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POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EQÜIDADE: REVENDO CONCEITOS
Silvia Peixoto de Lima – UCDB Margarita Victoria Rodríguez - UCDB
O objetivo deste artigo é contribuir para a discussão do conceito de eqüidade que se
destaca como princípio na formulação das políticas educacionais no Brasil, pois como lembra
Saviani (2000, p.56) este termo: “(...) se converteu na categoria central das políticas sociais de
um modo geral e, especificamente, da política educacional, sob a hegemonia da orientação
política correntemente chamada de neoliberalismo”.
A partir dos anos de 1970, organismos multilaterais passaram a influir sobre os
governos dos países em desenvolvimento oferecendo recursos financeiros para investimento em
políticas educacionais e assessoria para formulação destas políticas visando, segundo seus
próprios documentos, contribuir para redução dos níveis de pobreza no mundo.
Considerando as políticas sociais e conseqüentemente as políticas educacionais
como “estratégias promovidas a partir do nível político com o objetivo de desenvolver um
determinado modelo social” (BIANCHETTI, 2001, p.88) analisar a concepção que permeia a
formulação das políticas no nosso país é relevante para o entendimento da sociedade
contemporânea, visando uma formação social organizada de forma mais justa.
Há uma estreita dependência entre política e economia na formulação das políticas
educacionais sendo que, como em qualquer política social, o teor econômico predomina. Esta
relação se evidenciou a partir da Revolução Francesa que consolida a formação capitalista
proclamando a igualdade entre os homens perante a lei e a obrigatoriedade do ensino laico e
gratuito. Dessa forma, a condição de igualdade foi associada à educação sendo que sua
organização e formulação fizeram surgir os primeiros sinais da política educacional na
modernidade. Dai o porquê da política educacional ter relação com liberalismo, já que esta
ideologia motivou a Revolução Francesa (MARTINS, 1994).
As políticas sociais que têm como primazia atender as necessidades sociais estão
interligadas às políticas econômicas, que por sua vez têm como objeto central assegurar a
rentabilidade dos negócios na economia de mercado. Ambas são a expressão de conflitos de
interesses das camadas e classes sociais, sendo que os fenômenos que se passam em uma área
repercutem direta ou indiretamente na outra (SILVA, 1997).
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Sob as lentes da ideologia liberal a educação sempre foi vista como um agente de
ascensão social fundamentalmente alicerçada na idéia de que esta possibilita o ingresso no
mercado de trabalho, a geração de renda e a conquista da qualidade de vida. Sendo que ao
Estado caberia proporcionar as condições para a formação do cidadão. Como lembra Saviani
(1998), para os liberais a educação era a condição para a realização da igualdade entre os
cidadãos.
A igualdade é um dos princípios fundamentais do liberalismo. Para o liberalismo
clássico, aqui expresso por John Locke, os homens são iguais, livres e independentes, devendo
por meio do trabalho conseguir as condições de manter a vida e a liberdade, as quais são
consideradas por este, como direitos naturais. Ao Estado, que só existe a partir do contrato
social, compete garantir ao cidadão o direito a propriedade “isto é, a vida, a liberdade e as
posses” (LOCKE, 2005, p.69). Entenda-se como cidadão, o individuo livre e proprietário. Os
não-proprietários, logo os pobres, estão nesta condição por serem perdulários ou preguiçosos.
Locke entende que
Embora a terra e todos os seus frutos sejam propriedade comum a todos os homens, cada homem tem uma propriedade particular em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho de seus braços e a obra de suas mãos, pode-se afirmar, são propriamente dele. Seja o que for que ele retire da natureza no estado em que lho forneceu e no qual o deixou, mistura-se e superpõe-se ao próprio trabalho, acrescentando-lhe algo que pertence ao homem e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. (LOCKE, 2005, p.38).
A ordem dada por Deus ao homem, de que dominasse a terra associada a condição
humana “que exige trabalho e material com que trabalhar”(idem, 2005, p.42), originou a
propriedade privada. Esta por sua vez, é mais produtiva para a humanidade, pois “As provisões
para o sustento da vida humana produzidas em um acre de terra cercada e cultivada – na pior
das hipóteses – são dez vezes mais do que pode produzir um acre de terreno de igual fertilidade
aberto e comunitário” (idem, 2005, p.43). O mundo foi dado em comum aos homens “[...] para
desfrute do diligente e racional – cujo trabalho seria alicerce para o direito de posse – não à
fantasia e ambição dos agressores e altercadores” (LOCKE, 2005, p.41).
Neste contexto Locke justifica a origem do uso do dinheiro porque este possibilita a
expansão da propriedade privada, impulsionada pela produção comercial. Já que “o trabalho
causa a diferença de valor nas coisas” (idem, 2005, p.45) os homens “[...] concordaram com a
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posse desigual e assimétrica da terra”, trocando-a por dinheiro (ouro e prata), que pode ser
guardado, ampliando cada vez mais as posses “daqueles que trabalham”.
Segundo Aranha (1993), Locke considerava que apenas aqueles que eram
proprietários de bens e fortunas tinham o direito a cidadania, pois só eles eram capazes da vida
racional, sendo esta um requisito necessário para participação na sociedade civil. A classe
operária, estava submetida a sociedade civil, podendo ser governada pelos proprietários, mas
não governar.
Locke alerta que ao adotar o princípio de que os homens são iguais por natureza não
esta se referindo a “toda espécie de igualdade” (idem, 2005, p.52), pois admite a desigualdade
social entre os homens decorrente de mérito, dotes, nascimentos e outros. Sendo assim, o
conceito de igualdade defendido por Locke restringe-se a igualdade formal, pois os governantes
deverão “[...] governar por meio de leis estabelecidas e promulgadas, que não poderão variar em
certos casos, valendo a mesma regra para ricos e pobres...”.
Noronha (2006) explica que a partir do século XVIII e XIX, a ideologia liberal é
difundida, pois o ensino moderno se estruturou disseminando a idéia burguesa da educação por
meio da escola obrigatória. Gradativamente a burguesia se consolidou no poder excluindo os
setores oprimidos da antiga ordem feudal que apoiaram a vitória da nova classe, dos ideais de
justiça e participação real na nova sociedade. Cria-se uma nova concepção formal, jurídica e política de igualdade, de liberdade e de justiça, mediada pelo papel do Estado, visando substituir a igualdade real. O Estado burguês, neste processo, toma a si a tarefa de instruir o povo como forma de se legitimar no poder. A gênese da instrução pública está intimamente ligada a esse fato. Era preciso tornar a sociedade coesa, difundindo uma concepção única de mundo, produzir certo tipo de senso comum articulando os interesses das camadas subalternas aos interesses que se organizavam como dominantes. No interior desta concepção formal e jurídica de direito, a instrução pública constitui um direito de todos, porque a luta pela ruptura e superação da ordem feudal trouxe junto o capitalismo e este institui a instrução pública como direito formal de todos (NORONHA, 2006, p.44).
