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capítulo 1 e 2
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políticas urbanas ii
Transformações,
Regulação e
Projectos
fundação calouste gulbenkian
Os autores dedicam o presente volume à memória de François Ascher (1946–2009), lembrando o seu pioneirismo nesta temática, a sua participação crítica no primeiro volume de Políticas Urbanas e o interesse com que ainda acompanhou à distância a preparação deste segundo volume.
I
as transformações do território
Da cidade ao urbano
Variações de contexto e escala de urbanização
II
as transformações do espaço urbano
Estruturas e fragmentos
III
as transformações da regulação
Processos e actores
IV
exemplos
[1] o princípio da incerteza
7
11
[ i ]
194159
69135149
[ ii ]
163167187209225
[ iii ]
233239257
introdução
as transformações do território
da cidade ao urbanoRealidade e representaçãoPolaridadesColonização da infra-estrutura viária
variações de contexto e escala de urbanizaçãoO caso de PortugalLeitura críticaPropostas operativas
as transformações do espaço urbano
estruturas e fragmentosReurbanizaçãoO fim do puzzleEstruturaDensidadesIntensificação e adaptabilidade
as transformações da regulação
processos e actoresContexto e mudançaInstrumentos e políticasInovação nas políticas urbanas
9
[ iv ]
271279285293301309317323329335341347355359365
375379387389
391
395
exemplos
Expansão Norte da Cidade de Almada Expansão de OdivelasQuinta do CondeAlcântaraAlto do LumiarO território urbano-turístico de AlbufeiraPalmela Viana do CasteloNúcleo urbano de BrandoaProjecto urbano do CacémPortalegreO caso da MaiaBairro do Restelo, LisboaMarginal Atlântica de Vila Nova de GaiaO caso de Montpellier
siglasbibliografiacréditos das figurascréditos dos quadros
summary Urban Policies II – Transformations, Regulation and Projects
ficha técnica
Introdução
Nuno Portas
11
O presente volume de Políticas Urbanas propõe-se como um desenvolvimento do trabalho ante-
rior, mais centrado nos temas que suscitaram alguma polémica, exigindo clarificações e, quando
possível, exemplificações entretanto disponíveis. Focam-se não só os diagnósticos das situações e
das tendências urbanísticas, mas, sobretudo, a procura de respostas aos novos problemas que se
identificaram como emergentes no país e não só.
Apesar das edições e referências académicas que, com alguma surpresa, o primeiro volume
suscitou, não veio a público, salvo raras excepções, a controvérsia que julgávamos necessária, nem
o seu reflexo operativo se verificou na produção legislativa, nos programas públicos, ou mesmo
nos recentes reajustamentos dos instrumentos de ordenamento.
O denominador comum aos dois volumes é a particular atenção às formações urbanas emergen-
tes e menos estudadas – por isso menos consensuais – ainda que sejam largamente maioritárias
em população, extensão e complexidade, tanto funcional como perceptiva, não só no território
nacional mas também na maioria dos países europeus e nos restantes continentes, pese embora
a diversidade das explicações, avaliações e propostas que se têm produzido, a partir de diferentes
ópticas disciplinares, ao longo das últimas décadas.
O termo cidade tornou-se polissémico, denotando diferentes lugares e aglomerações de vida
e forma ditas urbanas. Daí a frequência com que se adjectiva ou qualifica cada tipo ou padrão de
cidade – pela idade, dimensão, densidade, ou morfologia dominante, mas também recorrendo
a conotações menos inocentes (umas valorativas outras depreciativas) que tendem a induzir a
ideia de que cidade é só uma (a dita canónica e mais nenhuma). Ora, as grandes áreas emergentes
somam, em geral, diferentes tipos (e épocas) de urbanização e espaçamentos. E são sobretudo estes
últimos – os espaços de dimensão muito variada que separam e ligam as áreas edificadas – que
mais importa repensar, nas suas vertentes ecológica, paisagística e de comunicação. Curiosamente,
tanto na gíria do planeamento como na legislação, ainda são designados como solo rural, quando
a sua função na cidade extensiva é já urbana, ainda que não edificável. Tais espaços entre cidades,
vilas, aldeamentos, áreas industriais, centros comerciais, áreas logísticas e muitas outras formas
de ocupação, constituem (ou tendem a constituir) sistemas ou redes temáticas imprescindíveis à
sustentabilidade das novas aglomerações.
Esta pluralidade de situações em movimento continua a ser, para os objectivos da pesquisa,
um desafio irrenunciável que remete para políticas e acções necessariamente também plurais.
A prioridade que se reflecte nos temas desta publicação não subestima as políticas de reabilitação
nas cidades herdadas, mais ou menos canónicas que, aliás, tem sido abundantemente tratada e
objecto de sucessivos programas de actuação. A questão está em que as acções mais introvertidas
12
– as do meio urbano consolidado – e as acções mais extrovertidas – de que carece o meio urbano
emergente – não são da mesma natureza, nem servem os mesmos destinatários e actividades, e
nem têm meios proporcionados de financiamento público e capacidade técnica. Nem mesmo,
como adiante se insistirá, o sistema de administração metropolitana, urbanística e estratégica, está
à altura de enfrentar problemas transversais, que só poderão ser atenuados com os meios públicos
disponíveis se se ultrapassarem as barreiras municipais e sectoriais, formando as redes urbanas
necessárias ao carácter extensivo do crescimento.
É um dado reconhecido que se os aglomerados urbanos mais consolidados podem dar prio-
ridade a acções de reabilitação ou substituição do edificado, apoiando-se nas redes preexistentes,
já os aglomerados mais fragmentados ou precários terão que dar prioridade a acções de reurba-
nização que estruturem o que nasceu ou cresceu casuisticamente, sem os suportes suficientes e,
muitas vezes, sem cuidar das obrigações legalmente exigíveis às promoções. Esta dualidade de
estratégias urbanísticas coexiste muitas vezes no interior do mesmo município, reconhecida ou
não nos seus planos directores e difícil de gerir politicamente em termos de aplicação dos recursos
financeiros. Noutras situações, abrangendo municípios contíguos, o esforço de reurbanização de
tecidos difusos ou dispersos recomendaria acções conjugadas capazes de reforçar contiguidades
e nós que favoreçam condensações polarizadoras de equipamentos, actividades, meios de trans-
porte, ou parques (sub)urbanos. Exemplos de situações que mereceriam upgrades desta natureza
podem ser confirmados nas expressivas mapificações sub-regionais ou municipais dos capítulos
de abertura deste volume.
Assim, o conceito de reurbanização – reforçando malhas, eixos e nós, sejam estes existentes,
a completar, ou a criar – é mais necessário para a caracterização urbanística do que as unidades
de execução, a delimitação de perímetros com frequência arbitrários (que tantas vezes continuam
expectantes se não abandonados), ou a definição de índices abstractos. Nesta perspectiva de acu-
punctura ou de cerzimento urbanístico, a contratualização das iniciativas dos interessados em
cooperação com o município poderá ser melhor entendida.
É também verdade que os planos locais se tornaram, neste último meio século, mais abstrac-
tos em resultado de serem territorialmente mais abrangentes. Reduzidos a perímetros e classi-
ficações de solos defensivas, perderam a cultura dos traçados – de infra-estrutura e paisagem
– remetendo-a para a multiplicação de planos pormenorizados mais parecidos com projectos de
conjuntos (de novo os perímetros…) do que com planos abertos à incerteza dos programas e do
edificado, mas seguros quanto ao espaço colectivo que estrutura e liga as partes com o todo. Daí
que esta involução técnica se tornasse, ela própria, parte do problema que depois se traduz nos
fáceis epítetos críticos que consideram a cidade emergente como labiríntica, caótica, em suma,
como não-cidade. Daí também que se tenha tido que inventar figuras híbridas de plano-projecto
(como é o caso dos designados projectos urbanos), de geometria variável e flexibilidade quanto
baste em relação às futuras volumetrias do edificado.
No que respeita à prática dos chamados projectos urbanos, convém ainda lembrar que se ini-
ciaram nos anos de 1980, sob programas ou pretextos variados, em áreas relativamente centrais e
consolidadas ou, em alternativa, em zonas fabris ou portuárias abandonadas (terrain vague, bro-
wnfields) vizinhas das primeiras. Após a experiência da Expo98, em Lisboa, foi lançado o programa
polis para a recuperação urbana (de vocação sobretudo ambiental e de lazer) em cerca de duas
dezenas de cidades. Trata-se de operações, na sua maioria em áreas centrais, que desde o início
tiveram como leit-motive a presença da água (rios, rias, costa marítima). Neste volume recolhem-
-se mais alguns exemplos, dos quais se destaca apenas um caso disponível de cidade extensiva e que
introdução
13
pode ser considerada como indicativo do que designamos como reurbanização. A experiência da
maior parte deste programa – um êxito de finalização e visibilidade reconhecido quanto aos níveis
de desenho urbano – está, no entanto, por avaliar quanto aos custos/durabilidade e, sobretudo,
quanto aos efeitos de contaminação positiva (ou catalíticos) sobre as áreas urbanas próximas, um
dos objectivos indirectos que justifica o investimento público neste tipo de programas. Por outro
lado, as vastas áreas urbanas consideradas como desqualificadas ou problemáticas – em que a
dimensão das carências não permitirá os mesmos standards – obrigarão a repensar as estratégias
de projecto urbano para a melhoria ambiental dos tecidos e infra-estruturas incompletos, como
suportes básicos do espaço colectivo e paisagístico, que também merecem.
Como se mostra na parte final deste trabalho, os desafios que se nos põem, e que a regulamen-
tação legal vigente dos instrumentos de planeamento terá que acolher de forma mais explícita,
tenderá a valorizar, sobretudo:
*. Instrumentos de natureza estratégica que orientem os actores (administrações, cidadãos,
promotores) quanto às prioridades e sua viabilidade de curto/médio prazo, parceiros e recur-
sos, distinguindo as componentes firmes (de longa duração) e as prováveis ou alternativas.
Estes instrumentos supõem compromissos institucionais que os afastem do marketing político
de curto prazo. Pela sua natureza, exigem adaptações contínuas em função dos resultados.
*. Instrumentos de natureza reguladora e de gestão de médio prazo fixando à partida os traçados
infra-estruturais de longa duração, os limites imperativos e/ou preferentes de carácter ecológico-
-ambiental e os critérios de gestão do edificado, incluindo a contratualização da participação em
externalidades (como malhas infra-estruturais ou ambientais, condições socioeconómicas da
oferta, etc.), devendo os índices paramétricos ser considerados como referências indicativas.
*. Instrumentos de natureza operacional que enquadrem operações complexas de renovação
urbana ou de reurbanização, de orientação e financiamento público, misto ou privado de
interesse público, incluindo externalidades significativas do tipo projecto urbano de geometria
variável e de regulação do edificado relativamente aberta em função de candidaturas, estado
dos mercados, ou interesse urbano reconhecido.
*. Instrumentos de avaliação antes/durante/após sobre políticas, planos ou acções empreen-
didas pelo Estado central ou local que têm tido grande difusão nas últimas décadas, também
sob pressão comunitária, e por isso merecem alguma reflexão. Se todo o trabalho político-
-técnico carece de avaliação, é óbvio que não só os prazos e custos das operações se agravam
(duplicando as avaliações hierárquicas), como se introduzem, com frequência, perturbações
de difícil solução decorrentes do facto de o avaliador não se sintonizar com os dados e orien-
tações que os autores dos estudos legitimamente assumiram. De facto, as questões urbanas,
ambientais, de mobilidades, etc., estão longe de apresentarem hipóteses consensuais, ou de
se limitarem aos âmbitos iniciais dos programas. Para evitar conflitos ou crises, os próprios
promotores escolhem avaliadores que à partida não põem em causa os objectos da avalia-
ção… O esforço de avaliação que mais interessa neste ambiente de risco é o de seguimento dos
processos – reflexivo, portanto – que não só pode alertar para riscos de alteração de previsões,
como pode instruir operações futuras com características similares.
Com esta desejável evolução, conjugando os instrumentos de estratégia, de regulação e de gestão, o
sistema de planeamento deixa de ser formalmente dedutivo – do geral para o particular, do plano
para o projecto, das intenções genéricas para as realizações – para procurar uma via mais realista e
introdução
14
reflexiva, na medida em que enfrenta o factor tempo com as suas incertezas, variações e oportuni-
dades. Defende-se, neste aspecto, a aposta nas perenidades e prioridades estruturantes, inerentes
em geral à responsabilidade pública ou colectiva, que determinam ou estimulam, por sua vez, as
acções particulares e conjunturais sujeitas a licenciamento.
Procura-se assim contrariar o procedimento de conformidade que supõe, na teoria herdada,
a precedência de formas determinantes de instrumentos de escala superior, independentemente
das desactualizações ou falhas de previsão desses instrumentos mais pesados. A passiva verificação
de conformidade é o grau menos inteligente da gestão dos territórios. Obviamente, a alternativa
que se vem impondo nas práticas alheias – da avaliação in loco e ad hoc apoiada na retroactividade
– será mais exigente em formação e responsabilidade por parte dos serviços. Um objectivo priori-
tário será por isso, o da formação contínua, e das escolas que a podem fornecer. Por outro lado, as
decisões de licenciamento menos banais ou mais determinantes supõem processos negociais cres-
centemente complexos (natureza dos programas, contrapartidas de externalidades, compromis-
sos) que, em primeira mão, cabem aos serviços locais (e não só), o que reforça a prioridade tanto
da formação como da avaliação da própria progressão dos agentes decisores. De referir também
que o papel dos eleitos, imprescindível à tomada de decisões em coerência com os programas dos
mandatos, não se pode ou deve substituir ao trabalho mais especializado dos respectivos serviços.
A evolução urbana de que tratamos impõe ainda a capacidade política e técnica para a preparação
e negociação de programas e soluções das estruturas transversais, ou intermunicipais, dos arqui-
pélagos metapolitanos.
O défice de conhecimento crítico sobre os efeitos das mudanças territoriais pertinentes para o
nosso objecto de estudo e a pluralidade das situações em presença dificultaram a intenção inicial
de, neste segundo volume, se poder chegar a uma ampla amostra de melhores práticas, de prefe-
rência nacionais. Os exemplos que puderam ser documentados apresentam-se como narrativas
de casos significativos escolhidos pelas intenções programáticas e/ou processos de implementação
ou, noutros casos, pelas contingências dos contextos que os inflectiram.
Procurar uma visão reflexiva, como forma de chegar a práticas futuras melhores em situações
comparáveis, em casos de cidade emergente, é tarefa naturalmente mais difícil de atingir. Ao contrá-
rio da cidade canónica que, por definição, permite situações e soluções relativamente padronizadas.
A opção estava feita: alguns casos constituem simples narrativas, sobretudo de processos e
usos em urbanizações cujo resultado acumulado pode facilmente ser visitado; outros casos cor-
respondem a operações pontuais, da família dos projectos urbanos, que, ainda se não concluídos,
são apresentados pelo interesse das propostas ou procedimentos ensaiados; noutros ainda, exem-
plificações europeias recentes são citadas nos textos, dando conta de opções inovadoras não expe-
rimentadas no nosso país. A listagem presente deve, aliás, considerar-se complementar dos casos
contidos no volume anterior. Em suma, os leitores não devem esperar um documentário demons-
trativo, nem muito menos exaustivo de todas as regiões. Como se apontou antes, são exemplos
significativos de práticas, mas não necessariamente as mais modelares para efeitos de reprodução
noutras situações, ainda que pareçam similares.
introdução
15
[99] vias e materiais pesados
I
as transformações do território
Da cidade ao urbano
Álvaro Domingues
19
À propos de la terminologie sur la ville un théoricien suisse, André Corboz soulignait, il y a
quelques années déjà, que “la quasi-totalité des termes usuels n’est plus adaptée à la réalité
dont ils sont censés rendre compte.” Ainsi, périphérie, agglomération, et, bien sûr, ville appa-
raissent comme des termes désuets, nous dit A. Corboz, et des néologismes ou de nouvelles
définitions ont essayé de mieux cerner la nouvelle situation, depuis la conurbation de Patrick
Geddes, en passant par la mégapole de Jean Gotmann, la ville diffuse de Bernardo Secchi,
l’entreville de Thomas Sieverts, l’urbain d’Henri Lefebvre, le post-urbain de Françoise Choay
et, dernièrement, la metapolis de François Ascher et la ville hypertexte du même A. Corboz.
Si toutes ces définitions émanent de champs, de disciplines mais aussi d’idéologies et de
visions du monde très différents, sinon contradictoires et conflictuels, elles ont pourtant en
commun deux constantes transversales: les échelles et les temporalités. En effet, ces définitions
et ces approches – qu’elles surgissent de la philosophie, de la géographie, de la sociologie, de
l’anthropologie, de la statistique ou de la démographie – impliquent les notions d’échelle et de
temps sur fond, cette fois-ci, d’exercice de la démocratie.
Aujourd’hui, ce sont les dissonances et discordances entre les espaces et les temps pluriels,
qui posent problème à la vie concrète et les usages. (Tsiomis, 2004)
Os conceitos e as palavras cidade e urbano banalizaram-se e essa banalização arrastou consigo uma
tal pluralidade de sentidos que hoje se pode questionar com razão para que é que elas servem ou o
que é que elas denominam. Se o urbanismo é um campo estruturado de conhecimento, torna-se
paradoxal investigar e comunicar com esta espécie de conceitos-esponja que, pelo excesso de des-
confinamento conceptual que contém essa polissemia, vão perdendo clareza e rigor, produzindo
uma ilusão de objectividade. Torna-se por isso necessário estabilizar minimamente esta questão,
desconstruindo sentidos para recompor outros que sejam mais claros e operativos.
Polis, urbis e civitas são raízes de palavras que hoje tomam sentidos muito diferentes:
*. da palavra grega polis derivaram designações (política, polícia,...) que têm a ver com o
exercício do poder e com formas de instituição e de regulação da esfera pública. Cidade não
parece hoje conter o essencial desta questão. As geografias dos lugares da organização da esfera
pública e da política já não encontram na cidade nem o lugar geográfico, nem a organização
social pertinentes para se perceber o descentramento e a instabilidade que caracterizam essas
geografias (Innerarity, 2002). Só um regresso ao modelo da cidade-estado podia justificar tal
situação mas hoje não é esse o caso, nem mesmo para o Estado-Nação, atravessado pela pres-
são da lógica do mercado e da globalização;
Realidade e representação
20
[3. 4] ambrogio lorenzetti – representações da cidade e do campo
*. da civitas romana deriva a palavra cidadania que hoje tanto se procura e que tanto se lamenta
com a perda crescente de um certo conceito de espaço público – a praça, para referir o principal
– como lugar físico e simbólico de reunião, de expressão e de prática da cidadania. A des-ter-
ritorialização da esfera e das práticas da cidadania, da pertença colectiva e do estar em público,
oscila entre uma diversidade de redes de multi-pertença social, de mediatização, de confina-
mento local ou de globalização, ou de individuação:
La métropole se fait dans la consommation puisque celle-ci est productrice d’ambiance et
d’offre qui attire les individus. En effet, chaque métropole en fonction des quartiers identifiés
produit des ambiances distinctes afin de conduire l’individu à la consommation associée au
type de lieu. C’est ainsi que l’on peut identifier des lieux générateurs de la forme urbaine
(lieux culturels, lieux d’informations…). À travers ces ambiances et ces lieux générateurs, on
comprend que la ville devient le lieu de multiples offres qui se présentent aux individus. Ces
processus se concentrent plus particulièrement dans les métropoles et touchent donc l’individu
métropolitain. La multiplicité de l’offre urbaine participe à la différenciation des individus qui
sont confrontés à un choix grandissant et à leur individuation. (Bourdin, 2005)
as transformações do território
21
Neste contexto, a cidade ou a metrópole são apenas geografias incertas, sem limites territoriais
precisos e estáveis, sem serem espécie de contentores de organizações sociais que aí se confinam e
organizam de modo exclusivo e estável;
*. do latim urbis, Ildefonso Cerdà cunhou a palavra urbanização para designar os assentamen-
tos humanos e as acções de transformação/construção desses assentamentos. Urbano, apesar
de outros sentidos culturais relacionados com práticas sociais e estilos de vida, designa, por
isso e sobretudo, a construção, e as formas construídas. Os espaços urbanos (o suposto con-
trário de rural) são hoje colagens de territórios imensos e fragmentados como bem explicam
E. Soja na Postmetropolis, ou F. Ascher na Metapolis (Soja, 2000; Ascher, 1995).
Apesar destas diferenças, a verdade é que ainda hoje é muito comum associarem-se estas palavras
(supostos conceitos) para designar a realidade e a sua representação: cidade seria a designação de
um território edificado e com limites precisos, espécie de contentor da sociedade que o produz,
organiza, usa, regula e transforma.
Esta relação entre a coerência formal e a coerência social da representação da cidade (em cartas
ou outros dispositivos gráficos e narrativos), ou, dito de outro modo, a relação entre o real e a
forma como é objectivado está bastante clara nos frescos e no programa iconográfico (e ideológico)
de Ambroglio Lorenzetti (Siena, 1340), particularmente nos que ilustram o Bom Governo. Os fres-
cos não são, de facto, uma representação realista da realidade (o que é) como quem pinta aquilo
que vê; a atitude normativa (tal como deve ser) organiza um programa iconográfico prévio onde
se cruzam ideais e valores morais e políticos que depois informam um padrão estético que ilustra
uma utopia da cidade e do campo e da relação entre essas duas entidades:
*. num caso, a cidade de Siena – densamente construída e amuralhada – representa o modelo
político e moral do bom governo. Nos lugares públicos, a representação da vida quotidiana
mistura realidade (a feira, o comércio) com ficção (a alegoria do grupo de mulheres que dança)
para espelhar a harmonia, a prosperidade, ou seja, um modelo desejável de organização social.
A cidade é um interior, um território delimitado pela sua muralha e acessível através das suas
portas. Dentro dessa cidade, organiza-se uma sociedade e uma forma de poder: uma espécie
de cidade-estado. Urbis, polis e civitas coincidem neste programa iconográfico que espelha um
modo de organização social, uma forma construída e uma representação;
*. noutro, no extra-muros – a paisagem rural Toscana, o campo e os seus cultivos, os trabalhos
e os dias, as vinhas, a eira onde se malha o cereal, os moinhos, os mercadores que se dirigem
à cidade e os nobres que saem para a caça… –, respira-se um mundo mais que perfeito onde
a representação pictórica é novamente uma mensagem estética, moral, política, etc., do bom
governo que associa a cidade ao campo que a rodeia. Na inscrição que a alegoria da Securitas
segura na mão direita escreve-se que todos os homens caminhem sem medo/ e cada um trabalhe e
semeie/ enquanto esta terra seja governada/por um poder justo. A paisagem representada no fresco
é, sobretudo, a ilustração deste bom governo. Por contraponto à cidade, o campo é um exterior
desconfinado, onde a actividade dominante é agro-florestal (a vinha e os cereais ocupam um
lugar de destaque) e cuja sociedade/economia são dominados pela cidade. O campo é uma
espécie de back-office da cidade, um domínio, uma reserva de recursos e de espaços.
realidade e representação
22
[5] siena, c.a. 1572
[6] representação de uma cidade portuguesa
as transformações do território
23
Mais de 200 anos depois, esta outra representação repete a imagem da cidade confinada, amura-
lhada, densamente edificada e com as suas torres típicas do simbolismo do poder. O extra-muros – o
exterior – é um território quase vazio e sumariamente representado pelas ondulações das colinas, um
edificado muito esparso e as montanhas ao fundo. A presença da agricultura é praticamente nula.
Passados tantos séculos, parece nada ter mudado na representação comum do território e
da organização social: cidades são pontos ou manchas com forma, limite e centro supostamente
definidos; e campo é o território aberto da agricultura e da floresta. Perdidas as muralhas, a cidade
cresceria em mancha de óleo sobre o campo que assim se urbanizaria. A colisão e a mistura entre
Cidade e Campo – a rurbanização, utilizando o neologismo divulgado em meados dos anos de 1970
(cf. Bauer; Roux, 1976) – terá sido usado no início sobretudo para designar processos e formas de
colonização dos territórios rurais, facilitada pela democratização do automóvel e pela melhoria
das vias de comunicação e acessibilidades.
No entanto, o que persiste é a dicotomia e não a hibridação. No confronto com o real, esta
dicotomia produz opacidade em vez de clareza constituindo-se como verdadeiro obstáculo epis-
temológico. Como na visão com lentes desfocadas, a realidade não só nunca é o que parece, como,
devido à distorção, pode parecer sem sentido. Realidade e representação são, de facto, categorias
que nem sempre andam juntas.
O senso comum e os mass media reproduzem e divulgam paradigmas semelhantes – a cidade, o
campo e os seus significados e oposições –, aos que são usados no conhecimento erudito.
Nesta representação de uma campanha publicitária em que cidade ou urbano faz parte da
qualificação do serviço publicitado, encontra-se a mesma iconografia da cidade compacta e limi-
tada, oposta aos espaços exteriores abertos do campo ou dos elementos biofísicos – o rio ou estu-
ário. O campo é o espaço verde genérico, quadriculado pela divisão das parcelas, onde cresce uma
monocultura que bem podia ser um milheiral ou um arrozal na Lezíria do Tejo ou nos Campos
do Mondego. As últimas casas da cidade remetem para a arquitectura branca e rasa ao chão do
Alentejo com as suas chaminés salientes.
A representação desta cidade portuguesa desdobra-se em dois registos:
*. em baixo, a cidade antiga, o centro histórico, alternando a massa indistinta dos pequenos
edifícios, com a excepcionalidade monumental e simbólica de outros – o pátio da Univer-
sidade de Coimbra, por exemplo. A história, o passado, o património são os elementos de
distinção e de produção de identidade urbana. A Torre de Belém, dramatizando a sua pose de
barco de pedra, sublinha um dos traços identitários mais insistentemente referidos a propósito
de Portugal: os descobrimentos, o mar e os navegantes. A representação do porto é um seg-
mento de um canal da Ria de Aveiro embora também lá esteja a Torre dos Clérigos. Françoise
Choay explica claramente esta força iconográfica da história ou dos edifícios históricos como
colecção ou vitrina de monumentos;
*. em cima, o aglomerado das torres inclui uma diversidade de tendências estéticas, desde a pós-
-modernidade das Amoreiras, ao rigor formal da Torre do Burgo ou aos efeitos vistosos das
torres da Parque-Expo. O edifício em L com as suas longas varandas viradas ao sol, aproxima-
-se da arquitectura genérica dos locais de destino turístico de sol e praia. Se em baixo domina
o passado e a identidade, aqui domina o cosmopolitismo e as linguagens mais universais da
arquitectura; ser urbano implica ser cosmopolita, cruzar o local e a identidade com o global.
realidade e representação
24
Mais do que a realidade, é a representação e aquilo que ela simplifica, que de facto conduz o
modo de problematizar o real. É talvez esta a questão mais complicada e apaixonante que caracte-
riza hoje as polémicas da passagem da cidade para o urbano, como referia Françoise Choay. Como
em todos os campos de conhecimento – mas particularmente nas Ciências Sociais –, o cruzamento
entre o conhecimento de senso comum e a erudição do conhecimento científico, produzem efei-
tos cruzados e de resultados poderosos. A renovação teórica e conceptual no campo da Urba-
nística e da Geografia Urbana depara-se frequentemente com duas dificuldades para além das
que resultam do desconhecimento da realidade; a contraposição face ao conhecimento do senso
comum, e a resistência a paradigmas – corpo de teorias, conceitos, métodos de análise e outras
questões relativas à problematização do objecto científico – dominantes com os quais é necessário
entrar em ruptura, provando a objectividade das novas abordagens.
Por isso, a questão da realidade e representação não se confina aqui apenas a uma oposição
simples entre conhecimento erudito (científico, disciplinar, como no campo da Urbanística ou
da Geografia Urbana) e o senso comum (veiculado sobretudo pelos massa media e exemplificado
aqui com a publicidade).
Para além dessa questão, há as outras que derivam da própria rigidificação e/ou radicalização
de conceitos no próprio campo do conhecimento científico:
*. das aproximações mais historicistas e culturalistas ao estudo das cidades e da urbanização,
chega muita incompreensão sobre as realidades urbanas contemporâneas. Parece ter-se que-
brado a linha de continuidade da história, a mesma que, face às permanências e à linha de evo-
lução da cidade-corpo e da sua nítida inscrição no território e nos mapas, plantas e gravuras…,
agora se quebrou na transição entre a cidade consolidada e o suposto caos extenso e descontí-
nuo que a envolve. A crise da cidade antiga e a tendência para a quase sacralização do centro
histórico e sua patrimonialização constituem o registo mais claro deste sentimento ao mesmo
tempo de risco de perda do passado e incompreensão do presente. Nesse registo, a realidade
urbana é puro caos, relegado para designações negativas e genéricas (opostas à boa e velha
cidade…) como suburbana, periférica, dispersa, etc., e eficazmente usado para demonstrar e
representar alguns dos grandes medos da contemporaneidade como as mudanças climáticas, a
crise energética, etc. (cf. Domingues, 2010a);
*. do racionalismo e do moderno herdámos uma simplificação da realidade e uma tendência
para entender o conceito de cidade – como se fosse um conceito das ciências exactas – como
uma entidade universalizante e redutível a esquemas e taxionomias simples. O enunciado dos
regulamentos e a forma de pensar os planos e o planeamento, seguem essas mesmas simplifica-
ções: basta consultar a legenda e o regulamento de um plano ou as taxionomias mais comuns
para designar/representar o urbano. Umberto Eco, a propósito da dificuldade da Biologia clas-
sificar o ornitorrinco até, 80 anos depois de descoberto, se ter criado uma família e um género
únicos – os mamíferos monotrématos –, explica esta duplicidade perigosa das taxionomias:
poderosas, quando a realidade se ajusta às grelhas com que o conhecimento científico as cons-
trói; mistificadoras e paralisantes, quando a evolução do real descola dessas categorias. O Orni-
thorhynchus paradoxus (1880) continua a ser paradoxal apesar dos avanços recentes da genética.
