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Políticas Afirmativas para ingresso no Serviço Público: Um estudo de caso da experiência paulistana Fabiana Cristina da Luz 1 Resumo: Este artigo busca analisar a implementação da Lei Municipal 15.939/2013, que trata da reservas de vagas para negras e negros no serviço público da cidade de São Paulo. Almejamos verificar se (i) as determinações estabelecidas tanto na referida legislação, como nas regulamentações posteriores (Decretos Municipais 54.949/2014; 57.557/2016 e 57.986/2017) estão sendo cumpridas pela Municipalidade, (ii) os impactos desta legislação, no que concerne a garantia de maior presença da população negra na administração pública direta e indireta, sobretudo nos cargos nos quais há uma sub- representação desta população e (iii) os principais avanços e desafios na implementação desta ação afirmativa na cidade de São Paulo. A análise realizada permite concluir que as determinações estabelecidas pela Lei 15.939/2013 tem sido cumpridas principalmente pelos concursos públicos, visto que, no caso dos cargos comissionados e de livre provimento, em especial naqueles de alto nível hierárquico, remuneração e de amplo poder de decisão, a sub-representação da população negra permanece, e alguns caso, inclusive é intensificada. INSTITUCIONALIZAÇÃO DA COTAS RACIAIS NO FUNCIONALISMO PÚBLICO: DO PROGRAMA NACIONAL DE AÇÃO AFIRMATIVAS A LEI PAULISTANA 15.939/2013 O debate acerca das políticas afirmativas no serviço público e nas instituições de ensino superior (IES), embora presente historicamente na pauta e atuação do Movimento Negro, intensificou-se partir dos anos 2000; a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em 2001, em Durban, na África do Sul e o estabelecimento de cotas raciais no processo de ingresso a graduação, adotado pela primeira vez por uma universidade pública brasileira, no caso a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), também no ano de 2001, foram fundamentais para a inserção das ações afirmativas como um dos temas centrais, no âmbito das políticas públicas, que tratavam da questão étnico-racial. O Programa Nacional de Ações Afirmativas (PNAA), criado em 2002, pode ser considerado a medida institucional que inaugura uma política de cotas raciais no mundo do trabalho; instituído pelo Decreto 4.228/2002 este Programa estabelecia a observância da presença, no funcionalismo público federal, de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência, no preenchimento dos cargos de comissão e também da priorização, no processo de contratação e licitatação dos órgãos públicos federais, de empresas com políticas semelhantes as do referido Programa; entretanto, conforme demonstrado por Rafael Osório (2006), o PNAA não foi apropriado pelo funcionalismo público, e portanto, não ocasionou mudanças no que tange diversidade racial serviço público federal. 1 Licenciada e Bacharel em Geografia. Mestre em Planejamento e Gestão do Território. Integrante do NEPEN GEO USP (Núcleo de Estudantes e Pesquisadoras Negras da Geografia da Universidade de São Paulo). Atualmente é professora de Ensino Fundamental II e Médio da Prefeitura Municipal de São Paulo.

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Políticas Afirmativas para ingresso no Serviço Público: Um estudo de caso da experiência paulistana

Fabiana Cristina da Luz1 Resumo: Este artigo busca analisar a implementação da Lei Municipal 15.939/2013, que trata da reservas de vagas para negras e negros no serviço público da cidade de São Paulo. Almejamos verificar se (i) as determinações estabelecidas tanto na referida legislação, como nas regulamentações posteriores (Decretos Municipais 54.949/2014; 57.557/2016 e 57.986/2017) estão sendo cumpridas pela Municipalidade, (ii) os impactos desta legislação, no que concerne a garantia de maior presença da população negra na administração pública direta e indireta, sobretudo nos cargos nos quais há uma sub-representação desta população e (iii) os principais avanços e desafios na implementação desta ação afirmativa na cidade de São Paulo. A análise realizada permite concluir que as determinações estabelecidas pela Lei 15.939/2013 tem sido cumpridas principalmente pelos concursos públicos, visto que, no caso dos cargos comissionados e de livre provimento, em especial naqueles de alto nível hierárquico, remuneração e de amplo poder de decisão, a sub-representação da população negra permanece, e alguns caso, inclusive é intensificada.

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA COTAS RACIAIS NO FUNCIONALISMO PÚBLICO: DO PROGRAMA

NACIONAL DE AÇÃO AFIRMATIVAS A LEI PAULISTANA 15.939/2013

O debate acerca das políticas afirmativas no serviço público e nas instituições de ensino superior (IES), embora presente historicamente na pauta e atuação do Movimento Negro, intensificou-se partir dos anos 2000; a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em 2001, em Durban, na África do Sul e o estabelecimento de cotas raciais no processo de ingresso a graduação, adotado pela primeira vez por uma universidade pública brasileira, no caso a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), também no ano de 2001, foram fundamentais para a inserção das ações afirmativas como um dos temas centrais, no âmbito das políticas públicas, que tratavam da questão étnico-racial.

O Programa Nacional de Ações Afirmativas (PNAA), criado em 2002, pode ser considerado a medida institucional que inaugura uma política de cotas raciais no mundo do trabalho; instituído pelo Decreto 4.228/2002 este Programa estabelecia a observância da presença, no funcionalismo público federal, de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência, no preenchimento dos cargos de comissão e também da priorização, no processo de contratação e licitatação dos órgãos públicos federais, de empresas com políticas semelhantes as do referido Programa; entretanto, conforme demonstrado por Rafael Osório (2006), o PNAA não foi apropriado pelo funcionalismo público, e portanto, não ocasionou mudanças no que tange diversidade racial serviço público federal.