É neste processo que o discurso da igualdade se torna abstrato, escamoteando as
desigualdades reais e atribuindo ao individuo a responsabilidade por seu sucesso ou fracasso.
Assim, o conceito de igualdade fica reduzido a igualdade formal ou jurídica, no qual todos são
iguais perante a lei, pois como explica Bobbio:
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O liberalismo clássico afirmava que a Igualdade de oportunidades é possível mediante a igual atribuição dos direitos fundamentais “à vida, à liberdade e à propriedade”. Abolidos os privilégios e estabelecida a Igualdade de direitos, não haverá tropeços no caminho de ninguém para a busca da felicidade, isto é, para que cada um com sua habilidade alcance a posição apropriada à sua máxima capacidade. (1986, p.604).
Não se trata, pois, de igualdade material originada da distribuição dos bens
produzidos pela sociedade, já que o modo de produção capitalista só é viabilizado na
desigualdade real entre os seres humanos e para mantê-lo, a competição é primordial. Este tipo
de igualdade pertence ao ideal marxista, no qual a pessoas gozariam de igualdade social ou
substancial, que significam condições socioeconômicas iguais. Bobbio (idem, p.600) destaca
que o princípio liberal difere do ideal marxiano expresso na máxima “a cada um conforme a sua
necessidade”, pois este confere a sociedade e ao Governo, o dever de satisfazer as necessidades
de cada um.
Porém, mesmo o liberalismo acaba reconhecendo que a igualdade de diretos não
garante oportunidades iguais para os menos favorecidos e os mais favorecidos socialmente: “Há
necessidade de distribuições desiguais para colocar os primeiros ao mesmo nível de partida; são
necessários privilégios jurídicos e benefícios materiais para os economicamente não
privilegiados” (BOBBIO, 1986, p.604).
Destarte, o conceito de igualdade definido pelo dicionário Aurélio como “qualidade
ou estado de igual” e no sentido matemático: “expressão de uma relação entre seres
matemáticos iguais” assume diferente conotação, a depender do ideário que a adota. Lembrando
que igual, segundo o mesmo dicionário significa: “1. Que tem a mesma aparência, estrutura,
proporção; idêntico. 2. Que tem o mesmo nível; plano.3.Que tem a mesma grandeza, valor,
quantidade, quantia ou número; equivalente.4. Da mesma condição, categoria, natureza, etc”.
Desta maneira, enquanto os liberais defendem ora a igualdade de direitos, ora a
igualdade de oportunidades, os marxistas lutam pela igualdade social.
Nas sociedades de modelo neoliberal a política educacional deve assegurar o direito
à educação “básica geral, liberando os outros níveis do sistema às leis de mercado”
(BIANCHETTI, 2001, p. 112) proporcionando, teoricamente, condições mais equânimes de
vida aos cidadãos. Isto, porém, dependerá do esforço, da competência e da sorte individual.
Semelhante ao liberalismo, a escola deverá ser diferenciada de acordo com as aptidões naturais
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de cada um. Contudo, enquanto para o liberalismo o Estado deve garantir o acesso a educação,
para o neoliberalismo, este acesso restringe-se a educação básica, cabendo ao mercado a
realização das políticas sociais, atendendo aqueles que puderem pagar por elas.
Criticando Friedman1 (1980), Bianchetti (2001) explica que para esse autor a
educação deveria ser garantida por meio de “cupons” adquiridos com fundos públicos, os quais
deveriam ser distribuídos entre aqueles que os solicitassem, podendo com isto comprar no
mercado a melhor oferta de acordo com suas possibilidades. Dentro desta lógica, a educação é
reduzida a uma simples mercadoria.
Bianchetti (2001, p. 94) afirma que o neoliberalismo, somado a teoria do capital
humano, “reduz à formação dos ‘recursos humanos’ para a estrutura de produção”. Assim, a
articulação entre o sistema educativo e o produtivo é imprescindível, já que a educação está em
função do mercado e este é “auto-regulador”, equilibrando as necessidades do mercado com as
ofertas das instituições educacionais.
O mercado para os neoliberais é fundamental, pois é ele quem dita não só as relações
econômicas como as sociais. Por este motivo, para Friedman, os resultados das relações de
mercado não podem ser avaliados de forma moral, como justos ou injustos, pois não são
orientados para este fim. Desta forma, as ações que buscam a eqüidade restringem a liberdade,
já que a busca de igualdade de resultados é contrária a natureza da vida. (BIANCHETTI, 2001).
Note que para Friedman, eqüidade significa igualdade de resultados e por isso contraria os
princípios do liberalismo. No livro “Liberdade de escolher”, Friedman explica que nas primeiras
décadas da República dos Estados Unidos, igualdade significava igualdade perante Deus: “a de
fazer cada um o que quisesse com a própria vida” (idem, 1979, p.134), reinando o conflito entre
a Declaração da Independência e a instituição da escravidão, o qual foi resolvido pela guerra
civil. Porém, após a guerra civil, igualdade passou a ser interpretada como igualdade de
oportunidade, no sentido de que todos poderiam utilizar suas capacidades para conseguir seus
objetivos sem estarem sujeitos a arbitrariedades. Segundo ele, “para a maioria dos cidadãos dos
Estados Unidos, este continua sendo o sentido básico” (idem, 1979, p.134).
Para este autor, em ambos os sentidos dados ao conceito, não há conflito, pois não
contrariam a liberdade de fazer o que bem se pretende com a própria vida. Contudo, o autor
1 Milton Friedman, pensador neoliberal, que critica as concepções liberais e marxistas de intervenção estatal e cujo as idéias, somadas a de Friederich Hayek, tiveram grande influência no processo de reestruturação capitalista.
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critica o sentido de igualdade de resultados que o conceito passou a significar, em evidente
inspiração marxista, pois, este “acabará com a igualdade e com a liberdade” (idem, 1979,
p.152).