Ora, face às abordagens culturalistas e historicistas da cidade e da forma urbana, ou face às sim-
plificações redutoras do moderno, a verdade é que a urbanização é resultado da sociedade que a
produz e, nesta matéria, o final do século xx e o início do século xxi são um sem fim de rupturas
as transformações do território
25
e de instauração de novos paradigmas: aconteceram mudanças radicais e rápidas nas tecnologias,
nos processos de organização da produção, na organização e regulação dos mercados, nos estilos
de vida, na política e na organização dos Estados-Nação, etc. Coisas demais para que o presente
e o futuro sejam apenas meras continuidades com o passado remoto ou recente, e coisas demais
também que ajudam a explicar aquilo que ora se denomina a crise, ora a ineficácia do ordena-
mento do território e do urbanismo.
A acrescer a isto, deve também distinguir-se entre as atitudes analíticas e as reguladoras/nor-
mativas em matéria de urbanismo.
Nas Ciências Sociais, o campo de análise sobre a cidade e o urbano é vastíssimo e remete inva-
riavelmente para a necessidade de entender a urbanização como uma construção social. A urbe
– como espaço edificado – os seus materiais e formas de organização, escalas e contextos, será
sempre um resultado da territorialização de uma organização social. François Ascher (cf. Ascher,
2005, entre outras obras), na sua demanda pelo conhecimento da sociedade hipermoderna ou da
sociedade líquida (cf. Bauman, 2000), dá uma especial relevância às mutações rápidas e radicais
nas tecnologias, infra-estruturas e sistemas de suporte da mobilidade de pessoas, p, informação, i,
bens, b, e energia, e. Este sistema pibe proporciona formas de apropriação social extremamente
diversificadas e complexas – da estrita esfera individual, à organização entre empresas e mercados;
da escala local à global – cujo resultado em termos de organização do território e de urbanização
se apresenta como radical face ao que antes se conhecia. As evoluções tecnológicas nestas matérias
para além de radicais são também inesperadas porque resultam sempre de combinações em que
o sistema pibe tanto pode viabilizar a hiper-aglomeração como o seu contrário. Essas combi-
nações são mais inesperadas porque mobilizam e articulam dinâmicas dos vários componentes
do sistema pibe, quer na estrita esfera económica – produção, distribuição e consumo de bens e
serviços –, quer nos cruzamentos entre a esfera da economia e da sociedade.
No entanto, a questão infra-estrutural em si é uma das chaves importantes para entender a
urbanização. Dentro da polissemia infinita do conceito de cidade, a verdade é que isso denomina,
em vários tempos e geografias, formas sofisticadas de organização social que seriam impossíveis
sem boas dotações e prestações infra-estruturais: uma muralha, um porto, uma rede de estradas
ou de vias navegáveis, um sistema de abastecimento de água, um suporte logístico de abasteci-
mento diário à cidade, etc. Hoje, a mutação das tecnologias e sistemas infra-estruturais é enorme:
desde a contentorização, às telecomunicações; desde as redes de distribuição de energia, à rede
sem fios; desde o comboio rápido, ao telemóvel, etc. Da combinação dessas mutações, chega-se
sempre a uma constatação: o atrito do território é cada vez menor porque é mais fácil e de menor
custo a transposição das distâncias físicas; ao mesmo tempo, estar perto ou longe são mais ques-
tões de acessibilidade do que de distância ou obstáculo físico. A metáfora da liquidez das socie-
dades ou dos territórios (cf. Bauman, 2000); ou a importância das redes e do espaço relacional,
querem dizer apenas que o território e a sociedade não são sólidos, não garantem a clareza e a
estabilidade das suas formas.
Se tivermos em conta que uma das características da modernidade (exacerbada agora pela
hiper-modernidade) é a crença na racionalidade e no conhecimento técnico-científico como base
de funcionamento da sociedade (e do território, por arrastamento), podem adivinhar-se as difi-
culdades em transpor o conhecimento social (economia, sociologia, etc.) e técnico para o campo
científico que se centra na análise e nas dinâmicas do território. A análise cruzada entre o conhe-
cimento sociológico/técnico vs. o das formas edificadas (edifícios, infra-estruturas) e o modo
como se dispõem no território, parece-se muitas vezes com a das caixas pretas antes de serem
realidade e representação
26
abertas – só se percebe depois de abrir: a intensidade de interacção espacial já não depende neces-
sariamente da proximidade física, os nexos de causa/efeito supõem escalas territoriais múltiplas
e sobrepostas, etc. Como se isto não bastasse, é a própria aceleração do conhecimento científico/
técnico que, sobre a mesma coisa, legitima análises e soluções distintas, pondo em causa a (auto)
legitimidade do próprio conhecimento técnico e a ilusão desse conhecimento poder operar fora
das circunstâncias sociais.
Como pensamento ou prática política a instabilidade no urbanismo e no ordenamento do
território não será menor. Do moderno ficou a herança da democracia como sistema e garantia
da legitimação do poder e da organização colectiva. Dos 30 Gloriosos do Estado Providência, ficou
a nostalgia da capacidade do Estado-Nação regular a sociedade, o mercado e o território, e ser
o garante da equidade, da coesão e da distribuição social dos bens e serviços públicos (Rosan-
vallon, 1995). Perdidos os anos contínuos do crescimento económico que alimentavam a capaci-
dade financeira do Estado Social, e perdida a capacidade reguladora do Estado pelo aprofundar
da globalização dos mercados de bens e serviços, perde-se também a certeza e a assertividade do
planeamento e do urbanismo; da própria clareza na definição do que são as prioridades colectivas
e do modo de as tornar realidade. O descentramento do Estado e a real diminuição da sua capa-
cidade reguladora põem em causa a versão do Estado holístico, que tudo pode regular. Perda de
capacidade reguladora e falta de capacidade financeira exigem políticas e planos mais centrados
em objectivos precisos e menos em intenções holísticas e articuladas; demasiada regulamentação
só garante, de facto, o aumento da ilusão de regular, na proporcionalidade directa com que esse
excesso de regulação vai deslegitimando a própria regulação simplesmente porque não há forma
de cumprir e fazer cumprir o que o excesso e zelo burocrático vai debitando sempre que se depara
com alguma coisa nova ou modo novo de a entender.
Do ponto de vista sociológico, o processo de individuação da sociedade hiper-moderna, não
dissolve os laços sociais. Ao contrário, verificam-se dimensões de normalização e de massificação
que nunca foram tão globais. No entanto, a individuação radicaliza a esfera individual, diversifica
a possibilidade das escolhas, e substitui o entramado rígido da sociedade moderna, pelo entra-
mado instável de fios finos e elásticos que caracteriza as actuais relações sociais (Paquot, 2009;
Bourdin, 2005; Innerarity, 2006, entre outros) – uma espécie de sociedade facebook.
Face à dinâmica balística e regulamentadora do planeamento nos anos de ouro, discute-se
agora a estratégia, a flexibilidade, os princípios e procedimentos reflexivos (Ascher, 2010), a par-
ticipação, as parcerias, etc. No entanto, este outro formato de pensar e operacionalizar a política
urbana, o ordenamento e o urbanismo, enfrenta dificuldades de fundo, donde derivam as outras:
são necessários enquadramentos jurídicos e legais diferentes que entendam as razões e a pro-
fundidade das transformações sociais/territoriais; é necessária uma arquitectura administrativa
diferente da pirâmide hierárquica que regulava a cascata dos planos; não se encontrou ainda uma
forma de ultrapassar a deriva institucional do Estado (o splintering urbanism de que falam Graham
& Marvin, 2001) que continua a cultivar a ilusão de tudo regular através de uma estratégia de
divisão da complexidade em finíssimas fatias reguladas uma de cada vez. Em suma, um âmbito
diferente do de hoje em que se mantêm as inércias do passado recente sobre o quê e como fazer
em planeamento. Este tipo de resposta de carácter reactivo e reformista manifesta-se através de
tendências muito correntes:
as transformações do território
27
*. quando se vai acumulando um rol imenso de regulamentos sectoriais, directivas, programas,
estratégias, avaliações, etc., sempre que emergem desígnios novos realmente importantes ou
tornados importantes pelo espaço que ocupam nas agendas dos mass media, dos movimentos
de opinião ou dos programas eleitorais: ambiente, energia, mobilidade condicionada, criação
de emprego, etc. De repente, tudo se torna prioritário, mas, na realidade, a escassez dos recur-
sos e as limitações da acção, exigem prioridades e discriminações. Regular o território extenso
da urbanização não se consegue com o somatório dos regulamentos sectoriais porque eles
próprios arrastam consigo diferentes formas de ver as questões, diferentes prioridades, dife-
rentes âmbitos territoriais de acção, etc. A questão é que aquilo a que chamamos o território,
é muito mais do que o receptáculo das suas visões/representações sectoriais, e uma estratégia
para o território nem decorre do cumprimento (impossível) de todas as estratégias sectoriais,
nem é líquido que cada visão sectorial, na forma como problematiza ou regula aquilo que lhe
compete, integre os efeitos colaterais que provoca noutras;
*. quando o emaranhado dos regulamentos, planos e tutelas atinge o máximo da entropia e da
contradição, produzem-se regulamentos e dispositivos legais extraordinários para situações
consideradas especiais – o que em si é correcto, se não deslegitimar os mesmos processos e
princípios que presidem aos regulamentos e práticas ordinários. Tendencialmente esta des-
colagem do real face à burocracia ou às práticas correntes que supostamente o regulam, pode
fazer com que qualquer coisa possa ser considerada extraordinária e reclamar um novo trata-
mento de excepção. A universalidade dos regulamentos é contrária à lógica da excepção; se a
excepção se banalizar (pela multiplicação de situações e procedimentos excepcionais) ou se for
mal explicada e compreendida, é a própria regra que entra em crise;
*. quando o território da urbanização se torna extensivo e esquivo ao modo de regulação da
cidade-corpo ou da cidade interior, dá-se prioridade, meios, visibilidade e empenho político a
intervenções de excepção (programas e projectos polis, por exemplo) que depois são divulga-
das como exemplos de boas práticas supostamente replicáveis ao território imenso do urbano.
A isso chama-se tomar a árvore pela floresta. O projecto urbano, ao assinalar um local, uns
limites, uns parceiros, um financiamento, um prazo, um programa, etc., está a construir as
suas próprias condições de fazibilidade e sucesso. Visto com mais recuo de espaço e de tempo,
pode acontecer que esse projecto, pela sua excepcionalidade, tenha secado os próprios recursos
que, melhor distribuídos, poderiam ter trazido algumas oportunidades ao âmbito vasto da
geografia da urbanização genérica. Dito de outro modo, intervenções intensivas e de micro-
-escala nem resolvem, nem se aplicam à macro-escala;
*. o uso de conceitos-esponja nomeando desígnios genéricos – desenvolvimento sustentável é um
deles – traduz, frequentemente, um acto de exorcismo face ao que já se sabe que está contami-
nado pela impossibilidade de se cumprir, embora o objectivo possa ser ética e politicamente
justo. Outras vezes o conceito-esponja resulta de um efeito de fourre-tout capaz de assimilar
qualquer temática que possa ser enquadrada numa formulação genérica – urbanização difusa,
por exemplo, admite uma diversidade enorme de situações, contextos, escalas territoriais,
morfologias, usos, etc., simplesmente porque se opõe à imagem convencional da urbanização.
Ou seja, muitos conceitos-esponja são conceitos que se definem pela negativa (a urbanização
periférica, por oposição à outra que já existia, por exemplo), anulando assim a possibilidade de
investigar do que é que se trata exactamente quando a questão é assim formulada.
realidade e representação
28
[7]
as transformações do território
29
Dito isto, parece não restar dúvidas quanto à necessidade de uma revisão profunda do modo
de pensar e operacionalizar o ordenamento e o urbanismo. A sobre-produção de regulamentos,
planos, directivas, orientações estratégicas, etc.; o espectro em expansão dos objectivos que se
pretendem atingir – estratégicos, articulados, integrados, sustentáveis, etc.; o desconhecimento e
os desafios postos sobre os novos processos, dinâmicas e agentes da urbanização; a fragilidade do
Estado enquanto regulador e a lentidão e o emaranhado da máquina político-administrativa, etc.;
tudo isto constitui matéria suficiente para justificar mudanças com carácter de ruptura e não de
somatório de reformas.
No seu livro de 1966 L’Urbain sans lieux ni bornes, Melvin Weber definia a realidade urbana
como um vasto domínio sem lugares nem limites, organizado por redes de interconexões percor-
ridas por fluxos, e onde a sociabilidade e a relação não se baseiam na proximidade física ou na
vizinhança, mas no movimento –
une vaste ville vue comme un vaste domaine qui n’aurait ni lieux, ni bornes, mais une simple
grille d’interconnections composée de transports visibles et de flux invisibles et ou la sociabilité
n’est plus fondée sur la proximité mais sur le mouvement.
– ou, como diria Nuno Portas, “o que é eminentemente complexo na organização, expandido e
descontínuo no espaço, indefinível ou mutável no tempo: a cidade-território”.
realidade e representação
30
[8] urbanização no noroeste de portugal, vale do rio cávado
1. braga 2. barcelos 3. guimarães 4. amares 5. vila verde nós rede viária principal ip e ic (prn2000)
en e er (prn2000) rede ferroviária (refer) rede hidrográfica (igeoe)
densidade população 2001 (hab/ha): 0–4,99 5–9,99 10–19,99 20–39,99 40–163,69
5
1
2
3
4
[9. 10. 11]
as transformações do território
31
o desconfinamento da cidade: as metamorfoses do urbano
Vale do Cávado
A figura 8 ilustra bem o que é que pode ser o resultado da urbanização contemporânea. Algures
no Médio Cávado, entre-cidades de Braga e Barcelos, a metamorfose do território acelera-se pelas
novas condições de acessibilidade criadas pelo traçado das auto-estradas e seus nós – tudo segue
como dantes, excepto a nova cartografia das relações e da velocidade que acrescentam possibili-
dades novas ao que antes estava muito dependente da proximidade física e do atrito territorial.
Das formas e processos dessa metamorfose, destacam-se:
*. a importância da infra-estrutura de mobilidade como suporte da edificação, englobando
redes arteriais e redes mais ou menos capilares;
*. a intensidade da infra-estruturação (água, saneamento, gás, electricidade, telecomunicações)
e a sua extensão ao território;
*. a diversidade de funções (habitação, escolas, indústria, comércio e serviços, logística, etc.);
*. a variação de densidades e intensidades urbanas; a fragmentação do espaço construído, com-
binada com formas lineares ao longo da rede de estradas;
*. a mistura de usos do solo, mesmo ao nível da própria parcela e os casos correntes de pluri-
funcionalidade dos edifícios (rés-do-chão comercial e primeiro andar residencial).
Deve contrariar-se a primeira evidência que classifica como rural esta paisagem. De facto, rural
denomina três coisas em simultâneo:
*. a agricultura como base da economia, do rendimento e do emprego;
*. a sociedade camponesa como estrutura social e cultural, enfatizando a tradição, os laços de
vizinhança e família, a religiosidade, etc., i.e., estilos de vida e visões do mundo;
*. a paisagem como registo de uma ocupação do solo, da sua transformação, de uma estrutura
de povoamento, etc.
Hoje, da agricultura como economia ficou apenas um resíduo neste território de minifúndio e
socalco. Fora das áreas do vinho e do leite, a agricultura do Cávado está quase confinada a hortas
e pomares para auto-consumo de uma população assalariada que vive de outras fontes de rendi-
mento localizadas na proximidade (estamos no território da fileira da indústria das malhas), ou
algures nos serviços localizados em Braga, Barcelos, Viana do Castelo ou V. N. Famalicão. Esta não
é uma paisagem agrícola, portanto.
Das culturas tradicionais, restam algumas práticas tradicionais, mas o pano de fundo geral é
o efeito de propagação da denominada cultura de massas veiculada pelos meios de comunicação
mais importantes como a televisão. A dicotomia sociológica urbano/rural já deixou de ser opera-
tiva neste tipo de territórios e sociedades. Anulados os tradicionalismos e os tipicismos das velhas
sociedades camponesas, por defeito, toda a cultura é urbana com toda a diversidade e contraste
que isso implica. O verde da paisagem não resulta, por isso, de uma coerência entre sociedade e
economia rural e agrícolas. As manchas de pinhal e eucaliptal ocupam velhos baldios – solo mar-
ginal, pobre e pedregoso. A geometria do mini(micro)fúndio, o retalhamento, a multiplicação de
estradas e caminhos, constituem uma espécie de arqueologia que é suporte de novas colonizações.
realidade e representação
32
[12. 13] santa maria da feira – proposta de ordenamento para a revisão do pdm, 2008. carta geral de zonamento e pormenor
área de construção equipamento indústria urbanizável verde verde urbano
as transformações do território
33
A mais corrente é a auto-construção no próprio lote; alternadamente vêem-se loteamentos indus-
triais e edifícios de grande dimensão (fábricas, armazéns, escolas, etc.).
Recentemente, apesar da crise, banalizou-se a oferta de pequenos loteamentos residenciais de
vivendas unifamiliares em banda, com apelativos de marketing como este: Aldeamento Silveiros –
sossego urbano aqui tão perto. Não podia ser mais claro o entendimento e a verbalização sobre o
que está a mudar. O sossego de que se fala é afinal uma assimilação do mito do sossego da vida
no campo que agora se urbaniza. A expressão aldeamento reforça esse velho bucolismo do campo
enquanto paraíso e lugar da evasão ao quotidiano (dos urbanos, claro).
A infra-estrutura arterial – as duas auto-estradas e o nó que as liga, ligando também à rede
viária local – é o facto mais expressivo desta foto. A infra-estrutura foi durante muito tempo
um quase monopólio da cidade. Só a diversidade e a qualidade da dotação infra-estrutural da
cidade (incluindo as muralhas e outras infra-estruturas militares) permitiam uma certa comple-
xidade da organização social e do seu território. Hoje não é assim. A distribuição territorial das
infra-estruturas – vias e outros suportes logísticos, água, saneamento, energia, telecomunicações
– cobre territórios cada vez mais extensos, facilitando a edificação em âmbitos geográficos muito
distintos. Ao mesmo tempo, o aumento exponencial da mobilidade e a diversidade dos suportes
físicos e organizacionais dos sistemas de mobilidade – pessoas, informação, mercadorias, energia;
o sistema pibe de que já se falou – facilitam as relações, quer em contextos de proximidade física
(condição necessária à aglomeração), quer sobretudo em contextos de proximidade relacional.
A combinação dos efeitos de proximidade física e relacional nos processos de urbanização
muda radicalmente as vivências e a representação do espaço/tempo. Um acesso a um nó de auto-
-estradas funciona como um verdadeiro buraco negro – acelera-se o tempo, comprime-se o espaço
e intensificam-se as forças gravitacionais de atractividade –, permitindo diversas espacialidades
e temporalidades cuja representação necessitaria de múltiplas escalas e modos de representação.
Santa Maria da Feira
Mudando do Vale do Cávado para o Entre-Douro-e-Vouga, município de Santa Maria da Feira,
permanecem os grandes traços da urbanização extensiva agora em contexto de maior intensidade
de industrialização e de dinâmica construtiva.
No enunciado de Princípios Estratégicos para a revisão do pdm, afirma-se:
A construção é feita somente em ruas para o efeito desenhadas evitando-se, assim, a construção ao
longo de estradas e caminhos. Deve adequar-se o desenho das artérias de circulação às suas fun-
ções e reciprocamente. Por exemplo, em estradas antigas com algumas edificações existentes deve
prever-se o seu alcantilamento, alteração do perfil, a sua eventual reconversão para arruamento,
a construção de variantes, criar dispositivos de protecção para a entrada na estrada e para as tra-
vessias de peões e cruzamentos. É estabelecida uma rede de estradas, devidamente hierarquizada
desde as auto-estradas aos caminhos florestais, sem construções marginais, com bermas de segu-
rança, cruzamentos bem desenhados, de preferência sobre rotundas ou em T, ou com semáforos
(em alternativa). <http://www.cm-feira.pt> (Revisão do Plano Director Municipal)
Este enunciado deixa prever um grande esforço de re-desenho de vias, coisa que se revela extra-
ordinariamente difícil, dada a extensão da malha de edificação sobre vias com características de
estradas e caminhos. As novas vias construídas na sequência de loteamentos possuem arruamentos
realidade e representação
34
com perfis urbanos muito diferentes consoante se trate de loteamentos industriais ou habitacio-
nais. Existem no entanto muitas rupturas de capacidade e de desenho nas conexões desta nova
rede com a reticula preexistente que a serve.
No pdm de 1993, existia uma lista de 48 planos (12 sujeitos a regimes de perequação), 60%
dizendo respeito a zonas industriais. Os restantes são planos pontuais para zonas desportivas e
equipamentos e de estruturação urbana do Eixo das Cortiças (sector Norte, de maior densidade
de edificação) e do aglomerado urbano de Santa Maria da Feira. A análise das cartas seguintes
(processos de loteamento e de obras nos últimos 15 anos, 1993–2008) permite uma visualização do
processo de urbanização e de edificação na urbanização extensiva:
*. domina a muito pequena escala de loteamento e de edificação, deixando perceber um ele-
vado potencial de transformação do interior das zonas urbanas, mas também a malha compó-
sita resultante desse processo;
*. as variantes e vias estruturantes propostas e sem construção marginal desenham uma malha
larga que contorna ou atravessa as principais manchas contíguas urbanizadas, e que a elas se
liga pontualmente;
*. a maioria dos loteamentos em áreas que não tinham edificação são loteamentos industriais;
*. a transformação da edificação extensiva ocorre em todo o concelho, sem que se percebam
grandes diferenças de distribuição geográfica;
*. nas imagens de pormenor, percebe-se a extrema porosidade desta malha, a grande fragmen-
tação fundiária e a importância estrutural da rede de vias herdada do povoamento tradicional;
Estes dois exemplos – Cávado e Santa Maria da Feira – são bastante elucidativos sobre as metamor-
foses da urbanização em territórios onde a perda de importância da economia agrícola não se fez
acompanhar do esvaziamento populacional devido à industrialização rural difusa que começou em
meados do século xix. Nos dois casos coincidem o elevado retalhamento fundiário – o minifúndio
[14] santa maria da feira – loteamentos e obras
processos de loteamento processos de obras
as transformações do território
35
da policultura regada do Noroeste –, a herança antiga do povoamento disperso, a extensão e a densi-
dade de estradas e caminhos, a infra-estruturação extensiva (água, saneamento, electricidade, teleco-
municações e energia) e a construção recente das auto-estradas e outras vias arteriais de mobilidade.
Mais do que o urbano definido por um limite e uma forma, estamos perante uma rede quase filigra-
nar onde se fixam edificações e funções e se organiza a percolação* das relações e dos fluxos.
É já muito vasta a lista de autores e obras que associam a organização da sociedade em rede (Cas-
tells, 1996) ou da sociedade hipertexto (Ascher, 2007) com as formas relacionais de entender o territó-
rio. Como se explicará adiante, territórios relacionais e espaços de fluxos são conceitos que remetem
para a análise de redes – nós e ligações entre nós – e que, por exemplo, se usam para estudar o grau
de conectividade das redes (tanto maior quanto maior for o número de ligações directas entre os
nós dessa rede) e medir a acessibilidade dos nós que a compõe. Se assim for, o entendimento e a
representação do espaço não cabem nas formas convencionais da cartografia onde se associam
várias escalas e convenções gráficas a ideias igualmente convencionais quanto à forma urbana, à
funcionalidade, à apropriação social do espaço ou ao ordenamento do território. O que é contíguo
e/ou fisicamente próximo pode não se relacionar; aquilo que é tomado como obstáculo para uns
pode ser uma coisa diferente para outros; aquilo que é percebido como desordenado e ilegível por
não apresentar uma estrutura regular, pode ser facilmente legível por outros; o que é profunda-
mente dissonante face a um determinado contexto estabilizado no passado mais ou menos recente
pode ser apenas a primeira manifestação de uma nova ordem, ou princípio de ordenamento, etc.
Analisado através dos seus atributos relacionais, o espaço urbanizado ganha outras dimensões
para lá das questões meramente formais – composição, contiguidade, fluidez, relação entre espaço
edificado e não edificado, etc. – que abundam na análise urbanística clássica e que, como seria de
esperar, acusam uma grande inércia face à velocidade e à radicalidade das mudanças a que estamos
a assistir em matéria de tecnologias, infra-estruturas e serviços de mobilidade de informação, de
pessoas, de mercadorias, etc., e seus modos de apropriação social. Face a essas mudanças e ao que
elas permitem nos modos de espacialização da sociedade, quebram-se muitos dos nexos habituais
que associam determinadas coerências formais a outras supostas coerências funcionais ou sociais
que aí seriam legíveis ou interpretáveis.
Tendo em conta a diversidade de modos de produzir, distribuir, consumir, habitar, etc., não é
de espantar que a territorialização da sociedade prossiga em moldes muito diversos. Chamaremos
a isso a urbanização. O que antes era uma dicotomia cidade/campo (urbano/rural?) transforma-se
nas várias metamorfoses da primeira e do segundo, produzindo paisagens mais transgénicas do
que híbridas, para usar a metáfora biológica. Se as formas de urbanização não correspondem já
aos modelos canónicos, as transformações dos espaços de produção agrícola não conheceram
mudanças menores, embora a mercantilização dos produtos agrícolas e a globalização dos respec-
tivos mercados tenha sido em Portugal menos intensa e mais tardia. Origina-se assim um triplo
desconfinamento do urbano em termos formais, conceptuais e regulacionais.
*. Ao nível formal, a urbanização toma um carácter extensivo e fragmentado – por contrapo-
sição à urbanização intensa e espacialmente contígua da cidade –, tornando quase impossível
precisar forma, limites e padrões estáveis e legíveis de estrutura como no caso, por exemplo,
————* A metáfora da percolação é usada para designar o percurso de um fluido através de uma estrutura porosa como um tecido. A rede viária de carácter filigranar funciona como um sistema capilar capaz de conduzir um fluxo por toda a sua extensão.
realidade e representação
36
[15. 16. 17] sobreposição dos loteamentos e obras sobre ortofotomapa (pormenor)
[18. 19] santa maria da feira – atravessamento da a1 na zona da indústria e santa maria de lamas
as transformações do território
37
do Sistema de Espaços Colectivos ou dos espaçamentos e traçados da cidade canónica. O des-
confinamento morfológico transforma a estruturação e a leitura do texto linear da cidade, num
hipertexto instável e diferentemente organizado.
*. Ao nível conceptual, o urbano é um exterior, por contraposição ao interior que era a cidade. Esta
dificuldade em representar a cidade alargada prende-se também com a passagem de uma estru-
tura unipolar (com um só centro) para estruturas multipolarizadas. Conceitos como sub, ex, ou
peri-urbanização, ou mesmo o modelo clássico de área metropolitana (baseada num modelo
centro-periferia), tornam-se já difíceis de operacionalizar, uma vez que todos dependiam de
uma ideia de centro como entidade que, para além de ser um lugar, era também um princípio
de organização da expansão urbana, das lógicas de localização, e dos sistemas e redes de relação.
*. Ao nível das políticas de regulação urbanística, a questão do desconfinamento, para além da
diversidade das formas e da sua fragmentação, prende-se sobretudo com a escala territorial
da urbanização e com a impossibilidade do mapa político-administrativo se adaptar ao mapa
real da urbanização. O resultado tem sido o de uma dupla fragmentação: das várias entidades
administrativas com competências de ordenamento do território e de urbanismo (municipais,
por exemplo) que dividem a geografia da urbanização; e da crescente sectorialização das polí-
ticas, através da qual se vão perdendo oportunidades e necessidades mínimas de articulação
territorial (Graham, Marvin 2001; Mangin, 2004).
Por estas razões, a urbanização extensiva sofre de uma espécie de ocultação:
*. porque, sendo o contrário da boa forma urbana, não merece tanta atenção quanto devia;
*. porque, como está conotada com factores negativos do ponto de vista ambiental, funcional
e até estético, também é mais analisada pelo que não é do que pelo que é;
*. porque, mais do que uma explicação, se tornou num bode expiatório daquilo que a socie-
dade supostamente não quer ou não sabe reconhecer;
*. porque se confunde e se representa numa pluralidade de escalas e geografias que se podem
espartilhar numa diversidade de mapas político-administrativos;
*. porque, sendo o território extenso da urbanização espartilhado e regulado por uma diversidade
de instituições e tutelas, não existe como um todo unicamente dependente da mesma instituição
reguladora. A geografia da urbanização extensiva cobre dezenas de municípios, cada um com os
seus modos próprios de entender e regular a urbanização dentro dos seus limites administrativos;
*. a relação entre o todo e os fragmentos ou as partes, é uma questão que não está ainda estabilizada.