1 Licenciada e Bacharel em Geografia. Mestre em Planejamento e Gestão do Território. Integrante do NEPEN GEO USP (Núcleo de Estudantes e Pesquisadoras Negras da Geografia da Universidade de São Paulo). Atualmente é professora de Ensino Fundamental II e Médio da Prefeitura Municipal de São Paulo.

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Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs Universidade Federal de Uberlândia – (UFU)

Outras regulamentações e políticas públicas que tratavam da questão das cotas na Administração Pública Federal foram desenvolvidas2, ademais, segundo Tatiana Silva e Josenilton Silva (2014) entre os anos de 2002 e 2013, quarenta e três municípios e quatros estados (Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) implementaram sistema de reserva de vagas em concursos públicos, sendo que algumas destas legislações eram aplicadas exclusivamente aos cargos comissionados.

Os resultados positivos obtidos com as políticas afirmativas, em especial nas instituições públicas de ensino superior, bem como a promulgação do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) - fruto da mobilização do Movimento Negro e de um amplo e intenso debate nacional -, que previa a promoção e execução de políticas afirmativas no mundo do trabalho, acrescido da notória ausência da população negra em determinados cargos públicos, evidenciada, inclusive, pelos estudos realizados por instituições públicas de pesquisa (tais como o IBGE e IPEA), fomentaram o debate sobre a necessidade de criação de uma normativa que tratasse das cotas raciais nos cargos da administração pública federal; visto que, em 2012, apenas 39,9% dos/as funcionários/as públicos/as dos órgãos do Governo Federal eram eram negros/as.

Foi neste contexto que o Executivo Federal elaborou o Projeto de Lei 6.738/2013, que previa o estabelecimento de cotas raciais nos cargos públicos de nível federal. A proposta, aprovada posteriormente (Lei 12.990/2014), determinava que 20% das vagas dos concursos públicos fossem reservadas para candidatas/os negras/os. Este Projeto de Lei influenciou diretamente alguns estados e municípios a elaborarem, seja via Legislativo (leis), seja via Executivo (decretos), regulamentações que tratavam deste tipo de ação afirmativa. Dentre esses municípios, destacamos São Paulo, foco de análise desta pesquisa.

Assim, a bancada de vereadores do Partidos do Trabalhadores (PT), influenciada pelo contexto nacional de discussão e elaboração de instrumentos e regulamentações sobre a reserva de vagas para negras/os na administração pública, e buscando, tanto mitigar a desigualdade racial na cidade de São Paulo, como também reverter o quadro de sub-representação da população negra no serviço público municipal, no ano de 2013, apresentou o Projeto de Lei 223/20133, que objetivava implantar cotas raciais no ingresso de negros e negras no serviço público municipal em cargos efetivos e comissionados. O referido projeto de lei foi aprovado, sem muita oposição no dia 27.11.2013, o mesmo ocorreu com sua promulgação, efetivada no dia 23.12.2013. Entretanto, se não houve óbice para sua aprovação, podemos afirmar também que não houve uma efetiva participação popular, tanto na elaboração do conteúdo legal, como também no processo legislativo de votação.

2 Para saber mais ver Osório (2006). 3 Quando da promulgação da Lei 15.939/2013, a Lei se aplicava também aos/as afrodescendentes, contudo, devido a Orientação Normativa n°03/2016 (que abordaremos mais a frente), atualmente apenas são beneficiários/as desta política afirmativa pessoas socialmente identificadas como negras.

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Souza (2016), afirma inclusive que, a aprovação da Lei Municipal 15.939/2013 foi “facilitada” a partir de algumas estratégias adotadas pelos vereadores proponentes do Projeto, uma delas relaciona-se com a data de escolha da votação, que ocorreu em dias nos quais os vereadores contrários ao PL não estavam presentes; ademais, é importante destacar que o Projeto de Lei 223/2013 foi aprovado através de uma votação simbólica, ou seja, não houve registro individual dos votos, já que, neste processo de votação, o presidente da sessão solicita que aqueles que são contrários ao PL se manifestem, não havendo oposição da maioria o projeto é aprovado, assim, podemos afirmar que estes fatores contribuíram diretamente com a “simplicidade” do texto legal, que conta com apenas seis artigos, sendo que um foi vetado4 pelo Prefeito Fernando Haddad, no momento da promulgação da lei. Logo, deixou-se muitas questões para serem tratadas pelo Decreto, que embora tenha a função de regulamentar as legislações municipais, resulta unicamente da ação do Executivo, portanto, o risco de mudanças e descontinuidades é maior, inclusive no que diz respeito a efetiva aplicação da Lei.

Ainda sobre o contexto de aprovação da Lei 15.939/2013, Souza (2016) aponta que havia uma posição favorável, do então Prefeito da cidade de São Paulo, em relação temática racial, que podia ser identificada tanto pela inclusão no seu Programa de Governo de propostas de elaboração de políticas públicas para a população negra, como também pela criação, no primeiro ano de seu mandato, da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR). Estes fatos contribuíram diretamente para a proposição da referida legislação pelos vereadores, que, cabe ressaltar, eram do mesmo partido do Prefeito, visto que havia uma percepção de que dificilmente o PL seria vetado.

No mês de março de 2014, conforme estabelecido pelo artigo 6° da Lei Municipal 15.939/2013, a Prefeitura Municipal de São Paulo, sancionou o Decreto 54.594/2014, que regulamentou a Lei supracitada e cujo conteúdo será analisado na próxima seção.

