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JAN/JUN 2008 17 Políticas públicas, etnografia e a construção dos indicadores socioculturais Public policy, ethnography and the construction of socio- cultural indicators Políticas publicas, etnografia y la producción de los indicadores sócio-culturales Des politiques publiques, lethnographie et de la construction socio-culturels Alícia Ferreira Gonçalves * Resumo: Este artigo tem como finalidade lançar uma reflexão de natureza epistemo- lógica sobre a construção de indicadores socioculturais, a partir de uma perspectiva etnográfica, no processo de avaliação ex post das políticas públicas baseado na formula- ção de indicadores socioculturais. Palavras-chave: políticas públicas; indica- dores socioculturais; etnografia Abstract: This article aims to launch a reflection of nature epistemological on the construction of socio-cultural indicators from an ethnographic perspective in the process of ex-post evaluation of public policies. Keywords: public policies; socio-cultural indicators; ethnography *Mestre em política científica e tecnológica e doutora em ciências sociais pela UNICAMP, é professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professora do Programa de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da UFC. E-mail: [email protected] ARTIGOS INÉDITOS

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JAN/JUN 2008 17

Políticas públicas, etnografia e a construção dos indicadoressocioculturais

Public policy, ethnography and the construction of socio-cultural indicators

Políticas publicas, etnografia y la producción de losindicadores sócio-culturales

Des politiques publiques, l’ethnographie et de la constructionsocio-culturels

Alícia Ferreira Gonçalves*

Resumo: Este artigo tem como finalidadelançar uma reflexão de natureza epistemo-lógica sobre a construção de indicadoressocioculturais, a partir de uma perspectivaetnográfica, no processo de avaliação ex postdas políticas públicas baseado na formula-ção de indicadores socioculturais.

Palavras-chave: políticas públicas; indica-dores socioculturais; etnografia

Abstract: This article aims to launch areflection of nature epistemological on theconstruction of socio-cultural indicators froman ethnographic perspective in the process ofex-post evaluation of public policies.

Keywords: public policies; socio-culturalindicators; ethnography

*Mestre em política científica e tecnológica e doutora em ciências sociais pela UNICAMP, é professora doDepartamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professora do Programade Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da UFC. E-mail: [email protected]

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18 JAN/JUN 2008

Este artigotem como fina-lidade iniciar uma

reflexão de natureza epistemológica sobre aconstrução de indicadores socioculturais apartir de uma perspectiva etnográfica noprocesso de avaliação ex post das políticaspúblicas1. A linha de argumentação a ser de-senvolvida no escopo deste artigo comungacom os pressupostos empíricos e teóricosexpostos no Projeto Temático que parte daseguinte problemática2: a insuficiência dasabordagens quantitativas (inspiradas em con-ceitos abstratos e universais) aplicadas aosprocessos de avaliação das políticas públi-cas, assim como de seus programas sociaiscorrelatos, a exemplo do PRONAF ou do Bol-sa Família. Tal insuficiência deriva do fatodestas abordagens desconhecerem ou nãolevarem em consideração as mediaçõessocioculturais e políticas que limitam oupotencializam o desenvolvimento de uma lo-calidade, região ou nação, como dizia CelsoFurtado (1984), e, neste sentido, limitam oupotencializam a performance das políticaspúblicas. Celso Furtado (1984) argumenta,em Cultura e desenvolvimento, que o cres-cimento econômico e aumento do ProdutoInterno Bruto (PIB) não se revertem auto-maticamente em desenvolvimento social etodo desenvolvimento social pressupõe umvínculo com a cultura e a tradição local. Nes-te sentido é que Brandão (2005) afirma quenão há um modelo analítico abstrato e geralde desenvolvimento válido para toda a socie-dade. Sendo assim, o desenvolvimento deveser compreendido como uma manifestaçãoconcreta em um determinado espaço-tem-po. Portanto, devemos levar em considera-ção as condições histórico-sociais e cultu-rais do processo de desenvolvimento e daexecução das políticas públicas. O argumentoa ser defendido no escopo deste artigo éque mediações socioculturais e políticas in-fluenciam a performance das políticas pú-blicas, ou seja, que o desempenho de taispolíticas é mediado por fatores de ordem sim-bólica, porque tais políticas são ressigni-ficadas segundo a visão de mundo das po-pulações-alvo de tais políticas, e esta visãode mundo engendra-se nas relações que setecem entre indivíduo e sociedade. Por exem-plo, entre os Kurã-Bakairi (grupo indígena da

Amazônia), as políticas públicas de saúdesão ressignificadas a partir de sua cosmologiae tais mediações de ordem simbólica têm im-pactos no desempenho de tal política3. Ora,mediações de ordem simbólica remetem-nosao universo temático das classificações so-ciais e da cognição, tão caros à escola so-ciológica francesa desde Émile Durkheim.

