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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANDRÉ LUIS CAIS
BEM-ESTAR ANIMAL: QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2011
ANDRÉ LUIS CAIS
BEM-ESTAR ANIMAL: QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito das Relações Sociais –
Direitos Difusos e Coletivos – sob a
orientação do Professor Doutor Marcelo
Gomes Sodré.
SÃO PAULO
2011
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
“A grandeza de uma nação e seu progresso moral pode ser julgado pelo
modo como seus animais são tratados”. (Mahatma Gandhi).
Para os meus queridos e amados pais, Arif Cais e Neuza Maria Pelozo Cais,
Pelo eterno amor, respeito e profunda admiração. Para o meu irmão, Marco Aurélio Cais.
Para minha irmã, Luciana Cais. Para minha linda e dócil sobrinha, Ana Beatriz.
Para os meus tios, Homar Cais e Cleide Previtalli Cais.
Por terem me recebido e acolhido como um filho, Ao longo de muitos e muitos anos ao chegar do interior.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Professor Doutor Marcelo Gomes Sodré, pelos ensinamentos
passados ao longo do desenvolvimento do presente trabalho, principalmente pela
tranquilidade necessária em momentos de extrema preocupação e tensão.
Aos meus pais, Arif Cais e Neuza Maria Pelozo Cais, meus guias e mentores na
minha formação humana. Exemplo de vida. Além de pais, amigos maravilhosos. Sou
eternamente grato e feliz por ter vocês ao meu lado. Uma menção honrosa ao meu
pai pelo árduo trabalho de revisão e críticas ao presente trabalho.
Aos meus irmãos Marco Aurélio Cais e Luciana Cais e a minha sobrinha Ana Beatriz
Cais, pelo carinho e apoio de sempre.
Ao meu cunhado André Caracanha, pelo carisma e afeição com que sempre tratou a
nossa querida família.
Aos meus tios, Homar Cais e Cleide Previtalli Cais, por tudo o que sempre fizeram
por mim. Devo toda a minha formação e apoio profissional a vocês. Sou um felizardo
por ter tido a oportunidade e a felicidade da experiência de um convívio ao lado de
vocês.
Ao meu primo e também irmão, Fernando Fontoura da Silva Cais. Obrigado pelo
excelente trabalho de revisão e pelas valorosas críticas também feitas ao presente
trabalho, bem como aos conselhos a mim sempre dados.
A amiga Paula Rodrigues Ramos, que durante sua estadia na Universidade de
Coimbra forneceu vasto material de pesquisa que contribuiu com a elaboração
desse trabalho.
Ao meu amigo e irmão Thiago Zaldini Hernandes pela ajuda nas pesquisas
realizadas e pelo apoio e incentivo de sempre.
A todos os amigos do Milaré Advogados, em especial ao Dr. Édis Milaré, pela
oportunidade a mim dada ao integrar essa valorosa equipe. Faço uma menção em
especial a Ana Cláudia La Plata de Mello Franco, com quem tive a grandiosa
experiência de trabalhar. Um ser humano fantástico. Ao Luiz Carlos de Castro
Vasconcellos, pelas inúmeras discussões e troca de informações acerca da questão
animal. Aos consultores técnicos, Antomar Viegas de Oliveira Jr. e João Roberto
Rodrigues, não somente pelo convívio e aprendizado diário, mas também pela
conquista e o ganho de uma amizade verdadeira.
A família Dinamarco pela qual sou e serei eternamente grato por ter tido não só a
oportunidade de trabalhar ao longo de muitos e muitos anos, mas também por ter
conquistado amigos e pessoas maravilhosas. Um agradecimento em especial aos
sócios fundadores, Cândido Rangel Dinamarco, Luiz Rodovil Rossi, Cândido da
Silva Dinamarco e Pedro da Silva Dinamarco. Ao lado de vocês aprendi muita coisa,
principalmente acerca da ética profissional. Obrigado por tudo e por ainda frequentar
essa honrosa e maravilhosa família. Aos novos sócios, Tarcísio Beraldo e José
Roberto dos Santos Bedaque e aos amigos Cláudio Dinamarco, Maurício Giannico,
Clarisse Frechiani Lara Leite, Luciana Barone Bento, Bruno Vasconcelos Carrilho
Lopes, Pedro Bianqui, Helena Mechelin Wajsfeld Cicaroni, Daniel Raichelis
Degenszajn, Samuel Mezzalira, Márcio Araújo Opromolla, Luis Fernando Guerrero e
Marcos dos Santos Lino.
A todos os meus familiares, em especial ao querido Alexandre Cais (tio Xandico) e
as tias Syria Cais dos Santos, Warde Cais Silva Gomes (tia Rosinha), Zuleika Cais,
Alice Cais Dias Nascimento e Neyda Pelozo Antunes por todo amparo e apoio
espiritual. À minha irmãzinha Maria Eugênia Previtalli Cais, por todo apoio.
Aos demais amigos e familiares, pela paciência e pelos eventos que deixei de
frequentar para a conclusão desse trabalho. A menção especial de cada um
dificultaria tornaria exaustiva qualquer forma de agradecimento. Saibam que sou
grato a Deus por ter muitos amigos ao meu lado. A vocês, minha eterna gratidão.
A oportunidade do convívio ao lado de muitos animais domésticos. São seres
fantásticos, desprendidos das grandes chagas que assolam a humanidade, como o
ódio e o egoísmo, estando sempre dispostos a dar e a retribuir o carinho que lhes
são ofertados. À Princess, Meggie, Judy, Lolly, Rita, Greta, Ruth, Lailla, Nicolau e
Simão, meus sentimentos de carinho por ter tido vocês ao meu lado.
A todos os demais animais que contribuíram e ainda contribuem com o avanço da
ciência. Esperamos que esse trabalho possa ajudar nas condutas éticas que pairam
sobre essa atividade e, que, num futuro não muito distante, o avanço científico
permita que não mais utilizem desses amados seres como cobaias. Ao atingirmos
esse objetivo, passaremos a admirá-los e respeitá-los como nossos verdadeiros
“irmãos”.
RESUMO
A presente proposta tem por objetivo refletir sobre a recente discussão
apresentada pela comunidade acadêmica e científica acerca do uso de animais na
experimentação científica, bem como propor o aperfeiçoamento da legislação
brasileira sobre o bem-estar animal. Faz-se necessário um breve contexto histórico
sobre a origem e a evolução do conceito de antropocentrismo para a corrente do
biocentrismo, intimamente relacionada com a discussão sobre a natureza e os
direitos dos animais. A discussão abordada faz uma reflexão sobre a justificativa
para a utilização de animais em experimentos científicos e a necessidade de um
Conselho de Ética efetivo e eficaz, capaz de gerenciar experimentações em animais
ou impedir a sua repetição e multiplicação, sem razões substanciais ou
embasamento científico que beneficie o homem em detrimento da conservação da
natureza. Nesse quadro, a natureza, em especial os animais, merecem uma reflexão
adequada e um questionamento filosófico: os animais são sujeitos de direitos ou
merecem ser respeitados apenas por uma visão humanista em prol do uso e do
benefício humano?
Palavras-chave: Antropocentrismo. Biocentrismo. Bem-Estar Animal.
Utilização de Animais na Experimentação Científica. Questões Éticas.
ABSTRACT
This proposal aims to reflect on the recent discussion presented by academic
and scientific community about the use of animals in scientific experimentation and
propose improvement of Brazilian legislation on animal welfare. It is necessary a brief
historical background on the origin and evolution of the concept of anthropocentrism
to current biocentrism, closely related to the discussion of Nature and animal rights.
The discussion dealt with some thoughts about the justification for the use of animals
in scientific experiments and the need for an effective and efficient Board of Ethics,
able to manage animal experiments or avoid their repetition and multiplication without
substantial reason or scientific basis that may benefit man rather than the
conservation of nature. In this context, Nature, especially animals, deserve a proper
reflection and a philosophical inquiry: are animals subjects of rights or do they
deserve to be respected only under a humanist view in favor to the human use and
benefit?
Keywords: Anthropocentrism. Biocentrism. Animal Welfare. Use of animals in
scientific experimentation. Ethical Issues.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 1
1. AS QUESTÕES ÉTICAS E A VISÃO DO ANIMAL NA HISTÓRIA............. 5
1.1 O Campo da Moral e da Ética.................................................................. 5
1.2 Antropocentrismo................................................................................... 13
1.2.1 A visão Pré-Socrática.......................................................................... 15
1.2.2 A visão de Sócrates............................................................................. 19
1.2.3 A visão de Platão................................................................................. 20
1.2.4 A visão de Aristóteles......................................................................... 21
1.2.5 O Antigo Testamento e o Novo Testamento..................................... 23
1.2.6 Antropocentrismo moderno............................................................... 25
1.3 Ecocentrismo ou Biocentrismo............................................................. 29
2. A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO.................. 41
2.1 Declaração Universal dos Direitos dos Animais................................. 41
2.2 União Europeia....................................................................................... 44
2.3 Inglaterra................................................................................................. 47
2.4 Estados Unidos da América.................................................................. 54
2.5 Alemanha................................................................................................. 56
2.6 França...................................................................................................... 57
2.7 Canadá..................................................................................................... 58
2.8 Holanda.................................................................................................... 60
2.9 Austrália.................................................................................................. 61
2.10 Portugal................................................................................................. 63
2.11 Espanha................................................................................................. 64
3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE PROTEÇÃO ANIMAL................... 68
3.1 A Evolução da Proteção Animal na Legislação Brasileira................. 68
3.2 A Proteção Animal na Constituição Federal........................................ 71
3.3 A Visão do Animal no Contexto do Código Civil................................. 75
3.4 A Proteção Animal nas Esferas Penal e Administrativa..................... 80
4. CRUELDADE E MAUS-TRATOS COM OS ANIMAIS............................... 85
4.1 Bem-Estar Animal e Direito Animal...................................................... 85
4.2 Igualdade Semântica no Conceito de Crueldade ou Maus-tratos...... 88
4.3 Casos Específicos de Crueldade com os Animais.............................. 92
4.3.1 Abate animal...................................................................................... 100
4.3.2 Galinhas poedeiras e Frangos de corte.......................................... 105
4.3.3 Zoológico............................................................................................ 108
4.3.4 Circo.................................................................................................... 110
4.3.5 Rodeio................................................................................................. 112
4.3.6 Vaquejada........................................................................................... 116
4.3.7 Rinhas de galo................................................................................... 117
4.3.8 Touradas............................................................................................. 118
4.3.9 Animais de estimação....................................................................... 120
5. EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL................................................................. 122
5.1 Ética na Experimentação Animal e a Lei nº 11.794/2008................... 122
5.2 Animais na Pesquisa e no Ensino...................................................... 129
5.3 A Dignidade da Vida e o Direito dos Animais.................................... 134
5.4 Maus-tratos em Experimentos Científicos......................................... 142
CONCLUSÃO............................................................................................... 147
BIBLIOGRAFIA............................................................................................ 152
1
INTRODUÇÃO
O convívio com animais e sua utilização pelo homem decorrem de tempos
imemoriais. Seja para utilizá-los como animais de companhia (por exemplo, o cão,
domesticado há cerca de doze mil anos), seja para o trabalho (o cavalo,
domesticado há aproximadamente oito mil anos) ou ainda, para a alimentação (o
boi, domesticado em torno de sete mil anos), são costumes que se perdem nos
registros da História.
Entre os inúmeros equívocos humanos, possivelmente o maior, foi o que o
levou à crença de que a natureza é inesgotável e que a ética humana não se aplica
aos animais. Tal crença provoca cada vez mais o desequilíbrio natural, resultando
na ameaça de extinção de animais silvestres em consequência da diminuição dos
fragmentos florestais, abrigo natural da vida animal, ou ferindo princípios éticos que
não podem ser relegados. É um equivocado modo de agir que atinge especialmente
animais de laboratório e animais domésticos. Se é certo que, ao longo da história
geológica da vida, muitas espécies foram levadas à extinção por causas naturais,
como os grandes Dinossauros, é também certo que foram extintas pela ação
deletéria do homem no ambiente, como o Dodô (Raphus solitarius) das Ilhas
Maurício ou o Pombo-viageiro (Ectopistes migratorius) nos Estados Unidos e, ainda,
a Ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), do nordeste brasileiro considerada extinta na
natureza (baixa densidade populacional), conjugada pela ação da caça. Refletir
sobre essas questões para tentar reverter tal crença pretende ser o objeto deste
estudo.
Foi Richard Martin quem revelou ao mundo os princípios legais contra a
crueldade para com os animais.1 Posteriormente sobreveio uma lei, intitulada British
Cruelty to Animal Act, datada de 1876, que regulamentava o uso de animais em
experimentação científica. O documento preconizava reconsiderar as necessidades
da ciência, colocando-a ao lado das necessidades humanas que se servem dos
1 Richard Martin foi membro da Câmara dos Comuns (House of Commons), tendo elaborado em 1822 uma lei,
conhecida como Lei de Martin, tipificando como crime os maus-tratos e sofrimento desnecessário praticados em
alguns animais domésticos (gado, cavalos e ovelhas). Disponível em:
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/366965/Martins-Act. Acessado em 28 de outubro de 2010. E
também: RADFORD, Mike. Animal welfare law in Britain. Regulation and responsability. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 33-39.
2
animais, impedindo, na medida do possível, a dor e trazendo ainda a questão acerca
da relevância da experimentação com animais.
Mais recentemente, ou seja, em 1986, a Inglaterra aprovou a lei conhecida
como Animal (Scientific Procedures) Act, que prevê a fiscalização de biotérios e
impõe o acompanhamento rigoroso das pesquisas com animais. Diversos países da
Europa foram precursores dessa orientação, elaborando leis de proteção aos
animais em experimentação, tais como a Polônia (1928), a Suécia (1944), a França
(1968), a Holanda (1977) e a Noruega (1984).
Com a criação da Comunidade Europeia – hoje União Europeia – foi
aprovada em 1986 a convenção sobre a Proteção de Animais Vertebrados Utilizados
para fins de Experimentação e outros fins Científicos, com o objetivo de uniformizar
as exigências para todos os países membros.
A par da experimentação, o uso dos animais para lazer ou para companhia,
bem como o seu abate para alimentação, também carece de questionamentos de
caráter ético em grande parte do mundo, muito embora em alguns casos ainda se
justifique a sua utilização.
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou a Lei nº 11.977, de
25 de agosto de 2005, que trata do “Código de Defesa dos Animais no Estado de
São Paulo”. Dentre outras questões, esse código proíbe o uso de instrumentos não
naturais em animais de rodeios, como o sedém, ou sedenho (corda de couro ou
fibra, enlaçada entre a bolsa escrotal e o pênis dos animais, que os forçam a realizar
saltos involuntários sob os efeitos da dor). Essa lei, embora traga consigo alguns
princípios éticos tem sido questionada principalmente pelos organizadores de
rodeios, atividade altamente rentável, sobretudo no Estado de São Paulo.
Esse instrumento legal, por sua vez, estabelece ainda critérios para a
utilização de animais em experimentação científica, criando um Comitê de Pesquisa
em Animais de Experimentação. Esse colegiado tem o poder de recomendar, ou
não, as diretrizes às agências de fomento a título de incentivo, reduzindo, o ônus
fiscal para as empresas fabricantes de cosméticos que não se utilizam de animais
em seus testes. O grande mérito dessa lei é que ela vem surtindo efeito, uma vez
que a maioria dos veículos de divulgação científica exige o parecer desse órgão
institucional.
3
Posteriormente, a Lei Federal nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, também
conhecida como Lei Arouca, estabeleceu procedimentos para o uso de animais em
experimentos científicos e determinou a criação de um Conselho Nacional de
Controle de Experimentação Animal – CONCEA e as Comissões de Ética no Uso de
Animais – CEUAs.
No Brasil, a utilização de animais como objeto de diversão popular, como em
rodeios, nas vaquejadas e na “farra do boi”,2 assim como as touradas em Portugal,
na Espanha, no Equador3 e no México, causam consideráveis sofrimentos aos
animais, motivo pelo qual desperta o sentimento de que é necessária uma mudança
cultural no sentido de conter tais práticas. Alguns estados espanhóis, como o
arquipélago das Canárias em 1991, e a região da Catalunha, em julho de 2010,4
proibiram a prática cruel das touradas contra os animais.
Esses primórdios do século XXI ainda faz com que o homem desperte e se
sensibilize para a tomada de decisões de reconstrução ou proteção da natureza
para humanização das ações, conforme recomenda a Agenda 21, o importante
documento nascido na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, a Rio-92, realizado no Rio de Janeiro em 1992.
Neste entendimento, o Direito, como Filosofia e Ciência, deve promover a
justiça e impor a ordem no sentido de proteger o ambiente e de contribuir com a
promoção também do crescimento moral e ético do ser humano. Diante das
perspectivas sombrias da sociedade moderna em constante mudança, respeitar a
natureza é a palavra de ordem que se impõe nesse novo cenário mundial como
propósito de todos.
2 Em junho de 1997, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário nº 153.351-8-SC, proibiu
a “farra do boi”, consoante será detalhado neste estudo em momento oportuno. 3 Em janeiro de 2011, o presidente do Equador, Rafael Correa, propôs um conjunto de emendas constitucionais.
Dentre as questões submetidas ao referendo popular, estava a discussão da proibição das touradas no país. Os fãs
dessa atividade organizaram uma tourada especial em protesto contra essa decisão do governo. Segundo os
defensores das touradas, aproximadamente 60 mil trabalhadores em todo o país correm o risco de ficarem sem
emprego. Disponível em: http://veja.abril.com.br/multimidia/video/governo-do-equador-quer-proibir-touradas.
Acessado em 28 de março de 2011. Após o referendo popular, ficou decidido que em 111 jurisdições as touradas
poderão ocorrer, porém, sem matar o animal, inclusive na capital (Quito). Já em 93municípios, as touradas
tradicionais com a morte do animal na arena continuarão. Disponível em:
http://ativismo.com/site/index.php?option=com_content&view=article&id=4399:equador-capital-perde-tourada-
com-morte-do-boi-apos-referendo&catid=33:noticias-em-tempo-real&Itemid=89. Acessado em 2 de julho de
2011. 4 Essa nova lei entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2012.
4
São, pois, objetivos do presente trabalho, o estudo comparativo e a evolução
da legislação sobre o bem-estar animal e a proposta de alterações da legislação que
regula a utilização dos animais na experimentação científica, na alimentação e na
diversão. Pretende-se, desse modo, promover um debate construtivo sobre muitas
questões que hoje são pautas da comunidade acadêmico-científica no que diz
respeito ao bem-estar animal e à sua utilização na experimentação científica.
5
1. AS QUESTÕES ÉTICAS E A VISÃO DO ANIMAL NA HISTÓRIA
1.1 O Campo da Moral e da Ética
No cotidiano, os indivíduos de uma sociedade se defrontam com situações
que exigem uma determinada conduta ou um comportamento específico em que
julgam ser mais apropriada ou mais digna de ser cumprida. Estas normas, que são
intimamente reconhecidas, fazem com que os indivíduos devam agir desta ou
daquela maneira. Neste caso, pode-se afirmar que o indivíduo agiu moralmente com
suas convicções, independentemente de um juízo de aprovação ou desaprovação
de caráter moral do mesmo ato.
Portanto, quando se trata de opções ou decisões para resolver problemas, “os
indivíduos recorrem a normas, cumprem determinados atos, formulam juízos e, às
vezes, se servem de determinados argumentos ou razões para justificar a decisão
adotada ou os passos dados”.5
Entende-se por moral, pois, o conjunto de regras destinadas a regular as
relações dos indivíduos numa determinada sociedade. Nesse diapasão, assim como
uma sociedade é sucedida por outra, a moral, de igual modo, também pode ser
substituída por outra.
A dinâmica desse tipo de comportamento, seja de um indivíduo, seja de um
grupo social, acompanha a própria origem do homem em sociedade, uma vez que
as atitudes humanas e as reflexões daí inerentes apenas variam de uma época para
outra.
Como afirma Sánchez Vásquez:
A este comportamento prático-moral, que já se encontra nas formas mais primitivas de
comunidade, sucede posteriormente – muitos milênios depois – a reflexão sobre ele. Os
5 VÁZQUES, Adolfo Sánchez. Ética. João Dell´Anna (trad.). 30ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2008, p. 16-17.
6
homens não só agem moralmente (isto é, enfrentam determinados problemas nas suas
relações mútuas, tomam decisões e realizam certos atos para resolvê-los e, ao mesmo
tempo, julgam ou avaliam de uma ou de outra maneira estas decisões e estes atos), mas
também refletem sobre esse comportamento prático e o tomam como objeto da sua
reflexão e de seu pensamento. Dá-se assim a passagem do plano da prática moral para o
da teoria moral; ou, em outras palavras, da moral efetiva, vivida, para a moral reflexa.
Quando se verifica esta passagem, que coincide com o início do pensamento filosófico, já
estamos propriamente na esfera dos problemas teórico-morais ou éticos.6
Segundo o citado autor, o problema enfrentado por um indivíduo em uma
determinada situação deve ser resolvido com a ajuda de uma norma que ele próprio
reconhece e aceita intimamente e que a solução por ele encontrada é moralmente
valiosa. Afirma ainda que seria desnecessário recorrer à ética esperando encontrar
uma norma de ação para cada situação concreta. Nas palavras do autor, “a ética
poderá dizer-lhe, em geral, o que é um comportamento pautado por normas, ou em
que consiste o fim – o bom – visado pelo comportamento moral, do qual faz parte o
procedimento do indivíduo concreto ou o de todos. O problema do que fazer em
cada situação concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético”.
Portanto, pode-se afirmar que os problemas éticos se caracterizam pela sua
generalidade e isto os distingue dos problemas morais da vida cotidiana que nos são
apresentados nas situações concretas. Em suma, a ética contribui na
fundamentação e justificação de um determinado comportamento moral.
Conforme, ainda Sánchez Vázques, o teórico ético não tem a função de dizer
aos homens o que deve ser feito em determinado caso concreto, em ditar normas ou
princípios pelos quais o seu comportamento deve pautar-se. Ele não deve
transformar-se apenas em uma espécie de legislador do comportamento moral do
indivíduo ou da comunidade. A função fundamental da ética, “é a mesma de toda a
teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os
conceitos correspondentes”.7
Desse modo, continua o citado autor, “o valor da ética como teoria está
naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação
6 Op. cit. p. 17.
7 Op. cit. p. 20.
7
em situações concretas”. Nas suas palavras, “A ética é a teoria ou ciência do
comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma
específica de comportamento humano”.8
Na esteira desse pensamento, assim afirma Albeiro Mejia Trujillo:
A ética é um dos balizadores da conduta humana que leva o homem a agir conforme o
bem pelo bem dentro dos consensos majoritários de bondade, é o eixo reitor de todas as
atitudes internalizadas pelo homem como boas para si, para o outro e para o próprio
universo. Poderia dizer que é a consciência da necessidade de auto preservação em todos
os níveis. Somente quem possui esta determinação interior pode ser verdadeiramente
ético.9
Pode-se dizer, por conseguinte, que a ética tem como fundamento a
dignidade da pessoa humana, da qual, consubstanciada em suas crenças pessoais
e morais, decorrerão normas universais de comportamento, que expressarão essa
dignidade em todos os tempos e em todos os lugares.
Nesse contexto, todo conjunto de normas e condutas que estabelecem a base
de uma determinada sociedade, ou seja, da moral vigente naquele grupo, pressupõe
a existência de um aglomerado de princípios, valores e normas de comportamento.
Portanto, um princípio identifica o começo de onde algo provém ou é gerado,
ou de onde emana o conhecimento. Assim entendido, o princípio significa as normas
de comportamento social que geram a qualidade subjetiva do ser humano que a elas
correspondem.
Como afirma Fábio Konder Comparato:
A filosofia ética surgiu na Grécia como reflexão sobre o comportamento humano,
considerado em seu duplo aspecto, subjetivo e objetivo. Ao elemento subjetivo
corresponde a noção de êthos (noos), ou seja, a maneira de ser ou os hábitos de uma
8 Op. cit. p. 23.
9 TRUJILLO, Alberio Mejia. Ética numa Perspectiva Transdisciplinar. Brasília: Editora Gilson Matilde Diana,
2008, p. 32.
8
pessoa; ao elemento objetivo, a noção de êthos (êoos), isto é, os usos e costumes de uma
coletividade.10
No tocante ao comportamento individual, o padrão ético na filosófica grega
clássica era a aretê, atualmente traduzida por virtude. Já em relação ao modo
coletivo de vida, o padrão da vida ética era a lei (nómos), “entendida não como
qualquer regra imposta pelo poder político, mas como o princípio regulador do
comportamento humano, desde sempre vigente na coletividade”.11
Aristóteles afirmava que a função social do homem de Estado (politikos)
consistia em fazer de seus cidadãos homens de bem (agathoi), cumpridores da lei.
Segundo ensinava, a norma ética, por mais excelência que tivesse, não tinha real
vigor ou vigência se não estivesse viva na consciência do homem, ou seja, se não
correspondesse a uma disposição individual e coletiva de viver eticamente.12
Fábio Konder Comparato novamente nos diz que:
Ora, a disposição pessoal a fazer o bem e a evitar o mal, segundo Aristóteles, não seria
propriamente inata, não se encontraria, tal qual, na natureza humana. Ela seria antes, o
fruto dos usos e costumes, como expressão dos grandes princípios de vida em sociedade.
O filósofo chega a fazer uma aproximação verbal entre exis – disposição pessoal, que os
romanos traduziram por habitus – e êoos. Assim, diz ele, não nascemos propriamente
virtuosos, mas aprendemos a nos comportar de modo correto e honesto na vida ativa. Em
matéria de artes ou ofícios, a aprendizagem é sempre feita pela prática. Tornamo-nos
construtores, construindo casas; citaristas, tocando o instrumento. Da mesma forma, pela
prática das ações justas tornamo-nos homens justos; pela prática das ações moderadas
(sophrona), senhores de nossas paixões; pela prática de ações corajosas adquirimos a
virtude da coragem.13
Dessa forma, os princípios éticos são normas que nos obrigam a agir em
função do valor do bem pela nossa ação, ou do objetivo final que dá sentido à vida
10
COMPARATO, Fábio Konder. Ética. Direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª ed., São Paulo:
Companhia das Letras, 2006, 496. 11
Op. cit. p. 496-497. 12
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, 1102 a, 8-11. No mesmo sentido, Política, 1333 a, 11-16. Apud.
COMPARATO. Fábio. Op. cit. 497. 13
Op. cit. p. 497.
9
humana; e não de um interesse puramente subjetivo, que não compartilhamos com
a comunidade. Esse valor objetivo deve ser considerado conjuntamente: no
indivíduo, no grupo ou classe social, no povo, ou na própria humanidade.14
A ética relacionada com a experimentação animal e com a possibilidade ou
não da utilização de seres humanos como cobaias, está diretamente ligada com as
questões oriundas de um mundo pós-Segunda Guerra Mundial.
Com o fim dessa conflagração, os médicos nazistas foram julgados pelos
crimes praticados com os experimentos realizados em seres humanos nos campos
de concentração nazistas. No dia 19 de agosto de 1947, os acusados foram julgados
e condenados, tendo sido elaborado um documento, conhecido como Código de
Nuremberg, por meio do qual, foram reunidos princípios éticos acerca da utilização
de pesquisas com seres humanos.
A Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, no dia 10 de dezembro
de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse documento incorporou
as cláusulas do Código de Nuremberg, proibiu a realização de experimentos em
seres humanos sem esclarecimento por parte dos médicos e cientistas e sem o
consentimento prévio dos pacientes que sofreriam os experimentos. Violar esse
preceito é violar gravemente o direito humano de escolher por vias próprias o seu
próprio bem ou o que julgar ser o próprio bem.
Posteriormente, veio a Declaração de Helsinque, que é um conjunto de
princípios éticos que regem a pesquisa com seres humanos e foi redigido pela
Associação Médica Mundial. Esse documento sofreu diversas alterações, sendo a
última no ano de 2008; é considerado como o primeiro padrão internacional de
pesquisa biomédica e constitui a base para a maioria dos documentos nesse
aspecto.
A Declaração de Helsinque mencionava o uso de animais em pesquisas
científicas como pré-requisito para a realização de pesquisa clínica. Com o
fortalecimento e o amadurecimento dos protestos contra a utilização de animais na
experimentação científica, a Associação Médica Mundial, em 1975, formulou a
segunda versão da Declaração de Helsinque. Nessa versão foi incluída a
recomendação de que deveria ser tomado um cuidado especial na condução de
14
Op. cit. p. 500.
10
pesquisa que pudesse afetar o meio ambiente. Também estabelecia que o bem-
estar dos animais, utilizados para a pesquisa, deve ser respeitado.
Nesse sentido, Sônia T. Felipe afirma que:
Enfim, para causar dor, sofrimento e morte a um ser vivo, capaz de vivenciar tais
experiências como perda ou dano, há que se ter uma justificativa moral. Se os atos de um
sujeito moral causam dor e sofrimento a outros, e se esse sujeito aceita racionalmente,
isto é, em nome do seu interesse, o princípio da não injúria, de sua vida em decorrência
da experiência dolorosa, então, esse mesmo sujeito moral deve justificar eticamente seus
atos quando esses causam danos que o princípio moral em questão não permite a ninguém
infligir a outros. Para que o ato de causar dor, sofrimento ou morte a outrem seja
moralmente justificável, há que se indicar sua serventia aos interesses e propósitos
daquele que os sofre.15
Assim, diante deste breve panorama de cunho ético, pode-se afirmar que é
aceitável, dentro de limites justos e sensatos, a utilização de animais em
experimentos científicos. É evidente que não se discute o experimentalismo
irresponsável e predatório, o qual deve ser fortemente repudiado pelo comitê de
ética, pelo direito e pela sociedade. Ademais, a ciência não tem como fim maltratar
os animais por ela utilizados.
A utilização dos animais ainda assegura um esclarecimento e o avanço das
ciências médicas para a melhoria das condições de saúde dos seres humanos e dos
próprios animais. Sem dúvida, o progresso científico se faz necessário quando se
trata da saúde. Porém, os métodos alternativos são também meios
comprovadamente eficazes, na maioria dos casos, principalmente quando envolve o
campo educacional e a indústria de cosméticos.
Até bem pouco tempo, apenas métodos in vivo empregando animais de
laboratório eram utilizados para este fim. Atualmente, as indústrias farmacêuticas e
cosméticas são forçadas a atingir objetivos sociopolíticos e humanitários de reduzir o
número de animais utilizados na pesquisa, enquanto que, simultaneamente,
necessita diminuir custos e gerar, de forma relevante, dados reprodutíveis espécie-
15
FELIPE, Sônia T. A ética e experimentação animal. Fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2007, p. 72.
11
específicos, eliminando a experimentação animal e atendendo definitivamente o
conceito “3R” (reduzir, reutilizar, reciclar). Os avanços da ciência possibilitaram o
desenvolvimento de métodos in vitro que, ao mimetizarem sistemas biológicos
complexos, possibilitam atingir a meta de redução de uso de animais.16
A Secretaria de Saúde São Paulo, com apoio do Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia e Toxinas (INCTTox), juntamente com o CNPq/FAPESP e Instituto
Butantan, lançou recentemente um manual prático sobre o uso e cuidados éticos
nos tratos com animais. Ao apresentar o referido trabalho, assim afirmou o
coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxicinas, Osvaldo
Augusto Brazil Esteves Sant´Anna: “A ética no trato com animais passa,
necessariamente, pela ética humana, e esta, pelo exercício da inteligência”.17
E continua o citado autor:
Regras, Leis, Normas, Convenções, Mitos e Lendas, o Homo sapiens as estabelece,
modifica ou elimina; muito, se não tudo, cria-se por conveniências, corporativismos.