Sobre a eqüidade Friedman afirma: “A vida não é eqüitativa. É tentador pensar que o
governo pode retificar o que a natureza produziu. Mas é importante reconhecer também o
quanto nos beneficiamos com a própria iniqüidade que deploramos (FRIEDMAN, 1979,
p.142)”.
Desta maneira, sem deixar de perceber a complexidade existente nos conflitos de
interesse, podemos supor que talvez, no mínimo, para evitar qualquer interpretação inadequada
dos objetivos propostos pelos organismos multilaterais atuantes na América Latina, em especial
a partir da década de 1990, estes passaram a substituir o conceito de igualdade por eqüidade na
formulação das políticas educacionais.
Passamos agora a refletir sobre a eqüidade como principio norteador das políticas
educacionais utilizadas no nosso país, buscando seu significado na história.
Múltiplos significados O conceito de eqüidade aparece na Grécia antiga, nos escritos de Aristóteles. Para o
filósofo o conceito de eqüidade está interligado ao conceito de justiça a qual é definida como:
(...) a qualidade que nos permite dizer que uma pessoa está predisposta a fazer, por sua própria escolha, aquilo que é justo, e, quando se trata de repartir alguma coisa entre si mesma e a outra pessoa, ou entre duas pessoas, está disposta a não dar demais a si mesma e muito pouco à outra pessoa do que é nocivo, e sim dar a cada pessoa o que é proporcionalmente igual, agindo de maneira idêntica em relação a duas outras pessoas. A justiça, por outro lado, está relacionada identicamente com o injusto, que é excesso e falta, contrário à proporcionalidade, do útil ou do nocivo. (...) No ato injusto, ter muito pouco é ser tratado injustamente, e ter demais é agir injustamente (ARISTÓTELES, 1999, p. 101).
Eqüidade e justiça são definidas por Aristóteles (1999, p.109 grifo nosso) como “a
mesma coisa, embora a eqüidade seja melhor”. Para ele o eqüitativo é considerado justo, mas
não de acordo com a lei e sim como uma correção da justiça legal, quando está não prevê
particularidades, deixando lacunas. A aplicação universalizada da lei pode acarretar injustiças,
cabendo nestes casos a eliminação do erro onde esta é omissa dada a sua generalidade. “Por isto
o eqüitativo é justo, e melhor que uma simples espécie de justiça, embora não seja melhor que a
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justiça irrestrita (mas é melhor que o erro oriundo da natureza irrestrita de seus ditames)” (idem,
p.109).
Observa-se que para Aristóteles o conceito de justiça está intimamente ligado ao
conceito de eqüidade identificando esta “como o julgamento compreensivo acerca de certos
fatos. E julgamento compreensivo é o julgamento no qual está presente a percepção do que é
eqüitativo, e de maneira acertada; e julgar acertadamente é julgar segundo a verdade” (idem,
p.123).
Assim, para Aristóteles, o princípio da eqüidade exige o reconhecimento das
desigualdades existentes na polis, e o tratamento desigual aos desiguais na busca da igualdade
entre os homens (considerando aqui apenas os que eram livres). Caso contrário bastaria aplicar a
lei de forma generalizada tratando de forma igual os desiguais.
Chauí (2001, p.382) explica que para Aristóteles há dois tipos de justiça: a justiça
distributiva e a justiça participativa sendo que a primeira consiste em dar a cada um o que lhe é
de direito tendo como função “dar desigualmente aos desiguais para torná-los iguais” e a
segunda consiste em respeitar a forma como a comunidade definiu sua participação no poder.
A função ou finalidade da justiça distributiva sendo a de igualar os desiguais, dando-lhes desigualmente os bens, implica afirmar que numa cidade onde a diferença entre ricos e pobres é muito grande vigora a injustiça, pois não dá a todos o que lhe é devido como seres humanos. (CHAUÍ, 2001, p.382)
Saviani2, conceituado educador progressista, no artigo “Equidad o igualdad en
educación?” (1998), destaca que do ponto de vista histórico esse princípio era utilizado pelos
juristas romanos para abrandar o rigor do direito, por meio de uma interpretação benigna,
favorecendo certa margem de arbitrariedade nas decisões daqueles que detêm o poder. A
eqüidade é entendida como um equilíbrio entre o mérito e a recompensa, o que para o autor
justifica a prioridade dada a esse conceito na atualidade uma vez que há o endeusamento do
mercado e por isso, o aumento da concorrência e competitividade. Desta forma questiona a
substituição do conceito de igualdade pelo de eqüidade na formulação das políticas
educacionais, refletindo sobre a complexidade do conceito e salientando que:
[...] es justamente el recurso al concepto de equidad lo que viene a justificar las desigualdades al permitir la introducción de reglas utilitarias de conducta que corresponden a la desregulación del Derecho, posibilitando tratamientos
2 No texto citado, Saviani faz um importante resgate sobre o sentido etimológico do conceito eqüidade.
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diferenciados y ampliando, en una escala sin precedentes, el margen de arbitrio de los que detentan el poder de decisión (SAVIANI, 1998, p.28) .
Ainda Saviani (2000, p.56) criticando a reforma educacional instituída pelo Decreto
2.208 de 1997, em evidente desagrado com termo em questão define-o com base no dicionário
Aurélio3, verificando que dentre os diversos sentidos atribuídos a este, se pode concluir que
eqüidade “implica o reconhecimento e legitimação das desigualdades, conduzindo ao
tratamento igual dos desiguais” (grifo nosso).
Contudo é comum que encontremos palavras que assumem diversos significados,
dependendo de como são utilizadas. “Se as palavras tivessem sempre um sentido óbvio e único,
não haveria literatura, não haveria mal-entendido e controvérsia”. (CHAUÍ, 2001, p. 96).
Observemos a fala de Hayek4, ferrenho defensor do neoliberalismo sobre o conceito em questão.
Hayek (1990, p.92) condenando a planificação do Estado defendida pelos socialistas
sugere:
Se quisermos pôr a prova à utilidade do princípio de ‘eqüidade’ ao decidir as questões decorrentes do planejamento econômico, devemos aplicá-lo a algum caso em que ganhos e prejuízos sejam identificados com igual clareza. Em tais casos logo se percebe que nenhum princípio geral como o da eqüidade, pode ser satisfatório. Quando temos de escolher entre salários mais elevados para enfermeiras ou médicos e uma aplicação dos serviços prestados aos doentes, entre mais leite para as crianças e melhor remuneração para os trabalhadores agrícolas, ou entre emprego para os desempregados e melhores salários para os que já tem trabalho, a solução exige nada menos que um sistema completo de valores em que cada necessidade de cada pessoa ou grupo tenha uma posição definida. (HAYEK, 1990, p.90, grifo nosso).