Émile Durkheim e Marcel Mauss, no artigo“Algumas formas primitivas de classificação”,publicado em 1903, já haviam afirmado queo sistema classificatório local é constituídonas relações que se tecem entre indivíduo esociedade e pressupõe consenso sobre ca-tegorias básicas que permitem a inteligênciasobre o mundo social e natural e, em últimainstância, remetem à coesão social. JackGoody (1971 e 1968), em Tecnology, tradi-tion and the State in África e Literacy intradicional society, demonstra que a intro-dução da escrita pressupôs na sociedadeafricana sua (re)significação segundo suaspróprias categorias simbólicas. O próprioYunus, quando criou o Grameen Bank (Ban-co das Vilas), em 1983 (a partir de um pro-jeto de pesquisa iniciado sete anos antes naaldeia de Jobra/Bangladesh), concedeu ocrédito às pessoas abaixo da linha de pobre-za de acordo com as especificidades cultu-rais de seu país recém-independente, quevivenciara anos de colonização inglesa; debase econômica predominantemente agríco-la, particularmente a monocultura do arroz;com grande defasagem tecnológica, inser-ção periférica na economia mundial; e apre-sentando graves conflitos religiosos, étni-cos e políticos. Neste contexto, a grandequestão que se apresentava a Yunus no anode 1974 era como diminuir a pobreza4.Bangladesh, país de maioria muçulmana ou-trora sob o domínio da colonização inglesa,tornou-se independente em 1974 e era umadas regiões mais pobres, com densidadepopulacional de 830 habitantes por quilôme-tro quadrado e 90% de analfabetismo. A fomede 1974 fez centenas de milhares de víti-mas, o país ainda é alvo de epidemias comomalária e outras doenças tropicais, classifi-cado como país de categoria 3 pela Organi-zação Mundial da Saúde (OMS). A interlo-cução de Yunnus, na época, era com o Ban-co Mundial, que atua a partir de conceitos epressupostos universais e abstratos. Na ver-

Introdução

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dade, trata-se de um embate entre univer-salismo e particularismo. O grande dilemapara os atores sociais envolvidos na formu-lação e gestão das políticas públicas é comoconciliar a necessidade de se estabelece-rem conceitos universais – tais como pobre-za, qualidade de vida e desenvolvimento –,válidos para os grupos sociais, e ao mesmotempo considerar, no desenho de tais políti-cas, as tradições culturais destes grupos eseus próprios projetos de futuro.

Neste sentido, há mediações culturais erelações de poder locais que devem ser ana-lisadas quando propomos projetos, progra-mas e políticas públicas que visam promovera mudança social. É, pois, neste horizontedas políticas públicas analisadas a partir davisão de mundo dos sujeitos sociais que aavaliação ex post das políticas e a etnografiaaproximam-se.

Políticas públicas,

universalismo e

particularismo

Les hommes des societés sauvages ou

tradionnelles n´ignoraient pas l´intérêt

matériel. Mais ils se refusaient à

légitimer son autonomisation (Caillé,

2003).

A ênfase nas políticas públicas de carátersocial como uma forma privilegiada para com-bate a exclusão social é um fenômeno rela-tivamente recente, pois, outrora, a ênfasefoi posta no crescimento da economia e nageração sempre crescente de postos de tra-balho com carteira assinada articulada a to-das as benesses do welfare-state à brasilei-ra. Afinal, em que momento da história ocor-reu a guinada em direção às políticas públi-cas como instrumento privilegiado de gover-no no combate à pobreza, desigualdade derenda e exclusão social?