Questões sérias são jogadas na vala comum das enquetes e, pela emoção, raramente pela
razão, são tratadas sob o rótulo da democracia. O emprego de animais em laboratórios é
essencial e comprovadamente necessário, como demonstrado por Pasteur, Roux, Koch,
Behring, Lutz, Chagas e Vital Brazil desde os 1800, com o estabelecimento, no
continente europeu e no Brasil, de paradigmas envolvendo prevenções e terapias. Graças
aos animais, e tão só a eles, muito se conhece acerca das relações patógeno-hospedeiro,
do desenvolvimento de patologias e de doenças crônico-degenerativas, da resistência e da
sensibilidade a medicamentos. E, durante os processos de conhecimento, há que se
empregar animais, sejam ratos, serpentes, coelhos, cavalos ou camundongos.18
As sucintas análises em torno dos conceitos de ética e de moral – salientando
as sutis diferenças semânticas entre ambas – se prestam para refletir sobre a
existência de uma grande e atual discussão na comunidade científica acerca da
utilização dos animais em experimentos científicos.
16
ENGLER, Maria Silvya Stuchi, et al. II Congresso Brasileiro de Bioética e Bem Estar Animal (4 a 6 de agosto
de 2010), Belo Horizonte: UFMG, 2010, p. 118-125. 17
SANT´ANNA, Osvaldo Augusto Brazil Esteves. Manual prático sobre usos e cuidados éticos de animais de
laboratório. TAMBOURGI, Denise V. et. al. (org.) São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo,
2010, p. xiii. 18
Op. cit. p. xiii.
12
De um lado, a defesa de cientistas que justificam a utilização dos animais
nesses experimentos por considerarem que são importantes nos meios de
pesquisas, seja em busca de novos medicamentos, seja para análise e evolução de
um determinado quadro clínico referente a uma enfermidade específica. De outro
lado, os defensores do abolicionismo animal, quer nos experimentos científicos, quer
na utilização desses animais como fonte de alimentos e vestuário. E ainda, a
corrente do bem-estar animal, que prega um meio adequado e digno para essas
vidas.
Acredita-se fortemente, que, com o avanço da tecnologia e da ciência, em um
futuro próximo, os animais não mais serão utilizados em experimentos e, quiçá na
alimentação ou vestuário, ao menos a drástica diminuição na sua utilização. O bom
senso e responsabilidade são valores que devem ser verificados em qualquer
atividade humana, ainda mais quando envolve um ser vivo, dotado de capacidade
de sentir prazer, dor e sentimentos.
As questões éticas a serem discutidas no presente trabalho giram em torno
de uma ciência que pretende ser responsável e que ainda necessita dos animais em
seus tratos. Nesse sentido temos a ética antropocêntrica, por meio da qual analisa o
comportamento do homem, exaltando-o como um ser superior, guiado, basicamente,
pela razão e a ética ecocêntrica, a qual estuda o comportamento do homem em
relação à natureza global, entendendo e compreendendo a sua atuação e
responsabilidade com os demais seres vivos.
Verifica-se, portanto, que o uso de animais em experimentos científicos deve
ser realizado com uma maior conscientização dos pesquisadores e demais técnicos
que lidam e tratam com esses animais no dia-a-dia. A vida desses seres não é
descartável ou desprezível. Ao contrário. Esses animais devem ser vistos com mais
respeito e maior consideração, não somente por sua utilização, mas também por
serem, em grande parte da escala animal, seres sencientes, ou seja, capazes de
sentirem dor e prazer, fazendo parte de um elo com a natureza.
13
1.2 Antropocentrismo
O antropocentrismo pode ser definido como a “forma de pensamento que
considera o homem o centro do universo e tudo interpreta de acordo com valores e
experiências humanas”.19 Portanto, a exegese desse conceito permite afirmar que
tudo o que estritamente se relaciona com os seres humanos na Terra, para
aumentar a sua importância, é considerado uma visão antropocêntrica.
Como será visto nos tópicos seguintes, o antropocentrismo é fruto da tradição
judaico-cristã e é a base para todas as religiões e pensamentos filosóficos que
tentam explicar a vida humana e sua origem na Terra.
Essa perspectiva, do homem como centro do universo, reflete, basicamente, a
visão da cultura ocidental. A forte expansão desse pensamento fez com que fosse
incorporada nas demais civilizações, seja de forma pacífica, seja de forma forçada.
Aristides Arthur Soffiati Neto, ao mostrar a marca do antropocentrismo na
sociedade ocidental e sua natureza, afirma:
A maior contradição do antropocentrismo ocidental, progressivamente globalizado a
partir do século XV, consistiu não na imposição do domínio masculino sobre as mulheres,
do domínio europeu branco sobre outros povos e diversidades fenotípicas, da luta de
classes ou entre Estados nacionais, mas de uma longa guerra da humanidade contra a
natureza não humana. Da guerra de todos contra todos, presumida por Hobbes, passou-se
ao que Michel Serres chamou de guerra de todos contra tudo. Enquanto o humanismo
supervalorizou a posição do „homem‟ no universo, o mecanicismo coisificou e
instrumentalizou a natureza não humana, fornecendo as razões ideológicas para um
conflito secular que foi desprezado ou não percebido pela humanidade ocidentalizada,
visto estar ela centrada em seus dramas, tragédias e comédias. Só a partir da década de
60, com os reveses impostos pela natureza não humana à humanidade, é que começou a
se esboçar uma crítica radical aos estilos de desenvolvimento nascidos da Revolução
Industrial. A juízo de Immanuel Wallerstein, as revoluções de 1968 denunciaram que
liberalismo, conservadorismo e socialismo eram variantes de uma mesma ideologia ou
projeto político produzido pelo iluminismo, não sendo este senão o mecanicismo em sua
19
Dicionário HOUAISS da língua portuguesa, 2ª ed., Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
14
versão sofisticada. Em outras palavras, conservadorismo, liberalismo e socialismo
expressavam um naturalismo mecanicista, reducionista, determinista, dualista e utilitarista
que tratava os ecossistemas como entidades inanimadas postas a serviço das
antropossociedades e com capacidade inesgotável de fornecer matéria e energia na
entrada, ao mesmo tempo em que era capaz de absorver ilimitadamente os rejeitos da
civilização industrial em suas roupagens capitalista e socialista, na saída.20
Essa base antropocêntrica sobre a qual se edificou, essencialmente, a
sociedade ocidental, permitiu que, ao longo da história da humanidade, o homem se
utilizasse dos recursos naturais de maneira predatória. Inúmeros são os exemplos
de uma situação preocupante ou de alarmada e acelerada e irreversível devastação
ambiental.
Nesse estado de coisas, os animais não humanos são os seres diretamente
prejudicados, pois “não obstante a perda dos seus habitats em termos quantitativo e
qualitativo, estes foram, no desenrolar da evolução humana, postos na condição de
inferiores, seres irracionais com a finalidade de nos servir e com a obrigação de se
adequar às nossas imposições”.21
Na perspectiva de descontruir essa visão antropocêntrica, surgiram novas
correntes e teorias adeptas do ambientalismo e do ecologismo, afirmando,
basicamente que a Terra não é uma fonte de recursos inesgotáveis à disposição do
bel prazer do homem ou dos interesses e das atividades humanas; e ainda, que a
sua utilização indevida e em larga escala poderá acarretar diversos e seríssimos
desequilíbrios nos ecossistemas, podendo causar a extinção de diversas espécies
de seres vivos existentes na Terra, inclusive com a queda da qualidade da vida
humana.
20
SOFFIATI NETO, Aristides Arthur. Ecossistemas aquáticos: antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo.
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MILARÉ, Édis (coords.). Revista de Direito Ambiental, ano 10, nº 37. São
Paulo: RT, 2005, p. 205. 21
ROCCO, Bruno Aurélio Giacomini. Algumas considerações sobre o convívio entre o homem e os animais.
Revista de Direitos Difusos, ano II, vol. 11, São Paulo: Editora Esplanada-ADCOAS, 2002, p. 1.417.
15
1.2.1 A visão Pré-Socrática22
As reflexões a seguir, de caráter histórico, levam a considerar – a título de
amostra – o quanto o pensamento do passado grego era voltado para enaltecer a
figura do ser humano, em primeiro lugar.
Alguns autores divergem quanto à origem das questões relacionadas com a
filosofia, se na Grécia antiga ou no Oriente. Todavia, a maioria dos historiadores
apontam a Grécia antiga como o berço dessa ciência do conhecimento. É o
chamado “milagre grego” com a ciência teórica e, na filosofia, a sua mais grandiosa
e impressionante manifestação.23
A cultura grega estava intimamente relacionada com o mar, dada sua
localização geográfica. Esse fato facilitava a comunicação e o comércio com outros
povos, ou seja, o intercâmbio de comunicação e o confronto com outras civilizações.
Essa circunstância provocou o surgimento tanto das aventuras reais quanto as
construções imaginárias na mentalidade dos gregos, fazendo com que se
expressassem através das suas famosas epopeias. Portanto, por meio da poesia, o
homem grego cantou as formas de viver e de pensar.24
Para os primeiros filósofos gregos, o mundo se iniciou com o Caos, que seria
o abismo sem fundo, a força criadora do Universo. Segundo acreditavam:
De Caos sairá a sombra, sob a forma de um par: Érebo e Noite. Da Sombra sai, por sua
vez, a luz sob a forma de outro par: Éter e Luz do Dia, ambos filhos da Noite. Terra dará
nascimento ao céu, depois às montanhas e ao mar. Segue-se a apresentação dos filhos da
22
A corrente filosófica chamada de pré-socrática é, na verdade, meramente cronológica, referindo-se, portanto,
àqueles anteriores a Sócrates (470-399 a.C.). Esse marco é puramente conceitual, uma vez que muitos filósofos
são contemporâneos a ele, como, por exemplo Pitágoras (570-495 a.C.), Tales de Mileto (625-546 a.C),
Parmênides de Eleia (séc. V a.C.), entre outros. 23
A cultura grega sofreu fortes influências de outras civilizações e povos, tais como os egípcios, os assírios, os
persas, os babilônicos e outros. 24
As epopeias são o resultado da fusão de lendas eólicas e jônicas, nas quais relatavam as expedições marítimas
e os contatos com a cultura oriental. Os ciclos desses cantos eram uma sequência de episódios sobre o mesmo
fato ou herói. Dos inúmeros poemas, apenas dois se conservaram: a Ilíada e a Odisseia de Homero, escritos entre
o século X e o VIII a.C.
16
luz, dos filhos da sombra e da descendência da Terra – até o momento do nascimento de
Zeus, que triunfará sobre seu pai, Cronos. Começará então a era dos olímpicos.25
A cultura grega, nesse momento, estava intimamente envolvida com as
questões místicas, com o divino. A religião e o misticismo faziam parte da
compreensão do mundo e era uma constante a interação do sobrenatural com o
profano, do religioso com o natural.
Consoante afirmado por Daniel Braga Lourenço:
Essa fase é caracterizada pela predominância do que se denomina pensamento mítico. Ele
consiste em uma forma peculiar de compreensão do mundo, pela qual o povo explica a
realidade em que vive por meio do recurso à figura do mito. O mito, por sua vez, pode ser
delineado como fruto de uma tradição cultural e folclórica e não de um pensamento
individual. Pressupõe a adesão sem questionamento por parte de quem integra essa
mesma cultura.26
Hesíodo (séc. VIII a.C.), contemporâneo de Homero (séc. IX a.C.), afirmava
que os animais devoravam-se a si próprios porque a eles não fora dado o senso do
que fosse o certo ou o errado. O senso de justiça teria sido atribuído por Zeus
somente aos homens. Verifica-se, de início, uma distinção entre os seres dotados de
razão, dentre os quais prepondera a justiça, e os que não a possuíam, prevalecendo
a necessidade, o instinto, um comportamento inato e próprio à defesa do indivíduo.
Segundo Edna Cardozo Dias, “aos homens é concedido o Direito – Dike – ao qual
devem obediência (os homens), e que, ao mesmo tempo, é o maior dos bens.
Assim, há uma ordem para os homens e outra para os animais irracionais”.27
Iniciam-se, então, as primeiras investigações acerca da origem do universo e
a relação do homem (anthropos) com a natureza (physis), buscando-se explicações
25
PRÉ-SOCRÁTICOS. Coleção Os Pensadores. José Cavalcante de Souza et al. (trad.). São Paulo: Editora
Nova Cultural Ltda., 1999, p. 12. 26
LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais. Fundamentação e Novas Perspectivas. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 2008, p. 46. 27
DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 18. Apud
LOURENÇO, Daniel Braga. Op. cit., p. 47.
17
dos fenômenos naturais mediante um lento processo de abandono do misticismo,
passando agora para uma explicação de cunho científico-filosófico.
A chamada democracia grega era exercida diretamente e apenas por aqueles
que usufruíam o direito de cidadania: homens livres, dentre os quais não se incluíam
os escravos, os estrangeiros, as mulheres e as crianças. No contexto desse modelo
de democracia, a função de orador era fundamental e o dom da palavra tornou-se
não apenas um instrumento de ascensão política, como também um problema que
preocupava retóricos e pensadores. Preparar o indivíduo para a vida pública e
conferir-lhe capacitação ou virtude (aretê) política28 representava adestrá-lo na arte
da persuasão, devendo, para tanto, saber usar a palavra.
Com o intuito de atender a esses requisitos da ação política da Atenas
democrática, caminham os sofistas e os professores da eloquência, disputando o
ensino dos jovens atenienses no uso correto e hábil da palavra. A designação de
“sábios” (sofistas) é dada por eles mesmos, trazendo uma mensagem contrária as
pretensões dos tradicionais “amigos da sabedoria” (filósofos). Não se preocupam em
desvendar os segredos do universo; negam a possibilidade de se desvendar a
natureza (physis) das coisas; fundamentam todo o conhecimento na convenção
(nomos), a partir das impressões sensíveis, resultando que nenhuma afirmativa
poderia pretender validade absoluta, só valendo relativamente as experiências e as
circunstâncias em que têm origem.
Um dos grandes filósofos representantes do período pré-socrático,29 foi
Pitágoras de Samos, que passou a explicar a realidade através dos números.30
28
A virtude era um atributo restrito à nobreza, manifestada por meio da conduta cortesã e do heroísmo do
guerreiro. As epopeias de Homero e Hesíodo (séculos X-VIII a.C.) transmitem a tradição ética na cultura grega.
Na sua origem, a palavra areté não tinha o sentido preciso de virtude, pois designava não apenas a excelência
humana, como também a não humana. Posteriormente, com Hesíodo (séc. VIII a.C.) é que areté passa a assumir
um significado estritamente moral, deixando de ser um atributo natural de bem-nascidos para se transformar em
uma conquista, resultado do esforço e do trabalho de qualquer homem. 29
A fim de delinear um contexto histórico, o período pré-socrático inicia-se com a chamada Escola Jônica, cujos
pensamentos filosóficos iniciaram-se nas colônias gregas do Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, atualmente a
região da Turquia. Os principais representantes desse período foram Tales de Mileto (floresceu em 585 a.C.), e
seus discípulos Anaximandro (610-547 a.C.), Anaxímenes (585-528 a.C.), Xenófanes de Cólofon (580-480 a.C.)
e Heráclito de Éfeso (500 a.C.).
Pitágoras de Samos (floresceu em 530 a.C.) situa-se no período de transição da chamada Escola Jônica para a
Escola Italiana, que, ao contrário da abstração dos jônicos, propuseram o surgimento da lógica e da metafísica.
Os representantes desse período, além de Pitágoras, foram: Alcmeon de Crotona (séc. V a.C.), Filolau de
Crotona (séc. V a.C.), Parmênides de Eléia (floresceu em 500 a.C.).
A Escola Atomística (considerada por muitos a mãe da física e da química modernas) representava o auge do
período pré-socrático com a teoria de que o principal elemento seria o átomo. Esse período teve como principais
representantes: Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera (460-370 a.C.).
18
Pitágoras ainda defendia a imortalidade da alma e a sua transmigração após um
período do morto para um outro corpo, seja ele humano, seja animal, até que ocorra
sua purificação. A isso, chamava-se de metempsicose.
Essa inovação pitagórica coloca em pé de igualdade – ao menos no plano
espiritual – todos os seres vivos, em um processo de intercâmbio entre eles.
Pregava ainda a justiça entre todos os seres, pois o “homem e todo o ser vivo estão
enraizados num mundo que, longe de ser o apanágio de alguns, é dado a todos,
igualmente”.31
Esse era o clima cultural de Atenas do período historicamente chamado de
pré-socrático. Ocorre que a moral tradicional e as normas de conduta política
estavam em alteração pela vaga racionalização que os sofistas apontavam. Com o
passar do tempo, o cidadão ateniense verifica que é o homem quem faz ou altera as
leis, como resultado do confronto do acordo entre os interesses e os pontos de
vistas diferentes.
É nesse contexto que Sócrates, juntamente com os atenienses, desenvolve
uma atividade sob vários aspectos oposta aos mestres da eloquência e da arte de
persuasão. Tratava-se da arte da razão, da racionalização.32
Sócrates criou um novo entendimento de alma (psiché), que dominou a
tradição ocidental, como sendo a sede da consciência normal e do caráter, a
realidade interior que se manifesta mediante palavras e ações, podendo ter
conhecimento ou ignorância, bondade ou maldade. Esses predicados que nascem
da psique constituem os valores que passam a ser a principal preocupação que
polariza os cuidados do homem.
A Escola Eleática transferiu a discussão da realidade cósmica para o binômio verdade/aparência ou
realidade/aparência, tendo como principais representantes: Zenão de Eléia (floresceu em 464 a.C.) e Melisso de
Samos (floresceu em 444 a.C.).
Por fim, após a consolidação da filosofia como gênero cultural autônomo, com a estabilização da sociedade
grega e o apogeu das cidades-estados, surgem os sofistas, considerados os mestres da oratória e retórica,
transmitindo seus ensinamentos pela arte da persuasão para inserir os cidadãos na vida política. Os principais
representantes desse período foram: Protágoras de Abdera (490-421 a.C.), Górgias de Leontinos (487-380 a.C.),
Hípias de Elis (433 a.C.), Licofron, Pródicos (470 a.C.) e Trasímaco (459-400 a.C.). PRÉ-SOCRÁTICOS.
Coleção Os Pensadores. José Cavalcante de Souza et al. (trad.). São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 1999,
p. 61-65 e LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais. Fundamentação e Novas Perspectivas. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 43-60. 30
A explicação da realidade através dos números contribuiu e muito para a matemática. 31
LOURENÇO, Daniel Braga. Op. cit., p. 53. 32
SOCRÁTES. Coleção Os Pensadores. Enrico Corvisieri e Mirtes Coscodai (trad.). São Paulo: Editora Nova
Cultural Ltda., 1999, p. 19-26.
19
1.2.2 A visão de Sócrates
Sócrates (470-399 a.C.) é considerado um dos grandes filósofos gregos.
Muito ensinou acerca das virtudes humanas, tendo sido morto em decorrência dos
seus próprios ensinamentos. Com efeito, fora condenado por representar uma
ameaça para as tradições da polis (por não reconhecer os deuses do Estado e
introduzir novas divindades) e um elemento pernicioso à juventude (por,
supostamente, corromper os jovens).
Durante toda a sua existência, viveu para considerar o justo e o injusto,
praticando boas ações e evitando o mal. Em sua condenação, afirmava que
morrendo injustamente, a vergonha cairia sobre os que injustamente o condenaram,
pois “se a injustiça é vergonhosa, como não seria vergonhoso um ato injusto?”
Afirmava ainda que a única coisa que importava era viver honestamente, sem
cometer injustiças, nem mesmo em retribuição a uma injustiça recebida.33
A democracia grega, apesar desse nome característico, era repleta de
contrastes, uma vez que a sociedade não somente possuía escravos, como também
descartava as crianças com má formação, além do tratamento excludente dado às
mulheres. Portanto, a democracia era um “modelo social” praticado por um grupo
seleto de homens livres, os únicos que eram considerados cidadãos, na concepção
desse termo. Sócrates, entretanto, repudiava a escravidão da “democracia” grega.
Diante do cenário desse tipo de “democracia”, a questão que envolvia os
animais, evidentemente, não teria trato ou conotação diferente da própria raça
humana. Os animais eram considerados meros produtos para serem utilizados pelo
ser humano. Em um de seus inúmeros diálogos, por exemplo, após discorrer sobre o
sol e a lua, a água e os ventos e os enormes benefícios desses bens naturais dados
pelos deuses ao homem, Sócrates foi questionado por seu discípulo Eutidemo, que
arguiu, se, além dos homens, os animais também seriam objeto de preocupação dos
deuses.
Assim respondeu o filósofo:
33
Sócrates era completamente desprovido de bens materiais. Dedicou sua vida à missão que lhe fora dada pelo
deus de Delfos: o dialogar com as pessoas, fazendo-as justificar seus conhecimentos, virtudes e habilidades que
lhes eram atribuídas.
20
Não é sabido que até esses animais nascem e são alimentados para o homem? Que outro
animal tira tão grande proveito das cabras, ovelhas, cavalos, bois, asnos etc., como o
homem? Julgo-os até mais úteis que os vegetais. Não nos alimentamos e enriquecemos
menos de uns que outros. Muitas raças humanas existem que não se alimentam dos
produtos da terra, e sim do leite, queijo, carne que lhes fornecem os rebanhos. Todos
domesticam, domam os animais úteis e neles encontram auxiliares para a guerra e muitos
trabalhos.34
Pode-se afirmar que a expressão “animais úteis” refere-se àqueles que eram
utilizados pelo homem. Isso não quer dizer que não se consideravam os animais
tidos como “inúteis”, isto é, aqueles que não serviam ao homem. Essa denominação
transmite a falta de conhecimento das relações ecológicas entre todos os seres
vivos existentes na Terra.
O período socrático é considerado como eminentemente antropocêntrico,
uma vez que o método por ele desenvolvido foi o autoconhecimento (“conhece-te a ti
mesmo”, ensinava ele), donde se extrai que as leis morais originam no homem e a
razão humana é o papel condutor da verdade.
Portanto, a exemplo do pensamento socrático, pode-se dizer que esse
paradigma de ligação do homem com a natureza se mostra muito remoto. Esse
modo de pensar, por sinal, se cristalizou e perdura até os dias de hoje.
1.2.3 A visão de Platão
Platão (427-327 a.C.) foi um dos grandes discípulos de Sócrates. Na
continuidade do trabalho de seu mestre, tentou demonstrar que a filosofia tinha uma
prevalência sobre as ideias em relação ao chamado mundo sensível. Segundo seu
método, é através do diálogo que se busca a universalidade do pensamento.
34
SOCRÁTES. Coleção Os Pensadores. Enrico Corvisieri e Mirtes Coscodai (trad.). São Paulo: Editora Nova
Cultural Ltda., 1999, p. 239.
21
Para esse filósofo, a concepção de justiça se faz presente quando um
indivíduo consegue que seu intelecto domine seus impulsos irracionais. A razão,
portanto, é considerada a parte superior do espírito e deve controlar a inferior, ligada
aos desejos. Nesse raciocínio, uma sociedade somente será justa quando as
classes inferiores forem dominadas pelas superiores. Cria-se, por conseguinte, uma
estrutura hierárquica em que as chamadas classes inferiores não somente podem,
como também devem ser controladas pelas classes superiores.
Em sua clássica obra A República, Platão questiona a forma de uma
sociedade ideal, o meio para uma construção de uma sociedade justa. Ele atribui a
cada homem um determinado fim e atividade35 e ensina que o pensamento racional
não é para todos, mas sim um privilégio para alguns. Na lógica desse seu raciocínio,
a maior parte dos homens não pode alcançar a “bondade filosófica”, podendo atingir
ao máximo a “bondade cívica” pela obediência às leis, motivo pelo qual a companhia
dos deuses estaria reservada a poucos afortunados.
1.2.4 A visão de Aristóteles
Aristóteles (384-322 a.C.) foi discípulo de Platão. Sua principal ideia para
explicar a relação do universo com a natureza e com o homem era a de que existiria
uma hierarquia natural entre os objetos inanimados, os seres vivos e os homens.
Afirmava que tudo na natureza fora criado para servir a um propósito, mas que, ao
final da cadeia hierárquica, o propósito da natureza e dos demais seres vivos seria
servir ao homem.
Esse filósofo sustentava:
As plantas existem em benefício dos animais, e as bestas brutas em benefícios do homem
– os animais domésticos para seu uso e alimentação, os selvagens (ou, de qualquer
35
Platão atribui em sua obra A República a organização da cidade ideal apoiada em uma divisão racional de
trabalho, em que a justiça depende da função exercida por três classes distintas: a dos artesãos (encarregados da
produção de bens materiais); a dos soldados (encarregados da defesa da cidade); e a dos guardiões (incumbidos
de zelas pela observância das leis).
22
maneira, a maioria deles) para servir de alimento e outras necessidades da vida, tais como
roupas e vários instrumentos. Como a natureza nada faz sem propósito ou em vão, é
indubitavelmente verdade que ela fez todos os animais em benefício do homem.36
O ponto de vista filosófico de Aristóteles se contrapõe às filosofias de
Sócrates e de Platão; a escola por ele inaugurada possuía um forte apelo de
investigação empírica.
Diante dessa doutrina, Aristóteles concebe a teoria da “grande cadeia da vida”
onde os seres que apenas sobrevivem, tal como as plantas, ocupam o degrau mais
baixo da escala, acima do qual estão os seres sencientes, conscientes e capazes de
experiência, seguidos pelos seres espirituais que habitam os degraus mais
elevados; por fim, acima deles, ocupando degraus incrivelmente mais altos, estão as
divindades.37
Nesse “pano de fundo”, o filósofo também descrevia: “O homem livre ordena
ao escravo de um modo diferente do marido à mulher, do pai ao filho. Os elementos
da alma estão em cada um desses seres, mas em graus diferentes. O escravo é
completamente privado da faculdade do querer; a mulher a tem, mas fraca; a do filho
é incompleta”.
Essa visão da filosofia clássica de que os seres são criados em benefício uns
dos outros (as plantas teriam sido criadas em benefício dos animais e estes foram
criados para beneficiar os homens), sendo os animais para a mera utilização dos
homens ou como suas propriedades, não só predominou durante toda a evolução da
sociedade humana, como ainda hoje constitui uma corrente que encontra adeptos.
Aristóteles negava aos animais a capacidade de raciocinar, de possuir
intelecto; e por não possuírem esses atributos, não seriam capazes de desenvolver
emoções, mesmo que, eventualmente, parecessem experimentá-las.
Essa relação de domínio entre espécies diferentes fez com que o homem
olhasse para a natureza apenas como um objeto ao seu dispor, que pudesse utilizá-
36
Aristóteles. Politics, p. 16. Apud SINGER. Peter. Libertação animal. Marly Winckler (trad.). São Paulo:
Lugano Editora, 2004, p. 215. 37
SANTANA, Heron José de. Espírito animal e o fundamento moral do especismo. Apud SANTANA, Heron
José de e SANTANA, Luciano Rocha (coord.). Salvador: Revista Brasileira de Direito Animal, ano 1, nº 1,
2006, p. 49.
23
la sem preservá-la, sem o devido respeito com o vínculo entre si e que marca todos
os seres existentes no Planeta.
1.2.5 O Antigo Testamento e o Novo Testamento
A era grega clássica chega ao fim quando sofreu uma derrocada por parte
dos macedônios,38 os quais, posteriormente, são derrotados por Roma, que teve
enorme expansão de seu domínio por grande parte da Europa, da África e da Ásia,
surgindo o império romano.
O império romano teve forte influência do patrimônio grego, não somente no
campo filosófico, mas também nos conceitos modernos de política, cidadania e
democracia que lá foram germinados. Com sua vasta campanha expansionista,
Roma deixou como um de seus grandes legados em prol do direito das civilizações
ocidentais de tradição romano-germânica, o direito civil (jus civile = civil law),
diferentemente da outra divisão ocidental, a common law (lex communis).
De igual modo, nesse período, a exemplo dos períodos anteriores, os animais
eram considerados e tratados como “coisas”, ou seja, eram meros objetos a serem
apropriados por qualquer pessoa. Aliás, nessa mesma categoria situavam-se os
escravos. A propósito, esse mesmo modo de pensar e agir, em parte, permanece
nos dias de hoje.
Com a conversão do império romano ao cristianismo, a cultura romana foi
amplamente modificada. Nesse ínterim, a vasta dominação que exerceu no ocidente
fez com que o cristianismo se implantasse no mundo todo, tornando-a hoje, a maior
de todas as religiões.39
38
A Grécia antiga foi dominada por Felipe II da Macedônia e seu filho Alexandre, em meados de 340 a.C.
Alexandre expandiu, e muito, as conquistas de seu império (Europa e Ásia), motivo pelo qual ficou conhecido
como Alexandre, o Grande. Deixou como grande legado a difusão da cultura grega, resultando na mistura da
cultura grega com a cultura oriental, dando origem à cultura helenística. 39
O cristianismo é praticado atualmente por cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo, o equivalente a um terço
da população mundial. Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2003/030407_religioescristianismo.shtml. Acessado em 23 de outubro
de 2010.
24
O cristianismo sofreu forte influência da cultura da época e absorveu a
interpretação dada pelos judeus e gregos no tocante aos animais. Com o apogeu de
Roma, a espécie humana desde o seu nascimento passa a ter significativo valor não
só moral, mas de proteção à vida.
Os ensinamentos da Bíblia no Antigo Testamento já privilegiavam o homem
em relação aos demais seres vivos existentes na Terra. Ao dar uma especial
condição ao ser humano, enfatizou profundamente o antropocentrismo. A esse
respeito, as palavras de Santana e Oliveira:40
A perspectiva negativista referente aos animais será fundamentada através das religiões
monoteístas, que formarão o judaísmo entre outras, conforme se infere do livro do
Gênesis que, integrantes das Escrituras monoteístas, determina o ser humano como o
máximo da criação, pois este seria o único ser criado à imagem e semelhança de Deus,
devendo-se a existência dos demais seres atender a finalidade exclusiva de servir ao
homem.
Não só as religiões dos homens serão um dos elementos legitimadores da visão
negativista referente aos animais. Teremos, também, no racionalismo filosófico um de
seus mais fervorosos elementos, como é o caso do filósofo pré-socrático Protágoras (480-
410 a.C.), que enaltecerá o antropocentrismo, ao formular o princípio do homo mensura,
segundo o qual o homem seria a medida de todas as coisas, inclusive daquelas que são
pela sua existência ou não são pela sua não-existência.
No primeiro capítulo do livro do Gênesis,41 encontramos as bases do
antropocentrismo, descrevendo como Deus criador confia ao Homem criado o
domínio sobre a criação:
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança; e que eles
dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e
todos os répteis que se rastejam sobre a terra (Gn, I, 26). Deus os abençoou e lhes disse:
40
SANTANA, Luciano Rocha; OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda responsável e dignidade dos animais. Apud
SANTANA, Heron José de; SANTANA, Luciano Rocha (coords.). Salvador: Revista Brasileira de Direito
Animal, ano 1, nº 1, 2006, p. 72. 41
A Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Edições Paulinas, 1985.
25
„Sede fecundo, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do
mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra (Gn, I, 28).
