema penal. Os resultados obtidos confirmaram
a realidade já esperada: prisões superlotadas; péssimas condições de infraestrutura;
insalubridade; inúmeras violações aos direitos humanos. No que tange aos profissionais, esses
se inserem no sistema prisional paraibano por meio de equipes de saúde, cujo trabalho tem se
voltado, de modo geral, para acompanhamentos individuais, realização de testes rápidos de
saúde e atividades pontuais. Além disso, os psicólogos também têm a prática voltada para a
construção de documentos que subsidiam decisões judiciais relacionadas à progressão de
regime e livramento condicional. As entrevistas apontaram para a prevalência do modelo
clínico de atuação com discursos voltados para culpabilização da família, individualização das
questões que norteiam o cometimento do crime e forte influência das Criminologias Positivista
e Liberal. Notou-se também que a atuação desenvolvida esbarra diretamente nas condições
precárias de trabalho, como a alta demanda, superpopulação carcerária e ausência de
infraestrutura adequada. Por fim, pode-se concluir que a prática do psicólogo dentro das prisões
ainda faz parte de um debate complexo e em construção, com limitações que são potencializadas
pelo ambiente violento e precário. Somando-se a isto, a permanência de práticas que estão muito
xiii
mais se adequando ao modelo tradicional do que ampliando uma análise que se aproxime da
garantia de direitos humanos nos presídios e repense estruturalmente a existência das prisões.
Palavras-chave: Criminologia Crítica; Política Criminal; Sistema Prisional; Trabalho do
psicólogo
xiv
Abstract
This research aims to analyse the psychologist's practice in the prison system in the state of
Paraiba - Brazil, as well as correlate it to the current criminal policy. In order to do so, the
following have been listed as the specific objectives: map and characterise the work of
psychologists in the prison institutions in Paraiba; investigate the existing relations between
the criminal policy and the practice of the psychologists in the prison institutions. As for the
method, ten semistructured and individual interviews were performed with psychologists who
work in the prisons of Paraiba. The analysis of the data was done based on the Critical
Criminology as a theorical framework, which is a perspective that focuses on materialism and
which aims to establish a radical analysis of the punitive mechanisms and of the true functions
of the penal system. The results obtained confirmed the expected reality: overcrowded prisons;
terrible infrastructure conditions; insalubrity; countless violations of human rights. As for the
professionals, they are inserted in the prison system in Paraiba through the health teams, whose
job has been, all in all, to perform individual follow-ups, run quick health tests and do punctual
activities. Besides that, the psychologists also have their practice aimed to the production of
documents that subsidise judicial decisions related to the progression of regime and parole. The
interviews pointed towards a predominance of the clinical practice with speeches that focus on
the culpabilisation of the family, individualisation of the matters that lead to committing a
crime and a strong influence of the Positivist and Liberal Criminologies. It was also observed
that the practice faces obstacles such as precarious working conditions, great demand,
overcrowded prisons and lack of adequate infrastructure. Finally, it can be concluded that the
pratice of the psychologist in the prisons is part of a coplex debate which is still under
development, with limitations which are intensified by the violent and precarious environment.
On top of that, practices keep getting closer and closer to the traditional model rather than
xv
expanding an analysis that approaches the guarantee of human rights in the prisons and rethinks
the existance of those penal institutions.
Key-words: Critical Criminology; Criminal Policy; Prison System; Psychologist's Practice
xvi
Sumário
Introdução ................................................................................................................................. 18
PARTE I ................................................................................................................................... 25
Capítulo 1: Política Criminal e Segurança Pública .................................................................. 25
Criminologias ....................................................................................................................... 25
As políticas de Segurança Pública no Brasil ........................................................................ 36
Reflexões sobre criminalização da pobreza e seletividade penal à luz da Criminologia
Crítica ................................................................................................................................... 40
Breve histórico da pena de prisão ......................................................................................... 50
A falácia da ressocialização .................................................................................................. 59
Capítulo 2: A Psicologia no Contexto Prisional ....................................................................... 70
Histórico da Psicologia Jurídica no Brasil ............................................................................ 70
Documentos norteadores para a prática do psicólogo no âmbito prisional .......................... 80
As políticas sociais de saúde no sistema penitenciário ......................................................... 89
PARTE II ................................................................................................................................ 101
Capítulo 03: Método ............................................................................................................... 101
Capítulo 4: Apresentação e Discussão dos Resultados .......................................................... 105
Considerações Iniciais ........................................................................................................ 105
Caracterização dos participantes ........................................................................................ 107
Formação profissional ........................................................................................................ 108
Trajetória profissional ......................................................................................................... 112
Condições de trabalho ........................................................................................................ 113
xvii
A prática dos psicólogos nos presídios paraibanos ............................................................ 117
A inserção dos profissionais pela Política de Atenção Integral...........................................118
A Psicologia nas prisões: a produção de “verdades competentes” ..................................... 128
O trabalho do psicólogo mediado pela instituição prisional: as barreiras impostas pela
política carcerária ............................................................................................................... 145
Possibilidades de atuação: resistência e enfrentamento ..................................................... 151
Considerações Finais .............................................................................................................. 155
Referências ............................................................................................................................. 159
18
Introdução
A Política Criminal é caracterizada como o conjunto de princípios para a modificação e
reforma da legislação criminal e dos órgãos que se encarregam pela sua aplicação, e abrange
não só as Políticas de Segurança Pública, Judiciária e Penitenciária, mas também o que não é
proposto em lei, como os processos de criminalização permitidos pela sociedade, mantidos
pelas classes dominantes e que muitas vezes não se encontram previstos na legislação (Batista,
2003).
O século XX, com o processo civilizacional e, principalmente, com a nova conjuntura
econômica, influenciou a atuação do Estado que passou a ampliar os sistemas de controle e
investir na segurança individual e coletiva. A ascensão do neoliberalismo1 ampliou seu papel
penal e controlador e, ao passo que o mercado tornou-se instrumento de controle das relações
sociais, o Estado fortaleceu o processo de penalização, assegurando a manutenção das relações
de poder. Nesse cenário, amplia-se um dos instrumentos mais fortes de controle e eliminação
das classes consideradas perigosas, as prisões, que se fortalecem como verdadeiros depósitos
de pobres e negros em resposta às necessidades do atual modelo econômico (Carvalho & Silva,
2011).
Segundo o “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias”2 (Departamento
Penitenciário Nacional, 2016), o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo3,
com 622.202 presos para capacidade carcerária de 371.884 vagas, ou seja, um déficit de
250.318 vagas. No geral, os presos possuem entre 18 e 29 anos (55%) e apresentam baixa
escolaridade, apenas 9,5% concluíram o Ensino Médio. Os dados mais alarmantes referem-se
1 Segundo Oliveira (2011, p. 136), o neoliberalismo trata-se de “uma estratégia de dominação da classe burguesa
que desemboca em relações econômicas, sociais e ideológicas”, priorizando a supremacia do mercado em
detrimento dos direitos dos trabalhadores, com propostas de privatização dos bens públicos, a partir da redução do
papel do Estado. 2 Informações referentes ao ano de 2014. 3 Segundo o Conselho Nacional de Justiça (2014), considerando-se os dados referentes às prisões domiciliares, o
Brasil passa a ocupar a terceira posição no ranking de países que mais prendem no mundo, com população
carcerária de 711.463 presos. Considera-se, nesse estudo, apenas as 20 nações mais populosas.
19
ao número de pessoas negras presas, 61,67% da população carcerária é negra4, representando
dois em cada três presos. Os dados referentes ao sistema prisional paraibano não diferem do
âmbito nacional. A Paraíba conta com 10.450 presos para capacidade de 7.488 vagas, sendo
77,05% negros e 34% possuem apenas ensino fundamental incompleto.
A partir do Relatório de Visita do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH,
2012), realizado em um dos presídios da Paraíba, nota-se que assim como o quadro nacional,
os presídios paraibanos são marcados pela superlotação, falta de infraestrutura, falta de
higienização das celas, dificuldades para as visitas, falta de assistência médica, etc. Em suma,
o sistema prisional brasileiro e paraibano são o retrato da própria barbárie, marcados por
violências físicas e psicológicas.
Embora registros não oficiais remetam à inserção dos psicólogos no sistema prisional
há mais de 40 anos, foi com a promulgação da Lei de Execuções Penais (LEP, Lei 7.210, 1984),
que instituía a necessidade da realização de exames criminológicos, que o psicólogo começou
a se inserir, apoiado em lei, no cenário prisional (Lago, Amato, Teixeira, Rovinski, & Bandeira,
2009).
Mais recentemente, em 2003, foi criado o Plano Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário (PNSSP) (Ministério da Saúde, 2003) e, em 2014, a Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) (Ministério
da Saúde, 2014), cuja lógica de atenção à saúde está fundamentada nos princípios do Sistema
Único de Saúde (SUS) e tem por objetivo a inclusão da população carcerária no SUS, de forma
a assegurar a eficácia das ações de promoção, prevenção e atenção integral à saúde. A PNAISP
estabelece a criação de equipes de saúde que incluem, dentre os membros das equipes,
psicólogos.
4 Considerou-se o somatório de pretos e pardos.
20
Considerando esses dois contextos, tem-se um quadro que de um lado revela um sistema
prisional segregador, preconceituoso e violador e, do outro, algumas ações pontuais que
buscam, pelo menos no discurso, a garantia de direitos, como é o caso da política de saúde.
Complexificando essa relação, a Psicologia, como profissão historicamente distante das
sequelas da Questão Social5 traz para o sistema prisional todos os seus embates acerca do
compromisso social da profissão, dos dilemas em torno da formação profissional, dos modelos
de atuação para o campo das políticas sociais e toda a heterogeneidade que marca essa ciência
e profissão. Ao longo de sua história, a Psicologia se desenvolve em torno da “solução de
problemas de ajustamento” (Lei nº 4119, 1962), com a preocupação de prevenir os “desviados”
que pudessem se opor ao regime da época. É nessa perspectiva de classificação, da ideia de
anormal/normal e da individualização dos sujeitos que o psicólogo se insere no âmbito criminal.
Historicamente, o papel do psicólogo dentro das instituições prisionais esteve,
majoritariamente, voltado para construção de documentos, marcados pela aferição de níveis de
periculosidade e previsão de possíveis reincidências, que pudessem subsidiar decisões judiciais
com relação à remissão ou não das penas (Brito, 2012). Esse debate permanece atual, uma vez
que a LEP (Lei 7.210, 1984), embora sinalize avanços na garantia de direitos, prevê a realização
do exame criminológico, cujo objetivo é subsidiar ao judiciário elementos para avaliação de
possível progressão de regime. Estes documentos são marcados, historicamente, por discursos
preconceituosos e por análises descontextualizadas, acríticas e superficiais.
Mais recentemente e como resultado de todos esses embates, foi construída a Resolução
012/2011, que veda a elaboração de documentos que visem a aferição de periculosidade ou
possibilidade de reincidência, reconhecendo que não cabe a este profissional prever o
cometimento de um crime. Atualmente, a Resolução encontra-se suspensa e sub júdice,
comprometendo a autonomia desses profissionais e indicando a ausência de consenso acerca da
5 Parte-se da concepção de Questão Social como “conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos postos
pela emergência da classe operária no processo de constituição da sociedade capitalista” (Yamamoto, 2003, p. 43).
21
atuação do psicólogo no sistema prisional, o que reforça a necessidade de se promover estudos
e debates sobre a temática.
Diante dessas questões, são reconhecidos todos os avanços construídos pela Psicologia,
mas entende-se que há muito a ser feito e que o melhor caminho para a construção de uma
Psicologia mais comprometida com os Direitos Humanos e menos elitista é através da
aproximação com as políticas sociais. No que se refere à prática dos psicólogos dentro das
prisões, essa perspectiva não pode ser diferente. Partindo dessa ideia, esta pesquisa expõe a
necessidade de estudar a atuação dos psicólogos no sistema prisional, verificando as
dificuldades encontradas para exercer a profissão dentro das prisões e, diante dessas
dificuldades, que formas de enfrentamento estão sendo produzidas.
Entende-se que a prisão se construiu como instrumento de controle e adestramento desde
seu surgimento, é inerente a esse dispositivo a violência e o processo de criminalização da
pobreza. Porém, diante das possibilidades existentes e da necessidade de se lutar contra as
violações dentro desse espaço se faz necessário discutir e problematizar a atuação dos
profissionais que ocupam essas instituições, de forma a possibilitar posicionamentos mais
críticos e questionamentos em relação à manutenção da ordem vigente promovida pela prisão
e pelos outros dispositivos de controle.
O interesse em estudar essa temática está relacionado ao meu percurso como
pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública
(LAPSUS). O LAPSUS é um projeto da UFPB vinculado ao Centro de Referência e Direitos
Humanos, composto por estudantes e profissionais da Psicologia, Direito, Serviço Social e
Mídias Digitais, com o objetivo de promover e garantir os Direitos Humanos por meio do apoio
psicossocial aos familiares de presos, da educação em direitos humanos e do monitoramento
das condições do cárcere em João Pessoa. Foi através das atividades neste projeto, durante o
período de graduação, do contato com a realidade prisional e do estudo que pude desenvolver
22
no Trabalho de Conclusão de curso, cuja temática abordava as violações sofridas por familiares
de presos nesse cenário, que surgiu o interesse em entender qual o lugar da Psicologia diante
dessas questões e que práticas vêm sendo desenvolvidas por esses profissionais nas unidades
prisionais paraibanas.
O presente estudo, pois, tem como objetivo geral: analisar a atuação do psicólogo no
sistema prisional paraibano, bem como, relacioná-la com a Política Criminal vigente. Para
tanto, foram traçados objetivos específicos que consistem em: (1) mapear e caracterizar o
trabalho dos psicólogos nas instituições prisionais paraibanas e (2) investigar as relações
existentes entre a Política Criminal e a atuação dos psicólogos junto às instituições prisionais.
Esta dissertação encontra-se dividida em duas partes, pela parte I referente à
fundamentação teórica, e parte II referente ao método, resultados e discussão. A
Fundamentação Teórica está dividida em dois capítulos: o Capítulo 1, intitulado “Política
Criminal e Segurança Pública”, divide-se em cinco tópicos: (1) “Criminologias”, o qual situa
que o presente estudo foi construído à luz da Criminologia Crítica, diferenciando essa
perspectiva das outras abordagens criminológicas, entre elas, a Positivista e a Liberal. O
principal objetivo desse tópico é apresentar a Criminologia Crítica e seu entendimento de crime
como um fenômeno que envolve a dimensão política, social e econômica, recusando a lógica
do crime como algo naturalizado; (2) “As políticas de Segurança Pública no Brasil”, que aborda
as principais políticas de segurança pública no Brasil e discorre brevemente acerca da
construção dessas políticas; (3) “Reflexões sobre o processo de criminalização da pobreza e
seletividade penal à luz da Criminologia Crítica”, voltado para questões referentes ao processo
de criminalização da pobreza e a problemática da seletividade penal, apontando para a realidade
das instituições prisionais brasileiras e dos outros instrumentos de controle social. Parte-se do
entendimento que não é possível abordar o sistema prisional sem atentar para esses dispositivos,
tendo em vista o caráter segregador dos presídios brasileiros; (4) “Breve histórico da pena de
23
prisão”, no qual discute-se brevemente o histórico da pena de privação de liberdade, apontando
para a função que as prisões desempenham e a sua relação com as necessidades do modo de
produção capitalista, atentando para as mudanças no papel da prisão ao longo dos séculos; E,
finalizando o primeiro capítulo, o tópico 5, intitulado “A falácia da ressocialização ”, faz uma
discussão acerca da proposta de ressocialização no cárcere, os instrumentos utilizados em sua
defesa (como o trabalho e a educação) e a quem ela serve.
O Capítulo 2, intitulado “Psicologia e Sistema Prisional”, divide-se em três tópicos: (1)
“Histórico da Psicologia Jurídica no Brasil: a influência positivista e a construção da figura do
criminoso”, no qual é realizado um breve levantamento histórico da Psicologia Jurídica no
Brasil, discutindo a relação entre a Psicologia e o Direito e sobre qual papel os psicólogos vem
desempenhando dentro desse campo, problematizando a atuação dentro dos presídios; (2)
“Documentos norteadores para a prática do psicólogo no âmbito prisional”, no qual discorre-
se acerca dos principais documentos que regulam a prática dos psicólogos no sistema prisional
brasileiro e as diretrizes ético-profissionais; (3) “As políticas sociais de saúde no sistema
prisional”, no qual são abordadas políticas de saúde no sistema prisional, especialmente a
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade, que tem
regulamentado a atuação dos psicólogos nas instituições prisionais paraibanas, bem como a
inserção dos psicólogos neste sistema, enquanto profissionais da saúde.
Iniciando a parte II, o Capítulo 3 trata-se do Método, no qual são apresentados o campo
da pesquisa, os participantes, os instrumentos e o método de análise. O Capítulo 4 refere-se à
apresentação e discussão dos resultados coletados, no qual são analisados os dados obtidos a
partir das entrevistas com os psicólogos que trabalham no sistema prisional paraibano,
articulando-os com as temáticas centrais discutidas nos capítulos anteriores, a partir do
referencial teórico da Criminologia Crítica.
24
Por fim, é válido ressaltar que esta pesquisa não tem como objetivo a culpabilização dos
profissionais da Psicologia que se encontram inseridos no âmbito prisional, mas sim
compreender a realidade do trabalho nas prisões, como ele vem sendo desenvolvido e atentar
para a complexidade em exercer uma prática dentro de um espaço de ausência de direitos.
25
PARTE I
Capítulo 1: Política Criminal e Segurança Pública
Criminologias
“Criminologia é saber e arte de despejar discursos perigosistas” (Eugenio Raul
Zaffaroni).
Nesta seção, pretende-se situar que o presente estudo será realizado à luz da
Criminologia Crítica, diferenciando esta perspectiva das outras abordagens da Criminologia,
entre elas, a Positivista e a Liberal. Serão abordadas, de forma geral, a Ideologia da Defesa
Social, na qual se inserem as perspectivas Liberal e Positivista, e as teorias que buscam o
rompimento com essas perspectivas tradicionais, como a Teoria do Etiquetamento, as Teorias
Conflituais e a Criminologia Crítica. É necessário apontar para a existência de inúmeras
vertentes criminológicas, porém, não é o objetivo do presente trabalho aprofundar o debate
acerca das divergências dessas correntes, mas sim, situar as principais ideias e embates, que
auxiliam na justificativa da utilização da Criminologia Crítica como base para as discussões
presentes nesse estudo.
Dessa forma, o principal objetivo deste tópico é apresentar a Criminologia Crítica de
forma geral e seu entendimento de crime como um fenômeno que envolve a dimensão política,
social e econômica, recusando a lógica do crime como algo naturalizado/biológico. Para tanto,
é necessário um breve resgate para compreender as principais ideias de algumas correntes
criminológicas, atentando para a presença e influência dessas nos estudos e nas práticas atuais.
A Ideologia da Defesa Social
A Ideologia da Defesa Social nasceu junto à revolução burguesa e teve seu conteúdo
disseminado, tanto entre os representantes jurídicos da época, quanto entre cidadãos comuns.
Ela abarca a Escola Liberal e a Escola Positivista, duas correntes do pensamento criminológico
26
que, apesar de possuírem diferentes concepções de homem e de sociedade, estão intimamente
ligadas a um modelo em que a ciência jurídica e a concepção geral do homem são inseparáveis
(Ribeiro, 2010). Desse modo, “tal ideologia visava proteger, principalmente, os bens jurídicos
lesados, garantindo o controle da criminalidade em defesa da sociedade mediante a intimidação
(liberal) e a ressocialização (positivista) ” (Silva Junior, 2017, p. 183).
Segundo Baratta (2002), alguns princípios norteiam a Ideologia da Defesa Social: 1) O
princípio da legitimidade, que se refere à legitimação do Estado como instância máxima e única
na punição dos que cometem algum crime. Cabe ao Estado, portanto, toda a responsabilidade e
poder de repressão da criminalidade, sendo esse representado por apenas alguns indivíduos; 2)
O princípio do bem e do mal, que está relacionado à ideia de que a sociedade representa o bem
e qualquer coisa que ameace a ordem e o funcionamento dessa sociedade consiste em um
elemento negativo. O crime, portanto, seria a representação do mal; 3) O princípio da
culpabilidade, que seria a própria reprovação contra aqueles que cometeram algum crime, pois
estes estariam violando os valores e normas da sociedade que, em tese, poderiam ser respeitados
por todos; 4) O princípio da finalidade ou da prevenção, o qual afirma que a pena deve ter,
antes de mais nada, função preventiva, para que o crime não volte a ocorrer; 5) O princípio da
igualdade, referente ao pensamento de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, consiste
na ideia de que todos os sujeitos possuem os mesmos direitos e, dessa forma, também os
mesmos deveres, sendo todos julgados, de acordo com a lei, de forma igualitária, independente
da classe que ocupa. Este princípio está relacionado à concepção de que o Estado age de forma
universal, sendo a lei igual para todos; 6) O princípio do interesse social ou delito natural, por
fim, consiste na ideia de que os interesses do direito penal referem-se aos interesses de toda
população, sendo o crime uma violação dos valores e ofensa ao bem-estar de toda a sociedade.
A partir do entendimento dos princípios descritos acima, nota-se a forte influência que
a Ideologia da Defesa Social exerce no aparato-jurídico penal atualmente. Ainda é muito
27
presente, dentro do âmbito jurídico, a concepção do crime como representação da violação da
ordem e dos bens essenciais à vida em comunidade, bem como, os discursos que tendem a
mascarar a finalidade real dos mecanismos de controle social, defendendo a ideia falaciosa de
que o Estado tem por objetivo agir igualmente perante as leis e as normas sociais e atuar de
forma equivalente para todas as classes sociais (Ribeiro, 2010).
Criminologia Liberal
A Escola Clássica Liberal, desenvolvida no contexto europeu do século XVIII e início
do século XIX, cujos princípios norteadores foram expostos, tem por objetivo o estudo do crime
compreendido como conceito jurídico, afastando o foco do criminoso e das ideias
patologizantes. Essa perspectiva criminológica, baseada nos pensamentos de Thomas Hobbes,
John Locke e Jean-Jacques Rousseau, tem como principal premissa a defesa da existência de
um contrato social, consensual, no qual toda a sociedade estaria de acordo com os direitos e
deveres de cada cidadão, tendo todos as mesmas possibilidades. Portanto, segundo essa teoria,
todos os cidadãos têm livre arbítrio para decidir se irão ou não cometer um crime, pois o
cometimento do crime estaria associado à uma escolha pessoal (Lopes, 2002).
Dessa forma, a corrente Clássica Liberal aponta que o cometimento do crime seria uma
afronta, uma violação, ao pacto social que tinha natureza igualitária. Ou seja, a lógica da
Criminologia Liberal gira em torno da defesa de que todos na sociedade possuem os mesmos
direitos e deveres, sendo todos iguais perante a lei e sendo esta justa. Consequentemente,
aqueles que viessem a cometer um crime estariam violando o pacto consensual firmado por
todos, por escolha própria. Nessa perspectiva, caberia ao Estado prevenir que o pacto fosse
quebrado, tendo em vista que isso representaria perigo aos bens privados e a punição daqueles
que escolhessem cometer um delito (Lopes, 2002).
As formas violentas de punição cedem espaço para as novas formas de disciplinar,
pautadas na docilização dos sujeitos de forma a enquadra-los no modelo de sociedade proposto,
28
uma sociedade civilizada. Passam a tomar o lugar dos suplícios, novas formas de controle
social, tão ou mais perigosas que as antigas, atuando sob o discurso da humanização para
treinar, vigiar, ajustar e, consequentemente, punir melhor os indivíduos. Assistiu-se, portanto,
à intensificação das condições precárias de trabalho, e mascarada pelo discurso da suposta
proteção social e pelo argumento da livre escolha, a criminalização da população pobre (Silva
Jr, 2017).
Não raramente, nos dias atuais, encontra-se, dentro no cenário jurídico e da própria
Psicologia, a utilização desse discurso de culpabilização do indivíduo, desconsiderando as
dimensões socioeconômicas e históricas nas quais todas as pessoas estão inseridas e reduzindo
a violência a uma dimensão individual. É preciso apontar para o perigo que esse pensamento
pode representar dentro do âmbito jurídico e dentro da própria Psicologia, tendo em vista que,
quando trabalha-se com a ideia de um Estado igualitário e de condições igualitárias dentro do
modo de produção capitalista, são desconsideradas as desigualdades socioeconômicas gritantes
- produzidas pelo próprio sistema - e a necessidade de se atentar para o processo de luta de
classes, afastando-se, assim, do processo de emancipação política e humana6.
Criminologia Positivista
As ideias da Criminologia Positivista impulsionaram e complexificaram a doutrina
penal, estando diretamente relacionadas ao fortalecimento da classe burguesa no século XIX,
na qual a perspectiva de que todos os cidadãos eram iguais por natureza passou a perder sentido
e ceder espaço para uma concepção determinista de sociedade e de criminologia. O medo das
revoluções populares e a necessidade de controlar o perigo iminente da ideia de igualdade fez
surgir uma ciência do crime “neutra” e experimental, garantidora das desigualdades entre os
homens e da seleção dos perigosos e anormais (Ribeiro, 2010).
6 A emancipação política é a da burguesia (parcial), da exploração do homem pelo homem, da sociedade de classes
e a emancipação humana é a do proletariado (universal), da superação da exploração do homem pelo homem, ou
seja, a que elimina a sociedade de classes (Souza & Domingues, 2012, p. 69).
29
Enfim, esse saber constituiu-se a serviço da colonização, do escravismo e da
incorporação periférica ao processo de acumulação do capital. Ao contrário do
liberalismo das revoluções burguesas, a ciência buscava a expansão e a legitimação do
poder punitivo contra os perigos do proletariado e do lumpen (Batista, 2011, p. 44).
Os principais pensadores dessa corrente, na vertente da Escola Positiva na Itália, foram
Garófalo, Ferri e Lombroso. Este último foi considerado pai da Criminologia Positivista, tendo
sido sua obra mais influente, “L’Uomo Delinquente”, publicada em 1876. Neste livro, Cesare
Lombroso aponta para a compreensão do crime como algo natural, atribuindo características
físicas e psicológicas para descrever o criminoso (Lopes, 2002).
Muitos estupradores têm os lábios grossos, cabelos abundantes e negros, olhos
brilhantes, voz rouca, alento vivaz, freqüentemente semi-impotentes e semi-alienados,
de genitália atrofiada ou hipertrofiada, crânio anômalo, dotados muitas vezes de
cretinice e de raquitismo (Lombroso, 2007, p. 141).
Nesta perspectiva criminológica, o foco deixa de ser o delito compreendido
juridicamente e passa a ser a pessoa do delinquente. Esse novo olhar criminológico rompe com
a compreensão do crime como simples ato de livre vontade do indivíduo, como considera a
Escola Liberal, por entender que essa noção não consegue dar conta da complexidade biológica
e psicológica que são determinantes para o cometimento do crime (Ribeiro, 2010).
A Criminologia Positivista olha para a sociedade como um sistema biológico, o qual
precisa se proteger dos elementos perigosos e anormais, necessitando retirá-los do convívio
social, para garantir a ordem e o progresso econômico. Dessa forma, essa perspectiva não
considera o criminoso como quem escolheu violar o pacto consensual, mas como aquele que,
por fatores determinantes, possui comportamento criminoso e, portanto, necessita de
tratamento/cura - para os recuperáveis - ou neutralização - para os irrecuperáveis. Entre os
fatores que estariam fora dos padrões de normalidade e seriam causadores da delinquência,
30
encontram-se: os sociais, como a vadiagem e a própria pobreza; os biológicos, hereditários e
que se referiam à algum defeito psicossomático ou às características comuns entre os
delinquentes (seguindo a proposta de Lombroso) e os psicológicos, que seriam os distúrbios.
[...] o meio social é visto antes de tudo como um gerador de crime. Estamos diante de
uma concepção segundo a qual as diferenças sociais as relações antagônicas entre as
classes, são produtoras, antes de tudo, de um fenômeno negativo, patológico, sobre o
qual é reclamada uma ação reformadora (Rauter, 2003, p. 62).
Cabe salientar que o Positivismo não aponta para uma problematização da miséria e das
desigualdades sociais, mas, pelo contrário, vê a pobreza como característica moral e mental. O
pobre é aquele incapaz de trabalhar, o vadio, cercado de vícios, como o alcoolismo e a
prostituição. Diante disto, a pena, nessa concepção criminológica, possui caráter preventista, de
forma que se fez necessário proteger a sociedade do criminoso anormal, o pobre perigoso, que
pudesse vir a prejudicá-la (Rauter, 2003).
A Criminologia Positivista fornece ao Estado a legitimidade e o caráter de ciência
necessários para justificar suas ações de punição e controle social, funcionando como suporte
para as ações estatais que apontam para as massas como causadoras de danos para a sociedade
e para o próprio Estado. A Ideologia Positivista, especialmente no Brasil, serve para o Estado
como uma proteção científica para suas ações.
Pode-se dizer, portanto, que a Escola Positivista rompe com alguns pensamentos
liberais, mas, mais do que isso, atualiza e sofistica os métodos punitivos e de classificação. O
pensamento positivista busca a legitimação e o fortalecimento destes métodos contra o perigo
que o proletariado e o lúmpen podem oferecer para o progresso da classe burguesa.
Labelling Approach ou Paradigma da Reação Social
Compreender a ruptura com a Ideologia da Defesa Social pelo Labelling Approach, ou
Paradigma da Reação Social, é fundamental para entender as vertentes das teorias críticas da
31
criminologia. Esse novo paradigma se fortaleceu a partir das mudanças sociais geradas na
década de 1960, nos Estados Unidos. Porém, apesar do fortalecimento dessa nova forma de
estudar o crime, a presença do pensamento tradicional ainda era majoritária dentro das
instituições do sistema penal (Ribeiro, 2010).
O Paradigma da Reação Social rompe com a perspectiva positivista e propõe o estudo
do crime como uma construção social. Nesse sentido, o sistema penal e as formas de controle
social informais teriam por função a criminalização dos atos cometidos por sujeitos que não
detêm o poder econômico. Dessa forma, essa nova perspectiva criminológica passa a apontar
que alguns atos cometidos não são objetos da ação do Direito Penal. Ou seja, apenas alguns
atos são crimes e apenas algumas pessoas são presas (Ribeiro, 2010).
Essa teoria defende que a noção de crime e criminoso é determinada socialmente a partir
da interação entre instâncias oficiais de controle social e o sujeito autor de alguma conduta.
Além disso, que essas instâncias tendem a definir, rotular ou etiquetar alguns comportamentos
específicos, atribuindo a esses a qualidade de crime. O foco, portanto, é no estudo dos efeitos
do etiquetamento nos indivíduos, não se propondo a aprofundar o debate de quem seriam os
sujeitos dotados de poder (econômico e, consequentemente, político) que são responsáveis pela
construção desses rótulos (Ribeiro, 2010).
Essa ruptura, fundamental para a constituição de uma criminologia crítica, produziu um
chamado para os estudos e pesquisas sobre os sistemas penais. Para compreender a
“criminalidade”, é imprescindível estudar a ação do sistema penal. O status de
delinquente seria produzido pelos efeitos estigmatizantes do sistema penal. Ocorre,
então, uma redefinição radical do objeto da criminologia. O criminoso não é ponto de
partida, é lócus de analise de uma realidade socialmente construída. Baratta pontua que
se a pergunta do positivismo era “quem é o criminoso”, a do rotulacionismo será “quem
32
é definido como criminoso?”. O rotulacionismo seria o estudo da “formação da
identidade do desviante” e das agências de controle social (Batista, 2011, p. 75).
Além disso, este paradigma aponta para a importância do estudo das “cifras negativas”,
o qual expõe que o princípio do bem e do mal é equivocado, tendo em vista que alguns crimes
são cometidos pela maior parte da sociedade, mas, mesmo assim, não são considerados crimes
(Ribeiro, 2010).
Embora represente um avanço inegável dentro da concepção de uma criminologia que
possa se afastar da Ideologia da Defesa Social, Baratta (2002) aponta para as limitações do
Labelling Approach. O autor atenta para a insuficiência dessa teoria para uma criminologia
crítica devido à falta de discussões relacionadas às desigualdades de classes. Não avança,
portanto, no debate acerca das relações de poder, que possibilitam a classe burguesa eleger
quais são as condutas lícitas e ilícitas dentro de uma sociedade. Outro ponto discutido por
Baratta (2002) é a tendência subjetivista da teoria, afastando-se das discussões acerca das
questões materiais. Além disso, a ausência de um debate que pudesse expor o direito penal
como participante direto da seletividade penal também impede o aprofundamento na questão
da criminalização da pobreza (Carvalho, 2013).
No geral, o Labelling Approach representou uma forte conquista na ruptura com a
Ideologia da Defesa Social, no entanto, apresenta insuficiências nos debates sobre as lutas de
classe e sobre as relações de poder e de exploração econômica, sendo assim um avanço limitado
aos olhos da Criminologia Crítica (Carvalho, 2013)
Criminologia Crítica
A Criminologia tem como foco de estudo o crime, o criminoso e a vítima, assim como
o controle social do delito. Para tanto, faz uso da sua natureza interdisciplinar e contempla áreas
da Sociologia, Política, Economia e também da Psicologia. A Criminologia na sua forma
tradicional, como já foi visto, possui uma base etiológica e individualizante, considerando que
33
a pessoa que comete um delito é um indivíduo de alta periculosidade e, portanto, mais propenso
a cometer outros crimes. Nessa mesma linha, encontram-se os ordenamentos jurídicos que, em
geral, sempre foram utilizados como mecanismos de controle e de ordem, sem qualquer
preocupação com a transformação social (Cruz, 2014).
Enquanto que a Criminologia Positivista difunde os discursos de naturalização do crime,
de sujeitos anormais, perigosos e da delinquência definida biologicamente, e a Criminologia
Liberal reforça as ideias do crime como escolha individual e dependente exclusivamente da
vontade do sujeito. Por outro lado, como forma de resistência, a Criminologia Crítica surge
buscando entender as raízes dos processos de criminalização e o contexto no qual ela ocorre,
propondo, entre outras coisas: a superação da ideia de um Direito igualitário, defendendo que
este atua voltado em prol das classes dominantes e tende a criminalizar apenas comportamentos
de sujeitos das classes sociais mais baixas; e da concepção de crime como algo naturalizado
(Cruz, 2014).