Podemos considerar que a ênfase postanas políticas públicas de caráter social temseus marcos em processos gerais, tais como:a falência do Estado de bem-estar social, osprocessos de reestruturação produtiva, atransformação do paradigma tecnológico, a

crise da sociedade do trabalho5, a globa-lização da economia e a implementação daspolíticas de corte neoliberal pelo mundo afo-ra6. Trata-se de fatores inter-relacionadosintimamente conectados aos interessessistêmicos do capital transnacional. A esterespeito, Manuel Castells (1997) descrevetransformações em curso na economia in-ternacional; no universo empresarial; nas re-lações e no mercado de trabalho; no papeldo Estado; nas configurações urbanas; noramo das economias ilícitas como o tráficode drogas; nas identidades e nas relaçõesde gênero.

Para este autor, são transformaçõesdesencadeadas por uma mudança na basematerial da sociedade – na infraestruturatecnológica, baseada em um novo paradigmatecnológico que emergiu no final da décadade 1970 na Califórnia, Estados Unidos. Esteparadigma configurado por novas tecnologiasassociadas à telemática estaria articuladoao processo de reestruturação do modo deprodução capitalista no final do século XX,ou seja, teria sido desenvolvido para aten-der, sobretudo, aos interesses da acumula-ção capitalista em escala global.

Contudo, os interesses sistêmicos ex-pressos na dinâmica da acumulação capita-lista em escala global têm engendrado efei-tos perversos e introduzido patologias no“Mundo da Vida” – na esfera de ação res-ponsável pela produção e reprodução sim-bólica –, como diria Habermas (1987).

Neste sentido, Godelier (2001:310-14)identifica o específico paradoxo das socie-dades capitalistas: a própria dinâmica daacumulação do capital como principal fontede exclusão social. Para o autor, existe “[...]inegavelmente no coração do capitalismouma fonte permanente de desigualdades so-ciais, e isso significa que nesse sistema, comoem todos os outros, há coisas a seremrecalcadas”, coisas sobre as quais “é preci-so silenciar ou que é preciso travestir de‘interesse comum’”.

Tendo em mente a desigualdade estrutu-ral produzida no seio do capitalismo, indagao autor: “Que lugar resta para o dom emnossas sociedades ocidentais”? Ocorre queo dom, responde ele, está em vias de voltara ser uma condição socialmente necessáriaà reconstrução do tecido social7. Neste sen-

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tido, o paradoxo é que a mesma economiaque cria os excluídos em massa confia à so-ciedade a tarefa de reincluí-los, não na eco-nomia, mas no tecido social, acrescento eu,por meio das políticas públicas de carátersocial institucionalizadas pelo Estado.

Contudo, também é fato que emergem,no final da década de 1980, movimentos so-ciais, forças de resistência anticapitalistasem escala planetária, como os eventos queantecederam a constituição do Fórum So-cial Mundial.

Neste cenário em que afloram os movi-mentos sociais contrários à ordem hege-mônica do capital, a recuperação de umamoral da solidariedade e de pertencimentosocial no campo dos movimentos sociais e,simultaneamente, no campo acadêmico. E,ao longo deste processo, emergem novosatores sociais que vão constituir o campoda economia solidária e, ao mesmo tempo, ainstituição das políticas públicas imple-mentadas pelo Estado – algumas por pres-são dos movimentos sociais, a exemplo doPrograma Nacional de Agricultura Familiar(PRONAF), do microcrédito e da SecretariaNacional de Economia Solidária (SENAES) noBrasil8. Particularmente, no campo domicrocrédito, surge a experiência contem-porânea conhecida mundialmente, a doGrameen Bank.

O governo federal, por meio do Ministériodo Trabalho e do Emprego (MTE), pretende,ao menos no nível do discurso institucional,investir maciçamente em operações demicrocrédito articuladas à perspectiva da de-nominada economia solidária (ES) como al-ternativa privilegiada de combate à exclu-são social9.

A ideia central dos agentes políticos queatuam institucionalmente é que as opera-ções de microcrédito articuladas à denomi-nada economia solidária estão se constitu-indo como um mecanismo poderoso de gera-ção de trabalho e renda – portanto, de com-bate à pobreza – em nosso país. Neste sen-tido, tais operações são direcionadas a seg-mentos específicos da sociedade brasileira,a exemplo dos catadores de material reci-clado que encontramos em várias capitaisdo país; dos vendedores ambulantes que cir-culam nas cidades; do pequeno comércio,como lojinhas, supermercados, padarias; ser-

viços como oficinas mecânicas; ou das mu-lheres mães de família que confeccionam ar-tesanato utilizando os recursos locais. Inse-rem-se também nestes programas de finan-ciamento as cooperativas de pescadores, demulheres artesãs, grupos quilombolas, gru-pos indígenas, cooperativas de pessoas comnecessidades sociais, cooperativas de soro-positivos, cooperativas formadas por jovensda periferia, dentre outros grupos sociais.São todos “empreendimentos” que, em suagrande parte, atuam na informalidade. Ocorreque tais políticas estão pautadas em con-ceitos e valores universalistas e abstratosque não se coadunam com conceitos e va-lores que remetem às tradições culturais dosgrupos sociais-alvo de tais políticas.