A REGULAMENTAÇÃO DAS COTAS RACIAIS NA CIDADE DE SÃO PAULO: ANÁLISE DA LEI

15.939/2013 E DOS DECRETOS MUNICIPAIS 54.949/2014 E 57.557/2016

Em linhas gerais, a Lei Municipal 15.939/2013, que dispõe sobre o estabelecimento de cotas raciais para o ingresso de negros e negras na administração municipal direta e indireta e em cargos efetivos e comissionados, bem como nos estágios profissionais, possui algumas semelhanças com a regulamentação nacional

4 O Art. 4º previa que em contratos, convênios e parcerias firmados entre a administração pública direta e indireta e as pessoas jurídicas de direito público ou privado em que houvesse a previsão de contratação de pessoas para prestação de serviços de qualquer natureza deveria constar cláusula com reserva dos percentuais mínimos de 20% para pessoas negras, foi vetado pelo Prefeito, com a justificativa de que “Tal restrição configuraria, interferência na forma e no planejamento do serviço a ser executado pelo contratado, em desacordo, portanto, com o princípio constitucional que assegura o livre exercício da atividade econômica privada, insculpido no artigo 170 da Carta Magna” (SÃO PAULO, 2013b).

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(Lei 12.990/2013), especialmente no que diz respeito a quantidade mínimas de vagas que deve ter o concurso público, para que as determinações da Lei de Cotas Raciais sejam aplicadas (03 ou mais vagas); a porcentagem de vagas a serem reservadas no serviço público (20% do total de cargos) e as regras de classificação e nomeação dos candidatos, que concorrem tanto com os candidatos da lista especifica, como da ampla concorrência, ou seja, caso um/a cotista tenha uma pontuação que permita sua aprovação dentro do número de vagas da ampla concorrência, ele/a deixa de concorrer na lista específica, liberando sua vaga para outro cotista.

Entretanto, apesar destas semelhanças, a legislação paulistana (em especial os Decretos 54.949/2014 e 57.557/2016) possui algumas especificidades que merecem destaque, a saber: (i) reserva de vagas para todos os cargos da gestão pública, abarcando não apenas os cargos cujo ingresso ocorre mediante concurso público, mas também os cargos comissionados/livre provimento e os estágios profissionais; (ii) estabelecimento de presença mínima de 20% de negras/os para cada secretaria e órgão da administração direta e indireta, o que amplia a possibilidade de diversidade na gestão pública; (iii) criação da Comissão de Monitoramento e Avaliação da Política de Cotas (CMAPC), responsável pelo acompanhamento da aplicação da Lei e pela sistematização dos dados do funcionalismo público paulistano; (iv) instituição da Comissão de Análise de Compatibilidade com a Política Pública de Cotas (CAPC), para atender a Orientação Normativa n° 03 de 01 de Agosto de 20165, que estabelece a necessidade de correspondência da autodeclaração racial com as caracteristicas fenótipicas do candidato/a, ou seja, é necessário que o/a cotista seja identificado/a socialmente como negro/a; a CAPC também é responsável por estabelecer procedimentos e acompanhar o processo de verifcação dos/as candidatos/as cotistas; (v) fixação de prazo para cumprimento da porcentagem miníma de 20% nos órgãos da Prefeitura Municipal de São Paulo, e (vi) responsabilização das unidades de recursos humanos de cada órgão do funcionalismo público, que devem não apenas controlar o cumprimento da presença mínima de 20% de funcionários/as negros/as, como também devem informar as autoridades superiores quando a legislação não estiver sendo cumprida.

Importante destacar que, alguns destes itens não constavam no primeiro Decreto (54.949/2014) que regulamentou a Lei 15.939/2013 e, apenas foram incluídos no Decreto 57.557/2016, elaborado a priori para se adequar a já citada Orientação Normativa n° 03 de 01 de Agosto de 2016, mas que no entanto, em decorrência da experiência de dois anos de aplicação da Lei, aprimorou artigos que ensejavam interpretações distintas e inseriu novas determinações para tratar de procedimentos que não estavam previstos na primeira regulamentação.

Outro ponto que merece destaque associa-se ao prazo para que todos os órgãos da administração direta e indireta cumprissem o percentual mínimo de 20% de

5 A referida Orientação Normativa prevê a confirmação da veracidade da autodeclaração racial concursos públicos. Importante destacar que ela resulta da mobilização e demanda do Movimento Negro, em decorrência das fraudes constatadas na autodeclaração nos concursos públicos por pessoas não-negras.

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funcionários/as comissionados/as negros/as. O prazo inicial estabelecido pelo Decreto 54.949/2014 era de 31 de Dezembro de 2016, com o Decreto de 2016 (57.557) esse prazo foi prorrogado para a mesma data do ano posterior. Aproximadamente um ano antes do vencimento deste novo prazo, no dia 23 de Novembro de 2017, a Municipalidade publicou o Decreto 57.986/20176 que, mais um vez, prorrogou o prazo para que 20% dos/as servidores/as sejam negros/as; isso posto, o prazo atual é 31 de Dezembro deste ano.

Ademais, é fundamental pontuar que o Decreto 57.557/2016 determina, em seu artigo 23, que, nos casos dos cargos em comissão que não tenham atingido o limite mínimo legal, que, obrigatoriamente, apenas devem ser nomeadas pessoas negras, até que se cumpra o percentual de 20%.

Nesse sentido, e considerando sobretudo a prorrogação para o cumprimento das diretrizes acerca dos cargos comissionados, analisaremos no próximo item, a partir dos relatórios7 da Comissão de Monitoramento e Avaliação da Política de Cotas no Serviço Público, bem como dos dados, acerca do funcionalismo público, disponibilizados no Portal da Transparência da Prefeitura de São Paulo, se a aplicação desta política afirmativa contribuiu para redução da sub-representação da população negra na administração pública, em especial nos cargos de alto nível hierárquico.