No segundo capítulo, Deus apresenta ao homem os diferentes animais da
criação para que lhes sejam dados nomes. Esse privilégio de conceder um nome
traduz a ideia de que ao homem é investido de poder sobre a Terra:
Iahweh Deus modelou, então, do solo, todas as feras selvagens e todas as aves do céu e as
conduziu ao homem para ver como ele as chamaria: cada qual devia levar o nome que o
homem lhe desse (Gn, II, 19). O homem deu nomes a todos os animais, às aves do céu e a
todas as feras selvagens, mas, para o homem, não encontrou a auxiliar que lhe
correspondesse (Gn, II, 20).
Posteriormente, após o episódio do dilúvio, quando Deus abençoa Noé e seus
filhos, assim afirmou:
Deus abençoou Noé e seus filhos, e lhes disse: „Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra‟ (Gn, IX, 1). Sede o medo e o pavor de todos os animais da terra e de todas as aves
do céu, como de tudo o que se move na terra e de todos os peixes do mar: eles são
entregues nas vossas mãos (Gn, IX, 2). Tudo o que se move e possui a vida vos servirá de
alimento, tudo isso eu vos dou, como vos dei a verdura das plantas (Gn, IX, 3).
1.2.6 Antropocentrismo moderno
Desde os primórdios dos antigos filósofos – à maneira de uma herança do
pensamento judaico-cristão que permanece até os dias de hoje – foram aqui
expostas algumas visões que caracterizam o chamado antropocentrismo.
Naturalmente, vários e longos milênios nos separam do calendário dos tempos. Esta
exposição, então, apesar de extremamente sintética – e não poderia ser de outra
maneira – é emblemática e rica de significado para demonstrar que o ser humano,
26
na cultura ocidental, ontologicamente surgiu para dominar a natureza e os seres
vivos e não vivos que nela existem. Essa cultura milenar é, pois, um fio condutor que
nos fez chegar ao antropocentrismo dos tempos modernos.
A teoria da grande cadeia da vida proposta por Aristóteles foi perpetuada em
decorrência do domínio da Igreja Católica e de seus principais representantes: Santo
Agostinho na Igreja primitiva e Santo Tomás de Aquino na Idade Média. Ambos
ressaltaram que a capacidade de pensar é um atributo exclusivo do homem e esta é
a sua diferença entre os demais seres animados. Esse raciocínio justificava, na
visão do cristão, que, na ordem natural, o imperfeito deve sempre servir ao perfeito,
do mesmo modo como o irracional deve estar a serviço do racional.42
A perfeição do homem estaria na sua semelhança e proximidade com Deus,
pois as criaturas intelectuais estariam em um posto mais alto; por isso, sua
proximidade com a divindade. A filosofia de Tomás de Aquino afirmava ainda que
não havia pecado em usar algo para o fim a que se destinava, na seguinte ordem:
as plantas para os animais e os animais para os homens. Esse era, inclusive, o
mandamento inscrito no livro do Gênesis (Gn I, 29-30 e IX, 3), da seguinte maneira:
Deus disse: „Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície
da terra, e todas as árvores que dão frutos que dão semente: isso será vosso alimento‟
(Gn, I, 29).
A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo que rasteja sobre a terra e que é animado
de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas, e assim se fez (Gn I,30).
Tudo o que se move e possui a vida vos servirá de alimento, tudo isso eu vos dou, como
vos dei a verdura das plantas (Gn, IX, 3).
Nesse momento, consagra-se a posição filosófica de que o homem é
hierarquicamente superior aos demais seres vivos, proveniente das teorias clássicas
da perfeição do homem proposta por Platão e Aristóteles. Nesse contexto, a
existência de uma “imperfeição” passou a chamar-se “pecado”. Havia, então, três
espécies de pecado: os cometidos pelos homens contra Deus, os cometidos pelos
42
SANTANA, Heron José de. Espírito animal e o fundamento moral do especismo. Apud SANTANA, Heron
José de; SANTANA, Luciano Rocha (coords.). Salvador: Revista Brasileira de Direito Animal, ano 1, nº 1,
2006, p. 51.
27
homens contra si próprios e aqueles contra terceiros. Percebe-se, pois que se
tratava de um arcabouço religioso de viés cultural que excluía o pecado ou o crime
praticado contra os animais.
Pode-se afirmar, portanto, que a base da religião judaico-cristã representa a
forma pelo qual o homem trata os animais com certo desprezo e até com barbárie,
pois o capítulo do Gênesis transformou os animais em meros objetos de uso e ao
bel-prazer dos homens.
Com o fim da Idade Média,43 surge a época denominada do Renascimento,
em que as artes e a filosofia, bem como o ser humano, retornam ao debate e à
discussão filosófica, uma vez que durante a era medieval, Deus era o centro do
pensamento. Esse novo período histórico é caracterizado pelo humanismo,
abandonando-se, portanto, o teocentrismo para lançar raízes no antropocentrismo
fascinante.
Insignes pensadores surgiram nesse período, sendo que vários deles
chocaram o mundo da época com seus estudos. Na verdade, Nicolau Copérnico
(1473-1543), Giordano Bruno (1548-1600), Galileu Galilei (1564-1642), quebraram o
paradigma da teoria geocêntrica para a heliocêntrica, além do que, pregavam que o
Universo era um espaço infinito com outros corpos celestes circundando os astros.
O grande representante da filosofia racionalista moderna foi René Descartes
(1596-1650) que levou ao extremo a filosofia aristotélico-tomista. Com efeito, ele
afirmava que a linguagem era a única prova de que os homens possuíam espírito
capaz de pensar, sentir e raciocinar; ao passo que os animais eram incapazes de ter
sentimentos ou de poder manifestar qualquer pensamento e, que, portanto, não
passavam de simples autômatos.
A racionalidade, segundo Descartes, torna o homem o senhor e dono da
natureza. Ele assegurava que sendo os homens os únicos seres dotados de uma
alma imortal, não eram autômatos. Já os animais, como não possuíam alma,
consequentemente não possuíam consciência e, não tendo consciência, eram seres
43
A Idade Média é conhecida também como “Idade das Trevas”, pois após a queda do império romano (séc. V)
e as invasões bárbaras, houve uma queda e estagnação da produção intelectual. Coube aos monges dos mosteiros
cristãos e aos árabes da península ibérica a reintrodução da cultura na Europa. O fim da Idade Média e início do
Renascimento correspondem ao século XV, com os mecenas. Aqueles indivíduos ricos que financiavam os
cultores das artes e das ciências.
28
brutos, inanimados, sujeitos às leis mecânicas como qualquer outro objeto, não
sentindo, portanto, dor ou prazer.
Para Descartes, como não havia a comunicação de linguagem entre os
animais, não poderiam expressar seus pensamentos, consequentemente, não
seriam conscientes.44
A teoria mecanicista cartesiana – aquela que concebe metaforicamente a
natureza como uma máquina cheia de engrenagem – servia também à prática da
experimentação em animais vivos e que fora amplamente utilizada nesse período na
Europa, com o detalhe de que, nessa época, não existiam anestésicos.45
Nesse cenário, para Descartes, os animais seriam meras máquinas para a
utilização dos homens.
Outra corrente filosófica iniciada nesse período foi o empirismo, contrariando
a filosofia racionalista que encontrava a base da sua argumentação na
espiritualidade. David Hume (1711-1776), por exemplo, identifica nos animais a
presença de características físicas e atividades mentais muito próximas às dos
homens; nesse sentido, ele prepara as bases para a revolução darwiniana,46 que
rompe definitivamente a barreira filosófica construída entre o homem e as demais
espécies.
Até esse período, prevalece, então, a base da filosofia aristotélica e o
conceito de que o homem é o único ser dotado de razão, de linguagem e de
44
A etologia – estudo do comportamento dos animais – provou há muito tempo que essa argumentação não era
plausível, uma vez que inúmeros animais demonstraram não somente poder comunicar-se com as espécies
intraespecificamente, como também interespecificamente, mas também deixaram evidente ter plena interação
com a linguagem humana. 45
Peter Singer traz um relato da conveniência da teoria mecanicista: “Como então não havia anestésicos, esses
experimentos devem ter feito os animais se comportar de tal forma que indicaria, para a maioria de nós,
estarem sofrendo dor intensa. A teoria de Descartes permitia aos experimentadores que desconsiderassem
quaisquer escrúpulos que pudessem ter nessas circunstâncias. O próprio Descartes dissecou animais vivos com
o objetivo de aumentar seus conhecimentos de anatomia, tendo muitos fisiologistas renomados da época se
declarado cartesianos e mecanicistas. O seguinte testemunho de um desses experimentadores, que trabalhava no
seminário jansenista de Port-Royal, no final do século XVII, deixa clara a conveniência da teoria de Descartes:
„Batiam nos cães com perfeita indiferença e zombavam dos que sentiam pena das criaturas como se elas
sentissem dor. Diziam que os animais eram relógios; que os gritos que emitiam quando golpeados não
passavam do ruído provocado por alguma molinha que haviam acionado, mas, que o corpo, como um todo, não
tinha sensibilidade. Pregavam as quatro patas dos pobres animais em tábuas para praticar a vivissecção e
observar a circulação do sangue, tema que era motivo de muitas discussões‟” (SINGER, Peter. Libertação
animal. Marly Winckler (trad.). São Paulo: Lugano Editora, 2004, p. 227-228). 46
Charles Darwin (1809-1882) revolucionou o mundo com a Teoria das Espécies, demonstrando que o homem é
resultado do processo da evolução animal.
29
capacidade para distinguir o bem e o mal; único que possui uma alma imortal e em
tudo semelhante a Deus.
1.3 Ecocentrismo ou Biocentrismo
James Lovelock é um dos grandes autores que formularam a teoria da Mãe
Terra ou Teoria Gaia.47 De acordo com ela, a Terra é, na verdade, um organismo
vivo, capaz de regular seu próprio clima e sua composição para manter sempre
confortáveis os que nela habitam.48
A Teoria Gaia é assim definida:
Uma entidade complexa que abrange a biosfera, a atmosfera, os oceanos e o solo da
Terra; na sua totalidade, constituem um sistema cibernético ou de realimentação que
procura um meio físico e químico para a vida neste planeta. A manutenção de condições
relativamente constantes por controle ativo pode ser convenientemente descrita pelo
termo homeostase.49
Essa teoria tem a finalidade de superar o velho conceito que considera a
natureza como uma força primitiva a ser conquistada. Esse também é o
entendimento de Edward O. Wilson que assim afirmou:
Pesquisamos uma questão em busca de um conceito, de um padrão que imponha uma
ordem. Procuramos uma maneira de falar sobre o terreno ainda por desbravar, uma
palavra ou uma frase que chame a atenção para o objecto da nossa atenção. Esperamos
ser os primeiros a estabelecer a conexão. Pretendemos detectar e identificar um processo,
47
Gaia é também conhecida como Geia ou Ge (em grego, Gé = Terra) radical adotado nas ciências como a
Geografia e Geologia. Para os antigos filósofos gregos, Gaia era a deusa da Terra e possuía uma absurda
potencialidade geradora. 48
James Lovelock afirma que a “Teoria Gaia” não é de sua autoria e sim do considerado pai da geologia, James
Huton que a utilizou pela primeira vez em uma conferência em Edimburgo, em 1785, onde afirmou que:
“Considero a Terra um superorganismo e o seu estudo apropriado a fisiologia”. LOVELOCK, James. Gaia. Um
novo olhar sobre a vida na Terra. 3ª ed. Pedro Bernardo (trad.). Lisboa: Edições 70, 1995, p. 19. 49
LOVELOCK, James. Op. cit. p. 30.
30
talvez uma reação química ou um padrão de comportamento que accione uma mudança
ecológica, uma nova maneira de classificar o fluxo de energia, ou uma relação entre
predador e presa que os preserva a ambos, por entre uma gama quase ilimitada de
objectivos.50
Historicamente, sabemos que a natureza se reduziu aos interesses da
espécie humana. Na verdade, desde o início da aparição do homem, ele retira os
recursos naturais para assegurar sua própria sobrevivência, mais do que o
necessário para o desenvolvimento da sociedade humana. Esse procedimento tem
suas raízes nos ditames da filosofia da religião judaico-cristã, conforme registrado
em páginas anteriores.
Com toda naturalidade, pois o homem sempre tratou a natureza como um
mero objeto a ser possuído e dominado por seus interesses. O resultado de tal
dominação dilapidou parte dos recursos naturais existentes. Lamentavelmente, com
o passar dos anos, levou a um estado de degradação do planeta e a deteriorar a
qualidade ambiental. Atualmente, vivemos parcela dos efeitos devastadores
resultantes de uma expropriação depredatória que vem de longa data. Porém, deve-
se perguntar: mesmo diante de todas as questões e problemas oriundos da
devastação dos recursos naturais, o homem passou a respeitar a “mãe natureza”
depois de todos esses acontecimentos?
Com as incessantes e irracionais intervenções humanas, ficou evidente que
os ciclos naturais são cada vez mais rompidos ou, quando não rompidos, se
desequilibram. É notório o posicionamento de cientistas contrários a teoria do
aquecimento global, afirmando ainda que a militância ambientalista é uma forte arma
de propósitos políticos como, de fato, pode ser. Todavia, ninguém pode negar que
fenômenos e catástrofes naturais ocorrem cada vez mais, com maior intensidade e
com maior amplitude pela face da terra.51
A natureza é movida por um fenômeno cíclico (ciclo da água, do carbono, da
fotossíntese, da quimiossíntese, etc.). Além de participar do movimento dos astros e
obedecer ao ritmo das estações, ainda possui o ciclo da decomposição da matéria
50
WILSON, Edward O. A Diversidade da vida. Isabel Mafra (trad.) Lisboa: Gradiva, 1997, p. 16-17. 51
Atualmente, as estações do ano não prevalecem mais em épocas específicas. Diversos fenômenos naturais até
então inexistentes em determinadas localidades vêm ocorrendo. No Brasil, tufões e furacões aconteceram
recentemente no Sul, além de terremotos no Centro-Oeste.
31
orgânica e da germinação dos seres vivos, parecendo “funcionar segundo o modelo
de uma imensa fábrica de reciclagem e de tratamento da energia e da matéria”.52
Muito dos cientistas que duvidam da possibilidade de uma hecatombe global,
afirmam que a reversibilidade da natureza renovará os seus ciclos e a própria
intervenção humana; é uma afirmação corroborada por muitos políticos, juristas e
pensadores. Todavia, como afirma François Ost,53 esse é o tradicional álibi em que
se refugiam os poluidores e predadores. Álibi que não reconhece que as ações
antrópicas são cada vez mais intensas e concentradas no tempo, interrompendo os
ciclos naturais e, por seus efeitos cumulativos, aproximam-se dos limiares da
irreversibilidade. Por isso o alerta do citado autor:
Independentemente, mesmo, da tomada em consideração das perturbações humanas, a
ciência ecológica está mais consciente do que antes da irreversibilidade do longo tempo
da natureza: a natureza, como a história, nunca se repete; é apenas em nível de percepção
humana que se forma a impressão de retorno do mesmo.54
Nesse sentido, a ecologia científica fornece mais questões à espera de
respostas seguras, representando um paradoxo de que quanto mais se sabe, menos
se afirma. Naturalmente, isso se deve à imensidão dos fatos da natureza e às
limitações da inteligência humana.
Voltando um pouco ao passado recente, a publicação da obra Primavera
Silenciosa em 196255 motivou a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente
Humano, realizada em Estocolmo no ano de 1972. A partir desse evento, a
humanidade passou a despertar para uma tomada de consciência quanto às
questões da defesa do meio ambiente. A proteção da natureza em nível global é
resultado de uma nova consciência no que se refere ao valor intrínseco do
patrimônio genético e da biodiversidade, valor que inclui os cuidados com as
espécies ameaçadas de extinção ou com o ambiente natural já comprometido. Em
outros termos, surgiu um sentimento globalizado sobre a necessidade de uma nova
52
OST, François. A natureza à margem da lei. A ecologia à prova do direito. Joana Chaves (trad.). Lisboa:
Instituto Piaget, 1995, p. 109. 53
OST, François. Op. cit. p. 109. 54
Idem. 55
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. Raul de Polillo (trad.). São Paulo: Editora Melhoramentos, 1962.
32
ordem para a proteção da natureza em nível planetário. Poder-se-ia afirmar que
começou a existir uma visão holística que envolve a natureza e os elementos que a
compõem.
A conveniência humana na sociedade mostra que, de uma maneira geral, o
homem tende a não preservar aquilo que pertence à coletividade, ou aquilo que é
comum a todos; apenas revela maiores cuidados com aquilo que lhe pertence. Daí a
importância de se conscientizar para a dimensão social do valor dos recursos
naturais. Nesse sentido, toda tomada de consciência em torno da preservação dos
recursos naturais tem um fio condutor que se manifesta através do estudo das
relações dos seres vivos entre si e o meio orgânico ou inorgânico no qual vivem e
que hoje a sociedade está conhecendo com o nome de ecologia.
Na esteira desse entendimento, François Ost56 propõe um termo que julga
adequado para a corrente de pensamento que envolve os conjuntos naturais e a sua
interação como um todo: deveria ser traduzida literalmente por “ecologia profunda”
ou “ecologia radical”. Porém, outras denominações são também utilizadas, como,
por exemplo, biocentrismo ou ecocentrismo. Como nos ensina referido autor, adotar-
se-á aqui a expressão biocentrismo, tendo em vista que, considerando a natureza
como um ser dotado de vida (a bios, em grego), esta seria a expressão mais
apropriada.
Essa corrente é formada por diversas ciências, tendo principalmente por base
a teoria evolucionista de Charles Darwin, a qual retira todo o privilégio da espécie
humana, substituindo-a na dinâmica evolutiva da vida. A Teoria Gaia, acima referida,
representa, basicamente, uma comunidade organizada em que há uma cooperação
entre plantas, animais e elementos abióticos, em uma perfeita simbiose. Refere-se a
um modo de pensar enraizado em um passado místico (cultura dos ameríndios)57 e
56
OST, François. Op. cit. p. 174-175. 57
Essa ideia de consciência ecológica remonta à cultura indígena. A esse respeito, François Ost exemplifica
quando o cacique Seattle, chefe dos Sioux, na resposta que dirigia ao governador do Dakota, que lhe pretendia
comprar as terras da tribo: “Para o meu povo, não há um pedaço de terra que não seja sagrada – uma agulha de
pinheiro que cintila, uma margem arenosa, uma bruma leve no meio dos bosques sombrios. Tudo é sagrado aos
olhos do meu povo. A seiva que cresce na árvore contém em si própria a memória dos peles-vermelhas. Cada
clareira, cada insecto que zumbe, é sagrado na memória e na consciência do meu povo. Nós fazemos parte da
terra e ela faz parte de nós. Esta água cintilante que corre pelos ribeiros e rios não é apenas água, é o sangue
dos nossos ancestrais {...}. Porque, se tudo desaparece o homem poderia morrer numa grande solidão
espiritual. Todas as coisas estão ligadas entre si. Ensinai às vossas crianças o que ensinamos às nossas sobre a
terra: que ela é nossa mãe, e que tudo o que lhe acontece acontece-nos a nós e aos filhos da terra. Se o homem
desdenha a terra desdenha-se a si próprio. Disto temos a certeza. A terra não pertence ao homem, mas é o
homem quem pertence à terra”. Op. cit. p. 172-173.
33
se projeta em termos práticos com uma aliança do Planeta Terra com a urbanização,
industrialização e consumo, consubstanciado em uma melhor qualidade de vida,
alimentação mais saudável e ações políticas em respeito à nossa ligação com a mãe
Terra.
A partir desse momento, ou seja, a partir de uma visão que ensina que todos
os seres se relacionam e são dependentes entre si, pode-se questionar que a
natureza deixe de ser um mero objeto de direito, à disposição das necessidades
humanas; não sendo objeto de direito passa a ser sujeito de direitos, tendo
dignidade própria, fazendo valer-se desses direitos tidos como fundamentais,
opondo-se às eventuais ações antrópicas depredatórias.
Cumpre lembrar que a Teoria Gaia afasta completamente a visão
antropocêntrica que predominou praticamente durante toda a existência da vida
humana na Terra. Apesar do predomínio do antropocentrismo, o lado positivo da
História mostra que, nos primórdios da humanidade nossos antepassados viviam
uma relação direta com a natureza, ora respeitando e venerando os inúmeros
deuses protetores da natureza, ora utilizando as suas dádivas para sua
sobrevivência e o aperfeiçoamento e o melhor desenvolvimento das comunidades e
sociedades que se formavam.
É a partir do chamado período renascentista que as grandes ciências
humanas – cujas bases perduram até os dias atuais – enaltecem a figura do homem
como sendo o senhor da Terra, seguindo, evidentemente, a intenção do seu Criador
que os concebeu à sua imagem e semelhança, conforme está escrito no livro do
Gênesis.
O Renascimento58 foi um período marcado por profundas transformações
sociais, pois representa o final da Idade Média e início da Idade Moderna. É a
ruptura das estruturas medievais e a redescoberta e revalorização da cultura da
antiguidade clássica. A “redescoberta” do mundo e do homem fez com que essa
época se tornasse humanista (investigação do homem por excelência da natureza) e
os estudos daí provenientes foram baseados no empirismo; nas experiências como
formadora das ideias. Essa fase se aprofundou e ampliou a sabedoria antiga,
criando novas ciências e disciplinas, com uma nova visão do mundo e do homem.
58
O período renascentista é um período histórico que surgiu aproximadamente no final do séc. XIII e meados do
séc. XVII.
34
Posteriormente, o Iluminismo59 pregou a supremacia da racionalidade contra
as crenças e mitos do passado. Esse período é considerado como um dos mais
importantes da história intelectual e cultural do ocidente, tendo transformado
profundamente as questões políticas e sociais, com a consolidação dos estados-
nação, a expansão dos direitos civis e a redução da influência de instituições
hierárquicas como a nobreza e a igreja católica. O Iluminismo embasou os ideais
das Constituições modernas com a Revolução Francesa.
Portanto, a partir desse período, o homem reforça a crença de que deve
dominar a natureza da forma como melhor lhe aprouver. Interessante relatar que
muitos animais foram condenados durante essa época por crimes que supostamente
haviam cometidos por “culpabilidade moral” ou por comportamentos tidos como
demoníacos.
Na verdade, essa cultura de condenar animais por supostos crimes
permaneceu até meados do século XX. Luc Ferry60 e Daniel Braga Lourenço61
trazem inúmeros relatos das condenações de diversos grupos de animais, dentre as
quais, a título de exemplo, são aqui relatados os casos mais interessantes.
Em 1314, um touro que matou um homem foi enforcado em Moisy (França).
Em 1386, na cidade de Falaise (França), uma porca foi julgada e condenada à
execução em praça pública (mutilada e enforcada) pela morte de uma criança. Em
1474, na cidade de Basileia (Suíça), um galo fora condenado à fogueira por ter
botado um ovo, pois a crença da época afirmava que tais ovos seriam chocados por
entidades malévolas (acreditava-se que os ovos sem gema dariam à luz a figura
mitológica do basilisco). Duzentos anos depois, em 1710, um francês apresentou um
trabalho perante a Academia de Ciências afirmando que os ovos sem gema eram
produtos ocasionais de fêmeas adoentadas. Em 1519, em Stelvio (Itália), toupeiras
foram excomungadas e expulsas da cidade pela acusação de danificar as colheitas.
Em 1545, na cidade de Saint Julien (França), besouros foram excomungados por
terem infestado as videiras locais. No ano de 1622, em New Heaven (EUA), um
cidadão de nome Potter foi condenado à forca juntamente com seus oito animais
59
O Iluminismo tem como marco o início do séc. XVIII e término no início do séc. XIX. 60
FERRY, Luc. A Nova Ordem Ecológica. A árvore, o animal e o homem. Rejane Janowitzer (trad). Rio de
Janeiro: DFL, 2009, p. 9-19. 61
LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais. Fundamentação e Novas Perspectivas. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 2008, p. 166-182.
35
domésticos pelo crime de sodomia e bestialidade. Em 1713, na cidade de Piedade
(Maranhão), um mosteiro franciscano foi infestado por cupins, tendo sido também
excomungados. Em 1916, a elefanta Mary, da cidade de Tennessee (EUA), após
sucessivos maus-tratos por parte de seu treinador, feriu-o mortalmente, tendo sido
condenada à pena de enforcamento. Já em 1940, um homem e três vacas foram
queimados vivos em Pont-à-Mousson (França) pela prática de bestialidade. Em
1963, em Trípoli (Líbia), setenta e cinco pombos-correios receberam a sentença de
morte, pois um bando de contrabandista os haviam treinados para carregar notas
bancárias da Itália, da Grécia e do Egito para a Líbia.62 A corte os condenou, pois
“eram treinados demais e perigosos para serem deixados à solta”. Já os
contrabandistas, foram apenas multados. Em 1994, o governador de New Jersey
(EUA) baniu de seu estado um cão sob a acusação de que estava causando
distúrbios nas cercanias.
A morte do ser humano provocada por um animal ou uma por “besta”, como
era considerado na época, representava uma subversão da ordem natural e rompia
com os mandamentos divinos. A alegação de ausência de dolo não era motivo que
justificasse a não punição desses animais; ou seja, eles não eram punidos pela sua
culpabilidade, mas, sim, pelo fato de serem inferiores na cadeia hierárquica,
rompendo com a ordem natural imposta por Deus. Os julgamentos, portanto,
funcionavam com a finalidade de restaurar a ordem rompida e, no fundo, como uma
vingança sobre o ofensor.
O processo e a condenação pelos quais os animais passavam, tal como os
exemplos acima abordados, não se coadunam com o nosso atual sistema jurídico,
uma vez que eles não detêm a capacidade de ser parte no processo. Aliás, nem o
eram na época em que foram condenados à pena de morte. Porém, ainda hoje,
muitos cães que provocam lesões em seres humanos, são sacrificados nos centros
de zoonoses, por serem considerados agressivos.
Acerca dessa questão de direito animal, um capítulo e um tópico específico
serão dedicados a essa discussão, levando-se em conta a proposta de tornar a
defesa de seus direitos um tema relativamente mais fácil ou perceptível. Essa
discussão se justifica pelo fato de se colocar em jogo vidas de seres não humanos,
62
WALLECHINSKY, David; WALLACE, Amy. O Livro das Listas. Mirian Groeger e Sylvio Gonçalves
(trad.). Rio de Janeiro: Editora Record, 2006, p. 226.
36
como os quais se convivem nas residências ou que apenas admiramos junto a
parentes e amigos, em parques e zoológicos ou mesmo soltos no seu próprio
hábitat. Como afirmado por Peter Singer,63 animais não humanos não possuem a
capacidade de falar ou raciocinar, de legislar ou assumir deveres e obrigações.
Entretanto, são características que não impedem de considerar que são capazes de
sofrer ou sentir prazer como seres sencientes.
Por outro lado, o mesmo não acontece no reino vegetal. Com efeito, inúmeras
críticas são postas acerca da defesa de uma floresta ou de uma espécie rara de
árvore situada em um determinado local ou, até mesmo, no quintal de uma
residência. Não se pretende aqui afirmar que a vida de uma árvore ou de uma
samambaia e, tampouco, de um inseto ou de uma lagartixa deva prevalecer sobre a
vida humana. Não se trata disto; uma vez que provocar uma discussão em torno de
estabelecer hierarquia de valor entre um ser humano e um ser não humano, exigiria
um maior aprofundamento do conhecimento científico, o que não é a proposta do
presente trabalho.
Acerca do referido tema, Christopher Stone64 escreveu um interessante artigo
em 1972, no qual relata o episódio em que a sociedade Walt Disney pretendia
instalar uma estação de desportos de inverno no Mineral King Valley, um vale da
Sierra, na Califórnia, muito conhecido por suas sequoias. O Sierra Club, associação
de defesa da natureza muito ativa na região, opusera-se ao referido
empreendimento, tendo em vista que seria necessária uma grande supressão
dessas árvores centenárias. Em suma, o projeto a ser instalado ameaçava destruir a
estética e o equilíbrio natural da região. Em 17 de setembro de 1970, o Tribunal de
Apelação da Califórnia rejeitou a ação por falta de interesse de agir, com o
argumento de que o Sierra Club não sofreria pessoalmente um prejuízo.65
Ao escrever o citado artigo, a argumentação utilizada por Christopher Stone
foi que não seria o Sierra Club a vítima a sofrer com a supressão das sequoias, mas,
sim, as próprias árvores que se pretendia defender. O citado autor, brilhantemente
relacionou essa defesa com as categorias de seres humanos que, até então, não
63
SINGER, Peter. Libertação animal. São Paulo. Lugano Editora, 2004. 64
STONE, Christopher D. Should trees have standing? 3ª ed., New York: Oxford University Press, 2010. 65
O resultado do recurso interposto foi de que, dos nove juízes, quatro julgaram contrário à tese defendida por
Christopher Stone; dois se abstiveram e três votaram a favor. Em suma, as árvores do Mineral King Valley
perderam o processo por apenas um voto.
37
eram considerados como sujeitos de direitos, como os escravos, os negros, as
mulheres, os excepcionais e as crianças. Para sustentar sua defesa, levantou ainda
o seguinte questionamento: “e não está o universo jurídico povoado de sujeitos de
direito inanimados, incapazes de agirem juridicamente por si próprios, como as
sociedades comerciais, as associações e as coletividades públicas, as quais
reconhecemos a personalidade jurídica?”.
Lamenta-se que, ainda hoje, a preocupação vigente em relação à natureza é
justificativa puramente econômica, e não pelo fato de ser um dano ecológico que
vise à recuperação do status quo ante.
Segundo aponta Luc Ferry,66 a discussão e os debates teóricos acerca da
ecologia se estruturam em três correntes distintas e opostas no tocante às questões
inerentes na relação entre o homem e a natureza.
A primeira, parte da ideia de que, através da natureza, o homem tem que se
proteger. Essa corrente se baseia no pressuposto de que o meio ambiente não é
dotado de um valor intrínseco; leva em conta apenas o seu valor extrínseco, ou seja,
ao destruir o meio que o cerca, o homem coloca a sua própria existência em risco.
Essa posição é meramente humanista e até mesmo antropocêntrica, pois a natureza
é levada em consideração tão somente de modo indireto.
A segunda corrente avança na direção de um significado moral outorgado a
certo seres não humanos. Adota o princípio utilitarista, segundo o qual é preciso
buscar não somente o interesse dos homens, mas de maneira geral, diminuir ao
máximo o sofrimento e bem-estar dos seres não humanos, aumentando, em
contrapartida, o máximo possível de bem-estar. Essa corrente encontra grande
defesa no movimento de libertação animal, em que todos os seres suscetíveis de
prazer e de dor devem ser tidos como sujeitos de direito e tratados como tal.
Verifica-se aqui a inclusão desses seres nas preocupações filosóficas morais.
A terceira reside na defesa do caso de Mineral King Valley, em busca de uma
proteção aos direitos das árvores, ou seja, da própria natureza na sua forma vegetal
e mineral.
O filósofo francês Michel Serres67 afirmou que, no século passado – uma
referência ao século XIX – o povo retomou seus direitos políticos, que foram
66
FERRY, Luc. Op. cit. p. 30.
38
roubados por duas revoluções igualitárias. Do mesmo modo, os proletários
recuperaram os benefícios materiais e sociais do seu trabalho. Todavia, em relação
à nossa animalidade, sustenta que deve ser restabelecida a hierarquia para que
nunca mais se acabe. Nesse processo, começar-se-á uma nova história futura como
as do século passado em busca de equilíbrio e justiça, mas com novos parceiros, o
coletivo, o global e o mundo.