Alguns estudos etnográficos, em suainterface com a temática das políticas pú-blicas, sinalizam para a incongruência entreuniversalismo e particularismo, como, porexemplo, os estudos de Coelho de Souza(2007), com base no caso etnográfico dassociedades de língua jê do Brasil Central, ede Edir Pina de Barros, no artigo “Saúde in-dígena, cosmologias e políticas públicas”, apartir do caso dos Kurã-Bakairi (do cerradonorte-mato-grossense), que são ribeirinhos,pescadores e agricultores. Diz o autor queno Brasil há mais de 200 línguas, 180 indíge-nas, e que as políticas de saúde não levamem consideração a diversidade sociocultural.Em sua visão, o grande desafio é fazer comque os direitos garantidos na Constituiçãosejam postos em prática. No entanto, afir-ma ainda, é grande o abismo que separa apensar biomédico e o pensar das populaçõesindígenas que associam o processo saúde-doença a sua cosmologia.

Marcela Coelho (2007) confronta catego-rias êmicas que designam a cultura material,imaterial, conhecimento, transmissão de co-nhecimento, e também da distinção e iden-tidade, com a “sociedade envolvente”. Ocaso etnográfico é o das sociedades de lín-gua jê do Brasil Central. Neste sentido, aautora questiona: direitos universais ou re-lações particulares? Muitos antropólogosapontam as limitações de se estabeleceremmarcos legais ancorados em princípiosuniversalistas e abstratos. Contudo, a ques-tão de fundo é a universalidade parcial dosprincípios civilizatórios que embasam as de-

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clarações e a formulação de direitos que sepretendem universais. Alguns autores de-fendem a adoção do princípio denominadopor eles de jusdiversidade: “a liberdade quepossibilita a cada povo viver segundo seususos e costumes e transformá-los, quandodesejável e necessários, em constituiçõesrígidas”. Trata-se de um ponto de partidaque apresenta limitações quando se tratade transações entre culturas, pois uma podereivindicar a formulação de direitos univer-sais e outra, privilegiar a constituição de re-lações particulares. O questionamento é an-tropológico, político, jurídico e relevante so-cialmente.

Portanto, trata-se de se problematizarempiricamente as tensões subjacentes às po-líticas públicas – entre individualismo e reci-procidade e universalismo e particularismo,ou seja, entre valores e conceitos que sepretendem universais e que orientam as po-líticas públicas e as tradições culturais par-ticulares com categorias e princípios quederivam de seus respectivos sistemas classi-ficatórios.

Esta última é a mesma tensão que estápresente em várias reivindicações das po-pulações tradicionais e das minorias étnicasno mundo todo.

Nos Estados Unidos, quando se fala emdireito das minorias étnicas, nos paísesdescolonizados da África, na Índia, na Amé-rica Latina, incluindo o Brasil, todos estesdebates expressam a insuficiência e as limi-tações do sistema jurídico estatal baseadoem noções, princípios e conceitos univer-salistas (abstratos), que estabelece comofinalidade proteger os direitos das minoriasétnicas em vários âmbitos. O que está emquestionamento é o próprio conceito de di-reitos humanos, engendrado no Iluminismoeuropeu e concebido como um valor univer-sal10. Esta seria uma das promessas não cum-pridas do Iluminismo de que nos falaHabermas (1987).

Em sociedades multiétnicas, as identida-des assumem a sua dimensão política. Con-tudo, se a identidade, em sua formulaçãoclássica que remonta ao romantismo alemão,e moderna, que remete às formulações deLévi-Strauss, estava associada a elemen-tos irredutíveis, ou seja, a uma essência quedefiniria o próprio grupo social, passa a ser

concebida contemporaneamente em sua di-mensão processual e histórica; tecida, por-tanto, nas relações sociais e de poder, eassume dimensão crucial no contexto daspolíticas públicas contemporâneas, quandoo que está em jogo é a própria definição dasidentidades, a reivindicação de recursos pú-blicos e o acesso a direitos.