ACOMPANHAMENTO DA APLICAÇÃO DA LEI 15.939/2013: ANÁLISE DOS RELATÓRIOS DA

COMISSÃO DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS

Iniciamente, antes de focar na análise dos dados sobre a presença da população negra no funcionalismo paulistano, é necessário informar que, segundo dados do Censo 2010, 37% da população que reside em São Paulo, se autodeclara como negra que, conforme estabelece o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), compreende a soma de pardos e pretos, portanto a capital paulista é a cidade brasileira que possui a maior população negra em números absolutos, ou seja, mais de 4 milhões de pessoas.

Entretanto, apesar de constituir parcela fundamental da estrutura demográfica paulistana, verifica-se que mulheres e homens negras/os não apenas vivenciam e se apropriam de forma desigual do território da cidade, como também estão sub-representados nos cargos públicos, especialmente quando se trata dos cargos de alto nível hierárquico e de amplo poder de decisão.

6 Este decreto alterou dois artigos, além do já citado artigo 16 que trata da prorrogação, também alterou-se o artigo 13, que regulamenta a publicação da lista de candidatos/as aprovados nos concursos públicos. 7 Por meio da Lei de acesso à Informação (Lei 12.257/2012) a autora deste artigo solicitou cópias dos relatórios dos anos de 2015 (Processo Administrativo 2015.0.114.653-6), 2016 (Processo Administrativo 2016.0.094.133-4) e cópias do relatório de 2017 (este último não constavam em nenhum processo administrativo, sendo registrado como nota técnica).

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Em Abril de 20148, segundo consta no primeiro relatório da CMAPC, cerca de 22,5% dos/as funcionários/as públicos da cidade de São Paulo se autodeclaravam como negros/as. As mulheres eram a maioria neste grupo, representando 15,23% contra 7,25% dos homens. O relatório indica que entre Abril de 2014 e Fevereiro 2015 houve um aumento de 0,68% neste índice, assim, a participação de negros/as no serviço público municipal atingiu, no início de 2015, 23,16%. Nesse sentido, se considerarmos o funcionalismo público paulistano, de forma agrupada, a porcentagem miníma de 20%, estabelecida pela Lei 15.939/2013 estaria sendo cumprida. Entretanto, conforme já assinalado anteriormente, a regulamentação municipal prevê que esse percentual seja cumprido em cada órgão da administração direta e indireta, ademais, ao analisar os dados de acordo com o nível hierárquico do cargo, a Comissão constatou que nos cargos comissionados e/ou de livre provimento9 com maior remuneração e poder de decisão (cargos de Direção e Assessoramento Superior – DAS), a presença da população negra era de apenas 15,33%, já em relação aos cargos comissionados e de livre provimento com baixa remuneração e poder de decisão (cargos de Assessoramento Intermediário - DAI 1 a 8) a participação de negras/os dobra, totalizando assim cerca de 32% dos funcionários do referido cargo.

Nos chamados cargos de alto escalão (secretários, subprefeitos, chefes de gabinete, entre outros) a presença da população negra, como era de se esperar, não alcança o percentual de 20%. Em 2014, 18,64% destes funcionários/as eram negros/as, em 2015 há uma redução de quase 1,5% e este índice atinge 17,23%.

Ao tratar os dados desagregados por Secretarias Municipais (SMs) a Comissão identificou que, em Fevereiro de 2015, das 26 SMs existentes, 11 não alcançavam o percentual mínimo de 20%, o relatório destaca a disparidade entre os órgãos públicos, assim enquanto na SMPIR (Secretaria Municipal de Promoção de Igualdade Racial) 70,25% dos/as servidores/as eram negros/as, na de Relações Governamentais, menos de 9% se autodeclaravam como negros/as.

Situação semelhante ocorre com as Subprefeituras10, 25 delas alcançavam em 2015 o percentual mínino definido pela Lei 15.939/2013, nas Subprefeituras de Guaianases, Cidade Tiradentes e Sapopembra, mais de 40% do funcionalismo eram composto pela população negra, em contrapartida, 7 não cumpriam com a determinação legal, dentre elas destacamos a do Ipiranga, na qual menos de 12% dos cargos eram ocupados por negros/as.

8 O Decreto 54.944/2014 estabeleceu que anualmente, no mês de abril, a CMAPC enviaria ao Prefeito da Cidade de São Paulo o relatório de análise da aplicação da Lei 15.939/2013, entretanto, no primeiro relatório, o mês de Fevereiro foi adotado, pela Comissão, como mês do recorte temporal para análise dos dados. 9 Para fins de análise e considerando a ausência de dados, nos três relatórios, sobre os cargos comissionados e de livre provimento por Secretaria Municipal, analisaremos esses cargos de forma agrupada, ou seja, sem desagregar por cada orgão público. 10 A cidade de São Paulo possui uma organização administrativa descentralizada, que divide o território da Cidade em 32 Subprefeituras, que desde o ano de 2017, passaram a ser denominadas de Prefeituras Regionais.

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Em relação a administração indireta o relatório destaca que além de muitos órgãos não possuírem informações sobre o pertencimento racial, que há uma confusão acerca do uso da classificação racial oficial, um dos órgãos, por exemplo registrou a informação moreno e outros diferenciam negros de pardos, ignorando assim a classificação do IBGE, também adotada pela Municipalidade, que entende que negro constituem a soma de pretos e pardos. Dentre os 17 órgãos da administração indireta, apenas três atingiam o percentual minímo legal11, algumas cumpriam parcialmente12 a determinação da Lei 15.939/2013, visto que nos cargos de carreira mais de 20% era ocupado pela população negra, entretanto, nos cargos em comissão e livre provimento este percentual não era alcançado, três13 informaram não possuir em seus bancos de dados as informações sobre raça/cor solicitados pela CMAPC e as demais autarquias não cumprem com o percentual mínimo de 20% de servidores/as negros/as.