Nas palavras do citado autor, “a Terra fala-nos em termos de forças, de
ligações e de interações, e isso basta para celebrar um contrato. Cada um dos
parceiros em simbiose deve, por direito, a sua vida ao outro, sob pena de morte”.68
Assim, é preciso dar à natureza, em respeito, em beleza, em moderação, o
que dela recebemos, instalando a simbiose, ao contrário do parasitismo. Esse
contrato estabelecer-se-ia de forma tácita, por meio do qual a Terra nos fala em
termos de forças, vínculos e interações, o que bastaria para estabelecer-se um
contrato. Essas forças, esses vínculos e essas interações caberiam à ciência
estabelecê-los, à poesia cantá-los, ao amor mantê-los e à religião sustentá-los no
ser.
Ao comentar a obra de Serres, assim afirmou François Ost:
A verdadeira questão que coloca, desde logo, a obra de Michel Serres, ainda que em
filigrana, do tema do contrato natural, é a do governo dos homens pela ciência; ou,
melhor ainda, do confronto necessário entre garantias jurídicas (prudência, contrato,
justiça, equilíbrio das prestações) e saber científico. O jurídico conseguiu, até aqui,
pacificar as relações entre os homens; é o papel do contrato social. A ciência, em
contrapartida, nunca perdeu o mundo; o contrato sábio ou contrato científico sobre o qual
se baseia – dá razão – das coisas do mundo. A questão, hoje, é de sobrepor os dois
contratos: de reintegrar o interesse do mundo no comércio dos homens.69
O mundo natural merece uma proteção por aquilo que representa em si
mesmo e não porque tão somente poderá assegurar uma melhor qualidade de vida
ao homem, ou o bem-estar e a saúde humana.
67
SERRES, Michel. O Contrato Natural. Serafim Ferreira (trad.). Lisboa: Instituto Piaget, 1990, p. 68-69. 68
SERRES, Michel. Op. cit. p. 68-69. 69
OST, François. A natureza à margem da lei. A ecologia à prova do direito. Joana Chaves (trad.). Lisboa:
Instituto Piaget, 1995, p. 196.
39
Não se propõe aqui, evidentemente, “congelar” a utilização dos recursos
naturais existentes, necessários e até mesmo imprescindíveis às atividades
humanas e a própria existência do homem na Terra.
Ao tratarmos do tema “natureza”, é muito fácil colocar a paixão e a emoção
em detrimento da razão. Não se põe em discussão a questão se a vida de um inseto
ou de uma só árvore vale o mesmo do que uma vida humana. O que se pretende
discutir é algo mais aprofundado, de cunho puramente conceitual, no que se refere
ao respeito à vida. Dessa forma, a pergunta essencial para o tema é: a natureza
como um todo é sujeito de direitos ou é somente objeto de direitos?70
Como já exposto, o comportamento do homem na Terra sempre se pautou
por um enfoque antropocêntrico, por meio do qual todos os seres que nela habitam,
de certa forma, estão aqui para uma melhor garantia dos direitos tidos como
inerentes apenas à vida humana.
Ocorre que a cultura convencional que criou tais pressupostos já não está
prevalecendo nos dias atuais, pois uma coisa é certa e não se discute: a vida do
homem depende necessariamente da natureza e não o contrário. Se a espécie
humana fosse extinta atualmente, a natureza não humana certamente se recomporia
e atingiria um certo equilíbrio e a vida no globo estaria estabilizada.
A natureza, na visão constitucional, é um mero objeto de direitos em prol dos
interesses do homem.
Os documentos das duas Conferências Mundiais para a defesa do meio
ambiente, a Declaração de Estocolmo em 1972 e a Declaração do Rio de Janeiro
em 1992, são explícitos ao assegurar que a preservação ambiental é importante
para uma melhor qualidade de vida humana ou, até mesmo, para a proteção da vida
70
Erika Bechara, em seus estudos sobre os aspectos da proteção da fauna, faz uma pergunta extremamente
pertinente e que muito se assemelha ao tema ora tratado. Assim coloca referida autora: “Por mais que o
reconhecimento dos direitos da natureza afigure-se atitude das mais nobres e das menos reacionárias, nós,
cientistas do direito, antes de nos posicionarmos, devemos nos ater principalmente ao tratamento que o
ordenamento jurídico dispensa aos entes naturais, i.e., qual a vertente adotada pelo sistema legal com relação à
proteção do meio ambiente: a natureza é sujeito de direitos e obrigações ou é objeto de direitos, fazendo, porém,
jus à proteção constitucional e legal na exata medida em que preserva a vida humana?
Ficamos com a segunda colocação.
Por mais que esta visão tenha uma aparência egoísta, somos obrigados a reconhecer que o nosso ordenamento
jurídico não confere direitos à natureza, aos bens ambientais. São eles, dessa forma, tratados como objetos de
direitos, não como sujeitos. São objetos que atendem a uma gama de interesses dos sujeitos – os seres humanos.
Sendo assim, a preservação da natureza não poderá prevalecer CONTRA os interesses da humanidade, ainda
que possa prevalecer contra os interesses particulares de alguns grupos ou de algumas pessoas”. (BECHARA,
Erika. A proteção da fauna sob a ótica constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p. 72-73).
40
humana. Novamente prevalece o caráter antropocêntrico, principalmente na Agenda
21 que consagrou o uso da nomenclatura desenvolvimento sustentável.
Albert Schweitzer, no distante ano de 1936, publicou o artigo The Ethics of
Reverence of Life, em que preconizou a ética do respeito a todas as manifestações
de vida, questionando a visão soberana e egoísta autodeterminada pelo ser humano
frente à natureza. Schweitzer atribuiu um valor inerente a todos os indivíduos vivos,
remetendo a uma visão sistêmica, cujo universalismo do planeta resultava da
harmonia entre as distintas formas de vida.
Outro grande pensador que incluiu os animais foi José Lutzenberger,71 que
dedicou uma vida inteira a proclamar a importância de uma visão sistêmica que
integre o homem com a natureza. Ressaltou que o planeta é um sistema vivo como
um organismo, em que tudo está conectado e interagindo entre si, que tem sua
própria biogefisiologia e homeostase, ou seja, um equilíbrio autocontrolado. Nesse
sistema vivo, cada espécie é importante e insubstituível, e seu desaparecimento
debilita o organismo como um todo.
Todas essas considerações e análises deixaram claro que o ser humano é
apenas uma parte de um todo que envolve uma interdependência de diferentes
sistemas vivos que, por sua vez, compõem um complexo e mais abrangente
sistema, de acordo com os ensinamentos de Maria Mocellin Raymundo.72
71
José Antônio Lutzenberger foi agrônomo e um ecologista brasileiro, tendo participado ativamente na luta pela
conservação e preservação ambiental. 72
RAYMUNDO, Marcia Mocellin. História da ética animal. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos;
BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na Pesquisa e no
Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 44.
41
2. A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO
2.1 Declaração Universal dos Direitos dos Animais
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi um grande feito em prol
da vida e da integridade dos animais, tendo inúmeros países como signatários,
inclusive o Brasil.73 Essa declaração foi proclamada pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, em Bruxelas, em 27 de
janeiro de 1978. Tal documento adotou uma nova filosofia de pensamento sobre os
direitos dos animais, reconheceu o valor da vida e propôs um estilo de conduta
humana condizente com a dignidade e o merecido e devido respeito aos animais.74
A Declaração, incluindo os “considerando”, possui os seguintes artigos:
“Preâmbulo:
Considerando que todo o animal possui direitos;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e
continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;
Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das
outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no
mundo;
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a
perpetrar outros;
73
Tratado Internacional é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público e
destinado a produzir efeitos jurídicos. A Convenção de Viena/69 sobre o Direito dos Tratados conceitua-o como:
“um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste
de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação
específica” (art. 2º, I, alínea „a‟). No campo do Direito Internacional Público, os tratados são sinônimos de
Declaração.
Todavia, a declaração, historicamente não é considerada um tratado. Tradicionalmente, quando se dá conotação
de declaração a um texto, pretende-se diferenciá-lo de um tratado. A declaração era um substitutivo de uma
convenção, sem ter caráter obrigatório. Era uma declaração de princípios. A Convenção de Viena/69, art. 2º, as
unificou, dispondo que, independentemente do termo, palavra ou nomenclatura, tratado é todo acordo formal,
escrito, celebrado entre Estados e/ou organizações internacionais.
Em suma, consoante afirma Paulo Affonso Leme Machado: “as declarações internacionais, ainda que oriundas
das Nações Unidas, não são transpostas automaticamente para o Direito interno dos países, pois não passam
pelo procedimento de ratificação perante o Poder Legislativo. Diferentemente, as convenções ou tratados
passam a ser obrigatórios no Direito interno após sua ratificação e entrada em vigor” (MACHADO. Paulo
Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 77-78). 74
LEVAI, Laerte Fernando. Direitos dos animais. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2004, p.47.
42
Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos
homens pelo seu semelhante;
Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a
respeitar e a amar os animais,
Proclama-se o seguinte
Artigo 1º-
Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Artigo 2º-
1. Todo o animal tem o direito a ser respeitado.
2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los
violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.
3. Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Artigo 3º-
1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e
de modo a não provocar-lhe angústia.
Artigo 4º-
1. Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu
próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.
2. Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este
direito.
Artigo 5º-
1. Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente
do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de
liberdade que são próprias da sua espécie.
2. Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem
com fins mercantis é contrária a este direito.
Artigo 6º-
1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração
de vida conforme a sua longevidade natural.
2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
Artigo 7º-
Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de
intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.
Artigo 8º-
1. A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é
incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica,
científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.
2. As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.
Artigo 9º-
Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado,
transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.
43
Artigo 10-
1. Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.
2. As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a
dignidade do animal.
Artigo 11-
Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um
crime contra a vida.
Artigo 12-
1. Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um
genocídio, isto é, um crime contra a espécie.
2. A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.
Artigo 13-
1. O animal morto deve de ser tratado com respeito.
2. As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema
e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do
animal.
Artigo 14-
1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a
nível governamental.
2. Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.75
Em suma, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais considera que
cada animal tem direitos e que o desconhecimento ou o desprezo desses direitos
têm levado, e continuam a levar, o homem a cometer crimes contra a natureza e
contra os animais.
Este texto de caráter universal não tem força de lei, pois não é um documento
internacional ratificado pelo Poder Legislativo brasileiro. Como afirma Laerte
Fernando Levai: “ele não possui forma de tratado e tampouco estabelece sanções
àqueles que o infringirem, faltando-lhe poder coercitivo. Subsiste, todavia, como uma
carta de princípios, de natureza moral, fonte indireta para a aplicação da lei”.
Antes da criação desse relevante documento para a proteção animal, em
1964 – como visto em páginas anteriores – havia sido formulada a primeira versão
da Declaração de Helsinque, a qual apenas mencionava o uso de animais em
pesquisas científicas como pré-requisito para a realização de pesquisa clínica. Em
decorrência dos protestos contra o uso de animais em experimentos científicos, em
1975 foi formulada a segunda Declaração de Helsinque, tendo como recomendação
75
Disponível em: http://www.apasfa.org/leis/declaracao.shtml. Acessado em 15 de janeiro de 2011.
44
um cuidado especial com pesquisas que possam afetar o meio ambiente, além de
estabelecer o bem-estar desses animais.
Atualmente, diversos países possuem uma legislação específica para o trato
com os animais em experimentação. Todavia, para os países onde essa legislação
inexiste, o Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas (Council
for International Organizations of Medical Sciences – CIOMS) publicou em 1985 os
Princípios Internacionais para a Pesquisa Biomédica Envolvendo Animais
(International Guiding Principles for Biomedical Research Involving Animals).
O objetivo do CIOMS, ao desenvolver esses princípios, é fornecer,
especialmente aos países que não possuam uma legislação específica sobre a
experimentação animal, uma base mínima para que possam desenvolver seus
mecanismos de controle, seja por meio voluntário, seja mediante uma legislação,
através dos seguintes objetivos: 1) avaliar os projetos e autorizar sua realização,
incluindo a avaliação dos propósitos da pesquisa e dos níveis de dor e estresse nos
animais; 2) inspecionar as condições e procedimentos nos experimentos em
animais; 3) assegurar padrões „humanitários‟ na criação e no trato dos animais; e
4) assegurar visibilidade pública. Recentemente, tem sido possível observar também
que as regulamentações visam forçar o uso de alternativas, quando elas existem.76
A esse respeito, a título de exemplificação, serão citadas legislações de
diferentes países acerca da questão envolvendo a proteção animal, seja em relação
ao bem estar animal, seja na sua utilização em experimentos científicos. Cumpre
observar que a consulta das legislações a seguir – em sua maior parte – foi possível
pela rede mundial de computadores.77
2.2 União Europeia
A União Europeia é uma união supranacional de caráter político, econômico e
social de vinte e sete países, incluindo, praticamente, todos os países europeus.
76
PAIXÃO, Rita Leal; SCHRAMM, Fermin Roland. Experimentação animal razões e emoções para uma ética.
Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 52. 77
Disponível em: http://animallaw.info/. Acessado em 19 de janeiro de 2011.
45
Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein são economicamente afiliados à União
Europeia, mas, atualmente, não são membros formais.
Essa entidade foi constituída em 1992 com uma série de objetivos políticos
em mente. As primeiras alianças europeias que deram ensejo à atual União
Europeia foram formadas na esteira da Segunda Guerra Mundial não só para
facilitar o comércio entre os países europeus, mas também para garantir a paz entre
eles. Entretanto, a União Europeia de hoje foi estabelecida principalmente por
diferentes razões. De acordo com o tratado de fundação, seu objetivo foi promover o
progresso econômico e social, afirmar a identidade europeia no cenário internacional
e proteger os direitos dos cidadãos que dela fazem parte, entre outros interesses.
Na União Europeia existem três tipos principais de leis e também três
procedimentos para aprová-las. Quanto aos tipos, existem regras que se tornam leis
em todos os Estados-membros logo que são aprovadas, sendo substituídas todas as
leis nacionais anteriores existentes. Existem as diretivas, que definem um resultado
que todos os países precisam alcançar, mas lhes é dado a liberdade de descobrir
como chegar até ele. Existem ainda as decisões, que são estreitos atos legais
aplicáveis a indivíduos específicos.
Na União Europeia, os animais de companhia são protegidos pela Convenção
Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia. O seu princípio básico afirma
que nenhuma pessoa deve proporcionar a um animal de estimação dor, sofrimento
ou angústia desnecessária. Além disso, prescreve que ninguém deve abandonar um
animal de estimação.
Animais de criação têm o respaldo de vários instrumentos de proteção. São
eles: A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais nas Explorações de
Criação, a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais em Transporte
Internacional e a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais para Abate. São
tratados que servem de base para uma série de leis aprovadas pela União Europeia
e foram elaboradas para proteger o bem-estar dos animais de criação com o tempo
de abate. De igual modo, sancionou várias leis que proíbem e eliminam as práticas
de criação que são comuns nos Estados Unidos. Essas práticas incluem baterias de
gaiolas para poedeiras, celas de criação de vitelos e celas de gestação para porcas
gestantes.
46
Além disso, está havendo ainda um significativo progresso no tocante à
legislação relativa ao transporte internacional de animais. Se aprovada, serão
necessários repouso, alimentação e água a todas as espécies de animal
transportado após nove horas de transporte. Esse período de tempo é muito menor
do que o permitido na legislação interestadual americana que estabelece os
mesmos cuidados a cada vinte e oito/trinta e seis horas. As etapas progressivas
tomadas pela União Europeia têm melhorado a promoção do bem-estar animal e
estão liderando o caminho para os mesmos procedimentos em todo o mundo. .
Porém, é questionável a forma de engorda de gansos na França que “injeta”,
compulsoriamente, alimento goela abaixo para dotá-los de esteatose hepática grave
e, dessa forma, atender uma demanda gastronômica para a produção de foie gras.
Em relação à experimentação animal, pode-se destacar a Diretiva
86/609/CEE, de 24 de Novembro de 1986, alterada pela Diretiva 2003/65/CE, de 22
de julho de 2003. São diretivas que se aproximam das disposições legislativas,
regulamentares e administrativas dos Estados-membros, no que dizem respeito à
proteção dos animais utilizados para fins de experimentação e para outros fins
científicos.
A Decisão do Conselho 1999/575/CE, de 23 de março de 1998, é relativa à
celebração da Convenção Europeia para a proteção dos animais vertebrados
utilizados para fins experimentais e outros fins científicos. Nestes termos:
A Comunidade apoia todas as ações cujo objetivo principal é o bem-estar dos animais
utilizados para fins experimentais. Por esta razão, a Comunidade irá intensificar os seus
esforços para desenvolver a substituir os métodos científicos, a fim de cumprir o seu
objetivo de reduzir o número de animais utilizados para fins experimentais.
Outra Decisão do Conselho 2003/584/CE, de 22 de julho de 2003, está
relacionada com a celebração do Protocolo de Alteração da Convenção Europeia
para a proteção dos animais vertebrados utilizados para fins experimentais e outros
fins científicos, nos seguintes termos:
47
O Protocolo estabelece um procedimento simplificado para a alteração dos apêndices
técnicos à Convenção que lhe permita refletir os últimos desenvolvimentos científicos e
técnicos e os resultados da investigação nos domínios abrangidos.
A Recomendação da Comissão 2007/526/CE, de 18 de junho de 2007, dispõe
sobre as orientações para a acomodação e tratamento dos animais utilizados para
fins experimentais e outros fins científicos.
Em 2009, a União Europeia introduziu uma legislação para eliminar
progressivamente os testes de cosméticos em animais em toda a Europa, conforme
a Diretiva 2003/15/EC, que alterou a Diretiva 76/768/EEC. Essa lei também proibia a
venda de cosméticos que tivessem sido testados em animais, não importando onde
eles eram produzidos. A proibição total de cosméticos testados em animais entrará
em vigor na Europa em março de 2013. Essa postura foi prevista para provocar
importante efeito sobre os fabricantes uma vez que terão de cessar os testes em
animais para continuar a vender seus produtos. Todavia, foi formada uma comissão
para discutir um possível adiamento do prazo estipulado.78
2.3 Inglaterra
A Inglaterra é considerada o país pioneiro na questão da proteção animal. No
dia 3 de abril de 1800, um membro do parlamento, Sir William Pulteney, introduziu
um projeto de lei na Câmara dos Comuns (House of Commons) para proibir o
confronto de touros com cachorros (bull-baiting).79 Essa proposta legislativa foi
hostilizada perante o parlamento, sofrendo uma derrota curiosa à época: 43 votos a
78
Disponível em:
http://www.hsi.org/world/europe/news/releases/2010/03/animal_tested_ban_delayed_032610.html#3. Acessado
em 20 de agosto de 2011. 79
O bull-baiting era considerado um passatempo que foi introduzido pela realeza e pela aristocracia inglesa. No
final do século XVIII era associado às camadas mais pobres da sociedade. Esse “passatempo” era realizado da
seguinte maneira: um touro ficava amarrado em um pequeno espaço, com mobilidade aproximada de dez metros,
no qual soltavam cachorros treinados para abatê-lo. Como método preparatório para o combate, era soprado
pimenta em seu nariz para que a irritação agitasse o touro para a batalha. Antes de sofrerem uma transformação
genética, o buldogue (bulldog) e o bull terrier eram utilizados nessa prática cruel.
48
41. Posteriormente, em 1802, uma nova tentativa do mesmo projeto de lei fracassou
mais uma vez.80
Em 1809, Thomas Erskine propôs um projeto de lei para a Câmara dos
Lordes (House of Lords) para prevenir a crueldade com os animais, comumente
praticadas. Sua argumentação baseava-se na reinterpretação do significado do
termo bíblico “dominação” em relação aos animais. Afirmava que os homens tinham
um dever moral para com eles, pois se fosse verificado quaisquer sentimentos de
gratificação e felicidade no animal, como a sensibilidade, a dor e o prazer, eles não
serviriam exclusivamente aos propósitos humanos. Erskine afirmava que os animais
foram criados para nosso uso, mas não para o nosso abuso. Esse projeto de lei foi
aprovado na Câmara dos Lordes apenas para as “bestas de cargas”, mas foi
rejeitado na Câmara dos Comuns por 37 votos a 27.81
Quase dez anos depois dos projetos de leis visando um certo benefício
animal, Richard Martin, em 1821, juntamente com seus dois assistentes, Thomas
Erskine e John Lawrence, apresentou um projeto de lei contra maus-tratos em
cavalos e em outros animais. Essa lei foi aprovada pela Câmara dos Comuns por 48
votos a 16, mas foi rejeitada na Câmara dos Lordes. No ano seguinte, no dia 24 de
maio de 1822, Richard Martin apresentou novamente esse projeto de lei, tendo sido
aprovado em ambos os parlamentos no dia 21 de junho de 1822.82
A lei introduzida por Richard Martin, Lei Britânica Contra Crueldades (British
Anticruelty Act), também conhecida como Lei de Martin (Martin Act), tornava ilegal o
ato de maltratar a esmo determinados animais domésticos (cavalo, égua, mula,
burro, boi, vaca, novilho e ovelhas), propriedade de uma ou mais pessoas. Ao que
consta, essa é a primeira lei que pune a crueldade contra os animais.
Em 1823 Martin propôs um novo projeto de lei para proibir o confronto de
touros (bull-baiting) e a rinha de cães (dog-fighting). Em 1824, ele tentou estender os
efeitos da Lei Britânica Contra Crueldades (British Anticruelty Act) para os cachorros,
80
RADFORD, Mike. Animal welfare law in Britain. Regulation and responsibility. Oxford: Oxford University
Press, 2001, p. 33-35. 81
RADFORD, Mike. Op. cit. p. 35-37. 82
RADFORD, Mike. Op. cit. p. 38-39.
49
gatos, macacos e outros animais, bem como o confronte de ursos (bear-baiting) e
outros “esportes” cruéis com animais. Nenhum desses projetos foi aprovado.83
Nesse período surgiram as primeiras sociedades protetoras dos animais. A
pioneira delas foi criada em 1824, denominada Sociedade para a Prevenção da
Crueldade Contra os Animais (Society for the Prevention of Cruelty to Animals), com
o propósito de assegurar a mitigação do sofrimento animal e a promoção e
expansão da prática humanitária para os animais de classes inferiores. Em 1835,
essa sociedade recebeu membros da realeza, como a princesa Victoria, antes de
subir ao trono. Com a sua sucessão ao trono em 1837, a rainha Victoria renovou seu
patrocínio e, em 1840, essa sociedade recebeu a denominação de Sociedade Real
para a Prevenção da Crueldade Contra os Animais (Royal Society for the Prevention
of Cruelty to Animals – RSPCA). Com o apoio da rainha, a proteção da causa animal
ganhou além da posição social, a sua legitimidade. Essa sociedade existe até os
dias de hoje e tem como tarefa resgatar animais de perigo e a investigação de casos
de denúncia de crueldade para com eles.
No âmbito legal, a primeira lei a regulamentar o uso de animais em pesquisas
foi proposta no Reino Unido em 1876, intitulada Lei de Crueldade Britânica para os
Animais (British Cruelty to Animal Act). Essa lei regulamentava o uso de animais em
experimentação científica, preconizando reconsiderar as necessidades da ciência
com as necessidades humanitárias dos animais, impedindo, na medida do possível,
a dor e levantando, ainda, a questão da relevância da experimentação com animais.
Em 1911, a Inglaterra saiu à frente dos demais países e introduziu a Lei de
Proteção aos Animais (Protection Animal Act), que visava proteger os animais contra
os atos humanos, tais como bater, chutar, maltratar, sobrecarregar, torturar,
enfurecer ou aterrorizar quaisquer animais domésticos ou de cativeiro ou,
injustificadamente, fazer ou deixar de fazer algo que causasse sofrimento
desnecessário.
Posteriormente, sobreveio a Lei de Desempenho Animal (Performing Animals
(Regulation) Act), de 1925, que exigia que qualquer pessoa que realizasse a
exposição ou o treinamento e o desempenho de qualquer animal vertebrado fosse
registrado junto a uma autoridade local. A lei dava poderes às autoridades locais
83
RADFORD, Mike. Op. cit. p. 39.
50
para proibir o treinamento ou a exibição do animal que fosse acompanhado de
alguma crueldade.
Em 1951 foi promulgada a Lei de Animais de Estimação (The Pet Animals
Act), que instituiu o sistema de licenciamento para lojas de animais no Reino Unido.
Essa lei estabeleceu algumas condições para que as autoridades locais pudessem
ser levadas em consideração na hora de determinar a concessão de uma licença de
pet shop. Para determinar se devia ou não conceder uma licença, essas autoridades
podiam investigar os candidatos e confirmar que os animais seriam mantidos em um
ambiente sanitário e físico adequado. Deviam certificar-se também que seriam
alimentados regularmente e que não seriam vendidos antes que atingissem uma
idade adequada, entre outros fatores. Essa lei proibia a venda de animais como, por
exemplo, animais de estimação, em qualquer lugar público, inclusive na rua ou em
uma barraca ou carrinho de mão em um mercado. Em 1983, ela foi alterada.
Em 1952 foi proibida a rinha de galos, intitulada como Lei de Luta de Galo
(Cock Fighting Act). No ano de 1960 foi promulgada uma Lei de Abandono de
Animais (Abandonment of Animals Act) e, em 1961, três organizações
antivivisseccionistas britânicas, a União Britânica para a Abolição da Vivissecção
(British Union for the Abolition of Vivisection), a Sociedade Nacional
Antivivissecionista (National Antivivisection Society) e a Sociedade Escocesa para a
Prevenção da Vivissecção (Scottish Society for the Prevention of Vivisection)
fundaram uma companhia, a Lawson Tait Trust, que tem como finalidade estimular e
financiar os pesquisadores que não utilizem animais em suas pesquisas.
Em 1969 foi criado o Fundo para a Substituição de Animais em Experimentos
Médicos (Fund for the Replacement for Animals in Medical Experiments – FRAME).
Muito embora a legislação britânica possuísse desde 1876 a Lei de Crueldade
Britânica (British Cruelty to Animal Act), somente em 1986 foi promulgada a principal
lei que controla o uso de animais nos experimentos científicos, a Lei de
Procedimentos Científicos para os Animais (Animals Scientific Procedures Act),84
que prevê a fiscalização de biotérios e o acompanhamento rigoroso das pesquisas
84
Disponível em: http://www.homeoffice.gov.uk/science-research/animal-research/. Acessado em 9 de fevereiro
de 2011.
51
com animais. Os princípios dessa regulamentação foram resumidos por Edna
Cardozo Dias,85 a seguir:
É conceituado como animal protegido todo ser vivo vertebrado que não seja o
homem. Qualquer vertebrado, em sua forma fetal, larval ou embrionária, é um
animal protegido, desde o estágio de seu desenvolvimento no qual (no caso de
mamífero, ave ou réptil) metade do período de gestação ou incubação das
espécies relevantes for ultrapassado, ou em qualquer outro caso, quando ele se
torna capaz de se alimentar independentemente;
O processo legal para experimento é definido como a prática científica aplicada a
um animal protegido que possa ter o efeito de causar dor, sofrimento, tristeza ou
lesão duradoura;
O controle sobre os experimentos é exercido mediante a obrigatoriedade de uma
licença pessoal e de outra para o projeto. A licença pessoal precisa ser obtida pelo
cientista a fim de o habilitar para os experimentos autorizados. A licença será
dada sob condição de o experimentador reduzir ao mínimo a dor do animal, assim
como seu desconforto e aflição, e de, no caso de sacrifício, que esse seja
realizado por métodos humanitários. No requerimento deve ser especificado o
local do experimento e a natureza do trabalho;
A licença de projetos é dada para projetos específicos, em locais específicos, e
que só possam ser desenvolvidos pelas pessoas que sejam portadoras de licença
válida para um ou mais experimentos. O local de experimento precisa possuir um
certificado do Secretário de Estado. Essa licença estabelece que só devem ser
usados no projeto animais provenientes de criadouros especializados. Cada
animal deve ter uma ficha especificando sua origem, destino e outros dados;
Os animais usados em experimentos terão, pois, de ser criados para tal fim, em
estabelecimento autorizado e certificado pelo Secretário de Estado. Entretanto,
sabe-se que são intensos na Europa o contrabando de animais e o furto de animais
que possuem donos para venda aos laboratórios. Outros animais que acabam nos
laboratórios são os cães greyhounds, usados para corrida, e os animais recolhidos
pela carrocinha;
Outra regra é que um animal que sofreu experimentação não poderá ser
submetido a outro experimento, exceto com ordem do Secretário de Estado. O
85
DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 83-84.
52
animal que esteja em estado de sofrimento após a experimentação deve ser
humanitariamente sacrificado. Ficam proibidas a vivissecção em público e sua
exibição em vídeo ou televisão; e
Os experimentos são inspecionados por um Comitê. Pelo menos dois terços de
seus membros devem possuir qualificação médica ou veterinária e, pelo menos,
um membro deve ser advogado. A metade dos membros deve ser de pessoas que
não tenham tido nos seis anos anteriores nenhuma licença para experimento ou
que não tenha violado o ato de proteção aos animais.
Consoante afirmado por Rita Leal Paixão e Fermim Roland Schramm:
Na antiga legislação, „experimento‟ não era claramente definido, e o enfoque era
basicamente destinado aos procedimentos cirúrgicos. Não havia controle sobre o
delineamento experimental, o número de animais ou as espécies utilizadas, nem sobre a
competência dos profissionais envolvidos. Tornou-se necessário um importante
„movimento‟ que impulsionasse a aprovação do Animals (Scientific Procedures) Act 1986
pelo Parlamento britânico. Esse movimento foi influenciado por três fatores em especial:
o „ano do bem-estar animal (1976-1977), o „Memorando Hougtho/Platt‟ é uma coligação
formada pela Associação Britânica de Veterinária (Bristish Veterinary Association –
BVA), pelo Comitê para a Reforma da Experimentação Animal (Committee for the
Reform of Animal Experimentation – CRAE) e pelo Fundo para Substituição dos Animais
em Experimentos Médicos (Fund for the Replacement of Animals in Medical Experiments
– FRAME) (HOLLANDS, 1995, P. 33). Em 1976 teve início a campanha do „Ano do
Bem Estar animal‟ em comemoração ao centenário do Cruelty to Animal Act 1876. Com
isso, a necessidade de se reformar a lei começou a ser discutida; criou-se um comitê com
essa finalidade, posteriormente ocorreu a coligação das entidades citadas e, em 1979, já
estavam estabelecidos os principais objetivos para a nova legislação: 1. Restringir a dor;
2. Redução substancial no número de animais utilizados; 3. Desenvolvimento e utilização
de métodos alternativos humanitários de pesquisa; e 4. Consideração pública (CRAE
Apud HOLLANDS, 1995, p. 34). A partir desses objetivos, a nova lei foi estabelecida em
1986.86
86
PAIXÃO, Rita Leal; SCHRAMM, Fermin Roland. Experimentação animal razões e emoções para um ética.
Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 50.
53
Já em 1973, a Lei de Criação de Cães (Breeding of Dogs Act), instituiu um
regime de licenças das autoridades locais e a inspeção de estabelecimentos de
criação de cães.
Um aspecto importante da legislação do Reino Unido é a emissão de
“Códigos de Prática”, que acompanham muitas dessas leis. Os códigos
proporcionam uma orientação prática para as pessoas objetivando ajudá-las na
compreensão dos dispositivos das leis. A violação de um código de conduta não
tornava uma pessoa responsável, nos termos da legislação associada. Mesmo
assim, entretanto, a violação de um código de prática podia ser invocada para
estabelecer eventual responsabilidade. Em contrapartida, poderia também ser
invocada para refutar sua culpa ou para demonstrar a conformidade com uma lei.