A Criminologia Crítica consolidou-se a partir da década de 70 com a proposta de um
paradigma macrocriminológico e avança nas discussões propostas pelas teorias já citadas,
desconstruindo a ideia de sociedade igualitária, bem como de um Direito imparcial e justo,
oferecendo críticas aos sistemas punitivos, escancarando as contradições existentes entre o que
se propõe em teoria com as prisões e quais seus reais objetivos. Além disso, propõe uma crítica
ao funcionamento do sistema político-econômico e sua relação de dependência com os modelos
punitivos (Carvalho, 2013). Dessa forma, para Baratta (2002) o papel da Criminologia Crítica:
[...] não é realizar as receitas da política criminal, mas problematizar a questão criminal,
o sistema penal, mecanismos de seleção, enfim, uma análise político-econômica da
situação, para avaliar as respostas possíveis à situações sociais postas, formulando uma
construção alternativa dos problemas sociais ligados ao fenômeno da criminalidade
(p.74).
34
Essa perspectiva se propõe a estabelecer uma análise radical dos mecanismos e das reais
funções do sistema penal, além de propor a elaboração de uma política criminal alternativa para
as classes subalternas. Compreende-se que a forma como está organizada a sociedade
capitalista, através da exploração feita pelas classes dominantes, torna central a manutenção do
processo de seletividade penal e de definição da criminalidade por parte de quem detém o poder,
a fim de não prejudicar seus interesses econômicos e sociais. Sendo assim, torna-se
imprescindível uma política alternativa, que possa romper com os pressupostos capitalistas, nos
quais também se insere a criminalidade e que atenda aos interesses das classes pobres. Para
Baratta (2002),
A adoção do ponto de vista das classes subalternas para toda a ciência materialista, assim
como também no campo específico da teoria do desvio e da criminalização, é garantia
de uma práxis teórica e política alternativa que colha pela raiz os fenômenos negativos
examinados e incida sobre as causas profundas (p. 199).
Para se pensar em uma política criminal que venha a romper com a política criminal
vigente, Baratta (2002) parte do entendimento da limitação do uso das instituições penais para
lidar com a questão criminal7. Propõe uma política criminal que venha romper com propostas
superficiais e reformistas e passe a pensar a questão criminal a partir de uma transformação
radical. Para a Criminologia Crítica, e para essa nova política criminal que se propõe, é também
imprescindível o debate acerca da função do cárcere na sociedade capitalista, compreendendo
seu fracasso ao longo de sua existência e tendo por objetivo a proposta de uma sociedade sem
prisões. Para tanto, a Criminologia Crítica objetiva a substituição da sociedade como se põe
atualmente por uma sociedade livre e igualitária.
7 Trata-se aqui do conceito de “Questão criminal” em analogia ao conceito de “Questão Social”, que se refere ao
“conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura” (Iamamoto, 1999, p. 27). Entende-
se que a questão criminal consiste no produto do modo de produção e reprodução social perpetrado pelo
capitalismo no âmbito criminal, com finalidade de sustentar a demanda por ordem (Batista, 2011).
35
Enquanto as classes detentoras do poder político/econômico se perpetuarem neste
núcleo inatingível de dominação, as parcelas da população marginalizadas na hierarquia
social terão as maiores chances de serem selecionadas para a população criminosa
(Carvalho, 2013, p.72).
A forma como está organizado o sistema penal favorece aos interesses das classes
dominantes, ocorrendo a manutenção da desigualdade social, sendo a Justiça Penal apenas uma
administradora da questão criminal, sem qualquer pretensão de extingui-la. Logo, a
Criminologia Crítica se propõe a estudar os problemas reais da sociedade e se comprometer
com a transformação social, escancarando o caráter seletivo do Direito Penal e o caráter violento
do Estado para lidar com as classes sociais marginalizadas (Carvalho, 2013).
A Criminologia Crítica busca se afastar das teorias positivistas, que se baseiam no
conceito de normalidade para caracterizar os indivíduos e que tem por objetivo estudar o
homem delinquente e não o delito. O objeto de análise, nessa perspectiva, passa a englobar as
relações e os sistemas sociais, as estruturas econômicas e as instituições jurídicas que são
diretamente responsáveis pelo processo de criminalização de pessoas pobres e negras. O foco
da Criminologia Crítica consiste também em apontar para a responsabilidade dos criminólogos,
juristas e também dos saberes psi, na manutenção dessas estruturas.
É nessa nova Criminologia que este trabalho está pautado, buscando propor uma análise
a qual consiga abarcar os contextos históricos, sociais, econômicos e culturais, distanciando-se
do processo de individualização na discussão sobre encarceramento. Para tanto, optou-se por
discutir nos próximos tópicos que compõem o presente capítulo, de modo mais aprofundado,
categorias fundamentais para essa perspectiva criminológica, tais como a seletividade penal, a
criminalização dos pobres, as desigualdades sociais, os interesses de classes mantidos pela
política criminal atual, bem como o processo de encarceramento e seus objetivos no sistema
capitalista (Cruz, 2014). Entende-se que tais categorias são necessárias para a compreensão da
36
Criminologia Crítica, referencial teórico adotado para a construção desta dissertação, mas
também, para discutir o trabalho dos psicólogos nas prisões de modo crítico.
As políticas de Segurança Pública no Brasil
“Numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais
(ou “interesses”, ou “estados sociais”, ou “valores”) escolhido pela classe dominante,
ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para reprodução dessas
relações” (Nilo Batista).
Tendo em vista a escolha pela Criminologia Crítica enquanto referencial teórico para as
análises desta pesquisa, serão discutidas em seguida as políticas de segurança pública no Brasil
e como, historicamente, elas foram criadas com a proposta de punição e segregação da
população pobre e negra.
O atual cenário da Segurança Pública no Brasil é marcado por intensas violações de
direitos humanos, abuso policial e pela ineficácia dos órgãos responsáveis, com recorrentes
denúncias de corrupção e práticas ilegais de implantação da lei e da ordem (Barreira, 2004). A
Segurança Pública é caracterizada como um processo sistêmico que engloba a interdependência
institucional e social. Para efetivar-se, são necessárias estruturas do Estado e organizações,
como a polícia, as prisões, o poder judiciário e a participação popular. É um processo que visa,
em teoria, garantir a proteção individual e coletiva, direitos e cidadania para toda a sociedade
(Bengochea, Guimarães, Gomes & Abreu, 2004). No que se refere às Políticas de Segurança
Pública, estas se constituem como medidas instituídas a partir de ferramentas punitivas e
preventivas, com a finalidade de controle social e enfrentamento da criminalidade.
Até o início da década de 1980, as Políticas de Segurança Pública desenvolvidas
possuíam caráter setorial e eram pautadas na centralização do poder, inexistindo qualquer
participação social em suas formulações. A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada
um marco no que se refere à garantia dos direitos humanos e, consequentemente, às novas
37
legislações formuladas desde sua implantação. A partir dela, a segurança passa a ser pensada
como uma garantia básica da população e um dever do Estado, delimitada nos ordenamentos
jurídicos. Portanto, tornou-se fundamental reformular o antigo sistema e criar novas medidas
de atuação (Sousa Neto, 2007).
Por outro lado, apesar dos avanços, especificamente no que se refere à forma como o
Estado brasileiro lida com as Políticas de Segurança Pública, não houve uma mudança efetiva.
O processo de redemocratização brasileiro não foi suficiente para alterar o Estado penalizador
e o caráter autoritário e repressivo dos órgãos responsáveis pela segurança. Nota-se, portanto,
que regime ditatorial ainda se faz muito presente nas ações dos agentes estatais.
O processo de transição para a democracia, das últimas décadas, enfrentou o desafio de
manter a ordem pública em um contexto afetado pela insegurança urbana e a necessidade
de mudança de atuação dos órgãos de segurança pública, estruturados sob a influência
de resquícios autoritários, mas com a responsabilidade de atuar de acordo com os
princípios democráticos, impostos pela sociedade por meio dos movimentos sociais
(Carvalho & Silva, 2011, p. 61).
Os avanços referentes à garantia dos direitos humanos conquistados com a Constituição
de 1988 e a transição para um modelo democrático estão atravessados por resquícios de
autoritarismo e sérias violações no trato com a segurança e não representaram diretamente
rupturas no campo da Segurança Pública no Brasil. Foi somente uma década depois da
promulgação da “Constituição Cidadã” que a Política de Segurança Pública passou a ser
compreendida como uma ação de garantia de direitos dentro de um Estado, teoricamente,
democrático (Carvalho & Silva, 2011).
Assim, em 2000, foi criado o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) (Secretaria
Nacional de Segurança Pública, 2000), que propunha aperfeiçoar a Segurança Pública brasileira
a partir de políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias, cujo objetivo era
38
reduzir e reprimir a criminalidade. O PNSP foi considerado como a primeira política nacional
e democrática, trazendo a ideia de segurança pública como uma política de governo.
Em 2007, foi implantado o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(Pronasci) (Ministério da Justiça, 2007) que, segundo o Ministério da Justiça, foi um marco nas
políticas públicas relacionadas à segurança no Brasil. O programa inovou ao pensar a segurança
pública como uma questão transversal, entendendo que suas atividades deveriam estar
integradas entre todos os órgãos, visando não apenas a repressão, mas também a prevenção.
Em 2011, com a ideia de que o Pronasci não teria conseguido abarcar questões referentes
às políticas criminais e penitenciárias, foi elaborado o Plano Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (PNPCP) (Ministério da Justiça, 2011), proposto pelo Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). O Plano tem por objetivo estabelecer um novo
modelo de política criminal e penitenciária no Brasil, pautado por medidas como: sistematizar
e institucionalizar a Justiça Restaurativa; criar e implantar uma política de integração dos
egressos do sistema prisional; aperfeiçoar o sistema de penas e medidas alternativas à prisão;
implantar políticas de saúde mental no sistema prisional; garantir a prisão provisória sem
abusos; fortalecer o controle social, negando a ideologia da vingança promovida pela sociedade,
que ajuda a criar mais estereótipos; promover o enfrentamento das “drogas”, pensando em ações
de assistência à saúde; modificar a arquitetura prisional; promover uma gestão qualificada nas
instituições prisionais, etc.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA,
2007), os gastos no setor da segurança pública, especificamente os referentes aos recursos
transferidos pela União, têm sido destinados para o aparelhamento dos órgãos voltados para o
financiamento de ações de repressão e policiamento ostensivo. Estes índices podem significar
que, na maioria dos estados, as reformas não foram efetivas e as políticas que visavam outras
39
possibilidades de atuação e aplicação desses recursos não foram instituídas (Santos, Gontijo &
Amaral, 2015).
Mais recentemente, depois da repercussão dos massacres ocorridos nos presídios de
Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Natal (RN), o Governo divulgou o Plano Nacional de
Segurança Pública (Ministério da Justiça e Cidadania, 2017). Entre os principais objetivos
elencados por este Plano estão: 1) Redução de homicídios dolosos, feminicídios e violência
contra a mulher; 2) Racionalização e modernização do sistema penitenciário; 3) Combate
integrado à criminalidade organizada transnacional.
No que se refere especificamente ao campo prisional, as medidas propostas pelo plano
incluem a diminuição de presos provisórios nos presídios e o fortalecimento das medidas
alternativas. Porém, o centro das ações voltadas para o campo penitenciário consiste em
investimentos milionários para a construção de mais presídios (cerca de 200 milhões de reais)
e de mais instrumentos de controle dos presos, como radares e tornozeleiras eletrônicas.
De fato, a questão da segurança pública brasileira, historicamente, tem se efetuado a
partir de tomadas de posições conservadoras, que implicam na compreensão de que o
tratamento deve ser realizado a partir de mais polícia, mais equipamentos militarizados e mais
armamento, com ações direcionadas para as áreas periféricas das cidades. No que tange à
atuação da polícia, especificamente, a partir desse modelo tradicional, a estratégia de
intervenção utilizada tem sido unicamente o uso da força (Santos et al, 2015).
De forma geral, o sistema de segurança pública no Brasil, apesar das construções no
âmbito legal em prol da garantia dos direitos humanos, tem se constituído a partir de ações
paliativas, focalizadas e totalmente imediatistas, sem qualquer resquício de participação
popular. Na prática, as políticas necessitam de mudanças efetivas e urgentes, que possam
romper com o caráter autoritário, promovendo o processo de desmilitarização da polícia8 e
8 Segundo Cruz (2014b, para. 9), “a luta pela desmilitarização das PMs em todo o país é a luta por um novo modelo
de segurança pública e de política criminal, por uma nova cultura policial baseada na garantia dos direitos e da
40
maior participação popular. Para tanto, se faz necessária uma promoção de políticas públicas
qualificadas voltadas para a modificação estrutural e cultural.
Reflexões sobre criminalização dos pobres e seletividade penal à luz da Criminologia
Crítica
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
Que vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Que fez e faz história
Segurando esse país no braço
O cabra aqui não se sente revoltado
Porque o revólver já está engatilhado
E o vingador é lento
Mas muito bem intencionado
E esse país
Vai deixando todo mundo preto
E o cabelo esticado
Mas mesmo assim
Ainda guardo o direito
De algum antepassado da cor
Brigar sutilmente por respeito
Brigar bravamente por respeito
Brigar por justiça e por respeito
De algum antepassado da cor
Brigar, brigar, brigar
dignidade humana e na possibilidade de participação direta da sociedade civil nas decisões político-administrativas
que envolvam a área. Significa, igualmente, a necessidade de pensar a conflitualidade social a partir de sua
complexidade, articulada com diversas outras questões que envolvem a violência (acesso à educação, ao lazer, à
saúde, qualidade de vida, etc.), e não responder de forma militarizada às consequências da desigualdade social,
fruto da exploração econômica e das históricas opressões políticas e culturais”.
41
A carne mais barata do mercado é a carne negra
(Seu Jorge, Marcelo Yuka E Ulisses Cappelletti)
No Brasil, a condição de pobreza tem sido histórica e equivocadamente relacionada à
delinquência e criminalidade. Não é recente o fato das classes dominantes utilizarem o Estado
e a Justiça Penal como forma de reprimir as chamadas classes perigosas. Alguns exemplos disso
são a criminalização da capoeira, que por muitos anos constituiu-se como crime, e, mais
recentemente, o índice alarmante de vitimização negra. Este índice, em 2012, se encontrava em
146,5%, ou seja, morriam proporcionalmente 146,5% mais negros que brancos, segundo o
Mapa da Violência de 2014 (Waiselfisz, 2013).
No século XVIII a ascensão da burguesia gerou a necessidade do fortalecimento dos
poderes punitivos para conter as massas pobres que lutavam por maiores direitos e igualdade.
Segundo Foucault (2010), o processo de industrialização, por um lado, produziu novos avanços
tecnológicos, mas também trouxe atrelado a eles a criação de novas formas de controle do
tempo e do corpo, nas fábricas e também nas prisões, chamadas de instituições de sequestro.
A partir do final do século XIX, nota-se que não foram poucas as teorias emergentes e
importadas do continente europeu com vistas ao embasamento científico que evidenciasse
periculosidade nas classes populares. O novo processo civilizatório de um país, que tinha
acabado se tornar uma República, marcado por mais de trezentos anos de escravidão e em vias
crescentes de industrialização, percorreu caminhos áridos, tendo como fiéis escudeiros os
aparatos jurídico e científico da época. A massa de imigrantes, párias e miseráveis que passaram
a habitar favelas e cortiços tornou-se alvo das associações indiscriminadas entre pobreza e
periculosidade (Batista, 2003).
Na década de 1990, a ideia de punir com mais força os pequenos delitos para que delitos
maiores não viessem a ocorrer foi responsável por maior investimento policial para a
42
perseguição desses pequenos “delinquentes”. Entre os que precisavam de uma punição mais
severa, por representarem uma ameaça, estavam: prostitutas, moradores de rua, revendedores
de drogas, mendigos, etc. (Wacquant, 1999).
A necessidade de punir mais e de punir seletivamente grupos marginalizados baseou-se
na Teoria das Janelas Quebradas, como suporte teórico. A Broken Windows theory foi
idealizada por James Q. Wilson e pelo psicólogo criminologista George Kelling a partir de uma
publicação realizada no Atlantic Monthly, em 1982, cujo estudo tinha por objetivo estabelecer
a relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade.
Por mínimas que pareçam, as primeiras condutas desviantes - que, mal se generalizam,
estigmatizam um bairro e nele polarizam outros desvios - são o sinal do fim da paz social
no cotidiano. A espiral do declínio se esboça, a violência se instala, e com ela todas as
formas de delinqüência: agressões, roubos, tráfico de drogas etc. (J. Wilson & T.
Kelling, "A Teoria da vidraça quebrada" citado em Wacquant, 1999, p. 40).
Essa teoria, segundo Wacquant (1999), serviu de “álibi criminológico” para impulsionar
a política de Tolerância Zero, implementada a partir de 1993, por William Bratton, chefe da
polícia de Nova Iorque, que concedeu maior poder de atuação aos policiais, que passaram a
reprimir e prender mais. Essas políticas criminais definiram quem deveria ser criminalizado e
quem deveria ser protegido, a fim de refrear o medo das classes mais altas por meio da
perseguição aos grupos marginalizados em espaços públicos.
Ao passo que o mercado torna-se instrumento de controle das relações sociais, o Estado
fortalece o processo de penalização, assegurando a manutenção das relações de poder (Carvalho
& Silva, 2011). O aumento das políticas penitenciárias, acompanhado das ações de políticas
sociais, é algo inerente aos modelos de Estado ditos democráticos. Os mecanismos punitivos
do Estado estão intrinsicamente ligados à forma como se lida com a Questão Social nas
sociedades capitalistas, como o Brasil, a partir do assistencialismo e de ações paliativas do
43
Estado, afastando-se das raízes estruturais que culminam na Questão Social. O Estado responde,
portanto, com políticas que atuam, mesmo que superficialmente, nas classes mais pobres,
cedendo, por necessidade, às pressões dessas classes, de forma a garantir a manutenção da
ordem (Matsumoto, 2015). Por questão social, compreendem-se as:
[...] expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu
ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por
parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de
intervenção mais além da caridade e repressão (Iamamoto & Carvalho, 1983, p.77).
No Brasil, o desenvolvimento da sociedade capitalista trouxe também a continuidade
das desigualdades sociais, favorecendo o aperfeiçoamento de medidas de concentração social e
racial de renda (Iamamoto, 2000). Esse processo gera, para os pobres, menor acesso aos direitos
e à proteção do Estado, sendo os incluídos aqueles que possuem os privilégios de acesso às
garantias e que devem ser protegidos dos considerados perigosos (Barros, Moreira & Duarte,
2008).
É reconhecida a existência de políticas sociais voltadas para os pobres e o avanço
conquistado no processo de redemocratização, entretanto, entende-se, primeiramente, que essas
políticas não têm sido capazes de alterar estruturalmente a questão da pobreza e da miséria, não
sendo suficientes para frear o Estado Penal. “A população emerge como um problema político,
econômico e científico, como um problema de poder. O que se quer é o estabelecimento de uma
regularidade através de mecanismos globais de controle” (Machado & Lavrador, 2010, p.127).
Tal conjuntura produz efeitos devastadores para as classes mais baixas, pois ao mesmo
tempo em que sofrem com a ineficiência do Estado, têm a violência atribuída a elas. Um
exemplo é a suposta “guerra às drogas” que acontece apenas nas áreas mais pobres e nas favelas,
44
fazendo um recorte intenso de classe social nesse processo de repressão (Carvalho & Silva,
2011).
Esse efeito também pode ser exemplificado a partir dos dados do “Mapa da Violência:
Homicídios e Juventude no Brasil (Waiselfisz, 2013)”, divulgado em 2013 pela Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). O relatório mostra o aumento significativo
da violência, de um verdadeiro genocídio, contra a juventude pobre. Os dados apontam que, em
números absolutos, o Brasil é o país com o maior índice de assassinato do mundo, só em 2012
foram 56 mil pessoas assassinadas, sendo 30 mil jovens, com idades entre 15 e 29 anos, onde
77% eram negros. Mais recentemente, de acordo com o Mapa da Violência divulgado em 2016,
o número de homicídios por armas de fogo no Brasil chega a 42.291, sendo 59,7% das vítimas
jovens e 69,8% negros (Waiselfsz, 2016).
Embora os dados sejam alarmantes, essas mortes são quase sempre naturalizadas, sem
causar comoção à sociedade. Há também o processo de visibilização perversa, que é legitimado
pelos mecanismos institucionais, a partir de procedimentos policiais, os ditos “autos de
resistência” ou “resistência seguida de morte”. Por meio desses mecanismos, inúmeros
inquéritos são arquivados – os quais representam 99,2% dos inquéritos instaurados, segundo
pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana
(NECVU), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – pela alegação de que as pessoas
assassinadas estariam em confronto com os agentes de segurança pública. A criminalidade
passa a ser atribuída cada vez mais à pobreza, como algo inerente.
As políticas criminais adotadas por esta forma de exercício do poder punitivo estatal
revelam a preferência em criminalizar as classes desprivilegiadas do sistema capitalista,
especialmente, os considerados à margem das “benesses” desse modo de produção,
dando ênfase à criação de tipos penais que culminam na aplicação desmedida da
privação de liberdade. O que resulta ainda na ‘vitimização dos pobres e miseráveis’, na
45
superpopulação carcerária e na desumanidade na execução das penas (Martinez &
Santos, 2009, p. 209).
Logo, a criminalização da pobreza e o fortalecimento do Estado Penal se sustentam,
principalmente, em duas práticas das classes dominantes. A primeira é o uso da mídia para, com
base na espetacularização da violência, fortalecer os estigmas e determinar quem seriam os
responsáveis pelo aumento da violência. O segundo fator é a produção do medo e da
insegurança e, consequentemente, a exigência por ações penalizadoras do Estado que impeçam
e eliminem os que seriam responsáveis pelo crime (Brisola, 2012).
Numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais
(ou “interesses”, ou “estados sociais”, ou “valores”) escolhido pela classe dominante,
ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para reprodução dessas
relações (Batista, 1999 citado por Gonçalves, Araújo & Santana, 2010, p. 413).
Esse processo se dá em dois níveis: a partir da criminalização primária, que se refere à
seletividade da norma penal, e da secundária, que consiste na seletividade do sistema de justiça
criminal.
No que se refere à criminalização primária, enquanto, na teoria, o direito penal deveria
ter por objetivo a punição de atos que infringissem a lei, sem diferenciar características sociais
e raciais de quem cometeu o crime, na prática, o que ocorre é a diferenciação da punição baseada
nos interesses de classes dominantes. Um exemplo disso é a punição mais severa do crime de
roubo do que o crime de sonegação, onde a diferenciação está em quem comete o crime: pobre
rouba e rico sonega.
A criminalização primária, constitui-se, assim, na instrumentalização do controle das
classes subordinadas, ao contemplar os tipões penais e o quantum das penas que lhe são
cominadas, tendo como referencial a manutenção do status quo das classes dominantes.
(Martini, 2007, p. 46)
46
A criminalização secundária acontece a partir de ações de atores relacionados ao crime,
como a polícia e a mídia, que tem suas atuações baseadas no estereótipo do “criminoso”, do
“perigoso”, do “bandido” e do “presidiário”, que seriam os negros, homossexuais, mendigos,
as prostitutas, etc. Ou seja, refere-se à ação punitiva exercida em pessoas específicas. Sendo
assim, baseia-se em dois princípios: a seletividade e vulnerabilidade.
O papel da mídia nesse processo é uma das vias mais importantes para manutenção das
estratégias de encarceramento e extermínio das massas pobres. Para tanto, utiliza-se da
divulgação para perpetuação da ideia de que a pobreza é um sinônimo de criminalidade. Para
Budó (2006), o aparato midiático representa um papel fundamental na produção de opiniões e
na hierarquização dos temas, tendo em vista que sua função tem sido, além da divulgação dos
fatos propriamente ditos, de definição de quais destes fatos terão repercussão, quais devem ser
discutidos e quais a população nunca terá conhecimento.
O sensacionalismo e a espetacularização do aparato midiático são elementos centrais
para lidar com a questão criminal, tornando a discussão no campo superficial e de baixo nível
argumentativo. Essa lógica é tomada pelo processo de homogeneização, empobrecendo os
acontecimentos, limitando a forma de pensar e, quase sempre, aderindo aos discursos
maniqueístas, da crença do “bem e do mal”.
Segundo Coimbra (2001), os meios de comunicação em massa, que estão centralizados
nas mãos de uma pequena parcela dominante, têm servido para produzir subjetividades
responsáveis pelo nosso modo de pensar, agir e sentir. Já no que se refere ao campo da
segurança pública, têm sido um equipamento social efetivo no incremento da violência. No
âmbito penal, as notícias sobre os crimes estão voltadas para a fabricação do estereótipo do
criminoso, da definição de quem seria o inimigo e de quem a sociedade precisa se proteger,
sendo a população pobre, jovem e negra o alvo central. A mídia, segundo Batista (2009), tem
produzido cada vez mais subjetividades punitivas. A punição torna-se a saída mais pedida pela
47
direita, mas também por grande parte da esquerda, para dar conta da conflitividade social gerada
pelo sistema atual. Assim, são intensificados os sentimentos de medo e insegurança que
culminam no clamor por mais ações punitivas e repressoras, legitimando as ações das agências
do sistema penal.
Os chamados "mal-estares sociais", por exemplo, só passam a ter existência quando são
enunciados/mostrados pela mídia; ou seja, só assim são reconhecidos como sendo
realidades. Champagne (1997) comenta que, além dessa construção midiática sobre os
mal-estares sociais, produz-se também o que é conhecido como "subúrbios
problemáticos", quando se chama a atenção para os "territórios dos pobres",
estigmatizados como sendo locais perigosos e violentos por natureza (Coimbra, 2001,
p. 44).
Segundo Zaffaroni (2007), a construção do estereótipo do inimigo se dá, primeiramente,
a partir da concepção de que a sociedade está dividida em dois grupos: os cidadãos (pessoas) e
os inimigos (não-pessoas). A partir disso, implica-se dizer que alguns indivíduos, por serem
considerados perigosos, tem sua existência reduzida a esta condição, sendo retirado ou negado
seu caráter de pessoa. Admitindo essa lógica, mecanismos têm sido utilizados com propósito
de que alguns indivíduos sejam contidos e afastados. Um exemplo é a utilização da prisão
preventiva - cuja única função é o isolamento daquele que ameace a segurança da sociedade -,
a qual o autor afirma tratar-se de um enjaulamento do sujeito perigoso ou do chamado
comportamento suspeito. Outro exemplo é a ideia de legítima defesa da polícia em
determinados territórios, que implica na autorização para matar nesses lugares, ou seja, nada
mais é do que a legitimação do controle social punitivo. Esse processo de legitimação fica
nitidamente exposto a partir do número de mortes por ações policiais no Brasil, que chegou a
ser 42,16% maior do que o número de mortos pela pena de morte nos vinte países em que esta
é legalizada (Zaccone, 2015).
48
Para Rauter (2012), a difusão do medo e da insegurança, o aparato midiático e sua
visibilidade, assim como o clamor pela segurança, compõem a nova forma de gestão das massas
e da vida. Essas estratégias, que não se restringem às instituições prisionais, nem às outras
instituições como o hospital, a fábrica e a escola, mas estão presentes no funcionamento social,
é que tornam possível a existência de crenças como a de que parte da população está fadada ao
crime e, por isso, precisa ser morta em defesa da sociedade. Dessa forma, as prisões só se
mantêm devido à existência dessas disciplinas ou redes de produção de submissão, seja pelas
práticas institucionais, seja pelas práticas discursivas.
Para Baratta (2002), o processo de criminalização também está diretamente relacionado
à classe que o autor do delito pertence e à posição que este se encontra no mercado de trabalho.
Para o criminólogo, esse processo tem maior propensão de acontecer com aqueles que
compõem o subproletariado9 e com os marginalizados sociais. Assim, fica evidente que o
processo de criminalização da pobreza cumpre uma função bem delineada no sistema
capitalista: a de conservação e reprodução social. É esse processo de criminalizar determinados
grupos que permite a manutenção da escala social vertical e garante a proteção para
comportamentos e sujeitos previamente imunizados.
O cárcere, portanto, seria o momento culminante desse processo de criminalização,
nascendo da necessidade de disciplinar a força de trabalho e fazendo parte dos mecanismos de
seleção, que começam antes da própria atuação do Sistema Penal. A prisão, a partir da produção
de marginalizados sociais, cumpre papel fundamental dentro e fora do mercado de trabalho,
seja pela superexploração dos ex-presidiários, seja a partir dos mecanismos de circulação ilegal
do capital, possibilitados pela população criminal, como no funcionamento do tráfico.
O cárcere representa, em suma, a ponta do iceberg que é o sistema penal burguês, o
momento culminante de um processo de seleção que começa ainda antes da intervenção
9 “A fração de classe trabalhadora superempobrecida permanente que representa parcela significativa da população
economicamente ativa” (Fonseca, Souza & Silva, 2007, p. 6).
49
do sistema penal, com a discriminação social e escolar, com a intervenção dos institutos
de controle do desvio de menores, da assistência sócia, etc. O cárcere representa,
geralmente, a consolidação definitiva de uma carreira criminosa. (Baratta, 2002, p. 167)
No Brasil, o movimento crescente de encarceramento em massa é fruto da prevalência
do Estado Penal, cujo objetivo é a manutenção da sociedade de classes pela proteção do
patrimônio privado, e implica consequências graves como a violência, a repressão e a
vitimização da classe trabalhadora.
Com o avanço da política neoliberal, os índices de encarceramento no Brasil saltaram
de 90 mil, em 1990, para mais de 622 mil, em 2014, o que representou cerca de 690% de
aumento da população carcerária (Ministério da Justiça, 2016). A estratégia de fortalecer o
Estado Penal como reposta para as questões estruturais e de ausência do Estado Social
representa diretamente maior uso da força policial, mais extermínio da população negra e pobre
e aumento nas taxas de criminalidade.
Neste cenário, as prisões vêm com a finalidade de efetuar o controle dos pobres, sendo,
segundo Rauter (2003), verdadeiras “prisões-depósitos”.
[...] se parecem mais com campos de concentração para pobres, ou com empresas
públicas de depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições judiciárias
servindo para alguma função penalógica - dissuasão, neutralização ou reinserção. O
sistema penitenciário brasileiro acumula com efeito as taras das piores jaulas do Terceiro
Mundo, mas levadas a uma escala digna do Primeiro Mundo, por sua dimensão e pela
indiferença estudada dos políticos e do público (Wacquant, 1999, p.7).
Com o crime associado à pobreza e com a identificação de classe e cor dos ditos
perigosos feita pela mídia, o controle passa a ser realizado através da eliminação dessas pessoas.
Este controle pode ser dar pelos Grupos de Extermínio, pelas milícias ou pelo próprio
50
funcionamento das instituições prisionais brasileiras, com registro de morte de pessoas a cada
dois dias dentro das prisões (Carazzai & Campanha, 2014).
O abismo vigente entre as classes sociais torna-se reproduzido na seletividade penal e
na criminalização da pobreza, fatos que culminam com um delineamento do público prisional.
A ascensão das instituições prisionais, do controle a céu aberto, da transformação das favelas
em verdadeiros campos de concentração e da hiperinflação dentro das prisões são
consequências, segundo Wacquant (1999), do uso desenfreado dessas políticas punitivas. A
prisão vem, portanto, com a função de isolar e neutralizar as classes perigosas, constituindo-se
como uma “fábrica de exclusão” dos chamados “dejetos sociais”.
Breve histórico da pena de prisão
“A prisão é uma instituição de sequestros: sequestra-se não só a liberdade ambulatória
dos homens e mulheres que a ela são submetidos como também a voz, a identidade, a
dignidade, a condição de sujeitos e cidadãos” (Olga Espinoza).
No período compreendido entre os séculos XVI e XVII, a Europa passou por uma
acentuada crise de mão de obra, atrelada à baixa densidade demográfica, devido,
principalmente, à Guerra dos Trinta Anos. Nesse cenário surgiu a necessidade de novas medidas
de controle da pobreza que pudessem suprir a ausência de força de trabalho e a carência
econômica, levando os Estados a engendrar a ideologia do trabalho como imposição aos pobres.
A estratégia estava, ainda, atrelada à preocupação em conter a ociosidade, a qual, além de
moralmente condenada, era frequentemente associada às classes sociais mais baixas (De Giorgi,
2006).
Até o século XVIII, pode-se afirmar que a justiça penal distribuía suas punições, quase
exclusivamente sob a forma de castigos físicos, tortura, amputações e pena de morte. A partir
desse período histórico, com a Revolução Industrial, as transformações sociais e,
51
consequentemente, a reforma do Direito Penal, o processo penal e as penas sofreram
significativas alterações, sob o argumento da necessidade de “humanização” das punições. É
com esse discurso humanista, que as violências físicas cederam (formalmente) lugar para
punição em forma de privação de liberdade.
Entretanto, segundo Foucault (2010), o que se instituiu não foi um processo de
humanização das penas, mas sim, o deslocamento do sofrimento que surge juntamente com as
reformas políticas e sociais da época, fazendo com que a punição deixe de ter como foco
principal o corpo e passe a reformar, notadamente, a subjetividade. Nesse cenário, entre os
séculos XVII e XVIII, na Europa, a pobreza deixou de ser alvo de destruição e eliminação
explícita para ser disciplinada e normalizada.
A reclusão começa assim a ser proposta como estratégia para controle das classes
marginais. A sua utilidade, independentemente das camadas da população às quais pode
ser aplicada (pobres, vagabundos, prostitutas, criminosos), consiste no fato de que agora
o corpo é valorizado por encerrar uma potencialidade produtiva, e os sistemas de
controle têm início concentrando-se nas atitudes, na moralidade, na alma dos indivíduos
(De Giorgi, 2006, p.41).
Além da pena deixar de ter como foco a violência física, ela passa a ter como principal
característica a sua quantificação através do tempo. A reparação do dano causado pelo crime
aconteceria, portanto, no determinado período que a pessoa fosse julgada a ficar na prisão
(Oliveira, 2007). De acordo com este modus operandi penal, o castigo seria aplicado pelo
período em que o réu fosse condenado a permanecer na prisão e a função da pena consistiria,
principalmente, em causar sofrimento, tendo caráter meramente retributivo e ficando para
segundo plano, ou inexistindo, a função de reintegração social do preso.
Dessa forma, percebe-se que há uma mudança fundamental nas estratégias de controle.
Na Idade Média, a estratégia defensiva da sociedade frente ao problema da lepra era a exclusão,
52
a rejeição do leproso, a expulsão para fora dos muros da cidade e não-aproximação. Já no século
XVII, ao se deflagrar a peste em uma cidade, uma série de mecanismos de controle da
população eram postos em prática, como o trancamento das famílias em suas casas, sob risco
de pena de morte, a vigilância de todos os pontos e movimentos realizados e a hierarquia do
poder de quem fiscalizava os indivíduos e os categorizava, entre doentes, vivos e mortos. Para
Foucault (2010), enquanto a lepra suscitou modelos de exclusão, a peste, vista como desordem,
suscitou esquemas disciplinares.