No caso dos estágios a determinação legal era cumprida com folga, visto que 39% das vagas eram ocupadas por estudantes negros/as.

Isso posto, o primeiro relatório de avaliação da implementação da Lei de Cotas Raciais no serviço público paulistano concluiu que a maior presença de funcionários negros/as ocorria por meio de concursos públicos, e que nos cargos e funções em comissão a sub-representação da população negra não se alterava, sobretudo naqueles cargos com maior poder de decisão, remuneração e exigência de escolaridade.

O segundo relatório elaborado pela Comissão de Monitoramento e Avaliação da Política de Cotas pode ser considerado um relatório mais completo, quando comparado com o primeiro, visto que no relatório de 2016, além dos dados e reflexões mais detalhadas, também são apresentadas as ações de formação14 organizada pelos integrantes da Comissão, para as unidades de recursos humanos dos órgãos públicos municipais.

O relatório aponta que havia no início de 2016 no funcionalismo paulistano 131.287 pessoas, destas 24,47% eram negras, o que representa um acréscimo de aproximadamente 1,28% da presença deste grupo racial, quando comparado com ano anterior.

No que concerne as Secretarias Municipais, dentre as 26 existentes, 09 não alcançavam o percentual mínimo de 20% de servidores/as negros/as. Cabe destacar

11 São elas: Autarquia Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB); Fundação Paulistana de Educação e Tecnologia (FUNDATEC) e Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM). 12 São elas: São Paulo Urbanismo (SP Urbanismo); SP Obras e Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). 13 São elas: São Paulo Transportes (SPTrans); Autarquia Municipal Hospitalar (AHMSP) e Serviço Funerário do Município de São Paulo (SFMSP). 14 O relatório destaca que (i) foram realizados 8 encontros formativos com gestores de RH, (ii) 6 palestras com funcionários da administração indireta e (iii) reuniões e diálogos com gestores de cada secretaria/órgão do funcionalismo público paulistano.

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que além da SMPIR, cujo 76% dos funcionários/as se autodeclaravam como pretos/as e pardos/os, em outras três Secretarias a participação de negros/as era superior a 30%, são elas: Segurança Urbana (38,41%), Transportes (33,33%) e de Coordenação de Subprefeituras (31,76%).

É importante ressaltar também que, mesmo nas 09 Secretarias na qual o percentual não alcançou o mínimo estabelecido pela legislação municipal, que houve aumento (média de 1,35%) na presença de servidores/as negros/as. Por outro lado, dentre estas Secretarias, 04 possuem o percentual abaixo de 15%, são elas: Relações Governamentais (9,10%), Desenvolvimento Urbano (9,80%), Controladoria Geral do Município (13,74%) e Licenciamento (14,09%).

No caso das subprefeituras, comparando o ano de 2015 com o de 2016, há o acréscimo de uma subprefeitura, assim 26 passam a cumprir com o percentual mínimo de 20%. No caso da Subprefeitura do Ipiranga também ocorre um aumento da participação de servidores/as negros/as (cerca de 1%), contudo, insuficiente para que ela supere o 15% de negros/as em seu quadro de funcionários/as. Ademais, da mesma forma que ocorreu com as Secretarias Municipais, mesmo naquelas 06 Subprefeituras que ainda não haviam atingindo o percentual, estabelecido pela Lei 15.939/2013, conforme consta no segundo relatório, houve em média um aumento de 6,48% da presença da população negra.

Considerando os cargos em comissão (DAI, DAS e outros) cerca de 22% estavam ocupados por negros/as, entretanto, ao trabalhar com o dado desagregado, verifica-se a manutenção do padrão já verificado pelo relatório anterior, isto é, a presença da população negra está concentrada nos cargos de baixa remuneração e poder de decisão (33,77%), enquanto que, apesar do crescimento de cerca de 2%, nos cargos DAS o percentual de negros/as, no início de 2016, era de 17,36%.

Nos cargos de alto escalão da administração direta a sub-representação da população negra se mantém, assim nos caso dos chefe de gabinete, de 59 cargos apenas 5 (8,47%) estavam ocupados por negros/as; dentre os subprefeito/as apenas 2 (6,45%) eram negros/as; em relação aos secretários/as adjuntos/as 12% (3 de 24) se declaravam como pretos/as e pardos/as e dentre os 29 secretarios/as municipais, somente 10,34% (3) eram negros, sendo que nenhuma era mulher.

A cidade de São Paulo, possuía na ocasião de elaboração do segundo relatório pela CMAPC, 17 órgãos da administração indireta, e, de forma semelhante ao que ocorreu no primeiro relatório, a análise da presença de servidores/as negros/as nesses órgãos é praticamente inviabilizada, pois muitas autarquias não possuem informações sobre a raça/cor de seus/suas servidores/as, além de não avançarem no uso da classificação racial oficial, ademais alguns órgãos15 da administração indireta

15 Como por exemplo: A Fundação Paulistana de Educação e Tecnologia, Hospital Servidor Público Municipal (HSPM), Serviço Funerário do Município de São Paulo (SFMSP), São Paulo Transportes (Sptrans)

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não responderam a solicitação da Comissão ou enviaram informações incompletas e/ou em desacordo com o solicitado.