Da herança recente da urbanística, o fragmento e a fragmentação eram tomados como a própria
representação da falência da cidade ou da aglomeração urbana como um todo; agora o esforço
é entender que o todo deriva também da composição formal e da relação entre os fragmentos.
A abordagem pela negativa, por exclusão de partes (tudo o que não é reconhecido como forma
canónica de cidade), pelo lado da urbanização sem qualidades, é a principal razão dessa ocultação
e principal divisor comum do desconhecimento.
Por tudo isto perpassa também a visibilidade e a sobre-valoração da cidade histórica. Como se
repetirá no texto do Quadro 1, a cidade histórica deixou de ser toda a cidade para passar a ser uma
sua parte minoritária em termos de área ocupada, emprego, funções e habitantes.
realidade e representação
38
[20]
densidade >= 20 hab/ha densidade 15<20 hab/ha densidade <= 15 hab/ha perímetros industriais
[21. 22] vale do ave, noroeste de portugal – urbanização difusa
as transformações do território
39
Quadro 1
É a cidade histórica que é apreciada pelas suas qualidades e não a outra; é a cidade histórica que é
objecto de patrimonialização (quase sacralização), tornando-se assim um bem colectivo (da humani-
dade, quando é o caso dos centros históricos classificados pela unesco) pelo qual é preciso zelar e que
é preciso proteger mesmo que se trate de puro simulacro para os sectores económicos tão activados
como os da economia turística globalizada.
Rosario Pavia (Pavia, 2005) diz precisamente que, entre outros, os medos da urbanística resultam do
trauma de sucessivas perdas relacionadas com a ideia tradicional de cidade: um artefacto, contentor
e conteúdo social, com centro, forma e limites perfeitamente legíveis. Ora, a passagem da cidade ao
urbano (F. Choay) implica exactamente a perda disso tudo:
*. de um ponto ou círculo no mapa, o urbano passou a ser mancha ou cidade explodida;
*. de forma estruturada, estável e legível (no sentido geométrico ou mental, como estudou
K. Lynch), passou a ser instável e suposto caos;
*. de sistema estruturado por um centro (ao mesmo tempo físico, funcional, simbólico)
passou a ser um sistema policêntrico repartido por condições de centralidade distintas (liga-
das às acessibilidades, a diferentes especializações funcionais, a diferentes pulsações e cargas
urbanas, etc.).
Neste contexto e como refere o mesmo R. Pavia, o medo da perda produz desejo e incerteza, bloqueia
o debate, produz inércias e dificuldades em se perceber a dimensão e o conteúdo da mudança.
A cidade histórica preenche todas estas inseguranças: é uma coisa designável, comunicável, limitável,
rica de significados partilhados, excepcional na sua forma e conteúdo, etc. A intensidade do investi-
mento público e privado na cidade antiga é proporcional a esta importância e, no final, as polémicas
acabam por se apaziguar quando a ameaça é a da própria ideia de perda da cidade, em razão da perda,
crise ou disfunção da cidade antiga. Em face das questões postas pela urbanização extensiva, o brilho
da cidade extraordinária produz o eclipse total da outra. Não se troca o certo pelo incerto e, na ava-
liação/condenação moral e estética da urbanização extensiva, podem-se exorcizar todos os demónios,
projectando nessa urbanização extensiva todos os bodes expiatórios da disfuncionalidade da cidade
velha (os centros comerciais que retiram competitividade ao comércio tradicional; a especulação
imobiliária que deixa os edifícios velhos vazios; os automóveis que tornam os sistemas de transportes
colectivos obsoletos, etc.). O discurso é, como se pode verificar, de largo espectro, como os antibióti-
cos e, como estes, produz ilusões de remédios e curas.
A questão é que a cidade velha deixou de ser toda a cidade e passou a ser apenas uma parcela mino-
ritária do território da urbanização (Busquets, 2004). Ora se se continua a insistir que todos os
modelos canónicos são os dessa cidade (os outros serão uma sua qualquer desorganização ou negação
formal, funcional, estética, etc.), as dificuldades em perceber e intervir no urbano extensivo serão
muito maiores e a tendência mais recorrente em matéria de planos e de projectos, pode ser, exacta-
mente, a de aplicar no urbano extensivo as soluções que só têm sentido na tal cidade.
realidade e representação
40
Propomos então que não se insista tanto no uso da palavra cidade; muito menos, na dicotomia
cidade/campo; igualmente para o entendimento do urbano como um referencial ou modelo único.
Aquilo que chamamos urbano é polissémico, multi-escalar e responde simplesmente a modos
dominantes da territorialização contemporânea da(s) sociedade(s). Coisa plural, portanto, apesar
da influência niveladora da globalização da economia ou da tecnologia.
Perante a extensão e a complexidade do território assim urbanizado, e uma vez que não esta-
mos apenas a considerar o âmbito da urbanização intensiva correspondente à cidade antiga e seus
crescimentos contíguos, podem constatar-se pelo menos dois processos de urbanização que nos
parecem importantes por razões diferentes:
*. os processos de emergência de polaridades de grande dimensão – mega-estruturas, o heavy
metal da urbanização –, que ocorrem normalmente junto dos principais nós viários auto-
-estradais. Estes pontos/manchas, frequentemente denominados novas centralidades ou cen-
tralidades periféricas, têm um elevado papel de estruturação do território pela elevada carga
urbana que possuem (uso intenso das infra-estruturas e do solo) e pelos efeitos de atractivi-
dade de funções, emprego, consumidores, visitantes, etc.;
*. e os processos extensivos de colonização da rede de vias – estradas da rede nacional e suas
ramificações –, onde, devido ao elevado fluxo de trânsito, se foram localizando actividades
económicas muito variadas em especialização e dimensão, misturadas com tipologias diversas
de habitação. A estrada mercado – a Rua da Estrada – é um desses genéricos que ocorre com
bastante frequência (Clementi, 1998; Domingues, 2010).
as transformações do território
41
centralidades, nodalidades, polaridades, mega-estruturas
Centralidade é um dos desejos mais recorrentes da urbanística. Pretende-se sempre reforçar as
centralidades, criar novas centralidades, ou incentivar centralidades periféricas para contrariar
efeitos de periferização e de excesso de monocultura residencial e favorecer misturas funcionais
(contrárias ao zonamento rígido do planeamento e da urbanística convencionais). Ao nível regio-
nal, nacional ou da própria União Europeia, pretende-se que os sistemas urbanos regionais ou
nacionais sejam policêntricos, para contrariar excessos de hegemonias, macrocefalias e relações
assimétricas centro/periferia, e para distribuir pelo território condensações de actividades e fun-
ções que assegurem um maior equilíbrio do desenvolvimento urbano e regional. O policentrismo
tornou-se um desígnio genérico, um antídoto conotado positivamente, desde a muito grande
escala (ver o espon 2013 para o território da União Europeia, <www.espon.eu>) até à escala nacio-
nal, regional, metropolitana ou mesmo local. Centralidade transformou-se quase num fetiche,
como algo que é sempre percebido de forma positiva e equilibradora, qualquer que seja a escala,
a forma, o contexto territorial e urbano, ou a combinação funcional que seja capaz de produzir
uma (nova) centralidade ou uma centralidade periférica (o oxímoro, engenhosa aliança de palavras
contraditórias, reforça a importância da expressão, cf. Morandi, 2004).
No modelo simples uma cidade – um centro independentemente da história ou da geografia,
centro era sempre o lugar que combinava e onde coincidiam três qualidades:
*. o máximo de acessibilidade,
*. a aglomeração de funções com carácter direccional nas várias esferas da vida social (militar,
religiosa, político-administrativa, económica, cultural, etc.),
*. a produção de imagens e valores identitários e patrimoniais, de ícones, representações e refe-
renciações..., numa palavra, a própria imagem da cidade.
Hoje não é assim; o centro antigo perdeu a hegemonia da centralidade. A combinação entre
acessibilidade, direccionalidade e identidade pode ocorrer de forma muito distinta em lugares
cuja condição central é também muito diversa, quer do ponto de vista funcional, quer formal.
Centralidade é um conceito com origem na geografia, mais precisamente na Teoria dos Lugares
Centrais de W. Crhistaller (1933). Trata-se da objectivação das bases de um modelo explicativo para
os sistemas urbanos, a partir da lógica económica do agrupamento das funções de comércio e servi-
ços (funções centrais) em lugares centrais, cuja hierarquia é proporcional ao número e diversidade
de funções, das mais banais, às mais especializadas. A dimensão funcional do centro e os efeitos
polarizadores daí decorrentes provocariam um efeito gravitacional organizador de áreas de influên-
cia correspondentes à extensão geográfica das áreas de mercado de bens e serviços disponibilizados
a partir desse centro. As distâncias percorridas para se aceder a esses lugares seriam traduzidas em
Polaridades
42
[23] área metropolitana do porto – nó da arrábida
[24] vale do sousa – hospital distrital padre américo, nó da a4 entre penafiel e paredes
as transformações do território
43
custos incidindo sobre o preço final dos bens e serviços para o consumidor. Num espaço isotrópico,
as áreas de mercado seriam circulares e haveria espaçamentos regulares entre os diferentes lugares
centrais, segundo a sua hierarquia. Um lugar central de hierarquia superior (aglomerando todas as
funções banais, mais as funções excepcionais e raras) dominaria, na sua esfera de influência, um
conjunto de outros Lugares Centrais de hierarquia inferior. Esta era a base teórica da explicação da
regularidade das armaduras urbanas regionais e nacionais e a base de conceptualização das relações
entre os Lugares Centrais (urbanos) e as suas áreas (rurais) de influência. É claro que as condições
de acessibilidade e de mobilidade eram tidas como igualmente repartidas nesse espaço isotrópico*.
A Teoria dos Lugares Centrais, tlc, fornecia assim uma explicação para um modelo radioconcên-
trico de organização do território em que, antes da descoberta das novas centralidades, a aglome-
ração funcional coincidia com os núcleos urbanos preexistentes. As relações hierárquicas entre os
lugares centrais – hierarquia descendente a partir do lugar central de máxima centralidade – e as
suas respectivas áreas de influência, produziriam um sistema encaixado em cascata.
Hoje, a questão é que a tlc não se adequa à explicação da fenomenologia diversa das condensa-
ções funcionais, da sua geografia e do seu poder de estruturação do território; nem enquadra formas
de polarização funcional como as que derivam da aglomeração compósita de centros comerciais,
empresas, equipamentos, etc.; nem se adapta aos fenómenos de centralidade em linha (a estrada-
-mercado, por exemplo). Ao mesmo tempo, a economia tem vindo a provar que a incidência do
custo do transporte no preço final de bens e serviços é cada vez mais marginal. Para produtores,
distribuidores e consumidores, essa incidência marginal dos custos do transporte provoca mudan-
ças dramáticas nas lógicas de localização e de mobilidade. Para lá do que muda na economia e nos
mercados (formas de organização da produção, distribuição e consumo de bens e serviços, desde
as grandes concentrações dos mercados de bens e serviços estandardizados, às lógicas mais diversas
de especialização e diferenciação), a banalização da auto-mobilidade (com o automóvel, nomeada-
mente) veio perturbar os cenários estáveis das dinâmicas de centramento, produzindo uma tensão
crescente entre a objectivação forçada do conceito de centralidade (derivada da Teoria dos Lugares
Centrais; dos esquemas centrados de cidade que privilegiam os centros urbanos consolidados; dos
modelos de referência do planeamento regional e urbano, etc.) e as muitas formas de centramento
que conduzem os actores nas suas lógicas e escolhas de localização e de mobilidade (cf. Rémy, 2007).
As competências de resposta face à auto-mobilidade derivam de um princípio de autonomia
relativa dos diferentes sujeitos, face à diversidade de opções entre modos de transporte e estra-
tégias de mobilidade horizontal (no território) e vertical (na estrutura social). J. Rémy retira as
devidas conclusões deste princípio, chamando a atenção para a diminuição da operacionalidade
das políticas e das racionalidades que as objectivam, face às subjectividades dos indivíduos e dos
operadores económicos: o espaço construído objectivamente está em transacção permanente com os
espaços subjectivos. No entanto, também é verdade que quanto maior é a complexidade dos movi-
mentos, mais necessária é a coordenação e a atenção face a certos lugares onde é maior a procura e a
oferta de mobilidade e de inter-modalidade (Rémy, 2007, p. 276).
Nesses lugares de intensificação funcional, centralidade, nodalidade, ou polarização, tanto
podem ser sinónimos como expressão de coisas muito distintas:
———* O isotropismo supõe a existência de um espaço homogéneo. Por acaso, ou talvez não, a Teoria dos Lugares Centrais teve a sua primeira aplicação em Portugal no estudo de Jorge Gaspar sobre a A Área de Influência de Évora, Lisboa: Centro de Estudos Geográficos, 1981. As condições de elevada homogeneidade do território alentejano e, por isso, a regularidade da sua rede urbana, constituíam um campo muito adequado para as regras e para o modelo da tlc.
polaridades
44
[25] cartografia das principais nodalidades no arco metropolitano do porto. relação entre a malha arterial das auto-estradas
e as principais aglomerações de edificado
rede viária principal ae/ip/ic ip/ic novo traçado plataformas logísticas / indústrias junto a nós
>=50% concentração do terciário, >= 20 hab/ha densidade população, >= 5,4% edifícios com + 3 pisos
polaridades: nível 1 / nível 2 / nível 3 / nível 4
as transformações do território
45
*. centralidade, quando referida a uma concentração/diversificação/aglomeração de funções
centrais (comércio e serviços), corresponde aos efeitos conhecidos de produção de centro. De
fora fica, por exemplo, a concentração de actividades industriais e logísticas, cujos efeitos em
termos de produção e de procura e oferta de mobilidade (polarização?) não são normalmente
conotados da mesma maneira que o comércio e serviços, nem têm a mesma avaliação de forma
urbana (sem qualidades urbanísticas?), embora possam gerar fluxos igualmente poderosos.
No caso das centralidades industriais e logísticas, a tradição do zonamento como forma de
leitura e de regulação do urbano desloca estas entidades para classificações e lugares específi-
cos – zona industrial, refinaria, zona de armazenagem, etc. –, deslocando/esvaziando também
parte do seu sentido urbano. Um espaço urbano policêntrico corresponde a uma situação em
que a condição central (no seu triplo significado funcional, formal e simbólico) se distribui
sempre de forma mais ou menos especializada, não havendo uma equivalência entre os diver-
sos centros e efeitos de centralidade;
*. nodalidade, enquanto atributo de uma rede, decorre do número de pontos acessíveis a partir
de um determinado ponto e das correspondências mais ou menos facilitadas através dessas
ligações (segundo parâmetros de acessibilidade directa, mais ou menos rápida ou confortável).
No contexto actual, por exemplo, um nó de auto-estrada tanto pode ser uma conexão fechada
entre duas auto-estradas, como pode ser uma conexão aberta, permitindo também ligações
com outras redes secundárias. Consoante os casos e as suas combinações, a acessibilidade
ao nó pode produzir efeitos imediatos nos territórios de proximidade (efeito directo), como
difundir esses efeitos num raio variável de distâncias-tempo (efeito diferido). Os atributos de
nodalidade variam com os modos e tecnologias do transporte – um aeroporto combina um
acesso a um nó da rede de transporte aéreo com outros acessos e nós de outras redes; uma
nodalidade de transportes colectivos pode combinar-se com outras nodalidades de outras
redes de transporte (inter-modalidade). Quer isto dizer que o conceito de nodalidade não é
um conceito estável e intercambiável, mas o efeito de nodalidade será tanto maior quanto mais
diversificados forem os sistemas de mobilidade que nele se cruzam ou convergem;
*. polarização, traduz significados mais variados, mas refere-se habitualmente à força de atrac-
ção de um ponto face a outros, explicada pela densificação nesse ponto de um determinado
atributo ou massa (como na força gravitacional). A Teoria da Gravitação está na origem da
maior parte dos modelos de explicação do efeito de atracção de um determinado centro urbano
(maior ou menor, segundo a sua massa, a dimensão demográfica, geográfica ou funcional, a
oferta de emprego, a atracção de visitantes/consumidores, etc.), face ao seu território envolvente,
como nos modelos geográficos da hierarquização da rede urbana segundo critérios de ordem de
importância-dimensão, à semelhança da Teoria dos Lugares Centrais. A dimensão e a diversi-
dade da oferta de bens e serviços ou de emprego gera diferentes contextos de polarização urbana.
Quando a facilidade da mobilidade (dependente em parte da qualidade da infra-estrutura) coin-
cide com essa diversidade, atinge-se um verdadeiro efeito de intensidade de urbanização.
À confusão destes conceitos/metáforas deve acrescentar-se a forma desigual como são percebidos:
*. em termos de planeamento de redes de transporte, nodalidade é um atributo dos diferentes
nós da rede;
*. a percepção das escalas também é variável: a distribuição de nós de uma auto-estrada à escala
regional ou nacional é concebida de forma distinta, consoante a referência seja à envolvente
polaridades
46
[27] lisboa e vale do tejo – isócronas ao nó de auto-estrada mais próximo
isócronas em minutos: 0–5 6–10 11–15 16–30 mais de 31
[26] esquema de polarização dos principais aglomerados urbanos da região centro, representado a partir dos movimentos casa-trabalho
infraestruturas e plataformas logísticas (portos e zonas logísticas) aérodromos
produtores de conhecimento: universidade i. politécnico interface prop. interface
as transformações do território
47
imediata do nó, à sua relação com um aglomerado urbano mais ou menos próximo, ou à sua
conexão com a rede de vias a que se liga;
*. dentro de um conceito de espaço de fluxos, de espaços relacionais e topológicos, as proprieda-
des dos nós ou das centralidades não têm os mesmos critérios de objectivação e análise quando
da lógica dos fluxos se passa para a lógica das formas;
*. uma rede de nós ou de centralidades é, objectivamente, aquilo que se disser que é ou que poten-
cialmente permite, mas é socialmente apropriada de formas e intensidades muito diferentes;
*. a carga urbana de uma centralidade ou polarização varia de forma dramática consoante o
tipo de actividades/funções que produzem essa polaridade; também por isso, pode ser diferen-
temente avaliada, medindo-se os fluxos de tráfego gerados, o emprego local criado, o número
de utentes e a sua cadência diária, semanal ou outra; etc.
As imagens das páginas que se seguem traduzem cartografias distintas de centralidades, nós e
polarizações ao longo da a8, na esfera de influência da aml.
A figura 27 é um mapa de isócronas, cartografando distâncias-tempo aos nós das auto-estradas,
usando um parâmetro constante de velocidade média de deslocação sem contar com os fenóme-
nos de congestionamento entre nós, nem com as variações acentuadas dos fluxos de tráfego ao
longo de um dia, semana ou outro período de tempo. A centralidade, neste caso, é medida por
um potencial de acessibilidade, quaisquer que sejam as funções localizadas no território. Usando
o esquema conceptual de J. Rémy, trata-se da cartografia de uma acessibilidade objectiva. Con-
trariamente às cartografias radiocêntricas focadas nos aglomerados-centro (Lisboa, neste caso),
o mapa devolve-nos uma geografia que combina efeitos de linearidade, polarização e mancha,
distribuindo no território várias situações de equi-acessibilidade máxima, a partir das quais, por
percolação ao longo das malhas viárias mais finas, se desenha uma filigrana de textura tentacular.
Tudo muito diferente da habitual metáfora da mancha de óleo expandida do centro à periferia
segundo gradientes regulares.
Esta carta de isócronas marcando a acessibilidade a nós de acesso a uma via arterial constitui
uma base para depois se entenderem as diferentes cartografias dos tempos e dos percursos diferen-
temente organizados pelos actores – crono-cartas, na expressão de J. Rémy:
a auto-mobilidade parte do princípio de que cada um, dentro dos limites dos meios de que
dispõe, procura construir um território significativo, ligando lugares que podem ser espacial-
mente dispersos. As competências de auto-mobilidade induzem uma construção subjectiva do
território (Rémy, 2007, p.271).
Observando o espaçamento curto entre nós de auto-estrada (situação que é muito diferente nas
primeiras auto-estradas que tinham os nós muito mais espaçados, como pode ver-se no corredor
da a1 que acompanha o Vale do Tejo) e o que daí decorre em termos de diversidade de contextos
e aumento de oportunidades, pode adivinhar-se o aumento dos tais graus de subjectivação da
construção (transformação) do território.
O outro grupo de imagens ilustra fenomenologias formais distintas do efeito de acessibili-
dade, produzidas por nós da a8 (a a8 na figura 27 corresponde ao corredor/constelação de nós
que se desenvolve a Norte de Lisboa, pelo litoral). A análise dos efeitos induzidos pelos nós de
auto-estrada, permite perceber a diversidade de contextos e de processos/dinâmicas de urbaniza-
ção que actuam em espacialidades multi-escalares. O sistema auto-estradal de grande capacidade
polaridades
48
[28] nó da a8 em torres vedras (norte/nascente).
[29] nó da a8 com a crel, loures norte.
[30] nó da a8 com a crel, loures (loures shopping)
as transformações do território
49
de prestações, particularmente adaptado às formas de auto-mobilidade, deposita nos seus nós de
acesso um elevado potencial de transformação que entra em ruptura com os esquemas convencio-
nais dos modelos urbanos radiocêntricos. Sendo uma estrutura que acentua os efeitos relacionais
a grande distância, a rede auto-estradal induz diferentes possibilidades de padrões de localiza-
ção e de mobilidade, em tudo distintos do âmbito de elevado atrito territorial que caracteriza a
urbanização que se vai consolidando sobre suportes infra-estruturais convencionais (ruas, estra-
das antigas e outras vias de capacidade equivalente). Conceptualmente, os pontos de conexão
entre tão diferentes capacidades infra-estruturais correspondem a situações de elevada ruptura
de escala e de prestação, combinando as lógicas da pequena escala, da proximidade e da conti-
guidade, com a grande escala, a proximidade relacional e a descontinuidade de urbanização. Tal
como o buraco negro da teoria física da relatividade, o nó gera uma alteração abrupta do espaço/
tempo, produzindo um efeito gravitacional elevado, uma compressão do espaço e uma aceleração
do tempo. Estas variações e rupturas perturbam consideravelmente a esquematização formal do
espaço urbano segundo uma certa estabilidade e homogeneidade de atributos de espacialidade e
de temporalidade (vejam-se os pdm correntes e as dificuldades em assumir e responder a estas
multi-espacialidades e temporalidades).
Vejamos algumas diferenças e constantes:
*. o Nó Torres Vedras (ne) está rodeado por conjuntos de loteamentos habitacionais. Cada
loteamento, maximizando o volume permitido de construção, produz uma malha interior de
irrigação dos edifícios, ligando-se às vias principais de acesso ao nó. A pressão construtiva
responde duplamente à proximidade do aglomerado urbano de Torres Vedras, e, sobretudo, à
facilidade de ligação automóvel ao núcleo central da Área Metropolitana de Lisboa;
*. o Nó a8/crel em Loures irriga um conjunto difuso de pequenos loteamentos de residência
unifamiliar dispostos de forma aparentemente errática num contexto de forte retalhamento
do rural e do urbano; a Sul do Nó a8/crel repete-se a mesma fragmentação, agora mais densa
e incluindo uma grande superfície comercial inserida num grande loteamento urbano de
desenvolvimento longitudinal, integrando usos diversos e ainda bastante encravado no terri-
tório agrícola envolvente;
*. ainda mais a Sul, o Nó de Santo António dos Cavaleiros serve uma concentração habitacio-
nal de grande dimensão, constituída por somatórios de loteamentos e urbanizações típicas do
moderno e da Carta de Atenas;
*. o Nó a8 Venda do Pinheiro caracteriza-se pela localização de um conjunto de grandes edifí-
cios industriais e de actividades logísticas (edifícios grandes e conjuntos de edifícios em banda);
*. finalmente, o nó de Óbidos constitui uma situação peculiar: como num parque temático, o
recinto amuralhado de Óbidos é servido por espaços exteriores de estacionamento de grande
dimensão. O conjunto patrimonial da vila é o palco de uma indústria turística crescente, que
varia desde os casamentos até à programação de eventos (Natal, Festa do Chocolate, Torneio
Medieval, etc.), e que pode atrair centenas de milhar de visitantes num único fim-de-semana.
Próximo e em toda a região do Oeste, prolifera o imobiliário dito de turismo residencial e
golfe que constitui outro poderoso e distinto motor de urbanização. Os hiper e os hipomóveis
situam-se nos extremos da maior ou menor capacidade de apropriação e escolha dos meios
e suportes da mobilidade e da acessibilidade e os padrões de residência, a sua distribuição
espacial, fixam esse sistema instável de custo e benefícios (objectiváveis ou simbólicos) face à
diversidade da oferta imobiliária, aos estilos de vida desejados, aos níveis de rendimento, às
polaridades
50
[32] nó da a8 na venda do pinheiro (mafra)
[33] nó da a8 em óbidos
[31] nó da a8 em santo antónio dos cavaleiros
as transformações do território
51
geografias quotidianas da mobilidade, à maior ou menor facilidade de acesso à mobilidade
geográfica e social, ou às respostas face a novas oportunidades/necessidades de emprego.
Estes exemplos traduzem o princípio de uma espacialidade reticular, muito diferente da espa-
cialidade radiocêntrica. O que está em causa nas espacialidades reticulares não é existência da
descontinuidade (fragmentação, dispersão); é a sua generalização, face à continuidade (como a da
cidade densa canónica) que se torna relativamente excepcional e frágil. Um nó de auto-estrada não
é apenas um lugar onde se cruzam fluxos – como uma rotunda no século xix –, mas, sobretudo,
um pólo gerador de ofertas, ambiências ou externalidades urbanas que torna a análise dos fluxos
relativamente incompreensível sem a compreensão das suas motivações.
A auto-estrada e os seus nós constituem um elemento fundamental da urbanização extensiva
(também denominada de grande escala ou alargada) e da produção de lógicas relacionais que
pouco dependem da tradicional contiguidade/proximidade física. No caso de Portugal esta infra-
-estruturação rodoviária de grande capacidade veio muito tarde, perturbando uma lógica secular
em que as distâncias eram grandes e o atrito territorial muito forte – é ainda cedo para perceber
que mais virá acompanhar estas mudanças.
Cada nó situa-se agora em contextos diferentes, dependendo da intensidade da urbanização
do pano de fundo, e da maior ou menor densidade da rede secundária a que se liga. A partir de um
nó, a maior ou menor capilaridade dessa rede menor regula um efeito de percolação que aumenta
a pressão de usos do solo, seja na imediação directa do nó, seja nos lugares que a ele se ligam com
maior facilidade. Polaridade e dissipação/dispersão podem conviver, como se verifica nos exem-
plos atrás referidos. A regulação destes processos revela-se uma tarefa tão necessária como difícil,
se pensarmos que habitualmente os nós são concebidos como simples artefactos técnicos que
regulam fluxos e conexões, mas que não são minimamente considerados como poderosos induto-
res de transformações urbanas ou, quando isso ocorre, são conceptualizados como meros pontos
de acesso à rede arterial e elementos de uma hierarquia clara de perfis de vias que servem o tecido
edificado e os seus zonamentos. A isto é preciso juntar as questões do tempo e dos processos de
regulação: muitas vezes, quando surgem os pdm e as avaliações ambientais, já é tarde para integrar
as próteses que, de momento, são as novas geometrias e dimensões de nós gigantescos.
Na imagem anterior, o loteamento é um princípio de ordem baseado numa racionalidade
relativamente simples. Este tipo de regulação da oferta de uso de solo a um nível estritamente
local insere-se numa dinâmica bastante mais vasta. O efeito, aparentemente controlado dentro do
perímetro do loteamento, decorre de uma procura que extravasa a procura local, inserindo-se na
geografia relacional da Área Metropolitana de Lisboa e da sua esfera de influência. Tal como no
modelo do leapfrog do suburban sprawl americano*, a sequência auto-estrada/nó vai diferindo as
pressões de urbanização para novas frentes de urbanização descontínuas mas muito bem relacio-
nadas com os pontos de aceso à rede da alta velocidade rodoviária.
As dificuldades de controlo da urbanização extensiva e reticular correspondem, por isso, a
uma complexidade que se traduz:
———* Leapfrog development occurs when developers build new residences some distance from an existing urban area, bypass-ing vacant parcels located closer to the city. In other words, developers choose to build on less expensive land farther away from an urban area rather than on more costly land closer to the city. In <http://www.perc.org/articles/article356.php>
polaridades
52
[36] nó a4 com a n15 entre penafiel e paredes
[34] estradas e acessos a nós de auto-estrada
[35] auto-estradas, nós e novas oportunidades de urbanização
as transformações do território
53
*. pela pulverização das escalas locais de regulação urbanística – os municípios envolvidos
no campo de forças da urbanização – e pela desigualdade de âmbitos e critérios locais (atrair
investimento, permitir ou não a urbanização em novas frentes, favorecer a habitação e/ou as
actividades, ter ou não em conta um esquema de urbanização mais ou menos centrado na
aglomeração-sede, etc.). Não existe um critério mecânico ou orgânico que seja capaz de encon-
trar uma única solução dentro das muitas possíveis. Trata-se, antes, de um modelo cibernético
em que cada novo elemento actua numa cadeia de relações e de resultados de que faz parte.
