5
FERNANDA PAULA OLIVEIRA Professora da Faculdade de Direito de Coimbra Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra 1 MEMORANDO 1. A Câmara Municipal de Aveiro pretende construir uma Ponte Pedonal sobre o Canal Central da Ria de Aveiro (doravante, Ponte Pedonal ou ponte), fazendo a ligação entre o Largo do Rossio, na freguesia da Vera Cruz, e a Rua do Clube dos Galitos, na freguesia da Glória, do Concelho de Aveiro. Esta obra integra-se num projeto mais vasto o Parque da Sustentabilidade , aprovado através do Programa Operacional Mais Centro Parceiras para a Regeneração Urbana, com financiamento do QREN e tem como objetivo «promover a qualificação de uma significativa mancha verde da cidade, articulando espaços de forma a ganharem escala e dimensão que permitam satisfazer as necessidades dos diversos públicos-alvo a que se destinam». A ponte em questão pretende fazer uma ligação pedonal entre o Rossio e o Bairro do Alboi. Desde o início que o procedimento para construção desta Ponte Pedonal naquela localização tem suscitado as mais diversas dúvidas por parte de grupos de cidadãos de Aveiro, tendo nós, nesse âmbito, sido contactadas para nos pronunciarmos sobre a eventual existência de ilegalidades neste processo. Dado o tempo limitado de que dispomos para o efeito e o acesso a apenas alguns dos documentos deste processo 1 , enunciaremos aqui, sem quaisquer desenvolvimentos doutrinais ou jurisprudenciais, aquelas que julgamos serem as principais questões que suscitam, efetivamente, fundadas dúvidas quanto á legalidade do processo e das decisões em causa. 2. Desde logo, e em primeiro lugar, a referida Ponte Pedonal não se encontra prevista no Plano de Urbanização de Aveiro (Plano Polis) em vigor naquela área territorial. É certo que, dada a escala de intervenção no território deste tipo de planos e as suas finalidades, os mesmos não tem de definir, com todo o rigor e precisão, a totalidade das operações que tenham de ocorrer na sua área de abrangência. Cabe-lhe, no entanto, nos termos do artigo 88.º do Regime Jurídico dos 1 Consideramos, porém, que os documentos que nos foram cedidos permitem formular, com algum grau de segurança, um juízo claro sobre o procedimento em causa.

Ponte pedonal

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Parecer sobre Ponte Pedonal - Doutora Fernanda Paula Oliveira 15 OUT 2012

Citation preview

Page 1: Ponte pedonal

FERNANDA PAULA OLIVEIRA

Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

Faculdade de Direito Universidade de Coimbra

Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra

1 1

MEMORANDO

1. A Câmara Municipal de Aveiro pretende construir uma Ponte Pedonal sobre o

Canal Central da Ria de Aveiro (doravante, Ponte Pedonal ou ponte), fazendo a ligação

entre o Largo do Rossio, na freguesia da Vera Cruz, e a Rua do Clube dos Galitos, na

freguesia da Glória, do Concelho de Aveiro.

Esta obra integra-se num projeto mais vasto o Parque da Sustentabilidade ,

aprovado através do Programa Operacional Mais Centro – Parceiras para a Regeneração

Urbana, com financiamento do QREN e tem como objetivo «promover a qualificação de

uma significativa mancha verde da cidade, articulando espaços de forma a ganharem escala e dimensão

que permitam satisfazer as necessidades dos diversos públicos-alvo a que se destinam».

A ponte em questão pretende fazer uma ligação pedonal entre o Rossio e o Bairro

do Alboi.

Desde o início que o procedimento para construção desta Ponte Pedonal naquela

localização tem suscitado as mais diversas dúvidas por parte de grupos de cidadãos de

Aveiro, tendo nós, nesse âmbito, sido contactadas para nos pronunciarmos sobre a

eventual existência de ilegalidades neste processo.

Dado o tempo limitado de que dispomos para o efeito e o acesso a apenas alguns

dos documentos deste processo1, enunciaremos aqui, sem quaisquer desenvolvimentos

doutrinais ou jurisprudenciais, aquelas que julgamos serem as principais questões que

suscitam, efetivamente, fundadas dúvidas quanto á legalidade do processo e das

decisões em causa.