Em relação aos estágios havia uma sobrerrepresentação de negras/os. conforme consta no relatório de 2016, cerca de 50% dos estagiários/as eram negros/as.

Por fim, o relatório avalia positivamente os dois anos de aplicação da Lei de Cotas Raciais no Município de São Paulo, indicando, de forma geral, um aumento de pessoas negras no funcionalismo paulistano; importante destacar que este acréscimo ocorreu, sobretudo, por meio da realização de concursos públicos, já que entre os anos de 2014 e 2016, aproximadamente 1.260 servidores/as negros/as ingressaram na Prefeitura de São Paulo mediante cotas raciais.

O terceiro relatório, elaborado no ano de 2017, e que monitora o impacto da aplicação da Lei 15.939/2013 ao longo do ano de 2016, selecionou como data corte o mês de Dezembro do referido ano. Há uma continuidade no aumento da presença de funcionários/as negros/as na administração pública direta, que atinge 25,95%.

Entre as 26 Secretarias Municipais, oito ainda não cumpriam a determinação legal de 20% de negros/as em seus quadros. Em relação àquelas quatro Secretarias, que no início de 2016 possuíam menos de 15% de servidores/as negros/as, com exceção da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, na qual houve uma redução de quase dois pontos percentuais (de 9,80% para 7,95%), há um aumento da participação de negros/as no quadro de funcionários das Secretarias de Relações Governamentais (de 9,10% para 18,03%), de Licenciamento (14,09% 15,73%) e da Controladoria Geral do Município (de 13,74% para 18,60%).

No que diz respeito as Subprefeituras (SBs), não há alteração, portanto, seis SBs não atingiam o percentual de 20% de funcionários/as negros/as, contudo, é importante sublinhar que, em alguns casos, há redução da participação da população negra, é o que ocorre nas Subprefeituras de Jabaquara, Mooca e Vila Mariana, cuja redução é respectivamente de 1,98%, 1,69% e 0,07%.

O relatório constata também que a presença de servidores/as negros/as nos cargos em comissão continua em expansão. Assim, nos cargos DAI há um aumento de 1% e nos DAS de 0,68%, em relação a este último cargo, é importante destacar que ele atinge 18,04% e, desse modo permanece abaixo dos 20% exigido pela legislação municipal.

Para os cargos de chefe de gabinete (CHG), subprefeitos/as (SBP), secretários/as adjuntos/as (SAD) e secretários/as municipais (SMs), o terceiro relatório não apresenta dados desagregados, o que impede uma análise mais adequada, bem como uma ação e pressão mais efetiva por parte da sociedade civil e também da própria Municipalidade. Nesse sentido, em Dezembro de 2016, a porcentagem de

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negros/as em cada uma dessas funções era de 7% no caso dos CHG; 8% no de subprefeitos e em relação as/os SADs e as/os SMs, 10% e 12% respectivamente, portanto em todos os casos permanecia em desacordo com a Lei 15.939/2013.

O relatório em questão também não apresenta dados sobre a administração indireta, apenas relata a existência de um gargalo institucional, haja vista que o sistema de cadastro dos funcionários não é o mesmo da administração direta e fica sob a gestão de cada órgão, além disso, o relatório indica que duas autarquias (Fundação Theatro Municipal e a Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo – PRODAM) precisam implementar ações para assegurar o cumprimento da Lei de Cotas Raciais.

Constam também no relatório algumas recomendações, a saber (i) necessidade das unidades de recursos humanos colherem informações sobre raça/cor de seus funcionários, tendo em vista que não há informações sobre o pertencimento racial de 11% dos/as servidores/as públicos; (ii) compreensão pelos órgãos da administração direta da prioridade de se cumprir os requisitos legais da Lei de Cotas Raciais; (iii) desenvolvimento de uma articulação política (unidades de recursos humanos e alto escalão das secretarias municipais), capaz de assegurar uma maior presença da população negra nos cargos de maior nível hierárquico (DAS); (iv) necessidade de aprimoramento das ações das Comissões, em especial da Comissão de Análise de Compatibilidade com a Política Pública de Cotas (CAPC), visando uma melhor articulação entre a CAPC e a CMAPC; (v) importância da elaboração e implementação de estratégias para assegurar o cumprimento da Lei 15.939/2013 pela administração indireta e (iv) capacitação e formação de servidores/as, tanto no que diz respeito a legislação acerca da política afirmativa no funcionalismo público, como também sobre as desigualdades raciais e de gênero existente na cidade e no país.

O quarto relatório que deveria abordar os quatros anos de aplicação da Lei de Cotas Raciais no município ainda não foi elaborado16. Entretanto, e considerando a instituição de uma nova gestão municipal17 e principalmente a extinção da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial18, acreditamos ser pertinente compreender, ainda que de forma preliminar, qual era participação da população negra na administração direta em janeiro deste ano. Para realizar este levantamento, utilizamos a base de dados dos/as servidores/as públicos/as municipais ativos/as, disponível no sitio eletrônico da Prefeitura de São Paulo19.