Ela prescreve a cada um o seu lugar, a cada um seu corpo, a cada um sua doença e sua
morte, a cada um seu bem, por meio de um poder onipresente e onisciente que se
subdivide ele mesmo de maneira regular e ininterrupta até a determinação final do
indivíduo, do que o caracteriza, do que lhe pertence, do que lhe acontece (Foucault,
2010, p. 188).
O autor supracitado aponta ainda que os mecanismos de controle passam a não se
limitarem apenas às penitenciárias, estendendo-se à sociedade como um todo e à sua busca pelo
disciplinamento. De fato, nem sempre são necessárias grades e encarceramento para que essas
relações de controle e a exclusão do que seria anormal ou fora dos padrões estabelecidos
existam, como é o caso das escolas, dos manicômios e das fábricas (Engbruch & Santis, 2012).
Antes de ser utilizada como pena, a prisão tinha caráter temporário, portanto, não
possuía as condições necessárias de infraestrutura para as mudanças que começaram a surgir
com essa nova realidade punitiva. Dessa forma, iniciaram-se uma série de discussões acerca
das modificações que deveriam ocorrer no âmbito penal, surgindo os primeiros projetos do que
viriam a ser as penitenciárias.
O Panóptico, elaborado em 1787 por Jeremy Bentham, constitui-se como um esquema
disciplinar caracterizado pela intensa vigilância dos indivíduos e pelo fortalecimento das
relações de poder. Nesse modelo, o preso “é visto, mas não vê; objeto de uma informação,
53
nunca sujeito numa comunicação” (Foucault, 2010, p. 190). Tal estrutura permitia o total
controle sobre os movimentos dos prisioneiros e de seus comportamentos, sem que eles
pudessem saber em que momento estavam sendo observados (Engbruch & Santis, 2012).
Os modelos de encarceramento norte-americanos, da Filadélfia e Auburn, serviram
como grande influência para o surgimento de outros sistemas penais em todo o mundo. O
primeiro, também chamado de modelo pensilvânico, foi adotado em 1790, por William Penn,
e possuía como característica central a reclusão total dos presos. Nesse modelo, a religião
consistia em ferramenta fundamental no controle do cumprimento da pena, sendo a bíblia o
único objeto permitido dentro das celas, que tinha por função fazer com que os presos se
arrependessem do crime cometido.
Já o modelo de Auburn, adotado em 1821, trouxe como principal mudança o uso do
trabalho como forma de regeneração dos presos. Diferente do modelo pensilvânico, os presos,
no modelo de Auburn, conviviam e realizavam atividades juntos, em uma proposta de se
assemelhar ao funcionamento da sociedade. No entanto, tinham que trabalhar em absoluto
silêncio, imposto, na maioria das vezes, de forma violenta pelos guardas que supervisionavam
as atividades. O trabalho no cárcere se constituía como um instrumento de tortura escancarada
nas atividades cansativas e de longa duração (Oliveira, 2007).
O nascimento da prisão se coloca, portanto, na passagem de um regime penal que aponta
para a destruição do corpo do condenado, sobre o qual se reflete o poder, absoluto do
monarca, para uma forma de punição que poupa o corpo a fim de que, na sua
produtividade, se evidencie o poder econômico relativo do capitalista. (De Giorgi, 2006,
p. 40)
Enquanto a maioria dos países europeus adotaram o modelo da Filadélfia, a Irlanda
passou a utilizar o modelo desenvolvido em 1853, por Walter Crofton. Este modelo, chamado
de “o sistema de Crofton”, continha quatro fases que deveriam ser percorridas pelo preso, desde
54
seu ingresso na prisão até sua saída. A primeira etapa se caracterizava pelo isolamento do preso,
em média, por oito ou nove meses. A segunda estava relacionada à introdução do trabalho na
rotina dos presos, baseado no modelo de Aurburn. A terceira fase permitia ao preso conversar
e andar por determinadas distâncias nas prisões intermediárias, as quais seriam transferidos. A
última fase se referia à liberdade condicional, com direito de viver em comunidade livre
(Oliveira, 2007).
Apesar dos inúmeros modelos de penitenciárias e das diferentes formas de se propor o
encarceramento, Foucault (2010) destaca a importância de se atentar para esse movimento de
“reforma” do sistema prisional. As propostas reformistas dos modelos prisionais, em todo o
mundo, não se constituem como resposta ao fracasso do funcionamento das instituições
prisionais, pois, muito pelo contrário, essas propostas reformistas são quase que
contemporâneas ao próprio surgimento do cárcere. Entender isso é fundamental para se pensar
que os mecanismos, as experiências e as propostas de “correções” do funcionamento desses
espaços, fazem mais parte da sua estrutura do que demonstram fazer. Não é à toa que tais
mudanças se assemelham mais à uma adequação às novas necessidades capitalistas que surgem
do que proposta de modificação
As prisões no Brasil
A dita “Reforma” prisional na Europa, que impulsionou reflexões acerca da necessidade
de novos modelos penitenciários, teve, no Brasil, particularidades que se adaptaram à
necessidade da sociedade escravista da época (Aguirre, 2009).
As prisões no Brasil no Período Colonial não ocupavam lugar importante dentro dos
mecanismos de controle e punição. A prática do encarceramento estava destinada à detenção
daqueles que aguardavam suas sentenças, enquanto que as punições eram feitas por execuções
públicas, açoites e trabalhos forçados, sendo este último também utilizado no período pós-
colonial (Aguirre, 2009).
55
As reformas penais europeias e norte-americanas, que impulsionaram a construção e
modificação de novos modelos penitenciários, geraram alguns debates sobre a necessidade de
modernização e transformação dos modelos latino-americanos. Esses debates, no entanto, não
foram suficientes para que as reformulações se concretizassem, tanto pelo custo que isso
geraria, quanto pela crença que as formas tradicionais de punição seriam bem mais eficazes. No
Brasil, esses impasses políticos e financeiros ficaram evidenciados no processo de construção
da Casa de Correção do Rio de Janeiro, primeira penitenciária da América Latina, a qual
perdurou mais de 15 anos para ser finalizada (Aguirre, 2009).
As novas penitenciárias construídas não conseguiam abarcar toda a população carcerária
e, somando-se a isto, não houve uma melhoria efetiva nas outras instituições carcerárias, que
permaneceram com as mesmas condições indignas do período colonial. Ou seja, permanecia
em maior escala um sistema carcerário que pertencia aos moldes tradicionais (Aguirre, 2009).
A tentativa de mudança penitenciária no Brasil esbarrava nas estruturas sociais e raciais
enraizadas. Diante disto, pode-se afirmar que pensar em Reforma prisional no Brasil consistiu
em reforçar mecanismos de controle e não na ideia de recuperação que estava se colocando em
pauta do que seria uma sociedade moderna. As prisões brasileiras, então, não conseguiram se
adequar à ideia de modernização europeia e passaram a servir de depósitos - sendo que agora
com certo tipo de organização (Aguirre, 2009).
A realidade das prisões do Brasil até o século XIX era ainda mais desestruturada. A
maioria delas dividia prédio com a Câmara Municipal e não possuía nenhuma distinção entre
celas de homens e de mulheres. A partir da Independência do Brasil, em 1822, e a formulação
da primeira Constituição, em 1824, foi estabelecida a primeira lei referente às prisões, a qual
dizia em seu artigo 179 §21, que essas deveriam ser seguras, ter sua higienização garantida e
que os presos deveriam ser separados de acordo com o crime cometido (Oliveira, 2007).
56
Em 1830 novas reformulações sobre o sistema punitivo brasileiro aconteceram. A pena
passa a ser introduzida de duas formas: a primeira de caráter simples e a segunda, a pena de
trabalho, que poderia ser perpétua (Engbruch & Santis, 2012). As novas mudanças foram feitas
a partir da criação do Código Criminal do Império (lei de 16 de dezembro de 1830), que não
previa a escolha de nenhum sistema penitenciário específico, mas estabelecia, em seu art. 48,
que as penas de prisão:
[...] serão cumpridas nas prisões públicas, que oferecerem maior comodidade, e
segurança, e na maior proximidade, que for possível, dos lugares dos delitos, devendo
ser designadas pelos Juízes nas sentenças. Quando, porém, for de prisão simples, que
não exceda a seis meses, cumprir-se-á em qualquer prisão, que haja no lugar da
residência do réu, ou em algum outro próximo, devendo fazer-se na sentença a mesma
designação.
Uma série de questionamentos surgiu ao longo dos anos em relação à falta de estrutura
das prisões brasileiras e ao modelo de Aurburn, que tinha sido adotado nas primeiras Casas de
Correção construídas no Rio de Janeiro (1850) e São Paulo (1852). Sendo assim, em 1890, foi
sancionado o Novo Código Criminal, em que passou a ser adotado o sistema baseado no projeto
Irlandês, o qual unia o modelo auburniano e o da Filadélfia (Engbruch & Santis, 2012).
O novo Código aboliu as penas de morte, penas perpétuas, açoite e as galés e previa
quatro tipos de prisão: a prisão celular, a maioria dos crimes previstos no Código tinha
esse tipo de punição (art. 45); reclusão em “fortalezas, praças de guerra ou
estabelecimentos militares” destinada para os crimes políticos contra a recém-formada
República (art. 47 do Código); prisão com trabalho que era “cumprida em penitenciárias
agrícolas, para esse fim destinadas, ou em presídios militares” (art. 48 do Código);
Prisão disciplinar “cumprida em estabelecimentos industriais especiais, onde serão
57
recolhidos os menores até á idade de 21 anos” (art. 49), uma inovação do Código foi o
limite de 30 anos para as suas penas (Engbruch & Santis, 2012, p. 150).
A realidade vivida dentro das prisões era muito distante do que estava previsto pelo
Novo Código, marcada pelo não cumprimento das leis e pela falta de vagas dentro das
instituições prisionais. Atualmente, o que se percebe das prisões brasileiras não difere da mesma
problemática iniciada no século XIX. Pelo contrário, há um agravante das condições indignas
dentro das instituições e um desrespeito recorrente ao que está previsto nas leis (Engbruch &
Santis, 2012). O sistema penitenciário atual trata-se apenas da reprodução dos antigos
instrumentos utilizados de combate à criminalidade e de punição dos criminosos (Bayer &
Minagé, 2014).
A Realidade dos presídios paraibanos
A Paraíba possui atualmente 79 instituições prisionais, contando com 10.450 presos,
dos quais 3.905 ainda não foram condenados. Segundo Relatórios apresentados pelo Conselho
Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (2009; 2012), a partir de visitas realizadas em
presídios de João Pessoa e Campina Grande, no período de 2009 a 2014, a realidade das prisões
paraibanas é de calamidade. No que se refere à quantidade de presos, os presídios apresentam
superpopulação carcerária, o que não difere do cenário dos presídios do restante do país. As
celas mostram-se incapazes de abarcar a quantidade de presos, tendo infraestrutura precária,
com ausência de camas, esgotos abertos e ratos que passeiam entre os presos, sendo necessário
lembrar que as visitas íntimas ocorrem nestas celas. Além disso, há ainda as celas de isolamento,
nas quais os presos que, segundo funcionários de um presídio do estado, tenham descumprido
alguma ordem, são colocados afastados dos outros presos em, se isso é possível, condições
ainda mais desumanas.
Os relatórios apontam também para as denúncias de maus tratos, presos sem
atendimento médico, alguns necessitando do uso de sondas e outros de cuidados dentários.
58
Além disso, os presos se queixam da falta de assistência jurídica e da falta de celeridade na
condução dos processos.
As recomendações feitas ao final dos relatórios discorrem sobre a necessidade de
melhorias nos presídios, apontando para a necessidade de transferir urgentemente os presos e
de interditar um dos presídios da capital, devido às inúmeras violações aos direitos humanos.
As solicitações muitas vezes não são cumpridas e a realidade constatada nos relatórios mais
atuais é igualmente violenta.
Em 2012, o Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública
(LAPSUS/UFPB) realizou uma pesquisa junto aos familiares dos presos dos presídios de João
Pessoa. Os dados coletados a partir das 235 entrevistas realizadas confirmam os resultados
produzidos pelo relatório do CEDH (2012): são violações durante as revistas íntimas, momento
em que as familiares precisam tirar suas roupas, agachar várias vezes, muitas vezes têm suas
partes íntimas tocadas; agressões verbais e físicas por partes dos agentes penitenciários; acesso
à saúde precário, sendo muitas vezes necessário que as famílias levem os medicamentos para
seus parentes presos; celas sujas, lotadas, sem ventilação; relatos de comidas estragadas;
dificuldade no acesso à justiça, o que representa diretamente no desconhecimento dos direitos;
presos que ainda não foram julgados; presos que já cumpriram a pena, etc.
Historicamente, torna-se explícita a falácia em torno da prisão como produto da
humanização da justiça penal. Além de evidenciar a dissimetria de classes reproduzida em suas
engrenagens, a instituição prisional tem se apresentado como vil, obsoleta e fracassada, com
vistas aos seus objetivos formais (Bayer & Minagé, 2014). Por outro lado, considerando o que
coloca Foucault (2010), pode-se afirmar que o cárcere cumpre “com distinção” suas metas não
declaradas: a docilização de corpos e subjetividades, associada à produção de ainda mais
delinquência.
59
A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de
punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente
um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como
terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber. Compreende-se que a
justiça tenha adotado tão facilmente uma prisão que não fora, entretanto, filha de seus
pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso. ” (Foucault, 2010, p. 242)
A lógica prisional converte apenados em excedentes, configurando-se como um
verdadeiro depósito de “lixo humano”. Após o sequestro do corpo, da alma e do tempo do
condenado, a mortificação existencial (e por vezes física) delineia-se como o caminho
naturalizado pela justiça penal. Nesse sentido, as lógicas da vingança e da imposição do
sofrimento são postas em funcionamento regular, sob os olhares, quase sempre, míopes do
Estado e da sociedade (Wacquant, 1999).
A falácia da ressocialização
A questão da ressocialização é uma temática muito presente no cenário jurídico e
acadêmico. Mesmo entre aqueles que não defendem a forma como se constituem as prisões no
Brasil, com seu caráter violador, costuma-se pensar a ressocialização como função e objetivo
principal a ser alcançado pelas instituições prisionais. Apesar disso, as produções acadêmicas
ainda são relativamente novas e escassas. Entendendo que essa discussão abrange questões
complexas, se faz necessário, primeiramente, relembrar alguns pontos essenciais nesse debate.
No Brasil, no século XIX, o processo de medicalização foi responsável pelas alianças
entre a Psiquiatria e Criminologia, que passaram a discutir a relação crime e doença a partir da
perspectiva lombrosiana. O processo de fortalecimento do pensamento positivista no Brasil e,
especificamente, na construção da criminologia brasileira se deu através da importação de
teorias europeias e da implantação da medicalização social. Foi com esta última que se
60
intensificaram as propostas de se pensar o cárcere não mais como instituições depósitos, mas
como instituições terapêuticas, cuja finalidade deveria negar a ideia de exclusão e punição
(Rauter, 2003).
A proposta era de que as prisões constituíssem espaços organizados e higienizados, que
limitassem a convivência entre os presos. O objetivo central era disciplinarizar o cárcere.
Entendendo a realidade do sistema prisional brasileiro, nota-se que esse processo de
disciplinarização das prisões ocorreu de forma gradual e nunca finalizada. Com isto, o retrato
atual dos presídios no Brasil é repleto de instituições depósitos majoritariamente, ao lado de
alguns espaços em que se opera a tecnologia disciplinar.
O discurso médico passa a andar lado a lado com o discurso jurídico, importando teorias
europeias e avançando nas discussões sobre quem seriam os criminosos. A teoria lombrosiana
ganha espaço no cenário jurídico e na sociedade, pois o criminoso passa a ser o foco e suas
características passam a serem identificadas em seus traços físicos. Ainda na corrente
positivista, as discussões ganham um novo olhar e, dando continuidade aos pensamentos de
Lombroso, os estudos de Ferri passam a ganhar espaço. Para além das causas biológicas, passa-
se a falar das causas sociais, dos hábitos de vida e dos comportamentos perigosos. A sociedade,
segundo Ferri, poderia ser dividida em três classes: a moralmente mais elevada, que nunca viria
a cometer um crime, a classe honesta, possuidora de condições favoráveis; a classe mais baixa,
composta por indivíduos pobres, ausentes de educação que, por consequência seria a classe de
delinquentes; e a classe dos que não são totalmente honestos, mas também não nasceram para
serem delinquentes (Lopes, 2002).
Nesse cenário de discursos terapêuticos, aliados ao pensamento da psicanálise criminal
e da própria pedagogia, o discurso da psiquiatria passa a promover as ideias de recuperação,
reeducação e readaptação dos apenados. A ideia da psiquiatria era de medicalizar a lei. A
tentativa era de passar para a medicina a tutela dos loucos criminosos, com a proposta de
61
ampliar os casos de inimputabilidade, defendendo a ideia de que os casos de loucura seriam
muito mais abrangentes do que a lei ou a prisão poderiam dar conta. Como aponta Cristina
Rauter (2003), a psiquiatria, mais do que fazer parecer que propõe a diminuição da ação
judiciária, age fortemente com a proposta de controle social e de repressão, através da defesa
de estratégias bem mais requintadas, aliadas ao discurso médico-científico. São os mesmos
controles, a mesma repressão, mas disfarçados de novas formas de gerir o crime a partir de um
aparato tecnológico da disciplina.
Longe de renunciar o seu público para os “cuidados” da Psiquiatria, a ideia era que o
próprio sistema penal conseguisse dar conta de todos os criminosos, modernizando seus
espaços, importando ideia dos saberes “psi” e fazendo uso dos conceitos médicos no seu
funcionamento. O Judiciário, na disputa de espaço com a Psiquiatria, não cedeu seu poder aos
saberes médicos, mas os incorporou ao seu funcionamento.
Caminhando na contramão da história europeia, a criminologia no Brasil, apesar das
importações teóricas, tem especificidades que apontam para o que parece óbvio: a história não
ocorre de forma linear e, no Brasil, as perspectivas criminológicas não cederam espaço para
que outras perspectivas surgissem, mas fundiram-se e hoje compõem os discursos sociais e
jurídicos (Rauter, 2003).
No século XIX e início do século XX, vimos o fortalecimento das ideias positivistas que
influenciaram diretamente à construção do Código Penal de 1890 e que persistem até os dias
atuais, seja na sociedade, no discurso jurídico ou no meio acadêmico. Já no final do século XX,
considerando a perspectiva da psiquiatria muito branda, o judiciário clamou pelo endurecimento
das leis e das penas, construindo, em 1940, o Novo Código Penal, cuja principal influência tem
base na perspectiva liberal, que, assim como as ideias positivistas, tem grande espaço na
realidade atual do Brasil.
62
A Psiquiatria trouxe, nessa aliança com os discursos juristas dos últimos séculos,
inovações voltadas para a defesa de que o criminoso seria o doente, que necessitaria de
tratamento e que a pena seria um benefício ao preso, a qual teria função de tratá-lo, buscando
cura e não a punição. Mais recentemente, com o fortalecimento das ideias liberais entre o
Judiciário, principalmente após a construção do Novo Código e da demanda de não ceder
espaço e perder poder para os saberes médicos, as propostas passam a comportar as ideias do
crime como escolha, da pena como medida justa em resposta ao ato negativo e a tradução do
que seria a proposta terapêutica da prisão passa para o paradigma atual, que seria a
ressocialização.
Nessas idas e vindas da história da criminologia no Brasil, nesse embaraço entre os
discursos liberais e positivistas, os discursos vagueiam entre perspectivas diferentes de controle
social e de forte conservadorismo, sendo cada vez mais fortalecidos na realidade brasileira. Os
discursos não avançam, apenas se reforçam, se atualizam e se mantêm circulando entre: a ideia
do criminoso como sujeito doente, que pode ser identificado por determinados traços, sendo
atualmente o público jovem, negro e pobre que compõe os grupos vistos como perigosos,
podendo alguns serem tratados e outros serem incapazes de alcançar a cura por sua natureza
criminosa; pela ideia de sociedade justa e igualitária, do direito penal imparcial, sendo o crime
uma escolha pessoal; e pelo clamor por penas mais severas. Nessa mistura de discursos
positivistas e liberais, a prisão tem sido, na prática, cenário das maiores violações aos direitos
humanos, palco de torturas intensas e, contraditoriamente, se constituindo, em teoria, como
espaço de possível reeducação ou ressocialização (Rauter, 2003).
No campo da ressocialização, o embaraço dessas duas perspectivas também é intenso.
Embora a ressocialização surja juntamente às ideias da criminologia positivista, da pena como
estratégia de tratamento, no Brasil, essa concepção não está dissociada do pensamento liberal.
A influência da Criminologia Liberal é notada ao se pensar a ressocialização como escolha
63
individual do preso e como fruto de seu esforço e merecimento. É necessário compreender que
a proposta de ressocialização é, antes de tudo, uma proposta de individualização da pena,
reduzindo ao preso a escolha de voltar ou não a cometer o crime. Dessa forma, discursos
perigosos são formados, entre eles o de que a prisão consiste em um espaço de possível
tratamento e que pode gerar consequências positivas aos que por ela passam e, por outro lado,
de que aquele que não consegue ser ressocializado, ou não se esforçou, ou não se arrependeu o
suficiente.
Partindo do que foi colocado como ressocialização e seu objetivo no âmbito prisional
brasileiro, alguns pontos precisam ser esclarecidos. O primeiro consiste em pensar na
ressocialização em um país cujo instrumento principal para lidar com a criminalidade é o
cárcere e onde o tratamento aos jovens negros e pobres tem sido ou o genocídio ou o
encarceramento.
No Brasil, alguns fatores peculiares escancaram o caráter falacioso da proposta da
ressocialização. Em 1992 a população carcerária alcançava 74 presos a cada cem mil habitantes.
Em dezembro de 2014, os dados saltaram para quase 300 presos por cem mil habitantes,
representando mais de 405% de crescimento (Karam, 2011). O recrudescimento da população
carcerária no Brasil, nas últimas décadas, representa uma ineficácia das propostas de políticas
de segurança pública em lidar com a violência no país, mas, mais do que isso, significa que as
prisões têm se constituído cada vez mais como principal instrumento para lidar com os
problemas sociais. A prisão vem se fortalecendo como instrumento essencial para promover a
manutenção da escala social vertical da sociedade, cuja função primordial é neutralizar e
exterminar os pobres, mantendo os privilégios da classe burguesa.
É nessa lógica de pensamento, desconsiderando a Questão Social como fenômeno
próprio do modo de produção capitalista, que o direito penal tem sido utilizado como resposta
64
à maioria dos problemas sociais no Brasil. “O direito penal torna-se o instrumento estatal
preferencial para a gestão de condutas no espaço público” (Souza & Azevedo, 2015, p. 76).
O segundo ponto a ser esclarecido refere-se ao fato de que mesmo que partíssemos da
perspectiva da ressocialização como objetivo a ser alcançado pela pena privativa de liberdade,
a própria realidade dos presídios brasileiros aponta para a desconstrução da eficácia dessa
proposta e, mais do que isso, aponta para a ineficácia das prisões em proporcionar condições
para que essa suposta ressocialização pudesse vir a se efetivar.
A LEP (Lei 7.210, 1984) assegura em seu art. 83 que “o estabelecimento penal,
conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados
a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”. Segundo os dados do
Infopen (2016), apesar da garantia em lei, apenas 20% da população carcerária tem acesso ao
trabalho dentro das prisões. Na Paraíba este número é ainda mais crítico, apenas 5%. Outro
ponto estabelecido na lei, em seu art. 32 é que “deverão ser levadas em conta a habilitação, a
condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas
pelo mercado”. Na maioria dos casos, os trabalhos exercidos pelos presos dentro dos presídios
consistem em atividades manuais, como costurar bolas, e ausentes de significados, cuja
proposta nada tem a ver com a realidade daqueles sujeitos fora das prisões. Para além disso, a
LEP também assegura a remuneração do trabalho do preso, não podendo ser inferior a três
quartos do salário mínimo (art. 29). No entanto, a realidade aponta que muitas vezes esse
trabalho é sequer remunerado.
A LEP (Lei 7.210, 1984) também aponta para a necessidade da assistência educacional.
Em seu art. 17, discorre que essa assistência “compreenderá a instrução escolar e a formação
profissional do preso e do internado”, além disso, garante para os presos jovens e adultos cursos
supletivos de educação, além de cursos profissionalizantes. O Infopen (2016), sobre o nível de
escolaridade dos presos, aponta que apenas 9,5% chegaram a concluir o Ensino Médio. A
65
mesma pesquisa também mostra que apenas 13% da população carcerária participa de alguma
atividade educacional.
Em pesquisa realizada com familiares de presos pelo LAPSUS/UFPB nos presídios
masculinos de João Pessoa – PB em 2012, dos 235 familiares entrevistados, cerca de 88%
afirmaram que seu parente preso não exerce qualquer trabalho dentro dos presídios. Nos casos
de resposta positiva, 11,4%, os trabalhos exercidos consistiam em fazer artesanato, trabalhar na
cozinha ou nos serviços de limpeza. A mesma pesquisa apontou que 84,6% dos presos nunca
fizeram curso profissionalizante dentro dos presídios e apenas 13,6% já participaram de curso
de ensino regular nas instituições.
Os dados apontam para a ineficácia em promover educação e trabalho dentro das
prisões, mesmo sendo direito dos presos, garantido na Lei de Execuções Penais. Somando-se a
isto, apesar da falta de dados oficiais que registrem os números de reincidentes nas prisões
brasileiras, alguns estudos apontam para a taxa de 60% de reincidência. Os dados da pesquisa
do LAPSUS (2012) apontam que quase metade dos familiares afirmaram que seu parente preso
é reincidente.
Na prisão o governo pode dispor da liberdade da pessoa e do tempo do detento; a partir
daí, concebe-se a potência da educação que, não em só um dia, mas na sucessão dos dias
e mesmo dos anos pode regular para o homem o tempo da vigília e do sono, da atividade
e do repouso, o número e a duração das refeições, a qualidade e a ração dos alimentos,
a natureza e o produto do trabalho, o tempo da oração, o uso da palavra e, por assim
dizer, até o do pensamento, aquela educação que, nos simples e curtos trajetos do
refeitório à oficina, da oficina à cela, regula os movimentos do corpo e até nos momentos
de repouso determina o horário, aquela educação, em uma palavra, que se apodera do
homem inteiro, de todas as faculdades físicas e morais que estão nele e do tempo em
que ele mesmo está (Lucas, 1838 apud Foucault, 2010, p. 222).
66
Ademais, mais que a influência econômica ou a proposta de formar habilidades úteis, o
trabalho penal constitui uma relação de poder, através de atividades vazias de significados, mas
eficientes em submissão individual e ajustamento ao aparelho de produção. Para Foucault
(2010), o trabalho penal tem função de ocupar o detento com atividades puramente mecânicas,
promovendo hábitos de obediência e assujeitamento, eliminando a ociosidade através de
movimentos regulares. “A prisão não é uma oficina; ela é, ela tem que ser em si mesma uma
máquina de que os detentos-operários são ao mesmo tempo as engrenagens e os produtos; ela
os ‘ocupa’ ” (Foucault, 2010, p. 229).
O terceiro ponto consiste em compreender a prisão como espaço cuja função não é
proporcionar consequências positivas aos que passam por ela. É preciso discutir a função da
instituição que tem sido pensada como instrumento para promover a “reeducação’’ e mudança
no comportamento dos sujeitos presos. O cárcere, como coloca Baratta (2002), tem, antes de
tudo, papel de produzir sujeitos desiguais e passivos dessa relação de desigualdade. O cárcere
representa um dos braços da política criminal burguesa, sendo o momento culminante do
processo de criminalização e consistindo na consolidação efetiva da carreira criminosa dos que
passam a fazer parte de seu funcionamento. Baratta (2002) avança e afirma que, longe de ser
uma resposta justa, a prisão é um aparelho de produção de criminalidade, de produção de uma
população criminosa selecionada, com cor e classe específicos.
As prisões surgem com o nascimento do sistema capitalista e, inicialmente, se
apresentaram com o objetivo de inserir e ajustar a classe proletária ao ritmo de trabalho
industrial que se fortalecia e, para tanto, os camponeses que haviam se deslocado após o término
do sistema feudal, e que formavam uma grande massa de “vadios”, precisavam ser relocados e
ocupados. A pena, portanto, se coloca inicialmente com proposta de disciplinar as massas
desocupadas e ajustá-las através do regime de trabalho imposto nas instituições prisionais.
67
Apesar das concepções de “reeducação” e “reabilitação” serem mitos burgueses porque,
como está mais que comprovado, o aprisionamento exerce efeitos contrários a uma
possível inclusão positiva do sujeito à sociedade, elas têm sentido na origem do
capitalismo, quando a nascente burguesia precisou inserir o proletariado no monótono,
rotineiro e mecânico ritmo do trabalho industrial moderno. Com efeito, se os operários
não se submetiam à exploração, se não conseguiam vender sua força de trabalho – fosse
por razões voluntárias ou involuntárias – eles encontrariam no aprisionamento um local
onde a exploração era o destino certo, e, aliás, sem o recebimento de um salário.
Portanto, para os capitalistas, o aproveitamento dos internos no trabalho era ainda mais
lucrativo (Kilduff, 2010, p. 243).
Nos dias atuais, a utilização do trabalho e educação como estratégias de disciplinamento
ainda estão presentes, inclusive nos discursos acadêmicos. Para Baratta (2002) a prisão não
pode ser reconhecida como espaço que proporcione a reeducação, fato que pode ser
comprovado pelo histórico de fracassos reformistas das instituições penais na tentativa de
atribuir o caráter educativo e curativo à pena. A finalidade das prisões seria, então, a
neutralização e extermínio daqueles sujeitos para os quais não há lugar na sociedade que não
seja o cárcere (Kilduff, 2010).
O ponto de vista de como encaro o problema da ressocialização, no contexto da
criminologia crítica, é aquele que constata – de forma realista – o fato de que a prisão
não pode produzir resultados úteis para a ressocialização do sentenciado e que, ao
contrário, impõe condições negativas a esse objetivo. Apesar disso, a busca da
reintegração do sentenciado à sociedade não deve ser abandonada, aliás precisa ser
reinterpretada e reconstruída sobre uma base diferente (Baratta, 1990, p. 142).
Deve-se entender que a proposta de ressocialização é uma proposta de disciplinarização
de sujeitos, que se submetem ao modelo capitalista, e que utiliza o trabalho e a educação como
68
forma de controle e adestramento. O que não implica dizer que o trabalho e a educação - não
da forma como tem se constituído - não devam ser pauta na luta por melhorias do cárcere. No
entanto, é necessário pensá-los, assim como a saúde, a partir de uma perspectiva crítica, que
não reduza o sujeito encarcerado a atividades puramente mecânicas e desconectadas de
qualquer proposta emancipatória.
A prisão não consiste em uma instituição de controle da criminalidade, mas sim de
potencialização das violências, fundamental no funcionamento do sistema capitalista e que, por
isso, precisa ser extinta. No entanto, isso não implica o engessamento da luta pela garantia de
direitos humanos dentro desses locais. Entende-se que para as demandas atuais e cotidianas, o
Garantismo Penal consiste em uma saída possível e necessária, no sentido de que:
(...) estabelece critérios de razoabilidade e civilidade à intervenção penal,
deslegitimando toda estrutura punitiva que projete uma ideologia de “defesa social”
sobrepondo-se aos direitos fundamentais. Trata-se de um instrumento de luta
(acadêmica, jurídica, social etc.) contrário à irracionalidade do Estado e aos interesses
privados da barbárie em curso (Silva Junior, p. 136).
No entanto, parte-se do entendimento de que a perspectiva garantista é insuficiente para
pensarmos em possibilidades a longo prazo e, sozinha, limita-se a propostas meramente
reformistas. É pela via do Abolicionismo Penal que é possível discutir práticas e estratégias que
possam romper com o sistema penal como um todo.
Todo este conjunto em aberto de reformas penais em escala planetária reconhece que a
prisão é um fracasso, o sistema penal, injusto, lento, retrógrado. Cada reforma apenas
repõe – e isso deve ser dito – um círculo viciado de justiça penal que não suporta o que
escapa da padronização político-cultural (Passetti, 2004, p. 24).
O desafio aos abolicionistas é, de fato, pensar em propostas de educação e trabalho não
alienantes, atuar nas fissuras, sabendo da urgência e da necessidade de se lutar contra as
69
situações atuais e reais de torturas, porque estão postas e não podem esperar; mas, entendendo
também que atuar no cotidiano, minimizando as mazelas, apesar de necessário, trata-se apenas
de técnica de “enxugar gelo”, tendo em vista que o cárcere tem por função a produção constante
de sofrimento.
O abolicionismo penal é uma prática anti-hierárquica que não se limita ao sistema penal.
Trata da demolição de costumes autoritários difundidos na cultura ocidental, ancorados
na autoridade central de comando com o direito de dispor dos corpos (Passetti, 2004, p.
11).
Desse modo, entende-se que o desafio deve ser atuar no presente e possibilitar que não
se perca de vista a superação do modelo de sociedade atual e, consequentemente, a abolição das
prisões.
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Capítulo 2: A Psicologia no Contexto Prisional
“Então precisamos nos perguntar que tipo de Psicologia temos produzido, que tipo de
Psicologia continuaremos produzindo, que tipo de críticas e silêncios faremos diante
disso” (Cecília Coimbra).
Histórico da Psicologia Jurídica no Brasil
O século XIX esteve marcado pela ascensão do sistema capitalista e, consequentemente,
pelas novas formas de produção e de relações de poder. O desenvolvimento desse modo de
produção implicou novas formas de controle do tempo, dos sujeitos e dos espaços que esses
estivessem inseridos para garantir maior produção e, consequentemente, maior lucro. As novas
formas de controle da força de trabalho impulsionaram uma série de mudanças nas relações
sociais, principalmente na organização das relações familiares. A família passou a ser um
espaço que necessitava de organização e controle, para que se pudesse garantir a manutenção
da força de trabalho (Parker, 2014).
O capitalismo, marcado pela exploração dos recursos naturais e do trabalho, modificou
as formas de pensar e impulsionou a busca pelo conhecimento, o qual deveria ser objetivo,
científico e “neutro”. É nesse cenário, em meio às transformações das relações econômicas e
sociais e, na busca por novas formas de conhecimentos que pudessem oferecer suporte para o
controle da força de trabalho, que a Psicologia se construiu (Parker, 2014).