E prossegue afirmando que o Estado de Direito5 produz desigualdade econômica, mas
protege a igualdade perante a lei, sendo a antítese do governo arbitrário. Esta igualdade formal é
incompatível com qualquer atividade de governo que vise à igualdade material entre os
diferentes indivíduos, pois “qualquer política consagrada a um ideal substantivo de justiça
3 O autor utiliza-se de enciclopédias e dicionários para estudo dos conceitos pois esses tendem, segundo ele, a sedimentar aquilo que, de certo modo, já tem consenso. 4 Hayek defende a supermacia do mercado em detrimento ao Estado, que deve ser mínimo. Recusa a idéia de contrato social e propõe uma “democracia limitada” 5 Segundo Hayek (1990, p. 86) no Estado de Direito todas as ações do governo são regidas por normas previamente estabelecidas e divulgadas permitindo ao cidadão conhecer de que modo a autoridade usará seus poderes coercitivos, possibilitando assim o planejando de suas atividades individuais com base nesse conhecimento. Para Evaldo Vieira (1998), o Estado de Direito impõe o princípio da soberania popular, exigindo o voto universal e o controle social da administração pública.
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distributiva leva à destruição do Estado de Direito. Para proporcionar resultados iguais para
pessoas diferentes, é necessário tratá-las de maneira diferente” (1990, p.91, grifo nosso).
Observe que o conceito de eqüidade que Saviani critica não é o mesmo que Hayek
combate. O sentido que Saviani atribui à eqüidade, dentro do contexto das sociedades capitalistas
leva a perpetuação da desigualdade, pois tratar de forma igual os desiguais, não contribui para
construção de uma sociedade igualitária. Como afirma o próprio Hayek “dar a diferentes pessoas
as mesmas oportunidades objetivas não equivale a proporcionar-lhes a mesma oportunidade
subjetiva”. (idem, p.91).
Em contrapartida, no sentido atribuído por Hayek ao princípio de eqüidade pode
contribuir para a construção da igualdade e este é um dos motivos que o torna improdutivo para a
concepção de Estado Mínimo. Como lembra Bianchetti (2001, p.72) a desigualdade dos homens
é o pressuposto fundamental da concepção neoliberal sendo esta “(...) uma necessidade social, já
que permite o equilíbrio e a complementação de funções”.
Destacamos ainda, a seguinte concepção de Hayek:
Se quisermos criar novas oportunidades que estejam ao alcance de todos, oportunidades estas que as pessoas possam utilizar da forma que entenderem, os resultados exatos não poderão ser previstos. As normas gerais, as verdadeiras leis, em contraposição às determinações específicas, devem portanto ser configuradas de modo a atuar em circunstâncias que não podem ser previstas em detalhe, não sendo assim possível conhecer de antemão o seu efeito sobre as pessoas ou objetivos determinados. Só assim o legislador será imparcial (HAYEK, 1990, p.89).
Note com isto que apesar da imensa diferença ideológica entre Saviani e Hayek,
ambos criticam a possibilidade de arbitrariedades na aplicação do princípio, bem como seu
caráter utilitário, causando a desregulamentação do Direito.
Já para Rawls, com seu liberalismo social e contratualista, defendido no livro Uma
Teoria da Justiça (1997), o princípio da liberdade somado ao de eqüidade, compõe o conceito de
justiça. O primeiro consiste na liberdade referente a: política, de expressão e de reunião, de
consciência e de pensamento, de possuir propriedade, e em relação a prisão arbitrária. E o
segundo, princípio da eqüidade ou de justiça, é composto por outros dois princípios: o da
diferença e o da igualdade o qual ele interpreta desta maneira: “as desigualdades econômicas e
sociais devem ser ordenadas de modo a serem ao mesmo tempo: (a) para o maior beneficio
esperado dos menos favorecidos e (b) vinculadas a cargos e posições abertos a todos em
condições de igualdade eqüitativa de oportunidades” (RAWLS, 1997, p.88).
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Amazoneida (2002, p. 92) discorre que Rawls procura “compatibilizar a liberdade
individual com a igualdade (de oportunidades) e a eqüidade (dar mais a quem têm menos)”.
Contudo o princípio de liberdade é prioritário ao de eqüidade, não havendo riscos “ao poder e à
riqueza dos estratos sociais mais abastados, em nome de uma igualdade socioeconômica, pois de
fato se persegue como prioridade são oportunidades iguais”. Na verdade o autor prefere que o
segundo princípio seja entendido como “o principio liberal da igualdade eqüitativa de
oportunidades” (RAWLS, 1997, p. 89).
Assim, para Rawls, a semelhança de Aristóteles, o conceito de eqüidade está ligado
ao de justiça cabendo ao Estado a garantia da satisfação das necessidades fundamentais dos
indivíduos mesmo que por ação preventiva ou curativa em função de seqüelas produzidas pelo
mercado.
Desta forma observamos que o conteúdo do mencionado conceito é abordado de
maneira paradoxal por ideólogos de diferentes correntes filosóficas, ou não, assumindo sentidos
divergentes a depender da forma como é utilizado: Aristóteles (1999) para o qual o princípio de
eqüidade representa uma correção da justiça legal; Saviani (1998) que reflete sobre o conceito
fundamentar-se em razões utilitárias; Rawls (1997) que por meio do conceito “justiça como
eqüidade” reforça o sentido de igualdade de oportunidade, Friedman (1979) que o apresenta
como igualdade de resultados e Hayek (1990) para o qual o princípio citado quando posto a
prova da utilidade torna-se insatisfatório.
Nesta análise parece-nos pacífico que no sentido histórico, o conceito traz implícito o
sentido de flexibilidade ou como afirma Saviani (1998, p.30) “maleabilidade” na aplicação do
direito ou ainda, nas palavras de Aristóteles (2003, p.125) “[...] uma correção da lei quando essa
é deficiente em razão da sua generalidade”. Transformando isso numa máxima poderíamos
resumir o conceito em “tratar de forma desigual os desiguais”, na busca da justiça, ou melhor,
da igualdade.