Uma carta de zonamento e um regulamento apenas fixam o campo possível das transforma-
ções, inter-acções, retroacções, etc. Além disso, não é adquirido que, dada a extensividade da
urbanização e a fluidez relacional do território, os limites de cada município correspondam à
escala de coerência territorial da regulação urbanística;
*. pela dificuldade em regular usos de solo à escala de cada fragmento do zonamento. Uma vez
que o critério do zonamento (e respectivos polígonos) é a base da regulação do uso do solo,
um impacte urbano induzido pela acessibilidade a uma auto-estrada, pode reproduzir-se em
inúmeros polígonos (preexistentes ou activados pela presença do nó). Bloquear edificação
num polígono ou conjunto de polígonos significa simplesmente que essa pressão se muda
para outros polígonos do mesmo município ou de outros. Será preciso ter em conta que os
nós da rede arterial atraem sobretudo os materiais pesados da urbanização e o investimento de
grande escala (plataformas logísticas, áreas empresariais, resorts, etc.), exactamente os que não
podem ir com facilidade para os interstícios dos zonamentos urbanos que evoluem melhor por
densificação baseada em escalas, volumes e programas de menor dimensão e mais semelhantes
aos preexistentes;
*. pela pluralidade das decisões sectoriais, suas lógicas, materiais e âmbitos territoriais de racio-
nalização. O campo da urbanística sempre dependeu de uma capacidade de articular, integrar
e sincronizar vários actores. Mais do que a perda de poder, o que está em causa é a fragmenta-
ção dos poderes (entre os públicos e entre os privados), a sua desigual legitimidade e operacio-
nalidade, o aumento da contradição entre desígnios (directamente proporcional à insistência
com que se usa o adjectivo integrado, agora também nos pin, projectos de potencial interesse
nacional). A urbanística necessita também de um confinamento de campo geográfico que
designe a posição e a relação entre formas e funcionalidades, que limite a cidade como corpo e
não como somatório casuístico de fragmentos descontínuos; é precisamente o que falta a estas
dinâmicas e funcionalidades difusas. O loteamento isolado ligado ao nó de auto-estrada cor-
responde exactamente à ilusão do controlo de uma ilha de ordem sobre um fundo de diferente
complexidade e graus de tolerância face a essas racionalidades simples.
Neste último exemplo – nó da a4 entre Penafiel e Paredes –, o efeito nó toca uma diversidade de
programas, escalas e actores, provocando efeitos poderosos de nodalidade, centralidade e polariza-
ção que não correspondem às imagens tradicionais do urbano ou da cidade. O resultado final pode
ser entendido como um processo casuístico de colagem, embora seja, de facto, um processo regu-
lado sectorialmente por vários regulamentos e planos: desenho de vias e nós de acesso, projecto
do Hospital do Vale do Sousa (Ministério da Saúde), loteamentos, regulamentos de edificação
genéricos e especializados, zonamentos de uso de solo, ou servidões administrativas. A partição
convencional entre rural e urbano mistura-se numa resultante que é bastante banal e predadora de
recursos nas formas recentes de urbanização.
polaridades
54
[37. 38] mega-estrutura à escala de uma cidade média, vila real. círculo no mapa identifica a mega-estrutura
as transformações do território
55
*. o edifício maior é o hospital distrital público decidido superiormente pela tutela do Ministério
da Saúde. O heliporto, o estacionamento e a ligação à auto-estrada são requisitos fundamentais
para este tipo de equipamento e serviço. O edifício é uma caixa centrada no seu lote, rodeado de
estacionamento e circulações, e de uma via perimetral com acesso a partir de um único ponto;
*. os outros edifícios de grande dimensão e de iniciativa privada – centros comerciais, fábricas e
armazéns – ora repetem o mesmo modelo, ora se agrupam em loteamentos servidos por malhas
regulares em geral delimitados pela propriedade (e parcelas) não urbanas e agora colonizadas;
*. entre a escala da auto-estrada e nó, e a irregularidade da rede capilar, vai tomando forma
uma rede intermédia pontuada por rotundas e triângulos de organização do tráfego. Os inte-
riores desta malha larga tanto podem ser extensões contíguas de parcelas agricultadas ou
matos, como tecidos mais ou menos irregulares de construção e vias;
*. morfologicamente, a descontinuidade e a ruptura de escalas e tipologias dominam sobre a
regularidade e a contiguidade dos padrões construídos ou planeados. A fragmentação fundiá-
ria (a forma como se percebe) é elevada e explicará, em grande parte, a própria irregularidade
da forma de conjunto e as diferentes expectativas e possibilidades dos actores.
Este último exemplo de condensação urbana junto a um nó arterial de comunicações associa-se
com frequência ao tema das mega-estrutras. Não se trata, porém, das mega-estruturas de uma
certa arquitectura vanguardista dos anos de 1960 a que estão associados nomes como os Archi-
gram e os TeamX.
Quadro 2
O desenvolvimento de mega-estruturas com uma forte ocupação de solo – sejam plataformas logís-
ticas, grandes centros comerciais, nós infra-estruturais intermodais, ou grandes edifícios industriais
– representa um fenómeno em contínuo crescimento e com consequências relevantes para a organi-
zação do território. Enquanto se discute muito acerca da re-organização da mobilidade em função da
contenção dos impactes territoriais, multiplicam-se as plataformas logísticas; enquanto se acentua a
superação da manufactura de baixa produtividade em direcção à produção tecnologicamente avan-
çada, continua-se a multiplicar localizações e contentores adaptados a modelos produtivos aparente-
mente obsoletos; enquanto se discute inovação e sustentabilidade das grandes infra-estrutura ligadas
com a distribuição, constroem-se megamalls que mais parecem responder à lógica de pura mercanti-
lização do solo, do que de projectação arquitectónica e urbana.
A escassa regulação urbanística de tais localizações, o interesse das administrações locais em
acolherem funções que remuneram bem em termos económicos e fiscais, o empreendedorismo dos
operadores imobiliários que vêem nessas formas de investimento uma expectativa de rendibilidade
mesmo que desvinculadas de um comprovado bem-estar em termos de resultados, a subavaliação
de planificar tais empreendimentos a uma escala supra-municipal, são alguns dos elementos que
sublinham a urgência de investigação por parte das ciências do território. A partir da apresentação
de casos, o seminário propõe-se avivar uma reflexão sobre a geografia locativa e sobre os modelos
espaciais e de localização de algumas tipologias de mega-estrutura, e sobre soluções projectuais ino-
vadoras que se verifiquem na realização de plataformas complexas e multifuncionais com impactes
menores sobre o território. (Morandi, Pucci, Rolando, 2007)
polaridades
56
[39]
[40]
as transformações do território
57
*. Mega é uma escala particular que não é definida por dimensões absolutas e pré-delimitadas,
mas por contraste com o contexto em que se insere. Nas pequenas cidades, a escala mega pode
corresponder a uma forte dissonância de escala/programa/tipologia provocada, por exemplo,
pela chegada de investimentos de grande dimensão em programas não residenciais.
*. As estruturas mega podem corresponder a programas muito distintos: centros comerciais,
parques temáticos, plataformas logísticas ou industriais, aeroportos, auto-estradas, comboios
rápidos, etc. Isto implica que estamos a lidar com materiais urbanos muito diferentes, infra-
-estruturas especializadas ou agrupamentos mistos de funções.
*. De facto, mega-estruturas são sempre uma espécie de quisto (bom ou mau), no sentido de
que se trata de um estranho vindo de novo num contexto urbano preexistente. Um centro
comercial é uma estrutura com as suas próprias lógicas mas é também algo muito diferente das
formas tradicionais de comércio a retalho: uma ordem diferente no meio de uma ordem normal.
*. Uma mega-estrurura actua também como um efeito, ou seja, é algo que é percebido pelos
seus efeitos: um nó de auto-estrada é uma mega-estrurura por causa da sua dimensão mas
também porque a sua presença é intrusiva, isto é, não em completo acordo com os outros
níveis de infra-estrutura de mobilidade.
*. A urbanização de grande escala é parcialmente estruturada por mega-estruturas (de mobi-
lidade e logística, por exemplo). Uma rede de auto-estradas é uma mega-estrutura com uma
inscrição territorial extensiva. Um aeroporto é uma mega-estrurura com fronteiras territoriais
muito claras, isto é, com uma inscrição territorial intensiva. Este ponto é muito relevante porque
corresponde a contextualizações muito diferentes em matéria de análise e de política urbana.
*. A mega-estrurura torna-se socialmente mais visível quando a sua lógica deriva de inves-
timentos privados que são associados a fenómenos de especulação imobiliária e, por isso, a
alguma forma de predação do interesse público. Os efeitos de encravamento formal e funcio-
nal dessas privatopias não são, no entanto, muito diferentes de muitas mega-estruturas públi-
cas produzidas pelas lógicas do zonamento do planeamento moderno.
*. Alguns dos efeitos genéricos produzidos pela urbanização – congestão, impermeabilização
de solo, qualidade paisagística, etc. – não são exclusivos das mega-estruturas. Simplesmente, as
mega-estruturas tornam esses efeitos mais visíveis e mais facilmente percebidos pela opinião
pública, pelos media, ou pelas agendas políticas. Os problemas e oportunidades atribuídos às
mega-estruturas são, muitas vezes, velhas questões com denominações novas. As novas aglo-
merações terciárias junto dos nós das auto-estradas (edge cities) são somatórios complexos
de várias formas, funções e actores. Normalmente só se fala nos centros comerciais mas, na
verdade estas Edge Cities são somatórios de grandes e pequenas coisas.
*. No que se refere à regulação, é verdade que muitas mega-estruturas como os aeroportos
estão no limite daquilo que se chama o splintering urbanism: projectos público/privados pro-
jectados e construídos no âmbito de quadros legais próprios e com lógicas dominantemente
sectoriais (project-financing, parcerias público-privadas, projectos especiais, etc.). O splintering
urbanism resulta num défice de articulação urbanística das políticas sectoriais com incidência
territorial. A predominância das lógicas sectoriais acaba por resultar em fenómenos de enquis-
tamento formal e funcional a que falta um mínimo de articulação com a envolvente.
*. O splintering urbanism pode ter várias explicações mas, em geral, está associado com a libe-
ralização do Estado-Providência e com a deriva institucional da máquina do governo e da
administração:
polaridades
58
. a deriva horizontal significa um défice de articulação entre ministérios. As agendas minis-
teriais prevalecem sobre as inter-ministeriais. Ao nível do governo local/municipal, a
deriva horizontal explica-se pelo défice de associativismo municipal em matéria de orde-
namento do território;
. a deriva vertical é explicada pela quebra das tradicionais cadeias hierárquicas descendentes,
dos Ministérios e Secretarias de Estado e Direcções-Gerais, às instituições desconcentra-
das: a concessão de serviços, a privatização, a adopção de modelos privados de gestão, a
reconversão de instituições públicas em instituições de direito privado, etc., transformam
o modelo do Estado-Providência num estilhaçamento de instituições com crescente difi-
culdade de articulação mútua. Ao nível das grandes infra-estruturas públicas, assiste-se
mesmo à separação entre a empresa que constrói e gere a infra-estrutura e a que gere ou
concessiona o serviço que a usa. O défice do escalão regional de governo aumenta mais
essa dificuldade, tal como a inexistência de Associações de Municípios com poderes para
além dos estritamente municipais. Ao nível do planeamento regional e urbanístico, esta
situação transforma o território da urbanização de grande escala numa amnésia política,
sujeita, ao mesmo tempo, à casuística das políticas sectoriais e à fragmentação dos territó-
rios e das políticas municipais;
. no contexto desta fragmentação e debilitação do Estado, os actores privados aproveitam
várias plataformas negociais e de pressão de interesse com a esfera pública, desde a eu,
passando pelo Estado e seus departamentos, até aos municípios.
*. Tendo em conta o que foi dito, a teoria e a prática urbanística relacionada com as mega-
-estruturas (regulação e planos, morfologia, programas, temas sectoriais, etc.) envolvem várias
combinações de problemas. Em toda essa discussão, percebe-se claramente:
. a perda de capacidade de articulação ao nível territorial/urbano;
. a perda do poder ou da eficácia do planeamento;
. o desacerto entre o mapa da urbanização de grande escala e os vários mapas políticos e
administrativos;
. a emergência do contexto neo-liberal do planeamento público/privado, em contraste com
a fragilização do interesse público (mais vícios privados do que públicas virtudes);
*. No fim de contas, muitos protestam pela perda de resiliência (capacidade de um sistema
resistir e se adaptar a mudanças mais ou menos bruscas, sem se desorganizar ou entrar em
colapso), quer da estrutura urbana, quer dos planos e do sistema de planeamento. Os desafios
são, de facto, enormes. Ao mesmo tempo, protesta-se contra a rigidez e desadaptação dos
velhos planos e sistemas de planeamento, sem reconhecer nos novos a eficácia e a transparência
que se procura, ou as novas instituições e procedimentos políticos para tal.
as transformações do território
59
No outro extremo do processo de aglomeração urbana com base em grandes peças e materiais
pesados, estão os processos e formas da urbanização extensiva que progride por somatórios de
pequenas construções que usam o suporte quase filigranar das vias (estradas principais e secundá-
rias, nacionais e municipais).
Numa região tradicionalmente de povoamento disperso como o Noroeste de Portugal, esta
mutação do território rural é facilitada pela abertura recente de uma rede de auto-estradas e res-
pectivos nós que complementam as lógicas de proximidade física de curto alcance, com a proxi-
midade relacional de alcance variável.
A ausência de um código genético urbano, a prevalência da pequena parcela e a elevada frag-
mentação cadastral ajudam a explicar a espontaneidade e o aparente caos da urbanização que se
faz por simples colonização da rede viária mais ou menos capilar. A intensidade da industriali-
zação (misturando muito pequenas e muito grandes empresas) e as oportunidades de emprego
criadas tornam este padrão de urbanização mais intenso e complexo. Qualquer que seja a escala
territorial considerada, repetem-se sempre os mesmos traços estruturais e o mesmo processo de
percolação da construção ao longo da rede de vias como uma migração de fluidos:
*. a descontinuidade e a fragmentação dominam sobre a continuidade;
*. a irregularidade sobrepõe-se à regularidade; a heterogeneidade, à homogeneidade;
*. as escalas e usos do edificado misturam-se em diferentes composições;
*. os processos de transformação repetem essas diversidades e irregularidades;
*. alargam-se os isotropismos territoriais (semelhança de qualidades locativas) a quase todo
o território irrigado por uma rede capilar densa e minimamente infra-estruturada e que se
vai ligando a um número superior de nós da rede arterial em diferentes pontos do território.
Esta situação tanto explica a multiplicação de oportunidades excepcionais em vários pontos
do território (veja-se o padrão locativo das zonas industriais, por exemplo), como uma certa
indiferença locativa (caso da habitação, por exemplo);
*. contrariamente à noção territorialmente confinada da cidade, o urbano extensivo é um exte-
rior sem limites perceptíveis, uma nebulosa territorial, um magma mais ou menos contínuo
de edificações que se relacionam com uma rede dendrítica de vias cujas ramificações se apre-
sentam desigualmente hierarquizadas, conectando-se ora por traçados finos e sinusoidais de
estradas e caminhos, ora por ligações a vias auto-estradais, variantes e acessos a nós.
A estrada-rua é um dos elementos mais legíveis da estruturação da urbanização extensiva. Num
país como Portugal, histórica e profundamente deficitário em infra-estruturação e que só teve
auto-estradas e vias rápidas na década de 1990, era de esperar que a dinâmica de crescimento do
Colonização da infra-estrutura viária
60
[42. 44] zona a oeste do concelho na confluência dos rios ave e selho e detalhe da zona industrial de guimarães
edificado solo agrícola (a mais de 50m de edifício) incultos, matas ou cobertos florestais degradados
Padrão típico da urbanização e da industrialização difusas no vale do Médio Ave. A esta escala de representação, a fragmentação do
solo agricultado (fora de um raio de 50 metros em torno dos edifícios) sem edificação corresponde já a áreas marginais.
[41] vale do ave, rede viária arterial e respectivos nós, e sua relação com a rede intermédia e capilar
cidade vila nós rede viária principal (igeoe) ips e ics (prn2000) ips e ics novo traçado (prn2000) ens e ers (prn2000)
rede capilar rede ferroviária
as transformações do território
61
[44] urbanização extensiva – vale do sousa. 1. lousada 2. paredes 3. penafiel
1
23
[45. 46] rua da estrada – funções comerciais, publicidade e sinalética
colonização da infra-estrutura viária
62
edificado – cartografia base de 1945–1948 edificado – cartografia base de 1973–1975 edificado – cartografia base de 1995–2000
Fazendo parte da conurbação do Entre-Douro-e-Vouga e continuando para Sul a mancha urbana da Área Metropolitana do Porto,
o concelho de Santa Maria da Feira apresenta as características próprias da urbanização e da industrialização difusas. O carácter
recente da intensificação do investimento industrial (na fileira das cortiças e na metalomecânica) produziu um padrão de localização
de parques, zonas industriais e pequenas e grandes empresas isoladas, que se distribuem praticamente por todo o território.
[47. 48] colonização da infra-estrutra viária: santa maria da feira (norte), cartografia da evolução do edificado nos anos 40, 70 e 90
as transformações do território
63
pós-guerra tivesse que produzir edificação algures. As estradas e o que nelas havia (electricidade e
telefone, rede de água) eram o suporte mínimo dessa edificação com acesso garantido.
É isso que explica essa edificação difusa e não os bodes expiatórios que se costumam invocar
a propósito da questão, sem contudo a explicar: especulação, défice de planeamento (antes de 25
de Abril de 1974 havia só uns planos para uns bocados de cidades e pouco mais), ilegalidade (ou
a-legalidade?). Compactar tudo isto na conversa do feísmo ou do suposto caos torna a realidade
ainda mais opaca e indiscernível.
Com a banalização e a democratização do automóvel, ficou garantida a fluidez desta urbani-
zação linear onde tudo se mistura: casas, cafés, restaurantes, lojas, serviços, fábricas, (...). O edi-
fício-montra (onde se expõem automóveis, móveis, plantas, etc.) ou a casa unifamiliar com uma
actividade comercial no rés-do-chão, são exemplos comuns da diversidade tipológica e funcional de
tudo quanto aparece pela estrada fora. A sinalética e a publicidade que tudo indicam, desde os sinais
de trânsito, aos endereços electrónicos do que está na terceira rotunda à esquerda, foram as últimas a
chegar, sem a espectacularidade dos néons de Las Vegas mas com recursos de criatividade inusitados.
Devido à diversidade e à intensidade das funções que se localizam na Rua da Estrada, essa
estrada-rua é como um centro em linha, uma corda onde tudo se pendura; uma estrada-mercado.
O problema da estrada-rua é a fímbria de espaço que está entre o asfalto e os edifícios: valeta, pas-
seio, ausência de uma e de outra, estacionamento, rampas de acesso a edifícios e lotes, interrup-
ções, problemas. A estrada-rua nem tem aquelas magníficas árvores que dantes havia e depois se
fechavam em túneis de floresta-galeria, nem tem os passeios amplos e confortáveis que é suposto
as ruas terem. Na estrada-rua não há apenas trânsito de passagem como na estrada, nem movi-
mentos locais de peões e veículos como na rua. A estrada-rua mistura tudo num conflito perma-
nente, camiões e peões, carros e autocarros, motorizadas e patins em linha, cruzamentos com
outras estradas. Há quem simplesmente passe e há quem queira sair e entrar, estacionar ou atra-
vessar a estrada. Rápida de mais para quem lá vive, lenta e congestionada para quem lá passa. Um
desassossego que não se resolve com passadeiras, semáforos, multas, rotundas e outros truques de
acalmia de tráfego. Quando a Rua da Estrada se cruza com uma ligação a uma auto-estrada, tudo
se complica. Continua a estar-se perto de quem antes se estava e a minutos de muito mais. É como
se um buraco negro, verdadeiro atractor de matéria, viesse perturbar a física quotidiana: o tempo
acelera-se e o espaço comprime-se, abrindo-se um potencial de condições favoráveis à localização
das mais diversas actividades. Este é apenas o primeiro andamento de um processo de aglomera-
ção e de catálise urbana que irá resultar numa nova centralidade e neo-aglomeração urbanas.
A urbanização ao longo das estradas exemplifica claramente as características da Urbanização
Extensiva na sua duplicidade e simultaneidade de significados: é extenso (e descontínuo) o terri-
tório da urbanização; e é extensiva a urbanização porque pode ocorrer algures em continuidade
ou não com aglomerados existentes, seja de forma rarefeita, seja em neo-aglomerações junto de
nós de auto-estrada, seja em muitas geografias do Portugal profundo antes distante e encravado.
Como no Algarve turístico ou no Vale do Ave industrial, os padrões e a intensidade da urba-
nização podem conhecer fenomenologias muito variadas e mais ou menos predatórias dos recur-
sos bio-físicos e patrimoniais. A democratização da auto-mobilidade (com custos para o utente,
claro) e a sua intensidade tornam possível esta plasticidade das sociedades e dos territórios.
Como já referimos noutro lugar a propósito do discurso dominante e politicamente correcto
sobre a condenação do automóvel (Domingues, 2010b), os automóveis, tal como as auto-estradas,
os camiões, os comboios, as refinarias, os aeroportos, as redes de telecomunicações, etc., fazem
parte da lista infindável das próteses tecnológicas que uma sociedade usa; essas tecnologias e a
colonização da infra-estrutura viária
64
[49] noroeste e centro – dois contextos de urbanização extensiva com diferentes graus de densidade e rarefacção
contiguidades urbanas
as transformações do território
65
forma como se distribuem social e territorialmente estão profundamente imbricadas e não são
isoláveis ou analisáveis em separado. Apetece questionar como é que durante séculos se gastaram
recursos públicos desmedidos a amuralhar e a fortificar cidades (hoje gostamos tanto de cidades
amuralhadas...), quando bastaria convencer racionalmente as gentes que tudo isso seria desneces-
sário se não houvesse conflitos e certas técnicas e modos de os organizar; eram as urgências da
guerra, dizia-se. Curiosamente, é quando o automóvel se democratiza nas sociedades ocidentais,
que passa a ser o bode expiatório e o inimigo público número um. Antes era coisa de ricos e
objecto de culto (como ainda hoje, embora não só e muito mais).
Por agora, o co2, o aquecimento global, as mudanças climáticas e o custo da energia contri-
buem para essa condenação. Resolvida a questão da fonte energética, o automóvel ou, se quisermos,
a auto-mobilidade, continua a ser uma condição sine qua non para garantir a própria mobilidade
social, dada a instabilidade do emprego e as suas múltiplas geografias. Qualquer política de mobi-
lidade tem que trabalhar ao mesmo tempo com o transporte individual e colectivo, tirando partido
das vantagens de um e de outro e dos seus modos de articulação – a multimodalidade.
Depois do que foi dito, o quadro que se segue pretende resumir as questões principais que decor-
rem do uso de conceitos, categorias conceptuais, metáforas, etc., em suma, modos opostos de
problematização que são próprios da metamorfose cidade/urbano.
colonização da infra-estrutura viária
66
cidade
Abordagem morfológica
Densidade morfológica
Aglomeração física
Contiguidade edificada
Interior
Confinado
Limites claros
Intensivo
Estrutura simples
Estrutura centrada
Centrípeta
Taxionomias em árvore
Lógica binária
Dicotomias
Categorias mutuamente exclusivas
Estrutura hierárquica
Organização segundo lógicas holísticos,
universalizantes e unitárias
Crescimento em mancha de óleo
Texto
urbano
Abordagem relacional
Espaço relacional
Espaço de fluxos
Redes
Relações e formas
Densidade relacional
Intensidade relacional
Aglomeração; neo-aglomeração;
Dispersão
Contiguidade e fragmentação
Exterior
Desconfinado
Limites imprecisos
Extensivo
Estruturas múltiplas
Sem um único centro
Descentralizado e múltiplo
Centrípeto e centrífugo
Taxionomia reticular
Conexões múltiplas
Sobreposições
Categorias com pertenças múltiplas
Estrutura rizomática
Organização segundo várias lógicas, atendendo a dife-
renças de contextos sociais e territoriais
Expansão por contiguidade e descontiguidade
Expansão dendrítica; por capilaridade
Colonização de infra-estruturas
Hipertexto
Quadro 3
as transformações do território
67
colonização da infra-estrutura viária
[50]
Variações de Contexto e Escala de Urbanização
Álvaro Domingues
[ as transformações do território ]
69
Em Portugal, como noutras geografias, os territórios da urbanização inscrevem-se em escalas e
formas muito diversas. Face a essa diversidade da fenomenologia urbana, a urbanística, a geografia
urbana, o planeamento e o ordenamento do território, a arquitectura e outras áreas do conheci-
mento relacionadas com a questão urbana têm vindo a desenvolver ferramentas conceptuais e teó-
ricas cada vez mais diversas, tentando captar a realidade urbana e o que nela muda: cidade, urbano,
urbanização dispersa, urbanização extensiva, área metropolitana, conurbação, etc. É importante,
por isso, distinguir a diversidade de contextos e de escalas de urbanização tal como têm vindo a ser
equacionados e representados. Definitivamente, cidade e urbano não designam sempre a mesma rea-
lidade e os mesmos divisores comuns. É isso que é necessário discutir e tornar claro. Tal como pode
verificar-se nas cartas do pnpot, por exemplo, o Portugal Urbano pode entender-se, distinguindo:
*. duas aglomerações metropolitanas principais, o Arco Metropolitano de Lisboa e o Arco Metro-
politano do Porto. Estas duas manchas incluem um núcleo duro (mancha vermelha) e um
sistema metropolitano que é representado por uma mancha envolvente de grande dimensão
(no caso da aml, essa mancha é bastante alargada e não corresponde a uma contiguidade
urbanizada mas a uma zona ou área de influência). No caso do Arco Metropolitano do Porto o
sistema metropolitano inclui uma mancha de urbanização extensiva caracterizada pela forte
presença do edificado entre cidades;
*. o Arco Metropolitano Algarvio é uma contiguidade urbana circunscrita ao Litoral Algarvio,
incluindo formas de urbanização muito diversas, tal como a própria diversidade da fileira econó-
mica do turismo e o modo como se territorializa, ou seja, como produz padrões de urbanização;
*. o Sistema Metropolitano do Centro Litoral é constituído por um triângulo com os vértices
em Leiria, Aveiro e Viseu (incluindo Coimbra e Figueira da Foz), combinando aglomerações
urbanas convencionais com padrões de urbanização difusa na Beira Litoral. O interior deste tri-
ângulo, a serra do Caramulo é, de facto, uma área bastante esvaziada. A denominação sistema
metropolitano parece, neste caso, muito forçada;
*. uma rede de cidades médias situadas em contextos geográficos esvaziados – a mancha azul
do penúltimo mapa, correspondente a áreas críticas profundamente afectadas pelo processo de
desruralização e declínio demográfico e económico.
Assim, para entender as diferentes escalas e contextos em que podem equacionar-se as políticas de
regulação urbanística é importante distinguir, nomeadamente, três casos: 1. A cidade confinada
dentro dos limites do respectivo concelho, em contextos de esvaziamento da envolvente regional
(Bragança) ou não (Viseu, Coimbra). 2. As Áreas/Aglomerações Metropolitanas de Lisboa e do
Porto. 3. Conurbações não metropolitanas.
O caso de Portugal
70
[51] áreas urbanas na europa
quantidade de solo artifical: muito baixa baixa média alta muita alta sem informação
classificação fua e mega: nós globais motores europeus mega fortes potenciais mega mega fracas
fua transnacional/nacional fua regional/local
as transformações do território
71
comentário – figura 51
“As cidades, aglomerações e regiões urbanas, são cruciais para a competitividade Europeia e das suas regiões.
Estes são os lugares onde habita mais de 80% dos cidadãos europeus.(...) Uma Europa policêntrica correspon-
de a uma alternativa atractiva para o território europeu dominado pelo Pentágono, a área compreendida entre
Londres, Hamburgo, Munique, Milão e Paris.
A espon (Rede Europeia de Observatórios do Planeamento Espacial) delineou Áreas Urbanas Funcionais
(fua) nos 29 países que compõem este programa. Uma fua é constituída por um centro (core) urbano e pela
respectiva área envolvente economicamente integrada com esse centro, ou seja, o mercado de trabalho local.
Identificaram-se assim 1559 fua com mais de 20 000 habitantes, com base nos movimentos pendulares e
bacias de emprego. Sendo diferentes em dimensão, as fua disponibilizam uma grande variedade de funções
e serviços. Algumas detêm um significado nacional ou Europeu, por via da sua especialização multi-sectorial;
outras são a sede de administrações regionais ou nacionais. A especialização funcional foi ordenada de acordo
com a sua importância em termos de população, transportes, turismo, indústria, conhecimento e direcciona-
lidade. Desta análise extensiva, foram classificados três grupos de fua: mega, Áreas de Crescimento Metro-
politano de Nível Europeu; fua de importância transnacional/nacional; e fua com uma inserção regional/
local. As mega foram depois classificadas no contexto dos nós globais, motores Europeus, e pela sua relativa
performance económica como fortes, potenciais e fracas.