Ao passo que as necessidades do Estado foram ampliadas, a preocupação voltou-se para
os espaços das fábricas e para as formas de controle que pudessem tornar os sujeitos em
trabalhadores úteis e produtivos. Desse modo, a atuação da Psicologia no contexto da família
passou a não dar conta dos que conseguiam escapar do funcionamento do modo de produção
capitalista. Passou a ser necessário lidar com os pobres e “vagabundos” e com aqueles que, de
alguma forma, pudessem atrapalhar o movimento de produção, surgindo a necessidade de
peritos e técnicos para controle social.
71
A psicologia é um aparato composto por ideias e práticas que emergiu quando a
reprodução das concepções de individualidade isolada, necessárias à manutenção da
ordem do capital, encontrou na construção de uma ciência parcial um momento
importante para a disseminação da estrutura de comando da burguesia (Lacerda Junior,
2010, p. 20)
Os primeiros estudos produzidos pela Psicologia estiveram voltados para a área
experimental, frequentemente considera-se que seu surgimento estaria associado aos
experimentos de Wundt no laboratório de Leipzig, em 1879. As pesquisas iniciais foram
realizadas com especialistas, pessoas treinadas para a prática da observação e relatos de
experiência, e estavam totalmente distanciadas da realidade. Foi somente quando os
experimentos foram ampliados para o público em geral que eles passaram a ser marcados,
principalmente, pela separação do sujeito dotado do saber – o perito – e aquele que deveria ser
manipulado, mensurado e controlado – o sujeito, objeto da pesquisa. O caráter de neutralidade
e de objetividade eram amplamente defendidos e aliavam-se à crença da construção de teorias
imparciais (Parker, 2014).
No final do século XIX, nota-se o fortalecimento das práticas periciais voltadas para os
crimes cometidos por adultos, nas quais solicitava-se o auxílio de outros saberes – entre eles, o
da Psicologia – para embasar o Direito cientificamente. Desse modo, a primeira aproximação
da Psicologia com o Direito se deu através de práticas de averiguação da veracidade dos
discursos dos sujeitos envolvidos em processos jurídicos, a partir de estudos sobre memória,
associação de ideias, percepção e sentidos, campo que ficou conhecido como Psicologia do
Testemunho. A participação da Psicologia, nesses casos, se deu pela elaboração de documentos
que pudessem fornecer, apoiados em dados empíricos, subsídios para a Justiça (Altoé, 2011).
Nota-se, assim, que a Psicologia nasce como suporte para novas técnicas de controle das
massas e, o campo específico ligado às questões jurídicas, surge como ponto de apoio para
72
legitimar as práticas do Judiciário de reprodução de estereótipos e criminalização da pobreza.
De modo que as primeiras práticas do psicólogo no âmbito jurídico eram de cunho pericial e
estavam voltadas para elaboração de pareceres técnico-científicos com objetivo de atender a
demanda do judiciário e fornecer documentos que pudessem fundamentar as decisões dos
juízes.
Nesta relação inicial, as práticas psicológicas, que consistiam majoritariamente na
elaboração de psicodiagnósticos para realização de perícia, estiveram fortemente influenciadas
pelo ideal positivista, a partir da adoção de métodos científicos, utilizados pelas ciências
naturais e agora inseridos no campo das ciências humanas, e pela defesa do caráter universal,
objetivo e neutro de suas produções (Altoé, 2011; Brito, 2005).
A preocupação em torno do diagnóstico centrava-se em traduzir em números a avaliação
feita nos diferentes clientes. “Seu QI é de...”, “apresentou escore…no teste...”, como
previsto pelo Positivismo, que cobrava das Ciências Humanas e Sociais o uso do método
quantitativo, utilizado pelas denominadas Ciências da Natureza, acreditava-se que
aquilo em que era possível apontar objetividade era considerado científico (Brito, 2005,
p.12).
No século XX, seguindo a tradição positivista, era esperado que os psicólogos
produzissem conhecimento baseado em evidências, para que, assim, fossem capazes de predizer
comportamentos e também de controlá-los. Com o intenso desenvolvimento industrial, a
demanda do capitalismo voltou-se para a produção de trabalhadores capazes de lidar com
condições mais sofisticadas de trabalho, e foram essas necessidades que ditaram os trabalhos e
estudos da Psicologia da época. O foco voltou-se para aqueles que não se adaptavam ao que o
capitalismo exigia deles, logo, a necessidade de regular os diferentes, os desajustados, os
anormais (Parker, 2014).
73
Dessa forma, a inserção da Psicologia no campo jurídico se deu, principalmente, com
enfoque da psicopatologia, através da realização de testes psicológicos. Desse modo, o
psicólogo foi visto, durante a primeira metade do século XX, como testólogo. A utilização
desses testes servia também às demandas já citadas do capitalismo e estava intrinsicamente
ligada à ampliação de técnicas punitivas (Miranda Junior, 1998).
As práticas iniciais centradas no modelo pericial estavam voltadas para a classificação
e controle dos sujeitos e tinham, em sua maioria, análises descontextualizadas e objetificadas,
servindo apenas como técnica de exame, cujo público principal era das classes sociais mais
pobres, os loucos e os “menores” (Miranda Jr, 1998). A busca por uma neutralidade e
objetividade nesse campo resultou em uma Psicologia Jurídica instrumentalista, distanciada das
dimensões sociais, políticas, econômicas e culturais que perpassam qualquer fenômeno
(Arantes, 2004).
Destaca-se que, não se trata, aqui, de iniciar um debate acerca do uso das Ciências da
Natureza e Matemática na Psicologia, nem de discutir sua validade, mas de sinalizar a
importância de não reduzir as práticas da Psicologia no âmbito jurídico ou qualquer outro à
produção de verdades absolutas e descontextualizadas. Trata-se, portanto, de compreender que
existem coisas que simplesmente não podem ser matematizadas (Arantes, 2004).
As ideias de Lombroso da existência de um criminoso nato e da proposta de que o ato
criminoso faz parte de uma personalidade doente e incurável, trouxeram para o campo das
patologias as causas da criminalidade. Surgiu, com a Escola Positivista, distanciando-se do que
é proposto pela Escola Clássica – cujo foco estava centrado no crime- a concepção na
criminologia de sujeito perigoso. É a partir desta perspectiva criminológica e do mito do sujeito
perigoso que se é colocada a noção de periculosidade como elemento central na construção das
políticas criminais (Figueiró, 2015).
74
O conceito de periculosidade surge, portanto, com as Ciências Criminais por volta do
século XIX, e está intrinsicamente ligado às práticas atuais da Psicologia no campo criminal. O
delito passa a ser o elemento revelador e central na constituição do sujeito delinquente,
produzindo a personalidade criminosa. Em 1932, Mira y López, através do Manual de
Psicologia Jurídica, já apontava para o uso da avaliação psicológica e suas ferramentas para
diagnosticar os chamados delinquentes e criminosos, com finalidade de intervir e resolver os
problemas de desajustamento.
No Brasil, foi o Código Penal de 1940 que instaurou legalmente os conceitos de
periculosidade, anormalidade, personalidade, entre outros construídos pelos saberes médico e
jurídico, marcando fortemente o crescimento da demanda em se prever, analisar e controlar
comportamentos “desviantes”. Para Cruz (2014, p. 71), “aqui, criamos o nosso próprio
“criminoso nato” ’, sujeitos bem definidos pela cor e pela classe social, considerados mais
propensos ao crime e nos quais as políticas criminais devem centrar suas práticas, focalizando
neles todas as ações punitivas e disciplinarizadoras com objetivo de manter a ordem social.
A influência positivista nos chegava não apenas através das obras europeias mas,
igualmente, dos congressos internacionais, sendo seus postulados acatados
acriticamente, devido à sua utilidade e ao seu caráter cientifico (logo irrefutável), como
“normas universais” por uma minoria ilustrada. Se aqui os fatos não se adequassem à
teoria... ora, pior para os fatos (Cruz, 2014, p. 73).
A individualização das penas e a ideia de sujeitos de personalidade perigosa ganharam
força, trazendo como consequência a necessidade de procedimentos e técnicas que pudessem
detectar o perfil do criminoso e proporcionar as “melhores” formas de tratamentos penais. A
prisão passa a ser, portanto, cenário de atuação de especialistas com olhares científicos, cuja
principal função seria auxiliar a tomada de decisão para mudança de regime penitenciário
(Rauter, 2003).
75
Cabe frisar a importância que esses pareceres e laudos tinham sobre o futuro de cada
preso, pois eram esses documentos que definiam o tratamento e a permanência ou não dessas
pessoas nas unidades prisionais. O aparelho judiciário esperava um retrato fiel do criminoso e
previsões, com caráter científico, do que cada preso poderia vir a fazer, assim como das
possibilidades de reincidência (Rauter, 2003).
Virão laudos que são piores do que devassas a pretexto de anamneses, com diagnósticos
arbitrários e prognósticos fatalistas. A vida do réu e, também, a da vítima são
vasculhadas. O anátema atinge a família por uma conjectura atávica. O labéu ultrapassa
gerações. Remotos e ridículos preconceitos distribuem estigmas. O processo penal, além
de todas as ocupações e preocupações, será atado ao torvelinho dos habituais e
tendenciosos falsários bem pagos, com humilhações e vexames para o acusado e sua
família, para a vítima e sua família, com base em ‘quadrinhos’ e formulários (Lyra, 1977
citado por Carvalho, 2004, p. 147).
Para Rauter (2003), o aparelho judiciário “é a instância que possibilita e assegura as
condições de exploração que um grupo de indivíduos exerce sobre outro na sociedade” (p. 19).
Para tanto, faz uso da violência explícita como a atuação policial e as prisões, e, para além disso,
faz uso de saberes que possam instrumentalizar e validar tais práticas repressivas, dando caráter
de cientificidade.
No Brasil, a relação entre a Psicologia e o Direito é datada desde antes da
regulamentação da própria profissão de psicólogo, que se deu a partir da Lei 4.119 (1962). É
difícil delimitar precisamente a data da inserção dos psicólogos nesse campo, porém, alguns
marcos foram especialmente importantes para que a discussão acerca da atuação dos psicólogos
nessa área possa ser problematizada.
Cabe ressaltar que o fim da ditadura militar e, consequentemente, a maior abertura
política, especialmente no eixo Rio - São Paulo- Belo Horizonte nos anos 80, intensificaram as
76
discussões acerca da elaboração da Constituição Brasileira e os debates sobre garantia de
direitos humanos e cidadania. Fruto dessas discussões e de inúmeras mobilizações, trazendo a
perspectiva de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e atentando para a
responsabilidade do Estado, da sociedade civil e da família; e substituindo o Código de Menores
(1979), foi promulgado a Lei n. 8069/90 (ECA). Entre os vários avanços proporcionados pelo
ECA pode-se mencionar a mudança em relação ao tratamento das crianças e dos adolescentes
que cometeram algum ato infracional (Altoé, 2001).
No campo da Psicologia Jurídica, a promulgação do ECA impulsionou mudanças na
prática dos psicólogos no âmbito da Justiça, principalmente nos trabalhos desenvolvidos junto
às Varas da Família e Infância e Juventude, suscitando também questionamentos sobre a
elaboração dos psicodiagnósticos e promovendo debates acerca de novas formas e
possibilidades de atuação.
No que se refere à área acadêmica, destaca-se a prevalência da perspectiva positivista
nos primeiros passos da Psicologia Jurídica dentro das universidades. A pioneira no campo foi
a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que, em 1980, a partir das demandas dos
psicólogos pela realização de exames para atender os operadores do direito criou o curso de
“Psicodiagnósticos para fins jurídicos”, o qual estava vinculado ao departamento clínico.
Somente seis anos após a criação do curso, a partir da realidade e das discussões que estavam
sendo produzidas no campo da defesa por direitos humanos e pela desvinculação da prática dos
psicólogos à elaboração exclusiva dos psicodiagnósticos, foi realizada uma reformulação,
transferindo-o para o departamento de Psicologia Social e tornando-o em um curso de
especialização em Psicologia Jurídica.
No âmbito prisional, embora registros não oficiais remetam à inserção dos psicólogos
há mais de 40 anos, foi com a promulgação da LEP, em 1984, que instituía a necessidade da
realização de exames criminológicos, que o psicólogo começou a se inserir, apoiado em lei, no
77
cenário prisional (Lago et al, 2009). A LEP (1984) aborda a necessidade da Comissão Técnica
de Classificação (CTC), a qual se constitui por um diretor e, no mínimo, por 2 chefes de serviço,
1 psiquiatra, 1 psicólogo e 1 assistente social.
A CTC tem como objetivo elaborar o parecer técnico para orientação jurídica à
progressão e o programa de individualização da pena privativa de liberdade adequado ao
condenado ou preso provisório a partir de exames gerais e criminológicos. Em seu artigo 8º, a
LEP (1984) determina: “O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em
regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos
necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução”. Além
disso, conforme o artigo 176 da lei, poderá o Juiz “ordenar o exame para que se verifique a
cessação da periculosidade”.
O exame criminológico era construído, principalmente, a partir da coleta da história do
sujeito examinado. Fazia-se necessário entender o histórico familiar do preso, mas não como
forma de problematizar as questões sociais e a possível ausência do Estado durante sua vida,
mas sim, para detectar traumas e aspectos familiares e afetivos que pudessem determinar o
cometimento do crime. O exame construía-se, majoritariamente, na produção da relação causa-
efeito, em acontecimentos dados, descontextualizados. Constantemente, a família era o alvo
principal de culpabilização para o sujeito ter cometido o crime. Aqueles que não tinham pais
ou, quando tinham, esses eram alcoólatras, prostitutas ou ausentes, eram, em geral, o perfil de
quem havia entrado para o mundo do crime. A ausência de políticas públicas efetivas, a
condição social e, enfim, todas as dimensões socioeconômicas que perpassam essa discussão,
não eram consideradas na construção do exame criminológico. “Um determinismo cego,
mecânico e simplista é o que caracteriza estes laudos de exame” (Rauter, 2003, p. 90). Em nota
técnica, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) esclarece que:
78
O exame criminológico realizado por psicóloga (o) que atua como profissional de
referência e em programas de reintegração social não é compatível com os princípios
éticos e técnicos da profissão. O exame é considerado uma perícia, e este profissional
de referência desenvolve um vínculo com a pessoa atendida, inviabilizando a
imparcialidade / neutralidade para a produção da prova pericial. Outro aspecto
importante a considerar é a ausência de condições para análise contextualizada do
indivíduo que considere os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no
psiquismo (Nota Técnica sobre a suspensão da Resolução CFP 012/2011, 2015, p.5).
Enquanto os psicólogos buscam “neutralidade” e os acontecimentos que possam
determinar o crime, culpabilizando a família ou levando o crime para a dimensão individual e
biológica, a relação do preso com o exame se dá por pura simulação, possuindo todas as
justificativas para se constituir assim. É de conhecimento do preso o que o profissional que o
está indagando quer ouvir: o conformismo, a ausência de emoções, o arrependimento. Não
existe, nessa relação perito-preso, qualquer verdade. O profissional tem o poder de definir o
futuro de quem o responde e, sabendo disso, cabe ao preso saber o que responder, mostrar
arrependimento do ato cometido, confirmar o que consta nos autos e não demonstrar, em
nenhum momento, qualquer resistência ou crítica às diversas violações sofridas, pois “a fala do
detento deve ser a fala dos autos” (Rauter, 2003, p. 101). Não se considera, por exemplo, a
forma como a maioria daquelas pessoas foi presa, a forma como esses autos são produzidos e a
forma como as provas dos casos são recolhidas, mediante, em sua maioria, a prática de torturas
físicas e psicológicas e ausência de defensor.
Ainda mais assustador é pensar que se parte do pressuposto de que o “tratamento”, o
ambiente regenerador dessa personalidade perigosa é a prisão, local que por si só já se configura
como violento, e soma-se a esses fatores o fato de que as prisões hoje são verdadeiros campos
de concentração. A ideia de pena-prisão como possibilidade para qualquer consequência
79
positiva é pura falácia, e a função da produção desses documentos é fabricar a ideia da prisão
como eficaz (Rauter, 2003).
A Psicologia brasileira precisa se voltar para a sociedade. Precisa se perceber como uma
intervenção política na sociedade. A história de nossa ciência e de nossa profissão
mostra que sempre estivemos comprometidos com interesses sociais. Sempre fizemos
de nossa ciência e de nossa profissão um instrumento político. No entanto, a revisão
histórica mostra que estivemos comprometidos com os interesses das elites brasileiras.
Queremos, com a perspectiva histórica na Psicologia, reverter esse processo e nos
comprometermos com outros setores da população (Bock, 2004, p.10).
Ainda hoje é nítida a presença de discursos que estigmatizam e estereotipam baseados
na defesa pela suposta cientificidade tão disseminada no século XIX. A prática atual, mesmo
com seus avanços, ainda está marcada por ideias de associação da pobreza com a criminalidade;
de periculosidade; do sujeito perigoso; de família desestruturada; da falta de trabalho como
caracterização de um sujeito preguiçoso com possibilidade de cometimento de um crime. Esses
discursos se atrelam à proposta de ressocializar, tratar, recuperar e quase sempre, a punição, os
mecanismos de controle social e a prisão, são vistos como espaços em que essas ideias podem
se efetivar (Arantes, 2004).
Foucault (2010) discorre sobre a necessidade de se atentar para as verdades produzidas
por esses saberes e como elas estão intrinsicamente ligadas à produção de uma realidade que
ajuda a legitimar práticas de normalização e ajustamento. Portanto, é fundamental
problematizar as práticas e repensar o lugar do psicólogo dentro das instituições prisionais,
pensando também em possiblidades de atuação, na reflexão acerca das políticas públicas e na
análise de condições para que os direitos humanos sejam respeitados. É necessário ressignificar
as demandas impostas e refletir sobre as transformações no campo social para romper com a
lógica estritamente individual. Ademais, pensando no compromisso social, há necessidade de
80
ocupar os espaços para além de apenas aumentar o número de psicólogos nesses campos, mas
também em construir respostas a partir das demandas da população, rejeitando teorias e técnicas
desvinculadas das particularidades de cada cultura.
Se entendermos a Psicologia, assim como Política, não em cima desses modelos
hegemônicos pelos quais nos guiamos, mas como produções históricas, como territórios
não separados, mas que se complementam e se atravessam constantemente, poderemos
encarar nossas práticas não como neutras, mas como implicadas no e com o mundo
(Coimbra, 2002, p. 10).
Assim, delimitado o percurso da Psicologia Jurídica no Brasil, destaca-se seu histórico
no comprometimento com as elites brasileiras e sua contribuição na criminalização de pessoas
pobres e negras, além da análise da importância de alguns marcos legais, como o ECA, na
proposta de repensar essas práticas. Isto posto, considerou-se necessário adentrar nos meandros
mais técnicos do trabalho dos psicólogos nesse campo de atuação, especificamente sobre o que
vem sendo produzido e discutido acerca da atuação desses profissionais nas prisões brasileiras.
Documentos norteadores para a prática do psicólogo no âmbito prisional
A prática do psicólogo, especificamente no sistema prisional, vem sendo realizada ao
longo dos anos sem uma formação específica na área e sem se constituir como uma discussão
presente nas universidades. As influências positivistas e liberais nas práticas e estudos desse
campo sempre foram majoritárias. No entanto, nos últimos anos, uma série de questionamentos
sobre a utilização dessas perspectivas, das práticas de mensuração e previsão de
comportamentos foram levantados, provocando discussões sobre o campo e também sobre a
inserção desses profissionais.
Os novos debates sobre o trabalho do psicólogo nos presídios estão longe de serem
consensuais, seja pelas divergências de concepções dentro da Psicologia, seja pelo próprio
81
modo como o judiciário entende o papel do psicólogo nos espaços jurídicos/prisionais. Apesar
disso, alguns avanços podem ser identificados nas discussões produzidas ao longo dos últimos
anos. Dessa forma, o objetivo desta seção é identificar alguns dos principais documentos
norteadores produzidos sobre o trabalho do psicólogo no sistema prisional brasileiro e, a partir
desses, discutir os avanços, limites e desafios na prática dos profissionais que atuam nesse
campo.
Foi com o objetivo de suscitar novas formas de se pensar e novos caminhos para a prática
da Psicologia nas instituições prisionais que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) junto ao
Ministério da Justiça, em 2007, propôs as Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do
sistema prisional brasileiro (2007), as quais apontavam que o psicólogo deve visar:
2. Atuar de forma a desconstruir o conceito de que o crime está relacionado unicamente
à patologia ou história individual, ao biográfico, e enfatizar os dispositivos sociais que
promovem a criminalização;
3. Promover dispositivos junto às pessoas presas que estimulem a autonomia e a
expressão de sua individualidade, disponibilizando recursos e meios que possibilitem
sua participação como protagonistas na execução da pena (p. 104).
As Diretrizes propostas pelo CFP (2007) têm como objetivo problematizar a prática da
Psicologia dentro do sistema prisional, buscando uma nova forma de lidar com a criminalidade,
pautada pelos direitos humanos, pela justiça e, principalmente, pela educação, por meio de uma
formação continuada que propicie a reflexão crítica constante do saber/fazer. As Diretrizes
propõem a transdisciplinaridade, a qual busca uma “compreensão crítica dos fenômenos sociais,
econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais ao exercício da cidadania e da
profissão” (p. 113).
Além dessas questões, o documento trouxe também a discussão acerca da produção do
exame criminológico. No debate, foi apontada a necessidade da desconstrução do trabalho do
82
psicólogo nas previsões de comportamentos e foram elaboradas críticas à permanência da
associação da atuação da Psicologia no campo prisional aos exames e às CTC’s.
Enquanto não for abolido, o psicólogo, na construção dos seus laudos e pareceres, deve
contribuir para a desconstrução de tal exame, questionando conceitos como a
periculosidade e a irresponsabilidade penal, realizando-os numa abordagem
transdisciplinar, como um momento de encontro com o indivíduo, resgatando o saber
teórico e contribuindo para revelar os aspectos envolvidos na prisionalização (CFP,
2007, p. 106).
Com a proposta de dar continuidade às problematizações acerca do lugar do psicólogo
dentro do sistema prisional e do funcionamento das unidades prisionais, o CFP divulgou outro
documento, em 2010, voltado para o debate sobre esse campo de atuação, intitulado Atuação
do psicólogo no sistema prisional (CFP, 2010). Trata-se de um relatório que abarca uma série
de questões sobre a ineficácia do sistema prisional brasileiro, problematizando o clamor da
sociedade e o apelo midiático por medidas punitivas, que, historicamente, não têm conseguido
dar conta da criminalidade no país e, muito pelo contrário, têm por objetivo a criminalização
das classes mais baixas e de jovens negros. Além disso, apontou para a necessidade de
problematizar o dispositivo da prisão enquanto instrumento de extermínio que, embora no
campo legal, aponte para a finalidade de promover a ressocialização e colaborar com
diminuição da violência, na prática tem servido para neutralizar pessoas e produzir
delinquência.
Assim, o relatório consiste em um passo importante na discussão, ao trazer de forma
objetiva o posicionamento acerca das funções reais da prisão, enquanto instrumento produtor
de mais violência, incapaz de educar, e cujas preocupações e funções primordiais são a punição,
o extermínio e a garantia da manutenção do modo de produção vigente. As discussões sobre a
função das prisões dentro da sociedade capitalista e, especificamente, dentro do cenário
83
brasileiro, são fundamentais para compreender o lugar do psicólogo nesse espaço, romper com
as práticas positivistas - cujo objeto de estudo reduz o sujeito preso ao crime cometido - e trazer
para debate a função do psicólogo como profissional que vise a desconstrução dos estigmas
produzidos pelo cárcere.
Outros dilemas perpassam a Psicologia no contexto prisional, destacando-se a ausência
de consenso dentro da própria Psicologia no que se refere ao que cabe ao psicólogo nesses
espaços e, também, a sua relação com o Judiciário. Ainda em 2010, o CFP regulamentou através
da Resolução 009/2010 a atuação do psicólogo no âmbito do sistema prisional. Este avanço foi
fruto de uma série de discussões fomentadas em espaços de eventos regionais e nacionais, como
o I Encontro Nacional de Psicólogos do Sistema Prisional; os Congressos Nacionais de
Psicologia, realizados entre 2004 e 2010; o II Seminário Nacional sobre o Sistema Prisional,
realizado no Rio de Janeiro, no qual deflagrou-se a moção contra o exame criminológico; o
Seminário Psicologia em Interface com a Justiça e Direitos Humanos: Um Compromisso com
a Sociedade, promovido em Brasília em 2009.
A Resolução 009/2010 previa a garantia dos Direitos Humanos e a desconstrução da
ideia de patologização e individualização do crime. A resolução foi um marco no que se refere
às novas formas de pensar Psicologia, pois colocava, em seu Art. 3º, como atribuição do
psicólogo, a contribuição “na elaboração e proposição de modelos de atuação que combatam a
culpabilização do indivíduo, a exclusão social e mecanismos coercitivos e punitivos”. O avanço
também aconteceu no sentido de que o psicólogo não mais poderia realizar o exame
criminológico, pedido pela LEP, nem participar de ações que envolvessem caráter punitivo e
disciplinar.
a) Conforme indicado nos Art. 6º e 112º da Lei n° 10.792/2003 (que alterou a Lei n°
7.210/1984), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar
exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de
84
caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação
psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do
sentenciado (Resolução 09, 2010, p. 2)
Apesar do avanço que a referida Resolução trouxe, as divergências acerca do papel do
psicólogo no sistema prisional se intensificaram, fato que motivou a reformulação da
Resolução, tendo em vista que alguns psicólogos se sentiam lesados pelo que estava disposto
no documento. Dessa forma, foi elaborada a Resolução 012/2011, substituta da Resolução
produzida em 2010. Embora não vede a realização do exame criminológico, a nova resolução
normatiza a prática da avaliação psicológica para atender demandas judiciais e veda a produção
de documentos que visem a aferição de periculosidade ou possibilidade de reincidência,
reconhecendo que não cabe ao psicólogo prever o cometimento de um crime.
Sabe-se hoje que o que se convencionou chamar de ‘Exame Criminológico’ que, aliás,
de exame nunca nada teve, por não ser científico, não é ético. A nenhuma categoria
profissional é dado prever o futuro, como ou sem bolas de cristal, com vistas a fornecer
prognóstico de condenado (...) como profissionais da Psicologia, não temos
fundamentação científica que possa prever se a pessoa que está presa cometerá
futuramente outro crime. Ao contrário da bola de cristal, o Exame Criminológico jamais
poderá prever o futuro, pois o que é dito na relação do examinado com o psicólogo se
estabelece neste contato pontual, no aqui e no agora, como uma foto que apreende
naquele instante. Diante disso, é ético opinar sobre a vida futura da pessoa presa a partir
de suposições sobre atos que não aconteceram? (Freitas et al, 2013, p. 27-28)
É nítida a ausência de consenso sobre o que o psicólogo deve ou não fornecer dentro do
cenário prisional. Historicamente a Psicologia sempre esteve no lugar de fornecer elementos
para a tomada de decisão do Judiciário, legitimar suas práticas e atrelar às suas decisões o
85
caráter científico, sendo assim, as discussões sobre a atuação dos psicólogos nos presídios não
ficam só dentro da Psicologia.
Foi por meio de uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal contra
o Conselho Federal de Psicologia e Conselho Regional de Psicologia da 7ª Região (RS), no dia
10 de abril de 2015, que a Resolução 012/2011 foi suspensa em todo o território brasileiro,
assim como todo e qualquer procedimento ou processo administrativo destinado a apurar
eventual descumprimento dos psicólogos.
Atualmente, a Resolução 012/2011 encontra-se suspensa, comprometendo a autonomia
desses profissionais e indicando a ausência de consenso acerca da atuação do psicólogo no
sistema prisional, o que reforça a necessidade de se promover estudos e debates sobre a
temática. É necessário também promover questionamentos acerca do que tem se esperado do
psicólogo dentro das prisões e o que representa a suspensão de uma Resolução que discorre
sobre a proibição da participação do psicólogo em práticas punitivas.
Segundo Popolo (1996), a relação entre Psicologia e o Direito se dá pela subordinação.
Historicamente, a Psicologia dentro do campo jurídico esteve submetida aos pedidos do campo
do Direito, objetivando atender suas necessidades e contribuindo para o “melhor
funcionamento” do aparato judiciário. Sendo assim, as mudanças nas perspectivas de atuação
do profissional da Psicologia e o rompimento com as ideias de se submeter aos pedidos do
judiciário têm esbarrado nas dificuldades de se estabelecer práticas que fujam do caráter penal
proposto pela Ciência Jurídica.
Ainda com relação aos avanços referentes ao que se é proposto para a prática dos
psicólogos, foi apresentado, em 2012, o documento de Referências Técnicas para a atuação do
Psicólogo no Sistema Prisional (CFP, 2012) pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia
e Políticas Públicas (CREPOP) e pelo CFP. O CREPOP foi criado em 2006 e corresponde à um
dispositivo técnico-político de pesquisa do Sistema de Conselho de Psicologia com finalidade
86
de promover o fortalecimento da relação entre a Psicologia e os Direitos Humanos e as Políticas
Públicas.
As “Referências Técnicas para a atuação do Psicólogo no Sistema Prisional” divulgadas
pelo CREPOP resultam de uma pesquisa realizada nacionalmente com foco na atuação dos
psicólogos, com objetivo de investigar a realidade dessas práticas. Através da pesquisa, o
CREPOP pôde observar as condições precárias em que os psicólogos brasileiros desenvolvem
suas atuações nas prisões. Estes profissionais enfrentam desde a baixa remuneração,
dificuldades de relação com os agentes penitenciários, demanda por exames criminológicos até
a alta carga horária.
O documento recomenda, portanto, a tomada de uma postura crítica que permita os
profissionais refletirem que tipo de práticas estão exercendo e verificarem se essa prática condiz
com o que é proposto para a garantia de direitos humanos e o que é proposto legalmente para
atuação dos psicólogos. É destacada também a importância dessa atuação não se limitar às
instituições prisionais, mas também trabalhar em rede, buscando unificar-se a outros serviços.
Por fim, é vedada a realização de exames criminológicos, tendo em vista o fato do psicólogo
não ter atribuições periciais.
Em discussão promovida pelo CFP, em 2015, a psicóloga Fátima França10 apontou para
a necessidade de se discutir sobre as condições degradantes de atuação dentro dos presídios. O
cenário que os profissionais desenvolvem suas práticas é marcado pela precariedade dos
ambientes físicos e ausência de materiais adequados. No que se refere à remuneração, por vezes
é inferior ao de agentes sem formação superior e os vínculos de trabalho são extremamente
precarizados. Além disso, outro fator destacado é a impossibilidade do sigilo profissional e a
10 Atualmente é psicóloga do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo, coordenadora do Comitê de Ética da
Secretaria da Administração Penitenciária, docente da Universidade Nove de Julho e Coordenadora do curso de
Especialização em Psicologia Jurídica do Instituto Sedes Sapientiae e membro da Comissão de Política Criminal
da OAB-SP.
87
permanente tensão entre, de um lado, os discursos e práticas de segurança pública e defesa
social e, de outro, o que é considerado desejável para o trabalho do psicólogo.
Em 2016, dois documentos importantes foram construídos para ampliar o debate no
campo. O primeiro refere-se ao “Parecer técnico sobre a atuação do psicólogo (a) no âmbito do
sistema prisional” (CFP, 2016), cujo objetivo é afirmar o posicionamento da Psicologia
enquanto ciência e profissão. O Parecer foi elaborado em resposta à suspensão da resolução
12/2011 e critica a interferência do sistema jurídico-legal, ao extrapolar suas funções, atingindo
questões técnicas, éticas e políticas da Psicologia.
E, mais recentemente, em dezembro de 2016, foi publicado um novo documento,
intitulado “O Trabalho da (o) psicóloga (o) no sistema prisional: problematizações, ética e
orientações” (França, Pacheco & Torres, 2016), contribui para a divulgação das condições
degradantes de trabalho nas prisões brasileiras e promove a reflexão acerca de que trabalho está
sendo desenvolvido nesses espaços e em que condições. O objetivo central do documento é a
produção de referências teóricas, técnicas que possam pautar e qualificar a prática do psicólogo
nas instituições prisionais. É também apontada a problemática referente à Resolução nº12/2011,
bem como as questões acerca da produção dos exames criminológicos e do Código de Ética.
São discutidas também propostas de atuação dentro dos espaços prisionais, através da defesa
da garantia dos direitos humanos e do abolicionismo penal como horizonte necessário para
prática psicológica.
Além dessas questões, o referido documento (França et al, 2016) também abarca o
“Parecer Técnico sobre a Escala Hare Pcl-R”, o qual discorre criticamente acerca da utilização
do referido teste na medição dos níveis de periculosidade dos sujeitos encarcerados. Nessa
discussão, apontam-se as incompatibilidades do teste com os princípios éticos, constitucionais
e legais. Destaca-se, do ponto de vista legal, que são considerados como itens de avaliação
comportamentos que não são criminalizáveis na legislação brasileira, como a vadiagem noturna
88
e o incesto. O teste também utiliza critérios questionáveis para avaliar a periculosidade dos
sujeitos, que incluem a orientação sexual e que se baseiam no modelo católico-cristão, como
observa Yamada (2016), ficando evidente no item “ausência de remorso ou culpa”, violando
pontos do Código de Ética do psicólogo, como:
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas
e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente
a realidade política, econômica, social e cultural.
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão (CFP, 2015).
De forma geral, alguns avanços foram realizados na discussão sobre o trabalho dos
psicólogos no sistema prisional, a partir da construção de documentos, pesquisas na área e de
espaços de diálogo, porém, estes ainda são insuficientes para superar os desafios no campo. Há
muito o que se discutir no âmbito legal, na relação com o Judiciário e na própria Psicologia
sobre o que se espera desses profissionais e há ainda muito no que se avançar na discussão de
uma Psicologia que esteja mais comprometida com a abolição das prisões.
É reconhecido que historicamente a inserção dos psicólogos no sistema prisional tenha
se dado a partir da sua relação com o sistema de justiça e o campo do Direito, de modo que
muitas discussões, avanços e pesquisas, têm sido realizadas dentro dessa temática ampliando o
debate acerca do trabalho do psicólogo nas prisões. Os pontos destacados nesse tópico a partir
da identificação e discussão de alguns dos principais documentos produzidos no campo, como
a questão que envolve a produção do exame criminológico, os laudos, as críticas sobre a relação
89
de submissão com o aparato judiciário, entre outros, mostram como a discussão da Psicologia
nesse campo tem estado ligada às questões que envolvem o sistema de justiça.