Nota-se que ora o conceito é entendido como em tratar de forma igual os desiguais
(igualdade de oportunidade, por exemplo) ora em tratar de forma desigual os desiguais (dar mais
a quem tem menos). Atente que não se trata de um jogo de palavras, mas de conceitos que
orientam as políticas públicas que se implementam referenciadas nestas concepções. A aplicação
prática de “tratar de forma igual os desiguais” produz resultados diferentes de “tratar de forma
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desigual os desiguais” e este é o conceito de eqüidade que consideramos correto, pois de alguma
forma isto pode contribuir para resultados mais igualitários.
Nas sociedades capitalistas, não obstante o risco de arbitrariedade, políticas de cunho
eqüitativo podem ser uma forma de buscar igualdade. Observemos por exemplo, o caso da
política de cotas para negros nas universidades. Esta, embora não esteja regulamentada, tem sido
utilizada por algumas Instituições de Ensino Superior (IES) como ações afirmativas.
Bittar e Almeida em artigo sobre pesquisa realizada na Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul (UEMS) referente à política de cotas adotada por esta IES explicam que:
De acordo com Almeida (2003), “[...] somos o país com a segunda maior população negra do mundo – mais de 79 milhões de afro-descendentes, ficando atrás somente da Nigéria”; entretanto apenas 2,8% de alunos negros concluem o ensino superior (MEC/INEP, 2006); a desigualdades entre negros e brancos que concluem o ensino superior é significativa [...] e a superação dessa situação requer públicas imediatas. (BITTAR E ALMEIDA, 2006, p.190).
E continuam expondo por meio de dados publicados pelo MEC/INEP (2006) que:
[...] a taxa de sucesso de negros e pardos é significativamente menor que a de brancos, ou seja, somados os dois segmentos, pardos e negros (definição do IBGE), esses representam 46,9% da sociedade, mas estão presentes no campus apenas 24,1%; entre os brancos essa presença aumenta para 72,9%, embora, na sociedade, sejam 50% do total. Com a relação aos ingressantes, os brancos somam 70,2%, enquanto negros e pardos representam 26,9%. Porém, a tendência ainda diminui ao se observarem os dados dos concluintes, pois os brancos representam 75,4% e os negros e pardos 20,3%. (idem, 2006, p.192).
As autoras chamam atenção para a situação de desigualdade existente também no
Estado de Mato Grosso do Sul e para o fato da Assembléia Legislativa Estadual, após
reivindicação dos movimentos sociais, aprovar por unanimidade a proposta de implantação de
cotas na UEMS. Citam que a justificativa para tal proposição foi que:
[...] o quadro de desigualdade social entre negros e brancos está relacionado tanto a fatores estruturais quanto à discriminação. Entre os fatores estruturais, sem dúvida, o mais significativo é o componente educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso à educação formal, os negros também ocupam postos de menor prestígio no mercado de trabalho. Nesse sentido, é preciso que o Estado invista em políticas públicas afirmativas, invertendo a lógica da estrutura de oportunidades, que está profundamente marcada por práticas violadoras de direitos e de discriminações baseadas na raça. (Lei nº 2.605, 2003 apud BITTAR E ALMEIDA, 2006, p.194).
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Travam posteriormente uma discussão sobre a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade das leis estaduais que estabelecem as cotas trazendo opiniões de diversos
autores favoráveis e contrários às mesmas, entre elas: “Num país democrático, boas intenções
não podem servir de pretexto para desrespeito à lei”. (GOLDEMBERG, 2004, A3 apud BITTAR
E ALMEIDA, 2006, p. 194), concluindo que pelo fato do Brasil subscrever a Convenção
internacional de eliminação de todas as formas de racismo, em 1968, o sistema de cotas é
constitucional.
Podemos dizer que aquilo que Goldemberg chama de “boa intenção” em desrespeito a
lei equivale ao conceito histórico do princípio de eqüidade citado por Saviani (1998, p.29) para
explicar que os juizes romanos “[...] sin embargo, com esto no siempre tenía en cuenta las
circustancias de hecho, y su aplicación rigurosa podía no tomar-las en consideración, se aplicaba
la equidad para atemperar el rigor del derecho, por medio de una interpretación benigna.”
A expressão “uma boa intenção” (se é que se pode simplificar o fato histórico assim)
e “uma interpretação benigna” em relação à lei, dado a particularidade do caso e em prol de uma
ação justa, que para Aristóteles (2003, p.111, grifo nosso) equivale a “igual”, expressam o
sentido de eqüidade que a depender do ideário de quem o julga pode parecer ou até mesmo ser
arbitrário.
No entanto, entendemos não ser esse o caso das cotas para negros. Essas políticas
representam a tentativa de romper com uma situação de desigualdade entre negros e brancos e
são feitas dentro do principio da eqüidade, entendida aqui como “tratar de forma desigual os
desiguais” e não como igualdade de oportunidades (tratar de forma igual os desiguais),
considerando que isto só é possível após o ingresso no meio acadêmico.
“Tratamento desigual”, pois o processo de classificação é particularizado entre
aqueles que se identificam como negros e não universalizado (vestibular para todos),
viabilizando o acesso desses ao meio acadêmico. É importante lembrar que o processo seletivo
se dá da seguinte forma:
Os candidatos que aspiram a uma dessas vagas submetem-se às mesmas provas dos candidatos às vagas gerais e são avaliados da mesma forma e com os mesmos critérios de nota. Assim, o argumento de que a universidade receberá desqualificados e despreparados torna-se frágil. A diferença consiste no fato da inscrição; ao se corrigirem as provas, eles serão classificados separadamente e, os que obtiverem notas necessárias para aprovação, ocuparão as vagas.(BITTAR E ALMEIDA, 2006, p. 198, grifo nosso).
13
Terminado o curso poderíamos dizer, ainda que teoricamente, que o profissional teria
oportunidades iguais de ingresso no mercado de trabalho. É evidente que isto não é suficiente
para criar condições de igualdade substantiva em nossa sociedade e nem poderia ser, já que este
não é o objetivo do modelo econômico vigente. É, contudo, uma forma de reduzir desigualdades
uma vez que o mercado globalizado exige cada vez qualificação profissional e formação
contínua para manter-se inserido no trabalho, sobretudo naqueles de melhor remuneração.