16 Foi realizado pela pesquisadora, mediante a Lei de Acesso à Informação, o pedido de acesso ao quarto relatório, no mês de maio deste ano, a resposta obtida é que o mesmo ainda não havia sido elaborado. 17 Em Janeiro de 2017 João Dória (PSDB) assume a Prefeitura de São Paulo. 18 A SMPIR foi extinta e em seu lugar foi criada uma Coordenadoria de Promoção a Igualdade Racial, vinculada a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) 19No Portal Dados Abertos da PMSP constam diversas informações acerca do Município de São Paulo, em consonância com a Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) disponível em http://dados.prefeitura.sp.gov.br/pt_PT/dataset/servidores-ativos-da-prefeitura. Acesso em 01.09.2018

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Em Janeiro de 2018 o total de funcionários da administração direta da PMSP era de 123.574, contudo não havia informações sobre raça/cor de aproximadamente 10% do total destes servidores/as; em relação ao pertencimento racial era possível constatar que 27% dos/as servidores/as eram negros/as, 61% brancos/as, 1,6% amarelos/as e apenas 0,072% se autodeclaravam como índigenas20. Logo, podemos afirmar que, de forma geral, há uma continuidade no aumento da participação da população negra no funcionalismo paulistano, ainda que esse crescimento não seja tão expressivo, visto que entre Janeiro de 2016 e Janeiro 2018 houve um acréscimo de 2,5% de servidores/as negros/as.

Em relação aos cargos em comissão, a situação no início deste ano não era animadora, tendo em vista que houve uma redução, quando comparado com as informações disponíveis no terceiro relatório, pois enquanto que em Dezembro de 2016 havia 34,77% de negros/as nos cargos de Direção e Assesoramento Intermediário (DAI), em Dezembro de 2018 esse percentual era de 31,73%, em relação aos cargos de alto nível hierárquico (DAS), há uma redução de 0,6 da participação de negros/as21, assim o referido indíce reduz de 18,04% em 2016 para 17,44% em 2018.

O número de subprefeituras que atinge a porcentagem determinada pela Lei 15.939/2013 também aumenta (27 no total), uma vez que a Subprefeitura do Jabaquara também passa a cumprir a Lei de Cotas, pois, no início deste ano, 20,13% de seus/suas funcionários/as eram negros/as. Em relação as demais subprefeituras, que permanecem em desacordo com a regulamentação municipal, percebe-se que há uma oscilação na participação da população negra no quadro de funcionários, conforme é possível observar na tabela a seguir, elaborada a partir dos dados dos relatórios da CMAPC e dos dados do Portal da Transparência da PMSP.

Tabela 1 - Porcentagem de funcionários/as negros/as nas Subprefeituras em desacordo com a Lei 15.939 | 2016 - 2018

Subprefeituras Janeiro 2016 Dezembro 2016 Janeiro 2018

Aricanduva 18,26% 19,9% 19,31%

Ipiranga 13,10% 13,54% 14,97%

Mooca 17,07% 15,38% 16,13%

Vila Mariana 16,74% 16,67% 19,58%

Vila Prudente 17,05% 17,95% 15,60%

No caso das subprefeituras de Aricanduva e Vila Prudente podemos verificar que há uma redução da presença da população negra dentre seus servidores, contudo é importante destacar que esse descréscimo ocorre após um movimento de crescimento entre Janeiro e Dezembro de 2016. Tal fato pode ser um indicativo de que a polítca de cotas ainda não foi efetivamente incorporada pelas unidades de recursos

20 Importante destacar que temos ciência que os povos originários/nativos não se identificam como indígenas, entretanto, como já ressaltamos estamos utilizando a denominação oficial constante nos arquivos da municipalidade.

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humanos da gestão municipal, tendo em vista, que o Decreto 57.557/2016, conforme já assinalado anteriormente, determina que, quando o percentual minímo de 20% não tiver sido alcançado, que as novas nomeações para os cargos comissionados devem ser somente de pessoas negras, até que se alcance o percentual legal.

No que diz respeito ao cumprimento da porcentagem mínima de negro/as nas secretarias municipais, verifica-se uma redução do número de secretarias em consonância com a lei 15.939/2013. Assim, enquanto que em Dezembro de 2016 cerca de 31% das SMs possuíam mais de 20% de negros/as em seu quadro de funcionários/as em Janeiro de 2018 esse número22 é de 24%, visto que dos 25 órgãos da administração direta, 623 não alcançavam o mínimo legal.

Por fim, nos cargos de alto escalão fica evidente que não há qualquer incentivo ao cumprimento da determinação legal, no que diz respeito a presença da população negra. Com exceção dos/as subprefeitos/as no qual há um aumento de negros/as (de 8% em 2016 para 14,28% em 2018), nos cargos de chefe de gabinete (7% em 2016 para 4% em 2018), secretários/as adjuntos/as (10% em 2016 para 0% em 2018) e secretários/as municipais (12% em 2016 para 4% em 2018) há uma drástica redução da participação de gestores/as negros/as.

AVANÇOS E DESAFIOS DA POLÍTICA DE COTAS NO FUNCIONALISMO PAULISTANO

No final de 2018 a Lei 15.939/2013 completará cinco anos, assim já é possível estabelecer uma série histórica, que auxilie na compreensão e análise dos impactos desta regulamentação, especialmente no que diz respeito a sub-representação da população negra nos cargos de alto nível hierárquico, com melhores remunerações e poder de decisão.

Conforme demonstrando na terceira sessão deste artigo há um aumento relativo da presença de servidores/as negros/as no funcionalismo paulistano. Importante destacar que, este crescimento, ocorre principalmente, por meio dos concursos públicos, pois o não cumprimento da obrigação legal, ensejaria impugnações judiciais do certame. Sobre a importância das cotas raciais em concursos públicos como forma de assegurar uma maior participação da população negra nos cargos de alto nível hierárquico, podemos citar o caso da Procuradoria Municipal de São Paulo. Em 2013, dos 337 procuradores municipais, aproximadamente 2% eram negros/as, em 2014 foi realizado um concurso público em consonância com a Lei 15.939/2013 e, em 2018, esse número triplicou (6,07%), garantindo assim uma maior representatividade da população negra neste cargo.