No entanto, na Paraíba especificamente, o psicólogo está travestido de profissional de
saúde e se insere nos espaços prisionais a partir de uma política de implementação do SUS, que
será abordada de forma mais aprofundada no tópico seguinte. Sendo assim, a Psicologia se
insere no sistema prisional paraibano (e em outros estados brasileiros), nos últimos anos, sob o
discurso da saúde, em equipes que deveriam atuar no interior dos presídios como extensão da
saúde da família. Dessa forma, nota-se que pouco se tem produzido no debate sobre o trabalho
desses profissionais por essa via e pouco se discute especificamente sobre o que significa a
inserção dos psicólogos deixar de ocorrer com finalidade de produzir documentos que visem a
progressão de regime e passem a se deter às equipes cujo objetivo deve ser o de prevenção e
promoção da saúde.
As políticas sociais de saúde no sistema penitenciário
A inserção de psicólogos com as temáticas envolvendo a questão social e o
compromisso social nem sempre estiveram em pauta na Psicologia. Na verdade, os primeiros
estudos e pesquisas da Psicologia estiveram voltados para atender a demanda da elite e tinham
como área prioritária a atuação individual em consultórios clínicos. A Psicologia se construía,
portanto, como uma ciência que visava atender os privilegiados, a classe alta. Somente a partir
do término do período ditatorial, consequentemente, o fortalecimento e a rearticulação dos
movimentos sociais e, aliado a esses fatores, a crise mundial do capitalismo, é que as discussões
sobre a formação e o perfil dos psicólogos puderam se intensificar (Yamamoto, 2013).
Nota-se, nesse cenário, o enfraquecimento do modelo de atuação tradicional do
psicólogo e o aumento dos debates teórico-ideológicos acerca da redefinição de perfil do
profissional da Psicologia. O processo de redemocratização na década de 1980 e a redefinição
90
do setor de bem-estar social trouxeram também, para além das discussões, uma ampliação no
campo de atuação a partir da criação de novos espaços de trabalho, que objetivava atender as
demandas sociais Apesar da importância dos debates teórico-ideológicos acerca da
aproximação da Psicologia com o compromisso social, o fortalecimento da inserção de
psicólogos no campo ocorreu, principalmente, devido às questões econômicas que geraram o
aumento de oportunidades de emprego. É no bojo dessas transformações econômicas, sociais e
políticas que a Psicologia passa, a partir do elastecimento do mercado de trabalho, a se inserir
e atuar nas camadas mais baixas da sociedade (Yamamoto, 2013).
A maior inserção da Psicologia no campo das políticas sociais deve-se, entre outros
fatores, à impulsão que essas políticas vêm sofrendo ao longo dos últimos anos, ou seja, uma
intensificação na discussão acerca do compromisso social e das mudanças necessárias para uma
maior aproximação dos psicólogos às classes mais baixas, tendo em vista o caráter elitista que
a Psicologia possui historicamente (Seixas & Yamamoto, 2012).
Ainda que a inserção dos psicólogos nas políticas sociais tenha acontecido, de forma
geral, a partir das mudanças econômicas e da retração do mercado de trabalho, foi possibilitada,
a partir da entrada de profissionais nessas políticas e do aumento do acesso das classes mais
pobres a esses programas, uma maior discussão acerca da necessidade de se debater o
comprometimento com a luta contra as desigualdades sociais dentro da Psicologia. Porém,
destaca-se que o debate acerca de uma atuação comprometida ainda não é homogêneo dentro
da profissão e muito menos tem conseguido dar conta de se repensar estruturalmente as práticas
atuais, especialmente no âmbito prisional.
Ao passo que pode-se destacar avanços relevantes no campo das políticas sociais no
Brasil a partir da década de 1980, no campo prisional o fortalecimento de políticas que visassem
a garantia de direitos e a luta contra as desigualdades sociais não ocorreram com a mesma força,
pelo contrário, notou-se um aumento de medidas punitivas e de encarceramento. Desse modo,
91
mesmo que os avanços na discussão acerca de cidadania e garantia dos direitos humanos tenham
ocupado lugar de destaque na sociedade brasileira a partir da ação dos movimentos sociais, no
campo da segurança pública e penitenciária, permanece constantemente reforçada a lógica da
desumanização e da retirada de direitos daqueles vistos como desviantes e desajustados.
Considerando que, embora historicamente a inserção da Psicologia no sistema prisional
tenha ocorrido a partir da vinculação dos profissionais às CTC’s e da produção dos exames
criminológicos, mais recentemente, a entrada dos psicólogos nas unidades prisionais, em
especial nas paraibanas, passa a se dar por meio da vinculação às equipes de saúde. Desse modo,
dentre os direitos negados à população prisional, será destacado no presente tópico o direito à
saúde, tendo em vista que é por meio da defesa de sua promoção que os psicólogos têm se
inserido nas instituições.
O acesso aos serviços de saúde está regulamentado pelos dispositivos legais como a
Constituição Federal (1988), que rege sobre o Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.142, 1990) e a
Lei de Execução Penal (Lei 7.210, 1984). No âmbito prisional, a discussão sobre garantias de
acesso à saúde e outros direitos só ganhou força a partir do processo de redemocratização do
país. Ainda que o período não tenha representado uma mudança estrutural e uma consolidação
na democracia brasileira, alguns avanços conquistados pelo fortalecimento dos movimentos
sociais são notoriamente importantes. No que se refere às instituições prisionais, a LEP (1984)
é o primeiro marco fundamental para a promoção de direitos aos presos e garante, em seu art.
14, a assistência à saúde do preso como direito.
Partindo do entendimento da saúde como direito de todos e dever do Estado, e da
necessidade de estabelecer uma medida voltada para as pessoas presas consoante ao SUS,
ampliando as diretrizes de saúde da LEP, foi criado o Plano Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário (Ministério da Saúde, 2003). Para além da ampliação, há diferenças importantes
e que merecem destaque entre a Lei e o Plano citado. Enquanto que na primeira o cerne era no
92
tratamento e nas especialidades (medicina, farmácia e odontologia, conforme o art. 14), no
Plano, o foco encontra-se na atenção integral, de modo que se priorizam ações de cunho
preventivo, de promoção e de atenção básica. A transição para a “atenção integral” proposta
pelo PNSSP (Ministério da Saúde, 2003), a qual vai ao encontro com a proposta de “assistência
à saúde” defendida pela LEP, implicou na defesa da relação entre os mecanismos de atenção
básica que devem ser garantidos no interior dos estabelecimentos e da relação com os
mecanismos externos, com as redes que envolvem hospitais, postos de saúde, ambulatórios e
laboratórios que compõem o SUS. Além desses fatores, no que se refere ao trabalho dos
psicólogos, destaca-se que na LEP (1984) o trabalho desses profissionais estava limitado à
perícia e elaboração de exames criminológicos, enquanto que no PNSSP (Ministério da Saúde,
2003) as ações desses profissionais estão previstas na área de saúde a partir do trabalho nas
equipes, embora não haja uma especificação de como se daria o trabalho.
O PNSSP, instituído pela Portaria Interministerial n.º 1.777, de 9 de setembro de 2003,
foi construído com o objetivo de fazer chegar às unidades prisionais ações, serviços e
profissionais de saúde a partir das premissas do SUS, e de garantir o reconhecimento da saúde
como um direito à cidadania. No Brasil, até 2012, 23 estados tinham aderido ao plano, sendo a
Paraíba um deles.
Apesar do PNSSP não tratar exclusivamente da prática dos psicólogos nas prisões,
institui a necessidade de equipes de saúde, nas quais esses profissionais se inserem, sendo o
papel destes promover a saúde psicológica dos presos. Na Paraíba, os psicólogos têm se inserido
a partir das equipes de saúde construídas com base no plano, instaurado no estado através da
Portaria nº 1.163 (2008) publicada no Diário Oficial da União em 12 de Junho de 2008. As
diretrizes do PNSSP adotadas na Paraíba envolvem:
Prestar assistência integral, contínua e de boa qualidade as necessidades de saúde da
população carcerária; Contribuir para o controle e/ou redução dos agravos mais
93
frequentes que acometem a população carcerária; Definir e implementar ações e
serviços consoantes com os princípios e diretrizes do SUS; Proporcionar o
estabelecimento de parceiros por meio do desenvolvimento de ações intersetoriais;
Contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença da
organização dos serviços e da produção social da saúde; Provocar o reconhecimento da
saúde como um direito da Cidadania; Estimular o efetivo exercício do controle social
(Portaria nº 1.163, 2008).
Segundo o PNSSP, os presídios com população carcerária de 100 a 500 presos terão 1
equipe e os que estiverem com a população carcerária acima de 500 apenados terão 2 equipes
mínimas. As equipes de saúde são compostas por: psicólogos, assistentes sociais, médicos,
dentistas, auxiliares de dentista, enfermeiros e técnicos em enfermagem e tem a proposta de
trabalhar de modo interdisciplinar. Atualmente, existem 10 equipes de trabalho nas instituições
prisionais na Paraíba, que têm por proposta o controle, a prevenção e a promoção da saúde.
Mais recentemente, em 2014, foi criada, com base no plano, a PNAISP, instituída por
meio da Portaria Interministerial nº 1 (2014) de 2 de janeiro de 2014 a partir da ação conjunta
entre Ministério da Saúde e Ministério da Justiça. A PNAISP foi construída a partir da avaliação
dos dez anos de aplicação do PNSSP, quando se constatou o esgotamento deste modelo por
algumas dificuldades de aplicação. Nasce também, junto à política, a “Equipe de Avaliação e
Acompanhamento das Medidas Terapêuticas Aplicadas à Pessoa com Transtorno Mental em
Conflito com a Lei” (EAP), que tem por objetivo redirecionar os modelos de atenção ao preso
com algum transtorno mental. No Brasil, a PNAISP foi instaurada pela portaria nº 482 (2014),
e na Paraíba, a adesão à política se deu por meio da Portaria nº 675 (2015).
Até 2016, a adesão à PNAISP ocorria por meio da pactuação entre os Estados e o Distrito
Federal com a União. Para tanto, era elaborado um Plano de Ação Estadual para Atenção à
Saúde da Pessoa Privada de Liberdade e, posteriormente, encaminhava-se a documentação ao
94
Ministério da saúde. Os locais que ainda estão adequando suas ações e serviços para a
implantação da PNAISP deverão seguir as normas previstas pelo PNSSP, mesmo que estas
tenham sido revogadas.
As equipes de saúde vinculadas à PNAISP devem ter como público alvo as pessoas
privadas de liberdade, seus familiares e também os trabalhadores das instituições prisionais, ou
seja, todos aqueles que, de alguma forma, circulam nas unidades. No que se refere ao âmbito
legal, destaca-se o avanço na discussão sobre o acesso e a garantia de direitos a toda a população
que frequenta esses espaços (Brasil, 2014).
Art. 7º Os beneficiários da PNAISP são as pessoas que se encontram sob custódia do
Estado inseridas no sistema prisional ou em cumprimento de medida de segurança.
§ 1º As pessoas custodiadas nos regimes semiaberto e aberto serão preferencialmente
assistida nos serviços da rede de atenção à saúde.
§ 2º As pessoas submetidas à medida de segurança, na modalidade tratamento
ambulatorial, serão assistidas nos serviços da rede de atenção à saúde.
Art. 8º Os trabalhadores em serviços penais, os familiares e demais pessoas que se
relacionam com as pessoas privadas de liberdade serão envolvidos em ações de
promoção da saúde e de prevenção de agravos no âmbito da PNAISP.
Sendo assim, enquanto que o PNSSP previa o acesso à saúde apenas para a população
penitenciária, limitando-se às pessoas que se encontravam em presídios, penitenciárias,
colônias agrícolas e hospitais de custódia, a PNAISP avança na proposta e discorre sobre a
garantia do direito à saúde para todas as pessoas privadas de liberdade, o que inclui também as
pessoas que estão em regime aberto ou semi-aberto. Além disso, a política também discorre
sobre a necessidade de garantir o acesso à saúde aos profissionais que atuam nas unidades
prisionais e também aos familiares das pessoas privadas de liberdade, ampliando a compreensão
sobre direitos nas prisões.
95
Para Ferraz (2015), o avanço da assistência à saúde no sistema prisional tem se dado de
forma lenta e desproporcional, talvez pelo fato de a adesão à PNAISP ser facultativa.
Destaca-se ainda que, diante do sucateamento e deterioração dos espaços prisionais, o
valor do incentivo repassado à saúde no Sistema Prisional é irrisório, não estimulando
a adesão dos Estados e Municípios. A autora analisou o processo de implantação da
Política no Rio Grande do Sul, constatando que embora tenha aumentado o número de
Equipes de Saúde nos estabelecimentos prisionais, a cobertura permanece insuficiente
e o enfoque das ações continua curativo. Entretanto, apesar das dificuldades, vale
considerar que a PNAISP tem promovido o debate acerca da saúde no sistema prisional
em diversos espaços (citado em Freitas, Zermiani, Nievola, Nasser & Ditterich, 2016,
p. 180).
Em pesquisa realizada entre os anos de 2011 e 2013, intitulada “Do Plano à Política:
garantindo o direito à saúde para todas as pessoas do sistema prisional”, a qual culminou na
publicação do livro “Saúde penitenciária no Brasil: plano e política” em 2015, Martinho Silva
(coordenador do projeto) retrata o processo avaliativo e de discussão para a tomada de decisão
que iria proporcionar a transição entre o PNSSP, de 2003, e a PNAISP em 2014.
O autor aponta algumas características limitadoras do Plano, as quais são sugeridas
enquanto elementos que necessitam de mudanças e avanços na implementação da política.
Características que, notadamente a partir do conhecimento acerca da realidade do sistema
prisional brasileiro, persistem mesmo após a instauração da PNAISP. Entre esses elementos,
Silva (2015) atenta para a necessidade de se discutir a garantia de direitos sociais antes e depois
da inserção no sistema prisional, destacando o perfil socioeconômico da população carcerária,
que convive com precariedades no âmbito educacional, do trabalho, da moradia e da própria
saúde antes mesmo do ingresso nas prisões.
96
Posto isto, o autor problematiza, a partir de estudo avaliativo do Plano, algumas questões
que consistem enquanto desafios para a Política de Atenção Integral, como o fato de se discutir
garantia e promoção do direito à saúde para a população carcerária em meio a privações de
direitos civis e políticos. Para tanto, Martinho Silva elenca 3 elementos centrais de análise: 1)
o primeiro refere-se à restrição do direito de ir e vir, o qual inclui a procura por serviços de
saúde; 2) o segundo, consiste no agravamento da pena para além da privação da liberdade; 3)e
o terceiro problematiza a pouca disposição em garantir o acesso à saúde aos presos por
considerar que eles não sejam dignos desse direito sob a justificativa de que a segurança das
instituições ficaria exposta mediante a oferta desses direitos (Barsaglini, 2016).
Os resultados da pesquisa citada também apontam outra dificuldade na execução do
plano de saúde nas unidades prisionais. Seguindo a linha pautada no discurso de
“periculosidade” e das noções de crime e criminoso por parte dos agentes penitenciários, há
uma polarização entre esses profissionais e os membros das equipes de saúde, gerando uma
tensão que está relacionada à concepção que os agentes possuem da sua função no cárcere, a
qual pouco tem a ver com o tratamento do preso enquanto sujeito de direitos (Barsaglini, 2016).
Assim como a dificuldade encontrada quando se discute a atuação dos profissionais em
instituições prisionais, a superpopulação carcerária e a insalubridade dos estabelecimentos
penais também consistem em elementos centrais na discussão sobre a execução da política de
atenção integral. Os desdobramentos das condições precárias nas prisões afetam diretamente
nas ações de promoção da saúde, pois além de serem geradoras de doenças, impedem ações de
prevenção. Para tanto, elenca-se a intersetorialidade como principal forma de enfrentamento
dessa realidade.
Destaca-se também o fato de que diversas ações de atenção básica, que deveriam ser
desenvolvidas dentro das instituições, esbarram frequentemente na lógica da segurança das
prisões, onde ações de prevenção em saúde bucal, por exemplo, por meio da distribuição de
97
escovas de dentes, pode ser vista, pela gestão do presídio, como potencial instrumento para
violação de normas e da integridade física dos presos.
De modo geral, a criação do PNSSP e da PNAISP consiste em um avanço inegável, já
que na prática significou a inserção de profissionais de diversas áreas em unidades prisionais e,
em nível de Plano, a assistência à 30% da população, o que, segundo estudo avaliativo
representou um resultado positivo para os primeiros anos de execução. Além disso, na dimensão
legal, significou um avanço, em comparação ao que se propunha com a LEP, na discussão sobre
quem são os sujeitos que devem ter o acesso à saúde garantido no âmbito prisional, bem como
no objetivo das ações, ampliando-as para o nível da prevenção (Silva, 2015). No que se refere
aos profissionais da Psicologia, a implementação do Plano e da Política ampliou a prática para
além das Comissões Técnicas de Classificação.
Por outro lado, algumas questões também podem ser levantadas a partir das concepções
adotadas pelo plano e pela política, como o fato do psicólogo se inserir enquanto profissional
da saúde e o que isso representa em sua atuação. Para além do debate supracitado, entende-se
que há questões próprias da Psicologia e do seu histórico nas políticas sociais, questões internas
à profissão, como a atuação que vem sendo desempenhada historicamente e se é possível pensar
em uma prática que promova saúde mental dentro da condição de privação de liberdade.
Aos psicólogos inseridos a partir das políticas de saúde, tem sido requerido um trabalho
que busque romper com os modelos tradicionais, com a ideia dicotômica entre saúde mental e
saúde física, de modo que estes profissionais consigam construir novos saberes a partir do
princípio da integralidade. É esperado que o psicólogo, no SUS, possa desenvolver uma prática
condizente às necessidades da população atendida e trabalhe a partir de uma nova perspectiva
de sujeito, na qual este seja ativo nessa relação. No entanto, algumas dificuldades têm sido
encontradas na efetivação dos princípios que norteiam o SUS, gerando discrepâncias entre o
que é proposto enquanto discussão acerca da questão da saúde e a forma como tem se dado a
98
prática dos psicólogos nesse campo. Tais dificuldades estão centradas principalmente na
prevalência do modelo clínico de atuação desses profissionais, além das concepções
tradicionais do processo saúde/doença. (Freire & Pichelli, 2010).
Se a permanência da perspectiva clínica e individualizada na prática dos psicólogos
consiste em uma constante discussão acerca da prevalência de uma atuação tradicional e pouco
crítica da Psicologia em determinados campos, por não conseguirem dar conta, por exemplo,
da realidade do público atendido pelas políticas sociais, além de se constituírem em uma mera
transposição de modelos que não conseguem dar conta das particularidades dessa população
(Costa, 2014); no âmbito prisional, esse cenário se agrava. Tendo em vista que, além da própria
crítica à utilização exagerada do modelo clínico em um ambiente que, minimamente, caberia a
discussão sobre a eficácia desses atendimentos, há ainda o agravante de que nem esse tipo de
prática é possível ser exercida garantindo as condições éticas. Nas prisões, o atendimento
individual é frequentemente quebrado pela ausência de privacidade, porque quando a porta da
sala onde há o atendimento não fica aberta, é frequente a presença de agentes penitenciários no
ambiente durante a escuta.
O ponto de partida refere-se a formação nos cursos de graduação e na prática
profissional dos Psicólogos, que historicamente privilegia a clínica privada e o
atendimento individualizado, evocando em sua prática aspectos de uma lógica
neoliberal e uma transposição do modelo biomédico, que assume paradoxalmente
postura contrária ao modelo psicossocial de assunção da territorialidade, integralidade
e humanização preconizada pelo Sistema Único de Saúde (Lisboa, 2014).
Além da prevalência do modelo clínico de atuação, destaca-se o fato de que estes
profissionais tendem a idealizar o público que irá atender, a partir de uma perspectiva ainda
elitista da Psicologia, afastando-se da realidade e da população que é atendida por essas
políticas, que ocupam as classes mais baixas da sociedade (Freire & Pichelli, 2010).
99
Outra questão, que é própria do ambiente prisional, é pensar na política e sua efetivação
voltada à saúde de pessoas que estão em privação em liberdade e a proposta de uma possível
superação dessas dificuldades, tendo conhecimento que, no que se refere às prisões, espaço
criado sem nenhuma finalidade positiva, essa proposta de superação irá cair inevitavelmente no
discurso falacioso. Segundo Canazaro (2010), estudos apontam que a prevalência de doença
mental entre a população do sistema prisional é de 42%, ao passo que na sociedade em geral é
de 15%. Somando-se a este quadro, o descaso com as condições das celas, com extrema
precarização dos ambientes e da comida dos presos, o que tem ocasionado a proliferação de
doenças, como a tuberculose, dermatites, hepatite, DST’s e tantas outras.
Nesse sentido, cabe a problematização acerca da insistência da Psicologia na
manutenção de um modelo de atuação que está totalmente desconectado com a realidade e que
não tem conseguido dar conta sequer de sair do ambiente entre quatro paredes. Cabe também
destacar que, embora as críticas acerca da atuação do psicólogo no SUS sejam pertinentes, no
cárcere há que se atentar para outros fatores que envolvem sua estrutura e natureza.
Embora sejam estabelecidas tais críticas à Psicologia e como, historicamente, ela tem se
colocado diante das políticas sociais e no compromisso com as questões sociais e tendo
consciência de que esses fatores têm sido fundamentais para explicar a dificuldade em se
garantir a efetivação dos princípios do SUS, há que se destacar também que, no âmbito
prisional, a não efetivação desses princípios e os problemas em garantir o que é proposto pelas
políticas específicas de saúde na privação de liberdade se dão, principalmente, por esse ser um
lugar estruturalmente violador e feito para causar sofrimentos. Dessa forma, pensar na atuação
do psicólogo nesses espaços e na efetivação do SUS como se propõe o PNSSP e a PNAISP,
demanda pensar em estratégias que atuem na contramão do cárcere.
Temos que voltar para o que estávamos falando e produzindo enquanto organização
científica na área da saúde, para o campo profissional da(o)psicólogo(a): dizer que
100
sermos profissionais da saúde é muito bom e tem aberto muitas portas, mas nos
colocarmos nesse lugar higienista, de um pensamento jurídico/médico, nos coloca
também atados e faz desse compromisso ético político, na verdade, uma mentira
cotidiana (Brambilla, 2016, p. 29).
A inserção de psicólogos nas políticas sociais continua sendo crescente, mas, com base
na condução dessas políticas e na própria função que elas têm desempenhado, com ações
pontuais que não visam atingir a miséria e as desigualdades de forma estrutural, essa inserção
e esse trabalho continuam sendo de extrema precariedade e requerem uma nova proposta de
postura profissional. Embora o debate acerca do compromisso social seja extremamente
importante, é necessário avançarmos para discussões que visem a transformação social, para,
assim, começarmos a caminhar para a possibilidade da construção de um projeto ético-político
dentro da Psicologia (Seixas & Yamamoto, 2012).
101
PARTE II
Capítulo 03: Método
A presente pesquisa tem caráter qualitativo, esse tipo de abordagem tem como objetivo
a compreensão dos aspectos da realidade que não podem ser quantificados e permite um maior
aprofundamento investigativo e interpretativo da temática pesquisada. Sendo assim, não há
preocupação em generalizações, representatividade numérica ou relações lineares de causa e
efeito (Gerhardt & Silveira, 2009).
Para alcançar os objetivos da pesquisa, algumas etapas foram percorridas. Inicialmente,
foi realizado o contato com a Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba (SEAP/PB),
via ofício, com objetivo de averiguar informações acerca do número de unidades prisionais no
estado e em quais delas existem psicólogos atuando. As informações cedidas pela SEAP/PB
foram utilizadas na realização do mapeamento dos locais de trabalhos dos psicólogos.
Embora tenha-se ciência da relevância da caracterização dos profissionais das unidades
prisionais onde os profissionais estão inseridos, com informações sobre o tipo de instituição -
feminino ou masculino - e o regime - aberto, semiaberto ou fechado - optou-se por não divulgá-
las a fim de serem preservadas as identidades dos profissionais entrevistados. Além disso,
optou-se também por não divulgar o sexo dos profissionais.
Após a etapa de mapeamento, referente ao público alvo da pesquisa e aos locais de
trabalho, foram solicitados à SEAP/PB os contatos telefônicos dos psicólogos que atuam nos
presídios do estado, assim como a autorização do órgão para a realização das entrevistas com
os profissionais, a qual foi concedida (Anexo A). Antes de iniciar o contato com os psicólogos
paraibanos, foi realizada uma entrevista piloto com uma psicóloga que atuou no sistema
prisional do Rio Grande do Norte, sabendo-se que a realidade do campo é bastante semelhante
nos dois estados.
102
Na pesquisa de campo foram entrevistados 10 psicólogos11 que trabalham no sistema
prisional da Paraíba. Primeiramente, foi realizado o contato com os profissionais via ligação
telefônica com objetivo de apresentar a pesquisa e averiguar a disponibilidade em participar.
Era de interesse da pesquisa que as entrevistas não ocorressem dentro das instituições prisionais,
partindo do pressuposto de que o ambiente da prisão se constitui como um local de tensão, o
que poderia dificultar o diálogo. No entanto, optou-se para que o local das entrevistas fosse
feito a partir da escolha do profissional, de modo que o entrevistado se sentisse à vontade para
participar da pesquisa. Dessa forma, os locais das entrevistas variaram de acordo com a escolha
dos entrevistados, sendo algumas das vezes dentro das próprias unidades prisionais. Destaca-se
ainda, que uma das entrevistas ocorreu em uma cela (utilizada apenas durante a noite por presos
do regime semiaberto), a qual era utilizada como espaço de trabalho do profissional
entrevistado.
O instrumento utilizado foi a entrevista individual semiestruturada, cujo roteiro estava
dividido em 5 blocos temáticos: 1) Formação dos psicólogos; 2) Trajetória profissional, 3)
Condições de trabalho; 4) Atividades realizadas nos presídios; 5) Avanços, limites e desafios
para o trabalho (Apêndice C). Nesse tipo de entrevista, há possibilidade de conter algumas
perguntas fechadas, como as que referem-se à identificação dos entrevistados, mas,
majoritariamente, é composta por questões abertas para que haja a possibilidade de que o
entrevistado fale livremente.
A escolha pela utilização da entrevista se deu por considerar que este instrumento seria
o mais adequado para a coleta dos dados com os profissionais que atuam nas prisões, de modo
que os materiais são produzidos diretamente pelos sujeitos envolvidos no processo. Sendo
assim, a entrevista possibilita que os próprios entrevistados possam discorrer sobre o local em
que atuam e sobre as atividades que desempenham, e o diálogo entre entrevistado e
11 Optou-se por não divulgar o total de psicólogos trabalhando no sistema prisional paraibano, a fim de proteger a
identidade dos entrevistados.
103
entrevistador permite que haja uma reflexão do próprio participante sobre a realidade e as
experiências vivenciadas no seu cotidiano de trabalho (Minayo, 1993).
O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações é a
possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores,
normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo tempo ter a magia de
transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em
condições históricas, sócio–econômicas e culturais específicas (Minayo, 1993, p. 109).
As entrevistas foram registradas em áudio e posteriormente transcritas. Para essa etapa
da pesquisa foram respeitados os cuidados éticos, sendo apresentado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A), que foi assinado pelos participantes e pela
pesquisadora e impresso em duas vias, bem como o Termo de Autorização para Gravação de
Voz (Apêndice B) para o qual foram seguidos os mesmos procedimentos. A pesquisa foi
submetida ao Comitê de Ética da UFRN e obteve parecer favorável, número 1.456.897 (Anexo
B).
No que se refere à análise dos dados, foram consideradas as etapas propostas por Minayo
(2013). A primeira trata-se da leitura exaustiva do material bibliográfico, a qual possibilitou um
entendimento maior acerca da temática e a construção dos capítulos teóricos. Nessa etapa, foi
realizada a revisão da literatura, aprofundando as temáticas acerca da política criminal, sistema
prisional, direitos humanos, psicologia jurídica e criminologia crítica.
A segunda etapa refere-se à exploração do material, que trata da organização dos dados
coletados, da classificação e da análise do material propriamente dito. Sendo assim, foi
realizado o mapeamento dos dados obtidos, a releitura do material transcrito e a organização
das falas. Em seguida, a partir da leitura exaustiva do material, foram identificados os pontos
relevantes para análise. Por fim, foram analisados os dados obtidos nas entrevistas, a partir da
articulação com as questões problematizadas na fundamentação teórica do trabalho, como o
104
processo de criminalização da pobreza, a violação aos direitos humanos, a seletividade penal, a
política criminal e as diretrizes ético-profissionais.
(...) relação entre a fundamentação teórica do objeto a ser pesquisado e o campo que se
pretende explorar. A compreensão desse espaço da pesquisa não se resolve apenas por
meio de um domínio técnico. É preciso que tenhamos uma base teórica para podermos
olhar os dados dentro de um quadro de referências que nos permite ir além do que
simplesmente nos está sendo mostrado (Cruz Neto, 2001, p. 61).
O processo de análise de dados foi realizado a partir do referencial teórico da
Criminologia Crítica, perspectiva de inspiração marxista e que se propõe a estabelecer uma
análise radical dos mecanismos punitivos e das reais funções do sistema penal. Para tanto, foram
considerados os contextos históricos, políticos, sociais e culturais aos quais os sujeitos
entrevistados estão inseridos.
105
Capítulo 4: Apresentação e Discussão dos Resultados
Considerações Iniciais
A inserção dos psicólogos nos presídios paraibanos ocorre por meio da vinculação
desses profissionais ao PNSSP e, mais recentemente, por meio da Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), já mencionados anteriormente.
Mesmo aqueles que atuavam no sistema antes da criação do PNSSP e da PNAISP, passam a se
vincular à política.
Anteriormente à criação do PNSSP e da PNAISP, a LEP (1984), já discorria sobre a
necessidade de garantir a saúde aos presos, além de outros direitos fundamentais: “Art. 11. A
assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI –
religiosa”. Apesar de discorrer sobre tais direitos e regularizar a atuação dos psicólogos no
campo prisional, a LEP vincula a prática do psicólogo exclusivamente à elaboração do exame
criminológico. Sendo assim, é notório o avanço a partir do Plano e da Política no que se refere
à discussão sobre garantir saúde psicológica às pessoas privadas de liberdade, bem como, à
quantidade de profissionais que passam a atuar dentro dos espaços prisionais. Porém, quando a
política de saúde se destaca da LEP, que já previa o direito à saúde, ela pode ser potencializada
e incrementada, no entanto, se nada é alterado com relação ao contexto mais amplo, se as prisões
permanecem na mesma precariedade, assim como as violações aos direitos, essa saúde se
deteriora e a política torna-se muito menos potente.
Entende-se que uma série de questões atravessam a prática do psicólogo nas prisões,
principalmente os aspectos referentes ao funcionamento e à realidade desses espaços, com
condições de trabalho próprias do cárcere e que precisam ser discutidas para além da inserção
dos profissionais a partir da política de saúde. A implantação da PNAISP apresenta inúmeros
ganhos na discussão sobre saúde no sistema prisional, no entanto, não altera a realidade desses
106
espaços. Além disso, há questões anteriores à implantação da PNAISP que não foram alteradas
por ela, por serem questões próprias desses locais. Dimensões estruturais que antecedem a
discussão sobre o funcionamento da política e que são específicas da inserção da Psicologia no
sistema prisional.
O trabalho nas prisões é mediado por uma lógica punitiva e cruel, de “exclusão”,
justificada pelo discurso da segurança, marcada por tensões e violações, compondo uma
realidade na qual os psicólogos se inserem e precisam dar conta, o que requer destes
profissionais maneiras específicas de agir, próprias da inserção no cárcere (França et al, 2016).
A ideia não é culpabilizar os profissionais, principalmente conhecendo a realidade das
prisões brasileiras. É preciso compreender a prisão como um local de ausência de direitos e
pensar no significado da privação de liberdade: a limitação de espaços, o afastamento da
família, a impossibilidade de convivência com o meio social e as atividades cotidianas. O
cárcere é um local de morte psicológica, e muitas vezes de morte física, é precário, sujo,
propagador de doenças, superlotado. Apesar dessas características, funciona como deveria
funcionar, feito para dar errado. É neste cenário que os psicólogos se inserem. Não se trata de
uma atuação fácil, nem de estabelecer relações de causa-efeito, trata-se de entender a
complexidade do sistema penal diante das necessidades do sistema capitalista (Karam, 2011).
Dessa forma, embora os psicólogos se vinculem ao sistema prisional a partir da
PNAISP, parte-se da compreensão de que existem dimensões anteriores à política e que são
fundamentais na discussão sobre a complexidade do trabalho do psicólogo nesses espaços.
Sendo assim, algumas considerações serão feitas acerca das atividades desempenhadas pelas
equipes de saúde e do funcionamento da política nos presídios de forma geral, no entanto, o
objetivo central desse capítulo consiste em analisar o trabalho desses profissionais à luz do
contexto do presídio.
107
Caracterização dos participantes
Nessa seção serão apresentados os dados sobre o perfil dos profissionais entrevistados
e quais têm sido as formas de inserção no sistema prisional paraibano. Entende-se que a
caracterização e o detalhamento de algumas informações, como a região e o tipo de instituição
prisional em que foi realizada a pesquisa são dados importantes, porém, optou-se por não
divulgá-los, a fim de não permitir a identificação dos entrevistados. Portanto, mesmo com a
possível perda de informações, a escolha foi por manter preservada a identidade dos psicólogos
que contribuíram para a realização deste estudo.
Foram entrevistados 10 profissionais da Psicologia que trabalham nos presídios do
estado da Paraíba. Como já foi abordado, foi em 2008, a partir da implementação do Plano de
Saúde do Sistema Penitenciário na Paraíba, que os psicólogos passaram a se inserir em equipes
de saúde nos presídios do estado. Em 2015, foi implementada a Política de Atenção Integral no
estado, trazendo algumas modificações na proposta do plano, mas não havendo uma mudança
na formação dessas equipes que atuam nos presídios.
Dentre os psicólogos entrevistados, 9 estão inseridos junto à uma equipe de saúde
composta por: médico, dentista, assistente social, auxiliar de dentista, enfermeiro, técnico de
enfermagem e psicólogo. Além da equipe de saúde, os psicólogos relataram que também
trabalham nos presídios: agentes penitenciários, diretores, coordenadores, chefes de disciplina
e, em algumas instituições prisionais, há professores e advogados. Em todos os presídios que
fizeram parte da pesquisa havia apenas uma equipe de saúde atuando.
Apenas 1 dos profissionais entrevistados não se insere junto à uma equipe de saúde, ou
seja, não tem sua atuação vinculada à política. Nesse caso, o psicólogo vincula sua prática à
uma atuação jurídica, sendo membro da Comissão Técnica de Classificação e Triagem (CTC),
criada a partir da LEP e cujo objetivo central é a construção do exame criminológico. Segundo
108
o entrevistado, essa comissão é formada pela direção do presídio, dois chefes de disciplina, que
são os agentes penitenciários, um psicólogo, um assistente social e um psiquiatra.