A questão central é como gerenciar adiferença, como representar os múltiplos in-teresses no aparelho do Estado. As críticasdirigem-se ao próprio texto constitucional,que não estaria adequado às demandas dosvários grupos que compõem uma sociedademulticultural.

Haveria um paradoxo no próprio textoconstitucional, fundamentado em princípiosuniversalistas que garantem a igualdade dedireitos a grupos que, originalmente, são he-terogêneos do ponto de vista étnico, convi-vendo em bases desiguais e assimétricas emum mesmo território nacional.

Para Hall e Tambiah, a solução seria refor-mular a regra constitucional e garantir defato os direitos aos grupos minoritários, as-sim como políticas públicas e igualdade decondições.

No universo do indigenismo e da políticaindigenista, o debate sobre políticas públi-cas direcionadas aos grupos indígenas estácentrado na noção de etnodesenvolvimento,que se refere ao desenvolvimento que man-tem o diferencial sociocultural de uma socie-dade ou grupo social. É uma noção de de-senvolvimento desvinculada da perspectivaeconomicista baseada na noção de progres-so, aumento do PIB etc. Esta noção envol-ve, segundo Roberto Cardoso de Oliveira, aconstituição de uma comunidade de argu-mentação interétnica baseada em uma ra-zão comunicativa e pautada pela responsa-bilidade moral daqueles atores que atuam nocampo dos poderes públicos dominantes. Oetnodesenvolvimento supõe: uma etnia au-tóctone com poder decisório sobre o seuterritório, recursos naturais, culturais e li-berdade para negociar com o Estado segun-do os próprios interesses. Segundo Roberto

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Cardoso de Oliveira, no artigo “O saber, aética e a ação social”, “[...] Isto significaque o grupo étnico é a unidade político-ad-ministrativa com autoridade sobre o seu pro-jeto de território e capacidade de decisãono âmbito de seu projeto de desenvolvimen-to, dentro de um processo crescente de au-tonomia e autogestão” (1990:17).

Os seguintes indicadores do etnodesen-volvimento foram formulados para as socie-dades indígenas no Brasil:

1. aumento da população com segu-rança alimentar;

2. aumento do nível de escolaridadena língua ou no português dos jo-vens aldeados;

3. necessidades básicas de produtos

do mercado com recursos próprios;

4. domínio das relações com Estado e

demais órgãos do governo e outras

entidades, de modo que a socieda-

de indígena possa definir essas rela-

ções.

Tais indicadores pressupõem a situaçãoideal descrita abaixo11:

a) usufruto exclusivo dos recursos na-

turais;

b) segurança territorial;

c) demanda por produtos manufatura-

dos e meios para atingi-los;

d) internalização de recursos financei-

ros.

Ressalte-se que a geração de renda, aentrada de recursos financeiros para as ne-cessidades dos índios e a aquisição de pro-dutos comercializados no mercado pelosbrancos são fundamentais para qualquer pro-jeto de etnodesenvolvimento.

O supracitado conceito está associado àspolíticas públicas direcionadas principalmen-te aos grupos indígenas, mas pode serextrapolado para que se pensem outros gru-pos sociais, como uma comunidade de pes-cadores ou de quilombolas, por exemplo, ouuma cooperativa de mulheres artesãs. Nes-te último caso, o diferencial remete às rela-ções de gênero, que se cruzam com as declasse e de etnia.

Políticas públicas e

indicadores socioculturais

No caso das avaliações das políticas pú-blicas sociais, o debate que este artigo sus-cita gira em torno da necessidade de cons-trução de indicadores socioculturais que ar-ticulem no tempo-espaço as dimensões dascomunidades listadas abaixo, sejam elas umassentamento de reforma agrária na regiãosemiárida, um município ou um bairro na re-gião periférica das grandes metrópoles. Agrande questão para o gestor de políticaspúblicas é de natureza epistemológica. Tra-ta-se de conhecer, para além dos indicado-res quantitativos de renda e de pobreza,quem está recebendo a política pública ecomo a ressignifica? Em que contexto? Quaisas mediações de ordem simbólica e políticaque a atravessam?