Londres, Paris e Madrid têm mais do que 5 milhões de habitantes, e outras 44 fua têm entre 1 e 5 milhões.
Apenas Londres e Paris são nós globais. A maior parte dos motores europeus estão concentrados na área
central – o pentágono –, mas Estocolmo, Copenhaga, Viena, Roma, Barcelona e Madrid estão localizadas
bastante longe do pentágono. Este grupo é complementado por outras mega fortes que se localizam também
fora do centro europeu, como é o caso de Dublin, Oslo e Atenas. Este conjunto, juntamente com Lisboa,
Montpellier, Budapeste e Varsóvia, dá conteúdo à visão do território europeu policêntrico como motor de
desenvolvimento competitivo e equilibrado. As mega fracas localizam-se geralmente em regiões onde alguns
processos de reestruturação e reposicionamento económico podem ser favoráveis a cenários de crescimento,
a par e passo com uma melhoria na inserção funcional em redes mais alargadas. As mega ocupam grandes
ou muito grandes superfícies de solo artificializadas – com habitação, indústria ou usos do solo relacionados
com o transporte. Esta mesma medida pode ser usada para se ter uma ideia geral das regiões situadas entre as
mega, e possíveis orientações de desenvolvimento e conexões potenciais que possam fortalecer e estender – ou
limitar – as áreas europeias de crescimento existentes. Cerca de 58% da população dos países que integram o
espon vive numa parcela de 20% da área total, na qual a proporção de solo artificializado é maior do que 5%
dessa área.” (cf. espon, 2006, 28–30).
Esta é a representação cartográfica da Europa Urbana que circula nos documentos orientadores das polí-
ticas da União Europeia (espon, <http://www.espon.eu>). Portugal está classificado nas regiões de mais baixa
percentagem de solo artificializado, destacando-se apenas duas aglomerações urbanas com expressão à escala
da Europa Urbana Policêntrica: Lisboa e Porto. A aglomeração de Lisboa é uma potencial mega, Área Metro-
politana Europeia em Crescimento, e a do Porto é uma mega de importância reduzida. Coimbra, Faro e Aveiro
são identificadas como Áreas Urbanas Funcionais (uma aglomeração de população, funções e emprego polari-
zando um território de influência) de interesse nacional ou transnacional; as restantes, quase todas capitais de
distrito, estão confinadas à sua influência regional/local.
o caso de portugal
72
[54. 55] representações do portugal urbano
sedes de concelho 1 000–5 000 hab 5000–10 000 hab > 10 000 hab raio de 5 km aos lugares de 5 000 a 10 000 hab
raio de 10 km aos lugares >10 000 hab. área crítica área intermédia área de maior densidade populacional
eixos interiores (dorsais) lugares em 2001 segundo o ine
[51. 53] representações do portugal urbano
populações das cidades em 2001 564 657 / 100 000 / 10 000 capitais sistema metropolitano outros sistemas urbanos
milhares de habitantes 500 / 250 / 125 perímetro da cidade
as transformações do território
73
[56] representação do portugal urbano
população das cidades em 2001: 564 657 / 100 000 / 10 000 capitais arco ou sistema metropolitano
outros sistemas urbanos centralidades potenciais eixos interiores grandes corredores rodovia: ip ic
rede de alta velocidade: 1.ª fase 2.ª fase
o caso de portugal
74
[57] bragança, um caso muito claro de urbanização confinada territorialmente
as transformações do território
75
1.
A Cidade confinada
cidade que está contida dentro dos limites do respectivo município
Apesar da maior ou menor intensidade e expansão territorial da urbanização no âmbito conce-
lhio, o principal motor de estruturação urbanística do território ainda é esse aglomerado urbano
central que, além disso, concentra a maioria da população, da área edificada, e das actividades e
emprego do respectivo concelho. Assim sendo e para estes casos, o nível municipal é a escala
mais pertinente e mais adequada para o desenho e regulação da estratégia urbanística. Esta situ-
ação cobre, por exemplo, as capitais de distrito e outras cidades de menor importância situadas
em contextos regionais de relativa rarefacção da urbanização. Tendo em conta a classificação do
pnpot, estes casos estão incluídos no último ponto e, em parte, no penúltimo, atrás referidos.
Em cidades como Bragança, Évora ou Beja, só para dar alguns exemplos, o confinamento da
nova urbanização também se explica pela menor pressão urbanística resultante da fragilidade
económica dessas cidades e regiões envolventes. Nestes casos o efeito de “capitalidade” distrital
explica um forte investimento em funções públicas criadoras de emprego e de efeitos de polari-
zação – universidades e politécnicos, hospitais distritais, administração pública, etc. –, que não
se fizeram acompanhar na mesma proporção de investimento privado nos serviços e na indústria
transformadora. Desenvolveram-se assim “cidades do estado” que, depois de uma primeira fase de
intensa polarização à custa do esvaziamento das regiões envolventes, não encontram outros atrac-
tores funcionais capazes de garantir a continuidade dos efeitos de crescimento, fixação de emprego,
polarização, ou atractividade. Por isso, o confinamento territorial da cidade resulta também de
um efeito induzido por este processo de travagem que tem como corolário a perda da importân-
cia demográfica e o envelhecimento populacional das freguesias afastadas do núcleo principal do
aglomerado urbano concelhio.
o caso de portugal
76
[57] bragança, planta de evolução do edificado 1976–2004
edificado até 1975 edificado 1975–2004
Apesar da extensão da urbanização e do aumento da especialização e da diversificação funcional da cidade (nomeadamente nas
funções próprias das capitalidades distritais, como os hospitais ou o politécnico), a evolução da expansão urbana segue um princí-
pio de contiguidade do edificado. Os interstícios não edificados possuem um elevado grau de estabilidade, ora relacionados com
equipamentos/funções de maior importância, ora com intervenções de qualificação de espaço público, como é exemplo o corredor
do Rio Fervença (programa polis).
as transformações do território
77
[59] viseu, planta da evolução do edificado 1975–2004 e mancha da aglomeração urbana e inserção regional
edificado até 1975 edificado 1975–2004
Viseu seguiu um modelo rádio-concêntrico cujos elementos mais exteriores ao núcleo antigo correspondem aos traçados rodoviári-
os arteriais e seus nós. O esquema viário das circulares e radiais é perfeitamente claro, servindo loteamentos residenciais, operações
especiais como a do Plano de Pormenor da Av. Europa (um sistema de perequação pioneiro em Portugal) e outros pp, grandes
equipamentos e urbanização mais fragmentar. Neste modelo radial, o aumento das áreas urbanizáveis, à medida que nos afastamos
do núcleo central, constitui uma enorme bolsa de solo a que a procura não responde, mas que, ao mesmo tempo, possibilita uma
urbanização por sectores descontínuos.
o caso de portugal
78
[60] viseu, edificado e zonamento (solo urbano e urbanizável)
edificações e vias zonamentos de áreas urbanas e urbanizáveis no pdm rede viária arterial
Ampliando a área territorial em volta do núcleo urbano de Viseu e considerando o solo urbano e urbanizável, a cartografia é bastante
expressiva quanto à metamorfose entre a cidade e o urbano. De facto, com uma tal facilidade de circulação e de encurtamento das
distâncias tempo, a procura de solo para edificação – incluindo fábricas, armazéns, zonas industriais e logísticas, parques empresa-
riais, etc., junto aos nós de acesso das vias arteriais – alarga-se a um território vasto onde os preços, funcionalidades e comodidades
se combinam em equações diversas.
as transformações do território
79
[61] esquema de estrutura urbana na região de viseu.
centros urbanos: complementares / estruturantes / regionais fluxos casa trabalho: 1885–4631 1033–1885 518–1033
eixos urbanos >= 8 hab/ha campos de rio cobertos florestais contínuos usos do solo – zonas industriais
manchas construídas de menor densidade
Alargando ainda mais o âmbito territorial de modo a captar a zona de influência de Viseu, o esquema remete para uma visão chris-
talleriana, definindo uma rede de centros menores (com Tondela e Mangualde situados numa hierarquia intermédia), e uma área de
influência desenhada com base nos movimentos pendulares (ine, 2001). Apesar da extensão e da fragmentação das manchas constru-
ídas de menor densidade, a aglomeração urbana de Viseu possui uma forte expressão de concentração e de aglomeração (a cor verde
corresponde às maiores manchas contínuas de coberto florestal mais ou menos degradado).
o caso de portugal
80
[62] estrutura urbana na região de viseu – variação demográfica 1991/2001
sedes de distrito /sedes de concelho nós viários (propostos) nós viários (existentes) rede viária principal (ip e ic)
rede viária secundária (en e er) rede viária capilar
variação de habitantes 1991–2001: -51 191 – -23 972 -23 972 – -12 651 -12 651 – -2 500 -2 500 – 10 110 10 110 – 31 452 31 452 – 93 981
A importância funcional de Viseu e das cidades ou sedes de concelho envolventes está a produzir um efeito de polarização e de
aglomeração do povoamento. A dimensão e a difusão geográfica das manchas azuis correspondentes aos decréscimos demográficos
na década 1991–2001 resultam da desruralização e do seu efeito de esvaziamento e de envelhecimento numa região que já se carac-
terizou pela sua densidade de povoamento historicamente relacionada com a policultura regada e com o minifúndio.
as transformações do território
81
[63] região de viseu – povoamento e agricultura
sedes de distrito sedes de concelho centros urbanos: complementares / estruturantes / regionais
contiguidades urbanas >= 3 ha clc 2000 – usos do solo agrícola: agricultura com espaços naturais vinhas
culturas anuais associadas às culturas permanentes culturas anuais de sequeiro sistemas culturais e parcelares complexos
A região do Dão-Lafões caracteriza-se por este padrão muito fragmentado que associa povoamento disperso e nucleado, com a corres-
pondente fragmentação de áreas de uso agrícola associadas a esses assentamentos: a policultura tradicional regada, a vinha e, nas mon-
tanhas a Este e Nordeste, os campos de sequeiro. O encaixe da rede hidrográfica e a pobreza do solo, explicam este retalhamento e – ao
contrário do Entre-Douro-e-Minho – o confinamento das manchas agricultadas nos interflúvios, dado o encaixe vigoroso das linhas de
água, o abrupto das margens e a ausência de veigas de fundo de vale. Previsivelmente, quer a manutenção de produção agrícola competi-
tiva – vinho do Dão e pomares, por exemplo –, quer o abandono puro e simples da actividade agrícola tradicional, reduzem a importân-
cia da população que pode viver da agricultura. A estrutura dos rendimentos familiares e as actividades profissionais dos seus membros
combinam toda a espécie de possibilidades: poupanças, reformas, salários na agricultura e fora dela. A mobilidade – seja a de longo prazo
e longa distância, como a emigração com mais ou menos retorno, seja a de todos os dias, facilitada pela rede viária da região – ajuda a
explicar a resistência destas formas e dinâmicas de vida, economia e apropriação do território. As boas condições de mobilidade encolhem
distâncias e variam as oportunidades. A existência/manutenção de uma pequena parcela agrícola cultivada com horta, vinha e/ou pomar,
depende muitas vezes do facto de existir aí uma casa e da possibilidade de se ter um emprego ou outra fonte maioritária de rendimento.
o caso de portugal
82
[64] coimbra, esquema do modelo territorial do pdm de coimbra
limites do núcleo duro aglomerações e contiguidades edificadas rede viária arterial existente e prevista rede viária princ.
A Sul, na margem esquerda do rio Mondego, verificam-se fortes coalescências e contiguidades espaciais entre o perímetro delimitado
a cinza mais escuro e os outros, incluindo as manchas do aeródromo e do parque empresarial. Note-se a extensão Este em direcção ao
Taveiro, nó da a1, um ponto de elevada acessibilidade à rede viária de alta capacidade. A Norte do Mondego a fragmentação urbana
associa-se a estradas nacionais historicamente importantes, a en111, por exemplo, e a nós da rede arterial que ligam o ip3, a a1, e o ic2.
as transformações do território
83
[65] esquema de estrutura urbana de coimbra/baixo mondego
fluxos casa trabalho: 1885–4631 1033–1885 518–1033
centros urbanos: complementares / estruturantes / regionais
eixos urbanos >= 8 hab/ha campos de rio cobertos florestais contínuos usos do solo – zonas industriais
O esquema parte de uma visão christalleriana, definindo uma rede de centros menores (com Figueira da Foz e Cantanhede situados
numa hierarquia intermédia), e uma área de influência desenhada com base nos movimentos pendulares (2001). Note-se a im-
portância das manchas de urbanização ao longo da n1, Condeixa-a-Nova, Coimbra, Mealhada. A Norte do rio Mondego, verifica-se
um retalhamento regular do povoamento e estruturas lineares sobre estradas principais e secundárias. A pressão urbana ao longo
das margens do Campo do Mondego (cor azul) tem já uma expressão bastante definida. A mancha verde assinala a ocupação
dominantemente florestal e desenha alguns contrastes nítidos. A importância da aglomeração funcional de Coimbra em termos de
dimensão e especialização – fileiras do ensino superior, da saúde e da administração pública de nível regional, sobretudo –, ainda é
dominante na estrutura urbana e no mapa do povoamento do Baixo Mondego. Se nos abstrairmos do caso específico da Figueira da
Foz, o mapa traduz já uma tensão muito nítida entre aglomeração, dispersão e fragmentação, e diferentes graus de mistura, ou de
mútua exclusividade entre edificação e uso agrícola.
o caso de portugal
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[66] coimbra/baixo mondego: urbanização e usos agrícolas
perímetros urbanos e urbanizáveis estradas e edificado nós
principais manchas de solo agrícola: solo irrigado do campo do mondego vinha policultura de minifúndio
O desenho é bastante claro quanto à forma desigual da convivência (a paisagem da gândara a Noroeste) ou da separação (as planícies
aluviais do Mondego e afluentes), do retalhamento ou da continuidade, entre usos urbanos e agrícolas. O contraste das cores que
assinalam o edificado (branco) e o potencialmente edificável (roxo) com o pano de fundo dos usos agrícolas e dos negros/cinzas
(matos, incultos, pinhal, eucaliptal), aproxima este padrão de povoamento/urbanização do padrão típico do Noroeste de Portugal.
Repare-se na densidade de nós do sistema arterial rodoviário e na densidade da rede viária menor – das estradas nacionais, à rede
filigranar de outras estradas e caminhos –, que suporta a urbanização em pequenos aglomerados, estruturas lineares e manchas ir-
regulares de importância variável.
as transformações do território
85
coimbra/baixo mondego: amostras de urbanização e usos agrícolas
[67. 68] área de produção vinícola especializada com assentamentos urbanos pequenos e aglomerados
[69. 70] paisagem da gândara: retalhamento fundiário e a edificação ao longo das vias
[71. 72] paisagem do campo do mondego: aglomeração urbana no meio da planície agrícola irrigada
Estas imagens ilustram a diversidade de contextos em que se confrontam os usos agrícolas e a edificação no Baixo Mondego.
A dicotomia clássica rural/urbano está mais presente na relação entre os Campos do Mondego e as suas margens edificadas. No caso
da vinha da zona da Bairrada, começa a adensar-se a malha do povoamento e das vias, mas ainda com um destaque nítido com as
manchas contíguas da monocultura da vinha. Ao contrário, na gândara, a associação entre edificação e minifúndio agrícola é total,
desde a escala do lote, à mancha territorial. As descontinuidades mais nítidas, para além da planície aluvial do Mondego, são a faixa
litoral dos pinhais nas dunas e os vazios de edificação e uso agrícola do sistema colinar da região.
o caso de portugal
86
2. Áreas Metropolitanas
2.1. A área metropolitana por excelência é a AML, onde a estrutura territorial da urbanização é
muito comandada pela cidade-centro, devido sobretudo à concentração e aglomeração de funções
terciárias de grande efeito polarizador como consequência da dimensão, volume de emprego e
intensidade funcional, e produtoras de periferias residenciais mais ou menos extensas.
Neste conjunto de imagens, percebe-se o estilhaçamento do território urbanizado da aml.
Esse território é percorrido por uma imensa rede infra-estrutral (auto-estradas, caminho-de-
-ferro, estradas, ruas, avenidas, energia, telecomunicações, etc.) que tece uma malha de relações e
vivências, e conecta diferentes usos e intensidades de urbanização, desde extensas monoculturas
residenciais de pobres, ricos e remediados, até verdadeiras mega-estruturas onde se concentram o
emprego e as funções não residenciais. Aquilo que foi no passado recente a exportação da indús-
tria pesada para a Margem Sul, está agora a ser o desenvolvimento de uma nova economia que
toma diferentes fisionomias: logística no eixo do Tejo em direcção ao Carregado, serviços avan-
çados junto aos nós da auto-estrada da Costa do Estoril, centros comerciais e novo aeroporto na
Margem Sul, concentrações de actividades ao longo dos nós da a8, etc. Esta mutação vai pertur-
bando a clareza do velho modelo convencional da metrópole: um centro e uma mancha periférica
residencial crescendo em mancha de óleo. Como Lisboa é capital de um país macrocéfalo, a inten-
sidade da terciarização do centro (veja-se a importância do emprego na administração pública)
combina-se com o efeito de capitalidade, aglomerando serviços e empregos públicos e privados
que demandam uma imensa procura de mobilidade quotidiana e ocasional.
O hiper-centro criou uma hiper-periferia e o núcleo central de Lisboa transformou-se numa
congestão permanente que enche e esvazia todos os dias. Esta centralização arrastou um processo
de inflação do custo do imobiliário que dividiu a cidade entre novos ricos e velhos pobres, afastando
as famílias de rendimento médio. Operações urbanas de prestígio como o Parque Expo ajudam a
explicar o recentramento das funções e de quem pode escolher viver no centro.
Com a democratização da auto-mobilidade e a construção da infra-estrutura que permite que
ela funcione, a evolução da cidade para o urbano vai-se processando de maneiras distintas:
*. reforçando a aglomeração do terciário qualificado e da cidade-centro ou
*. distribuindo novos pólos de localização de actividades e empregos junto dos nós de acesso
à rede rodoviária arterial,
*. produzindo formas de crescimento residencial suburbano onde domina a colagem de lotea-
mentos, com rupturas de hierarquia da malha viária entre as vias arteriais e seus nós de acesso,
e os arruamentos produzidos pelas operações urbanísticas (cf. Cavaco, 2010; Morgado, 2004)
as transformações do território
87
*. acumulando fluxos de hora de ponta nos transportes colectivos com os engarrafamentos nas
principais radiais e circulares, ou
*. dissipando movimentos diferentes do tradicional pendularismo centro/periferia.
A cidade confinada transformou-se no urbano desconfinado – a aml –, expandido num territó-
rio extenso e desigualmente construído, descontínuo e estruturado por uma lógica relacional, de
acessibilidade: o que conta é a possibilidade de resolver a melhor localização e a melhor solução de
mobilidade em termos de tempo, custo ou conforto. É claro que o grau de mobilidade, como tudo
em sociedade, está muito desigualmente distribuído, e a cartografia dos movimentos quotidianos
varia entre a rotina dos trajectos clássicos casa-trabalho e o puro zapping. Os hiper-móveis são os
que possuem capital (financeiro, cultural, escolar, social, etc.) suficiente para que possam escolher;
no outro extremo, os hipo-móveis são prisioneiros dos seus lugares de habitação e da mobilidade
condicionada. Para estes, ficar sem emprego e ter que aceitar outro algures, pode constituir um
problema sério: o défice de mobilidade territorial condiciona a mobilidade social. Os movimentos
a que chamamos individuais são, de facto, parcialmente desenhados com lógicas familiares onde
é preciso contar com horários diferentes, pais e filhos que trabalham e/ou estudam em locais
também diferentes, estratégias mais ou menos complexas de resolver a mobilidade, a mudança do
local de residência (tanto mais difícil quanto menor o rendimento), a procura de oportunidades
de trabalho, etc. Não se percebe a mobilidade geográfica sem perceber a mobilidade social.
Dentro desta geografia de relações e de movimentos, o município de Lisboa – o núcleo central
da aml e o seu principal polarizador – não pode ser pensado sem o território a que pertence e que
é o espaço-contentor da teia de relações que tecem o quotidiano e as estratégias de vida. Ora esse
todo encontra-se duplamente estilhaçado:
*. de um lado, pelo somatório dos municípios, desigualmente caracterizados pela maior ou
menor capacidade de investimento e pelo tipo de problemas e potencialidades que detêm.
Num extremo estão os municípios do ciclo vicioso da marginalização que acumulam pouca
receita, pouca capacidade de investimento, reduzido potencial de atracção de actividades e
emprego, e muita pressão sobre investimentos sociais ligados com a habitação, o apoio social,
a mobilidade, a pobreza, etc.; no outro, estão os municípios ricos, melhor infra-estruturados,
com uma maior diversidade social, atractividade e oferta de emprego e serviços. Não havendo
uma entidade metropolitana capaz de redistribuir e aplicar políticas de discriminação positiva,
a equidade torna-se problemática e a lógica da pura concorrência inter-municipal acentua os
trunfos dos ganhadores. Pode ser-se cidadão na Amadora, por exemplo, porque é lá que se
vota, e viver-se o quotidiano em Lisboa onde se é utente, mas não votante (isso explicará a
proliferação das comissões de utentes e a difícil compatibilização com outras organizações da
democracia formal). Nem sempre se pode votar com os pés porque mudar-se envolve custos
que a maioria não suporta;
*. do outro lado está a excessiva sectorialização das políticas que, dos centros de decisão minis-
teriais, distribui e localiza hospitais, infra-estruturas, escolas, universidades, auto-estradas,
etc., cujo efeito de estruturação territorial é enorme, mas cuja lógica quase nunca é urbanística.
Numa frase, um melhor ordenamento do território da aml nem será, com certeza, o somatório
das políticas e planos municipais, nem o somatório das políticas sectoriais. Um plano metropoli-
tano como o prot-aml seria, em teoria, um plano capaz de acertar alguma desta deriva de planos
o caso de portugal
88
e políticas. A questão é que os prot são planos com poder muito reduzido, tutelados pelas ccdr
que, como instituições desconcentradas do Estado Central, dificilmente asseguram a compatibi-
lização das estratégias locais-municipais, com estratégias sectoriais-centrais. O prot-aml é um
plano de natureza indicativa, da responsabilidade da ccdr-lvt que, ora traduz decisões sectoriais
do poder central, ora propõe esquemas que não está em condições de garantir, etc., sem que se
perceba o nível de compromisso a que se pode chegar e a exequibilidade e financiamento do que é
proposto. A Junta Metropolitana é uma associação de municípios com um forte défice de visibili-
dade e de legitimidade política, sem eleição directa, orçamento e poderes próprios.
Um dos maiores problemas de Lisboa (e dos outros municípios da aml) é esta espécie de
descolagem entre um território cuja coerência funcional se articula ao nível da aml, e o mosaico
político-administrativo com geografias variáveis, competências, tutelas e prioridades de investi-
mento também muito distintas. Quem governa o quê, eis a questão. Esta dupla condição – micro
(Lisboa) e macro (aml) – condiciona muito o âmbito das decisões estritamente confinadas aos
limites municipais de Lisboa, uma vez que aquilo que aí se passa resulta necessariamente de dinâ-
micas e processos cuja geografia pertinente é a da aml, mais o facto de que muitas decisões de ele-
vado impacte territorial e urbanístico nem sequer são da responsabilidade da Câmara Municipal.
Em matéria de mobilidade, a convencional dicotomia automóvel/transporte colectivo (e os
juízos de valor que lhes estão associados...) torna-se excessivamente simplificadora face à comple-
xidade da mobilidade. Em termos estritamente físicos, é verdade que os automóveis (em circulação
ou estacionados) ocupam espaço e por isso conflituam com outros modos de transporte. Em con-
trapartida, o automóvel possui uma enorme versatilidade, favorecendo a automobilidade e resol-
vendo aquilo que a rigidez da oferta de transporte colectivo não resolve. Face à inércia da geografia
dos lugares, o automóvel resolve a fluidez da geografia das relações e ultrapassa o atrito do território.
Sabemos pouco sobre a estrutura dos movimentos – de facto, a estatística só contabiliza os
movimentos casa-trabalho ou as contagens de fluxos nas vias principais. Trata-se de uma visão
grosseira e mecânica que não dá conta da complexidade dos movimentos e da sua geografia
(pendulares, ocasionais, diários, semanais, de curto raio ou longo, individuais ou parcialmente
combinados com outras pessoas, com origens e destinos fixos ou organizados em circuitos, etc.).
A democratização do automóvel mudou radicalmente a forma de nos territorializarmos e, se esta-
mos dispostos a suportar longas esperas, é porque isso resultará de alguma ponderação no conjunto
diverso de opções que temos que tomar no dia-a-dia (o contrário, equivale a admitir que somos
pouco racionais e bastante masoquistas). As medidas castigadoras do uso do automóvel penalizam,
sobretudo, quem está no limite de suportar o custo do seu uso (que é já muito elevado, incluindo
seguros, manutenção, combustível, estacionamento); quem tem dinheiro pode sempre pagá-las,
mas socialmente a filtragem é bastante injusta e penaliza aqueles que menos podem escolher.
É preciso recordar que Lisboa é um pólo fortíssimo de atractividade para city users que para aí
se deslocam diariamente ou não, incluindo os turistas. A equação da mobilidade e das injustiças
que ela gera não pode por isso contar apenas com a população residente.
Dentro da complexidade de gestão da mobilidade, a chave poderá, então, estar:
*. na densificação da rede de transporte colectivo em canal próprio,
*. no aumento das possibilidades de escolha dos modos de transporte,
*. no aumento da oferta de estacionamento nos pontos de cruzamento de acesso à malha viária
arterial e às estações do transporte colectivo em canal próprio,
*. numa boa informação sobre alternativas e possibilidades.
as transformações do território
89
No caso do automóvel, uma vez que grande parte dos fluxos tem origem fora do concelho de
Lisboa, seria interessante aumentar os pontos de mudança intermodal para a rede de transporte
colectivo, aumentando a oferta de estacionamento – o chamado park and ride – não só no muni-
cípio de Lisboa como noutros, sobretudo naqueles que possuem uma elevada densidade de nós
de auto-estrada e um fluxo automóvel intenso. Em teoria, fazer coincidir nós de auto-estrada
com acessos a pontos de entrada-saída na rede de transportes colectivos em sítio próprio (metro e
outros), seria uma boa solução para des-pressionar a intensidade de uso do automóvel dentro de
Lisboa. A outra hipótese, também em teoria, seria a de centrifugar parte dos locais de procura de
mobilidade dentro de Lisboa (escritórios, serviços, grandes equipamentos...), variando origens e
destinos e dissipando a geografia dos fluxos da mobilidade.
Não sendo assim, é literalmente impossível querer resolver em Lisboa aquilo que é gerado
num espaço muito maior, isto é, querer resolver ao nível micro aquilo cujo território pertinente
(a escala adequada) é de nível macro. É pior do que meter o Rossio na Betesga. Lisboa continua
a ser a maior concentração funcional do país – desde logo devido à macrocefalia do Estado e da
Administração Pública – e a acumular actividades e serviços estritamente locais e de proximidade
(o café do bairro…), com serviços e infra-estruturas como o porto, o aeroporto, os hospitais cen-
trais, as universidades, os ministérios, as sedes de empresas e grupos económicos, etc., cujo âmbito
territorial é regional, nacional ou internacional. Somando os fluxos do quotidiano de proximi-
dade, com os visitantes ocasionais, os turistas, os estudantes, as pessoas que acorrem aos grandes
serviços públicos (como os de saúde), etc., percebe-se o risco do congestionamento e da implosão.
A regulação dos processos cuja lógica é trans-municipal deve migrar para escalões administrativos
também trans-municipais.