Destaca-se também que, mesmo em menor intensidade, os profissionais inseridos nas
equipes de saúde, quando solicitados por juízes, também podem ter sua atuação voltada para a
prática “jurídica”. Ou seja, produzem documentos que subsidiam as decisões judiciais para
possível progressão de regime do preso.
Formação profissional
Os aspectos referentes à formação profissional dos entrevistados foram organizados na
Tabela 1, a qual contém informações sobre a instituição e a área de formação, assim como
cursos de pós-graduação. Cabe observar que foram contabilizadas mais de uma resposta por
participante. Um maior detalhamento do perfil dos profissionais entrevistados pode ser
visualizado na tabela 1 que segue:
Tabela 1
Perfil dos profissionais - Formação12
N
Área de Formação13 Clínica 10
Hospitalar 1
Instituição de Formação UFPB 4
UEPB 3
UNIPÊ
ESUDA (PE)
2
1
Pós- Graduação
Especialização em Educação
Especialização em Saúde da Família
Especialização em Psicologia da
Educação e Aprendizagem
Especialização em Psicologia Jurídica
Especialização sobre a “temática”14 das
Drogas
Especialização em Gestão em Saúde
Prisional
1
2
1
1
1
1
12 Os anos de formação variam entre 1977 e 2007. 13 Considerou-se mais de uma resposta. 14 Tal qual foi dito pelo entrevistado.
109
Especialização em Saúde no Sistema
Prisional
Especialização em Psicologia Escolar
Especialização em Psicologia
Organizacional
Especialização em Psicopedagogia
Especialização em Psicologia Hospitalar
Mestrado em Ciências da Saúde
Mestrado em Psicologia Cristã
1
1
1
1
1
1
1
Não possui Pós-graduação 1
No que se refere às instituições de formação, estas consistem majoritariamente em
universidades públicas, sendo 7 entre 10. No entanto, essa variedade não é percebida no que se
refere ao campo de formação desses profissionais, considerando que todos dos participantes
afirmaram que a Clínica foi sua área de formação no curso de graduação.
Desde sua regulamentação, a ênfase da Psicologia esteve voltada para três grandes áreas:
Clínica, Escolar e Organizacional, sendo a primeira, historicamente, associada ao trabalho
autônomo e tendo como objetivo a realização de tratamento psicológico e solução de problemas
de desajustamento. Mesmo com as mudanças dentro da profissão, da ampliação de outras áreas
de atuação, ainda visualiza-se uma prevalência na área clínica. Isso, possivelmente, se deve ao
fato de que o psicólogo ainda reconhece na clínica o local da “verdadeira” atuação da Psicologia
(Gondim, Bastos & Peixoto, 2010).
Embora o curso de Psicologia tenha caráter generalista, a discussão sobre a atuação dos
psicólogos no contexto prisional demanda um aprofundamento de conhecimentos que não são
possíveis apenas com a graduação, principalmente se essa graduação não aborda a temática,
tornando a formação complementar necessária. Entre os entrevistados, apenas 3 fizeram cursos
de especialização voltados para a área, o que pode representar uma escassez de cursos que
abarquem a temática. Tal escassez pode ser explicada também por uma recenticidade na
discussão do trabalho no contexto da segurança pública e do sistema prisional ou pelas
110
dificuldades em propor estratégias de formação independentes, uma vez que a atuação se
conecta diretamente a uma dimensão institucional punitiva.
Alguns profissionais relataram a ausência da discussão sobre o trabalho do psicólogo
nesse campo, o que pode estar ligada ao fato de ser uma área mais recente da Psicologia,
representando a precariedade destes cursos de graduação em oferecerem a discussão sobre esse
campo de atuação.
Quando questionados acerca do referencial teórico adotado em sua prática, os
profissionais responderam: a Psicanálise; a Abordagem Centrada na Pessoa; a Terapia
Cognitivo-Comportamental e Psicoterapia Breve. Outros profissionais afirmaram não utilizar
nenhum referencial teórico e outro não soube dizer quando questionado, tendo, nesse caso,
assimilado referencial teórico à utilização ou não de testes psicológicos ou à realização de
capacitações.
Como assim? (...) É como eu lhe disse, nós fizemos essas capacitações todinhas, mas o
material pra gente trabalhar nunca nos foi fornecido, é complicado. Mas, assim, no caso
se eu quiser qualquer material que eu quiser usar, eu tenho que comprar, com recursos
próprios, mas eu nunca quis não. Porque no caso, a gente passou pela capacitação pra
trabalhar com testes, mas esses testes nunca forma usados, nunca. Porque no caso tinha
que ser assim, até pediram uma relação uma lista pra gente fazer, pra gente mandar, se
mandou, mas nunca chegou não. (PSI07)
Percebe-se que os referenciais teóricos que norteiam as práticas dos psicólogos se
aproximam tradicionalmente da área clínica. Desse modo, ressaltando que o trabalho exercido
majoritariamente dentro das prisões consiste no atendimento clínico e individualizado, destaca-
se que ainda há a crença de que esse tipo de atuação seja sinônimo do que é Psicologia. A
atuação dos psicólogos no âmbito prisional, assim como em todos aqueles em que o público
atendido seja pertencente à uma população pobre, exige saberes que “estão fora do escopo que
111
a Psicologia delimitou nos seus campos de saber” (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.21), o que
demanda a construção de novos conhecimentos no campo e mudanças na postura que tem
marcado historicamente o trabalho dos psicólogos. Nota-se também uma dificuldade na
utilização de outros campos do conhecimento, não só da Psicologia, mas de outras áreas, que
poderiam ser utilizadas na atuação desses profissionais no campo da segurança pública.
Segundo Bastos e Gomide (2010), o percentual de psicólogos que atuam na área clínica chega
a 60,7%.
Quando questionados se consideram que a formação de graduação e/ou pós-graduação
foi suficiente para subsidiar o trabalho atual e quais as possíveis lacunas que dificultam a
atuação, 5 profissionais apontaram que, quase sempre, precisaram buscar em outros lugares
conhecimentos sobre o campo, devido à falta de disciplinas sobre a temática oferecidas pela
graduação. Ademais, mesmo aqueles que consideraram a formação suficiente, apontaram que
não viram durante o curso nenhuma disciplina relacionada ao sistema prisional e que, apesar da
importância da graduação, o conhecimento construído para o trabalho nos presídios ocorreu a
partir da prática diária ou por meio da busca individual pelo conhecimento na área.
Há uma fragilidade na formação dos psicólogos que se deve não só à escassez de cursos
de especialização sobre o campo prisional, mas, principalmente, à precariedade dos cursos de
graduação em oferecerem disciplinas e discussões voltadas para o campo. Apesar do debate
sobre atuação dos psicólogos nos presídios estar ganhando força nos últimos anos, as queixas,
entre os psicólogos que se formaram há 40 anos e os que se formaram há 10 anos, se
assemelham. Parece fundamental e urgente que os cursos de Psicologia possam promover
discussões mais críticas e formar psicólogos comprometidos socialmente com a garantia dos
direitos humanos e com a luta contra as desigualdades sociais.
112
Trajetória profissional
Sobre a trajetória profissional, os psicólogos elencaram como motivos para terem se
inserido nos presídios paraibanos: o desejo de trabalhar em prisões, a afinidade com o campo,
melhoria salarial, flexibilidade de horários, oportunidade de ingressar na equipe de saúde,
indicação, transferência ou por entender que seria um desafio. Os anos de ingresso no sistema
prisional paraibano e no presídio em que trabalham atualmente variaram entre 1978 e 2012.
Os entrevistados, em sua maioria, atuam no sistema prisional há bastante tempo: apenas
3 não trabalharam em outra instituição prisional anteriormente, e os outros 7 chegaram a
trabalhar em todos os presídios da capital e alguns atuaram inclusive como diretores. Sobre a
participação em treinamentos ou capacitações para o trabalho nos presídios, os psicólogos
relataram que participaram de cursos junto à equipe e que esses foram oferecidos pelo
Ministério da Saúde. De acordo com os participantes, os cursos eram voltados para a atuação
das equipes de saúde nas prisões, a partir dos fundamentos do SUS e tratavam da aplicação dos
testes rápidos de saúde, tuberculose, HIV, sífilis, etc.
Quando questionados sobre o PNSSP e a PNAISP, as respostas dividiram-se entre
aqueles que conheciam o plano e a política e puderam discorrer sobre, os que disseram
conhecer, mas não sabiam falar sobre o que é, e aqueles que sequer conheciam, mesmo atuando
a partir do que é estabelecido nesses dois dispositivos.
Conheço. Assim, conhecer não seria o termo, eu sei que existe nos presídios, sei que é
como se é... Pra falar a verdade po, isso é uma balela, não funciona direito, sabe? Tem
todos os profissionais, tem dentista, tem o médico, o assistente social, o psicólogo,
técnico, mas eu acho que não funciona direito não, sabe. (...) Funciona assim, o básico
dos básicos, tem alguém ferido, vem fazer um curativo, tem alguém agitado, vem tomar
um calmante, alguém que.. se tiver material , tá precisando extrair um dente, vai. Essas
coisas assim, é tudo muito precário, no sistema é tudo muito precário. (PSI01)
113
Sim. Poderia me explicar um pouco? Eita mulher, pra explicar assim, porque eu tenho
visto muito por cima. Entendeu? Mas você se inseriu a partir desse plano? Sim, a
partir do plano. Mas, contato com a política, com o plano... Não. (PSI02)
Desse modo, percebe-se que o ingresso desses profissionais por meio da política de
saúde não implicou numa discussão acerca do que é trabalhar com atenção básica, além disso,
mostra que tais profissionais sequer sabem o que é esperado por eles a partir do ingresso pelo
SUS, “a ausência de um conhecimento acerca do que seria sua atuação na atenção básica é um
fator adicional na ‘inadequação’ do seu trabalho” (Oliveira, Silva & Yamamoto, 2007, p. 9).
Condições de trabalho
O trabalho dos psicólogos no Brasil, de forma geral, é marcado pela precarização, baixa
remuneração, fragilidade dos vínculos, péssimas condições estruturais e sobrecarga de trabalho.
No campo prisional, alguns desses fatores são potencializados, sendo o trabalho dentro dos
presídios ainda mais desgastante e com uma série de questões próprias. Sendo assim, o objetivo
dessa seção é abordar as condições de trabalho dos psicólogos inseridos nos presídios
paraibanos e como estas condições afetam diretamente a atuação desses profissionais e o
desenvolvimento de suas atividades. A tabela 2 expõe os dados referentes à condição de
trabalho dos profissionais:
Tabela 2
Condições de trabalho
Condições de trabalho N
Vínculo Empregatício Estatutário 5
Contrato 5
Remuneração Entre 2.000 reais e 3.000 reais 3
Entre 3.001 reais e 4.000 reais 6
Acima de 4.000 reais 1
Regime de Trabalho 20h/semanais 9
30h/semanais 1
114
A tabela 2 expõe os dados referentes à condição de trabalho dos profissionais. Dos 10
participantes, 5 possuem vínculo por contrato e 5 são funcionários do estado. Nota-se que a
metade dos entrevistados possui contrato temporário, o que expõe a fragilidade dos vínculos,
fator que consiste em uma preocupação para aqueles que estão há mais tempo inseridos no
sistema prisional, apontando que convivem com a insegurança e o receio de demissão. Esse tipo
de vinculação também os impede de atuar de uma forma que divirja do que é esperado pelo
serviço, de modo que, se já é difícil uma prática que questione o modelo de prisão posto, devido
às inúmeras barreiras e ao clima de medo próprio desses locais de trabalho, no caso dos que
possuem uma vinculação mais frágil, tais questionamentos e possibilidades de confronto, de
propostas de alternativas, são enfraquecidas, engessando o trabalho ou fazendo com que ele
ocorra alienadamente.
Outra dificuldade colocada pelos profissionais é a baixa remuneração, os mesmos
apontam para a defasagem do salário.
Como se diz, o salário daqui é uma vergonha, é vergonhoso, eu acho que é o Estado que
pior paga (PSI03)
É irrisório, eu acho que o que eu ganho aqui dá pra botar gasolina no meu carro. (PSI03)
Esse salário aqui não é nada, entendeu? Esse salário é desfasadíssimo (PSI09)
Além disso, apontam para a desvalorização da profissão no campo prisional, no qual
agentes penitenciários, sem formação superior, possuem salário maior do que os psicólogos.
Hoje um agente de segurança ganha mais do que a gente. Não tô, de jeito nenhum,
desvalorizando não o trabalho deles, o risco dele é bem maior do que o da gente, a gente
também corre, mas o deles é bem maior. (PSI03)
Além da alta demanda, os profissionais também denunciam as condições precárias das
estruturas físicas dos presídios. Não é novidade o fato de que os campos de atuação dos
psicólogos no Brasil são marcados pelas condições precárias de trabalho, mas, nas prisões, essas
115
condições são ainda mais degradantes. Os psicólogos relataram sobre a ausência de um espaço
próprio e as péssimas condições de infraestrutura. Em alguns locais de trabalho, as atividades
precisam ser realizadas nas próprias celas ou em corredores.
Não tem nada, nem ambiente pra atender. Eu já me propus até a atender no corredor.
(PSI03)
(...) não tem um espaço adequado pra gente realizar os atendimentos, como você tá
vendo, a gente atende numa cela. O ambiente em si, ele já não é tão acolhedor. Aí, aqui
a estrutura por ser muito antiga, a gente não tem como ter só uma sala específica pra
gente fazer os atendimentos, enquanto estrutura, estrutura deixa a desejar. (PSI08)
Quando possuem sala, muitas vezes, essas precisam ser divididas com a equipe ou, na
maioria das vezes, com os assistentes sociais, sendo necessário pedir para que os outros
profissionais se retirem do local quando o atendimento é iniciado.
(...) depois desse concurso do agente penitenciário, a maioria dos agentes era de fora,
teve que fazer alojamento, aí foi tomando a sala, tomando a sala, resultado: terminou a
parte da psicóloga e assistente social junto. (PSI06)
(...) o meu é aquele de lá, que sou eu e a assistente social, certo? Então não pode existir
uma privacidade, não pode. (PSI01)
Só que (...) aí então na área só para a equipe de saúde, a sala do psicólogo é isolada,
botaram o alojamento pra os agentes, aí eu fico dividindo minha sala com a assistente
social. Então na hora que eu vou trabalhar com a pessoal, ela tem que sair. (PSI09)
Em alguns casos, os presídios passaram por algum tipo de reforma ou foram construídos
mais recentemente e os profissionais possuem salas próprias e um ambiente adequado, porém,
a precariedade ainda é extrema no que se refere à estrutura física para os presos. Em
absolutamente todos os presídios, a superlotação se faz presente. Os presos encontram-se
116
amontoados nas celas sujas, sem camas suficientes, sendo necessário muitos dormirem no chão
em espaços minúsculos.
Não é muito adequado não, porque assim, no sentido da superlotação, né? Porque um
espaço projetado pra 10 presos, tem 20. (PSI05)
Agora as condições físicas do presídio para os presos é precária demais, é como eu lhe
disse, eles assim, estão amontoados, porque na época, no ano passado tinha X presos,
tava cheio, agora tá com mais de mil, entendeu? Os pavilhões não passaram por
nenhuma reforma, a reforma que passou foi antiga, alguns tem cama pra dormir, tem as
beliches, as beliches que eles fazem de alvenaria mesmo, que já é feito lá mesmo
próprio. E os que não tem onde dormir, dorme no chão, assim, eles chamam na BR,
sabe? Tem beliche do lado e do outro, ai eles chamam assim, tem uns que dormem
dentro do banheiro. Isso é porta de entrada pra tudo que é doença, patologia, tudo, de
tudo que é qualidade nós temos lá. É complicado. (PSI06)
E para os presos já é diferente, não é tão organizado assim, é superlotado... é,
superlotado, super sujo. (PSI09)
Para além da infraestrutura precária, há ainda os relatos da falta de materiais para o
trabalho dos psicólogos, como papel para impressão, a própria impressora, mesas,
equipamentos que possibilitem passar vídeos, sendo necessário, muitas vezes, os próprios
profissionais comprarem os materiais, utilizando do próprio dinheiro para que o trabalho possa
ser realizado ou para que o preso tenha acesso a algum direito. Há também queixas da ausência
de recursos para a compra de testes psicológicos.
(...) quando a ação social consegue, quando não consegue, eu e a assistente social, a
gente dá um jeito, dá dinheiro pra ir embora, vai ficar fazendo o que aqui, vai roubar?
(PSI09)
117
Nós não recebemos há 1 ano e meio material de escritório, não tem borracha, uma
entrevista tem que imprimir 21 páginas de papel, frente e verso, eu sou quem compro o
papel, mando imprimir, lá tem impressora, imprime, mando botar mesa, mando botar
tudo pra pessoa trabalhar (PSI09)
As condições de trabalhos dos psicólogos no campo prisional consistem em um desafio
para a atuação desses profissionais. A realidade da alta demanda de trabalho, baixa
remuneração, péssimas condições das áreas em que trabalham, a superlotação das celas, a
insalubridade, entre outros, são cenários recorrentes nesse campo de atuação. Os psicólogos
que trabalham nas instituições prisionais além de precisarem lidar com a precariedade das
condições no seu local de trabalho, convivem com as péssimas condições de sobrevivência da
população que atendem e se relacionam (CFP, 2009).
Segundo Bastos, Gondim e Borges-Andrade (2010), existem 16% de psicólogos que
não atuam na profissão, seja pelo desemprego, seja por estarem trabalhando em outros campos.
A manutenção de vários vínculos é comum entre os profissionais da psicologia, não só no
acúmulo de trabalhos que envolvem a Psicologia, mas também daqueles psicólogos que somam
sua prática às profissões em outros campos. Outro dado relevante é que, mesmo se inserindo de
várias formas no mercado de trabalho, a renda dos profissionais permanece baixa para sua
maioria. A partir do cenário exposto, o que se pode perceber é que há ainda uma vulnerabilidade
enorme para o trabalho do psicólogo e o delineamento dos próximos anos permanece apontando
para a manutenção de trabalhos precarizados e, como consequência, trabalhadores expostos e
fragilizados.
A prática dos psicólogos nos presídios paraibanos
Esta seção é destinada à apresentação e discussão dos resultados referentes à prática
desempenhada pelos psicólogos nos presídios pesquisados. A partir da leitura das entrevistas,
118
emergiram questões que pareceram fundamentais para a análise acerca do trabalho
desenvolvido pelos profissionais nos espaços prisionais. Nesse sentido, foram construídos
tópicos que têm como objetivo abarcar não só quais são e como têm se dado as atividades
desenvolvidas pelos psicólogos no campo prisional, mas especialmente, os discursos
produzidos por eles no contexto pesquisado e como esses se relacionam com a Política
Criminal.
Dito isto, optou-se por analisar a prática dos psicólogos nas prisões paraibanas a partir
de 3 dimensões. A primeira refere-se à inserção do psicólogo nas unidades prisionais enquanto
profissional da equipe de saúde. Sendo assim, abordará as atividades que vem sendo
desempenhadas pelos psicólogos a partir do que espera-se deles na política de saúde, bem como,
o funcionamento, limitações e particularidades dessa política.
A segunda é direcionada à discussão sobre os aspectos específicos da Psicologia no
âmbito prisional. Portanto, abarcará questões relacionadas à prevalência da perspectiva clínica
na prática desses profissionais, concepção de sujeito, influência das criminologias positivista e
liberal e como tem se dado a produção de documentos e do exame criminológico nesses
espaços. Optou-se por debater tais temáticas de forma separada, por entender que são questões
próprias da Psicologia, independentes e anteriores à existência das políticas de saúde nas
unidades prisionais.
Por fim, compreendendo que existem questões específicas do funcionamento dos
presídios e que estas influenciam diretamente no trabalho desenvolvido pelos psicólogos nesses
locais, foi elaborado o terceiro tópico. Neste, pretende-se analisar as particularidades das
prisões, o funcionamento, as normas, a hierarquia e como essas questões afetam e influenciam
o trabalho desses profissionais nos presídios.
A inserção dos profissionais pela Política de Atenção Integral
119
Os profissionais que se inserem no sistema prisional a partir da PNAISP, passam a fazer
parte de uma equipe de saúde, cuja composição já foi exposta anteriormente. A partir da
pesquisa, observou-se que, de forma geral, a atuação dos psicólogos junto às equipes de saúde
se assemelha em todo o estado paraibano.
No tocante às atividades desempenhadas por esses profissionais a partir da inserção pela
política de saúde, essas têm consistido basicamente na realização do acompanhamento
individual dos presos e algumas ações pontuais junto à equipe, como a realização de testes
rápidos de saúde, divulgação de resultados e algumas palestras. Sobre o trabalho junto às
equipes de saúde, os psicólogos discorrem:
Todo esse trabalho que vai lá pra baixo, trabalho de vacina, vem as campanhas de
vacina, de teste rápido pra HIV, pra hepatites virais, para as sífilis e tudo isso eu
acompanho, né, pra dar um suporte psicológico pra todos eles (PSI01).
A gente faz aconselhamento de teste rápido. (...) Teste rápido é pra HIV, hepatite e
sífilis, então a gente faz o aconselhamento e faz uma entrevista também. Ai depois dessa
entrevista que pode ser feita por mim ou pela assistente social, ela vai pra enfermeira
onde vais ser feito o teste e depois a gente dá o resultado (PSI05).
No que se refere aos atendimentos individuais, os profissionais relataram que, no
primeiro momento, é preenchido um prontuário do preso contendo informações referentes ao
motivo pelo qual foi preso, relação com a família, se faz uso de medicamentos, entre outros
fatores. Nesse mesmo documento são anexadas as informações dos presos durante sua
permanência na prisão, seu comportamento, se possui algum problema de saúde ou se cometeu
alguma falta. Esse prontuário é utilizado pelos profissionais como forma de avaliação do sujeito
preso, a partir das condições individuais e do que ele vivência na prisão.
Para além dos prontuários, os profissionais relatam que fazem o atendimento individual
diariamente. Para tanto, os próprios psicólogos definem quais os presos terão atendimento,
120
sendo priorizados, segundo os profissionais, presos com algum tipo de transtorno ou que
estejam com alguma doença devido à demanda. Além da escolha dos presos feita pela equipe,
eles afirmaram que eles próprios podem solicitar o atendimento, que fica sujeito ao desejo do
agente em levá-lo à sala da equipe.
Os profissionais relataram que os atendimentos consistem em escutas que visam
compreender qual a demanda daquele preso e, a partir disso, encaminhá-lo para o médico,
dentista, assistente social ou outro profissional da equipe. Sobre a regularidade dos
atendimentos, alguns profissionais relataram que em caso de necessidade, marcam 4 sessões
com os presos que acontecem semanalmente, ou optam por manter a frequência dos
atendimentos apenas com aqueles que fazem uso de medicação.
Desse modo, o contato principal dos psicólogos com os presos é dado de forma
extremamente superficial e limitada, tendo em vista que a alta demanda, a dependência ao
agente, a ausência de privacidade e a impossibilidade de manter uma regularidade dos
atendimentos são elementos constantes e com os quais os psicólogos não têm criado estratégias
de superação.
Embora, como aponta Seixas (2014), o discurso sobre compromisso social tenha
avançado nos últimos anos entre os psicólogos e, a partir da pesquisa, é possível notar a
existência de profissionais que ensaiam essa discussão, tem-se ainda uma limitação extrema
dentro da atuação desses profissionais nos espaços prisionais em compreender sua prática para
além do atendimento individualizado. Ademais, mesmo entre profissionais que não se limitam
a esse tipo de atividade e que, minimamente, conseguem se desprender do modelo tradicional,
circulando pelas unidades e questionando prática de torturas, ainda percebe-se a permanência
de uma prática tecnicista voltada para ações puramente paliativas.
(...) o que eu utilizo mais do plano aqui, junto a equipe, a parte de testes rápido, que a
gente faz aconselhamento de teste rápido. (PSI02)
121
A minha rotina, a minha atividade é a seguinte: a gente tem a programação de outubro
rosa, a gente trabalha com as mulheres dinâmica de grupo, trazendo as pessoas pra fazer
maquiagem. (PSI09)
Compreende-se que a Psicologia não conseguirá resolver todas as demandas do público
prisional, pois estas estão vinculadas às condições de funcionamento do cárcere, precária e
desumana, cuja resolução transcende à Psicologia. No entanto, as demandas que poderiam ser
minimizadas ou resolvidas não têm tido resolução, pois há um déficit na formação e uma
manutenção de uma prática extremamente conservadora, uma vez que os profissionais não
possuem bases teóricas que sejam condizentes à realidade do público atendido e ao local de
atuação e utilizam critérios que estão muito mais ligados à demanda da instituição. Nesse
sentido, é possível perceber que há muito mais um trabalho dos profissionais no sentido de se
adequarem aos interesses da instituição do que que seja efetivamente voltado para o público
privado de liberdade (Carvalho & Silva, 1990).
(....) ainda atuam conforme aquilo que aprenderam na Academia, fundamentados pelo
modelo biomédico hegemônico, alheios, portanto, e, por que não dizer, incapazes de
agir de modo crítico e inovador frente aos problemas de saúde que trazem os princípios
e diretrizes do SUS. Levando-se em consideração tais questões, torna-se difícil pensar
e/ou observar práticas integrativas ou interdisciplinares nesse grupo de profissionais,
uma vez que suas ações ainda se apresentam despreparadas e descontextualizadas da
noção de coletivo que, atualmente, guiam as práticas em saúde (Freire & Pichelli, 2010,
p.850).
Se o trabalho desenvolvido pelos psicólogos na saúde possui diversas questões que
impossibilitam uma atuação coerente aos princípios do SUS, nas prisões, foi possível perceber
que tal prática tem efeitos ainda mais preocupantes. Os dados apontaram para o fato de que as
atividades realizadas pelos psicólogos que trabalham nas prisões paraibanas ainda estão
122
voltadas para uma escuta que coloca o sujeito atendido enquanto único responsável por
mudanças.
O planejamento das atividades que serão realizadas varia de acordo com cada
instituição, sendo, de modo geral, uma vez ao mês. Porém, em algumas unidades este
planejamento acontece uma vez ao ano ou sequer é realizado. Sobre o registro das atividades,
esse é feito em prontuários em que toda a equipe tem acesso, além disso, alguns psicólogos
relataram sobre a existência de documentos específicos que servem como prestação de contas
ao SUS e no quais são registrados os atendimentos.
Observou-se que, embora a política de saúde proponha a garantia de inúmeros direitos,
alguns pontos estabelecidos por ela não são condizentes com o retrato atual das prisões
pesquisadas. Assim como outros dispositivos legais, a PNAISP também não é cumprida em sua
totalidade nos espaços prisionais, o que tem gerado limitações na execução dessa política (silva,
2015).
Tal realidade pode ser visualizada a partir do questionamento aos profissionais sobre o
público alvo. Os profissionais entrevistados afirmaram que este é composto apenas pelos presos
e seus familiares, embora apontem que, quando necessário e solicitado, eles também realizam
atendimento com os agentes penitenciários. Mesmo afirmando que o trabalho está voltado para
esse público, alguns profissionais discorreram sobre a impossibilidade de atender toda a
demanda, tendo em vista que em alguns presídios o número de presos é superior a mil.
Todo, precisou eu estou à disposição de todos os funcionários, bem como dos apenados
e da família dos apenados. Agora, você sabe que falando é muito bonito, mas quando
você vem pra prática deixa muito a desejar, porque são mil e poucos presos, né. Cada
preso desse tem uma família e tem os agentes. (PSI01)
Só os apenados e não dá nem de conta porque um presídio que tem mil e tantos presos,
pra um profissional só (PSI03)
123
No caso dos agentes penitenciários, os psicólogos se colocam à disposição caso estes
sintam necessidade de buscar algum tipo de auxílio, porém, apontam sobre a dificuldade em
dar conta de um público tão alto e da resistência que esses funcionários têm em entrar em
contato. Considerando que o lugar que o agente penitenciário ocupa não os permite
demonstração de “fragilidades", desse modo, é esperado que a procura por um atendimento
psicológico seja visto por esses profissionais como sinônimo de fraquejar diante das
dificuldades de trabalho, o que também está relacionado ao machismo da profissão e do
ambiente prisional.
Os agentes é assim, a gente oferece, é explicado pra eles que a equipe também está à
disposição pra atendimento deles. É tanto que tem deles que passa pela médica quando
tão com alguma queixa, com a dentista também, por mim, raramente, algum me procura.
Já chegou casos deu observar no cotidiano, da gente ter aquele contato, e por eu perceber
uma mudança no comportamento, ou até o diretor também “oh o meu agente ta assim,
vê se ele aceita conversar com você”. E já houve tentativa nesse sentido, mas não de
uma busca espontânea, né? Mas é mínima a participação, mas eles sabem que eles
podem procurar o atendimento também. (PSI08)
Eu como psicóloga eu atendo família e apenado, se o agente precisar sim, mas os agentes
vão mais pra parte da enfermagem médico. Porque quando ele vem a gente até orienta
pra ele procurar um psicólogo fora, porque como eles tão de plantão, nunca pode sair.
Só quando ele tá muito aperreado, que a gente conversa com eles, tudinho, mas só a
parte assim, de um apoio. (PSI06)
Sobre a regulamentação das equipes necessárias para o trabalho nos presídios, a
PNAISP discorre sobre a quantidade de profissionais e como estas equipes devem ser
compostas para instituições com números entre 301 e 700 presos. O detalhamento desta
informação pode ser vislumbrado na tabela 3 que segue:
124
Tabela 3
Equipes de Saúde necessárias para instituições que possuem entre 301-700 custodiados
Tipo de equipe Profissionais
Equipe Atenção
Básica Prisional
Tipo II (EABp II)
1 Médico, 1 Enfermeiro, 1 Técnico ou Auxiliar de Enfermagem, 1
Assistente Social, 1 Psicólogo, 1 profissional de nível superior
(Terapeuta Ocupacional, Fisioterapeuta, Nutricionista ou
Farmacêutico);
Equipe Saúde Bucal
Prisional (ESBp)
1 Cirurgião-dentista, 1 Técnico de Saúde Bucal ou Auxiliar de
Saúde Bucal;
Equipe de Saúde
Mental Prisional
(ESMp)
1 Médico Psiquiatra ou médico especialista em saúde mental, 2
Profissionais de Nível superior (Terapeuta Ocupacional,
Fisioterapeuta, Psicólogo, Assistente Social, Enfermeiro ou
Farmacêutico)
É possível perceber o desacordo entre a realidade e o que é proposto ao compararmos
as equipes presentes nos presídios com o que é solicitado pela PNAISP. Além do
descumprimento referente aos profissionais que estão presentes nas instituições, de acordo com
as normas da Política, nos presídios com mais de 700 custodiados deveria haver um acréscimo
na quantidade de equipes de saúde. No entanto, como já mencionado, em todas as instituições
pesquisadas, havia apenas 1 equipe de saúde atuando.
Outro ponto proposto a partir da entrada das equipes de saúde nos presídios seria
promover a diminuição das fronteiras entre as instituições com as redes de serviços de saúde,
bem como a facilitação e garantia da permanência do vínculo entre as pessoas privadas de
liberdade, seus familiares e a comunidade. Na prática, o que se observou é que a relação entre
as unidades prisionais e as redes de saúde é mínima. Os psicólogos relataram que, em casos
mais graves, é solicitado que o preso seja encaminhado para algum hospital. Quando trata-se
de alguma questão psicológica, é feito o encaminhamento do preso a Penitenciária de
Psiquiatria Forense de João Pessoa, no qual o apenado fica determinado período e depois
retorna ao presídio.
Porque eu não posso aprofundar essa psicoterapia ai nesse meu atendimento se eu ver
que há a necessidade de um atendimento psiquiátrico, ai eu encaminho, eu faço um laudo
125
e encaminho para a médica, ai a médica faz um laudo e encaminha para o manicômio
judiciário, que nesse ínterim tem que ter, a gente passa para o diretor e o diretor pede
para o juiz para ele ser encaminhado. (PSI01).
O Manicômio Judiciário trata-se de um dispositivo que muito se assemelha ao cárcere:
uma estrutura de controle, reprodutora do medo e da violência, incapaz de prestar assistência
integral e que não se relaciona aos serviços de atenção à saúde (Correia, Lima & Alves, 2007).
Além de ser utilizado para lidar com os presos que estejam passando por sofrimento
psicológico, ele é também utilizado como mecanismo para lidar com a questão das drogas.
Sendo assim, o que tem acontecido está muito longe de um fortalecimento com as redes de
serviço de saúde ou uma atuação que vise a prevenção e reabilitação dos usuários (colocadas
como ações prioritárias da PNAISP), trata-se da manutenção de uma política de
encarceramento, a qual baseia-se no controle, na vigilância e na disciplina (Correia et. al.,
2014).
Porque tem muitos aqui que têm síndrome de abstinência, então que é necessário ir pra
um atendimento, só que ontem mesmo eu coloquei: necessita de um atendimento
especializado numa clínica para desintoxicação. Mas é impossível isso, eles vão pro
manicômio judiciário, aí você sabe, passa uns dias desintoxicando, aí volta (PSI01).
Os objetivos centrais tanto do Plano quanto da Política de saúde seriam trabalhar no
sentido da prevenção e promoção em saúde, de forma que o SUS pudesse se efetivar dentro
desses espaços. No entanto, notaram-se inúmeras barreiras para a concretização desses
objetivos. O princípio da universalidade do SUS, por exemplo, que defende o acesso aos
serviços de saúde para todas as pessoas de forma indiscriminada, é nitidamente descumprido
no âmbito prisional. Primeiro, devido ao fato de que nem todos os presídios estão sendo
atendidos pela PNAISP e outros que sequer possuem profissionais da saúde atuando, tornando
quase inacessível a garantia de saúde aos sujeitos encarcerados. Além disso, nas unidades em
126
que as equipes de saúde estão inseridas, isso não tem representado a garantia de saúde à todos
os apenados, tendo em vista que é necessário traçar critérios de seleção para escolha dos que
serão atendidos, de modo que as equipes de saúde são incapazes de abarcar toda a demanda.
A não efetivação de muitos dos pontos colocados pela PNAISP apontam que a realidade
precária das prisões não se alterará a partir da implementação de uma política de saúde. A alta
demanda, a dependência do desejo da direção e dos agentes em auxiliarem o acesso aos presos,
a estrutura física precária, são apenas alguns dos exemplos de como o trabalho das equipes de
saúde pode ser facilmente impossibilitado de se realizar.