Neste sentido, é preciso mapear, nas co-munidades beneficiárias das políticas, as se-guintes dimensões:

1. economia (arranjos produtivos e ca-

deias produtivas locais, por exem-

plo, a cadeia produtiva do mel, no

caso da apicultura);

2. relações de poder local e sua arti-

culação com as demais instâncias

(estadual e federal) – as políticas

públicas transitam nas três esferas

de poder até chegar ao seu destino

(quando não são desviadas);

3. cultura (valores, tradições e identi-

dades que remetem aos grupos so-

ciais beneficiários);

4. geografia (condições físicas e cli-

máticas);

5. rede de proteção social (políticas

públicas sociais existentes);

6. concepções e projetos de desen-

volvimento local; e

7. sistema educacional local.

Contudo, a construção de tais indicadorespressupõe um olhar etnográfico focado em doispressupostos epistemológicos: ressignificaçãoe totalidade. Neste sentido, é fundamentalapreender a visão de mundo dos sujeitos so-

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ciais que são alvo das políticas públicas, alémdo modo como as ressignificam. E uma dasdimensões centrais é a cultura como dimen-são simbólica que articula e media os aspec-tos políticos, econômicos e sociais.

Em pesquisa anterior, na região semiáridado estado do Ceará, pude constatar que, nouniverso dos assentamentos de reforma agrá-ria, a economia solidária e o crédito solidáriosão apreendidos a partir das categoriasclassificatórias êmicas ancoradas na lógicapatrimonialista. Neste caso, o grupo socialnão opõe solidariedade e patrimonialismo, masarticula ambas as categorias no plano sim-bólico; ou seja, ressignifica a economia soli-dária e o crédito a partir das relaçõespatrimonialistas constituídas historicamentenaquela região12.

Essa visão de mundo ancorada em rela-ções clientelistas constitui-se num entraveao desenvolvimento da economia solidária naregião. Assim, a partir do cruzamento de taisindicadores, poderemos apreender os limitese as potencialidades das políticas públicascomo uma dimensão significativa a partir daqual poderiam ser diminuídas a desigualdadesocial e a pobreza em nosso país. Podería-mos, por exemplo, perceber de que forma asrelações de poder locais impedem ou esti-mulam a formação de uma cultura políticacrítica, a autogestão, a solidariedade e areciprocidade, que são noções centrais paraa sustentabilidade dos empreendimentos di-tos solidários. O pressuposto da ressigni-ficação das políticas públicas remete-nos àsarticulações entre as esferas local, regionale nacional e transnacional. Neste sentido,não podemos conceber o semiárido cearensecomo um universo simbólico autônomo e en-cerrado em si mesmo, mas sim como um uni-verso simbólico constituído a partir da tradi-ção cultural e das injunções do sistema fi-nanceiro transnacional. Deste modo, a visãode mundo dos sujeitos é constituída a partirdo sistema cognitivo êmico, que por sua vezengendra-se nas relações que se tecem en-tre indivíduo e sociedade. Neste sentido, é

preciso observar as relações de poder, a eco-nomia, educação, condições ambientais, redede proteção social das comunidades-alvo daspolíticas públicas, como instâncias que searticulam (e não são autonomizadas) na vi-são de mundo das pessoas

Técnicos do Banco Central afirmam queuma consciência política reflexiva e um grauelevado de escolaridade são fatores que con-tribuem para o êxito das cooperativas decrédito. Marcelo Néri, economista da Fun-dação Getúlio Vargas (FGV), em semináriono Banco do Nordeste do Brasil (BNB), afir-ma também que as comunidades com níveismais elevados de escolaridade são solo fértilpara que as microfinanças promovam o de-senvolvimento local13. Neste sentido, graude consciência política, cultura política eeducação local são três indicadores ou di-mensões fundamentais para se avaliar aperformance das políticas públicas. Quantomais a cultura política de um grupo socialaproximar-se do patrimonialismo, quantomenor os anos de escolaridade formal e me-nor o grau de reflexividade política, maioresos limites à atuação das políticas públicas.Refiro-me particularmente às baseadas noslaços de solidariedade e de reciprocidade.Neste sentido, tais indicadores “mensu-rariam”, a partir de um enfoque semiótico ehermenêutico, graus de reflexividade, anose qualidade de escolaridade e padrões decultura política. Obviamente que tais indica-dores jamais poderiam ou teriam a preten-são de abarcar toda a complexidade, a ri-queza e a dialética que são constitutivas douniverso simbólico das pessoas que são des-tinatárias das políticas públicas.