Para Bittar e Almeida esse novo paradigma dos poderes públicos:
[...]direciona-se a uma noção mutante e militante de igualdade, uma vez que se percebeu a ineficácia do zelo por uma igualdade meramente formal e abstrata, além de estática, que, na maioria das vezes, aprofunda e perpetua as desigualdades presentes na sociedade. Da ótica ultrapassada do indivíduo genérico, desprovido de cor, sexo, idade, classe social, entre outros critérios, agora se busca o indivíduo específico, “historicamente situado”, objetivando extinguir ou diminuir o peso das desigualdades impostas econômica e socialmente.(idem, 2006, p.200, 201).
Como explica Noronha:
O processo de superação das condições sociais de uma sociedade é complexo e cheio de mediações. Mas o operariado, por viver de forma prática as contradições postas e repostas pela organização de mundo, tende a ser a classe que leva adiante o interesse contínuo de transformar a sociedade. E nessa luta, suas conquistas cotidianas são importantes e significativas para esse avanço. Nesse sentido, as reformas e conquistas pequenas e fragmentárias são importantes para que suas condições objetivas avancem (NORONHA, 2004, p. 30).
Ao analisar a concepção das políticas neoliberais no Brasil, Noronha (2006) faz uma
interessante junção do conceito de eqüidade no sentido de “equilíbrio entre o mérito e a
recompensa” com o de empregabilidade “onde o indivíduo é responsável pelo seu êxito ou
fracasso de forma individual e permanente”, enfocando que o “mérito e a recompensa são
definidos, portanto, pelo modo como o individuo se coloca no mercado de trabalho (idem,
p.51)”.
Dentro do contexto da reestruturação capitalista o conceito de empregabilidade
aparece como a capacidade do individuo de estar sempre em formação para atender aos
desmandes do mercado, sendo flexível, polivalente, buscando conseguir com isso “manter-se
empregável”. Assim, o trabalhador é obrigado a buscar, na educação, constante aperfeiçoamento
para ser (ou permanecer) incluso no mercado de trabalho. Deste modo, a educação desloca-se da
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esfera dos direitos constitucionais “[...] perdendo a perspectiva de ser integradora para
aprofundar a sua função de justificadora das desigualdades sociais” (NORONHA, 2006, p.52).
Posto isto, passamos a analisar a forma como o conceito de eqüidade é utilizado pelo
Banco Mundial influenciando a elaboração da maioria das políticas educacionais no Brasil.
O Banco Mundial e as políticas educacionais
No processo da reestruturação capitalista, os Bancos Multilaterais de
Desenvolvimento, enquanto financiadores e orientadores de políticas educacionais nos países da
América Latina têm desempenhado com supremacia o papel ideológico de propagadores do
neoliberalismo.
Para Antunes (1999), a reorganização do capital e do seu sistema ideológico e político
de dominação se dão como resposta a crise enfrentada pelo capitalismo. Isto é evidenciado pelo
advento do neoliberalismo com a defesa da privatização do Estado, a desregulamentação dos
direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal.
O ressurgimento do liberalismo na sociedade contemporânea se dá a partir da
divulgação das teorias de Hayek e Friedman, passando do campo teórico para a prática a partir
dos governos de Margareth Tatcher em 1979, na Inglaterra, de Ronald Reagan em 1980, nos
Estados Unidos e de Helmut Kohl, em 1982, na Alemanha, somado a derrocada comunista. A
consagração dessas idéias é viabilizada por diversas organizações multilaterais que influenciam
a implantação de políticas públicas, principalmente nos países do terceiro mundo. Desta forma,
o neoliberalismo se expande de uma forma quase hegemônica, inclusive para o Leste Europeu e
os países da Ásia (FIORI, 1998).
Rosemberg (2000) citando Russett & Starr (1989) explica que:
Reserva-se a denominação de organizações intergovernamentais (ou multilaterais) para aquelas que institucionalizam relações entre Estados (por exemplo a ONU), em que os representantes nacionais são encarregados de defender, pelo menos teoricamente, não seus interesses individuais, mas interesses e políticas de seu país (idem, p.69).
Fazendo referência a Smouts (1995), expõe que as principais finalidades das
Organizações Intergovernamentais (OIs), são: definir e estabelecer direitos de propriedade dos
atores internacionais; gerir problemas decorrentes de uma coordenação internacional;
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reconstruir economias e sistemas políticos; proteger os Estados-membros em caso de ameaça
internacional. (ROSEMBERG, 2000, p. 72). Como ressalta a autora, essas necessidades
restringem e facilitam a ação dos Estados-membros impondo condições que devem ser seguidas
pelos países demandatários.
Os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento englobam o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BIRD) e o conglomerado do Banco Mundial (BM) que por sua vez é
composto por cinco instituições: o Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento (BIRD), a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação
Financeira Internacional (CFI), a Agência Multilateral de Garantias de Investimento (AMGI) e
o Centro Internacional para Conciliação de Divergência nos Investimentos (CICDI)
(ROSEMBERG, 2000)
Nos documentos do Banco Mundial é possível identificar os fundamentos do
liberalismo clássico: igualdade (formal), individualismo, liberdade, propriedade privada,
democracia, sociedade civil e mercado, que acabam influenciando direta e indiretamente nosso
cotidiano.
Fiori (1998) explica que não há diferenças básicas entre o liberalismo clássico e
novo liberalismo. Ambos estruturam-se sobre a idéia de o mínimo de política e Estado possível,
fazendo defesa intransigente do individualismo e condições igualitárias para todos. A partir dai,
dado as diferenças e competências de cada um, serão geradas resultados distintos legítimos e
benéficos para o funcionamento da sociedade capitalista.
Coerente com a ideologia que orienta seus trabalhos, o Banco Mundial fomenta
políticas objetivando desenvolver um modelo de sociedade que atenda seus interesses
estratégicos. Enquanto organização multilateral financia políticas educacionais que aparecem,
segundo seus próprios documentos, como promotoras da “universalização da educação básica e
da possibilidade de mobilidade social”. Isto pode ser evidenciado no Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial 2006: “Eqüidade e Desenvolvimento”.
Políticas sociais e especificamente educacionais, embasadas no conceito de eqüidade
terão diferentes compromissos conforme a concepção que se faça desta. Isto fica claro no
conceito atribuído a eqüidade pelo Banco Mundial, no qual a define em dois princípios básicos,
sendo o primeiro a igualdade de oportunidade principalmente pelos talentos de cada pessoa,
independente de etnia, gênero ou história social e o segundo princípio o da prevenção de
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privação de resultados, especialmente aqueles concernentes à saúde, educação e níveis de
consumo.