As falas dos entrevistados também apontaram para as inúmeras dificuldades no
desenvolvimento de ações de saúdes, nos presídios, voltadas para o campo da prevenção. As
atividades de cunho preventivo ocorrem por meio do aconselhamento junto aos familiares e de
ações junto aos presos, como palestras ou momentos de conscientização, por exemplo o
“outubro rosa” e o “novembro azul”. De forma majoritária, os psicólogos têm atuado junto à
equipe para lidar com os problemas já existentes, focalizando no tratamento das doenças e em
situações emergenciais.
Se, por um lado, a implementação da política pôde trazer um olhar mais cuidadoso com
a população privada de liberdade, por outro, as falhas de execução e de cumprimento das suas
medidas escancaram as barreiras impostas pelo sistema prisional em modificar suas estruturas.
O cenário recorrente é o do não cumprimento da PNAISP em sua totalidade, havendo uma série
de questões que não estão de acordo com o que é proposto e outras que são limitações impostas
pelos próprios presídios, tornando a Política com pouco alcance e pouco eficaz no que se refere
à proposta de mudanças inovadoras e estruturais ao cenário.
A partir dos dados da pesquisa, tem-se algumas questões: a primeira refere-se ao fato
de que as prisões impõem, a partir do seu funcionamento e da sua proposta enquanto mecanismo
de encarceramento, limites estruturais para efetivação da política de saúde e de qualquer outra
127
que vise garantir melhores condições aos presos. A segunda trata das próprias limitações das
políticas em efetivarem o que propõem. Há muito o que se avançar com relação ao trabalho
desenvolvido pelos psicólogos junto às equipes, inclusive em saber qual seu papel e lugar nesse
cenário.
A inserção dos psicólogos por meio das equipes de saúde consiste, para os próprios
profissionais, em uma ampliação do olhar de cuidado com o público atendido, porém, isso não
representou um rompimento com o tipo de prática psicológica que já era desempenhada.
Algumas concepções mais tradicionais da própria Psicologia não se alteraram apenas porque
os psicólogos deixaram de ter como foco a produção de laudos e passaram a atuar junto à equipe
de saúde. Entende-se, portanto, que a atuação dos psicólogos junto às equipes nos presídios
consiste em um ganho, no sentido de uma aproximação dos presos com uma mínima garantia
do direito à saúde, nos casos em que a política consegue se efetivar. Por outro lado, nas
condições em que é que é desenvolvido o trabalho dos psicólogos, as atividades têm consistido,
majoritariamente, em reforçar a atuação clínica e atividades tecnicistas.
Qualquer iniciativa que torne menos dolorosas e danosas à vida na prisão, ainda que ela
seja para guardar o preso, deve ser encarada com seriedade quando for realmente
inspirada no interesse pelos direitos e destino das pessoas detidas e provenha de uma
mudança radical e humanista e não de um reformismo tecnocrático cuja finalidade e
funções são as de legitimar através de quaisquer melhoras o conjunto do sistema
prisional (Baratta, 1990, p. 142).
Parte-se do entendimento que a discussão levantada, acerca do trabalho das equipes de
saúde nos presídios não propõe relativizar a necessidade de garantia de saúde nesses espaços,
tendo em vista que não se pode perder de vista a defesa pelos direitos humanos em todos os
âmbitos, em especial, no campo da saúde prisional; tão pouco propõe realizar uma análise
aprofundada acerca da PNAISP e sua implementação, tendo em vista que necessitaria uma
128
discussão mais avançada sobre o papel das políticas sociais no cenário prisional, além de uma
pesquisa que abarcasse a atuação dos outros profissionais. Mas, a partir do cenário exposto, das
limitações e da manutenção de práticas tradicionais, de forma majoritária, torna-se urgente o
debate acerca de como proporcionar o acesso à saúde nos presídios e qual o lugar que o
psicólogo precisa ocupar na defesa pela garantia dos direitos humanos. Tendo em vista que a
atuação desenvolvida, limitada ao atendimento individual tem muito mais servido aos desejos
da instituição carcerária e culpabilizado os sujeitos presos, do que atuado no sentido do
compromisso com as classes sociais atendidas pelas políticas sociais no cenário prisional.
A Psicologia nas prisões: a produção de “verdades competentes”
Historicamente, a atuação dos psicólogos no sistema prisional esteve voltada para a
realização de laudos psicológicos e exames criminológicos. Com a ação vinculada à equipe de
saúde, a produção dos documentos passou a ocupar um espaço bem menor no centro das
atividades realizadas pelos psicólogos paraibanos, o que difere do trabalho desenvolvido na
maior parte do Brasil, que tem como atividade central a produção desses documentos.
Na Paraíba, como já foi abordado, apesar de majoritariamente atuarem a partir da
política de saúde, quando solicitados pelos juízes, os profissionais voltam sua prática para a
elaboração de documentos que subsidiam decisões judiciais de progressão de regime ou
livramento condicional, seja por meio do exame criminológico, seja por meio dos pareceres.
O exame criminológico tem por objetivo atender a demanda do judiciário e avaliar se o
sujeito em privação de liberdade poderá ou não, a partir dos critérios do avaliador, obter a
progressão de regime ou livramento condicional. De acordo com o que é proposto na LEP
(1984), deve ser realizado a partir do acompanhamento do sujeito desde o momento da sua
entrada na unidade prisional até sua saída.
129
Os resultados apontam que, nos presídios paraibanos, sua produção tem se limitado ao
momento em que, depois de ter cumprido uma parte da pena, o juiz solicita a possível
progressão de regime ou livramento condicional. Sendo assim, não é realizado qualquer tipo de
acompanhamento contínuo junto aos presos, tornando o exame criminológico produzido pelo
psicólogo junto à CTC pouco ou nada diferente dos laudos que são produzidos pelos psicólogos
das equipes de saúde. No entanto, considerando que, historicamente, o exame criminológico
tem ocupado lugar central nas práticas dos psicólogos no sistema prisional e, recentemente,
fomentado inúmeras discussões acerca da sua desconstrução na Psicologia e no campo jurídico,
cabe aqui estabelecer algumas críticas específicas à sua produção.
A juíza elas as vezes encaminha, principalmente aquele preso que já está no período
de concluir a pena, ai ela solicita da direção uma avaliação psicossocial do apenado.
Ai a gente envia pra ela a resposta da avaliação atual do apenado, o que é que a gente
observou dele naquele momento. (PSI08)
Como já discutido, a elaboração do exame criminológico trata-se de uma prática que
considera que o profissional - podendo ser um assistente social, psiquiatra ou psicólogo - é
dotado de capacidade de prever o cometimento ou não de um crime, cabendo ao avaliador a
previsão de uma possível reincidência, como é apontado na fala de um dos entrevistados: “Sim,
através de testes, a gente pode, de certa forma, prever. ” (PSI05). Tal fala corrobora as análises
de Rauter (2007) ao afirmar que: “ao psicólogo é solicitado fazer previsões de comportamento
através de laudos que instruem a concessão de benefícios e a progressão de regimes, exercendo
uma espécie de futurologia científica sem qualquer respaldo teórico sério” (p. 43). Dessa forma,
foi possível perceber que, apesar dos avanços na discussão sobre o que caberia ou não aos
profissionais da Psicologia na construção do exame criminológico ou de qualquer outro
documento que subsidie decisões judiciais, ainda é presente o ideal do psicólogo enquanto
responsável por realizar previsões sobre possível reincidência.
130
Corroborando o pensamento de Rauter (2007) e com as discussões mais críticas
produzidas sobre a temática nos últimos anos, o Conselho Federal de Psicologia elaborou o
“Parecer técnico Sobre a Atuação do (a) Psicólogo (a) no Âmbito do Sistema Prisional”, que
destaca alguns pontos acerca da construção do exame criminológico. É reiterado pelo CFP
(2016) que o exame criminológico viola o princípio da legalidade, pois volta-se para a condição
de progressão de regime através de um parâmetro que não é proposto em lei, mas sim, a partir
da construção de um laudo que pode, inclusive, não obter consenso entre diversos avaliadores.
Com isso, o exame criminológico torna-se, em muitos casos, um instrumento de manutenção
da política de encarceramento baseado na justificativa de defesa social.
Outra questão levantada pelo parecer refere-se à ausência de condições para a realização
de um exame fidedigno, tendo em vista que, na maioria das vezes, o tempo utilizado para a
entrevista, uma ou duas horas, não possibilita que o avaliador possa conhecer a personalidade
do entrevistado. Desta forma, não é possível, nem a partir das técnicas utilizadas e nem com as
condições nas quais acontecem essas entrevistas, discorrer sobre uma provável reincidência. Os
dados obtidos na pesquisa apontam que a forma pela qual são realizadas as entrevistas com os
presos, condiz com os aspectos apontados, tendo em vista que, além de mostrarem as condições
inadequadas, descumprem as condições legais da elaboração desse documento, escancaram seu
caráter superficial e a relação de submissão dos psicólogos às demandas judiciais, tornando sua
prática puramente tecnicista.
Onde a gente chama o apenado, uma ou duas vezes, porque não dá pra chamar mais,
porque o tempo não dá, porque são muitos. E aí você atende, faz de conta que ele tava
equilibrado, que ele... não sei, porque não dá pra eu analisar você de uma vez só, numa
sessão só, eu não tenho uma varinha de condão (PSI03)
Para além dos fatores expostos, ainda é possível apontar para a violação da proteção
contra o direito dos sujeitos em não produzir provas contra si mesmos. Tendo em vista que os
131
documentos elaborados podem gerar, a partir da avaliação do que psicólogo considera
moralmente aceito, consequências negativas e servir como justificativa para que a progressão
de regime não seja aprovada.
O exame criminológico desrespeita diversos princípios do Código de Ética Profissional
do (a) Psicólogo (a), podendo se configurar como negligência, haja vista a
desconsideração das condições necessárias para a realização de um serviço de
qualidade. A Psicologia tem um papel social importante e seria uma indução
reducionista ou um erro fazer uma afirmação desprovida de um mínimo de
cientificidade. Isso é mais forte ainda quando se trata de uma análise técnico-pericial
que vai subsidiar decisões judiciais e um dos bens mais caros, a liberdade (França et al,
2016, p.38).
A demanda pela produção do exame criminológico no cenário prisional paraibano insere
os psicólogos em tarefas que têm se reduzido à disciplinarização dos sujeitos, a partir da
emissão de juízos por parte desses profissionais, o que vai de encontro aos princípios éticos que
norteiam a prática da Psicologia. A forma como são realizadas as entrevistas que subsidiam a
construção do exame, sua elaboração e o que se espera dos seus resultados, além de contribuir
para manutenção do ideal do psicólogo enquanto profissional dotado do saber científico que
possibilitaria a previsão da criminalidade, reduz a atuação do psicólogo a uma atividade
puramente mecânica, cuja finalidade tem servido muito mais para atender às necessidades do
aparato judiciário.
Tendo tecido tais comentários acerca do exame, se faz necessário destacar alguns
elementos que não se limitam à sua produção. Foi observada uma série de fragilidades tanto na
elaboração do exame criminológico produzido pelo psicólogo inserido na CTC, como na
construção dos laudos psicológicos pelos profissionais das equipes de saúde. Estas fragilidades
são inerentes à elaboração desses documentos por psicólogos no âmbito prisional, como: a
132
ausência de sigilo das informações coletadas, a ausência de confiança entre profissional e
apenado, a forma como as avaliações são produzidas, a veracidade das informações reveladas,
a influência do positivismo, a culpabilização das famílias, etc.
A ausência de sigilo durante as entrevistas para construção desses documentos é um
ponto fundamental nessa discussão, tendo em vista que as informações levantadas a partir do
diálogo com os presos podem vir a gerar consequências negativas para sua vida. Diferente de
outros espaços, no âmbito prisional, as informações cedidas pelos apenados serão anexadas ao
seu processo e não se manterão apenas sob domínio do psicólogo. Somando-se a isto,
frequentemente, as entrevistas e até mesmo o atendimento, são realizados em uma sala com a
presença de um agente penitenciário, excluindo qualquer possibilidade de se estabelecer o sigilo
durante esse processo. Consequentemente, a confiança entre psicólogo e preso torna-se quase
impossível de ser estabelecida.
Então não pode existir uma privacidade, não pode, porque você não atende preso
sozinha, eu não atendo preso sozinha, sem ter um agente, né. (PSI01)
Outro ponto intrinsecamente ligado à ausência do sigilo refere-se à veracidade das
informações reveladas. Sabendo que as informações cedidas serão fundamentais na sua
progressão de regime, como esperar que o apenado, nas condições de aprisionamento que
vivencia, possa se comprometer em falar a verdade? Além disso, considerando que espera-se
do preso uma certa passividade e sinais de arrependimento pelo crime cometido, a verdade
torna-se subordinada ao que o profissional considerar moralmente aceito para que ele possa vir
a se inserir novamente em sociedade.
Sabe-se que, quase sempre, a verdade considerada pelos profissionais é a verdade da
instituição, é aquela contida nos autos, independente de como, historicamente, estes estejam
marcados por intensas violações e tortura. É nítido e esperado que o entrevistado responda as
questões a partir do que ele sabe que é necessário para conseguir a progressão, sendo inevitável
133
direcionar suas respostas ao que é considerado adequado para o avaliador. Pode-se dizer,
inclusive, que nesse caso, a mentira é totalmente previsível, tendo em vista que o futuro do
sujeito avaliado está em jogo (Rauter, 2003).
Ao se constituírem unicamente para fins de concessão de benefício de progressão de
regime, os documentos produzidos tornam-se voltados exclusivamente para a suposta defesa
social, de forma que toda a complexidade e multideterminação do fenômeno do crime é
reduzido ao âmbito individual, promovendo a culpabilização dos sujeitos presos e reduzindo à
sua figura todas as causas da criminalidade. Somado a esses fatores, foi ainda revelado que os
psicólogos precisam lidar também com a pressão das solicitações por parte da direção.
Diretor já chegou pra mim ‘olhe doutora, a senhora pode dar parecer favorável a esse
daqui pra mim? Por isso, por isso, porque o advogado...’, eu “olhe, se der eu dou, se
não, dei negado”, “mas doutora”, dei, não vai ser mudado, vai ser esse daqui’ (PSI03)
Quando questionados sobre quais critérios são utilizados na elaboração desses
documentos e como eles são produzidos, os profissionais apontaram que esses giram em torno
do comportamento do preso durante o seu período dentro da unidade prisional, suas
perspectivas de futuro e aspectos relacionados aos valores morais.
Então se eu vou dar um parecer pra reabilitação, eu vou analisar a conduta dele no
mínimo doze meses. Se eu vou analisar pra uma progressão pro semiaberto, por
exemplo, ele tem que ter cumprido um sexto da pena, não ter tido nenhum isolado, se
tiver tido alguma falta, já ter sido reabilitado, como mais ou menos tá conduta dele, a
vida pregressa, quantos artigos ele teve, se realmente os valores morais dele são mais
ou menos adequado aos que a gente chama de, da sociedade, se tão dentro dos
parâmetros, né? A gente avalia isso, faz uma balelinha lá e bota no papel, é isso. (PSI03)
O comportamento dele, que a gente tem um acesso, lá no presidio eles têm no prontuário
do preso, todo o histórico do preso, se ele já se envolveu com algum comportamento
134
diferente dentro do ambiente. Porque lá eles às vezes têm alguns conflitos em cela, tem
deles que não consegue conviver, acabam tendo que ficar numa cela separados. Aí todos
esses critérios da instituição que eles nos fornecem e também avaliações que a gente
faz, individual. (PSI08)
Destaca-se também o desconhecimento por parte dos psicólogos acerca da realidade dos
presos. Muitos dos documentos são produzidos a partir de uma noção superficial da pessoa
entrevistada, seja pela impossibilidade a partir da alta demanda, seja porque o acesso aos locais
das celas não é realizado por todos os profissionais, seja porque a produção desses documentos
está limitada ao espaço prisional.
Eu tenho ali na faixa de hoje uns 15 pareceres pra dar, 15, eu não sei se eu vou conseguir
dar todos, durante essa semana ainda tenho que vir, entendeu? (PSI03)
É pedido né, a progressão dele, o advogado pede e vem pra gente fazer essa avaliação,
dar um parecer. Onde a gente chama o apenado, uma ou duas vezes, porque não dá pra
chamar mais, porque o tempo não dá, porque são muitos. E aí você atende, faz de conta
que ele tava equilibrado, que ele... não sei, porque não dá pra eu analisar você de uma
vez só, numa sessão só, eu não tenho uma varinha de condão. Não tem condição de
aplicar teste e também seria muito oneroso pro estado e seria também muito demorado
pra poucos profissionais. Como que eu ia aplicar um Rorscharch, por exemplo? Como
que eu ia...? É muito tempo pra correção. Então assim, nega, a gente faz de conta.
(PSI03)
Comumente, esse processo de elaboração de documentos é marcado por uma
peculiaridade: a figura do psicólogo, quase sempre, utiliza-se das noções de subjetividade e
inconsciente para se dizer capaz de retirar informações sobre o sentenciado, mesmo que ele
sequer as tenha mencionado. Há um desequilíbrio de poder, no qual é atribuído ao profissional
da Psicologia, não só enquanto funcionário do cárcere, mas enquanto sujeito dotado de um saber
135
científico, o poder de definir ou prever a delinquência. E, mais do que isso, a Psicologia também
tem feito parte, historicamente, da construção de quem são os sujeitos perigosos.
Embora o trabalho no campo pericial se proponha a defender os ideais de neutralidade
e imparcialidade, a partir das questões e das falas expostas, o que foi possível perceber é que a
realidade encontra-se bem distante das promessas positivistas. Aponta-se também o caráter não
científico na produção desses documentos, além das influências de práticas e pensamentos
punitivistas, que priorizam a culpabilização a partir da história de vida dos sujeitos, em especial
às questões relacionadas à família e orientação sexual (Yamada, 2016).
Mesmo entre aqueles profissionais que não relataram a produção de laudos, pareceres
ou do exame criminológico na sua prática diária, notou-se que o discurso produzido é bastante
semelhante: a concepção de sujeito perigoso e do crime como algo biológico e inerente à
personalidade. No que se refere à aferição da periculosidade, comumente está é atribuída às
questões sociais, como a família, a pobreza, orientação sexual, etc.
O conceito de periculosidade, que surgiu a partir das Ciências Criminais, com Raul
Garofalo, por volta de 1880, parte da concepção de que o ato delituoso é o sintoma da
personalidade do delinquente. A construção do sujeito perigoso, aquele que deve ser temido por
sua “natureza má”, é uma das principais criações do mecanismo prisional. Mas, foi com a
inserção dos saberes psi no contexto da prisão que esse ideal se fortaleceu. Nas falas dos
profissionais entrevistados foi possível notar a força com a qual essa concepção se faz presente,
a partir dos discursos do sujeito criminoso nato e sem possibilidade de recuperação, da
associação preconceituosa entre as questões que envolvem orientação sexual e o envolvimento
com o crime, e do conceito de psicopatia, trazendo para o campo das patologias a explicação
para a criminalidade.
Nós trabalhamos com seres altamente perigosos, nós trabalhamos com psicopatas, né,
nós trabalhamos com pessoas que estão drogadas. (PSI01)
136
Você acha que esses psicopatas têm cura? Você como psicóloga? Porque, pra mim não
tem. Não existe cura para psicopata. (...) E tem os psicopatas, tem muitos estupradores
e você quando estuda a história ele é psicopata com transtorno dentro da área sexual.
(PSI01)
Tais concepções estão intrinsicamente relacionadas aos pensamentos da Escola
Positivista de Criminologia, em especial, aos estudos de Ferri, que relacionam a criminalidade
aos determinantes sociais, hábitos de vida e comportamentos perigosos. Nessa perspectiva, foi
percebido, a partir dos discursos dos psicólogos entrevistados, que o positivismo ainda possui
grande influência no pensamento e na prática dos profissionais no campo prisional (Batista,
2011).
Segundo Coimbra (2002, p.10), “esses discursos/práticas ‘competentes’ enunciados
pelos especialistas forjam a todo momento modelos onde estão as ‘verdades’: o bom cidadão,
o bom pai, o bom filho, o bom aluno, etc.”. Para romper com essas perspectivas, como bem
coloca a autora, torna-se necessária uma articulação entre Psicologia e política, compreendendo
que o trabalho do psicólogo não é neutro e possui efeitos poderosos. Ou seja, é urgente a
necessidade do rompimento com o ideal de verdades absolutas, tornando ciente que a prática
desenvolvida no âmbito prisional está implicada em dimensões sociais, econômicas e históricas
que devem ser consideradas em suas complexidades.
Apesar dos psicólogos não terem discorrido sobre a utilização de testes na elaboração
dos documentos, alguns trouxeram em suas falas exemplos daqueles que poderiam ser
utilizados para a realização dos laudos, ou que já foram usados em outros momentos no âmbito
prisional, como o de Rorscharch e a Escala PCL-R.
Embora os psicólogos não utilizem a Escala Hare PCL-R em suas práticas diárias (a
partir das queixas, acredita-se que pela alta demanda e/ou ausência de recursos), discursos
semelhantes ao que é produzido a partir do teste foram identificados em algumas falas dos
137
entrevistados. Deste modo, considerou-se importante atentar para esse teste especificamente,
por compreender que os discursos produzidos por ele e pelas concepções que o baseia, são
frequentes e constantemente se afastam das normas éticas da Psicologia, sendo alvo de inúmeras
críticas.
A Escala Hare PCL-R foi criada por Robert Hare e trata-se de uma escala de pontuação
para avaliar a psicopatia em populações masculinas. Seu objetivo é medir o nível de
periculosidade e a possibilidade desses sujeitos se reinserirem na sociedade de maneira segura.
Tal escala é criticada nos documentos do CFP (CFP, 2016b) e por Yamada (2016), tecendo uma
série de questionamentos éticos acerca do referente teste psicológico.
Sim, através de testes, a gente pode, de certa forma, prever. A Escala PCL-R, a que eu
utilizei, de psicopatia, ela é utilizada também pra prever a possibilidade de reincidência.
(PSI05)
O teste apresenta inúmeras dissonâncias entre as características consideradas da
psicopatia, o que é proposto pelo Código de Ética e o compromisso dos profissionais em
garantir e promover os direitos humanos. Entre os questionamentos sobre os itens para aferir a
psicopatia nos sujeitos, o CRP-05 discutiu a improbidade ética do teste por considerar a
orientação sexual como um dos itens de avaliação. Outro ponto de crítica refere-se à
discordância com a legislação criminal brasileira, ao considerar alguns atos que não estão na
legislação como criminalizáveis, sendo esses: a vadiagem noturna, incesto, prostituição, recusa
de se submeter ao bafômetro, etc (Yamada, 2016). Alguns dos critérios utilizados pelo teste
para identificar a psicopatia nos sujeitos, foram mencionados em uma das entrevistas, os quais
referem-se à
Frieza, a mentira patológica, a loquacidade. Por exemplo, a gente tem um caso aqui de
uma apenada que ela começou a traficar, ela era tesoureira do tráfico, e só sei que ela se
138
envolveu tanto que matou o chefe e assumiu. Então assim, você vê que uma pessoa
dessas é mais difícil dela se recuperar. (PSI05)
De modo geral, percebe-se, a partir dos dados obtidos, que o trabalho dos psicólogos
nas prisões e as concepções produzidas nesses espaços estão pautadas na perspectiva
criminológica positivista. Isto pode ser percebido no discurso produtor da ideia da
periculosidade como algo natural, assim como no que atribui a alguns fatores sociais a
responsabilidade pela criminalidade, principalmente à pobreza.
A influência da perspectiva positivista no discurso dos psicólogos também pode ser
percebida na concepção de família. Segundo Rauter (2003), há uma lista de famílias que
comumente são encaixadas no rótulo de “famílias desestruturadas” e que, a partir desse
discurso, poderiam gerar um potencial criminoso. São aquelas em que ocorreu a morte ou
abandono do pai; o pai é alcóolatra; a mãe criou os filhos sozinha; o pai é ausente; ou o pai é
presidiário ou ex-presidiário. A associação entre os conflitos familiares e o cometimento de um
crime ainda é comum entre os psicólogos. Observou-se nas falas dos entrevistados que algumas
situações são colocadas como geradoras de carências enquanto, na realidade, poderiam estar
relacionadas a qualquer acontecimento familiar.
Quando você começa a conversar, você vai começar a entender, por que de toda a
história, você vê que as vezes num tem pai nem mãe ou tem mãe num tem pai, desde
cedo que é de rua, num tem uma estrutura familiar, nem psicológica, num tem estrutura
nenhuma. (PSI06)
Porque a maioria deles a família... todos vêm de família desestruturada, pai alcoólatra,
pai separado, mãe problema também com álcool, com drogas. Já nascem nesse meio.
(PSI02)
Ao invés de perceber a construção dessas famílias como estratégias de resistência e até
de sobrevivência, comumente, os discursos dos profissionais se alinham aos valores morais das
139
classes dominantes. Sendo assim, a condição de vida fruto da desigualdade social produzida
pelo sistema capitalista, torna-se elemento da construção do perfil do delinquente e do processo
de estigmatização desse público. Ademais, algumas dessas carências tornam-se, na lógica
desses discursos, produtoras de uma “tendência ao crime”.
Só que ai quando a gente vai fazer um levantamento e um histórico de vida, a gente
realmente percebe e identifica um perfil dessas pessoas, de toda uma desestrutura
familiar, as vezes até de crimes cometidos na adolescência, muitos deles que já
estiveram em casas de passagem quando eram adolescentes. De toda uma falta de um
pai, de uma mãe, de terem sido discriminando, por alguma questão, que a gente tem um
índice de homossexuais também no presídio. (PSI08)
Acho que 90% vem de uma família desestruturada, não tem uma base familiar, já
nascem dentro do crime e muitos, falta de oportunidade mesmo e outros é porque eu
digo que já tá no sangue, não tem jeito. (...) porque a maioria deles a família... todos
vêm de família desestruturada, pai alcoólatra, pai separado, mãe problema também com
álcool, com drogas. Já nascem nesse meio. (PSI03)
As diferentes constituições de família são consideradas como causa de problemas e
nunca como apenas uma organização familiar diferente. Inclusive, pode-se notar nas falas que,
quase sempre, os psicólogos têm buscado as causas do crime a partir da construção de um perfil
cujas características tem sido, majoritariamente, as das classes mais pobres.
Além disso, os preconceitos muitas vezes presentes nos mesmos, travestidos de
linguagem científica, estabelecem julgamentos estigmatizantes sobre as vidas daqueles
que cumprem penas no sistema penal e sobre sua família, que acabam por se estender a
características das famílias brasileiras de um modo geral, vistos sob uma ótica
condenatória, apoiada em conceitos mal definidos cientificamente, como o de família
desestruturada, por exemplo (Rauter, 2016, p. 44).
140
Quando questionados sobre os possíveis determinantes para o Brasil ter a terceira maior
população carcerária do mundo, os psicólogos atribuíram as causas, entre outros fatores, à
família do preso.
Eu vejo pela questão da falta de oportunidade de muita gente, questão de falta de
emprego, a questão da desigualdade social. Eu acho que se uma grande maioria tivesse
trabalhando, tivesse seu emprego sua renda. Porque muitos entram por questão de
família também no mundo do crime. Muitos entram na questão do crime por causa de
família já, por um tio, um primo, um amigo, questão de companhia também. (PSI04)
Ai, as vezes, a mãe abandonou um filho, abandonou tudo, arranja outro, vai embora, é
essa promiscuidade que existe hoje e dia. jovens ai engravidam, ai tem filhos, filhos,
filhos e filhos, mas quem cuida desses filhos? Ai deixa ai, as vezes com a avo materna,
paterno, os avós já não têm condição, já deixa pra lá, vai pra um tio, vai pra uma vó.
(PSI07)
Ainda no tocante à família, faz-se necessário discorrer sobre sua importância durante o
processo de cumprimento da pena. As familiares, sejam mães, irmãs ou companheiras,
constituem a maioria do público que lota as filas dos presídios semanalmente. Elas exercem o
papel de sustentar o lar, de garantir que não falte nada para o familiar preso dentro dos presídios,
como alimentação, material de higiene e muitas vezes medicamentos, se responsabilizam por
cuidar das questões judiciais e, principalmente, exercem o suporte afetivo (Bassani, 2011).
As familiares carregam consigo o estigma de serem familiar de alguém que está preso,
passam a ter o status de quase-condenadas, deixam de ter suas características próprias, perdem
sua identidade e passam a ser “mulher de bandido”. Esse estigma pode revelar uma série de
questões as quais elas estão vulneráveis e, através da estrutura social, o contato entre a familiar
e o preso faz com que eles sejam vistos pela sociedade como uma só pessoa (Santos & Soares,
2009).
141
Além disso, as familiares dos presos são obrigadas a se submeter a situações
extremamente constrangedoras durante as idas ao presídio, como a própria revista íntima
vexatória, que consiste em um procedimento adotado pelos presídios com justificativa de que
seja impedida a entrada de objetos ilegais no local, como armas, celulares ou drogas. Durante
o processo, além de passarem pelo detector de metal, os visitantes são obrigados a tirar a roupa,
agachar várias vezes e abrir suas partes íntimas diante de um espelho (Gombata, 2014).
Sobre esse procedimento, os psicólogos relataram não participar da realização, sendo
esta de função dos agentes penitenciários. No entanto, notou-se a irregularidade em sua
execução, tendo em vista que, segundo a Lei Estadual n. 6.081 (2000), a qual dispõe sobre a
revista íntima nas unidades penais da Paraíba, esta “deverá ser efetuada de forma privada, por
pessoal do mesmo sexo do visitante e com formação na área de saúde” (Art. 6, § 5º).
Sobre a atuação junto aos parentes dos apenados, os psicólogos relataram que muitas
vezes não é possível voltar sua prática para o apoio a esse público, devido à alta demanda já
estabelecida. De modo geral, a atuação desenvolvida está relacionada ao esclarecimento de
informações referentes aos presos, recomendações acerca dos testes de saúde e escuta das
demandas trazidas, como as solicitações para atendimento, queixas de doenças, etc. Alguns
psicólogos também relataram que entram em contato com os familiares para tentar resgatar o
vínculo com os presos e quando é necessária alguma medicação para o apenado, tendo em vista
que muitas vezes são os parentes que se responsabilizam por manter materialmente os apenados,
mesmo que isto seja de responsabilidade do Estado.
Muitas vezes as que me procuram é porque se sentem abandonadas, então a gente tenta
trazer esse vínculo familiar, fazer com que voltem a visitar. Porque isso é muito
importante pra saúde mental das apenadas, então a gente tenta recuperar o vínculo
familiar também. (PSI05)
142
O papel ocupado pelos psicólogos, historicamente, tem também sido relacionado à
função de possibilitar ao preso a ressocialização. A ideia construída em torno da questão da
ressocialização é a de que a prisão pode proporcionar algum efeito positivo sobre o encarcerado.
Sendo assim, o psicólogo enquanto funcionário desse estabelecimento seria também um dos
encarregados de fazer o preso alcançar esse objetivo - embora o fracasso nessa proposta seja
inerente à prisão.
Mesmo que nas prisões brasileiras a repressão e a violência aconteçam de forma
escancarada, cabe aos profissionais que ali se inserem, e isso inclui os psicólogos, dar conta de
formas de controle mais sutis. A proposta de agente ressocializador nada mais é do que ocupar
o lugar de garantidor da adequação dos presos ao modelo e reduzir toda a complexidade do
fenômeno da criminalidade ao sujeito encarcerado, garantindo que este se ajuste ao
funcionamento do cárcere.
Sim, aqui não quer dizer que aqui ele seja isso e lá fora ele seja isso também, aqui ele é
isso, porque ele tá sendo obrigado a se comportar, mas quando chegar lá fora ele faz
tudo de novo, porque ele aprendeu, ele saiu daqui doutor, não digo todos, mas a maioria.
(PSI03)
Ao esmagar os presos dentro das normas que são necessárias para a manutenção da
segurança e da disciplina, são suprimidas todas as possibilidades que ele tem de criar novas
maneiras de ser, o máximo que se consegue é a adequação do preso à vida no cárcere. Cabe
aqui a reflexão sobre o significado de pensar em saúde mental em condições de privação de
liberdade e o que significa falar em novas possibilidades de existência pós-penas. Nesse sentido,
Barros e Amaral (2016) propõem que os psicólogos saiam do lugar de responsáveis pela suposta
ressocialização e ocupem as brechas dos discursos oficiais, aproveitando-se para promover
programas que utilizem o trabalho e a educação como motores para a emancipação dos sujeitos.
143
Quando questionados sobre as atividades que realizam nos presídios em que trabalham,
os entrevistados mencionaram algumas ações pontuais e o atendimento clínico, o qual ocupa
lugar central no trabalho dos profissionais. Entende-se que esta consiste em uma prática anterior
a existência das equipes de saúde, além de ser uma questão recorrente nas discussões acerca do
trabalho dos psicólogos em outros espaços.
Desse modo, os resultados apontaram para dados preocupantes: 5 dos 9 psicólogos
(considerando que um dos profissionais vincula-se à CTC e à produção do exame
criminológico) tem o atendimento clínico/escuta psicológica como atividade exclusiva da sua
prática. Os outros 4 também realizam o atendimento clínico, mas aliado a outras atividades
como as palestras ou orientações, já mencionados anteriormente.
O que é possível perceber é a transposição do modelo hegemônico da atuação clínica do
psicólogo para o setor público, o que inclui o ambiente prisional e que tem gerado uma prática
inadequada, de pouco alcance e descontextualizada. Há uma predominância de técnicas
psicoterápicas, que muitas vezes são tomadas como a única possibilidade de prática, o que se
deve muito ao fato do psicólogo reconhecer nesse tipo de trabalho a única forma de atuação.
Uma das questões nesse processo de transposição da prática clínica no campo das
políticas sociais, é que, frequentemente, o psicólogo desconsidera ou não consegue ter noção,
da importância de se perceber a diversidade cultural nessa relação. Assim, torna-se comum o
fato dos usuários demonstrarem um afastamento ou resistência no contato com os profissionais,
devido à relação de poder estabelecida e também à distância construída a partir das diferenças
sociais ignoradas. Desse modo, é nítido que a clínica tradicional permanece como a principal
referência para o trabalho do psicólogo, sendo frequente a discussão por novas construções de
novos saberes e modelos de atuação.
Sem dúvida, a referência clínica que traz subjacente o modelo médico de atuação ainda
perpassa de maneira expressiva a formação acadêmica dos psicólogos. Entretanto, tal
144
tendência prolonga–se pela vida profissional por razões outras que não só a formação.
A cultura profissional e psicologizante que permeia a prática psicológica conduz à idéia,
tanto para a categoria quanto para o senso comum, de que a psicoterapia seja sinônimo
de atuação psicológica (Oliveira et al, 2004, p. 85).