2. Desde logo, e em primeiro lugar, a referida Ponte Pedonal não se encontra

prevista no Plano de Urbanização de Aveiro (Plano Polis) em vigor naquela área

territorial.

É certo que, dada a escala de intervenção no território deste tipo de planos e as

suas finalidades, os mesmos não tem de definir, com todo o rigor e precisão, a

totalidade das operações que tenham de ocorrer na sua área de abrangência.

Cabe-lhe, no entanto, nos termos do artigo 88.º do Regime Jurídico dos

1 Consideramos, porém, que os documentos que nos foram cedidos permitem formular, com

algum grau de segurança, um juízo claro sobre o procedimento em causa.

Page 2: Ponte pedonal

FERNANDA PAULA OLIVEIRA

Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

Faculdade de Direito Universidade de Coimbra

Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra

2 2

Instrumentos de Gestão Territorial (doravante RJIGT), definir a “conceção geral da

organização urbana», identificando os elementos que estruturam o território sobre que

incidem.

Sucede que a argumentação utilizada pela Câmara Municipal de Aveiro para

justificar a construção de uma ponte num local onde, no instrumento de gestão

territorial em vigor na área, não se prevê qualquer intervenção deste tipo pelo

contrário, o que o Plano de Urbanização prevê é a construção de outra ponte, que dista

meros 100 metros da que ora se pretende realizar e que, não obstante ali expressamente

consagrada, não é intenção do município concretiza-la de imediato é que a mesma é

fundamental para permitir, numa extensão de mais de 700 metros do Canal Central sem

qualquer ponte construída, a ligação pedonal entre duas áreas da cidade (o Rossio e o

Bairro do Alboi), promovendo, deste modo, uma maior mobilidade e fruição do espaço

público essenciais em zonas com as carateristicas daquela em que se pretende intervir,

concretamente em Centro Histórico, Parque Verde e Parque da Sustentabilidade.

Ora, na nossa ótica, o que se retira da referida argumentação (fundamentação) é

que a mencionada ponte assume um caráter estruturante daquela área territorial e,

mesmo, de toda a Cidade. E se assim é, não vemos como não deva tal previsão constar

do Plano de Urbanização. É que, se é certo, como referimos, que os planos de

urbanização não se posicionam como instrumentos de regulação pormenorizada e

precisa de ocupação do solo na sua área de incidência, deixando suficiente margem para

a admissão, na mesma, da ocorrência de usos compatíveis com os nele expressamente

previstos, não é menos certo que lhes cabe definir os elementos estruturantes do

território, os quais devem ficar expressamente plasmados nas suas peças fundamentais.

De onde decorre que a admissão, em momento posterior à sua publicação, de outros

elementos, igualmente estruturantes da sua área de incidência para além (ou em

substituição) dos nele previstos, apenas pode ser admitida após a sua alteração.2

Note-se que não são apenas as infraestruturas viárias e de transportes públicos

que se apresentam como estruturantes do território; também as infraestruturas atinentes

à circulação pedonal, ainda para mais numa Cidade como Aveiro, que tem vindo a fazer

2 É que, como havia sido defendido pela CCDR - Centro no seu ofício n.º 890/11, de 4 de agosto

de 2011, não está aqui em causa um ajustamento do projeto que possa ser feito diretamente na gestão

urbanística.

Page 3: Ponte pedonal

FERNANDA PAULA OLIVEIRA

Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

Faculdade de Direito Universidade de Coimbra

Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra

3 3

da mobilidade urbana sustentável uma importante bandeira de referência, assumem essa

função de estruturação territorial.

Concluímos, assim, dado o relevo e a importância da Ponte Pedonal na criação de

ligações entre zonas da Cidade de Aveiro e, deste modo, na estruturação do seu

território, que a sua realização apenas deve ser permitida se a mesma estiver

expressamente prevista no Plano de Urbanização, caso contrário, a sua execução terá de

se considerar em desconformidade com este instrumento de gestão territorial de ordem

municipal.

3. Ainda que assim se não entenda, consideramos que existem outras

desconformidades com o Plano de Urbanização em vigor que ferem de invalidade a

decisão de realização da referida Ponte Pedonal naquele local.