Ilustram-se de seguida as formas (e processos implícitos) dominantes de urbanização em torno
do município de Lisboa, enfatizando os enclaves e descontinuidades e a presença das infra-estru-
turas arteriais de alto débito que viabilizam a extensão e a fragmentação do processo de suburba-
nização, e os mosaicos de urbanização extensiva residencial em moradia isolada e em banda.
o caso de portugal
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[73] aml – edificado 1960–92
as transformações do território
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[74] aml – edificado 1992–2001
o caso de portugal
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[75] área metropolitana de lisboa – cartografia da relação entre áreas urbanas densas e estruturadas e outras situações
1. núcleo central 2. pólo cascais – estoril 3. pólo setúbal – palmela
área edificada consolidada áreas edificadas não estruturadas áreas não edificadas em espaço consolidado
áreas de indústria extractiva grandes equipamentos núcleos edificados em espaço rural áreas florestais
áreas silvestres
12
3
as transformações do território
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[76] área metropolitana de lisboa – usos do solo; margem norte do tejo
área edificada consolidada antiga área multifuncional metropolitana área residencial de edifícios plurifamiliares
área residencial de edifícios unifamiliares área de grandes equipamentos e infra-estruturas
área portuária, industrial ou de armazenagem grandes superfícies comerciais área de extracção de inertes área militar
loteamentos área verde urbana área agrícola área de actividade agrícola abandonada, incultos e vazios urbanos
área de montado área de mato área florestal e matas praias, arribas e formações vegetais costeiras
sapal e outras áreas alargadas planos de água, marinas e salinas
o caso de portugal
94
[77] área metropolitana de lisboa – usos do solo; margens norte e sul do tejo
área edificada consolidada antiga área multifuncional metropolitana área residencial de edifícios plurifamiliares
área residencial de edifícios unifamiliares área de grandes equipamentos e infra-estruturas
área portuária, industrial ou de armazenagem grandes superfícies comerciais área de extracção de inertes área militar
loteamentos área verde urbana área agrícola área de actividade agrícola abandonada, incultos e vazios urbanos
área de montado área de mato área florestal e matas praias, arribas e formações vegetais costeiras
sapal e outras áreas alargadas planos de água, marinas e salinas
as transformações do território
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[78] área metropolitana de lisboa – plano regional de ordenamento do território de 1992
classes de espaço urbano: consolidado não consolidado, a reestruturar, incluindo expansões espaços livres urbanos
industrial a manter, promover ou reconverter equipamentos, metropolitanos e especiais infra-estruturas
turismo, recreio e lazer estrutura verde: indústria extractiva a manter e reconverter agrícola agro-florestal
florestal zonas únicas, paisagens e ecossistemas protegidos
o caso de portugal
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[79] área metropolitana de lisboa – dinâmicas territoriais
limite da aml rede ferroviária fundamental rede viária fundamental
áreas dinâmicas periféricas espaços naturais protegidos espaços motores espaços emergentes espaços problema
áreas críticas urbanas áreas com potencialidades de reconversão e renovação
A Área Metropolitana de Lisboa corresponde a um modelo típico de área metropolitana, com um centro bem definido e um con-
junto de expansões suburbanas com maior expressão na margem Norte do Tejo. A infografia do prot-aml acentua a cor azul a
legibilidade das áreas urbanas consideradas críticas e espaços problema.
as transformações do território
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[80] estrutura polinucleada / centralidades metropolitanas
1. área central de lisboa 2. parque das nações 3. amadora 4. algés – carnaxide 5. oeiras – tagus park
6. almada – monte da caparica 7. barreiro (quimiparque) 8. loures 9. marl 10. odivelas 11. bobadela – alverca
12. pegões – marateca 13. cascais – sintra 14. terrugem – p. pinheiro/sabugo – mem martins 15. azambuja – carregado – ota
16. samora correia/porto alto – benavente 17. montijo 18. coina – pinhal novo 19. seixal 20. malveira 21. vila franca de xira
pólo de torres vedras pólo de setúbal – palmela limite da aml
O esquema gráfico assinala a rede periférica de polaridades, muito densa na margem Norte. Dada a imprecisão do conceito de
centralidade (discutido no capítulo anterior), verificam-se de facto situações muito díspares quanto ao potencial de equilíbrio desta
rede de centros. Não se deve ter uma leitura imediata, associando as novas polaridades à estruturação do território envolvente. Na
realidade o emprego e a capacidade de polarização, que resultam do reforço de uma centralidade, podem complexificar ainda mais
a cartografia das mobilidades no contexto geral da aml, aumentar a polarização sócio-espacial (a centralidade discrimina positiva-
mente, atraindo actividades, emprego e urbanização de melhor qualidade sem resolver o que está à volta), e continuar a expandir e
a fragmentar a influência geográfica da metrópole.
1
137
19
4
16
10
2
148
20
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11
3
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9
21
6
18
12
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[81] prot aml – esquema do modelo territorial (ainda com a solução do nal na ota)
acções urbanísticas: área urbana central a revitalizar área urbana a articular e/ou qualificar área urbana a estabilizar
área urbana crítica a conter e qualificar área urbana a estruturar e ordenar área urbana periferia a estruturar
área turística a estruturar e qualificar área logística a estruturar e ordenar / área de dispersão urbana a controlar
áreas a estabilizar: área agrícola área agro-florestal área florestal área natural
sistema ecológico metropolitano: áreas estruturantes primárias ligações / corredores estruturantes primários
fluxos / ligações a reforçar ou fomentar: principal externa secundária externa principal interna secundária interna
principal centro da aml
Face à clareza dos desígnios que a carta do Modelo Territorial do prot-aml contém, o desafio agora ficará do lado da capacidade
de organização do Estado Central e dos Municípios articularem estratégias e decisões onde os pilares genéricos da sustentabilidade
– económica, social, ambiental – colidem com a tensão entre equilíbrios e desequilíbrios; entre áreas altamente atractivas e áreas
em crise; entre capacidade desigual das finanças municipais, etc. Uma estratégia sem uma regulação politicamente legitimada e
capaz de articular decisões sectoriais – seja ao nível inter-municipal, seja ao nível inter-sectorial na administração central – pode
redundar facilmente em insucesso e numa evolução por pequenas e grandes casuísticas: novos aeroportos e cidades aeroportuárias,
as transformações do território
99
[82] aml – áreas urbanas e urbanizáveis
edificado: até 1970 até 1990 até 2001 infraestruturas: área de grandes equipamentos
área de instalações militares e fortificações área portuária, industrial e de armazenagem
[continuação] plataformas logísticas e empresariais, intervenções pontuais em casos críticos, suportes infra-estruturais da mobi-
lidade e da organização dos transportes, insistência ora num objectivo (competitividade e atracção do investimento e criação de
emprego), ora noutro (recuperação da cidade velha), ou noutro (medidas de defesa ambiental), etc., podem perder a sua articulação
entre projectos excepcionais com grande empenho público e privado e de grande impacte para o futuro, e dificuldades ou impos-
sibilidades face a escassez de recursos ou a ciclos prolongados de crise. Como sempre, a grande escala da urbanização não se regula
por somatórios de políticas municipais, por somatórios de intervenções sectoriais, ou pela acumulação sem fim de regulação avulsa
sobre tudo. Quando a regulação induzida pelo mercado e pelos seus agentes se sobrepõe ao Estado e aos Planos, os objectivos, as
prioridades e a exequibilidade das estratégias, acções e projectos, etc. caminham rapidamente para graus crescentes de entropia.
A aml precisa de uma forma de governo supra-municipal, por mínima que seja, que tenha competências e meios financeiros para
mediar tudo que nem é da escala municipal, nem do somatório das políticas sectoriais do Estado central. Na metrópole macrocéfala
de um Estado centralista, a questão é ainda mais premente.
o caso de portugal
100
[83] aml – usos do solo não edificado
rede viária espaço urbano espaço urbanizável reserva agrícola nacional, outros tipos de solo, área florestal e matas
área agro-florestal sistema húmido sistema dunar praias, arribas e formações vegetais costeiras
sapal e outras áreas alargadas
as transformações do território
101
[84] aml – nós de acesso à rede arterial rodoviária
auto-estradas e vias rápidas outras estradas nacionais e regionais nós das auto-estradas e vias rápidas
distância em minutos: 0–5 6–10 11–15 16–20 21–30 31–45 > 45
o caso de portugal
102
[85. 86. 87] urbanização por enclaves – rede viária arterial, arruamentos dos loteamentos e edificado
as transformações do território
103
o caso de portugal
2.2. Nas conurbações metropolitanas como a do Porto, o modelo metropolitano centro/periferia
combina processos de urbanização extensiva com uma grande centrifugação de manchas de localiza-
ção de actividades, emprego e infra-estrutura que correspondem a diversas escalas e processos de po-
larização e de marcação de efeitos de centralidade mais ou menos importantes e/ou especializados.
conurbação metropolitana do porto – enquadramento nas regiões norte e centro
O núcleo duro da amp desenvolve-se em torno da bacia terminal do rio Douro e do Leça a poente
das serras de Valongo cujo alinhamento no/se se prolonga para Sul do rio Douro. A longa faixa
litoral, muito pressionada pela urbanização, é estreita e rochosa a Sul do Douro, e plana e areno-
sa a Norte, onde se desenvolve uma área importante de produção agrícola (forragem para gado
leiteiro e hortícolas). A faixa montanhosa das serras de Valongo constitui uma barreira bastante
nítida, por onde rompe o corredor urbano e infra-estrutural de Valongo (a4 e caminho-de-ferro)
e a n105 em direcção a Santo Tirso e ao Vale do Sousa.
A actividade agrícola está confinada sobretudo a Norte na faixa litoral onde se concentra a
fileira da produção leiteira associada ao cultivo de milho e forragem. No restante território, a
fragmentação das áreas de minifúndio regado acompanha a própria fragmentação do edificado.
A maior densidade de traçados da rede rodoviária e ferroviária arteriais situa-se na metade
Norte da amp, coincidindo com as principais plataformas logísticas e com a concentração de ac-
tividades de transporte e armazenagem. A elevada densidade de nós de acesso permite, ao mesmo
tempo, uma maior fluidez e pontos de congestionamento e abre várias frentes de pressão de pro-
cura de solos para actividades com elevadas cargas urbanas: plataformas logísticas e actividades
de transporte e armazenagem de mercadorias, zonas e parques empresariais e grandes superfícies
comerciais. Ao longo da a41 e da a4 e seus nós (intersecções com a a29, n13, n14 e a3), verificam-
-se já situações de elevado congestionamento e conflito com a rede de menor capacidade. A Via
Interna de ligação ao Porto de Leixões é a única via rápida fechada que encaminha o tráfego de
pesados directamente do sistema arterial para o porto.
A Sul, a convergência da rede arterial rodoviária faz-se num território muito mais restrito, com
menor conflitualidade e com menor número de nós – convergência dos ic1/a29, a44, ip1 e ip2/n1,
a Norte dos Carvalhos.
A concentração dos principais interfaces logísticos a Norte do Douro pressiona imenso os atra-
vessamentos do Douro (Arrábida e Freixo) e a Via de Cintura Interna com o tráfego de pesados.
O ciclo recente de infra-estruturação pesada (há ainda intervenções de alargamento de antigas
estradas nacionais para um perfil auto-estradal) ligado ao Plano Rodoviário nacional, prn, legou -
-nos um desenho auto-estradal de vias rápidas e uma elevada densidade e proximidade entre nós.
O sistema rodoviário ficou assim demasiado polarizado entre estas vias e traçados de alta capaci-
dade, e a rede fina de ruas e estradas urbanizadas. Falta explicitar uma rede intermédia de âmbito
inter-municipal capaz de desenhar uma malha que, ao mesmo tempo, sirva como catalisadora de
desenho urbano e aumente e dissipe as possibilidades de acessibilidade em relação aos nós (por
exemplo, as vl de V. N. Gaia). A articulação de rede arterial com as novas Plataformas Logísticas
deveria também ser pensada no âmbito da estruturação urbana da envolvente, dado o elevado
potencial de acessibilidade desta zona.
Como aconteceu no passado, a demasiada sectorialização das obras públicas (portos, aeropor-
tos, auto-estradas, comboio, etc.) impede a articulação das políticas urbanísticas. Ora, tratando-
se de projectos com um elevadíssimo poder de polarização e de elevado impacte urbanístico, as
104
as transformações do território
[88] núcleo central da conurbação metropolitana do porto
área serviços área logística área logística – prevista área industrial área industrial – prevista logística / serviços
Para além do retalhamento da urbanização extensiva à volta do Porto, deve salientar-se, a vermelho, a proliferação das aglomerações
de actividades industriais, logísticas e de serviços de dimensão variável; a maior concentração verifica-se a Noroeste do Porto entre
o Porto de Leixões, o aeroporto e a Zona Industrial da Maia.
105
razões urbanísticas seriam ainda mais fortes e exigiriam uma negociação mínima no âmbito me-
tropolitano. Não existindo, tudo fica pulverizado em somatórios de efeitos locais (micro) de inter-
venções de escala alargada (macro), no meio de uma certa amnésia política onde não se encontram
municípios nem tutelas do Estado Central. Num cenário de project financing, o autismo urbanís-
tico destas grandes operações ainda pode ser maior, aumentando a fragmentação da urbanização.
A amp possui uma experiência muito interessante de qualificação urbanística relacionada com
o projecto do metro. No entanto, tal como no caso anterior, a política da infra-estrutura de mobi-
lidade tem que ter uma estratégia de nível metropolitano, trabalhar melhor a intermodalidade e,
sobretudo, fazer-se acompanhar de opções urbanísticas claras.
As duas figuras anteriores enfatizam a relação entre os materiais pesados da urbanização e a
rede viária arterial. Por materiais pesados entende-se a aglomeração de funções de elevado carácter
polarizador, indutoras de mobilidade, e com uma dimensão excepcional (mega-estruturas). Essas
funções classificam-se em três grupos:
*. os serviços avançados e/ou de grande escala (hospitais centrais, universidades, centros e
grandes superfícies comerciais, serviços avançados prestados às empresas). Exemplos: zona
da Asprela, centro do Porto, área da Boavista, Zona Industrial de Ramalde (pelo seu potencial
futuro no eixo Boavista-Aeroporto), Senhora da Hora, Arrábida, Gaia-Shopping, etc.;
*. actividades e infra-estruturas logísticas. Exemplos: Leixões-Aeroporto, Gatões, zonas indus-
triais de Gaia entre o ic2 e o ip1, Alfena, etc.;
*. actividades industriais com mistura de armazenagem e logística. Exemplos: Refinaria, Zona
Industrial da Maia, eixo da n14/n13, Zona Industrial de Vila do Conde (Lactogal/Mindelo),
Zonas Industriais de Gaia, etc. Fora do núcleo central, podem-se observar também as maiores
concentrações industriais nos Vales do Sousa e Ave.
O maior eixo de concentração encontra-se sobre o eixo litoral (Gaia, travessia da Arrábida, Zona
Industrial de Ramalde, Leixões, Aeroporto) onde também se localizam os principais interfaces
logísticos, centros comerciais, armazenagem e transitários. Esta questão é muito relevante uma vez
que o núcleo duro da amp é a placa giratória internacional de uma economia regional muito ex-
trovertida (importação e exportação). O fluxo de pesados e mercadorias é muito intenso, tal como
são mais problemáticos os impactes urbanísticos das actividades associadas à logística.
O eixo da a41 apresenta-se já também bastante pressionado e com um potencial de oferta de solo
para actividades muito grande. Sobre a vci, a questão do congestionamento é já muito problemáti-
ca, sobretudo entre o nó com a a29 e o nó das Antas. Em Vila Nova de Gaia, para lá do eixo entre o
Arrábida Shopping / Devesas e Nó da Arrábida, verifica-se um potencial de desenvolvimento junto
da zona de intersecção da a29, a44 e a1 com uma grande disponibilidade de solo para actividades.
Estes exemplos contribuem para a clarificação de uma cartografia de polaridades (também de
pontos máximos de acessibilidade e de conexão da rede arterial viária) onde se articula a grande
escala da urbanização (escala regional, macro), com situações locais mais ou menos problemáticas
do ponto de vista urbanístico. Trata-se de verdadeiros problemas metropolitanos a que habitu-
almente não é dada a mesma atenção e que terão que integrar as soluções de intermodalidade
relacionadas com o transporte de pessoas.
o caso de portugal
106
[89] conurbação metropolitana do porto (contexto regional) – densidade demográfica (2001)
contiguidades: 0–4,999 5–9,999 10–14,999 15–19,999 20–79,999 80–189,999
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[90] conurbação metropolitana do porto – variação da população residente 1991–2001
contiguidades: 0–4,999 5–9,999 10–14,999 15–19,999 20–79,999 80–189,999
As cartas representam as contiguidades edificadas (máximo de 100 metros de distância entre edifícios), com a densidade populacio-
nal (ine, 2001) representada em seis classes, variando entre valores de 0–5 e 80–190 habitantes/ha. Apesar da definição da mancha em
torno do Porto (com Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar, a Norte do Douro e Vila Nova de Gaia, a Sul), é impossível estabelecer
limites formais da aglomeração metropolitana, uma vez que ela se estende sem solução de continuidade para Sul (nut Entre-Douro-
-e-Vouga) e para Norte (nut Vale do Sousa e Médio Ave). A variação demográfica não segue o modelo radio-concêntrico em
mancha de óleo. Regista-se a perda populacional do centro do Porto – apesar de continuar com a máxima densidade – e o cresci-
mento quer nos municípios contíguos ao Porto, quer na restante região urbanizada.
o caso de portugal
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[91] área metropolitana do porto – carta do edificado
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[92] principais áreas florestadas / principais manchas agrícolas
manchas florestais manchas agrícolas
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[93] vias e principais manchas urbanizadas (norte)
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[94] área metropolitana do porto (núcleo central): vias principais e redes secundárias
O sistema de vias arteriais rodoviárias que fazem parte do Plano Rodoviário Nacional (a vermelho) percorre o território urbaniza-
do, fechando num anel interior – a Via de Cintura Interna e respectivos nós – onde se amarram todas as ligações à rede nacional.
A Norte, o traçado longitudinal da a4 e da a41 cruza as auto-estradas para Norte – a28 e a3 – e o novo percurso que atravessa o rio
Douro a poente já na zona menos edificada de Gondomar/Valongo. Em Vila Nova de Gaia convergem as auto-estradas que ligam
para Sul e que atravessam o Douro na Arrábida, Freixo e a montante da barragem Crestuma/Lever (em construção). Para além de
outras mobilidades, este sistema arterial drena também o tráfego de veículos pesados que demandam as principais plataformas lo-
gísticas – porto de Leixões e aeroporto Francisco Sá Carneiro –, e que asseguram o movimento de mercadorias em todo o Noroeste
industrializado, especialmente nas nut Ave, Sousa e Entre-Douro-e-Vouga e ligações a Sul e à Galiza.
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[95] amp (núcleo central) – cartografia da mancha urbanizada
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[96] amp (núcleo central) – simplificação da cartografia da mancha urbanizada
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[97] padrões estruturantes da urbanização (manchas, nós e eixos urbanos)
área industrial área industrial prevista área logística área logística prevista área serviços logística / serviços
Sobre a mancha amarela das contiguidades do edificado e a representação da malha arterial rodoviária, as manchas em laranja/
vermelho assinalam as maiores concentrações de actividades, infra-estruturas e emprego relacionadas com os serviços, a indústria
transformadora e as actividades logísticas. Estes são os materiais pesados da macro-estrutura urbana.
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[98] materiais pesados – cartografia simplificada
área industrial área industrial prevista área logística área logística prevista área serviços logística / serviços
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[99] nó auto-estradal a28/a41 na zona do aeroporto
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[101] vias e materiais pesados
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[100]
118
3.
Conurbações não metropolitanas
conurbações urbano-industriais
No seu “Mappa de Portugal Antigo e Moderno”, em 1762, dizia João Baptista de Castro a propósito
da Província do Minho e do seu povoamento:
...são seus habitantes de fecundíssima propagação e larga vida; e até nos tempos, que a natu-
reza constitue estéreis, são aqui fecundas as mulheres (…). Basta dizer, que da gente innume-
ravel, que não póde sustentar este Paiz, se tem povoado o mundo, e com especialidade o Brasil,
e as Minas, e que he mais a gente, que a terra, onde não há parte alguma, em que se não ouça
tanger algum sino, e cantar hum galo. Parece toda a Província huma Cidade continuada...
Uma “cidade continuada” é cada vez mais a imagem da conurbação, forma e processo bastante
mais complexos do que a metáfora simples da “mancha de óleo” que vai alastrando por círculos
concêntricos e manchas contíguas até encontrar outras, coalescendo então até formar uma “mega-
lopolis” como a que o geógrafo Jean Gottmann (Gottmann, 1961) estudou nos anos de 1950 entre
Boston e Washington (hoje esta imensa constelação urbana atinge cerca de 50 milhões de pessoas,
17% da população dos eua em 2% do território).
No Noroeste urbanizado de Portugal a conurbação prossegue a par e passo com a dupla meta-
morfose do urbano e do rural, numa matriz geográfica que herdou do passado longínquo a lógica
do povoamento denso e disperso e a escala miúda do minifúndio. Recentemente chegaram as
auto-estradas e à medida que a sociedade intensifica o uso das suas próteses tecnológicas para
vencer o atrito da distância, a “cidade” – entendida como intensificação de vida em conjunto e da
sua organização – continua algures na sua geografia instável e mais ou menos trivial. Entretanto, a
lógica da globalização e das políticas da eu, remeteram a agricultura familiar para uma importân-
cia residual. Perdida a importância económica – o pib da agricultura em Portugal está abaixo dos
3% –, por defeito, tudo é urbano com maior ou menor conurbação.
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[102]
densidade demográfica 2001 (hab/ha): 0–4,999 5–9,999 10–14,999 15–19,999 20–79,999 80–189,999
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[103] conurbação urbano-industrial – vale do sousa
1. santo tirso 2. paços de ferreira 3. lousada 4. vizela 5. paredes 6. penafiel 7. marco de canaveses 8. felgueiras
densidade de população 2001: 0–4,99 5–9,99 10–19,99 20–39,99 40–163,69
Caracterizadas por processos de urbanização extensiva e pontuadas por uma rede muito diversa de centralidades e de polaridades
(cidades antigas e suas extensões, vilas, condensações funcionais junto de nós de auto-estradas, densificações axiais do tipo estrada-
rua, etc.), estas conurbações não constituem uma área metropolitana nem possuem um centro urbano hegemónico em termos
funcionais. As nucleações mais densas correspondem quase sempre a aglomerações de funções e de emprego nos serviços públicos
e privados; as estruturas lineares, às estradas nacionais e sua diversidade funcional e de usos; a mancha mais pulverizada tem como
base o modelo convencional do povoamento disperso do Entre-Douro-e-Minho, agora sem o suporte económico da agricultura.
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[104] conurbação do vale do ave
1. vila nova de famalicão 2. guimarães 3. trofa 4. santo tirso 5. vizela 6. paços de ferreira 7. lousada
hierarquias urbanas: densidade >= 20 hab/ha densidade 20 >= 15 hab/ha densidade < 15 hab/ha
perímetros industriais (ccdrn)
As manchas assinalam contiguidades urbanizadas, distinguindo-se as principais áreas industriais e respectivos zonamentos a roxo.
Esta constelação de zonas industriais continua a ser um dos suportes principais do emprego e da capacidade de fixação do povoa-
mento. O reforço do sector terciário nas sedes de concelho (todas as áreas escuras, excepto as duas menores) é o outro pilar desta
economia/território. Em todo o caso, a proximidade física e a facilidade de deslocações criam um contexto de quase indiferença
locativa, explicando a pressão contínua sobre as áreas urbanizáveis mais ou menos densas, mas também sobre o território ex-rural,
agora com um valor económico muito reduzido devido à forte mercantilização e globalização dos mercados dos produtos agrícolas.
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[105] conurbação do vale do ave
1. vila nova de famalicão 2. guimarães 3. trofa 4. santo tirso 5. vizela 6. paços de ferreira 7. lousada
edificado perímetros industriais rede viária: nós rede viária principal (igeoe) ip e ic (prn2000)
ip e ic novo traçado (prn2000) en e er (prn2000) rede capilar (igeoe) rede ferroviária (refer)
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[106] conurbação do vale do ave
1. vila nova de famalicão 2. guimarães 3. trofa 4. santo tirso 5. vizela 6. paços de ferreira 7. lousada
densidade população 2001 (hab/ha): 0–4,99 5–9,99 10–19,99 20–39,99 40–163,99
perímetros industriais (ccdrn) manchas agrícolas
Estas imagens revelam o detalhe da urbanização e o seu carácter gaseificado. O sistema rodoviário de alta capacidade e respectivos nós
permite uma elevada fluidez, facilitando a mobilidade de médio e longo raio. as manchas de solo com uso agrícola – muito fragmentadas
também – coincidem com a urbanização, enquanto que as principais descontinuidades entre a urbanização extensiva e o não-edificado
se verificam a partir dos 300 m, ou abaixo dos 300 m, em situações onde o solo é pobre ou inexistente, onde se verificam afloramentos ro-
chosos e existem cobertos de matas e pinhais mais ou menos degradados. As lógicas do tempo longo herdadas do padrão de povoamento
e da organização da economia agrícola explicam ainda esta situação – densificou-se o tradicional povoamento disperso e denso próprio
do minifúndio agrícola do Entre-Douro-e-Minho (o que já tinha acontecido com a industrialização a partir do meados do século xix)
que se organizava a partir de um elevado grau de promiscuidade de usos: a casa convivia com arrecadações, adega, armazéns e lojas para
animais, e situava-se na própria parcela agricultada que geralmente se reservava para horta e algum pomar de fruta. Não havia propria-
mente aldeias, mas lugares, casais, quintas, alinhamentos de casario ao longo de caminhos, etc. Os fundos de vale e meia encosta, recor-
tados em socalcos, eram servidos por regadios comunitários e os matos, lenhas, e pastagens, ocupavam os baldios íngremes, pedregosos,
isto é, terrenos marginais impróprios para resolver a fome de terra que se fez sentir durante séculos. São estes terrenos marginais que ago-
ra se pode verificar no mapa 107 com cor verde tracejada. A manutenção das suas qualidades bio-físicas e produtivas é hoje problemática
devido ao baixo preço da madeira, ao abandono, e, por isso, à progressão de espécies infestantes e ao aumento do risco de incêndio.
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[107] conurbação do vale do ave
manchas florestais agricultura com espaços naturais culturas anuais com ass. às culturas permanentes
culturas anuais de regadio sistemas culturais e parcelares complexos vinhas
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[108] região centro – mancha de povoamento segundo a densidade populacional
densidade demográfica 2001: 0–7,9 hab/ha | 773 019 hab 8–14,9 hab/ha | 564 194 hab 15–19,9 hab/ha | 143 212 hab
20–29,9 hab/ha | 173 015 hab 30–79,9 hab/ha | 130 066 hab
Na Região Centro verifica-se claramente uma dicotomia nos padrões de urbanização: nas nut do Litoral e região de Viseu, verificam-
se padrões e processos de conurbação semelhantes aos descritos acima, embora de menor densidade; no restante território domina a
rarefacção, a baixa densidade e a aglomeração. Nestes territórios em perda e exceptuando a rede esparsa das cidades principais e sedes
concelhias, continua a desruralização por abandono, com o seu rastro de efeitos colaterais: o despovoamento e o envelhecimento.
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[109] região centro – principais aglomerações de emprego e povoamento
contiguidades >=128ha áreas de concentração de emprego 0 5 001–7 500 7 501–15 000 15 001–30 000 30 001–50 000
50 001–60 000 unidades funcionalmente relevantes
Cartografando apenas os territórios de maior intensidade de urbanização (densidade demográfica, oferta de emprego e extensão
das principais manchas edificadas), o contraste dos contextos urbanos da Região Centro é nítido: uma conurbação na envolvente
da Ria de Aveiro, continuando-se até Coimbra; outra em torno de Leiria-Marinha Grande; uma outra em torno de Viseu. No resto,
aparece com nitidez a dimensão dos aglomerados urbanos da Guarda, Covilhã/Fundão e Castelo Branco, e sobretudo, a rarefacção
urbana do território.
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[110] leiria, evolução do edificado 1975–2005
até 1975 1975–2005
Usando uma escala apropriada e detalhe suficiente, Leiria é um caso evidente da evolução do modelo da cidade confinada para
a conurbação (mapa anterior), tendo como motor as indústrias transformadores e a expansão do comércio e dos serviços a partir
da década de 1980. O povoamento tradicional disperso, a localização industrial difusa, o efeito da passagem da n1, a topografia e o
minifúndio ajudam a explicar este padrão de crescimento urbano, ora concentrado junto ao núcleo urbano antigo, ora alinhado ao
longo das estradas, ora por pequenas expansões e crescimento intersticial ou junto de aglomerados preexistentes. Repare-se na im-
portância da topografia e dos traçados viários que agora condicionam diferentemente a urbanização extensiva: no limite das veigas
estreitas do rio Liz e afluentes, permanece o código genético do antigo país rural e do seu povoamento mais denso explicado pelo
regadio; nas cotas superiores é o sequeiro pobre ou o olival que explicavam a maior rarefacção dos assentamentos. Terminada esta
lógica, são a estrada e a mobilidade que comandam a pressão construtiva.
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[111] esquema de estrutura urbana de leiria/marinha grande no contexto da nut pinhal litoral, e relação com o solo agrícola
contiguidades urbanas >= 3 ha uso solo agrícola: agricultura com espaços naturais
culturas anuais associadas às culturas permanentes culturas anuais de regadio culturas anuais de sequeiro olivais
pomares sistemas culturais e parcelares complexos vinhas
A esta escala, Leiria, Marinha Grande, Porto de Mós, Batalha e Pombal formam um continuum edificado ao longo de rede fina de
vias, fruto da densificação das formas tradicionais de povoamento rural. A Sul de Leiria, até Porto de Mós, o povoamento mistura-
-se com a zona de pomares, olival e vinha à mistura com parcelas de policultura de regadio; a mancha longitudinal da Veiga do Liz,
a jusante de Leiria, define um território como o do Baixo Mondego de uso agrícola contínuo com edificação ao longo das margens;
mais para Norte, entre os pinhais dunares do litoral e Pombal, a escassez e o retalhamento do solo agrícola são agora a matriz de uma
urbanização quase pulverizada e que parte de um elemento mínimo: a parcela (agricultada ou não) e residência.
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[112] esquema de estrutura urbana de leiria/marinha grande no contexto da nut pinhal litoral, e relação com o solo agrícola
fluxos casa trabalho: 1885–4631 1033–1885 518–1033 centros urbanos: complementares / estruturantes / regionais
eixos urbanos >= 8 hab/ha campos de rio cobertos florestais contínuos usos do solo – zonas industriais
O esquema parte de uma visão christalleriana, definindo uma rede de centros menores (com Marinha Grande e Pombal situados
numa hierarquia intermédia), e uma área de influência desenhada com base nos movimentos pendulares (ine, 2001). Note-se a
importância do rendilhado das manchas de edificação que acompanham a rede viária entre a mancha contínua do pinhal litoral e
os relevos montanhosos a nascente (cor verde).