Em 1988 ainda foi fundada a EuroNiche, que, em 2000, alterou sua
denominação para InterNiche. Trata-se de uma ampla rede formada por alunos,
professores e militantes pela causa dos direitos dos animais. Visa buscar
alternativas ao uso de animais nas ciências e na educação médica, biológica e
veterinária.
Em 1998 foi publicada uma lei com forte apoio e pressão popular, abolindo a
utilização de animais na fabricação de cosméticos. Portanto, desde 1998 a Inglaterra
aboliu o uso de animais em testes para essa famigerada indústria.
Mais recentemente, ou seja, em 2007, entrou em vigor a Lei de Bem-Estar
Animal (Animal Welfare Act), substituindo a Lei de Proteção Animal (Protection
Animal Act) de 1911. Com essa nova lei, pela primeira vez se exigiu um dever de
diligência para os proprietários de animais. Em outros termos, agora não são apenas
os donos de animais que são obrigados por lei a fornecer as necessidades básicas
dos animais de companhia, como comida e água, mas também veem especificados
os cuidados veterinários e um ambiente adequado a esses animais. Segundo a
antiga lei, um dever de cuidado tinha sido prescrito apenas para animais de criação.
Essa lei estabelece penas para a prática de certas atividades consideradas
prejudiciais ao bem-estar animal. As ações que constituem delitos incluem:
sofrimento desnecessário, mutilação, corte da cauda de um cão (com certas
exceções), administração de substâncias venenosas ou prejudiciais e, ainda,
engajar ou participar de combates entre animais.
54
O documento também especifica que a pessoa responsável por um animal
deve garantir o seu bem-estar, inclusive certificando-se de um ambiente físico
adequado para que suas necessidades nutricionais sejam atendidas, e para que
seja protegido da dor, sofrimento, ferimentos e doenças. A lei tem ainda outras
peculiaridades: proíbe a venda de um animal para uma pessoa com idade inferior a
dezesseis anos; dá aos inspetores e aos policiais a autoridade para tomar medidas
para aliviar o sofrimento de um animal em perigo; permite a inspeção de certas
premissas e repressão de crimes diversos; e estabelece as condições em que um
animal pode ser morto. Por último, estabelece ainda penalidades para os crimes
delineados, incluindo penas de prisão e o pagamento de multas e despesas.
2.4 Estados Unidos da América
Em 1909, surgiu a primeira publicação norte-americana sobre aspectos éticos
da utilização de animais em experimentação, proposta pela Associação Médica
Americana.
A União Pan-Americana,87 em 1940, celebrou em Washington a promulgação
da Convenção Americana para Proteção da Flora e Fauna, fazendo com que os
Estados Unidos, muito mais tarde, editassem, em 1966, a Lei de Bem-Estar para
Animais de Laboratório (Laboratory Animal Welfare Act), atualmente denominada Lei
de Bem-Estar Animal (Welfare Animal Act).
Essa lei sofreu seis emendas, respectivamente nos anos de 1970, 1976,
1985, 1990, 2002 e 2007. Um dos seus aspectos mais importantes reside na criação
e na obrigação das Comissões Institucionais de Ética no Uso de Animais
(Institutional Animal Care and Use Committee – IACUC). Nela também se destaca a
participação de um membro externo para representar os interesses da comunidade
no tocante ao tratamento dos animais, ou seja, trata-se de um pioneirismo na
participação de membros da sociedade para integrar esta comissão.
Esse comitê teria três funções principais:
87
Antiga denominação do corpo permanente da OEA (Organização dos Estados Americanos). Essa
nomenclatura foi abandonada em 1970, passando a chamar-se Secretaria Geral da OEA.
55
(a) a de revisar os projetos, avaliando os projetos de pesquisa ou protocolos experimentais
com a finalidade de verificar se há necessidade daquela pesquisa ou procedimento e se o
modelo animal proposto é o melhor modelo biológico, além de assegurar que os animais
não sofrerão dor ou estresse desnecessário; (b) a de inspecionar e vistoriar os locais onde
os animais são mantidos e os locais dos experimentos; e (c) a de proporcionar
atendimento veterinário aos animais sempre que possível.88
A Lei de Bem-Estar Animal (Welfare Animal Act) determina, dentre outras
exigências: o devido preparo e treinamento do pessoal de laboratório que terá
contato direto com o animal a ser utilizado; um ambiente adequado para primatas
não humanos; exercícios regulares para os animais; o uso de anestésicos e
analgésicos quando os experimentos propiciarem dor aos animais; e a presença
(participação) de um médico veterinário para a utilização dos animais em laboratório.
Todavia, esta lei é severamente criticada pelas associações protetoras dos
animais, porque excluiu os ratos e camundongos, além das aves e animais utilizados
na agricultura. Como basicamente na experimentação animal, em cerca de
aproximadamente 80% a 90% dos experimentos, são utilizados como cobaias os
ratos e camundongos, há uma forte pressão da sociedade protetora dos animais
para a inclusão de todos esses animais em seus propósitos.
Em 1967 foi criada a Unidos de Ação para Animais (United Action for Animals)
e, em 1973, instituída a Lei de Espécies Ameaçadas (Endangered Species Act); uma
lei sobre animais utilizados em pesquisa médica, a Lei de Extensão a Pesquisas
Médicas (Health Research Extension Act de 1985), uma Política de Cuidado
Humano e Uso de Animais de Laboratório (Public Health Service Policy on Humane
Care and Use of Laboratory Animals), de 1986. Acrescentem-se ainda as
regulamentações no âmbito do Departamento de Agricultura e dos Institutos
Nacionais de Saúde (National Institutes of Health).
Em 1980 surgiu a organização PETA – Pessoas pelo Tratamento Ético dos
Animais (People for the Ethical Treatment of Animals – PETA), com o objetivo de
88
ALMEIDA SILVA, Tagore Trajano de. Antivivisseccionismo e direito animal: em direção a uma nova ética
na pesquisa científica. LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia (coords.). Revista de Direito Ambiental, ano 14, nº
53. São Paulo: RT, 2009, p. 285-286.
56
estabelecer e proteger o direito dos animais. Esta é uma das grandes organizações
não governamentais existentes, cujas medidas de ação podem consideradas um
tanto quanto radicais. Com efeito, essa entidade determina que os animais não
devam ser utilizados na alimentação e vestuário, bem como nos experimentos
científicos e entretenimento.
2.5 Alemanha
A Alemanha seguiu os passos da Inglaterra e, em 1838, editou normas gerais
de proteção animal, tendo promulgado a primeira lei sobre experimentos com
animais em 1883. Com o passar do tempo, foi sendo alterada nos anos de 1933, em
1972 e 1986, tendo sido ampliada cada vez mais o controle através da exigência de
licenças não só para cada projeto específico, como também para o cientista
responsável e para a instituição de pesquisa.
A principal legislação de proteção dos animais é o Lei de Bem-Estar Animal
(Animal Welfare Act), promulgada em 25 de maio de 1998. Ela reforça o princípio
utilitarista que prescreve a existência de uma boa razão para que algum dano possa
ser causado aos animais. Segundo suas justificativas legais, uma boa razão para
infligir algum dano aos animais é a proteção da vida e o bem-estar dos seres
humanos.
A Lei de Bem-Estar Animal (Animal Welfare Act) alemã estabelece que os
experimentos científicos podem ser realizados em animais vertebrados somente se
a dor, o sofrimento ou o dano que podem ser esperados para infligir aos animais de
laboratório sejam eticamente justificáveis, tendo em vista o propósito do
experimento. Experimentos prolongados e repetitivos que causem dores contínuas
ou sofrimento aos animais vertebrados somente podem ser feitos se os resultados
esperados forem de extrema importância para as necessidades fundamentais dos
seres humanos ou até mesmo dos próprios animais.
A legislação alemã proíbe também a utilização de animais nos experimentos
cuja finalidade seja o desenvolvimento ou o teste de armas ou o teste de munições e
de equipamentos associados.
57
No ano de 2002, uma emenda constitucional incluiu no artigo 20 da
Constituição da Alemanha a palavra Und die Tiere, que significa “e os animais”,
passando a vigorar com a seguinte redação: “O Estado protege os fundamentos
naturais da vida e os animais”. Portanto, a proteção dos animais na Alemanha é uma
tarefa fundamental do Estado, sendo, a partir de então, um preceito constitucional.89
2.6 França
Tradicionalmente, o século XIX é considerado o marco do nascimento na
experimentação animal como um importante método científico. Um dos pioneiros
nas experimentações com animais foi François Magendie (1783-1855), que seguia a
linha de pensamento de René Descartes ao ignorar qualquer tipo de sofrimento
animal, uma vez que, de acordo com o cartesianismo, esses seres eram
considerados “máquinas”.
Seu sucessor, Claude Bernard (1813-1878), tido como um dos maiores
fisiologistas de todos os tempos, institucionalizou a vivissecção animal, fornecendo
as bases da pesquisa experimental moderna.
Nesse contexto histórico, um fato muito interessante envolveu esse famoso
fisiologista que defendia contundentemente a utilização de animais na
experimentação científica. Em meados de 1860, Claude Bernard utilizou o cachorro
de estimação de sua filha para ministrar uma de suas aulas. Em resposta a esse ato,
sua esposa, por não concordar com tal procedimento – a utilização de animais em
experimentação – rompeu os laços matrimoniais e, posteriormente, fundou em 1883
a primeira associação de defesa dos animais de laboratório, intitulada Liga
Antivivisseccionista Francesa (Ligue Antivivisectionniste Française), cujo primeiro
presidente foi o famoso escritor e poeta francês, Victor Hugo.90
89
Disponível em: http://animallaw.info/. Acessado em 19 de janeiro de 2011. 90
RAYMUNDO, Marcia Mocellin. História da Ética Animal. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos;
BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na Pesquisa e no
Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 51. E também PAIXÃO, Rita Leal;
SCHRAMM, Fermin Roland. Experimentação animal razões e emoções para um ética. Niterói: Editora da
Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 63.
58
Seguindo a inovação e o avanço inglês no tocante aos direitos dos animais,
em 1845 foi criada a Sociedade para Proteção dos Animais e, em 1850, a França
adotou a Lei Grammont, que proibia os maus-tratos infligidos em públicos aos
animais domésticos.
Em relação à experimentação animal, o Decreto de 18 de outubro de 1987
(na redação dada pelo Decreto de 29 de maio de 2001), para efeitos da seção 654
do Código Penal e artigo 276 do Código Rural, completada por duas ordens de 19
de abril de 1988 – retomando as disposições da diretiva comunitária de 24 de
novembro de 1986 – regulara as condições de experimentos, a natureza
experimental, a origem e experiência de cuidar dos animais e o credenciamento de
instituições. O objetivo era limitar a finalidade de testar e reduzir, na medida do
possível, o sofrimento do animal (anestesia quando possível ou por eutanásia). A
experimentação deveria satisfazer o requisito da necessidade e da falta de
disponibilidade de métodos alternativos. Mas a lei não definiu os campos de limites,
por conseguinte, a necessidade de uma interpretação ampla pode ser aceita.
Em 2000, a França ratificou também a Convenção Europeia para a Proteção
dos Animais Vertebrados em 1986. Existe no país uma Comissão Nacional de Ética
para Ciências Biológicas e da Saúde e uma Comissão Nacional sobre a
Experimentação Animal.
2.7 Canadá91
O Canadá possui uma maneira diferenciada de controle de pesquisa animal,
sendo o único país do mundo a apresentar um sistema voluntário de autorregulação
na utilização de animais em pesquisas.
O responsável pelo sistema é o Conselho Canadense de Cuidados Animais
(Canadian Council on Animal Care – CACC), que estabelece os princípios a serem
observados no Guia para o Cuidado e Uso de Animais em Experimentos (Guide to
the Care and Use of Experimental Animals) e supervisiona a sua aplicação. O
91
Disponível em: http://www.ccac.ca/. Acessado em 23 de janeiro de 2011.
59
programa do CACC envolve os animais vertebrados que são utilizados para fins de
pesquisa, ensino e testes, requerendo a presença de uma comissão institucional em
todos os locais onde ocorre a experimentação. Esse conselho reconhece que a
legislação pode fornecer os parâmetros de aceitabilidade dos estudos em animais,
mas acredita que a proteção real e efetiva advém da percepção e da sensibilidade
do pesquisador.92
O Conselho Canadense de Cuidados Animais (Canadian Council on Animal
Care – CACC) é um órgão autônomo e independente, criado em 1968 para
supervisionar no país o uso ético de animais na ciência. Esse órgão está registrado
como uma organização sem fins lucrativos e é financiada principalmente pelo
Instituto de Pesquisa em Saúde Canadense (Canadian Institutes of Health Research
– CIHR) e pelo Conselho de Ciências Naturais e Engenharia de Pesquisa do
Canadá (Natural Sciences and Engineering Research Council of Canada – NSERC).
Conta também com contribuições adicionais de departamentos federais baseados
na ciência e agências e instituições privadas que participam dos seus programas.
Esse colegiado atua como um órgão quase regulatório e estabelece normas
(os seus documentos de diretrizes e políticas) sobre o uso de animais na ciência,
aplicáveis em todo o Canadá. É responsável perante o público em geral e pela
divulgação de informações sobre o uso de animais na ciência. Além de documentos
e orientações políticas, o CCAC desenvolve dados estatísticos anuais sobre o
número de animais utilizados na ciência e produz a cada ano, um relatório para
divulgar informações para seus eleitores e para o público em geral.
Em novembro de 2010, o Comitê de Médicos para uma Medicina
Responsável (Physicians Committee for Responsible Medicine –PCRM), anunciou o
fim do uso de animais nos testes laboratoriais das universidades do Canadá. As
faculdades de medicina devem agora recorrer a métodos alternativos, como, por
exemplo, simuladores humanos.93
92
PAIXÃO, Rita Leal; SCHRAMM, Fermin Roland. Op. cit., p. 51-52. 93
Disponível em: http://www.anda.jor.br/2010/11/08/canada-declara-se-livre-da-experimentacao-animal-em-
faculdades/. Acessado em 13 de fevereiro de 2011.
60
2.8 Holanda
Na Holanda, a lei de proteção animal data de 1977 e foi revisada em 1997.
O país possui um partido político que tem entre suas prioridades o bem-estar
animal e o tratamento respeitoso desses seres. O partido está representado na
Câmara dos Deputados, no Senado e nos Estados Provinciais. Ao que consta, é a
primeira agremiação político-partidária dedicada ao bem-estar animal que teve seus
candidatos eleitos para um parlamento nacional. Tal pioneirismo se aplica tanto na
Holanda quanto em qualquer outro lugar do mundo.
O Partido para os Animais (Party for the Animals) acredita que os animais
devem ter os direitos que eles merecem e que os seus interesses não devem mais
ser subordinados aos interesses econômicos.
Esse partido foi fundado em 2002 e, em novembro de 2006, elegeu para o
parlamento holandês dois, dos cento e cinquenta assentos na Câmara dos
Representantes da Holanda.
Em 2007, foram realizadas as eleições para os Estados Provinciais, sendo
que o Partido para os Animais elegeu nove lugares em oito províncias, garantindo
um dos setenta e cinco assentos no Senado.
Seu objetivo é criar uma sociedade onde os animais sejam tratados de uma
forma respeitosa. Com efeito, segundo afirmam, existem muitos problemas
associados à maneira como os animais são tratados. Na verdade, segundo afirmam,
os animais costumam não serem vistos como criaturas vivas, com uma alma, mas
como produtos que as pessoas julgam que possam ser usados e abusados como
bem entenderem, seja na indústria da pecuária, seja como cobaias em laboratórios,
seja como objeto de caça e pesca ou como uma fonte de entretenimento para os
visitantes de circos e zoológicos. O objetivo almejado por esse partido político é
instituir uma situação jurídica dos animais como parte da legislação holandesa.
No dia 28 de junho de 2011, o parlamento holandês aprovou por 116 votos a
favor e 30 contrários, uma lei que proíbe o sacrifício de animais em rituais religiosos,
apesar da oposição dos partidos cristãos e das organizações muçulmanas e
judaicas. O projeto de lei foi apresentado pelo Partido para os Animais (Party for the
61
Animals) e suscitou inúmeras discussões acerca da liberdade religiosa na Holanda.
Segundo apontado por alguns especialistas no assunto, aproximadamente, dois
milhões de animais são sacrificados anualmente em rituais na Holanda.94
2.9 Austrália
Na Austrália, todos os estados possuem uma legislação referente à matéria
que envolve a crueldade com animais e, em alguns deles, houve uma atualização
recente e mais detalhada na abordagem da referida matéria.
Os atuais estatutos referentes à questão animal são: Lei de Prevenção da
Crueldade Contra os Animais (Prevention of Cruelty to Animals Act), promulgado em
1979, tendo sofrido algumas alterações no ano de 1985 e de 1986; a Lei de Bem-
Estar Animal (Animal Welfare Act), promulgada em 1992 e modificada em 1993, em
1999 e em 2002, bem como a Lei de Proteção e Cuidado Animal (Animal Care
Protection), promulgada em 2001.
Atualmente, o foco central está voltado para o Código Australiano de Boas
Práticas para o Cuidado e Uso de Animais para Fins Científicos (Australian Code of
Practice for the Care and Use of Animals for Scientific Purposes), promulgado pela
primeira vez em 1969, tendo sofrido sua última atualização em 2004.
O objetivo desse código é assegurar a ética e os cuidados humanos no uso
de animais para fins científicos. Os princípios nele estabelecidos têm o condão de
orientar os pesquisadores, os professores, as instituições, as Comissões de Ética
Animal e todas as pessoas envolvidas no cuidado e no uso de animais para aqueles
propósitos.
O código preceitua as diversas questões éticas que devem ser levadas em
consideração no que diz respeito à utilização de animais para fins científicos. Ele
abrange todos os aspectos do tratamento e da utilização com os animais para fins
científicos na medicina, na biologia, na agricultura, na veterinária e em outras
94
Disponível em:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticia/HOLANDA+APROVA+LEI+QUE+PROIBE+SACRIFICIO+D
E+ANIMAIS+EM+RITUAIS_13102.shtml. Acessado em 29 de junho de 2011.
62
ciências que envolvam animais, além da indústria e do ensino. Isso inclui o seu uso
em pesquisa, no ensino, nas pesquisas de campo; nos testes de produtos e em seus
diagnósticos, na produção de produtos biológicos e nos estudos ambientais.
Foram estabelecidos os princípios gerais para os cuidados com o uso de
animais, suas especificações e responsabilidades de pesquisadores, professores e
das instituições que forem utilizá-los. Esse Código trouxe ainda os detalhes dos
termos de referência, a composição e o funcionamento das Comissões de Ética
Animal. Ele também fornece diretrizes para a conduta humana das atividades
científicas e para a aquisição de animais e seus cuidados, incluindo as suas
necessidades ambientais.
O citado documento abrange todos os vertebrados vivos não humanos e
invertebrados de ordem superior. Investigadores e professores devem ter em conta
os conhecimentos emergentes e os valores éticos quando propuserem a utilização
de outras espécies animais não abrangidos por esse código. Os animais em fase
inicial de desenvolvimento, que estiverem em forma embrionária e que puderem
sentir dor e sofrimento, para que sejam utilizados, devem ter decisões quanto ao seu
bem-estar baseadas e fundamentadas em provas de seu desenvolvimento
neurobiológico. Como guia, também deve ser levado em conta o potencial para a
experiência da dor ou sofrimento quando os embriões, fetos e larvas tiverem
progredido além da meia gestação, ou do período de incubação das espécies
relevantes ou tornarem-se capazes de se alimentarem com independência.
Em suma, o Código Australiano de Boas Práticas para o Cuidado e Uso de
Animais para Fins Científicos (Australian Code of Practice for the Care and Use of
Animals for Scientific Purposes) enfatiza basicamente: (i) a responsabilidade dos
investigadores e professores e das instituições que utilizam animais para assegurar
que o seu uso é justificado, tendo em conta os benefícios científicos ou educacionais
e os potenciais efeitos sobre o bem-estar animal; (ii) que deve ser assegurado que o
bem-estar animal será sempre considerado; (iii) que o desenvolvimento e a
utilização de técnicas que substituam a utilização de animais em atividades
científicas e de ensino; (iv) que deve ser minimizado o número de animais utilizados
em projetos e deve ainda ser aperfeiçoados os métodos e procedimentos para evitar
a dor ou a angústia nos animais utilizados em pesquisas científicas e nas atividades
de ensino.
63
2.10 Portugal
Em 1995 foi promulgada a Lei de Proteção aos Animais (Lei nº 92/1995), com
o objetivo de proteger o animal e estabelecer regras para o seu bem-estar. Essa
legislação proíbe todas as formas de violência injustificada contra os animais, como
infligir a morte, o sofrimento cruel e o sofrimento prolongado ou imputar graves
lesões a um animal.
No entanto, uma das maiores debilidades da lei portuguesa encontra-se na
inexistência de sanções legais por terem sido reservadas para uma lei específica
posterior. Em outras palavras, não existem sanções legais por violação das
disposições jurídicas até que uma lei específica seja definitivamente aprovada.
Em essência, Portugal aprovou no papel uma lei que prevê a proteção dos
animais, mas, na realidade, não há aplicação imediata. Alguns dos problemas
criados por essa situação são atenuados pelo empenho das associações de defesa
dos animais que movem os tribunais com diversas proposituras de ações. São
procedimentos que ajudam a aliviar alguns desses problemas.
Desde 2003, há uma proposta legislativa para introduzir a proteção dos
animais na Constituição da República de Portugal. Esse texto frisa que os animais
são seres sencientes e dotados de uma sensibilidade física e psíquica; afirma ainda
que são características que lhes permitem, à semelhança dos humanos, vivenciar a
dor e o prazer – sendo certo que, naturalmente, por todos os meios, procuram evitar
experiências dolorosas, a privação da vida e da liberdade como males que devem
ser evitados para com os animais.
O país considera que, atualmente, o respeito pelos animais é um valor moral
e social que se mostra bastante consensual nas sociedades humanas, impondo-se
com mais ou menos força, dependendo das circunstâncias históricas, sociais e
culturais de cada sociedade. Com esse entendimento, então, há uma proposta de
introdução da proteção dos animais na Constituição da República portuguesa.95
95
A proposta para a redação do artigo 73 da Constituição de Portugal prevê que:
“1. Os animais que sejam dotados de uma sensibilidade física e psíquica que lhes permita experienciar o
sofrimento são seres intrinsecamente merecedores de respeito e de proteção por parte de todas as pessoas e do
próprio Estado.
64
Todavia, apesar de uma proposta na legislação portuguesa em relação a
proteção animal, ainda são permitidas as práticas cruéis das touradas nesse país.
Uma diferença com as touradas espanholas, reside em que o touro não é morto na
arena, além de possuir toureiros a cavalo.
2.11 Espanha
Ao tratarmos da questão animal na Espanha, automaticamente nos é
remetida a imagem das touradas nesse país. Ao longo dos séculos, as arenas foram
palco do confronto sempre desigual entre homem e animal. Segundo estimativas,
esse mercado movimenta mais de US$ 1 bilhão de dólares por ano e é fonte de
renda de muitas famílias espanholas. A partir de 2012, graças às constantes
manifestações de grupos em defesa dos animais, entrará em vigor uma lei proibindo
as touradas na Catalunha.96
Muito embora as touradas sejam consideradas por muitos espanhóis como
uma “arte” e, de fato, encontra-se enraizada na cultura desse país, não se pode
concordar com as afirmações de que os touros não sofrem maus-tratos ao serem
obrigados a “lutar” pela sobrevivência nas arenas. São evidentes os inúmeros maus-
tratos a que são infligidos para essa atividade extremamente arcaica e cruel.
As touradas podem ser resumidas da seguinte maneira:97
Em um espetáculo tradicional, há três toureiros e cada um deles tem que abater dois
touros. Para isso eles contam com uma equipe que vai minando a resistência do animal
2. É dever do Estado Português promover e assegurar o respeito pelos animais que possuam as características
indicadas no número anterior, tomando as necessárias medidas para protegê-los e preservar de todo o
sofrimento, aprisionamento ou morte não justificáveis.
3. Os animais que possuam as características indicadas no nº 1 deste artigo só poderão ser submetidos à
inflicção de sofrimento, ao aprisionamento ou à indução da morte nos casos em que tal se revele necessário e
seja realizado de acordo com legislação específica que regulará tais situações”. 96
Disponível em: http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2011/02/touradas-movimentam-mais-de-us-1-
bilhao-por-ano-na-espanha.html. Acessado em 10 de maio de 2011. 97
Disponível em: http://vidaeestilo.terra.com.br/turismo/noticias/0,,OI3903034-EI18238,00-
Uma+tarde+para+mergulhar+na+tradicao+espanhola+das+touradas.html. Acessado em 20 de agosto de 2011.
65
antes da entrada triunfal do protagonista. O show começa sempre com o toureiro mais
experiente.
A indumentária é um espetáculo à parte. Enquanto fazem movimentos de aquecimento
com os capotes - os panos vermelhos, de forro amarelo -, os toureiros reluzem com suas
roupas de seda colorida e os bordados em ouro.
O espetáculo começa ao som de uma banda que entoa músicas tradicionais enquanto os
profissionais se apresentam ao público, circulando pela arena sob aplausos e assobios.
O espaço da arena é então esvaziado. A furiosa entrada do primeiro touro é acompanhada
do silêncio da plateia. O ímpeto do animal faz com que os ajudantes do toureiro se
preocupem, em um primeiro instante, em cercá-lo. Para isso, recorrem com muita
frequência aos recuos de madeira que existem na parede da arena.
Uma vez delimitado o espaço ao redor do bicho, entram os picadores - os toureiros a
cavalo que espetam o animal com lanças. As estocadas fazem o touro perder sangue e a
força nos músculos. O choque dos chifres contra o cavalo é violento e chega a
desestabilizar o toureiro.
Com a saída dos picadores, o trabalho passa aos banderilleros. Eles devem enfiar varas
curtas com ponta de arpão (banderillas) nas costas do animal, perto do pescoço, uma
região cheia de terminações nervosas. A intenção é atiçar o touro para a batalha final,
além de continuar desestruturando sua resistência.
O trabalho dos banderilleros é acompanhado com o fervor do público mais fiel. A
performance é fascinante. Ao se lançar, sem proteção, em direção ao boi, os auxiliares do
toureiro têm que desenvolver uma técnica de flexibilidade do corpo. Com a mesma
agilidade, devem chegar muito perto do animal para fincar as varas e, logo em seguida, se
afastar correndo. Se acertarem as duas varas ao mesmo tempo são devidamente
aplaudidos, mas se errarem apenas uma delas os aplausos dão lugar às vaias. A ação
acontece três vezes.
A exigência do público aumenta com a entrada do toureiro principal, conhecido como
matador. Para a parte final, ele traz consigo um pano vermelho mais curto montado em
um bastonete de madeira; na outra mão ele segura uma espada.
A cada manobra mais arriscada - com o touro rente ao corpo ou um toureada feita de
joelhos, por exemplo - a plateia vibra com o tradicional “olé!”. Para finalizar o embate, o
matador distrai o cansado animal, deixando-o com a cabeça baixa. Um movimento
certeiro e a espada é fincada quase que inteira no prolongamento da coluna. O ideal é que
a investida seja feita apenas uma vez para que o animal caia morto segundos depois. Caso
66
o toureiro não acerte de primeira, o público não hesita em vaiar novamente. A reação é a
mesma se o matador demorar demais para finalizar o confronto. Os mais exaltados
levantam e gritam “mata-o!”.
Com o animal morto e ensanguentado no chão, a plateia se divide: alguns aplaudem de
pé, outros se levantam para ir embora - neste caso, os turistas - e outros permanecem
boquiabertos.
O desempenho do matador é avaliado pelos lencinhos brancos que ele consegue angariar
do público. Se muitos começam a se chacoalhar após a apresentação, é sinal de
reconhecimento de uma grande performance. E quando mais da metade do público saúda
a apresentação desta forma, ele é premiado com a orelha do animal. Este tipo de
premiação é muito importante para a carreira de um matador. Quanto maior o número de
orelhas em seu currículo, maior o seu prestígio profissional.
Os seis touros sacrificados em cada espetáculo têm a mesma origem e todos são
preparados exclusivamente para o dia de sua morte. Eles são criados em cativeiro por
cerca de quatro anos, com dieta especial. Depois de mortos, a carne dos animais é
vendida a açougues. O touro morto deixa a arena arrastado por cavalos a galope enquanto
a banda toca mais uma música tradicional. Do animal, resta apenas um rastro de sangue
marcado na areia.
Verifica-se, portanto, que é uma atividade extremamente cruel e desigualdade
no embate entre toureiro e touro. Frisa-se ainda que o animal, antes de adentrar na
arena, sofre diversos maus-tratos com o seu “preparo” para esse fim. Esse
sofrimento pode ser assim resumido: o touro tem seus chifres cortados para perder
um pouco de sua orientação; sua visão é ofuscada com vaselina; são inseridas
agulhas nos órgãos genitais, além de sofrer com uma alimentação adequada e
ambiente insalubre.98
Atualmente, a proteção animal na Espanha é assegurada pela Lei nº 32/2007,
a qual estabeleceu a base para o regime de proteção dos animais e de infrações e
sanções para assegurar o cumprimento das regras relativas à proteção dos animais
em diferentes circunstâncias; isto é, exploração, transporte, teste e sacrifício.
98
DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 217. A questão
das touradas também poderá ser vista com maiores detalhes no item 4.3.8 desse trabalho.
67
Desde dezembro de 2010, o código penal espanhol foi alterado, tipificando
como crime, os maus-tratos aos animais domésticos, mesmo sem agravante de
crueldade, imputando como pena que variam de três meses a um ano de prisão e
restrição de um ano a três anos para trabalhar em qualquer emprego relacionado
com animais.99
99
Disponível em: http://www.soama.org.br/cgi-bin/soama_noticias.pl?id=10409. Acessado em 15 de
agosto de 2011.
68
3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE PROTEÇÃO ANIMAL
3.1 A Evolução da Proteção Animal na Legislação Brasileira
No Brasil, pela primeira vez, os animais foram abrangidos pela legislação por
meio do Decreto nº 16.590, de 10 de setembro de 1924, o qual proibia as diversões
públicas que lhes causassem sofrimento. Essa lei proibia as corridas de touros,
garraios e novilhos, e de galos e canários, dentre outras diversões que provocavam
sofrimento aos animais.
Uma década depois, o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de1934, tipificava
trinta e uma figuras de maus-tratos aos animais. Seu grande marco foi conceder aos
animais uma nova interpretação de status, considerando-os como “sujeitos de
direitos”, na possibilidade de o Ministério Público assisti-los em juízo, na qualidade
de substituto legal.100
Em 1941, o Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro tipificou a conduta da
prática de atos cruéis contra os animais por meio de seu artigo 64.101 Esse Decreto é
conhecido como lei das contravenções penais, o qual não revogou o Decreto-Lei
nº 24.654, de 10 de julho de1934, mas o complementou com preceitos da proteção
animal. Consoante afirmado por Edna Cardozo Dias:
Na época levantou-se uma polêmica em torno do fato de a Lei de Contravenções Penais
ter revogado o Decreto instituído por Getúlio. A jurisprudência firmou-se no sentido de
que „em síntese, os preceitos contidos no art. 64 compreendem na sua quase totalidade,
100
Esse decreto foi instituído durante a ditadura de Getúlio Vargas e permanece parcialmente em vigor, pois não
foi totalmente revogado pelo Decreto Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. 101
“Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou
exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com
crueldade, em exibição ou espetáculo público”.