O Banco faz franca distinção entre igualdade e eqüidade salientando que “[...] embora
campos de atuação mais equilibrados possam produzir menor desigualdade de desempenho
educacional, condições de saúde e renda, o objetivo da política não é a igualdade de resultados
finais” (BANCO MUNDIAL, 2006, p.15).
A eqüidade não significa a igualdade de renda ou de situação de saúde ou qualquer outro efeito específico. Pelo contrário, é à busca de uma situação em que as oportunidades sejam iguais, ou seja, em que o esforço pessoal, as preferências e a iniciativa – e não as origens familiares, casta, raça ou gênero – sejam responsáveis pelas diferenças entre realizações econômicas das pessoas (BANCO MUNDIAL, 2006 b, s/n).
Destaca a importância das diferenças de renda no fornecimento de incentivos para
investimentos em educação e capital físico para trabalhar e assumir riscos, afirmando que a ação
pública deve se concentrar em oferecer igualdades de oportunidades econômicas e não na
desigualdade de rendimentos. “Do ponto de vista da eqüidade, a distribuição de oportunidades é
mais importante que a distribuição de resultados” (idem, 2006, p.16).
O documento afirma que a missão do Banco é a redução da pobreza absoluta e que
educação e saúde têm valor intrínseco afetando a capacidade dos indivíduos de se integrarem à
vida econômica, social e política, perpetuando as desigualdades existentes em escala mundial.
Nele, a relação entre eqüidade e desenvolvimento é destacada e divida em duas premissas: “Com
mercados imperfeitos, as desigualdades de poder e riqueza traduzem-se em oportunidades
desiguais, que acarretam o desperdício de potencial produtivo e ineficiência na colocação de
recursos” (idem, p.20) e “As desigualdades econômicas e políticas estão associadas a
deteriorização do desenvolvimento das instituições” (idem, p. 21).
Para o Banco:
Quando as sociedades se tornarem mais igualitárias de modo a conduzir a maiores oportunidades para todos, as pessoas de baixa renda estarão em condições de aproveitar um “duplo dividendo”. Primeiramente, a ampliação de oportunidades beneficia os pobres diretamente, por intermédio da participação no processo de desenvolvimento. Segundo, o processo de desenvolvimento propriamente dito pode obter mais êxito e tornar-se mais flexível à medida que a maior eqüidade produzir melhores instituições, gestão mais eficaz do conflito e um melhor uso de todos os potenciais recursos da sociedade, inclusive os recursos das pessoas de baixa renda (idem, p.22).
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Estas políticas incluiriam as pessoas de baixa renda no mercado consumidor,
amenizando conflitos e garantindo a rentabilidade dos negócios na medida em que garantiriam o
exercício dos governos. Coraggio (1998) observa que as políticas sociais deste contexto buscam
dar continuidade ao processo de desenvolvimento humano que ocorreu apesar da falência do
desenvolvimento econômico, investindo no “capital humano”; são focadas para compensar
conjunturalmente os efeitos da revolução tecnológica e econômica, e orientadas para garantir a
continuidade das políticas de ajuste estrutural; e ainda, são elaboradas para instrumentalizar a
política econômica tendo como:
[...] principal objetivo é a reestruturação do governo, descentralizando-o ao mesmo tempo em que o reduz, deixando as mãos da sociedade civil competitiva a alocação de recursos, sem mediação estatal. Outro efeito importante é introjetar nas funções públicas os valores e critérios do mercado (CORAGGIO, 1998, p. 78).
Referente à educação o Banco afirma a importância do ensino fundamental e de
políticas que possibilitem a melhoria das condições de acesso, o aumento do incentivo aos
professores, a qualidade básica da infra-estrutura física das escolas, a realização de pesquisa e
implementação de métodos de ensino para alunos com dificuldade de aprendizagem e o
investimento em bolsa de estudos.
A educação deverá ser o grande divisor de águas possibilitando o desenvolvimento
de cada um a partir de suas capacidades e conseqüentemente acarretando o desenvolvimento
social, embora não de forma igualitária.
[...] mesmo com uma igualdade de oportunidades genuína, sempre são esperadas algumas diferenças de resultado devido a diferentes preferências, talentos, esforço e sorte. Isso está de acordo com o importante papel desempenhado pelas diferenças de renda no fornecimento de incentivos para investir em educação e capital físico, para trabalhar e assumir risco (BANCO MUNDIAL, 2006, p.15)
Neste modelo social a desigualdade tem papel fundamental, pois motiva a competição
entre os homens. O Banco, porém reconhece a improdutividade daquilo que chama de
“armadilha de desigualdade” a qual, segundo ele, são perpetuadas pelas elites e internalizadas
pelos grupos marginalizados impedindo os pobres de sair da pobreza sendo que esta situação
impede o desenvolvimento sustentável. Isto, entretanto, pode ser resolvido com políticas que
contribuam para a transição da “armadilha da desigualdade” para:
[...] um circulo virtuoso de igualdade e crescimento por intermédio do equilíbrio do campo de atuação - com maior investimento aos recursos
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humanos das pessoas de mais baixa renda; acesso mais amplo e mais igualitário aos serviços públicos, à informação e aos mercados; garantia de propriedade para todos; e mercados mais justos (BANCO MUNDIAL, p. 15).
Sob esta ótica, para o Banco, romper com o círculo da desigualdade exige o
investimento nos recursos humanos, reforçando a concepção defendida pela teoria do capital
humano, na qual a educação deve potencializar a capacidade de trabalho do indivíduo para
atender o mercado. Além disso, o acesso a informação deve ser incentivado, mantendo os
trabalhadores em constante formação e é claro, empregáveis.
Esta feita, o homem tende a buscar o bem-estar que, para esta corrente, significa
capacidade de consumo, a qual só pode se realizar por meio do mercado. E é este que deverá
garantir a prestação dos serviços públicos, cabendo as pessoas escolherem livremente de acordo
com suas possibilidades, onde consumir. Conseqüentemente, no parecer dos neoliberais, haverá
mais competição, gerando mais qualidade no fornecimento dos produtos. Ao Estado compete
subsidiar a educação apoiando a iniciativa privada, salvaguardar a liberdade de mercado, o
direito a propriedade, intervindo na ordem social somente “quando se encontram em perigo seus
fundamentos” (BIANCHETTI, 2001, p.81). Bianchetti explica que:
A característica mais importante do neoliberalismo em relação a outras propostas neoliberais é a ampliação do raio de ação da lógica de mercado. Enquanto nas concessões liberais-sociais se reconhece a desigualdade derivada do modo de produção capitalista e, portanto, aceita-se a intervenção do Estado para diminuir as polarizações o neoliberalismo rechaça qualquer ação estatal que vai além da de ser um “árbitro imparcial” das disputas. A idéia do Estado mínimo é uma conseqüência da utilização da lógica do mercado em todas as relações sociais, não reduzidas somente ao aspecto econômico (2001, p.88).