Contudo, o trabalho de construção de in-dicadores socioculturais é artesanal, requersensibilidade analítica, é denso (pois revelaos significados) e, em princípio, microscópi-co; no entanto, remete-nos a problemáti-cas mais amplas, como o desenvolvimentosocial, o combate à pobreza e a melhoriadas condições de vida das pessoas “que de-sejam formas distintas de felicidade”14.

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24 JAN/JUN 2008

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ARTIGOS INÉDITOS

JAN/JUN 2008 27

Résumé: Cet article vise à lancer une réflexionde nature épistémologique sur la constructionsocio-culturelle des indicateurs d’une pers-pective ethnographique dans le processusd’évaluation ex post des politiques publiques.

Mots clés: politiques publiques; indicateurssocio-culturelles; ethnographie

Resumen: Este artículo presenta una reflexiónepistemológica sobre la construcción de losindicadores sócio-culturales desde una pers-pectiva etnográfica en los procesos deevaluación ex post de las políticas públicasbasados en la producción de los indicadoressócio-culturales.

Palabras-clave: políticas publicas; indica-dores sócio-culturales; etnografia

1 Adoto (apenas como ponto de partida) a definição de políticas públicas formulada no texto de Höfling(2001). Segundo esta autora, a política pública é o “Estado em ação”. É o Estado implantando em umdeterminado contexto histórico um projeto de governo por meio de programas e ações direcionados adeterminados segmentos da sociedade. A autora utiliza este conceito para pensar as políticas públicasde caráter social na área da educação, mas penso que esta noção pode ser ampliada para pensartambém o microcrédito, a denominada economia solidária e outras políticas públicas. A perspectiva deavaliação no presente texto coaduna-se com a proposta de Lejano (2006) e Rodrigues (2007), que seinspiram em uma abordagem semiótica e hermenêutica.

2 Da perspectiva institucional, o referido projeto insere-se nos termos do convênio Fundeci/Bnb/UFC de 21de março de 2006, que viabilizou uma turma do curso de mestrado em Avaliação de Políticas Públicascom ênfase em desenvolvimento regional. O mestrado constituiu o Numapp–núcleo de pesquisa emformato de projeto temático integrado de pesquisa que articula as pesquisas dos alunos direcionadas afornecer subsídios empíricos para a construção de uma metodologia de avaliação das políticas públicasnas quais se mesclam as abordagens qualitativas e quantitativas, com ênfase no desenvolvimentoregional em articulação com as dimensões socioculturais. A primeira fase do projeto é a construção deuma base de dados sobre programas e políticas públicas no estado do Ceará, a exemplo do Crediamigo,Economia Solidária, Bolsa Família, Pronaf, Prodetur, dentre outros.

3 Cf. Barros, Edir Pina (2008).4 Diz o professor: “Cada país deveria dispor de sua própria definição de pobreza (ter dez hectares de terra

coloca uma pessoa ao lado dos ricos num país fértil e do lado dos pobres num país desértico). Seria útilque as organizações internacionais integrassem em suas análises os critérios de identificação da pobre-za específicos de cada país, em vez de impor normas internacionais” (Yunus, 1997:97).

5 Sobre a crise da sociedade do trabalho, consultar Antunes (1995).6 Sobre as várias dimensões e significados da globalização, ver Ianni (1996).7 Godelier (2001:316-317) observa muito bem o paradoxo da sociedade capitalista que repousa no fato de

que a “sociedade só vive e prospera, portanto, ao preço de um déficit permanente de solidariedade”. Oautor conclui afirmando que não podemos esperar tudo do dom, “pois apenas os deuses dão tudo outudo deram, precisamente, porém, porque não eram homens. O dom há de servir, mas esperando oquê?”.

8 Sobre o processo de constituição do campo da economia solidária no Brasil, ver excelente tese de Lechat(2004).

9 Sobre os vários sentidos que o termo economia solidária incorpora, cf. Noelle Lechat (2002), e sobre osmúltiplos sentidos da economia solidária no estado do Ceará, cf. Gonçalves (2006b e 2007).

10 Cf. Hall (2003); Tambiah (1997); Veena Das (1995); Hutchinson (1996).11 Cf. Azanha (2002).12 Cf. Gonçalves (2008).13 Fórum BNB de Desenvolvimento realizado nos dias 17 e 18 de julho de 2008, em Fortaleza.14 Malinowski (1978).

Notas

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