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3.2. Conurbações urbanas não industriais
O exemplo do Litoral Algarvio corresponde a um caso muito específico de conurbação, exacta-
mente pelo facto da lógica da colonização recente do território ser activada pela fileira da econo-
mia turística. O mosaico da urbanização alterna padrões mais ou menos convencionais – cidades
e suas expansões, povoamento disperso ou aglomerado de média-baixa densidade com raiz no
povoamento rural – e novos padrões de urbanização atípicos resultantes das múltiplas tipologias e
escalas da urbanização turística: resorts, golfes, aldeamentos, parques temáticos, vivendas disper-
sas, frentes de mar, etc.
A especificidade do processo e do padrão de urbanização associado ao turismo deve-se, quer
às mudanças nas procuras/ofertas turísticas, quer à importância que os factores paisagísticos pos-
suem em termos de atractibilidade e pressão de uso e edificação. Contrariamente a outros padrões
de urbanização existe aqui uma outra relação com os aglomerados preexistentes ou com os facto-
res de acessibilidade.
Consultando os critérios de classificação dos Padrões de Ocupação do Solo e Ocupação Edifi-
cada no Espaço Rural (prot Algarve, 2004), facilmente nos damos conta das dificuldades em clas-
sificar e representar (e regular, por arrastamento) aquilo que é de facto a urbanização/edificação
que o turismo produz. A classificação da urbanização/edificação reparte-se por categorias que:
*. ora definem um grau de contiguidade/compactação do edificado – áreas urbanas compac-
tas, fragmentadas, dispersas;
*. ora remetem para as formas urbanas antigas como as áreas históricas especiais,
*. ora se classificam pelo facto da ocupação do solo ter sido de base rural ou rústica – o barrocal
e o litoral algarvios tiveram, de facto, padrões muito estáveis de ocupação agrícola e de povoa-
mento que hoje estão quase extintos como a policultura de sequeiro (amêndoa, figo, cereal) ou
regada (horta) no minifúndio do barrocal; a agricultura tradicional de sequeiro (cereais); ou a
[113] albufeira, norte
as transformações do território
131
agricultura especializada da qual restam alguns laranjais e hortícolas. Desde a recuperação de
casas tradicionais, até aos aldeamentos e resorts ou complexos hoteleiros e golfe…, tudo isto
pode colonizar o ex-rural em imensas possibilidades de combinação;
*. ora remetem para vazios (em construção ou sem construção) intersticiais, entre terrenos ou
lotes já edificados;
*. ora remetem para uma categoria de áreas turísticas com definição de tipologias (moradias,
multifamiliares, com golfe…);
*. ora remetem para elementos isolados com nome próprio – hotel e apartohotel;
*. ora se desloca a edificação – que supõe um elevado grau de artificialização e construção e é
igualmente dependente da fileira turística – para a categoria de Equipamento: desportivo, golfe,
marina, parque temático, parque de campismo, hospital;
*. idem, deslocado para a categoria Infra-estruturas, como aeroporto e porto;
*. idem para Indústria, armazenagem, comércio e logística, remetendo para uma categorização
funcional que noutros espaços urbanos ou edificados pode estar mais ou menos compacta, frag-
mentada ou dispersa;
*. ou, finalmente, ainda pode ir para uma categoria de Área Agrícola, subdivisão Policultura
com habitação dispersa baixa densidade.
São quase 30 categorias, com muitas possibilidades de sobreposição, numa situação em que a
ilusão de rigor que explica a categorização fina das classificações acaba, de facto, por omitir o todo
que é a importância avassaladora do turismo e as suas múltiplas formas, escalas, contextos, edi-
fícios, etc., ou seja, o papel de uma fileira económica na produção de território e de urbanização.
Aplicado ao caso de Albufeira, dos cerca de 62% de solo com edificação, 25,2% estão distribu-
ídos em Áreas Edificadas Dispersas, e 21,2% em Agricultura/Policultura com Habitação Dispersa.
[114] albufeira sudoeste, galé
o caso de portugal
132
as transformações do território
classe
AE Áreas Edificadas
Áreas urbanas compactas
Áreas urbanas fragmentadas
Áreas edificadas dispersas
Tipo 1 – 2 a 10 edif./25 ha
Tipo 2 – 11 a 50 edif./25 ha
Tipo 3 – 51 a 100 edif./25 ha
Núcleos em espaço rural (rústico)
Tipo 1 – até 10 edif./25 ha
Tipo 2 – 11 a 50 edif./25 ha
Tipo 3 – 51 a 100 edif./25 ha
Área histórica especial
Espaços vazios em construção
Espaços vazios sem construção
Áreas turísticas de moradias
Áreas turísticas de moradias com golfe
Áreas de edifícios turísticos multifamiliares
Hotel/Apartohotel (como elemento isolado)
EQ Equipamentos
Complexos Desportivos
Golfe
Marinas
Parques temáticos
Parque de campismo
Hospitais
IF Infra-Estruturas
Instalações aeroportuárias
Parques eólicos
Portos
IE Industrias Extractivas
Áreas de extracção de inertes >= 10 ha ou 25 ha?
IN Indústria, armazenagem, comércio e logística
AA Áreas Agrícolas
Pomar/Vinhas
Áreas de sequeiro (culturas arvenses)
Áreas de policultura
Horto-frutícolas e estufas
Baixas aluvionares
Policultura com habitação dispersa baixa densidade
subclasse
aec
aef
aed
aer
aeh
evc
evs
atm
atg
atc
ath
eqd
eqg
eqm
eqt
eqp
eqh
ifa
ife
ifp
iex
aav
aas
aap
aah
aaa
aad
Quadro 4. PROT Algarve – Padrões de ocupação do solo e ocupação edificada no espaço rural
133
o caso de portugal
% concelho
41,10
5,06
25,16
0,70
1,60
3,15
3,30
2,13
0,41
0,05
0,31
0,05
0,07
0,95
0,32
1,80
49,97
6,13
21,15
13,88
8,81
4,85
0,55
hectare
5786
712
3543
958
2558
27
98
226
443
464
300
58
8
43
7
10
10
134
134
45
254
7036
863
2978
1955
1241
683
77
classe
ae
aec
aed
aed1
aed2
aed3
atg
ath
atm
evc
evs
eq
eqm
eqg
eqa
if
ifp
ie
iex
in
af
aa
aaa
aad (policultura e hab. dispersa)
aap
aav
asm (areas silvestres – matos)
pr (praias e dunas)
Quadro 5. PROT Algarve – Estatísticas para o concelho de Albufeira
134
[115. 115] prot – algarve, cartografia das áreas edificadas. litoral algarvio – manchas de edificação segundo diferentes critérios
unidades territoriais: litoral sul e barrocal baixo guadiana serra
áreas edificadas: densificação de nível 1 (compactas) densificação de nível 2 (fragmentadas / uni e multifamiliares)
densificação de nível 3 (núcleos rurais/dispersas) rede rodoviária existente rede ferroviária existente
sede de concelho sede de freguesia
Comparando os dois mapas, pode constatar-se a dificuldade em estabilizar uma cartografia e uma legenda únicas para os espaços
urbanizados.
espaços urbanos e urbanizáveis espaços de ocupação turística espaços industriais, comerciais e serviços
espaços de indústria extractiva espaços agrícolas espaços florestais e agro-florestais
espaços naturais e de equilíbrio ambiental espaços naturais e de equilíbrio ambiental – 2
espaços de infra-estruturas e equipamentos
as transformações do território
135
[117] prot – algarve, cartografia das áreas edificadas
unidades territoriais: litoral sul e barrocal baixo guadiana serra costa vicentina
áreas edificadas: densificação de nível 1 (compactas) densificação de nível 2 (fragmentadas / uni e multifamiliares)
densificação de nível 3 (núcleos rurais/dispersas) rede rodoviária existente rede ferroviária existente
sede de concelho sede de freguesia
As manchas a azul e laranja assinalam extensões de urbanização relacionadas com a ocupação turística ou com a transformação do
edificado rural tradicional por residência turística de baixa densidade.
o caso de portugal
137
contextos do tipo – cidade confinada ao concelho de pertença
Modelo-tipo de município em que, no padrão e processo de urbanização, se aprofunda a dualiza-
ção entre a cidade histórica e a emergente (não cobre os casos dos municípios da primeira coroa
aml e amp, onde as especificidades locais/municipais estão sujeitas a maiores pressões de transfor-
mação de escala metropolitana).
Tendência: aprofundamento da dualização entre a cidade consolidada e as suas extensões
próximas, por um lado, e o resto da urbanização, por outro. Esta tendência reflecte-se:
*. na patrimonialização da cidade antiga – centro histórico – e medidas de excepção, articu-
lando programas, projectos, planos, recursos e actores públicos e privados (procom, urbcom,
eventualmente, polis, planos especiais de valorização urbanística, novos equipamentos e recu-
peração de outros, embelezamento urbano, planos de mobilidade e estacionamento, etc.). Fora
do contexto habitual Centro Histórico e do programa polis, ou não existem realizações urba-
nísticas de vulto (exceptua-se, claro a infra-estrutura rodoviária, das variantes e circulares e
seus nós), ou prossegue a colagem de loteamentos e pp ou pu de pequena expressão territorial;
*. no uso de regulação genérica para a outra urbanização (rmeu, loteamento, licenciamento de
obras particulares…) e projectos sectoriais de tipo extensivo (infra-estruturação, saneamento
e vias); a distribuição de equipamentos de nível concelhio (ensino, saúde, acção social, des-
porto, promoção cultural, jardins e parques) segue ainda uma lógica de freguesia;
*. na discriminação positiva de outras polaridades urbanas que não a sede concelhia (quando
a estrutura do povoamento é muito clara), habitualmente contempladas com pu e outro pla-
neamento formal ou informal (estudos urbanísticos); as polaridades emergentes (aglomeração
de actividades junto a nós do sistema arterial rodoviário) são frequentemente entendidas em
plano como simples zonamentos industriais, zonas mistas ou equipamento;
*. na resposta casuística a oportunidades públicas (novos nós e eixos viários, o mais corrente)
e privadas (promoção de loteamentos industriais e outras operações urbanísticas de excepção
pela sua dimensão e/ou impacte social e económico – ale, pin, Parques Temáticos, etc.);
*. na sectorialização da gestão municipal (dos serviços, da divisão entre planeamento e gestão,
da criação de empresas municipais); da excessiva separação entre a esfera política e técnica; do
excessivo enquistamento dos sig municipais, mais envolvidos em acções pontuais (revisão de
pdm) ou como suporte informático para o licenciamento e informações on-line, do que num
processo contínuo de monitorização das dinâmicas de transformação do território.
Leitura crítica
138
[118] urbanização no vale do sousa – mancha edificada e relação com vias, usos industriais e agrícolas
1. santo tirso 2. paços de ferreira 3. lousada 4. vizela 5. paredes 6. penafiel 7. marco de canaveses 8. felgueiras
edificado perímetros industriais
1
7
4
2
8
5
3
6
as transformações do território
139
[119] urbanização no vale do sousa – mancha edificada e relação com vias, usos industriais e agrícolas
1. vila nova de famalicão 2. guimarães 3. trofa 4. santo tirso 5. vizela 6. paços de ferreira 7. lousada
hierarquias urbanas: densidade >= 20 hab/ha densidade 20 >= 15 hab/ha perímetros industriais (ccdrn)
agricultura com espaços naturais culturas anuais ass. às culturas permanentes culturas anuais de regadio
sistemas parcelares e complexos vinhas
1
7
4
2
5
3
6
uma leitura crítica
140
[120]
A imagem enfatiza a diversidade da geometria e da dimensão do cadastro. A urbanização resulta de uma colagem de loteamentos e
construções em pequenos lotes que vai colonizando a estrutura rendilhada das vias preexistentes e do minifúndio.
as transformações do território
141
contextos do tipo – conurbações e áreas metropolitanas
Nível inter ou supra-municipal – conurbações metropolitanas e não metropolitanas
As gamp e outras Associações de Municípios não possuem estratégia de estrutura territorial e
respectivas orientações em termos do ordenamento municipal. Exceptua-se o caso do prot-aml,
mais coerente ao nível do diagnóstico e da proposta do que ao nível da garantia de articulação das
políticas inter-municipais e das políticas sectoriais que o prot preconiza, quer para as decisões do
Estado Central, quer para as dos Municípios.
Tendência: aprofundamento da dualização entre município central e primeiras e segundas
coroas (mais claro na aml). Esta tendência reflecte-se:
*. na patrimonialização da cidade antiga – centro histórico – e medidas de excepção, articu-
lando programas, projectos, planos, recursos e actores públicos e privados (procom, urbcom,
eventualmente, polis, planos especiais de valorização urbanística/projectos urbanos, novos
equipamentos e recuperação de outros, embelezamento urbano, planos de mobilidade e estacio-
namento, etc.), re-usos de áreas desvitalizadas. Os casos de Lisboa e Porto são muito diversos,
com espacialidades e programas muito variados, registando oportunidades e tendências como
os centros históricos ou as frentes ribeirinhas. O divisor comum é a excepcionalidade dos pro-
jectos/programas, o volume dos investimentos, a inovação nas formas de regulação e o empe-
nhamento directo do Estado Central (na expo, em Alcântara xxi e futura intervenção em solo
apl, nas Antas-Porto, na Porto 2001, etc.). Na aml, particularmente em Lisboa, a centralização
do Estado e da Administração Pública e a tendência macrocéfala acentuam a sectorialização,
a excepcionalidade e a mobilização de recursos públicos e privados em operações urbanas de
grande escala (como foi o caso da expo e será, na Margem Sul, o novo aeroporto nal);
*. nas coroas metropolitanas, as tendências podem agrupar-se em famílias distintas uma vez
que não se trata de áreas homogéneas, como muitas vezes é sugerido pelo uso de expressões
genéricas como subúrbio, periferia, área de expansão urbana, etc.:
. intervenções sectoriais guiadas por programas nacionais, dirigidos à coesão social e, em
particular, ao alojamento (per, proqual);
. oportunidades de reurbanização de áreas industriais tornadas obsoletas (dismesse, brown-
fields, vazios urbanos, terrains vagues…) mas bem conectadas ao sistema arterial de mobi-
lidade (margem Sul aml, Matosinhos-Sul, Senhora da Hora) – o dismesse na amp não
tem a mesma importância e expressão que na aml (composta por áreas mais pequenas e
territorialmente mais fragmentadas); no limite é um dismesse difuso como o da indústria
têxtil e metalomecânica de primeira geração;
. carácter fortemente intrusivo da grande infra-estrutura viária (fecho dos anéis e radiais
rodoviários) e plataformas industriais e logísticas (portos, aeroportos, refinarias, etc.);
. oportunidades pontuais derivadas da grande infra-estrutura viária e do novo mapa de
acessibilidades (Mindelo, V. Conde; Maia Zona Industrial e nós ic24; Matosinhos eixo
aeroporto; a28 V. Conde/P. Varzim; na aml, sobretudo em torno dos nós da a5, da a9,
e da crel na margem Norte, e da a2, ic3 e ip1, na margem Sul); domínio dos programas
associados às actividades (centro comerciais, indústria e logística) e parques de actividades;
. forte voluntarismo da iniciativa do Estado Central (Tagusparque); oportunidades de qua-
lificação como o Metro do Porto (Maia, Matosinhos) e o Metro da Margem Sul (Almada);
uma leitura crítica
142
[121. 122] urbanização por enclaves: loteamento residencial (arruamentos) e grande superfície comercial
[123. 124] urbanização por enclaves: loteamento residencial (arruamentos) e grande superfície comercial
[125. 126] urbanização por enclaves: loteamentos residenciais e de activ. comerciais e logísticas ao longo de uma circular rodov. arterial
[127. 128] loteamentos residenciais de génese ilegal na margem norte e sul da aml
as transformações do território
143
[129] subúrbio dourado
A expressão subúrbio dourado foi cunhada pela sociologia francesa para denominar a expansão suburbana residencial por parte de
camadas sociais de elevado rendimento. O súbúrbio dourado opunha-se, assim, ao subúrbio vermelho, operário, pobre e politi-
camente mobilizado pelos partidos de esquerda. O subúrbio dourado foi estudado não só para mapear a geografia das diferenças
sociais nas áreas urbanas (como nos trabalhos da Escola de Chicago), como também para chamar a atenção sobre o erro e a simpli-
ficação da designação de subúrbio ou periferia. Muito simplesmente, o afastamento físico do centro – o sentido geométrico do con-
ceito de periferia – não acompanhava necessariamente o afastamento social. Com a democratização do automóvel, a diversidade so-
ciológica da periferia aumentou ainda mais, tal como se diversificou também o seu uso não exclusivamente residencial ou industrial.
uma leitura crítica
144
[130] rede viária intermédia no norte da amp
Entre os traçados viários arteriais e os seus nós e acessos, e a rede menor que acompanha o edificado, a rede intermédia é uma
colagem de traçados de origem, promotor e financiamento diversos: iniciativas municipais, obras das tutelas sectoriais, projectos
especiais (qualificação urbana da Metro do Porto, sa), negociações e contrapartidas entre privados e municípios, e infra-estruturas
e espaços públicos de Planos de Pormenor e loteamentos.
as transformações do território
145
. discriminação positiva do mercado turístico e de residência de alto standard (orlas marí-
timas/antigas estâncias balneares distintas, Serra da Arrábida, Costa do Sol, Espinho, Leça
da Palmeira, Vila do Conde/Póvoa de Varzim…);
. discriminação positiva sobre valores patrimoniais e paisagísticos (Sintra, Vila do Conde);
acções exemplares sobre qualificação ambiental (ribeiras atlânticas e orla costeira em Vila
Nova de Gaia; baía de São Paio, Afurada/Cabedelo/polis);
. resposta casuística a oportunidades despoletadas por iniciativas públicas (novos nós e
eixos viários, o mais corrente, mas também grandes hospitais ou pólos universitários ou
desportivos) e privadas (promoção de loteamentos industriais e outras operações urbanís-
ticas de excepção pela sua dimensão e/ou impacte social e económico (ale, pin, Parques
Temáticos, etc.); caso excepcional do nal.
caso especial do litoral algarvio
A quase monocultura económica da fileira turística no Algarve origina processos muito diversos de
colonização do território, ora de forma intensiva e densa, ora de forma extensiva. O potencial de
conflito com os valores biofísicos e paisagísticos é muito diverso (cf. prot-Algarve).
Antecedentes: Quarteira, Vilamoura, Praia da Rocha, aldeamentos, complexos hoteleiros iso-
lados junto ao mar, a estrada-mercado n125 (o irrigador antes da Via do Infante).
Tendências recentes: grandes resorts vs. ocupação dispersa no Barrocal; diversidade da fileira
(turismo residencial, golfe, desporto e saúde como nos casos do Parque das Nações e autódromo);
ter, etc. Alternância de padrões e processos de territorialização mais intensivos/localizados ou
extensivos/difusos.
A descolagem face ao mapa das polaridades urbanas tradicionais que não tem que ter neces-
sariamente relação com novas frentes urbanizadas pela lógica turística. A diversificação da fileira
turística coloniza o território de diferentes formas, mais ou menos intrusivas com os traços carac-
terísticos da paisagem natural e cultural (mais visível no barrocal; totalmente apagada nos resorts e
aldeamentos; ou propondo modelos de urbanidade do estilo Vila Moura…).
Exemplos de padrões de urbanização induzidos pela diversidade da fileira turística:
*. por contiguidade de vários programas, tipologias e escalas territoriais;
*. por pacotes mais ou menos isolados;
*. por colonização/transformação do povoamento e do edificado rural (Barrocal).
Conurbações não metropolitanas – urbanização extensiva, industrialização e urbanização difusas
Tendências:
*. ausência de esquemas orientadores de nível inter ou supra-municipal, capazes de consen-
sualizar um conjunto de intervenções de âmbito inter-concelhio (exceptuam-se casos como o
da gestão das captações e distribuição de água em alta ou do saneamento), apesar da extensivi-
dade e contiguidade das manchas de edificação;
*. a não existência de uma polaridade urbana hegemónica à escala da conurbação, ora favorece
alguma concertação (sobretudo face a programas do Estado Central, como o prosiurb, os
qca e o qren), ora favorece uma certa ignorância mútua, ou, no inverso, o investimento por
uma leitura crítica
146
[131. 132. 133. 134] quarteira e vilamoura / oura, forte de s. joão / vila moura, victória clube de golf / marina de albufeira
[135. 136. 137. 138] n125 guia (shopping) / faro / loulé – parque das cidades / castro marim golfe / chinicato, lagos n125
as transformações do território
147
mimetismo, correndo-se o risco do sobre-dimensionamento e redundância de certos equipa-
mentos e serviços públicos;
*. (repete o mesmo que no primeiro caso) aprofundamento da dualização entre a cidade
consolidada e as suas extensões próximas, por um lado, e o resto da urbanização, por outro.
Esta tendência reflecte-se:
. na patrimonialização da cidade antiga – centro histórico – e medidas de excepção, arti-
culando programas, projectos, planos, recursos e actores públicos e privados (procom,
urbcom, eventualmente, polis, planos especiais de valorização urbanística, novos equipa-
mentos e recuperação de outros, embelezamento urbano, planos de mobilidade e estacio-
namento, etc.);
. fora do contexto habitual Centro Histórico e do programa polis, ou não existem realiza-
ções urbanísticas de vulto (exceptua-se, claro a infra-estrutura rodoviária, das variantes
e circulares e seus nós), ou prossegue a colagem de loteamentos e pp ou pu de pequena
expressão territorial;
. no uso de regulação genérica para a outra urbanização (rmeu, loteamento, licenciamento
de obras particulares…) e de projectos sectoriais de tipo extensivo (infra-estruturação,
saneamento e vias); a distribuição de equipamentos de nível concelhio (ensino, saúde,
acção social, desporto, promoção cultural, jardins e parques), que seguiu lógicas por fre-
guesia, encontra-se agora em revisão através das Cartas de Equipamentos;
. na discriminação positiva de outras polaridades urbanas que não a sede concelhia,
(quando a estrutura do povoamento é muito clara) habitualmente contempladas com pu
e outro planeamento formal ou informal (estudos urbanísticos); as polaridades emergentes
(aglomeração de actividades junto a nós do sistema arterial rodoviário) são frequente-
mente entendidas em plano como simples zonamentos industriais;
. na resposta casuística a oportunidades públicas (novos nós e eixos viários, o mais cor-
rente) e privadas (promoção de loteamentos industriais e outras operações urbanísticas de
excepção pela sua dimensão e/ou impacte social e económico (ale, pin, Parques Temáti-
cos, etc.);
. na sectorialização da gestão municipal (dos serviços, da divisão entre planeamento e
gestão); excessiva separação entre a esfera política e técnica; do excessivo enquistamento
dos sig municipais, mais envolvidos em acções pontuais (revisão de pdm) ou como suporte
informático para o licenciamento e informações on-line, do que num processo contínuo
de monitorização das dinâmicas de transformação do território;
. elevada conflitualidade entre a valoração urbana e rural do solo, quer em termos de uso,
quer em termos de regulação. A pressão construtiva segue a par e passo com a crise econó-
mica da (pequena) agricultura. O pouco valor da produção agrícola entra em conflito com
as restrições legais de uso do solo tido como de elevado potencial produtivo; a competitivi-
dade da agricultura está bloqueada pela globalização dos mercados e dos preços agrícolas.
A dicotomia rural/urbano em matéria de zonamento torna invisível uma das característi-
cas históricas destas regiões: a coincidência da casa e outros usos de edificado com a explo-
ração agrícola (horta, pomar ou, genericamente, policultura) na mesma parcela.
uma leitura crítica
149
Propostas operativas
regular a urbanização extensiva
A correspondência entre a infra-estrutura e a edificação é uma das questões básicas para entender
a urbanização e o modo de a regular. Essa relação muda radicalmente entre a escala da cidade e a
escala da urbanização extensiva. Fora da cidade e do seu perímetro em plano, o planeamento da
infra-estrutura faz-se com lógicas dominantemente sectoriais em múltiplos contextos paisagísti-
cos e biofísicos e diferentes presenças edificatórias. A relação entre a arquitectura dos edifícios e os
traçados infra-estruturais perde a coerência e o desenho da cidade. Divisores comuns:
*. para lá da cidade confinada, a infra-estrutura estendeu-se ao território (rural, natural, etc.),
multiplicando as oportunidades de edificação em variados contextos: em continuidade ou por
fragmentos em relação aos núcleos preexistentes; no território inter-cidades; na urbanização
rural por densificação intersticial; na urbanização nova em áreas antes vazias (para uso turís-
tico, por exemplo);
*. a velocidade e a relação que as infra-estruturas arteriais de mobilidade permitem, viabilizam
lógicas de localização que não dependem da proximidade, da contiguidade física e da aglome-
ração. O modo de transporte individual, a auto-mobilidade, permite cartografias de relações
que não estão dependentes da oferta de serviço de transporte colectivo;
*. a diversidade e escala das actividades económicas – produção, distribuição, consumo – ora
produz neo-aglomerações de grande escala mais ou menos especializadas e polarizadoras (só
comparáveis às zonas industriais e grandes infra-estruturas de transporte e energia do século
xix e, depois, ao fordismo industrial), ora distribui grandes e pequenas escalas edificatórias
junto aos nós de acesso às infra-estruturas arteriais e nodalidades logísticas;
*. ao contrário da cidade-corpo ou de um modelo de cidade tido como um todo claro, contínuo
e legível (pré-oitocentista, oitocentista, moderno, rossiano...), o urbano desenvolve-se diferente-
mente em padrões, mais ou menos misturados em termos de usos, densos, rarefeitos, contínuos,
descontínuos, de alta ou baixa densidade, etc. Os novos espaçamentos tem outra escala, conteúdo
e funções daqueles que caracterizavam a composição e a legibilidade urbana clássicas;
*. a lógica da edificação é a de conectar-se (enxufar, brancher, connect, etc.) directamente à infra-
-estrutura, segundo pura soma de elementos (edifícios) ou agrupamentos de elementos. Leap
Frog Urbanism é a expressão dos eua para denominar a urbanização feita por saltos, seguindo
os nós de acesso a auto-estradas em escalas geográficas cada vez mais extensas. O plano e a urba-
nização podem resultar num somatório de fragmentos regulados e mais ou menos enquistados
no pano de fundo do tecido urbano extensivo ou, noutro extremo, no território sem edificação;
*. os padrões de urbanização, ora conservam traços característicos da paisagem preexistente
(minifúndio no Norte/Centro Litoral de Portugal e na Galiza, tal como o Bocage em França, ou
as planícies agricultadas do Veneto ou do Prato na Itália, etc.), ora impõe novos modelos mais
150
ou menos estandardizados que obliteram as pré-existências e os traços de paisagem agrícolas
(na aml, sobretudo). A estrutura fundiária e do parcelário agrícola – retalhada e de pequenís-
sima dimensão, como no Noroeste de Portugal; concentrada em grandes propriedades e par-
celas, como na aml que cresce sobre o latifúndio – tem uma importância fundamental na nova
cartografia da urbanização;
*. o processo de urbanização extensiva pode simplificar-se em duas situações-tipo distintas e
complementares:
. pela repetição e somatório de elementos simples da edificação de pequena dimensão e
seus agrupamentos (loteamentos); e morfologias gerais de organização como a estrada-
-rua, a estrada-mercado, a mancha de óleo, a urbanização intersticial, etc.;
. pela ocorrência pontual de mega-estruturas relacionadas com os nós e infra-estruturas
arteriais. Estes materiais pesados funcionam como polaridades de referência, podendo
variar de especialização e mistura programática: logística, grandes superfícies comerciais,
parques empresariais, etc.;
*. o desconfinamento territorial da cidade faz-se acompanhar de uma dualização da regulação
urbanística:
. planos e projectos nos perímetros urbanos no interior ou contíguos à cidade preexistente;
planos e projectos especiais, por exemplo, para a cidade antiga ou para áreas de oportuni-
dade. Nas aglomerações metropolitanas, estes projectos urbanos intensivos tocam, sobre-
tudo, o município-centro;
. regulação avulsa nas outras áreas de urbanização ora através de regras gerais de edificação,
ora através de polígonos/loteamentos em dissonância com o preexistente, ora através de
regulação especial mais ou menos sectorializada e territorialmente destacada ou enquis-
tada em reação à envolvente: áreas e parques empresariais e logísticos, aeroportos, áreas
comerciais, cidades da saúde e outros neo-zonamentos temáticos, cidade-jardim e outras
promoções residenciais com nome próprio, etc.;
*. se nada mudar em termos de governança dos processos de urbanização, esta dualização entre
urbano hiper-regulado e urbano hipo-regulado pode tornar-se ainda mais profunda pela exten-
são ou qualificação das próprias obras infra-estruturais – os planos e projectos sectoriais das
infra-estruturas continuam a multiplicar suportes infra-estruturais (variantes rodoviárias, aces-
sos a nós, novos eixos arteriais, plataformas logísticas, etc.), ao mesmo tempo que a urbanização
vai colonizando as infra-estruturas sem que haja projecto e/ou intervenção que a qualifique;
*. a mesma dualidade aglomerado principal vs. nova expansão pode aprofundar ainda mais a
hegemonia do aglomerado principal e activar a concorrência entre as periferias, com o que isso
implica em termos de perda de coerência de regulação do conjunto. A fragmentação admin-
istrativa faz-se acompanhar do aumento dos desiquilíbrios em termos de despesa/receita,
podendo perpetuar a situação crónica de sub-investimento nos municípios pobres e o ciclo
virtuoso do investimento público e privado e da atractividade nos municípios ricos;
*. em situações fortemente reguladas como na região metropolitana de Madrid (Comunidad
Autonoma de Madrid) ou em algumas metrópoles europeias (caso francês dos scot, pro-
postos por um Etablissement Public de Coopération Intercommunale como uma Communauté
Urbaine), a estratégia para a nova escala da urbanização é guiada por coligações político-
-administrativas supra-municipais e planos mais ou menos estratégicos e/ou reguladores.