69
todas aquelas modalidades de crueldade contra animais contidas no art. 3º do Decreto
24.645/34‟.102
103
Posteriormente, vinte anos depois, o Decreto nº 50.620, de 18 de maio de
1961, proibiu expressamente a briga de galo. Todavia, no ano seguinte, foi editado
novo Decreto nº 1.233, de 22 de junho de 1962, que revogou o anterior, deixando de
existir qualquer proibição expressa quanto as brigas de galo. Muito se discutiu na
época acerca da revogação ou não também do Decreto nº 24.654, de 10 de julho de
1934, que considerava maus-tratos as brigas de galo, uma vez que ele fora instituído
com força de lei e, como cediço, uma lei não pode ser revogada por um decreto.
Em 1967, o Decreto nº 221, de 28 de fevereiro, mais conhecido como Código
de Pesca, tratou de cuidar dos animais aquáticos e de disciplinar a atividade de
pesca. Foi, posteriormente, alterado pela Lei nº 7.679, de 23 de novembro de 1988,
e revogado pela atual Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Naquele mesmo ano
de 1967, foi promulgada a Lei Federal nº 5.197, de 3 de janeiro, também conhecida
como Código de Caça, que considerou crimes as contravenções penais, tendo sido,
posteriormente, alterada pela Lei nº 7.653, de 12 de fevereiro de 1988. Esta última,
além de considerar a fauna silvestre como propriedade do Estado, aboliu a
concessão de fiança nos crimes cometidos contra os animais.
Em 1979 foi promulgada a Lei nº 6.638, de 8 de maio, que tratou das normas
práticas didático-científicas da vivissecção de animais. Essa lei preocupou-se com o
cadastramento de biotérios e centros de experimentação de demonstração com
animais vivos e com a autorização para o seu funcionamento por órgão competente.
Cuidou também de exigir a presença de um técnico capacitado durante a realização
da vivissecção, restringindo essa prática na pesquisa cientifica e no aprendizado
cirúrgico; porém, não se manifestou acerca dos princípios dos 3Rs: Substituição
(Replacement), Redução (Reduction) e Refinamento (Refinement),104 bem como as
comissões de ética no uso de animais em experimentação.
102
DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 155. 103
Nesse mesmo sentido: LEVAI, Laerte Fernando. Direitos dos animais. Campos do Jordão: Editora
Mantiqueira, 2004, p.30-31. 104
O princípio dos 3Rs foi divulgado em 1959 por W. M. S. Russel e R. L. Burch, que significam: Substituição
(replacement) de animais por métodos alternativos; Redução (reduction) do número de animais utilizados em
experimentos; e Refinamento (refinement) em orientação de métodos adequados para reduzir a dor e o
desconforto dos animais empregados em experimentos científicos.
70
Todavia, como não houve qualquer regulamentação dessa lei, acabou não
sendo aplicada. Posteriormente, foi revogada pela intitulada Lei Arouca, a Lei
nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, que estabeleceu procedimentos para o uso
científico de animais, sendo regulamentada pelo Decreto nº 6.899, de 15 de julho de
2009, o qual dispõe sobre a utilização de animais em atividade de ensino, pesquisas
e outras experimentações. No entanto, essa lei aplica-se somente às espécies
animais do subfilo vertebrata, não abrangendo os demais grupos da escala
zoológica.105
No ano de 1981, foi promulgada a Lei nº 6.938, de 31 de agosto, que instituiu
a Política Nacional do Meio Ambiente. Tal diretriz incluiu a fauna como parte
integrante do meio ambiente, disciplinou a ação governamental e inseriu a
responsabilidade civil e administrativa pelo dano ambiental.
A Lei nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983, dispõe sobre o estabelecimento e
o funcionamento de jardins zoológicos, instituindo o IBAMA como órgão competente
para sua concessão e fiscalização.
Dois anos depois, foi promulgada a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985,
dispondo sobre a proteção dos interesses difusos e, consequentemente, incluindo a
fauna no rol protetório, ao instituir a ação civil pública por danos ocasionados ao
meio ambiente.
A pesca de toda espécie de cetáceo foi proibida pela Lei nº 7.643, de 18 de
dezembro de 1987, também conhecida como Lei de Proteção à Baleia.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, os animais foram incluídos
no preceito constitucional, em seu artigo 225, dando proteção para uma sadia
qualidade de vida para as presentes e futuras gerações, imputando ainda a
responsabilidade penal e administrativa aos infratores que praticarem condutas
lesivas ou que ameaçarem a vida em todas as suas formas.
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, também chamada de Lei dos
Crimes Ambientais, dispõe de sanções administrativas e penais contra atividades
lesivas ao meio ambiente, independentemente da responsabilidade civil. Seus
105
O filo chordata abrange animais adaptados para viver em água doce ou água salgada, na terra e no ar. São
divididos em protocordados, os cordados mais primitivos, destituídos de coluna vertebral e caixa craniana e os
eucordados, mais evoluídos, pois além de apresentarem coluna vertebral, têm crânio com encéfalo. O subfilo
vertebrata faz parte dos eucordados, compreendendo os peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
71
artigos de 29 a 37 preveem os crimes dolosos e culposos contra o meio ambiente.
Referida lei inovou no tocante ao crime de omissão ou comissão contra os animais e
a regra da coautoria e participação nos crimes contra os animais. Inovou também
por ter instituído a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes contra o
meio ambiente, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 3.179, de 21 de
setembro de 1999, e revogado pelo atual Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.
No tocante à questão do tráfico internacional de animais silvestres,106 o Brasil
é signatário da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e
Fauna Selvagem em Perigo de Extinção – CITES, elaborada em Washington no ano
de 1973.107 Essa convenção tem como objetivo impedir o comércio ilegal e, ao
mesmo tempo, regular o comércio internacional de animais.
Existem ainda diversas portarias e normas esparsas acerca da proteção
animal, estabelecidas a partir da década de 1960.108
3.2 A Proteção Animal na Constituição Federal
O Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada
no dia 5 de outubro de 1988, tem o seguinte enunciado:
106
“Aproximadamente quarenta milhões de animais são retirados da Natureza do território brasileiro por ano.
Entre dez animais capturados, após um penoso percurso em que são submetidos a péssimas e cruéis condições,
apenas um chega vivo ao consumidor final. Conforme estimativa apresentada pelo RENCTAS em fevereiro de
2002, depois do tráfico de drogas e armas, o tráfico ilegal de animais silvestres é a terceira maior atividade
ilegal do mundo. Movimenta no mundo todo cerca de vinte bilhões de dólares por ano e o Brasil participa com
aproximadamente 15% desse valor”. RODRIGUES, Danielle Tetü. O ilegal comércio e tráfico internacional de
animais silvestres e a proteção penal brasileira. In: O Direito Internacional no cenário contemporâneo. 1ª ed.
Curitiba: Juruá, 2003, p. 247. Apud RODRIGUES, Danielle Tetü. O direito & os animais. Uma abordagem
ética, filosófica e normativa. 2ª ed., Curitiba: Juruá Editora, 2008, p. 69. 107
Essa Convenção Internacional foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 54, de 17 de novembro de
1975 (com emenda do Decreto nº 133, de 24 de maio de 1991), promulgado pelo Decreto nº 76.623, de 17 de
novembro de 1975, com as alterações em Gaborone, em 20 de abril de 1983, aprovada pelo Decreto Legislativo
nº 35/1985, promulgada pelo Decreto nº 92.446, de 7 de março de 1986 (RODRIGUES, Danielle Tetü, Op. cit.
p. 69). 108
Portaria nº 139N/93, regulamentando a obtenção de registro de “criadouro conservacionista”; Portaria
nº 2.134/1990, regulamentando o criadouro de borboletas; Portaria nº 332/1990, a qual dispõe sobre a coleta de
material zoológico; Portaria nº 005/1991, estabelecendo critérios para o acasalamento de espécies ameaçadas da
fauna brasileira; Portaria nº 016/1994, regulamentando a criação ou a manutenção de animais em cativeiro da
fauna silvestre com a finalidade de subsidiar pesquisas científicas; Portaria nº 29/1994, disciplina a importação e
exportação da fauna silvestre exótica e da fauna silvestre brasileira; Portaria nº 117/1997, tratando da compra e
venda de animais silvestres; Portaria nº 118N/1997, normatizando o funcionamento de criadouros de animais
silvestres para fins econômicos (RODRIGUES, Danielle Tetü. Op. cit. p. 68).
72
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte,
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
A Constituição Federal preceitua que o direito ao meio ambiente é voltado
para a satisfação das necessidades humanas. Todavia, não há impedimento para
que se entenda a proteção da vida em todas as suas formas, bem como o respeito e
integração de todos os seres que habitam o planeta Terra.
Frisa-se que as duas primeiras Conferências Mundiais para a defesa do meio
ambiente (Declaração de Estocolmo em 1972 e Declaração do Rio de Janeiro em
1992) são explícitas ao assegurar a preservação ambiental em face de uma melhor
qualidade de vida humana ou até mesmo de protegê-la. A partir dessas duas
conferências mundiais, especialmente a Rio-92, o centro das preocupações com o
chamado desenvolvimento sustentável, basicamente, diz respeito aos seres
humanos.
Como visto em outra oportunidade desse estudo, essa visão é única e
exclusivamente antropocêntrica. Mesmo assim, a Constituição deixou clara a
preocupação com a punição com atos de crueldade praticados contra os animais,
atribuindo-lhes a qualidade de seres que são partes integrantes do meio ambiente.
Assim dispõe o art. 225 do preceito constitucional:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º- Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
73
VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade.
§ 3º- As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Por evidente, veja-se que a questão do meio ambiente é tema de relevada
importância, a ponto de passar a ser um preceito fundamental, agora, como garantia
constitucional. Ao assegurar e garantir um meio ambiente ecologicamente
equilibrado em seus preceitos constitucionais, fez com que a Carta Magna fosse
considerada como uma das mais avançadas no mundo. Segundo José Afonso da
Silva:
A Constituição, como isso, segue, e até ultrapassa, as Constituições mais recentes
(Portugal, art. 66, Espanha, art. 45) na proteção do meio ambiente. Toma consciência de
que a qualidade do meio ambiente se transformara num bem, num valor mesmo, cuja
preservação, recuperação e revitalização se tornaram num imperativo do Poder Público,
para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento;
em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida. As normas constitucionais
assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos
fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da
tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante, que há de estar
acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao
direito de propriedade, como as de iniciativa privada. Também esses são garantidos no
texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental
à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é
instrumental no sentido de que, mediante essa tutela, o que se protege é um valor maior: a
qualidade da vida humana.109
109
SILVA, José Afonso da. Fundamentos constitucionais da proteção do meio ambiente. BENJAMIN, Antônio
Herman V.; MILARÉ, Édis (coords.). Revista de Direito Ambiental, ano 7, nº 27. São Paulo: RT, 2002, p. 53.
74
A proteção do meio ambiente inserido na Constituição Federal reflete na
proteção da vida, da qualidade de vida para a sobrevivência da espécie humana.
Ocorre que os animais têm o mesmo direito dos homens de viver no planeta Terra.
Cumpre ressaltar que todos os animais existentes no Brasil,
independentemente de sua categoria ou espécie, são bens ambientais jurídica e
constitucionalmente protegidos. Portanto, os animais silvestres, domésticos ou
domesticados, nativos, exóticos e migratórios têm proteção garantida pela
Constituição Federal, 110 adotando um posicionamento de proximidade com o ser
humano.
Nesse diapasão, a defesa dos interesses dos animais é garantida pelo
Ministério Público, nos termos dos artigos 127111 e 129112 da Constituição Federal, e
por outras instituições e entidades, previstas no artigo 5º,113 da Lei da Ação Civil
Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985) e do art. 2º, § 3º do Decreto nº 24.645,
de 10 de julho de 1934.
São indubitáveis os relevantes papéis que as organizações não
governamentais desempenharam ao longo de todo o processo e lutas para a busca
de melhorias em relação aos tratos com os animais. É certo também como agora
buscam pela ruptura da visão exclusivamente antropocêntrica e a conquista dos
direitos dos animais.
Acerca desse relevante tema, assim comunga João Marcos Adede y Castro:
110
Art. 225, § 1º, inc. VII, da Constituição Federal. 111
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. 112
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I- promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. 113
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I- o Ministério Público;
II- a Defensoria Pública;
III- a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV- a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V- a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
75
Como refere Silva, a dogmática jurídica indica que somente o homem pode ser sujeito de
direitos, mas que esta lógica se inverte quando falamos de direito ambiental, que aceita a
ideia de que o homem é mero representante dos animais, em juízo, como acontece com as
pessoas jurídicas. Assim, o direito dos animais, em termos de processo, administrativo ou
judicial, é beneficiado pelas mesmas garantias asseguradas aos homens.114
Portanto, a questão dos direitos dos animais é extremamente complexa,
motivo pelo qual não será abordada no presente trabalho. Todavia, não se pode
negar que, ao imputar interesses a serem defendidos, seja em juízo, seja fora dele,
por meio de ação civil pública, da ação popular ou da ação penal pública, estar-se-á
atribuindo aos seres não humanos o direito constitucional da ampla defesa, do
contraditório e do devido processo legal. Em outros termos, nesse caso, os seres
não humanos são detentores de direitos como quaisquer outros, tanto uma pessoa
física, quanto uma pessoa jurídica.
3.3 A Visão do Animal no Contexto do Código Civil
O ordenamento jurídico brasileiro é um sistema que possui como fonte de
Direito as leis escritas. É a estrutura chamada de civil law, originada da concepção
da epopeia e conquista romana, que estabeleceu sua base jurídico-científica ao
longo de diversos continentes, basicamente os países de tradição latino-germânica.
Desde o ordenamento jurídico romano até os tempos atuais, os animais não
estavam inseridos em um contexto de membros da sociedade e, portanto, não
possuíam direitos. Os animais eram – e para muitos ainda continuam sendo –
considerados coisas (em latim: res).
Portanto, “sob o mesmo regime jurídico conferido aos objetos inanimados ou
à propriedade privada, a servidão animal foi sacramentada pelo Direito”.115
114
CASTRO, João Marcos Adede y. Direito dos Animais na Legislação Brasileira. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 2006, p. 45. 115
LEVAI, Laerte Fernando. Direitos dos animais. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2004, p.19.
76
Para o Código Civil, “coisa” é tudo aquilo que existe no universo; e “bens” são
as coisas que possuem valor econômico. Muito embora os animais possuam valor
econômico, eles não são considerados coisas ou bens nos termos do código civil, no
qual o proprietário tem direito de usar, fruir e dispor como lhe bem aprouver.
Os bens jurídicos, além da sua relevância patrimonial, abrangem também
outros aspectos, tais como coisas corpóreas e incorpóreas, materiais ou imateriais,
tais como a liberdade, a honra. Por isso, são insuscetíveis de valoração econômica.
O bem jurídico, portanto, possui um conceito muito amplo.
O antigo Código Civil Brasileiro (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916)
tratava os animais domésticos como bens móveis. Eram os chamados semoventes.
Eram considerados propriedades dos donos e os animais que, por ventura, fossem
abandonados, estariam sujeitos à apropriação. Ou seja, o Código Civil de 1916 não
protegia a fauna em relação à questão da preservação da espécie, mas, sim, em
relação à propriedade, como um bem meramente econômico (os arts. 592 a 602
dispunham sobre a aquisição e a perda da propriedade no antigo Código Civil).
Pelas disposições legais existentes, todos os animais silvestres (tanto no
âmbito terrestre como no aéreo), e os animais aquáticos, são considerados bens de
propriedade do Estado e do domínio público. Essa definição de bens do Estado é no
sentido mais amplo, no sentido constitucional de República Federativa do Brasil; ou
seja, são bens da nação brasileira, constituída da União, dos Estados-membros, do
Distrito Federal e dos Municípios, com expressas competências e deveres e
responsabilidades pela efetiva defesa ou proteção e real preservação vinculada à
sua função ecológica (arts. 1º, 18, 23, incs. I, VI, VII e 225, § 1º, inc. VII, da
Constituição Federal).116
Como propriedade do Estado, tais bens são de domínio público, integrantes
do patrimônio público indisponível, ou seja, servem ao interesse de todos. Como é
cediço, tais bens possuem um regime jurídico diferenciado. Não se trata de bens
públicos de uso comum do povo, que são “todos as coisas imóveis ou móveis sobre
as quais o público, anonimamente, coletivamente, exerce direitos de uso e gozo”, os
quais são inalienáveis e imprescritíveis.
116
Nesse sentido, CUSTÓDIO, Helita Barreira. Crueldade contra animais e proteção destes como relevante
questão jurídico-ambiental e constitucional. BENJAMIN, Antônio Herman V.; MILARÉ, Édis (coords.). Revista
de Direito Ambiental, ano 3, nº 10, São Paulo: RT, 1998, p. 82.
77
Como afirma Herman Antônio Benjamin:
No caso dos bens públicos integrantes dos recursos ambientais e considerados de uso
comum do povo, salienta-se que, na evolução do conceito bem público, o meio ambiente,
„como macrobem, é bem público não por que pertença ao Estado (pode até pertencê-lo),
mas porque se apresenta no ordenamento, constitucional e infraconstitucional, como
„direito de todos‟, como bem destinado a satisfazer as necessidades de todos‟. Trata-se de
„bem público em sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando uma certa
„dominialidade coletiva‟, desconhecida do direito tradicional público.117
Nesse contexto, Helita Barreira Custódio afirma que:
Com estas breves observações, é oportuno, ainda, salientar, para melhor clareza das
normas constitucionais e legais aplicáveis ao importante assunto, de forma insistente, que
a propriedade dos animais silvestres e aquáticos, legalmente atribuída ao Estado (país),
formado da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, como
domínio público integrante do patrimônio público, se encontra desvinculada da
tradicional união entre animal e propriedade, típica do direito romano. Como propriedade
do Estado, sob regime jurídico excepcional, em nada se confunde com os bens de
propriedade da União, que se encontram expressamente definidos nas normas do art. 20,
incs. I a XI, da CF. Sob esse aspecto, torna-se patente que os animais silvestres e
aquáticos, em liberdade, sob a proteção do Poder Público, não pertencem só à União, não
são bens públicos da União, não se encontram definidos em nenhuma norma das normas
do art. 20, I a XI, da Constituição, em que se definem os bens da União. Evidentemente,
os animais silvestres e aquáticos constituem bens públicos da República Federativa do
Brasil, ou seja, da Nação Brasileira constituída da União, dos estados-membros, do
Distrito Federal e dos municípios (CF, art. 1º, 18), com expressos deveres e
responsabilidades para a sua diligente administração, defesa ou proteção e preservação
vinculada à sua função ecológica, como bens públicos de utilização, aproveitamento ou
gozo comum do povo ou das presentes e futuras gerações (CF, art. 225 e § 1º, VII, c/c art.
117
BENJAMIN, Antônio Herman. Função Ambiental. In: Dano ambiental – prevenção, reparação e repressão.
Biblioteca de Direito Ambiental. São Paulo: RT, 1993, p. 64-66, Apud CUSTÓDIO, Helita Barreira. Crueldade
contra animais e proteção destes como relevante questão jurídico-ambiental e constitucional. BENJAMIN,
Antônio Herman V.; MILARÉ, Édis (coords.). Revista de Direito Ambiental, ano 3, nº. 10, 1998, São Paulo: RT,
p. 83.
78
23, I, VI, VII; art. 37, § 6º; Lei 5.197, de 03.01.1967, art. 1º; Dec.-lei 221, de 28.02.1967,
art. 3º).118
Com o advento do novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002), os dispositivos do antigo código foram suprimidos, tendo em vista a
superveniência dessa lei, mas também pela incorporação dos dispositivos da
Constituição Federal, a qual assegura que os recursos naturais são um bem da
coletividade, um bem de todos, não sendo admissível, portanto, que um diploma
legal de natureza privada pudesse regular bens dessa natureza.
O novo diploma legal trata os animais domésticos e domesticados como seres
semoventes, passíveis de direitos reais, mas, como um simples objeto de posse. A
visão antropocêntrica ainda predominante, assim como a legislação pátria
contribuem para manter um conceito e uma “tradição” popular que dão a entender
que esses seres vivos, no ordenamento pátrio estão ao bel prazer do homem. O
Código Civil iguala os animais a um bem qualquer, como um mero objeto que pode
ser transacionado. Em suma, um sujeito de não direito.119
Nesse diapasão, o dono de um animal é, portanto, um mero detentor,
guardião ou responsável por aquele ser vivo, não podendo dispor dele a não ser
para transferência a outra pessoa. Ou seja, o proprietário de um animal não pode
abandoná-lo, feri-lo ou, simplesmente, matá-lo. O bem juridicamente tutelado é o
próprio meio ambiente, independentemente de sua vinculação com o ser humano.
Na esfera civil, o causador dos danos contra a fauna deverá recompor ou
devolver à natureza os animais abatidos e apreendidos (consoante disposto no art.
14, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981: Política Nacional do Meio Ambiente).
A regulação de qualquer lei em face dos animais deve, necessariamente,
observar a legislação constitucional, tendo em vista o relevante valor ecológico da
fauna. 118
Op. cit. p. 83-84. 119
“Art. 1.442. Podem ser objeto de penhor:
(...)
V- animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola.
Art. 1.444. Podem ser objeto de penhor os animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de lacticínios.
Art. 1.447. Podem ser objeto de penhor máquinas, aparelhos, materiais, instrumentos, instalados e em
funcionamento, com os acessórios ou sem eles; animais, utilizados na indústria; sal e bens destinados à
exploração das salinas; produtos de suinocultura, animais destinados à industrialização de carnes e derivados;
matérias-primas e produtos industrializados”.
79
Apesar de o Código Civil tutelar interesses privados, ou seja, a relação de
pessoas e de seus bens (disposição expressa no art. 1º do Código Civil de 1916,120
omitida pelo atual código, mas que, continua regulando a relação desses
interesses), o art. 1.228, § 1º estipula que:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e
o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Verifica-se, portanto, que a propriedade possui uma função social, na qual o
direito individual à propriedade deve ser exercido dentro de certos limites, sem
abusos. O não aproveitamento do bem pode levar a severas sanções. Verifica-se,
que há um interesse geral prevalecendo sobre um interesse particular.
A função social da propriedade tem a finalidade de coibir a ilegítima utilização
da propriedade, garantindo um benefício e utilidade maior a toda a sociedade e não
somente ao seu proprietário.121
Em outros termos, ao instituir o § 1º, do art. 1.228, no novo Código Civil, o
legislador afirmou que, mesmo em relação de caráter privado, devem ser
observadas ainda regras de interesse geral, em vista do “princípio constitucional da
solidariedade e da fraternidade, estabelecidos como metas e objetivos fundamentais
na constituição da nação brasileira”.122
Caso as medidas de proteção à fauna não sejam atendidas, além dos outros
elementos formadores do meio ambiente e interesse social, poderá ocorrer a
desapropriação, tendo em vista que não se atende aos requisitos da função social
da propriedade.
120
Este Código regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas
relações. 121
A função social da propriedade está prevista na Constituição Federal nos arts. 5º, inc. XXIII, 170, inc. III, 182
e 186. 122
CASTRO, João Marcos Adede y. Direito dos Animais na Legislação Brasileira. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 2006, p. 63.
80
3.4 A Proteção Animal nas Esferas Penal e Administrativa
A preservação ambiental encontra no Direito Penal um dos instrumentos mais
relevantes e significativos, uma vez que, em muitos casos, as sanções
administrativas e civis não são suficientes para coibir ou reprimir as agressões
contra o meio ambiente.
Proteger a fauna e a flora é de extrema importância. Essa proteção não deve
limitar-se somente os países detentores da sua biodiversidade; ela deve estender-se
a todo o ecossistema, local e global.123
Nos casos em que ocorre a prática dos crimes ambientais, podemos afirmar
que o bem jurídico protegido é o meio ambiente. Segundo o jurista Mauricio Libster,
citado por Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas:
O bem jurídico ambiental pertence à categoria dos bens jurídicos coletivos, já que afeta a
comunidade como tal, seja de forma direta ou indireta, mediata ou imediata. É um bem
jurídico de todos e está estreitamente vinculado às necessidades existenciais dos sujeitos,
como a vida, a saúde, a segurança e ainda a recreação.124
Os maus-tratos com os animais são punidos administrativamente e
penalmente desde o ano de 1934, com o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934.
Lamentavelmente, até os dias atuais, verificamos atividades extremamente
repulsivas praticadas contras os animais e tidas por seus defensores, como
123
No dia 29 de outubro de 2010 foi assinado o Protocolo de Nagoya, na 10ª Conferência das Partes da
Convenção sobre Diversidade Biológica – COP-10, por meio do qual foi reconhecido o direito dos países sobre a
sua biodiversidade. Portanto, cada país que explorar a diversidade natural (plantas, animais ou micro-
organismos) em territórios que não sejam seus, além de pedir autorização para as nações “donas dos recursos”,
os novos produtos que forem daí produzidos (fármacos ou cosméticos), terão, necessariamente, de repartir os
lucros entre quem os desenvolveu e o país de origem do recurso. Isto inclui ainda as comunidades que utilizem
desses recursos tradicionalmente, como os indígenas, por exemplo, os quais também receberão royalties pela
exploração comercial. É o chamado “ABS”, sigla em inglês que significa Acesso e Repartição de Benefício dos
Recursos Genéticos da Biodiversidade. O Brasil, por ser o maior detentor da biodiversidade do mundo, foi o
grande vitorioso das negociações, muito embora o pleito de pagamento de efeitos retroativos para direitos da
biodiversidade, não se aplicam no acordo assinado por 193 países, com exceção dos Estados Unidos, que sequer
participou do encontro (MIOTO, Ricardo. Países alcançam acordo da biodiversidade. Folha de S. Paulo. São
Paulo, p. A22, 30 out. 2010). 124
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS. Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8ª ed., São Paulo:
RT, 2006, p. 38.
81
atividades “culturais”, como a briga de galo, a vaquejada e a “farra do boi”, exemplos
brevemente tratados anteriormente.
A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998), no
capítulo V, seção I, trata dos crimes contra a fauna. Os crimes contra a fauna estão
tipificados nos arts. 29 a 37. Com exceção do art. 30 (que trata de contrabando de
peles e couros de anfíbios e répteis) e do art. 35 (que trata da pesca com explosivos
e substâncias tóxicas), os quais determinam a pena de reclusão, nos demais crimes
ali tipificados a pena é de detenção, podendo ser substituída pela pena privativa de
liberdade por medidas restritivas de direito. Ou seja, com exceção dos mencionados
arts. 30 e 35, os demais são considerados crimes de menor potencial ofensivo e são
passíveis da Lei dos Juizados Especiais Criminais.
O art. 29 da referida lei tipifica como crime as seguintes atividades: “Matar,
perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota
migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade
competente, ou em desacordo com a obtida. Pena - detenção de seis meses a um
ano, e multa”.
Esse artigo define os crimes contra a fauna silvestre, sendo “todos aqueles
pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou
terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos
limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”.
Portanto, esse artigo 29 não abrangeu os animais exóticos e domésticos, que
são aqueles que vivem harmoniosamente com o homem, do qual, aliás, geralmente
dependem. Para esses casos, porém, há o art. 32 dessa mesma lei que preceitua
ser crime: “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Pena - detenção, de três meses a
um ano, e multa”.
Esse artigo é uma atualização das condutas previstas no referido Decreto nº
24.645, de 10 de julho de 1934, que previa punições por crueldade e maus-tratos125
125
A expressão maus-tratos faz parte da figura típica ancorada no art. 136 do Código Penal: “Expor a perigo a
vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento
ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo
ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”.
82
contra os animais, e no art. 64 da Lei de Contravenções Penais (Decreto Lei nº
3.688, de 3 de outubro de 1941).126
O § 1º do citado artigo estipula: “Incorre nas mesmas penas quem realiza
experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos alternativos”.
Verifica-se, então, que o art. 29 da Lei nº 9.605/98 não versa sobre os animais
domésticos, mas tão somente diz respeito aos animais silvestres. Já em relação ao
artigo 32, a tipificação penal se refere a diversas categorias dos animais (silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos).
Alguns autores afirmam que o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais – que
trata da prática de maus-tratos aos animais – revogou a legislação anterior que
tratava do mesmo assunto.127
José Henrique Pierangeli afirma que “examinando os dois diplomas
legislativos, não logramos chegar à conclusão de que o Decreto de 1934 foi
tacitamente revogado pelo Código Ambiental. Sem definir o que se deve entender
por maus-tratos, esta parte definida na lei anterior, a lei nova recepciona conceitos e
definições que não foram expressamente – e só por essa forma poderiam sê-lo –
revogados. Diversa é a situação do art. 64 da LCP, que regulava essa mesma
situação”.128
Em sentido contrário, Luís Paulo Sirvinskas afirma que o art. 64 da Lei de
Contravenções Penais (Decreto Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941) e o Decreto
Lei nº 24.645, de 10 de julho de 1934 (que estabelece medidas de proteção aos
animais domésticos), não foram revogados e continuam em vigor.129
126
Art. 64. “Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis”. 127
Neste sentido: FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS. Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8ª
ed., São Paulo: RT, 2006, p. 109; PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 2ª ed., São Paulo: RT, 2009,
p. 178; COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro et al. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais.
Comentários à Lei nº 9.605/98. 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica. 2001, p. 207; CASTRO, João Marcos Adede y.
Direito dos Animais na Legislação Brasileira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2006, pp. 99; 103 e
180 e ainda GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Crimes Ambientais. Comentários à Lei 9.605/98. São
Paulo: RT, 2011, p. 50. 128
PIERANGELI, José Henrique. Maus-tratos contra os animais. MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso
Leme (org.). Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental, vol. II. São Paulo: RT, 2011, p. 299. 129
SILVINSKAS, Luís Paulo. Direito ambiental, fauna e tráfico de animais silvestres. BENJAMIN, Antônio
Herman V.; MILARÉ, Édis (coords.). Revista de Direito Ambiental, ano 8, nº 30. São Paulo: RT, 2003, p. 69.
83
Consoante disposto no art. 14 da Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, é
permitida a concessão de licença especial a cientistas pertencentes a instituições
científicas, oficiais ou oficializadas, ou por elas indicadas, a coleta de material para
fins de natureza científica. Nesse sentido, o art. 32 do chamado Código de Pesca,
também admite a concessão de licença especial a cientistas para essa finalidade.
Todavia, a concessão de licença especial não autoriza a prática de maus-
tratos, mesmo que por cientistas devidamente autorizados a praticar um
determinado experimento. Caso isto ocorra, estar-se-á cometendo um crime
ambiental.
Muito embora tenhamos a tipificação penal de diversos crimes que podem ser
praticados contra a fauna, a lei penal e a execução penal devem ser aperfeiçoadas
para uma fiscalização eficaz e o cumprimento adequado da Lei de Execução Penal,
sob pena de vermos em mais uma seara, a impunidade dos diversos crimes que são
cometidos aos seres vivos existentes na Terra.
No âmbito administrativo, a própria Lei de Crimes Ambientais também dispõe
sobre as sanções administrativas por danos causados ao meio ambiente.
É considerada infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que
viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio
ambiente.130
Essa mesma lei afirma que são autoridades competentes para lavrar auto de
infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos
ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA,
designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias
dos Portos, do Ministério da Marinha.131 Os órgãos do SISNAMA estão tipificados no
art. 6º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente).