Referimo-nos, em primeiro lugar, ao facto de a Ponte Pedonal e os seus acessos

ocuparem e condicionarem o espaço de reserva do canal que o Plano de Urbanização

prevê para a linha do elétrico de superfície (cfr. n.º 3 do artigo 27.º), colocando em

causa a sua construção. E referimo-nos, em segundo lugar, ao facto de as diversas

escadas (lançadas a partir das margens até às rampas de acesso que acompanham

longitudinalmente o canal) colocarem causa o disposto no n.º 2 do artigo 26.º do Plano

de Urbanização, que exige a salvaguarda de uma faixa de 10 metros para livre fruição

pública das áreas consideradas como Área Natural – Recursos Hídricos, que

correspondem genericamente ao sistema global da Ria de Aveiro. Isto para além de

todos os restantes impactes negativos que as referidas escadas provocam,

designadamente do ponto de vista (da intrusão) visual.

Note-se, com relevo na questão que aqui estamos a tratar, que se é certo que a

CCDR-Centro alterou, num segundo oficio que emanou sobre esta situação, a sua

posição inicial quanto à possibilidade de realização da ponte pedonal apesar de não

prevista no Plano de Urbanização (posição com a qual tivemos oportunidade de

discordar no ponto 2 do presente Memorando), certo é, também, que nesse segundo

oficio não se pronunciou de forma diferente sobre as outras desconformidades

apontadas num primeiro oficio e que correspondem, precisamente, às que

identificamos no presente ponto deste Memorando: violação do n.º 3 do artigo 27.º e

do n.º 2 do artigo 26.º.

Page 4: Ponte pedonal

FERNANDA PAULA OLIVEIRA

Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

Faculdade de Direito Universidade de Coimbra

Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra

4 4

E na nossa ótica, essa posição de manutenção, quanto a este aspeto, da

posição inicial é correta, na medida em que as referidas desconformidades existem

efetivamente.

4. Outro aspeto de não menor relevo prende-se com o não cumprimento do

disposto na Lei n.º 83/95 de 31 de agosto, o que assume ainda maior relevo se se

considerar, como considera a Câmara Municipal de Aveiro, que a Ponte Pedonal, apesar

de não prevista no Plano de Urbanização (não tendo, por isso, sido sujeita ao crivo

critico da participação da população já que não foi objeto discussão pública daquele

plano por tal opção não constar dele expressamente) pode, ainda assim, ser executada.

Ora, na nossa ótica, atendendo às caraterísticas do projeto global do Parque da

Sustentabilidade; às suas implicações e impactes no território e nas populações (na

Cidade), e ao valor monetário envolvido na sua realização, o mesmo não pode, nos

termos daquele diploma legal, ser concretizado à margem da participação pública.

Essa obrigação decorre do n.º 1 do artigo 4.º do citado diploma legal que, para

além de sujeitar a este trâmite os instrumentos de planeamento (exigência que é

substituida, atualmente, pela constante do RJIGT) também a ele submete

“as decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros

investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e

sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do

território nacional”,

sendo considerados para este efeito, como tal, nos termos do n.º 3 do mesmo

artigo 4.º

“os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de

valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de

determinada área, quer sejam executados diretamente por pessoas coletivas públicas quer

por concessionários.

Ora, para além de considerarmos significativos os impactos do projeto da Ponte

Pedonal do ponto de vista destes normativos, a mesma está integrada no projeto global

do Parque da Sustentabilidade, orçado em 14 Milhões de Euros. O que o reconduz (na

sua globalidade e, por isso, nos seus vários componente) a um projeto que

Page 5: Ponte pedonal

FERNANDA PAULA OLIVEIRA

Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

Faculdade de Direito Universidade de Coimbra

Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra

5 5

necessariamente tem de ser sujeito aos trâmites previstos na referida Lei n.º 83/95, sob

pena de invalidade dos atos da respetiva concretização.

5. A terminar não podemos deixar de referir a necessidade de se averiguar se o

projeto da Ponte Pedonal (quer a própria ponte quer os seus acessos) contende com a

Zona de Proteção do Edifício de Arte Nova Casa do Major Pessoa.

Embora não tenhamos dados que nos permitam tomar uma posição com toda a

segurança a este propósito, temos a perceção de que este valor patrimonial pode estar a

ser afetado com a aprovação do projeto, o que torna relevante a sua concreta

verificação.

Coimbra, 7 de outubro de 2012

(Fernanda Paula Oliveira)