Para garantir a articulação com as tutelas sectoriais responsáveis pela infra-estrutura e/ou por
servidões administrativas, esse nível supra-municipal tem que garantir o envolvimento activo
as transformações do território
151
e o vínculo dessas instituições (no caso dos Planos de Estrutura italianos, as Conferências de
Serviços). O escalão regional ou provincial de governo pode ser o mais adequado para garantir
a articulação entre o Estado Central e as novas autoridades metropolitanas e/ou intermunici-
pais responsáveis pelo Plano de Estrututra. As dificuldades de articulação sectorial podem ser,
num primeiro momento, resolvidas pela constituição de agências temáticas (como a mobili-
dade ou a política ambiental);
*. entre as crises do planeamento regional e urbano do pós-guerra e das próprias competên-
cias, arquitectura administrativa e financiamento do Estado, e a dificuldade de emergência de
autoridades de aglomeração urbana (com efectivo poder financeiro e legitimidade democrática
próprias, e não como simples associações de muncípios sem outras competências ou fontes
de financiamento que não as de âmbito municipal), a urbanização extensiva segue, ao mesmo
tempo, a lógica da colagem morfológica e a regulação sectorializada por tutelas e por municípios.
Como se viu no caso do Noroeste industrializado e urbanizado de Portugal, no Algarve, no Centro
Litoral ou em qualquer fragmento de uma planta de um modelo de urbanização extensiva, a
imagem recorrente repete invariavelmente:
*. a descontinuidade e a fragmentação dominam sobre a continuidade;
*. as escalas e usos do edificado misturam-se em diferentes composições;
*. os processos de transformação repetem essas diversidades e irregularidades;
*. a irregularidade sobrepõe-se à regularidade; a heterogeneidade à homogeneidade. Face a
regras e modelos de planeamento muito estandardizados (os que se usam nos critérios habitu-
ais do zonamento e correspondente regulamento; no licenciamento, no rgeu e rmeu), o risco
é o de se perderem soluções de qualificação que partem muito da casuística dos contextos e
escalas e com eles devem trabalhar, a favor de uma regulação passiva que se limita a verificar
critérios de conformidade com os regulamentos.
Estas razões da paisagem são tanto mais importantes quanto o facto de que os processos de trans-
formação que se pretendem regular estão já muito condicionados pelo que já existe e esse devia ser
o critério de partida. Um loteamento correcto, à luz dos procedimentos legais, pode revelar-se uma
péssima solução se não se atender a questões básicas: as vias que o servem, directa ou indirectamente,
a qualidade de resposta das redes infra-estruturais e correspondentes serviços, a concordância com
identidades paisagísticas estruturais (os socalcos, por exemplo), a tecitura cadastral, etc.
Determinadas qualidades paisagísticas herdadas dos padrões tradicionais do minifúndio, do
povoamento disperso, da associação entre parcelas agrícolas e construção, etc., perdem-se nos
critérios genéricos da dicotomia rural/urbano e na opacidade de muitas categorizações (espaço
verde, equipamento, via, etc.) que na sua aparente objectividade escondem de facto uma diversi-
dade enorme de escalas, usos, formas, tipologias, morfologias, maior ou menor pressão ou inten-
sidade urbanística derivada do tipo de função, do uso de energia, de geração de mobilidade, etc.
Se assim for, perdem-se velhas qualidades e o que se ganha são apenas fragmentos de supostas
racionalidades que não se sabe a que qualidades atendem (existe demasiada generalização naquilo
se denomina urbano ou rural).
Alargam-se os isotropismos territoriais – semelhança de qualidades locativas – a quase todo o
território irrigado pela rede capilar densa e minimamente infra-estruturada, e que se vai ligando a
um número crescente de nós da rede arterial em diferentes pontos do território. Esta situação tanto
propostas operativas
152
explica a multiplicação de oportunidades excepcionais em vários pontos do território (veja-se o
padrão locativo das zonas industriais, por exemplo), como uma certa indiferença locativa (caso da
habitação, por exemplo).
Para lá do nível micro das transformações, a questão está em saber o que é que produz esta
oscilação entre processos genéricos/extensivos ou excepcionais/intensivos ao nível macro. Quando
a intensificação urbana (densificação, desenho urbano, infra-estruturação, mistura de usos, qua-
lificação e coerência do sec – sistema de espaços colectivos) ocorre numa aglomeração existente
e que se pretende qualificar, tudo parece estar certo; quando o mesmo ocorre noutros contextos
(baixa densidade, bolsas agrícolas ou florestais, incultos) e é produzido por grandes pacotes fecha-
dos (parque empresarial, resort, condomínio residencial, e, genericamente tudo que pende para
um urbanismo temático), a avaliação já não é nada líquida e é frequentemente contraditória.
Apesar do carácter de médio prazo dos pdm, existe uma grande instabilidade quer nas inten-
ções de acção sobre o território, quer na sua regulação. Vejam-se os projectos de extensão da rede
arterial rodoviária e o tipo de efeitos colaterais que se produzem a partir das mudanças do mapa da
acessibilidade; veja-se a mudança de estratégia de licenciamento quando o investimento escasseia
e é necessário atrair investimento e emprego; veja-se a polémica que assiste a tudo o que é constru-
ção no rural; vejam-se as mudanças produzidas pelo imperativo das questões ambientais; veja-se a
mutação tecnológica em determinados modelos de provisão de infra-estrutura e serviços urbanos
(microgeração de energia, auto-depuração de resíduos, serviços de mobilidade organizados por
entidades empregadoras, etc.).
A resposta habitual à rigidez do zonamento é a de classificar categorias de zonamento misto
que, no limite, permitem a máxima diversidade de usos em quase todos os espaços. Na falta de
critérios que acautelem as regras de boa vizinhança, que regulem co-presenças mais ou menos
incómodas e não havendo processos de parametrizar os limites de cargas urbanas e funcionais
sobre a infra-estrutura existente e criada, o resultado pode ser desastroso.
Por sua vez, as formas dominantes de regulação recorrem a procedimentos e figuras estandar-
dizadas, herdadas de modelos e regras canónicas do planeamento do pós-guerra para cidades que
não têm nada a ver com estes padrões de urbanização. Uma vez que não se está a regular a tábua
rasa, corremos o duplo risco de perder as qualidades herdadas do território, sem as substituir pelas
qualidades do modelo que está na origem dos modos dominantes de regulação urbanística.
Assim, um plano serve apenas para criar regras comuns e critérios de equidade, mas nada
garante quanto à qualidade daquilo que se vai produzindo segundo esses critérios e regras.
No âmbito da regulação urbanística e do ordenamento ao nível municipal, a realidade observada
nas conurbações caracterizadas pela industrialização e pela urbanização difusas permite retirar algu-
mas conclusões acerca das limitações das actuais práticas de política urbanística e de ordenamento:
*. sendo um plano regulador, o pdm fixa-se sobre um normativo que se aplica às categorias de
uso de solo definidas na respectiva carta, segundo critérios genéricos de zonamento para todo
o concelho ou todo o país (ran e ren, por exemplo);
*. a pormenorização do desenho urbano ocorre nos Planos de Urbanização, pu (frequente-
mente de forma muito esquemática), e nos pp, Planos de Pormenor. Habitualmente estes ins-
trumentos produzem-se prioritariamente para os aglomerados principais, para algumas das
suas partes ou para regular oportunidades entretanto expressas por privados ou por alguma
tutela pública (uma nova via, nó, zona industrial, etc.). As pequenas operações regem-se pelos
critérios do loteamento e pelo Regime Geral das Edificações Urbanas;
as transformações do território
153
*. a rigidez e burocracia inerentes aos pu e pp têm sido substituídas por uma prática de estudos
urbanísticos (que não têm força legal), uma espécie de planeamento informal que serve de
referência para a negociação com privados, simulando a aplicação de regulamentos e soluções
de desenho urbano. Está por avaliar este tipo de práticas e o seu potencial;
*. dada a extensão, o retalhamento e a diversidade dos padrões da urbanização extensiva, é
impossível pretender que todo o município esteja coberto com pu e pp, com a ilusão de que a
hiper-regulação urbanística e boas práticas de ordenamento seriam assim cumpridas e absor-
veriam toda a diversidade dos promotores privados e públicos;
*. tendo em consideração apenas as zonas urbanas, o mapeamento do território municipal em
polígonos e respectivas classificações (urbano mais ou menos intensivo e misturando usos, indús-
tria e armazéns, equipamento, etc.) tem dificuldades em assumir um critério capaz de, indepen-
dentemente das normas aplicáveis a cada tipo de zona, explicitar e dirigir uma estratégia para a
coerência urbana do conjunto. É habitual os pdm distinguirem zonas de urbanização preferente,
zonas de urbanização intensiva e outras formas de introduzir critérios de discriminação positiva
(acompanhados das respectivas políticas fiscais, regimes de cedência ao domínio público, índi-
ces, tipologias, …), mas é impossível direccionar o investimento privado para esses casos;
*. esta dificuldade decorre da fortíssima segmentação do mercado imobiliário residencial e
não residencial e da enorme diversidade em avaliar um potencial de localização em função de
um determinado uso, cálculo de externalidades, incidência do custo do solo no investimento
total, grau de acessibilidade à rede arterial, etc. Os critérios de densificação num determinado
polígono do plano, preconizando uma tipologia multifamiliar dominante, podem estar des-
focados da procura focalizada em residência unifamiliar em lote próprio; os desígnios de qua-
lificação de uma zona industrial podem não interessar à procura de localizações empresariais
em novos parques, servidos por redes não congestionadas, com uma grande elasticidade de
tipologias e dimensões de edifícios; etc.;
*. a zona urbana não é um círculo no meio do mapa e, por isso, a expansão também não é uma
faixa envolvente desse círculo, em mancha de óleo. O que caracteriza a urbanização extensiva
é o seu extremo retalhamento. Dentro desse retalhamento, as oportunidades e as expectativas
para a edificação (entre quem possui solo, quem o transacciona, quem promove urbanização
ou urbaniza, ou quem constrói) são extremamente variáveis. Variáveis são também as condi-
ções objectivas produtoras de renda locativa, quer ao nível estritamente local, quer ao nível
do potencial de uma certa localização em função das acessibilidades regionais, por exemplo;
*. no capítulo das infra-estruturas, os municípios possuem planos de hierarquização de vias
existentes e propostas, mas os calendários e orçamento de muitas dessas obras de raiz ou de
requalificação estão dependentes de negociações e decisões da tutela (porque se aguardam
pedidos de desclassificação da rede nacional ou acordos para intervir nessa rede; porque se
aguarda o calendário de execução da Rede Rodoviária Nacional, etc.). No caso da água e esgo-
tos, a autonomia municipal de decisão é efectiva, embora dependente de disponibilidades e
calendários de financiamento e obra;
*. uma vez que são muito escassas ou inexistentes as reservas de solo público (admitindo que
a capacidade financeira era razoável, o que também não é verdade), verifica-se uma indisponi-
bilidade crónica para o município liderar operações urbanísticas de grande fôlego. As parcerias,
estando muito dependentes de recursos privados, estão por essa mesma razão, dependentes
também das lógicas do mercado, da enorme diversidade em avaliar um potencial de localiza-
ção em função de um determinado uso, cálculo de externalidades, incidência do custo do solo
propostas operativas
154
no investimento total, grau de acessibilidade à rede arterial, etc.; e do interesse dos privados.
Ora, esse interesse tanto pode manifestar-se em situações de reurbanização (a que mais se
aplica ao desígnio da contenção da urbanização extensiva, mas também a que coloca maiores
problemas na definição dos parâmetros da perequação), como, a maior parte das vezes, se
manifesta para áreas a desenvolver de novo, às vezes com finalidades muito específicas (caso
de novas áreas empresariais em solos bem servidos pelas infra-estruturas arteriais);
*. verifica-se uma forte rigidez no mercado de solos, em parte dependente da enorme fragmen-
tação cadastral. Na ausência de mecanismos impositivos e/ou na dificuldade da banalização do
seu uso (expropriação por interesse público ou perequação forçada), a lógica dos proprietários –
que pode ser muito diferente da dos promotores e/ou dos construtores – é mais errática e menos
condizente com a suposta racionalidade do mercado. Não existe, assim, um stock abstracto de
oferta para uma potencial procura (nem esta procura é função de oscilações demográficas como
é comum defender-se) num esquema estável e claro de preços de procura e de oferta. É, por isso,
falso pensar-se que a disponibilidade de solo infra-estruturado, por exemplo, na contiguidade
imediata da cidade ou de outro qualquer aglomerado urbano situado dentro da urbanização
extensiva, possa diminuir em proporção a pressão construtiva algures. Ao contrário, é a cada vez
maior facilidade de mobilidade ao nível regional que explica aquecimentos súbitos em determi-
nados locais. Diferentes são também as lógicas que avaliam a oportunidade de construção num
determinado local, consoante se trate de construção banal, especializada ou dirigida a nichos de
mercado cada vez mais diversos. A lógica do zonamento trabalha apenas nos extremos: especiali-
zação (zona desportiva, zona industrial, zona residencial, etc.) e homologação de usos e funções
(critérios comuns de morfotipologia ou índice). Ora, a complexidade do mercado imobiliário
tem vindo a acrescentar lógicas cada vez mais distintas e produzir padrões de ocupação igual-
mente distintos: o turismo residencial não corresponde às zonas residenciais clássicas; um parque
de actividades ou centro tecnológico não é uma zona industrial e assim sucessivamente.
A atitude mais normal num pdm é, por isso, de tipo reactivo, cobrindo a totalidade da área do
município com um zonamento e um regulamento. Ao nível prospectivo, faltam esquemas de
orientação ou planos de estrutura que explicitem uma estratégia a seguir pelos agentes públicos e
privados e que fixem os territórios/âmbitos pertinentes para as iniciativas desses agentes.
Face ao carácter genérico e regulamentar do pdm, é necessário desenvolver:
*. prioridades e programas de investimentos com um efectivo empenhamento político e devi-
damente explicados quanto aos objectivos de ordenamento pretendidos;
*. sistemas de discriminação positiva e negativa, segundo objectivos sectoriais cruzados e/ou
áreas consideradas prioritárias;
*. acções pró-activas com elevado poder de demonstração e de mobilização de actores;
*. produção de instrumentos de negociação que clarifiquem regras e procedimentos e os
publicitem.
as transformações do território
155
quais são as escalas e áreas pertinentes? e face a que desígnios de estruturação urbana?
São as escalas intermédias que estão em causa e as limitações de um planeamento com poucos
instrumentos de operacionalidade face a desígnios estratégicos que envolvem várias escalas para
além da micro-escala de pormenor. Ao nível micro, o Plano de Pormenor ou o Projecto Urbano,
o Plano de Urbanização e até o próprio regulamento e zonamento, podem revelar-se eficazes. No
entanto, a temporalidade dos processos e a imprevisibilidade (quer dos actores públicos, quer dos
privados) não garantem que o somatório do planeamento de pormenor seja capaz de regular as
estratégias complexas de uma política urbana de tipo incrementalista e reflexivo que terá que saber
usar em cada contexto vários instrumentos e modalidades de negociação.
A definição de âmbitos territoriais relacionados com problemas ou oportunidades específicas
de política urbanística e de ordenamento devia ser cruzada com os critérios e a carta de zonamento.
Um âmbito de qualificação da urbanização extensiva pode ter diferentes prioridades consoante se
trate, por exemplo, de um território dominantemente residencial ou de forte mistura com outros
usos. Um desígnio genérico de policentrismo só se torna realmente explícito no enunciado das
suas virtualidades se se acrescentar algo mais sobre o contexto que se pretende modificar e sobre
os objectivos programáticos dos centros novos ou a reforçar.
A cartografia dos âmbitos territoriais e respectivas prioridades de objectivos deve ser a base
para estabelecer cenários distintos que podem ser desenvolvidos com a normativa genérica. Esta
questão é tão válida para as iniciativas públicas, como para as privadas e pode constituir uma boa
base para ultrapassar a rigidez da estrutura organizacional das Câmaras Municipais. Um depar-
tamento de vias e outro de saneamento ou de manutenção e construção de equipamentos deve
saber que tipo de ajustamentos deve fazer aos seus procedimentos estandardizados, quando se
impõe esse esforço de contextualização. A habitual ronda dos processos para serem informados
pelos diferentes serviços tem um resultado completamente aleatório se o critério for apenas o da
verificação da conformidade e/ou de certas rotinas.
que tipo de instrumentos para tornar as políticas operacionais para além dos pmot?
Instrumentos de carácter operacional que apontem critérios e processos de negociação segundo
objectivos claramente definidos na estratégia e no plano.
Em Portugal, a maioria dos Planos Estratégicos municipais e/ou de cidade não tiveram, de facto,
qualquer tradução urbanística, aplicando-se sobretudo a matérias genericamente enunciadas: pro-
moção da competitividade, da coesão social, do desenvolvimento sustentável, da mobilidade, etc.
É necessário um maior empenhamento na legitimação e divulgação pública de esquemas indi-
cativos de orientação de estratégia que seja capaz de relacionar objectivos sectoriais e imateriais,
com as estratégias e iniciativas urbanísticas (importância dos efeitos de demonstração, sobretudo
quando são conseguidos fora do âmbito de soluções excepcionais e com boa estrutura de finan-
ciamento e co-participação pública como as intervenções polis, etc.). No caso de Portugal, essas
estratégias andam de facto separadas ou misturadas de forma forçada (por exemplo, é fácil adjec-
tivar como urbano qualquer programa sectorial, mas já não é nada fácil perceber a componente
urbanística daquilo que se diz ser urbano).
A legitimação separada destas duas esferas de produção de estratégia origina com frequência
sérias contradições, por exemplo:
propostas operativas
156
*. um desígnio de atracção de investimento, competitividade e criação de emprego pode legi-
timar uma má solução urbanística (quando o solo a mobilizar é de nova urbanização, não
respondendo assim à requalificação e re-uso do existente);
*. um critério cruzado de sustentabilidade (ambiental, económica, social) pode ser muito inte-
ressante e demonstrável no quadro estrito de um Projecto Urbano, mas com efeitos quase
nulos num outro âmbito territorial/social para lá da fronteira estrita do projecto (em muitos
desses projectos, a própria denominação de parque significa muito claramente que se trata de
um recinto cuja lógica interna é diferente da que se verifica na sua envolvente).
Nas actuais revisões de pdm, abunda a delimitação de Unidades Operativas de Planeamento e
Gestão, uopg, com o objectivo de tornar operacionais determinadas opções urbanísticas e de
ordenamento, aplicando um regime de perequação sobre unidades de execução sujeitas a Plano
de Pormenor. Teoricamente, as intenções são claras e justas do ponto de vista da distribuição
de custos e benefícios de urbanização para o sector público e para os privados. A questão é que,
tratando-se de áreas muito extensas e sujeitas a uma grande imprevisibilidade de intenções de
investimento dos privados (os municípios dispõem de muito pouco solo e/ou recursos para serem
o motor da operação), as uopg acabam por não se realizar ou serem paralisadas pela burocracia
da realização e aprovação dos regimes de perequação e dos Planos de Pormenor. Exceptuam-se
colmatações urbanísticas dentro de aglomerados urbanos dinâmicos, muito consolidados, e com
ideias bastante claras (quer de iniciativa pública, quer privada) acerca do que se pretende realizar
e em que intervalo de tempo.
Em contrapartida, muitos instrumentos formais de regulação urbanística – como os denomi-
nados Estudos Urbanísticos – acabam por ter resultados mais interessantes. O Estudo Urbanístico
acaba por funcionar como um cenário que é proposto pelo município e, antes que haja qualquer
Plano de Pormenor ou loteamento, fornece orientações ao mesmo tempo muito claras e suficien-
temente flexíveis para orientar as expectativas dos privados.
qual é o equilíbrio justo para a regulação variável?
Definir à cabeça o âmbito territorial a que a estratégia se refere, assumindo o risco da aposta e
da simplificação dos objectivos programáticos do plano (contrariamente ao desgaste da retórica
habitual do articulado e integrado).
Trabalhar com desígnios alternativos para territórios distintos, em vez de enunciados genéri-
cos para territórios de escala incerta:
*. densificação e intensidade urbana podem ser interessantes em parcelas do território e nou-
tras não;
*. qualificação da dispersão pode ser um desígnio tão importante como o anterior, enquanto
que a densificação pode quebrar o já precário equilíbrio entre construção/carga urbana e qua-
lidade/quantidade de infra-estrutura;
Devem-se combinar e complementar iniciativas e projectos de carácter intensivo / extensivo;
sectorial / urbanístico; restritivo / incentivador, com diferente regulação e âmbito territorial.
as transformações do território
157
Exemplo do ambiente:
*. intensivo (Parque Biológico; reposição de ecossistemas);
*. extensivo (infra-estrutura de recolha e tratamento de águas residuais e combate às fontes
difusas de poluição numa bacia hidrográfica);
*. restritivo (ren, ran, áreas de protecção especial como a Rede Natura)
*. incentivador (prémios pelo cumprimento de boas práticas ambientais e de protecção da
natureza e biodiversidade)
*. solução de equilíbrio: definição de uma estratégia de gestão da Estrutura Ecológica; defini-
ção de corredores ecológicos; intervenções estruturantes (temas e lugares).
Exemplo da infra-estrutura viária:
*. intensivo (projecto piloto de qualificação ao longo de uma estrada-rua em articulação com
soluções de desvio de tráfego de passagem, acalmia de tráfego, desenho de espaço público e
mobilidade);
*. extensivo (passeios em pelo menos um lado da via na rede prioritariamente considerada
para intervenção; soluções à medida sobre normas e objectivos genéricos);
*. restritivo (regular distanciamentos mínimos da edificação e do lote face à via; desincentivar
novas cargas funcionais em vias congestionadas);
*. incentivador (premiar loteamentos e critérios de cedências ao domínio público em situações
que se ajustem a um traçado alternativo ao canal congestionado);
*. solução de equilíbrio: definição de uma carta de rede viária baseada em critérios cruzados de
perfil de via, uso dominante, grau de congestionamento, carga urbanística; definição de prio-
ridades de intervenção e medidas complementares (por exemplo, disponibilidade de canais
alternativos usando rede existente e acrescentando novos tramos); projectos-piloto em tramos
prioritários; accionamento de medidas de discriminação positiva nos loteamentos e obras de
particulares.
Exemplo de política de ordenamento de actividades:
*. intensivo (projecto de construção de uma Área de Acolhimento Empresarial, prevendo
desde a dotação infra-estrutural, ao controlo do impacte do tráfego de pesados, desenho
urbano, formas de gestão, regimes de incentivos, etc.);
*. extensivo (cumprir a meta de cobertura das infra-estruturas e serviços de recolha e tra-
tamento de resíduos líquidos e sólidos; projecto de recolha e re-processamento de resíduos
sólidos; constituição de um fundo financeiro com origem no irc para usar em projectos de
regeneração ambiental ou de solidariedade social);
*. restritivo (proibir o licenciamento industrial ou comercial em áreas muito congestionadas,
limitando o licenciamento a micro-empresas);
*. incentivador (premiar o re-uso de instalações degradadas ou obsoletas segundo uma lista de
ganhos de diminuição de impacte urbanístico/ambiental; premiar soluções de organização de
redes de transporte colectivo a partir das entidades empregadoras; programa de relocalização
em áreas infra-estruturadas para o efeito, apontando benefícios para novos usos no local actual
ou vantagens no novo local proposto);
propostas operativas
158
*. solução de equilíbrio: definição de uma carta de estratégia para a requalificação de zonas
industriais existentes e novos parques ou áreas de localização de actividades, com soluções de
adequação à performance da rede viária instalada e critérios que garantam a diminuição do
conflito de tráfego de pesados na rede capilar e, especialmente, nos canais mais congestiona-
dos; infografia sobre os casos mais críticos em termos de localização de actividades produtivas
(efluentes líquidos e outros resíduos; ruído e qualidade do ar; desadequação entre o fluxo de
veículos pesados e a rede de suporte; forte incompatibilidade com zona residencial).
Quadro 6 – SIG
O suporte sig e a sua geo-referenciação permitem trabalhar com realidades multi-escalares, con-
trapondo representações e problematizações da mesma variável ou grupo de variáveis a diferentes
escalas. O cruzamento de âmbitos sectoriais e territoriais e a sua respectiva cartografia permitirá
equacionar de forma mais ajustada a evidência das questões (e das soluções), ultrapassando a mera
sobreposição que habitualmente se utiliza quando, de forma rígida, se cruza cartografia demasiado
formatada na origem segundo os objectivos a que se destina e a selecção e modo de representação dos
indicadores (diferentes critérios, variáveis, formas de representação, zonamentos, etc.). A lógica ter-
ritorial não se produz por somatório simples de camadas sectoriais; a multi-escalaridade permite ter-
ritorializações distintas onde se poderá melhor analisar a inter-acção entre macro-sistemas-processos
e micro-situações, introduzindo lógicas territoriais que dependem de várias cartografias de regulação
do território de nível local-municipal, regional, nacional ou outro.
Quadro 7 – Multi-escalaridade e hipertexto
A estrutura em hipertexto permite ultrapassar a rigidez das sequências fechadas (do geral ao local, do
sectorial ao territorial, etc.), propondo uma organização em unidades de informação ou lexias (carto-
grafia, metadados, imagens, texto), que podem inter-relacionar-se através de distintas bifurcações ou
relações, segundo os princípios convencionais de relação hierárquica descendente ou ascendente (em
cascata), ou segundo outros nexos. São as lógicas das bifurcações e a justificação da sua pertinência
que produzem sentido e demonstram critérios de objectivação e produção de evidência.
Do ponto de vista da multi-escalaridade que é própria dos processos territoriais/sectoriais e da
sua regulação, a estrutura em hipertexto permite, por exemplo, fragmentar uma unidade bio-física
como uma bacia hidrográfica em múltiplas sub-unidades pertinentes em termos de análise ou de
intervenção, permitindo simular o que poderia ser a adequação da gestão da Estrutura Ecológica
Municipal a um Plano de Bacia, ou, dentro destas escalas, uma boa prática de projectação de um
corredor ecológico ou de um seu segmento numa veiga.
as transformações do território
159
que tipo de plataformas negociais com as tutelas sectoriais?
Esta é uma das questões mais complicadas no sistema português de Planeamento. O sistema está
demasiado polarizado em dois níveis – local/municipal e nacional – e fragmentado por sectores,
desde a infra-estrutura viária, ao ambiente ou ao licenciamento de actividades. O cruzamento da
sectorialização com a centralização produz, normalmente, normativas e procedimentos genéricos
ao nível nacional, com dificuldades crescentes de adaptação à diversidade de contextos.
A complexidade dos processos de aprovação para estabelecimentos industriais e comerciais,
por exemplo, pode implicar decisões e pareceres de quatro instituições (Direcções-Gerais e Regio-
nais, Comissões de Coordenação Regional, Municípios). Trata-se de facto de pareceres condicio-
nados a outros pareceres, baseados em princípios gerais e em informação coligida pelo próprio
requerente e segundo os seus próprios interesses (Magalhães, 2008, p. 113–114). No caso de existir
Avaliação Ambiental e consulta pública, tudo se torna ainda mais demorado e opaco.
A operacionalidade de um plano estratégico urbanístico implica, por isso, um mínimo de con-
senso (conferência ou pactos entre serviços e tutelas) que garanta a exequibilidade das soluções
propostas, dentro de normativas sectoriais genéricas mas com a suficiente elasticidade para se
adaptar às circunstâncias e objectivos propostos pelo plano.
Muitos acordos de excepção que modificam servidões administrativas e condicionantes e que
são usados em projectos urbanos de excepção – a escala e o modelo que denominamos planea-
mento intensivo – deveriam poder ter plataforma de negociação e aplicabilidade nos âmbitos terri-
toriais/sectoriais propostos em esquemas de orientação de política urbanística e de ordenamento.
As plataformas negociais com as autoridades sectoriais devem circunscrever-se a áreas previa-
mente delimitadas, justificadas por critérios de prioridade estratégica definidos num documento
de grandes linhas de estruturação urbanística de um determinado aglomerado urbano ao nível
municipal ou inter-municipal (ver Planos de Estrutura em Itália e as scot em França, por exem-
plo), segundo intenções programáticas claras e suficiente capacidade de liderança por parte das
autoridades públicas – municípios ou instituições com poderes adequados como uma sru, de
capitais exclusivamente públicos ou de economia mista público-privado.
propostas operativas