Na esfera administrativa, no capítulo específico das sanções aplicáveis às
infrações cometidas contra a fauna, o infrator e causador de um determinado dano
ambiental poderá ser autuado administrativamente com multa pecuniária, além da
130
Art. 70 da Lei nº 9.605/1998, de 12 de fevereiro de 1998. 131
Art. 70, § 1º, da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
84
apreensão do produto ou subproduto originário da caça ou apanha (arts. 24 a 42, do
Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008).
As sanções administrativas aplicadas às condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente estão previstas no Decreto nº 6.514/2008. No âmbito da
administração, as modalidades de pena previstas são: multa administrativa,
advertência, apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna, instrumentos
e apetrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração,
destruição ou inutilização do produto, embargo de obra ou atividade, demolição de
obra, suspensão parcial ou total da atividade, restrição de direito, bem como
obrigação de fazer ou não fazer determinada atividade considerada prejudicial ao
meio ambiente.
85
4. CRUELDADE E MAUS-TRATOS COM OS ANIMAIS
4.1 Bem-Estar Animal e Direito Animal
Mohandas Karamchand Gandhi, popularmente conhecido como Gandhi, ou
Mahatma que significa a “grande alma” em sânscrito, foi um notável defensor do
princípio da não agressão como forma de protesto (satyagraha). Inúmeros foram
seus feitos e exemplos deixados à humanidade. Em relação à questão animal, assim
afirmou ao referir-se à característica de uma nação: “a grandeza de uma nação e
seu progresso moral pode ser julgado pelo modo como seus animais são tratados”.
Diante dessa afirmação, poderíamos atribuir a alguma nação a sua
grandiosidade em relação aos tratos com os animais?
O conceito de bem-estar animal expressa uma qualidade de vida que
assegure características inerentes à sua própria existência, tais como saúde física e
mental, felicidade e prazer. Na verdade, assegura uma perfeita harmonia no e com o
ambiente em que vive. Assim o é em relação aos humanos; assim deveria ser em
relação aos animais.
Dentro deste conceito de bem-estar animal, deve-se considerar um aspecto
extremamente significativo da homeostase, ou seja, o que ocorre no interior do
animal (estrutural e funcional) que é regulado em função do meio externo
(temperatura, som, ambiente, etc.), mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico
para se manterem constantes, evitando, assim, um desgaste muito grande do seu
metabolismo animal e, consequentemente, um sofrimento do animal.
Nesse entendimento, muito animais de laboratório sofrem um estresse
desnecessário por parte de pesquisadores que não estão atentos às exigências do
estado do bem-estar animal. Esses animais são tratados como se fossem “todos
iguais”, desconsiderando as suas necessidades individuais em favor do grupo,
vendo estes seres vivos apenas como uma visão antropocêntrica.
Os elementos que limitam o bem-estar animal, segundo MacArthur Clark, são:
(i) falta de boa saúde e da habilidade para agir normalmente; (ii) falta de elementos
86
no ambiente, que lhes permitam desenvolver seus comportamentos normais e
(iii) falta de atenção aos aspectos sensoriais e emocionais, que se traduzem em um
grau inferior de seu bem-estar.132
Os pesquisadores precisam eliminar essas circunstâncias que desequilibram
o bem-estar animal. Para tanto, devem ter conhecimento: (i) do comportamento (a
etologia é a ciência que estuda o comportamento animal) e da biologia do animal em
estudo; (ii) do manejo e das condições ambientais adequadas à espécie utilizada;
(iii) de como evitar dor e estresse e (iv) da consciência de estar utilizando um ser
com sensibilidade.133
Diferentemente do bem-estar animal, o direito animal pressupõe
características distintas, ou seja, o seu status ético e moral se iguala ao dos homens
para que, assim como eles, se beneficiem e possam usufruir os mesmos direitos e
prerrogativas atribuídas à natureza humana.
Essa distinção é muito bem colocada por David Favre:
Bem-estar animal tem como uma premissa inicial que homens têm uma ética, moral ou
religião que respalda uma obrigação de tratar animais bem, não infligir dor desnecessária
e sofrimento aos animais. Certamente essa premissa não está refletida completamente nas
leis atuais, e consideráveis mudanças deverão ocorrer para que esse padrão seja
alcançado. Direitos dos Animais têm uma premissa diferente: que animais são seres com
um status ético e moral como os seres humanos, logo eles não deveriam apenas ter
proteção do direito, (bem-estar) mas ser uma parte do sistema legal com seus próprios
direitos.134
Verifica-se, portanto, que a discussão acerca do direito animal é uma nova
etapa dos direitos fundamentais. É a valorização da vida em todas as suas formas.
Segundo Peter Singer,
132
RIVERA, Ekaterina A. B. Bem-estar na experimentação animal. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos
Santos; BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na
Pesquisa e no Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 76-77. 133
RIVERA, Ekaterina A. B. Op. cit. p. 76-77. 134
FAVRE, David. O ganho de força dos direitos dos animais. Apud SANTANA, Heron José de; SANTANA,
Luciano Rocha (coords.). Revista Brasileira de Direito Animal. Salvador. Ano 1, nº 1, 2006, p. 28.
87
A extensão do princípio básico da igualdade de um grupo para outro não implica que
devamos tratar os dois grupos exatamente da mesma maneira, ou que devamos conceder-
lhes exatamente os mesmos direitos. O que devemos fazer ou não depende da natureza
dos membros desses grupos. O princípio básico da igualdade não requer tratamento igual
ou idêntico, mas sim, igual consideração. A igual consideração por seres diferentes pode
levar a tratamentos e direitos distintos.135
O autor cita como exemplo o caso do aborto em que muitas feministas lutam
pelo direito da mulher de fazê-lo. Como o homem macho não pode, evidentemente,
abortar, não há sentido em se falar no seu direito de praticá-lo. Assim, pois, como os
animais não podem votar, também não faz sentido, em termos de direito, qualquer
afirmação nesse contexto. Portanto, a questão do princípio da igualdade de um
grupo não implica tratar os dois grupos exatamente da mesma maneira ou que
devamos conceder os mesmos direitos, mas, sim, ter a mesma consideração.
A igualdade, pois, é uma ideia moral e não a afirmação de um fato. A base
essencial da igualdade moral é de Jeremy Bentham136 ao afirmar que “cada um
conta como um e ninguém como mais de um”. Em outras palavras, os interesses de
um ser em uma determinada ação devem ser levados em conta e receber o mesmo
peso que o interesse semelhante de qualquer outro ser.137
A questão em pauta em relação aos direitos dos animais relaciona-se
diretamente com a capacidade que esses seres têm de poder sofrer. Portanto,
argumentar dizendo atribuir direitos aos animais é dar-lhes uma qualidade que é
135
SINGER, Peter. Libertação animal. São Paulo. Lugano Editora, 2004, p. 4. 136
Jeremy Bentham (1748-1832) foi um filósofo inglês adepto da escola filosófica da teleologia, que se preocupa
com as consequências de uma ação para sua avaliação moral. É considerado o pai do utilitarismo, uma vez que
foi o primeiro a usar essa expressão. A teoria utilitarista está em confronto com a visão cartesiana e tomista em
relação aos animais, visão prevalecente à época. Ela enfatiza as consequências de uma ação em detrimento dos
princípios e regras que guiam essas ações. Ou seja, uma ação é moralmente correta se suas consequências são
mais favoráveis do que desfavoráveis para todos os envolvidos.
Em contraposição à escola teleológica, existe a escola filosófica deontológica, a qual entende que o julgamento
sobre uma ação ser moralmente certa ou errada faz-se a partir da avaliação do cumprimento de regras
predeterminadas de conduta ou dever, não se preocupando prioritariamente com as consequências da ação, mas,
sim, enfatizando a ação em si. Um dos grandes filósofos adeptos dessa corrente foi Immanuel Kant (SANDERS,
Aline; FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos. A concepção dos deveres indiretos e diretos em relação aos
animais não humanos: Fundamentos para o entendimento de seu status moral. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves
dos Santos; BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na
Pesquisa e no Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 34-36). 137
SINGER, Peter. Op. cit. p. 6.
88
inerente apenas aos seres dotados de “racionalidade” e de “linguagem”, ou seja, aos
seres humanos, não seria compatível, pois não seria possível atribuir obrigações e
direitos a esses seres.
Muito embora a expressão “especismo” não seja de Peter Singer (2004), foi
ele quem, praticamente, levou-a ao conhecimento da comunidade científica,
delimitando-a como o preconceito ou a atitude tendenciosa de alguém a favor dos
interesses de membros de sua própria espécie contra os de outras.138
Todavia, Sônia T. Felipe explica de forma clara essa questão:
Ao reclamar ou reivindicar o direito de não ser maltratado, um direito negativo, o que um
sujeito ou seu representante moral e legal está a reivindicar, de fato, é uma espécie de
imunidade. Em outras palavras, reclama-se ou reivindica-se proteção para garantir a
própria liberdade de se manter íntegro, física e emocionalmente. Isso implica, para os
demais, um não-direito, ou seja, um dever negativo, uma restrição de sua própria
liberdade, da liberdade de tirar, através de atos de negligência (privação) ou de violência
(inflição), os meios e as condições que propiciam bem-estar físico ou emocional ao ser
sensível em questão.139
Não se imputam apenas direitos negativos aos animais; há ainda o
reconhecimento de direitos positivos, como o de receber todo o carinho e sustento
inerente a um bem-estar e uma sadia qualidade de vida a qualquer ser vivo, ou seja,
de prestar ajuda e assistência quando necessário.
4.2 Igualdade Semântica no Conceito de Crueldade ou Maus-Tratos
A Lei nº 6.938/1981, como referido anteriormente, instituiu a Política Nacional
do Meio Ambiente. Seu art. 3º, inciso I conceitua o meio ambiente como “o conjunto
de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
138
A expressão especismo é de Richard Ryder e encontra-se dicionarizada no The Oxford English Dictionary. 139
FELIPE, Sônia T. A ética e experimentação animal. Fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2007, p. 139.
89
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. O art. 2º por sua vez, inciso
I, considera o meio ambiente como “um patrimônio público a ser necessariamente
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”.
A Constituição Federal em seu art. 225, § 1º, inciso VII, preceitua que ao
Poder Público compete “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Desse modo, o texto constitucional, ao colocar sob proteção jurídica a fauna
em geral, não categorizou os animais, donde se deduz que o termo fauna inclui tanto
os animais silvestres, como os exóticos, os domésticos e domesticados e os
migratórios.
A fauna silvestre, sem desconsiderar as demais, tem merecido maiores
cuidados e preocupações, pois é a que contém as espécies mais ameaçadas de
extinção.
O art. 1º, da Lei nº 5.197/67, de 3 de janeiro de 1967, ao tratar da fauna diz
que: “os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento
e que vivem naturalmente fora do cativeiro, cativeiro, constituindo a fauna silvestre,
bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado,
sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. Já o § 3º,
do art. 29 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conceitua animal silvestre
como “todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer
outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida
ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou em águas jurisdicionais
brasileiras”.
Pode-se depreender da legislação, portanto, que, a característica primordial
para ser considerado um animal silvestre é ter a sua origem ou hábitat natural no
país, ou ainda ser espécie de rota migratória. São considerados como animais
silvestres aqueles não domesticados, que vivem livres no ambiente natural de
origem.
Por conseguinte, o animal doméstico é aquele cuja espécie já não se
encontra livremente na natureza e, sofreu ao longo do tempo, alterações genéticas
para atender necessidades do homem. Portanto, encontra-se adaptado ao convívio
90
humano, às habitações, à cidade e, que, por isso, torna-se quase que impossível a
sua sobrevivência sem a intervenção humana.140 O animal domesticado é o
selvagem que, após ser amestrado pelo homem, ao longo do tempo, passa a
conviver com este sem apresentar as mesmas características do apego
doméstico.141 Isso quer dizer que, mesmo que em uma determinada espécie haja
indivíduos sob o convívio humano, uma grande parcela da espécie mantêm-se sob
condições naturais e, em estado de vida livre, não perdendo o atributo de
silvestre.142 A característica de silvestre não se resume ao animal em si, mas, sim,
em relação à espécie animal, à sua origem ou hábitat.143 Já a fauna exótica é aquela
cuja espécie não é nativa do país. Por fim, a fauna migratória é aquela cuja espécie
vive uma parte da sua vida no país de origem e, por condições adversas do clima,
migra para outros países até que condições naturais determinem o seu retorno à
origem e, da mesma forma recebe este tratamento os animais que têm o país como
parte de sua rota migratória.144
Portanto, o art. 225, inciso VII, § 1º, da Constituição Brasileira, ao afirmar a
competência de “proteger a fauna e a flora”, assegura a defesa, a proteção e a
preservação de todos os animais e deixa expressa a proibição de qualquer prática
cruel com esses seres vivos.
Segundo Helita Barreira Custódio,145 considera-se crueldade com animais:
140
São exemplos desses animais: o cão, o gato, o cavalo, o boi, a cabra, o coelho, a galinha. 141
O chimpanzé e o elefante são exemplos de animais domesticados. 142
A diferença entre fauna doméstica e fauna domesticada reside basicamente na perda de suas características
biológicas e comportamentais, pois esses animais convivem pacificamente com o homem e dependem dele para
sua sobrevivência. Segundo aponta Laerte Fernando Levai, a fauna doméstica “é aquela constituída de espécies
que, através de processos tradicionais de manejo, passaram a ter características biológicas e comportamentais
com estreita dependência do homem, por exemplo, o cão, o gato, o cavalo, a vaca, o pato, o porco e a galinha.
Já a fauna domesticada é composta por animais silvestres, nativos ou exóticos, que, por circunstâncias
especiais, perderam seus habitats, na natureza e passaram a conviver pacificamente com o homem, dele
dependendo para sua sobrevivência, como acontece com alguns animais mantidos em circos ou zoológicos”.
(LEVAI, Laerte Fernando. Direitos dos animais. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2004, p.33-34). 143
Nesse sentido, MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 19ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 822. E também BECHARA, Erika Bechara. A Proteção da Fauna sob a Ótica
Constitucional, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 21. Veja-se, portanto, que o aprisionamento e a
reprodução em cativeiro de determinada espécie animal, seja em um zoológico (para a preservação da espécie,
estudos ou contribuição da educação ambiental), seja para o abate (como o jacaré ou a capivara), não lhes
retiram o atributo de animais silvestres. 144
A fauna migratória, por força de acordos internacionais (dos quais o Brasil é signatário), recebe, para fins de
proteção, o status de “fauna silvestre” quando em território brasileiro. Um exemplo é a andorinha-azul que nasce
nos EUA/Canadá e migra para o Brasil durante o inverno do hemisfério norte. 145
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Crueldade contra animais e proteção destes como relevante questão jurídico-
ambiental e constitucional. BENJAMIN, Antônio Herman V.; MILARÉ, Édis (coords.). Revista de Direito
Ambiental, ano 3, nº 10: São Paulo: RT, 1998, p. 66.
91
Toda ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou privados,
mediante matança cruel pela caça abusiva (profissional, amadorista, esportiva, recreativa
ou turística), por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental,
mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas,
mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas,
sociais, populares, esportivas como tiro ao voo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou
forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições
desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou
extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animais até a exaustão ou morte,
touradas, farra do boi ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos,
adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou
para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus tratos
contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores,
torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de
invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima
animal.
Assim sendo, por ato de crueldade entende-se aquele em que o agente,
dolosamente, se compraz em praticar o mal, em atormentar ou prejudicar a vítima,
submetendo-a a um ato duro, insensível, desumano, pungente e doloroso. Nesse
sentido, crueldade é sinônimo de desumanidade, de impiedade, de ferocidade.
Segundo o Dicionário HOUAISS da língua portuguesa, crueldade é:
“1. Característica do que é cruel. 2. Prazer em fazer o mal. 3. Severidade;
dureza”.146
Ela inclui, portanto, atrocidade injustificada, tortura, tirania, sevícias; é o
emprego de meios dolorosos; é maltratar, espancar. Em síntese, é infligir
sofrimentos desnecessários à vítima. Os atos de crueldade, especificamente em
relação aos animais, também podem decorrer de atos omissivos, como, por
exemplo, nas situações em que eles não são alimentados ou neles se mutilem
órgãos sem o uso de técnicas recomendadas e aprovadas pela autoridade
competente para lhe amenizar o sofrimento. Saliente-se que não se consideram atos
146
Dicionário HOUAISS da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, 2ª ed.
92
cruéis aqueles que se referem ao corte de pelos, de cauda (quando justificado) ou
de castração.
Ainda segundo Custódio,147 o conceito de maus-tratos equipara-se ao
conceito de crueldade e, que, seus efeitos são igualmente puníveis, evidenciando,
assim, termos e expressões equivalentes.
Segundo o citado dicionário, maus-tratos seria: “crime de submeter alguém a
castigo, trabalho excessivo e/ou alguma privação”.
O antigo Decreto nº 24.645/1934, de 10 de julho de 1934, que estabelecia
medidas de proteção animal, já havia ampliado a definição e o conceito de maus-
tratos, equiparando a atos cruéis. O inciso I, do art. 3º do referido Decreto
considerava maus-tratos como sendo o ato de “praticar ato de abuso ou crueldade
em qualquer animal”, e exemplificou em trinta incisos os atos considerados de maus-
tratos ou cruéis.
Já o artigo 136 do Código Penal tipifica maus-tratos como:
Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para
fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou
cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer
abusando de meios de correção ou disciplina.
Tem-se, portanto, que atos de crueldade no seu sentido mais amplo
abrangem também os atos de maus-tratos, quando manifestados na sua forma mais
perversa.
4.3 Casos Específicos de Crueldade com os Animais
Conforme analisada em páginas anteriores, a teoria mecanicista sustentada
no séc. XVI por René Descartes advogava que sendo os animais desprovidos de
147
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Op. cit., p. 68.
93
alma, seriam simples máquinas ou meros seres vivos mecânicos. Por essa razão,
eles seriam insensíveis a qualquer dor ou sofrimento que lhes fossem impostos,
porque as sensações residiriam na alma, elemento exclusivo do ser humano.
Essa teoria cartesiana também serviu de fundamento que justificou uma série
de maus-tratos e violências cometidas contra os animais, dando origem a costumes
que, por sinal, perduram até os dias atuais. Todavia, maus-tratos aos seres mais
fracos sempre foram uma constância ao longo da história da humanidade. Há uma
passagem interessante atribuída a Xenófanes de Cólofon, crente na transmigração
da alma, que assim descreveu em seus versos: “E uma vez, passando por um
cãozinho que espancavam, apiedou-se, dizem, e falou o seguinte: Para! Não batas
mais! Pois é a alma de um amigo, reconheci-a ao ouvir sua voz”.148
Como visto no item sobre o direito da natureza e biocentrismo, durante a
Idade Média, em um determinado momento da História, os animais passaram a ser
“sujeitos de direito” na relação processual pelos crimes que lhes eram impostos,
tendo sido ajuizado diversos processos – tanto na esfera civil como na esfera
criminal – em que eles eram colocados na qualidade de parte, em razão dos danos
materiais e dos supostos crimes que haviam cometidos.149
A condenação à pena de reclusão ou morte dos animais em igualdade com os
crimes praticados pelos homens representou, na Idade Média, a carga de
superstição que orientava o homem medieval ou servia como uma justificativa para
as “pragas”, cujas tragédias socioeconômicas exigiam uma resposta perante a
148
Os Pensadores. Pré-Socráticos. Livro IV. Editora Nova Cultural Ltda., 1999, p. 70. Xenófanes de Cólofon
(cerca de 570-528 a.C.) foi poeta, sábio e rapsodo, cantando seus poemas através da Grécia. Em oposição aos
filósofos de Mileto, só escreveu em verso. Fez-se famoso com os ataques aos poetas (Hesíodo e Homero) e aos
pensadores (Tales, Pitágoras e Epimênides). 149
Marco Antônio Azkoul esclarece a dúvida que paira sobre o curioso fato de os animais serem processados na
época medieval, uma vez que ainda não havia um fortalecimento e concepção de Estado. Segundo ele: “Sucede
que durante a Idade Média, por razões históricas, a autoridade jurisdicional era distribuída entre a Igreja
Católica, ente supranacional que predominava na época e que herdara a processualística romana, e os Feudos,
cujo direito era extremamente casuístico, salvo pouquíssimas exceções que tentavam aplicar alguns institutos do
Direito Romano adequando-o à realidade local. Assim, boa parte dos processos contra animais tramitavam nas
instâncias judiciais eclesiásticas, havendo, primeiro, uma fase pré-processual com a autoridade religiosa do
lugar, um padre, por exemplo, proferindo maldições contra os animais que causassem quaisquer danos materiais,
em casos que não haviam atentado direto à vida humana, pois estes implicavam em imediata prisão do animal.
Em seguida, era redigida uma petição ao juiz eclesiástico o qual oficiava o Promotor de Justiça para acompanhar
os autores da ação e nomeava um advogado dos réus. „Os animais eram citados e intimados a comparecer ao
tribunal e caso não comparecessem após a Terceira citação, eram condenados por revelia, sendo aplicada a pena
de expulsão, ao mesmo tempo em que o advogado dos animais recorria da decisão, fazendo as alegações que
entendesse pertinentes, cabendo ao Promotor de Justiça replicá-las, reafirmando a condenação (AZKOUL,
Marco Antônio. Crueldade contra os animais. SANTANA, Heron José de; SANTANA, Luciano Rocha
(coords.). Revista Brasileira de Direito Animal. Salvador. Ano 1, nº 1, 2006, p. 29-31).
94
população desesperada pela fome e miséria. Assim, as entidades detentoras do
poder tentavam processar e condenar os “causadores das pragas” como os ratos e
os insetos, tornando-os responsáveis pelas mazelas e desprezando outras variáveis
de cunho socioambiental em decorrência da atuação humana, como, por exemplo, o
esgotamento dos recursos naturais, as intempéries climáticas, a sujeira e a poluição
dos burgos.150
Isso foi nos idos tempos. Atualmente, os animais são considerados
irresponsáveis pelos seus próprios atos; os titulares de sua guarda151 respondem
pelos atos por estes causados.152
Inúmeros são os experimentos já realizados nas mais diversas áreas da
ciência moderna, principalmente no tocante à psicologia, à indústria farmacêutica e à
indústria de cosméticos. Com efeito, tais atividades utilizam de forma cruel os
animais em seus experimentos, muitas vezes completamente desnecessários e que
lhes infligem imensa e intensa dor física, sem levar em conta que também acarretam
uma perda de tempo e de gasto de quantias significativas.
Muitos destes experimentos consistem em choques, envenenamentos,
bombardeamento com radiações, utilização de produtos de cosméticos ou
farmacológicos que provocam diversas toxicidades que, posteriormente, resultam
em agonizantes períodos de sobrevivência.
Se o animal não é um mero instrumento de pesquisa, a ciência, por sua vez, é
necessária, sendo que o atual estágio do saber científico em muito é fruto da
utilização dos animais na experimentação. Todavia, isto não significa que a
sociedade deva permanecer ingênua, baseada na crença da “bondade da ciência”,
fazendo com que não nos importemos ou sequer tenhamos notícias dos
experimentos a serem realizados. Em contrapartida, quando um animal é morto a
150
SANTANA, Luciano Rocha; OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda responsável e dignidade dos animais. Apud
SANTANA, Heron José de; SANTANA, Luciano Rocha (coords.). Revista Brasileira de Direito Animal.
Salvador. Ano 1, nº 1, 2006, p. 78. 151
Adota-se aqui a expressão “guarda dos animais” ao invés de “posse dos animais”, tendo em vista que o termo
“posse” representa uma coisificação dos animais, algo completamente ultrapassado e retrógrado; ao passo que o
termo “guarda” significa a vigilância que tem por finalidade defender, proteger ou conservar um animal ou
alguma coisa. No mesmo sentido, SANTANA, Luciano Rocha e OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda responsável
e dignidade dos animais. Op. cit. p. 69. 152
Artigo 936 do Código Civil brasileiro: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado,
se não provar culpa da vítima ou força maior”.
95
“bel prazer”, a sociedade fica chocada e exige uma reprimenda por parte do poder
público.
Segundo Erika Bechara,153 a Constituição Federal permite, implicitamente, a
prática de determinadas atividades, ainda que consideradas cruéis, com o fim maior
da preservação da vida humana, cujas garantias são asseguradas por essa mesma
Constituição.
De fato, em casos da prevalência da vida humana em detrimento de uma vida
animal, buscar-se-á a valoração da vida humana. Entretanto, não se pode admitir
abusos como os casos em que animais de criadouros supostamente cometem atos
tidos como “cruéis” ou “selvagens”, como, por exemplo, o recente caso da baleia
orca que atacou sua tratadora, levando-a à morte. Alguns diretores daquele parque
cogitaram em exterminar a vida desse cetáceo pela “brutalidade” praticada. Outros
exemplos, como o caso de leões e elefantes que, ao fugirem dos circos e das
prisões em que estavam confinados, foram brutalmente assassinados na sua busca.
A vingança que exige a morte do animal não se justifica em nenhuma hipótese,
soando um tanto quanto absurda qualquer consideração a favor da vingança.
A crueldade com os animais compreende todo ato atentatório à sua
integridade físico-psíquica, sendo que a submissão do animal pode não ultrapassar
o absolutamente necessário. A Constituição Federal veda qualquer forma ou prática
que submetam os animais à crueldade.154 Assim também consta no citado art. 32 da
Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Em casos análogos, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou a favor dos
animais e declarou as crueldades que lhes eram praticadas. Um dos exemplos mais
notórios foi a proibição da “farra do boi”, no Estado de Santa Catarina. É de se
lamentar que os seus defensores ainda sustentem essa verdadeira brutalidade em
nome de uma pretensa atividade cultural.155
153
BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,
2003, p. 69. 154
Assim preceitua o inc. VII, § 1º, do art. 225 da Constituição Federal. 155
Supremo Tribunal Federal, RE nº 153.351-8-SC, rel. min. Francisco Rezek, j. 03.06.1997, p. 13.013.1998.
A Farra do Boi ocorre no Estado de Santa Catarina. Foram os açorianos que trouxeram por volta do séc. XVIII
essa prática cruel com os animais que lhe dão nome. Apesar da proibição pelo Supremo Tribunal Federal,
clandestinamente ainda ocorrem tais práticas. A Farra do Boi ocorria com mais frequência na Semana Santa;
ocorria também em datas comemorativas e festivas ou celebradas em ocasiões especiais. Antes do evento, o boi é
confinado por diversos dias sem alimento disponível. Para aumentar o desespero do animal, comida e água são
colocados num local onde o boi possa ver, mas não possa alcançar. A “Farra” começa quando o boi é solto e
96
Não se trata, evidentemente, de um evento cultural. Ao contrário, representa
um verdadeiro desrespeito com as demais formas de vida, uma prática violenta e
cruel. Como brilhantemente afirmado pelo advogado em prol da defesa dos animais,
no julgamento da “farra do boi”, “manifestações culturais são as práticas existentes
em outras partes do país, que também envolvem bois submetidos à farra do público,
mas de pano, de madeira, de „papier máché‟; não seres vivos, dotados de
sensibilidade e preservados pela Constituição da República contra esse gênero de
comportamento”. Um exemplo de manifestação cultural é a festa do boi bumba, no
Estado do Amazonas, em que o Caprichoso é representado pela cor azul e o
Garantido, pela cor vermelha. Em três dias de festa, milhares de pessoas de todas
as classes sociais reunidas, descobrirão qual agremiação homenageará o seu
respectivo boi de maneira mais criativa e bela.156
Outra modalidade “de lazer” ainda muito realizada na clandestinidade são as
rinhas de galos. Lamentavelmente, alguns Estados brasileiros promulgaram leis
estaduais, em frontal violação da Constituição Federal, na vã tentativa de legalizar e
permitir essa prática extremamente cruel. Todavia, o Supremo Tribunal Federal
determinou liminarmente a proibição dessa atividade até o julgamento em definitivo
da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade.157
perseguido pelos “farristas”, que carregam pedaços de pau, facas, lanças de bambu, cordas, chicotes e pedras. No
desespero de fugir, esses animais correm em direção ao mar, lagos e rios e acabam se afogando. Fontes da
WSPA-Brazil (World Society for Protection of Animals) relatam ter visto o gado sendo torturado de diversas
maneiras: animais banhados em gasolina e depois incendiados, pimenta jogada em seus olhos que, geralmente,
são arrancados. Participantes quebram os cornos e patas do animal e cortam seus rabos. Os bois podem ser
esfaqueados e espancados, mas há um certo “cuidado” para que o animal permaneça vivo até o final da
“brincadeira”. Essa tortura pode continuar por três dias ou mais. Finalmente o boi é morto e a carne é dividida
entre os participantes.
Aqueles que ainda defendem tal prática sustentam que é um ritual simbólico, uma encenação da Paixão de
Cristo, onde o boi representaria Judas; outros acreditam que o animal representa Satanás e, torturando o Diabo,
as pessoas estariam se livrando dos pecados. Mas hoje em dia o evento não tem nenhuma conotação religiosa.
Para as pessoas que moram na área litorânea, onde a barbárie acontece, a farra do boi é apenas uma oportunidade
para se fazer uma festa e se ganhar algum dinheiro extra, pois alguns moradores aproveitam para vender bebidas
e petiscos para os participantes (Disponível em: http://www.farradoboi.info/o_que_e.shtml. Acessado em11 de
fevereiro de 2011). 156
Nesse sentido também, ROCCO. Bruno Aurélio Giacomini. Algumas considerações sobre o convívio entre o
homem e os animais. Revista de Direitos Difusos, ano II, vol. 11, São Paulo: Editora Esplanada-ADCOAS, 2002,
p. 1.422-1.424. 157
Supremo Tribunal Federal, ADI nº 1.856 MC-RJ, rel. min. Carlos Velloso, j. 03.09.1998, p. 22.09.2000.
A rinha de galos é uma luta entre galos que envolve apostas entre os seus participantes. Era uma atividade
popular na Índia, China e Pérsia e foi introduzida na Grécia, tendo sido adotada pelos romanos e praticada por
outras civilizações posteriores. No Brasil, o presidente Jânio Quadros editou o Decreto nº 50.620, de 18 de maio
de 1961, que proibiu expressamente a rinha de galo. Todavia, no ano seguinte, Tancredo Neves, através do
Decreto nº 1.233, de 22 de junho de 1962, revogou o Decreto, deixando de existir qualquer proibição expressa
com as brigas de galo.