As consequências de se perceber a área clínica como dominante em relação às demais
contribuem ainda mais para o fortalecimento de uma prática elitista e desconectada com os
contextos social, político e econômico que perpassam qualquer sujeito. Além disso, aponta para
o risco de se realizar uma prática utilizando referenciais em espaços onde não se cabe utilizá-
los e que não vão dar conta de uma realidade extremamente complexa (Gondim et al, 2010).
Em alguns momentos não parece muito claro para esses profissionais a gravidade da
situação em que sobrevivem os presos nessas instituições. Quando questionados sobre as
dificuldades do trabalho do psicólogo nesses ambientes, alguns sequer mencionam as condições
degradantes na quais os presos estão inseridos. A preocupação, de forma majoritária, é na
realização do acompanhamento individual. As queixas giram em torno da superpopulação
carcerária e em como ela dificulta a realização desse atendimento.
Ao passo que existem psicólogos adoecendo por precisarem conviver com as violências
e com as condições precárias das prisões, também existem profissionais que sequer questionam
essa realidade. É preocupante que alguns profissionais estejam aparentemente acostumados
com as inúmeras violações presentes nos presídios a ponto destas estarem naturalizadas e
passarem desapercebidas, e isto pode ser atribuído a diversos fatores. O primeiro pode estar
relacionado ao vínculo desses profissionais com o Estado, que pode estar atrelado ao medo de
se exporem, principalmente por se tratar de um ambiente de tensões constantes.
O segundo fator pode estar associado à ausência de uma reflexão crítica acerca da
função e da existência do cárcere. Assim como para boa parte da sociedade, as prisões ainda
são vistas como mecanismos necessários para o bom funcionamento e para manutenção da tão
145
desejada ordem social. A naturalização e passividade diante das gritantes violações também
podem estar atreladas à aceitação de que esses espaços foram feitos para funcionarem dessa
forma (Rauter, 2003).
Além disso, notou-se que as queixas relacionadas à dependência da atuação ao trabalho
e ao desejo dos agentes penitenciários em auxiliar esteve direcionada ao fato de que sem a
colaboração desses agentes, o atendimento individual não pode ser feito. Concluindo que,
mesmo diante de tantas dificuldades da realização do trabalho da Psicologia nesses espaços, os
próprios profissionais têm atrelado essas dificuldades e os problemas da profissão à não
possibilidade de realizar um atendimento clínico. É a atuação clínica que ainda ocupa o centro
das ações dos psicólogos nos presídios paraibanos.
O trabalho do psicólogo mediado pela instituição prisional: as barreiras impostas pela
política carcerária
Seja com o trabalho realizado pelas equipes de saúde, seja com o trabalho de elaboração
dos pareceres para subsidiar decisões para progressão de regime, algumas dificuldades puderam
ser percebidas, que são inerentes às unidades prisionais e seu funcionamento. Há na prisão
estruturas arquitetônica e de poder que “(...) configuram modos de gestão e de funcionamento
específicos, pautados pelo fechamento ao exterior, por extremo rigor normativo, por controle
disciplinar minucioso e pela rigidez hierárquica, distintos de qualquer outra instituição” (Barros
& Amaral, 2016, p. 61).
É fato que a atuação do psicólogo apresenta inúmeros problemas e tem muito o que
avançar, no entanto, mais do que nos outros contextos de atuação, é extremamente difícil pensar
numa prática da Psicologia dentro do cárcere numa perspectiva libertadora. Pensar numa
atuação da Psicologia que seja crítica e se aproxime da defesa abolicionista esbarra diretamente
no que optamos por chamar de política carcerária.
146
Foucault (2010) nomeia de “Declaração de Independência carcerária” a reivindicação
das instituições prisionais pela autonomia administrativa, bem como por uma soberania no
poder punitivo, que possibilita a esses espaços o poder inclusive sobre o aparelho judiciário,
tornando o “julgamento penitenciário” o de maior importância (p. 233). É a partir dessa
soberania administrativa e punitiva que o aparelho carcerário une a legalidade da punição, de
um lado, e os mecanismos disciplinares, do outro.
A autonomia concedida às instituições carcerárias possibilita uma série de excessos do
encarceramento, os quais podem ser facilmente percebidos nas práticas violentas dos agentes
penitenciários ou, até mesmo, nos privilégios dos administradores, que os concede um poder
arbitrário e absoluto (Foucault, 2010). Essa é uma realidade constante no Brasil, onde mais do
que a liberdade em exercer o poder punitivo, as prisões possuem, a partir do silenciamento e
descaso do Estado, permissão para que a tortura continue se propagando. Há, ainda, aliada a
essa autonomia institucional, uma aprovação social e midiática que não só permite as
irregularidades, como necessita que estas continuem acontecendo.
E a gente tá presente. E a gente já falou bem assim pra eles (...) você pode até tocar nele
na minha ausência, mas se for na minha vista, pode ter certeza que eu vou tomar os
caminhos cabíveis, viu? Porque se você quer matar um cachorro que tá morto... você tá
aqui pra ajudar. Se você não se identifica com o que está fazendo, sai, deixa, tá
estressado porque dobrou o plantão de um dia, comprou o plantão de outro, isso, isso e
aquilo, querendo ganhar mais, é estressante, é estressante. (PSI09)
A violência é inerente às prisões e se expressa nas condições degradantes e desumanas
possibilitadas pelo Estado. A falta de assistência, de medicamentos, de materiais de higiene e
de alimentação digna são exemplos da ineficácia do Estado em prover condições mínimas para
a sobrevivência dos presos. Desse modo, novas formas de sociabilidade são construídas dentro
da prisão, com regulamentos próprios. Ao passo que a administração carcerária atua de forma
147
autônoma aos mecanismos legais extramuros e impõe seu aparato disciplinar, os presos criam
normas próprias como forma de resistência e sobrevivência nas prisões.
A presença dos psicólogos nos presídios é vista, muitas vezes, como um privilégio
concedido aos presos. A lógica das prisões é a de que os mecanismos de segurança e de
manutenção dos apenados sob total controle são os que ocupam local prioritário, sendo a
atuação das equipes de saúde secundária e totalmente dependente dos responsáveis pelo
controle intramuros.
Além disso, destaca-se que o trabalho do psicólogo e das equipes de saúde nas unidades
prisionais tem sido utilizado como forma de conter, o máximo possível, os presos dentro do
interior dos presídios. De modo que possuir uma equipe de saúde implica dizer muitas vezes
que não será necessário que o apenado saia da instituição para um atendimento externo, o qual
poderia gerar, além de gastos ao presídio, problemas com a segurança. Nota-se que, nessa lógica
de funcionamento, além de não conseguirem garantir a saúde, as equipes têm servido como
manobra de manter eficaz o objetivo de contenção dos sujeitos.
O que se valoriza dentro do sistema penitenciário é a área de segurança, que é, assim, é
a pupila da secretaria e o setor jurídico, ne? Porque são duas coisas que incomoda
bastante, porque eles não querem que o preso fuja e o preso não quer ficar lá dentro.
(...). Hoje, hoje, já tem um olhar diferenciado, principalmente pra essa área de saúde,
porque você sabe, um preso ali dentro com problema de saúde, incomoda do que tiver
lá embaixo, do agente à direção, porque pode complicar um plantão, ter que se tirar ele
de madrugada pra uma assistência, ai tão com um olharzinho melhorado pra área de
saúde agora. (PSI06)
Nesse cenário, o trabalho dos psicólogos se configura de forma ambivalente. Se por um
lado, inserem-se como profissionais cujo objetivo é o de promover a saúde psicológica dos
148
presos e lutar pela garantia dos seus direitos, por outro, são responsáveis também por
instrumentalizar, junto aos agentes e direção, o cotidiano punitivo (Amaral, 2016).
A rotina dos presídios também inclui procedimentos como o pente fino, que consistem
em inspeções, realizadas pelos agentes e pela direção, com objetivo de retirar objetos proibidos
de dentro do local. Nos dias em que ocorrem, apenas os agentes penitenciários ou membros da
direção do presídio possuem permissão para circular entre os pavilhões, sendo os presos
impedidos de saírem das celas e os psicólogos de circularem. Apesar de considerarem o
procedimento como necessário, os psicólogos relataram sobre a impossibilidade de trabalhar
no presídio durante os dias das vistorias, tornando o dia de trabalho pouco ou nada produtivo,
como pode ser visto na fala da PSI05: “Porque tem certos momentos que a gente vem pra cá e
não pode ter nenhum tipo atendimento. Ou porque tá tendo pente fino na cela, então não pode
tirar”.
Considerando que a maior parte dos psicólogos tem atuado voltando-se para o
atendimento individual dos presos, a realização do pente fino nas unidades traz uma série de
limitações no trabalho desses profissionais, tendo em vista que impossibilita o contato com os
presos no dia do procedimento. Além disso, provoca um clima de tensão entre os apenados, já
que o pente fino, apesar de ser um procedimento de rotina e esperado, muitas vezes provoca
desconfiança entre os próprios presos, suscitando questionamentos sobre a possibilidade de
denúncias por parte dos companheiros de cela.
Muitos já relataram que não veio tal dia, porque quando se existe algum pente fino, que
é como eles chamam, que eles entram na cela pra fazer aquelas, verificar se tem algum
material errado nas celas, eles comentam que ficam depois cogitando, quem poderia ter
sido a pessoa que o repassou, né. Aí aqueles vão pro atendimento, eles são mal vistos
nesse sentido. Saiu do ambiente, pode não ter ido pro atendimento, pode ter ido lá
dedurar. Ai tem muito essa resistência também, porque ai eles têm as regras deles lá
149
dentro, a gente não abe até onde vai e que acaba às vezes barrando um pouco até os
tratamentos que eles tão fazendo com a gente. (PSI08)
O trabalho também fica condicionado ao desejo dos agentes e à quantidade de
profissionais disponíveis, para trazer os presos para o contato com os psicólogos. Há uma
hierarquia dentro dos presídios que impõe aos psicólogos e aos outros profissionais das equipes
de saúde uma dependência aos agentes penitenciários e aos membros da direção do presídio.
Sendo assim, mesmo que a equipe esteja organizada e solicite a ida de algum preso para
atendimento, se os agentes não permitirem ou precisarem realizar algum serviço fora do
presídio e não estiverem presentes, o trabalho da equipe não será possível.
Ai tem a questão dos agentes, tem plantão que colabora, tem plantão que não, tem
plantão que fica botando empecilho pra trazer o preso pra atendimento. -Pesquisador: O
agente? - Sim, as vezes nem traz o que a gente pede, fica botando empecilho, ‘não, não
vou trazer’, ai tem dia que tem advogado, tem defensoria pública, defensores públicos,
ai eles têm que se dividir pra todos esses atendimentos, tem equipe de saúde, tem
advogado, tem audiência fora também tem que se deslocar, são dois agentes pra um
preso. (PSI02)
Apesar dos psicólogos relatarem a relação com a equipe e com os outros funcionários
do presídio como algo positivo, ficou exposta a resistência dos agentes penitenciários ao
trabalho das equipes de saúde. Tal resistência pode estar relacionada ao fato de que o acesso
aos direitos, em especial o que se refere ao campo da saúde mental, é visto frequentemente
como um privilégio, não só pela sociedade no geral, mas também pelos trabalhadores inseridos
no ambiente prisional. O que consiste em um fator para reforçar a ideia de que o trabalho dos
psicólogos e das equipes de saúde são de menor prioridade ou descartáveis.
Os agentes de uma forma geral eles não consideram o atendimento psicológico
necessário ou importante pra eles, né. E já ouvi relato de pessoas que disseram que
150
escutaram agente dizendo “não, isso é besteira” ou às vezes até uma certa resistência em
tá conduzindo os apenados, porque eles é quem trazem eles e as vezes a gente sente que
existe essa resistência por parte dos profissionais também, porque deveria ser existir o
incentivo e a gente já observa o contrário. (PSI08)
Diante do exposto, os psicólogos ainda relataram o processo de adoecimento pelo qual
estão submetidos devido às péssimas condições de trabalho, o convívio com a violência, o clima
hostil e, principalmente, à impossibilidade de, através da sua prática, promoverem mudanças
na instituição. Os relatos apontam que a dinâmica do presídio provoca sofrimento não só nas
pessoas encarceradas, mas nos funcionários que ali se inserem.
Então como é um ambiente adoecedor, um ambiente que, no meu caso eu me sinto
doente, porque não posso exercer a minha profissão como eu sonho em exercer, porque
é impossível, nós precisávamos aqui de pelo menos duas equipes, né, de dois psicólogos
na área de saúde pra dar um suporte melhor de aconselhamento psicológico, de escuta.
(PSI01)
Até a gente, é tanto problema, é tanta coisa, é tanta coisa na nossa cabeça, que daqui a
pouco você também adoece, você precisa tá conversando com alguém, você precisa
também ser tratado. Como é que eu vou cuidar de uma pessoa, se eu não tô bem? A
quantidade de coisas que acontece, que tem gente que não quer nem trabalhar, porque
não aguenta. (PSI06)
Quando a gente tá tratando um apenado lá que a gente já se apega, você tá sempre
vendo, daqui a pouco o cara morreu, poxa, mas ele tava bonzinho, morreu. (PSI06)
Segundo Lopes (2002), é possível ter uma dimensão da realidade fragilizada da saúde
daqueles que trabalham em ambientes adoecedores como as prisões, se considerarmos o
ambiente e a relação dos trabalhadores como parte da identidade do equilíbrio psíquico.
Acredita-se, portanto, que o processo de adoecimento provocado pelas estruturas prisionais
151
atinge de forma mais intensa aqueles que, de alguma forma, atuem na contramão e promovam,
mesmo que de forma fragilizada, a garantia de qualquer direito dentro dos seus espaços.
Foram encontrados nesta pesquisa, profissionais que convivem com condições de
trabalho extremamente precárias, em um ambiente no qual a violência e os sofrimentos são
frequentes e naturalizados. O ambiente de restrição de materiais, as relações de desconfiança, a
hierarquia e o cotidiano prisional, são exemplos das dificuldades do trabalho no cárcere. Além
disso, os trabalhadores estão imersos em uma prática na qual o sentimento de incapacidade de
promover mudanças é constante. Desse modo, apesar das inúmeras críticas ao trabalho do
psicólogo nas prisões, principalmente no que se refere às limitações das atividades
desempenhadas e à ausência de criticidade, é imprescindível destacar a influência dos efeitos
negativos da prisão nos sujeitos que nela se inserem.
No tocante ao trabalho dos psicólogos, o fato da prática desenvolvida ser extremamente
frágil e limitada ao atendimento clínico, faz com que a política carcerária consiga incidir de
forma mais intensa e limitar quase que totalmente o desenvolvimento das atividades em
algumas situações. Desta forma, torna-se imprescindível a discussão acerca dos mecanismos de
enfrentamento e resistência aos efeitos do cárcere, assim como discussões que promovam o
delineamento do papel desses profissionais nas unidades prisionais.
Possibilidades de atuação: resistência e enfrentamento
Ao longo da discussão dos resultados, muitas das dificuldades de atuação nas
instituições prisionais foram apontadas, como as condições precárias de trabalho, o ambiente
violento, a ausência de direitos, o convívio com o sofrimento e com um público alvo
extremamente vulnerável e exposto às situações de violências, a imposição que o próprio
sistema e funcionamento das prisões impõe no trabalho cotidiano. Trata-se de um espaço em
152
que as violações são diárias e permanentes e o processo de adoecimento é geral, atingindo não
só os presos, mas seus familiares e os funcionários que ali trabalham.
O trabalho no cárcere não se assemelha a qualquer outro tipo de atuação profissional,
pois as regras da prisão são próprias do seu funcionamento e podem ou não estar de acordo com
as normas extramuros. São regras específicas que ditam o modo de ser e agir e fazem aqueles
que se inserem se adequarem. Isso implica dizer que a atuação da Psicologia nesses espaços,
por mais crítico que seja o trabalho desempenhado, é incapaz de mudar sua estrutura. No
entanto, isso não deve implicar no engessamento da prática dos psicólogos nesse campo (Lopes,
2016).
Compreender a função da prisão e a limitação do trabalho nesses espaços é um dos
pontos fundamentais para uma prática comprometida com a perspectiva abolicionista. Dessa
forma, diante das inúmeras dificuldades em exercer o trabalho em presídios, cabem aos
psicólogos algumas responsabilidades e possibilidades para promoção de uma atuação mais
crítica e que tenha como horizonte a abolição do sistema prisional.
É papel fundamental do psicólogo que se insere nas prisões conhecer seu local de
trabalho e seu público alvo. Como já foi discutido, alguns profissionais inseridos nesse campo,
muitas vezes não conhecem o próprio espaço em que sobrevivem as pessoas com as quais eles
lidam diariamente. No caso das prisões, conhecer sua estrutura, as celas, os locais de isolamento
e estar ciente das condições objetivas de sobrevivência, como a falta de água, luz, energia e
ventilação, é fundamental para compreender como estas condições afetam diretamente aqueles
que vivem com essa gritante precariedade. É essencial que o psicólogo circule pelos espaços e
não seja indiferente ao que se passa no interior do presídio (Rauter, 2016).
Aos psicólogos, é preciso criar mecanismos de resistência que possam atuar no sentido
oposto ao da mortificação – psicológica e física - daqueles sujeitos, é necessário criar saídas
153
para que não se tornem cúmplices desse processo, e, a partir daí, pensar que os cabe promover
o processo de rotulação e estigmatização, e sim condições mais dignas de sobrevivência.
Talvez a opção mais radical com que se defronta a psicologia centro-americana hoje
esteja na alternativa entre uma acomodação a um sistema social que pessoalmente nos
tem beneficiado, ou uma confrontação crítica frente a esse sistema. Em termos mais
positivos, a opção reside entre aceitar, ou não, acompanhar as maiorias pobres e
oprimidas em sua luta por constituir-se como povo novo em uma terra nova. Não se trata
de abandonar a psicologia; trata-se de colocar o saber psicológico a serviço da
construção de uma sociedade em que o bem-estar dos menos não se faça sobre o mal
estar dos mais, em que a realização de alguns não requeira a negação dos outros, em que
o interesse de poucos não exija a desumanização de todos (Martín-Baró, 1997, p. 23).
Só é possível pensar em uma atuação mais comprometida com a transformação social
quando compreendemos a quem serve o trabalho da Psicologia nos presídios. Sendo assim, é
também papel dos profissionais pensar para quem são construídas as políticas de segurança
pública, além de se perguntar para que serve o medo construído por essas políticas.
O cotidiano dos presídios e o desgaste, muitas vezes, levam a uma acomodação dos
profissionais, que se acostumam com o mau cheiro do local, com as condições físicas, com a
situação precária e com o sofrimento dos presos, naturalizando as práticas dentro das
instituições. Deste modo, se torna necessária uma prática de questionamentos, que não permita
a acomodação às mazelas institucionais e que questione para quem o trabalho está sendo feito,
deixando de exercer a função de funcionário do cárcere e passando a exercer o papel de
desconstruir ações que violem os direitos humanos (Rauter, 2016).
Acredita-se que elas só serão possíveis se repensarmos nossos modelos de atuação, ou
seja, se redimensionarmos o papel da Psicologia e do psicólogo no campo da assistência
pública à saúde. Para que isso ocorra é preciso “desinstitucionalizar” nossos saberes e
154
práticas, nossa formação acadêmica, questionando as formas instituídas que atravessam
nossos cursos e que produzem um saber sobre o outro, tomado como verdade absoluta,
e que nos servem mais como instrumento de poder e controle social. Qualquer
transformação nesse campo necessita, pois, da desconstrução das formas tradicionais de
atuar e dos seus pressupostos básicos, já que impregnados de uma visão naturalista e
privatista do homem (Dimenstein, 1998, p. 77).
Sendo assim, conclui-se propondo que cabe à Psicologia a defesa intransigente pela
garantia dos direitos humanos e o compromisso na luta para que as instituições prisionais sejam
menos nocivas, de modo que possa se pensar em uma prática mais crítica e condizente com a
realidade na qual se inserem os psicólogos e o público atendido, considerando as dimensões
políticas, históricas e sociais que perpassam todos os sujeitos. Aponta-se, portanto, para a
necessidade de aproximação do Abolicionismo Penal, considerando-o enquanto
(...) uma atitude na fronteira que desestabiliza inclusive o saber acadêmico, hoje algo
mais do que necessário, quando o seu discurso vem se tornando cada vez mais
policiador. O abolicionista penal é aquele que começa abolindo o castigo dentro de si.
Inventa uma linguagem, um estilo de vida, em que mesmo não se apartando das utopias
atua no presente de maneira heterotópica. Não deixa para o futuro o que é preciso fazer
agora (Passetti, 2004, p. 11).
155
Considerações Finais
A presente dissertação teve como objetivo analisar a prática dos psicólogos no sistema
prisional paraibano. Longe de esgotar esse debate, a proposta consistiu em discutir quais
práticas têm sido desenvolvidas pela Psicologia nesse cenário, como essas têm se relacionado
com a manutenção da política criminal vigente e as possíveis formas de resistência construídas
pelos profissionais para o enfrentamento da ordem posta. Para tanto, foram entrevistados
psicólogos que trabalham nas prisões da Paraíba, a fim de relacionar as falas obtidas com as
discussões propostas na fundamentação teórica, as quais envolvem a criminalização da pobreza,
seletividade penal, ressocialização e direitos humanos, a partir do referencial teórico da
Criminologia Crítica adotado.
Ao longo da construção da pesquisa, constatou-se que os psicólogos têm se inserido nas
unidades prisionais paraibanas por meio de duas vias: a jurídica ou a da saúde. A primeira
refere-se à prática dos psicólogos ligada à CTC, cuja atividade central é a construção do exame
criminológico. Já a segunda refere-se à inserção dos psicólogos a partir da PNAISP. Neste caso,
a atuação dos psicólogos tem englobado atendimentos individuais e ações pontuais junto à
equipe de saúde, como divulgação de resultados de testes rápidos e palestras, além de,
eventualmente quando solicitados por juízes, a produção de documentos que visam subsidiar
decisões para progressão de regime.
Nota-se que, embora as atividades sejam divergentes, de acordo com a via pela qual se
inserem, seja na prática dita jurídica ou na prática da saúde, as concepções giram em torno de
uma perspectiva ainda conservadora da Psicologia. Além disso, os discursos, sejam eles
impressos nos documentos que irão definir o futuro do sujeito preso, sejam nos atendimentos
individuais - sendo nítida a prevalência do modelo clínico de atuação -, ainda partem de uma
concepção voltada para a culpabilização das famílias e para a individualização das questões que
norteiam o cometimento do crime.
156
Assim, mais do que uma limitação em definir qual seria o papel do psicólogo dentro das
prisões, a maior questão encontra-se na restrição da prática psicológica, dentro desses espaços,
ao atendimento individual dos presos. Inclusive, as próprias dificuldades colocadas pelos
profissionais, seja a alta demanda, seja a ausência de salas próprias, giram em torno da
impossibilidade de realizar os atendimentos individuais e não da construção de um
posicionamento crítico sobre o funcionamento das prisões e seus efeitos na vida dos sujeitos
em privação de liberdade, de seus familiares e dos próprios profissionais que atuam nesse
ambiente.
A partir da construção da pesquisa, foi possível perceber que a prática do psicólogo
nestas instituições tem sido, majoritariamente, construída com base no pensamento das
criminologias positivista - no discurso da predeterminação biológica para cometimento do
crime, utilizado também no discurso de culpabilização dos familiares de presos - e liberal - na
defesa da ideia de que o crime gira em torno da escolha ou não do preso em cometê-lo, sendo
recorrente o discurso da meritocracia. Apesar de ser possível perceber um ensaio de um discurso
crítico acerca da utilização das prisões como estratégias de controle da criminalidade, nota-se
que isso não implica numa reflexão crítica sobre o lugar do psicólogo dentro das instituições
prisionais.
Ademais, mesmo compreendendo a prisão como um local violador, o trabalho dos
profissionais é guiado por uma prática individualizante e que tem como um dos objetivos
principais auxiliar na proposta de ressocialização, a qual, diante da realidade apresentada e
discutida, configura-se como pura falácia. No entanto, não se percebe nas atividades que são
realizadas nos presídios uma proposta que discuta as questões sociais e econômicas, ou que
discuta estratégias de ressocialização diante das inúmeras violações aos direitos, que compõem
a vida do preso antes mesmo dele adentrar a prisão, e que será potencializada, aliada ao estigma
de ex-presidiário, quando ele sair do presídio.
157
O fato é que a prática do psicólogo dentro das prisões ainda faz parte de um debate
complexo e em construção, com limitações que são potencializadas pelo ambiente violento.
Somando-se a isto a permanência de práticas que estão muito mais adequando-se ao modelo do
que ampliando uma análise que se aproxime da garantia dos direitos humanos nos presídios e
repense o sistema prisional.
Nessa acepção, é que notamos aqui a importância e a necessidade de que o trabalho
dos(as) psicólogos(as) nas prisões evolua no sentido de criar margens de manobra,
espaços de singularizações normativas que possibilitem a resistência, a emancipação e
o enfrentamento das dinâmicas segregativas (Barros & Amaral, 2016, p. 63).
Desse modo, considera-se necessário e urgente pensar para além das práticas que estão
postas, e não perder de vista a importância de se debater a emancipação humana e de ser
proporcionada a construção de projetos dentro da Psicologia que possibilitem a denúncia de
processos violação. É preciso refletir mais criticamente sobre a complexidade do local que o
profissional da Psicologia ocupa, compreendendo os limites e as possibilidades de uma atuação
que possam contribuir para a transformação social, mesmo com as inúmeras barreiras.
Sendo assim, aponta-se para a necessidade de outras produções que aproximem a
Psicologia de uma perspectiva mais crítica, principalmente no que se refere à discussão sobre
o aprisionamento, tendo em vista que os discursos produzidos sobre a privação de liberdade
ainda seguem concepções tradicionais e conservadoras; e de outros estudos que possam discutir
a entrada dos psicólogos no âmbito prisional por meio da Política de Atenção Integral à Saúde,
de modo que se possa aprofundar acerca das mudanças efetivas que esse tipo de inserção gerou
na prática desses profissionais, além de aprofundar o debate acerca da inserção dos psicólogos
enquanto profissionais da saúde.
Dito isto, esta pesquisa corrobora Cecília Coimbra na defesa por uma Psicologia que
esteja implicada com a realidade social, econômica e cultural do público que atende, e que possa
158
construir práticas que estejam de acordo com essas dimensões, rompendo com o modelo
tradicional, que tende a individualizar questões que não podem ou não deveriam ser
individualizadas.
Aprendemos a caminhar neste mundo guiados por modelos. Estes nos dizem o que fazer
e como fazer, ocultando sempre o para que fazer. (...) Se entendermos a Psicologia,
assim como Política, não em cima desses modelos hegemônicos pelos quais nos
guiamos, mas como produções históricas, como territórios não separados, mas que se
complementam e se atravessam constantemente, poderemos encarar nossas práticas não
como neutras, mas como implicadas no e com o mundo (Coimbra, 2002 p.10).
Por fim, cabe destacar o respeito aos profissionais que contribuíram com essa pesquisa
e que trabalham nos presídios paraibanos, especialmente àqueles que tem se angustiado diante
das tantas violações. É preciso coragem e força para trabalhar em condições tão precárias,
conviver com tamanha violência e, mesmo assim, lutar contra a desnaturalização do sofrimento
das pessoas privadas de liberdade e de seus familiares. Como bem colocou Cristina Rauter,
“que possamos fazer essa máquina prisional emperrar e que possamos ser agentes
transformadores no sentido de propor outros direcionamentos éticos e políticos para a
conflitividade social em nosso país” (2016, p. 52).
Por fim, espera-se que os resultados provenientes da pesquisa possam contribuir com
discussões críticas acerca do papel desses profissionais dentro de instituições prisionais, bem
como possibilitar reflexões acerca de novas formas de resistência nesses espaços, sem que se
perca de vista a luta por um novo modelo societário e, consequentemente, a abolição das
prisões.
159
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173
APÊNDICES
174
APÊNDICE A- TERMO DE CONSETIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa: Política Criminal e Segurança
Pública: A atuação dos psicólogos no sistema prisional paraibano, que tem como pesquisador
responsável Rebecka Wanderley Tannuss.
Esta pesquisa pretende Analisar a atuação do psicólogo no Sistema Prisional, bem como,
relacioná-la com as políticas Criminal vigente.
O motivo que nos leva a fazer este estudo: espera-se que os resultados provenientes da
pesquisa possam contribuir com discussões críticas acerca do papel do psicólogo dentro de
instituições prisionais, bem como possibilitar reflexões acerca de novas formas de resistência
diante dos modelos prisional e econômico seletivo e opressor vigentes. O estudo pretende
atentar para o processo de criminalização da pobreza e proporcionar debates acerca das novas
possibilidades de atuação e de enfrentamento à ordem vigente.
Caso você decida participar, você deverá responder as perguntas de uma entrevista
semiestruturada que será realizada, em média, entre 60 e 90 minutos. Pretende-se coletar os
dados referentes à sua prática profissional utilizando, caso haja permissão, de um gravador.
Durante a realização deverá responde às perguntas realizadas a previsão de riscos é
mínima, ou seja, o risco que você corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou
psicológico de rotina.
Pode acontecer um desconforto ao responder alguma pergunta que será minimizado com
total liberdade para não responde-la e você terá como benefício o retorno desta pesquisa que
será realizada com outros profissionais da área.
175
Em caso de algum problema que você possa ter, relacionado com a pesquisa, você terá
direito a assistência gratuita que será prestada pela pesquisadora.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para Rebecka
Wanderley Tannuss, número 83 999100450.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer
fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em
congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar.
Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local
seguro e por um período de 5 anos.
Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo
pesquisador e reembolsado para você.
Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será indenizado.
Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 3215-3135.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o
pesquisador responsável Rebecka Wanderley Tannuss.
176
Consentimento Livre e Esclarecido
Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão
coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará
para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa
Política Criminal e Segurança Pública: a atuação dos psicólogos no sistema prisional paraibano,
e autorizo a divulgação das informações por mim fornecidas em congressos e/ou publicações
científicas desde que nenhum dado possa me identificar.
Local e data:_________________
_________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
177
Declaração do pesquisador responsável
Como pesquisador responsável pelo estudo Política Criminal e Segurança Pública: a
atuação dos psicólogos no sistema prisional paraibano, declaro que assumo a inteira
responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e direitos que
foram esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo e
confidencialidade sobre a identidade do mesmo.
Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei
infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.
Local e data:_________________
_____________________________________________
Assinatura do pesquisador responsável
178
APÊNDICE B- TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ
TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ
Eu, _____________________________________________, depois de entender os
riscos e benefícios que a pesquisa intitulada Política Criminal e Segurança Pública: A atuação
dos psicólogos no Sistema Prisional paraibano poderá trazer e, entender especialmente os
métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como, estar ciente da necessidade da
gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste termo, os pesquisadores Rebecka
Wanderley Tannuss e Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira a realizar a gravação de minha
entrevista sem custos financeiros a nenhuma parte.
Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso dos pesquisadores acima
citados em garantir-me os seguintes direitos:
1. poderei ler a transcrição de minha gravação;
2. os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a
pesquisa aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas,
congressos e jornais;
3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das
informações geradas;
4. qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita
mediante minha autorização;
5. os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade do(a)
pesquisador(a) coordenador(a) da pesquisa Rebecka Wanderley Tannuss, e após esse período,
serão destruídos e,
179
6. serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento
e/ou solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.
Local e data: _______________________
_________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
_________________________________________
Assinatura e carimbo do pesquisador responsável
180
APÊNDICE C- ROTEIRO DE ENTREVISTA
1) Dados do (a) entrevistado (o)
a. Nome:
b. Idade:
c. Município:
2) Dados do presídio
a. Nome do presídio:
b. Quantidade de presos:
c. Capacidade do presídio:
d. Profissionais que atuam no presídio:
3) Formação profissional
a. Instituição de formação:
b. Ano de Formação:
c. Área de formação:
d. Pós-graduação lato sensu/ stricto sensu (instituição/ área, tema de pesquisa)
e. Quais disciplinas/ temáticas/ experiências (pesquisa, extensão, eventos) que
contribuíram para sua atuação dentro do sistema prisional?
f. Você considera que a sua formação graduada e pós-graduada foi (foram)
suficiente (s) para subsidiar seu trabalho atual? Se não, quais as lacunas na
formação que dificultam seu trabalho atual no presídio?
4) Trajetória profissional
a. Fale um pouco de sua trajetória profissional, até chegar nesse trabalho. Que
outros trabalhos realizou ou realiza?
b. Como ocorreu sua inserção no sistema prisional?
181
c. Ano de ingresso:
d. Quais os motivos te levaram a trabalhar nesse presídio?
e. Já trabalhou em outro presídio?
f. Você participou de algum tipo de treinamento ou capacitação para o trabalho
no presídio? Se sim, como foi? Quem ofereceu?
g. Você conhece o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário e a
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de
Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP)? Poderia me explicar sobre eles?
5) Condições de trabalho
a. Remuneração:
b. Vínculo empregatício:
c. Regime de trabalho:
d. Público-atendido:
e. Estrutura física:
6) Atividades realizadas nos presídios
a. Você poderia me falar, o mais detalhadamente possível sobre sua prática
profissional?
b. Quais instrumentos e técnicas utilizados?
c. Quais referenciais teóricos subsidiam as práticas?
d. Quais atividades são desenvolvidas junto aos presos? Realiza exame
criminológico?
e. Existem atividades junto aos familiares dos apenados? Quais?
f. Como se dá o planejamento das atividades que você executa no presídio?
g. Como se dá o registro dessas atividades?
182
h. Seu trabalho se articula com o trabalho de outros profissionais? Se sim, quais
profissionais? Como se dá essa articulação?
7) Avanços, limites e desafios para o trabalho
a. Você encontra limites ou dificuldades no seu trabalho? Poderia falar sobre
eles? Adota alguma estratégia para superá-los?
b. Como você avalia os direcionamentos para o trabalho do psicólogo no
sistema prisional? Mudaria alguma coisa? O quê?
c. O Brasil possui, atualmente, a terceira maior população carcerária do mundo.
Quais os determinantes, para você, do Brasil possuir a terceira maior
população carcerária?
d. O que você pensa do encarceramento como estratégia de ressocialização?
e. Como você avalia o papel das instituições prisionais como a principal medida
para o controle da criminalidade?
f. Nesse modelo, qual é o papel da Psicologia?
183
ANEXOS
184
ANEXO A – CARTA DE ANUÊNCIA
185
ANEXO B – PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA DA UFRN
186
187
188
189