Assim, se as relações de produção são o cerne do sistema capitalista, o mercado aqui,
passa a ser o “eixo das relações sociais e, portanto, o motor da organização social” sendo que “a
lógica das relações sociais permite que as pessoas cooperem entre si tendo, como única
motivação, seu interesse pessoal”. (BIANCHETTI, 2001, p.87).
Fonseca (1998) afirma que a política de crédito do Banco Mundial para educação
segue o modelo convencional de empréstimo considerando os pesados encargos que acarreta
além da rigidez das regras e precondições financeiras e políticas inerentes ao processo de
financiamento comercial. Desta forma, constituem um projeto econômico que integram a dívida
externa do país com instituições bilaterais, multilaterais e bancos privados.
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Para o Banco, investir em educação é a melhor forma de aumentar os recursos e a
capacidade de trabalho dos pobres sendo que consegue com estas políticas, promover de fato
aquilo que ele entende por eqüidade “à custa do empobrecimento dos setores médios urbanos,
sem afetar as camadas de alta renda” (CORAGGIO, 2001, p.78).
Desta maneira, quando os organismos multilaterais nas sociedades capitalistas de
modelo neoliberal, em especial o Banco Mundial, falam de eqüidade na formulação das políticas
educacionais, o fazem na perspectiva de oferecer “oportunidade iguais às pessoas de baixa renda,
aumentando sua contribuição econômica para a respectiva sociedade, reduzindo a própria
pobreza” (Banco Mundial, 2006). Ou seja, o Banco não fomenta políticas que promovam a
eqüidade no sentido de buscar igualdade social (tratar de forma desigual os desiguais). O Banco
presta assessoria para que os governos trabalhem com a categoria de eqüidade no sentido de
tratar de forma igual os desiguais, buscando diminuir as diferenças sociais e possibilitando aos
pobres a melhoraria da sua condição financeira para ter acesso a bens e serviços nas sociedades
capitalistas. Desta forma realimentam o sistema e mantêm a (des) ordem estabelecida.
Considerações finais
Frigotto, ao prefaciar o livro “Modelo neoliberal e políticas educacionais” de
Bianchetti (2001), lembra-nos que é crucial compreender o conteúdo da ideologia neoliberal,
principalmente para aqueles que “estão convencionados de que precisamos construir uma
sociedade para os humanos e que, portanto, o mercado e capital não podem ser o arbítrio
fundamental da regulamentação social” (FRIGOTTO in BIANCHETTI, 2001, p. 12).
Vivemos em tempos neoliberais, sem dúvida: o culto ao consumismo, ao
individualismo e a competição generalizada, dando a diretriz do nosso cotidiano e nos
empurrando para relações sociais caracterizadas pela expressão “salve-se quem puder” ao
naturalizar as desigualdades entre os homens e excluindo a maioria em função do sucesso de
poucos.
Dentro desta perspectiva considera-se que, uma vez que os homens são livres, gozam
de igualdade perante a lei e têm direito a propriedade, tendem a buscar a felicidade ou o bem-
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estar, traduzido em consumismo. O sucesso de cada um depende da sorte e de suas aptidões
naturais, logo não está condicionado ao sistema econômico adotado.
Sendo assim, cabe ao mercado regulamentar a sociedade e ao Estado, garantir que os
fundamentos do livre mercado sejam respeitados. Desta forma, teríamos uma sociedade
desenvolvida, não importando se justa, pois essa é uma valorização moral e, portanto, não pode
ser entendida como objetivo do mercado.
Justiça é o conceito que equivale a eqüidade, segundo Aristóteles. Embora para ele,
eqüidade seja ainda melhor, por permitir o julgamento compreensivo, na busca de acertar no
veredicto de acordo com a verdade. “Justo” para Aristóteles corresponde, sob a perspectiva da
distribuição, a “igual” e na esfera da justiça, no sentido primário, ao mérito.
Para o senso comum eqüidade confunde-se muitas vezes com igualdade. Talvez
porque, no sentido generalizado, tratar de forma desigual os desiguais possa trazer igualdade de
resultados.
A igualdade de resultados entendida como eqüidade e rejeitada por Friedman, difere
da igualdade de oportunidades também entendida como eqüidade e defendida por Rawls. Já
para Hayek a eqüidade é um princípio improdutivo para o contexto das sociedades capitalistas,
pois para proporcionar resultados iguais a pessoas diferentes é preciso tratá-las de maneira
diferente.
Apesar dos pais do neoliberalismo criticarem o conceito, ele acabou adotado e
disseminado pelos organismos multilaterais com o sentido de igualdade de oportunidade, numa
aproximação do que propunha Rawls, influenciando fortemente a formulação das políticas
sociais na América Latina.
Ao adotar eqüidade no sentido de igualdade de oportunidade os neoliberais não estão
preocupados com aquilo que é justo, mas com a manutenção do sistema econômico e da “ordem
social”, já que com isto esperam potencializar a capacidade de trabalho dos pobres e seu poder
de consumo, atendendo duplamente ao mercado.
É fato que as políticas educacionais são formuladas e implementadas buscando
construir um modelo social. Seu principal objetivo é promover uma aceitação da sociedade tanto
na forma como ela se organiza, quanto nas relações produtivas e nas relações sociais e é por este
motivo que a compreensão de suas concepções é importante. Compreender que tipo de homens
21
e mulheres estão sendo formados e para qual sociedade estão sendo formados é relevante,
sobretudo para nortear nossa atuação como parcela na construção dessa mesma sociedade.
Assim sendo, não desprezando o risco de arbitrariedades salientado por Saviani,
entendemos que numa sociedade marcada pela desigualdade como o Brasil, onde a
concentração de renda é uma das maiores do mundo, o entendimento de políticas educacionais
formuladas e a concepção que as permeiam contribui para o jogo de correlações de força
visando à construção de uma sociedade igualitária, embasadas no principio da eqüidade, no
sentido aristotélico.
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