22 Optou-se pelo uso do dado relativo, em virtude da redução do número de órgãos da administração direta, realizado pela nova gestão municipal, iniciada em janeiro de 2017. 23 Os seis órgãos são: Secretarias da Justiça (11,11%); Licenciamento e Urbanismo (14,10%); Desestatização e Parcerias (16,67%); Fazenda (17,64%); Serviços e Obras (19,95%), além da Procuradoria Geral do Município (18,89%).

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Contudo, no geral, existe ainda uma grande dificuldade de reverter a baixa presença da população negra nos chamados cargos de alto escalão e/ou de alto poder de decisão e remuneração comissionados e/ou de livre provimento, dado que a nomeação para esses cargos é realizada de forma setorializadas pelos órgãos públicos da administração direta e indireta, ou seja, não existe um acompanhamento/coordenação caso a caso no processo de novas nomeações de funcionários/as. Ademais, percebe-se que, apesar dos esforços da Comissão de Monitoramento e Avaliação de Políticas de Cotas, não existe uma efetiva apropriação, pelo funcionalismo público, das determinações da Lei 15.939/2013 e do Decretos que a regulamentam, tal fato fica evidente quando analisamos a oscilação negativa da presença da população negra nos cargos de Direção e Assessoramento Intermediário (DAI) e de Direção de Assessoramento Superior (DAS). A aparente redução, entre os anos de 2016 e 2018, é um indicativo de que a Política de Cotas Raciais ainda não se transformou, na prática, em uma Política de Estado. Fato confirmado pela quase inexistência de chefes de gabinetes secretários/as adjuntos/as e secretários/as municipais negros/as, bem como pela falta de informação e descumprimento da Lei 15.939/2013 pelas autarquias da administração indireta.

A extinção da Secretaria Municipal de Promoção de Igualdade Racial constitui-se em um retrocesso tanto na aplicação da Lei 15.939/2013, como também, no combate as desigualdades raciais no município de São Paulo. As ações das Comissões, tanto de monitoramento, como de comprovação de compatibilidade racial dos/as candidatos/as cotistas, foram prejudicadas com a extinção da SMPIR, que foi reduzida a uma Coordenadoria. Nesse sentido, em Abril deste ano, ao solicitar os relatórios já produzidos pela CMAPC, pude perceber um desconhecimento por parte de alguns/algumas gestores/as tanto sobre do que se tratava o relatório, como também da obrigatoriedade e do prazo legal, para envio ao Prefeito, do relatório de monitoramento de aplicação da Lei 15.939/2013.

Em relação a CAPC, cabe destacar sua importância, visto que, há uma conduta, que ocorre não apenas nos concursos públicos, mas também nos vestibulares pelo Brasil todo, de autodeclaração ilegal, por parte de pessoas brancas. No caso da cidade de São Paulo, as fraudes também ocorriam, portanto, sua atuação contribui para que, efetivamente, as pessoas negras sejam as beneficiárias da Política de Cotas Raciais a elas destinadas, visto que, em nosso país, o racismo atinge a população com fenótipo negro. Contudo, é preciso aprimorar a atuação da Comissão, no processo de verificação, visto que, no último concurso para Professores de Ensino Fundamental II e Médio houve relatos de comentários inadequados por parte de alguns membros da CAPC.

Por fim, apesar dos desafios da aplicação da Lei Municipal que reservas vagas para candidatos/as negros/as, não podemos ignorar que, apesar das dificuldades, a maior presença de pretos e pardos no serviço público municipal tem contribuído não apenas com uma maior diversidade racial, mas também com o desenvolvimento de políticas públicas, que reconheçam a espeficidade do povo negro. O caso da educação pública municipal é emblemático, visto que, além de uma maior presença de

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professores/as negros/as, percebe-se um aumento deste grupo racial24 nos cargos de gestão, e nesse sentido, a aplicação da Lei 10.639/2003, que trata da obrigatorieda de ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, bem como os casos de racismo existentes no espaço escolar passam a ser tratados de forma diferenciada.

REFLEXÕES FINAIS

Nesse artigo, foi possível compreender o contexto de aprovação da Lei 15.939/2013, bem como o impacto de sua aplicação no que diz respeito a um maior ingresso de pessoas negras, via concurso público na gestão municipal, por outro lado, percebe-se que a referida legislação ainda não conseguiu romper com os obstáculos raciais que impedem uma maior presença da população negra nos cargos de alto nível hierárquico, escolaridade, remuneração e poder de decisão.

O descumprimento, bem como a decréscimo em alguns cargos e órgãos públicos, em especial nos comissionados e/ou de livre provimento, evidenciam que a política de cotas ainda não se transformou em uma Política de Estado. Existe também uma necessidade de se avançar no que diz respeito a autodeclaração dos servidores públicos, pois conforme demonstramos, não há informações sobre raça/cor de 10% dos funcionários da administração direta.

Também é fundamental a participação e pressão da sociedade civil, em especial do Movimento Negro e dos órgãos oficiais de fiscalização (Ministério Público e vereadores, por exemplo), para que as determinações legais da Lei 15.939/2013 sejam cumpridas tanto pela administração direta e indireta, principalmente nos cargos comissionados e/ou de livre provimento em especial do chamados cargos do alto escalão e/ou com amplo poder de decisão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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24 A partir dos dados disponibilizados no Portal da Transparência da PMSP é possível constatar por exemplo, que em janeiro de 2016 apenas 17,22% dos/as diretores de escola eram negros/as; dois anos depois, em Janeiro de 2018 este percentual era de 23,08%. Disponível em: http://dados.prefeitura.sp.gov.br/pt_PT/dataset/servidores-ativos-da-prefeitura. Acesso em 01.09.2018.

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