97
Edna Cardozo Dias158 nos traz dois exemplos recentes do intento de legalizar
a rinha de galos e as brigas de canários. O primeiro se refere ao município de
Salvador que aprovou a Lei Municipal nº 4.149/1990, que permitia a realização de
brigas de galo naquele município, mesmo em afronta ao artigo 214, inc. VII, da
Constituição do Estado da Bahia.159 A Liga de Prevenção da Crueldade contra o
Animal dirigiu uma representação ao Procurador Geral de Justiça, que ajuizou uma
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça da Bahia,
que julgou procedente a ação para declarar inconstitucional a Lei Municipal
nº 4.149/1990.160
O segundo exemplo se refere à sanção pelo governador do Estado do Rio de
Janeiro, da Lei nº 2.895, de 20 de março de 1998, autorizando a criação e a
realização de exposição e competições entre aves combatentes (galos e canários)
no seu Estado. Foi encaminhada uma representação ao Procurador Geral da
República, para propositura de uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. No
dia 26 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação
Direta de Inconstitucionalidade e julgou inconstitucional a Lei nº 2.895, de 20 de
março de 1998.161
Tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 4.548, de 26 de maio de 1998,
de autoria do deputado federal José Thomaz Nonô (DEM/AL),162 por meio da qual se
pretende a exclusão das sanções penais às práticas de atividades com animais
domésticos ou domesticados. Em suma, na prática, o que se pretende é um
verdadeiro retrocesso na legislação e na proteção ambiental, uma vez que a
justificativa para tal feito é o suposto “respeito” a tradições culturais e religiosas. Seu
resultado, porém, será a legalização de práticas e divertimentos cruéis com diversos O Estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei nº 2.895, de 20 de março de 1998, por meio da qual autorizava e
disciplinava a realização de competições entre galos combatentes. No dia 3 de setembro de 1998, o Supremo
Tribunal Federal julgou procedente a medida cautelar proposta pela Procuradoria Geral da República para
suspender até o final do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade que ainda não foi julgada (ADI nº
1.856 MC-RJ). 158
DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 184-198. 159
Art. 214- “O Estado e Municípios obrigam-se, através de seus órgãos da administração direta e indireta, a:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, em especial as espécies ameaçadas de extinção, fiscalizando a extração, captura,
produção, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem sua extinção ou submetam os animais à
crueldade”. 160
TJ-BA, Tribunal Pleno, Adin nº 880-8, rel. des. Jatahy Fonseca, j. 12.06.1992. 161
STF, ADIn nº 1856, rel. min. Celso de Mello, j. 26.05.2011, p. 03.06.2011. 162
Atualmente o deputado federal exerce o cargo de vice-governador de Alagoas pelo partido DEM/AL. Quando
da propositura do citado projeto de lei, o deputado era membro do partido pelo PSDB/AL.
98
animais, como a “farra do boi” e a rinha de galos. No dia 7 de março de 2001,
lamentavelmente, o citado Projeto de Lei recebeu parecer favorável da Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC e foi aprovado por essa comissão no
dia 12 de novembro de 2008. No dia 4 de julho de 2011, esse Projeto foi retirado de
pauta de votação, pairando ainda dúvidas sobre o seu futuro.163
Muitos são os exemplos de maus-tratos aos animais no chamado
agronegócio. Como exemplo, podemos citar as gaiolas de bateria para as galinhas
poedeiras, as caixas para vitelos que os impedem de se levantar ou esticar os
membros, o confinamento de animais e a rápida alimentação para a engorda, além
da mutilação dos bicos de galinhas de criação etc.
A criação em escala industrial liquidou os modos tradicionais dos pequenos
proprietários, ou melhor, esses produtores foram engolidos pelo agronegócio. Esse
sistema de criação reduziu o animal a uma máquina, criando uma situação em que o
dinheiro transforma qualquer trabalho em mero valor comercial.
No dia 27 de julho de 2011, os integrantes do Órgão Especial do Colégio de
Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo,
considerando o elevado número de ocorrências envolvendo abusos, maus-tratos,
ferimento e mutilação de animais, inclusive em ambiente urbano e doméstico,
aprovaram a criação do Grupo Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de
Parcelamento do Solo Urbano (GECAP), que terá como uma de suas atribuições a
“Defesa dos Animais”, em especial, domésticos ou domesticados, como também
silvestres, nativos ou exóticos. O ato normativo nº 704/2011-PGJ-CPJ, de 28 de
julho 2011, editado pelo Procurador-Geral de Justiça e Colégio de Procuradores de
Justiça, disciplinou a implantação do GECAP, dispondo sobre a sua missão
institucional, atribuições, composição e organização.164
A criação de um Grupo Especial é o primeiro passo para a criação de uma
Promotoria de Defesa Animal. Muito embora o Grupo Especial de Combate aos
Crimes Ambientais e de Parcelamento do Solo Urbano, aprovado pelo Órgão
Ministerial, vise ao combate também de outros crimes ambientais, constitui
indubitavelmente um grande avanço na defesa dos animais, na medida em que, pela
163
Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20954.
Acessado em 30 de julho de 2011. 164
Disponível: http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=1&subsecao=0. Acessado em 31 de julho
de 2011.
99
primeira vez, no Estado de São Paulo, um organismo centralizará ações contra
todas as formas de criminalidade envolvendo cães, gatos, cavalos etc.
A crueldade com os animais não é vista na perspectiva do não humano; é
vista, isso sim, e tão somente pelo lado sentimental dos humanos que consideram a
crueldade apenas uma ofensa a moral e aos bons costumes.
Nesse sentido, cabe uma questão: os maus-tratos e as crueldades com os
animais atingem a coletividade ou somente os próprios sujeitos ofendidos? A nosso
ver, a violência contra os animais, além de representar um ato cruel contra a
coletividade, representa, sim, uma violência às vítimas dessa prática,
independentemente de nossos sentimentos subjetivos.165
Não é escopo do presente trabalho analisar em detalhes as diversas
crueldades que existem com os animais. Mesmo assim, porém, é necessária uma
breve menção às barbáries que são cometidas, em alguns casos com o fim de
diversão e até mesmo como um traço cultural, supondo-se que ainda existam tais
objetivos.
Ademais, cumpre ressaltar ainda que em alguns casos, como na alimentação
e no vestuário, por exemplo, ainda se faz necessária a utilização desses seres, pela
própria cultura do homem, que, desde os primórdios, sentiram a necessidade em
caçá-los e a utilizá-los como vestimentas para a sua própria sobrevivência. Não é
legal ou mesmo de natureza moral que se utilize de animais silvestres para isto,
conforme estabelece a Lei nº 9.605/1998. Outras questões, como a utilização em
experimentos científicos, ainda são suportáveis e justificáveis para um maior avanço
do conhecimento de certas enfermidades, dentre as quais se justificam para um bem
comum, seja em prol do homem, seja em prol dos próprios animais. Evidente,
porém, que toda sua utilização somente se justiça com base nos preceitos éticos e
legais existentes, conforme estabelecem o Conselho Federal de Medicina
Veterinária, o Conselho Federal de Biologia e a legislação sobre Bioética.
165
Muito embora a doutrina entenda que, nesses casos, as vitimas de crueldade são a coletividade e não os
animais tratados com crueldade.
100
4.3.1 Abate animal
Na cultura israelita, alguns animais são considerados “puros” e permitidos
para alimentação humana, tais como bovinos, ovinos, cervos, caprinos e animais
que possam voar.166 Outros animais são tidos como “impuros” e proibidos como
alimentos; são os porcos, os camelos, os cavalos e os gatos. Como é proibido
alimentar-se do sangue desses quadrúpedes e de algumas aves – pois o sangue é
considerado a morada da vida – esses animais devem ser abatidos exclusivamente
segundo regras determinadas. São regras que impõem, entre outras coisas, o corte
completo do esôfago e da traqueia por meio de uma faca afiadíssima, de maneira
que rapidamente seja derramado, o máximo possível de sangue.167
O ritual e o método para aplicar tais regras chamam-se kosher, também
chamado, por muitos veterinários, como “jugulação” ou “degola cruenta”. O
posicionamento cultural e religioso de muitos judeus em relação à obediência a esse
ritual contraria os laudos técnicos que afirmam que este método causa extremo
sofrimento ao animal a ser abatido.168
Na religião islâmica, o abate animal para consumo (halal) segue praticamente
o mesmo caminho do método kosher. Em regra, é vedado o consumo de carne de
animais já mortos, de sangue, de carne suína e de carne sobre a qual não foi
pronunciado o nome de Deus.169
166
Nem todos os animais que voam são considerados puros. Identificá-los nem sempre é uma tarefa simples. 167
LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais. Fundamentação e Novas Perspectivas. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 116. 168
Segundo Roberto de Oliveira Roça, “para a realização da degola, o animal é encaminhado ao boxe de abate,
o qual tem as patas traseiras presas em uma corrente de roldana que está suspensa por um guincho. O animal é
então baixado até seu dorso tocar o solo, mantendo seu posterior suspenso. Essa suspensão do animal de
grande porte, por si só, já acarreta o rompimento da musculatura, ocasionando muito sofrimento e estresse ao
animal. Um gancho, na forma de “V” é colocado sobre a mandíbula e o pescoço é tensionado. O “sochet”
apoia uma das mãos sobre o pescoço do animal e, através de um movimento realizado com a “chalaf”, corta
entre o primeiro e o segundo anel da traqueia, a pele, veias jugulares, artérias, carótidas, esôfago e traqueia,
não podendo encostar o fio da faca nas vértebras cervicais. A incisão deve ser executada sem interrupção, sem
movimentos bruscos, sem perfuração, sem dilacerações nem sobre a laringe. Após a incisão, o animal é
suspenso ao trilho, seguindo para o término da sangria e esfola (Picchi, 1996; Picchi & Ajzental, 1993). Nos
momentos após a degola e suspensão, os animais abatidos por este ritual apresentam flexão dos membros
anteriores e contração dos músculos da face, sinais evidentes de dor” (LOURENÇO, Daniel Braga. Op. cit. p.
117-118). 169
“Estão-vos vedados: a carniça, o sangue, a carne de suíno e tudo o que tenha sido sacrificado com a
invocação de outro nome que não seja o de Deus; os animais estrangulados, os vitimados a golpes, os mortos
por causa de uma queda, ou chifrados, os abatidos por feras, salvo se conseguirdes sacrificá-los ritualmente; o
(animal) que tenha sido sacrificado nos altares” (5ª surata, versículo 3).
101
O Estado de São Paulo, por meio da Lei Estadual nº 7.705, de 19 de fevereiro
de 1992 – a chamada Lei do Abate Humanitário – estabeleceu algumas regras na
tentativa de minimizar a dor e sofrimento dos animais a serem abatidos para fins de
consumo. Por meio dessa lei, ficou proibido o uso de marreta e da picada do bulbo
(choupa), bem como ferir ou mutilar os animais antes da insensibilização. O
documento legal beneficiou o abate animal ao instituir “o emprego de métodos
científicos e modernos de insensibilização aplicados antes da sangria por
instrumento de percussão mecânica, por processamento químico („gás CO2‟),
choque elétrico (eletronarcose), ou ainda, por outros métodos modernos que
impeçam o abate cruel de qualquer tipo de animal destinado ao consumo”.170
Essa lei teve o grande mérito de instituir a prévia insensibilização na ocasião
do abate por métodos mais aperfeiçoados. Todavia, foi revogada pela Lei Estadual
nº 10.470, de 20 de dezembro de 1999, que alterou o § 1º, do art. 1º daquela lei, ao
permitir o abate por métodos de caráter religioso, passando a vigorar com a seguinte
redação:
Artigo 1º- É obrigatório em todos os matadouros, matadouros - frigoríficos e abatedouros,
estabelecidos no Estado de São Paulo, o emprego de métodos científicos e modernos de
insensibilização aplicados antes da sangria por instrumento de percussão mecânica, por
processamento químico ("gás CO2"), choque elétrico (eletronarcose), ou ainda, por outros
métodos modernos que impeçam o abate cruel de qualquer tipo de animal destinado ao
consumo, com exceção dos abates regidos por preceitos religiosos (jugulação cruenta),
direcionados ao consumo pelas comunidades a que se destinam, mediante solicitação dos
matadouros, matadouros-frigoríficos ou abatedouros aos órgãos oficiais, sem prejuízo da
observância ao que dispõem os artigos 6º, 7º e 8º da presente lei.
§ 1º- É vedado o uso de marreta e da picada do bulbo (choupa), bem como ferir ou
mutilar os animais antes da insensibilização, com exceção dos abates regidos por
preceitos religiosos e direcionados ao consumo pelas comunidades a que se destinam,
desde que as atividades de insensibilização e abate sejam previamente normatizadas
quanto às formas e efetuadas por profissionais competentes para o exercício da função,
devidamente credenciados pelas entidades oficiais e religiosas específicas.
170
Art. 1º da Lei 7.705/1992. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto nº 39.972, de 17 de fevereiro de 1995.
102
Portanto, lamentavelmente, a Lei nº 10.470/1999 permitiu a prática no Estado
de São Paulo do método kosher e halal, utilizados pelas culturas judaica e
muçulmana, respectivamente. Como esses abates são realizados sem a
insensibilização prévia do animal, a sangria passou a ser feita com o animal
consciente que, como visto, provoca-lhe uma morte sofrida.
Outras religiões, como o candomblé, possuem como ritual religioso o
sacrifício ou a oferenda de animais para as divindades, no caso, os orixás. Para
essa cerimônia, em regra, são utilizados: bois, bodes, galinhas, patos, pombos,
bodes e carneiros.
Nesse cenário, uma questão pertinente: estaria o abate religioso coberto pela
Constituição Federal (art. 225, § 1º, inc. VII) e pela Lei dos Crimes Ambientais
(art. 32, da Lei 9.605/1998)?
Cumpre destacar que o presente trabalho não se presta a propor a extinção
do abate de animais e tampouco regular a ingestão de carnes por parte da
população; não se presta de igual modo a desmerecer questões religiosas atinentes
a qualquer crença. A proposta é prezar as melhores condições desses animais no
momento do abate.
Nesse sentido, a liberdade de culto não deve ser absoluta, sendo restrita em
relação à liberdade de crença, que é absoluta e ilimitada. Portanto, ao indivíduo é
permitido acreditar em tudo que lhe aprouver, mas não pode aplicar no plano físico a
liberdade ampla de culto quando houver conflitos com outros valores, em relação a
normas protetoras que se contrapõem à barbárie. Nesse caso, o Estado não
somente pode como também deve intervir no campo da liberdade de culto. Na
verdade, o indivíduo não pode matar ou provocar sofrimento em nome do exercício
da liberdade de sua crença.171
Ademais, o abate religioso submete inequivocadamente os animais a uma
crueldade ainda maior que causada no abate humanitário.
A título de curiosidade, vale repetir que, no dia 28 de junho de 2011, o
parlamento holandês aprovou uma lei proibindo o sacrifício de animais em rituais
religiosos, apesar da oposição dos partidos cristãos e das organizações
171
Nesse sentido também: LEVAI, Laerte Fernando. Direitos dos animais. Campos do Jordão: Editora
Mantiqueira, 2004, p.87 e LOURENÇO, Daniel Braga. Op. cit. p. 124.
103
muçulmanas e judaicas. Com a aprovação dessa lei, a Holanda se juntou a Suécia,
Noruega, Áustria, Estônia e Suíça, países que possuem leis proibindo tais
práticas.172
Mesmo o processo de matança sem fins religiosos, mediante a sensibilização
e o atordoamento do animal, ainda assim está longe de receber o qualificativo de
“abate humanitário”, uma vez que os animais são postos em boxes de contenção –
os chamados “corredores da morte” – e conduzidos por meio de estímulos elétricos
para o abate. Durante esse percurso, os gritos e a vocalização de outros animais
próximos ao abate, e o odor do sangue impregnado no local, aterrorizam aqueles
que se encontram nessa “fila indiana”, pois eles tentam a todo custo retornar ao local
de origem em sua caminhada forçada. As pupilas dilatadas dos animais abatidos
são um sinal convincente da sua sensação de pânico e de sofrimento.
No caso do abate bovino, além das situações acima mencionadas, a situação
ainda se agrava. Com efeito, usa-se percussão mecânica, ou seja, uma pistola que
impulsiona um êmbolo metálico que perfura o crânio e atinge o cérebro do animal.
Quando bem aplicado, consegue derrubá-lo com o único golpe. Todavia, o coma
cerebral não mata o animal antes da sangria. Frequentemente, o magarefe erra o
alvo e o animal abatido fica suscetível a dores e sofrimentos durante a sangria.
Em relação ao abate de suínos, a prática utilizada são as chamadas “salas de
choques”. Nesse espaço, os animais são submetidos a eletronarcose coletiva. Os
suínos são muito conhecidos pelos gritos e grunhidos que emitem naturalmente. Em
uma situação de abate, os gritos e gemidos de dor são agravados pela presença de
outros animais que já passaram pelo “corredor da morte”.
Assim como no caso do abate bovino, o magarefe nem sempre aplica
corretamente a eletronarcose nos suínos a serem abatidos; essa falha faz com que
os porcos apenas fiquem atordoados no momento da sangria.
Muitas vezes, nem sempre os estímulos elétricos aplicados no crânio são
suficientes ou mesmo realizados de modo adequado; é um transtorno que faz com
que muitos animais sejam escaldados (para retirada dos pelos) e esfaqueados ainda
172
Disponível em:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticia/HOLANDA+APROVA+LEI+QUE+PROIBE+SACRIFICIO+D
E+ANIMAIS+EM+RITUAIS_13102.shtml. Acessado em 29 de junho de 2011.
104
vivos, contribuindo para maior sofrimento deles e de outros que ainda estão por
passar pelo mesmo método de abate.
Em relação aos ovinos, o processo de matança segue praticamente o mesmo
rito dos suínos, ou seja, a eletronarcose. Todavia, a diferença reside na retirada do
couro do animal para o seu aproveitamento no mercado de peles.
Já no caso das aves, o método de insensibilização também é feito mediante
descargas elétricas. Entretanto, a eletronarcose, nesse caso, é feita com a imersão
das aves em água com corrente elétrica, causando-lhes um choque. Após a sangria,
são levadas à escalda para afrouxar e facilitar a retirada das penas.
Em todos os casos de abate animal, o método de insensibilização por gás é
muito pouco utilizado, tendo em vista que representa um custo maior para as
empresas do ramo. Os processos de pistola e de descargas elétricas são os mais
comuns e mais utilizados.
Acrescente-se ainda que os sofrimentos desses animais não residem única e
exclusivamente no momento do abate; eles ainda sofrem maus-tratos desde a sua
prévia alimentação até o caminho dos abatedouros, onde muitos criadores deixam
de alimentá-los um dia antes de serem mortos, porque, segundo sua linha de
raciocínio, estariam economizando um dia de alimentação com animais que logo irão
morrer.
Por fim, após muitos deles serem privados de uma alimentação digna de
qualquer ser vivo, são transportados para os frigoríficos de modo precário porque
viajam pelas longas estradas do país, confinados com diversos outros animais, sem
descanso e sem alimentação, ocasionando a mutilação de muitos deles durante o
transporte. Também vivem em precárias condições climáticas, quando, em muitos
casos, podem ser mortos por asfixia devido ao calor excessivo ou à desidratação
ocasionada pelo calor. Isso acontece principalmente quando as aves são
transportadas para o abatedouro.
O Ministério da Agricultura e do Abastecimento aprovou a Instrução
Normativa nº 3, de 17 de janeiro de 2000, por meio da qual padroniza os métodos de
insensibilização para o chamado abate humanitário,173 estabelecendo os requisitos
173
Abate humanitário é o conjunto de diretrizes técnicas e científicas que garantam o bem-estar dos animais
desde a recepção até a operação de sangria.
105
mínimos para a proteção dos animais de açougue (bovinos, equinos, suínos, ovinos,
caprinos e coelhos), bem como os animais silvestres criados em cativeiros, a fim de
evitar a dor e o sofrimento.
Essa Instrução Normativa tem como âmbito de aplicação todos os
estabelecimentos industriais que realizam o abate dos animais de açougue, impondo
diversos requisitos para minimizar o sofrimento do animal a ser abatido.
No Estado de São Paulo, a Lei nº 11.977, de 25 de agosto de 2005, que
instituiu o Código de Proteção aos Animais do Estado, proíbe conservar animais
embarcados por mais de seis horas sem água e alimento. Nesse caso, devem as
empresas de transporte providenciar as necessárias modificações em seu material,
veículos e equipamentos (art. 16, inc. II). Proíbe também transportar animais em
cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e
números de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados
esteja protegido por rede metálica ou similar, que impeça a saída de qualquer parte
do corpo do animal (art. 16, inc. IV).
Verifica-se, portanto, que a legislação deve ser mais bem elaborada e
aplicada, para proporcionar um abate tido como humanitário, incluindo as melhores
técnicas existentes no mercado. Não só, como ainda deve haver um melhor
treinamento e um preparo psicologicamente adequado dos profissionais que lidam
com estes animais – tanto os profissionais de criadouro e tratamento, como os dos
frigoríficos e abatedouros – para melhor compreenderem e minimizarem ao máximo
o sofrimento dos animais.
4.3.2 Galinhas poedeiras e Frangos de corte
A galinha é considerada um dos primeiros animais a serem removidos das
condições relativamente naturais da fazenda tradicional para as atuais técnicas
padronizadas de produção em massa para a obtenção de carne e ovos. O frango é
um grande sucesso da história da zootecnia. Segundo Peter Singer, somente nos
Estados Unidos são abatidos aproximadamente 5 bilhões desses animais por ano ou
o equivalente a 102 milhões por semana.
106
O produtor recebe lotes contendo dez mil a cinquenta mil pintinhos em um
único dia. Esses animais recém-nascidos são colocados em um galinheiro sem
janelas ou em gaiolas empilhadas, visando a criação de um número maior de aves
em um mesmo espaço.
A alimentação e iluminação são controladas para que cresçam de forma
rápida. Singer afirma que:
A iluminação é ajustada de acordo com os conselhos dos pesquisadores: por exemplo,
deve haver luz bem clara, vinte e quatro horas por dia na primeira e segunda semanas,
para estimular os frangos a ganhar peso rapidamente; então, as luzes são diminuídas um
pouco e ligadas e desligadas a cada duas horas, pois acredita-se que os frangos, após um
período de sono, estejam prontos para comer; finalmente, por volta da sexta semana,
quando as aves tiverem crescido tanto que o espaço começa a ficar apertado, chega o
ponto em que as luzes serão mantidas bem fraquinhas, o tempo todo. O objetivo dessas
luzes fracas é reduzir a agressividade causada pela superlotação.174
Os frangos de corte são mortos quando atingem sete semanas de idade, ao
passo que a expectativa de vida de um animal criado naturalmente em uma fazenda
tradicional pode chegar até os sete anos de vida.
Esses animais de aproximadamente dois quilos chegam a ficar confinados em
um espaço de aproximadamente 450 centímetros quadrados por ave, o mesmo que
a dimensão de uma folha de papel ofício. É muito comum nessas condições, o
estresse provocado pela superlotação, motivo pelo qual os animais acabam bicando-
se uns aos outros, inclusive se matando e até praticando o canibalismo, algo que
jamais ocorreria na natureza, uma vez que a agressividade não é da índole desses
animais, muito embora haja um respeito e hierarquia entre eles.
Tanto nos animais para abate, quanto nos animais de cria para ovos, é
comum a prática da “debicagem”. Singer nos diz que essa prática foi realizada pela
primeira vez em San Diego, na década de 1940, com um maçarico:
174
Op. cit. p. 112-113.
107
O criador queimava a parte superior do bico das galinhas para que elas não pudessem
bicar as penas umas das outras. Essa técnica rudimentar foi logo substituída pela
aplicação de um ferro de soldar adaptado à função e hoje se preferem instrumentos
semelhantes à guilhotina, com lâminas incandescentes, especialmente projetadas para
isso. O bico do pintinho é inserido no instrumento e a lâmina incandescente corta-lhe a
ponta. O procedimento é realizado muito rapidamente: cerca de quinze pintinhos são
debicados por minuto. Essa pressa significa que a temperatura e afiação da lâmina podem
variar, resultando em cortes malfeitos e graves ferimentos nas aves.175
O processo de “debicagem”, de fato reduz os danos que uma galinha pode
ocasionar às outras. Todavia, isso poderia ser reduzido caso não houvesse o
estresse do animal decorrente de uma superpopulação dos atuais métodos de
criação. Porém, a “debicagem” produz danos nos animais, uma vez que comem
menos e perdem peso, sendo um sinal de que esse processo provoque dor.
Pesquisadores do Conselho de Pesquisa Agrícola e Alimentar britânico (British
Agricultural and Food Research Council) examinaram os tocos dos bicos das aves
debicadas e descobriram que os nervos danificados cresciam novamente, formando
uma massa de fibras nervosas entrelaçadas, chamada neuroma. Estes neuromas
provocam dor aguda e crônica no toco que restam em seres humanos que sofrem
amputação, o que também pode ocorrer nesses animais.176
Além da “debicagem”, as galinhas ainda sofrem pelo sufocamento no
criadouro, fenômeno conhecido como “empilhamento”. O atual método de criação –
com luz intensa e com o convívio de milhares de animais – faz com que eles fiquem
agitados e nervosos, ocasionando situações de pânico. Com isso, elas correm para
um canto do aviário e empilham-se umas sobre as outras, asfixiando uma enorme
quantidade de galinhas.
Além disso, esses animais ainda estão sujeitos a doenças, decorrentes da má
ventilação; dos excrementos desses animais, o que torna o ar com uma enorme
quantidade de amoníaco; e das bactérias que afetam os seus pulmões.
Por fim, o processo de transporte para os frigoríficos não são muito diferentes.
Esses animais são encaixotados com milhares de outros e são empilhados na
175
Op. cit. p. 115. 176
SINGER, Peter. Op. cit. p. 116. E ainda: ROSA, Instituto Nina. Não Matarás. Os Animais e os Bastidores da
Ciência. DVD. 65 min.
108
carroceria de caminhões que trafegam por horas e horas sem que esses recebam
água ou alimentos.
As galinhas poedeiras sofrem o mesmo processo de “debicagem”. Porém,
existem algumas peculiaridades na sua criação que as diferem dos maus-tratos
realizados aos frangos para abate. Ao nascer os pintinhos são separados de sua
mãe e os machos são descartados nos lixos ou moídos para servirem de ração, pois
não possuem valor comercial.
As fêmeas são colocadas em gaiolas de baterias ou baterias de gaiolas.
Nesse pequeno espaço, cerca de 40 a 45 centímetros, são criadas até cinco aves
por gaiola.177
A criação desses animais nessas gaiolas dificultam com que eles possam
ficar em pé, muitas vezes, danificando suas patas. O crescimento das garras,
frequentemente, entrelaçam-se nos arames. Esse método se “justifica”, na visão dos
criadores, por uma única razão, facilita a passagem dos excrementos e o seu
acúmulo para posterior limpeza. Inúmeros animais são mutilados, seja pelas brigas
constantes entre os animais, seja pela raspagem do pelo nas gaiolas ou mortos pelo
confinamento.178
4.3.3 Zoológico
Os Jardins Zoológicos destinam-se a atender a finalidades culturais, sociais e
científicas; abrigam diversas espécies nativas ou exóticas, visando o intercâmbio de
informações para pesquisas e estudos. Além disso, têm o intuito de contribuir para o
desenvolvimento da educação ambiental e para a conservação de espécies
ameaçadas de extinção, as quais, hoje, praticamente só existem em cativeiro, onde
algumas vezes a reprodução ocorre com razoável sucesso.
Um exemplo notável de recuperação ocorreu com o mico-leão-dourado ou
sauim piranga, que se multiplicou em zoológicos norte-americanos e foram
177
SINGER, Peter. Op. cit. p. 122-135. 178
ROSA, Instituto Nina. Não Matarás. Os Animais e os Bastidores da Ciência. DVD. 65 min.
109
transladados para o Brasil. Sob a gestão de biólogos brasileiros, têm repovoado a
Mata Atlântica. Os Jardins Zoológicos constituem coleções de animais silvestres
mantidos vivos em cativeiro ou em semiliberdade e expostos à visitação pública. São
considerados como Unidades de Conservação instituídas pela Resolução CONAMA
nº 011/1987.
As peculiaridades e objetivos altamente nobres e também as rígidas
exigências de ordem legal dos zoológicos fazem deles um espaço onde dificilmente
existam maus-tratos. Mesmo assim, o seu funcionamento depende de prévia
autorização do Poder Público Federal, conforme disciplina o art. 2º da Lei nº 7.173,
de 14 de dezembro de 1983. Precisam ainda ser registrados no Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA,179 sendo
considerado crime ambiental a sua utilização sem a devida autorização das
autoridades competentes, de acordo com o art. 29, § 1º, inc. III, da Lei nº 9.605, de
12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais).
Por sua vez, as instituições oficiais de finalidade científica, sejam do Poder
Público, sejam de domínio particular, servem como suporte de pesquisas e visam à
melhoria da qualidade de vida da população (p. ex., como o desenvolvimento de
medicamentos, vacinas, soros, etc.), além de preservar, manter, reintegrar e
acompanhar as espécies (florísticas e, mais notadamente, faunísticas) ameaçadas
ou não de extinção.
A coleta de exemplares da fauna silvestre para tais fins pode ser autorizada a
cientistas pertencentes a instituições científicas, oficiais ou oficializadas, ou por
estas indicadas, conforme dispõe o art. 14 da Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967.
Nessa linha, o art. 11 da Lei nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983, também
estabelece que a aquisição ou a coleta de animais da fauna indígena (nacional) para
os Jardins Zoológicos dependerá sempre de autorização prévia a ser expedida pelo
IBAMA, segundo a Portaria IBAMA 283/P, de 18 de maio de 1989.
A Instrução Normativa IBAMA 3/1999 estabeleceu os critérios para o
licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de manejo de fauna
silvestre exótica e de fauna silvestre brasileira em cativeiro.
179
Vide Portaria IBAMA 283/P, de 18 de maio de 1989.
110
Porém, os animais no zoológico sofrem, primeiramente, com o seu
aprisionamento. Tal fato, não pode ser negado. Além do mais, existem inúmeros
casos de maus-tratos pelos criadores desses animais, como o espancamento de
animais, a falta de alimentação adequada, etc. Alguns animais ainda sofrem com
instalações inadequadas, seja com o pequeno espaço, seja com as condições de
temperatura do recinto e até mesmo com a paisagem, muito diferente do ambiente
natural.
Infelizmente, alguns zoológicos ainda contribuem para o tráfico internacional
de animais silvestres, vendendo boa parte de seu acervo para traficantes.
Recentemente, o zoológico de Niterói foi fechado por maus-tratos aos animais e por
funcionamento sem autorização do IBAMA. Suspeita-se que esse zoológico enviou
cerca de quatrocentos e noventa animais a particulares, vulgo, traficantes.180
O tratamento dado aos animais em cativeiro deve ser adequado, juntamente
com instalações específicas com cada espécie, com espaço compatível com as
características naturais e dimensões do animal, mantendo condições adequadas de
habitabilidade, higiene e salubridade, sob pena dos crimes de maus-tratos, previstos
no art. 32 da Lei nº 9.605/1998, que trata do crime de abuso e maus-tratos à fauna.
4.3.4 Circo
Os animais de circo representam um dos maiores exemplos de maus-tratos.
Com efeito, ao contrário daqueles que são privados de liberdade de seu hábitat por
questões educacionais, pedagógicas e científicas – que, em muitos casos, podem
justificar a prática de tal ato – esses animais são retirados e privados de seus
familiares apenas com o intuito de um entretenimento a um público dirigido.
Confinados e, muitas vezes, acorrentados em minúsculas jaulas, onde são
mal alimentados, maltratados, sofrem com o estresse da perda do hábitat e com as
inúmeras e esgotantes viagens realizadas pelas estradas brasileiras em condições
extremamente precárias e cruéis.
180
Disponível: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/942912-zoologico-e-autuado-por-repassar-animais-sem-
autorizacao-no-rio.shtml. Acessado em 31 de julho de 2011.
111
Para que possam “entreter” o público, são submetidos a severos e violentos
sistemas de “aprendizado” a fim de realizar determinadas atividades as quais sequer
fariam se vivessem em liberdade. São inúmeras as práticas de torturas com os
animais em circo, como queimaduras, choques, má alimentação, estrangulamento,
extração de dentes, etc.
Diversos municípios brasileiros, como São Paulo, Campinas, Belo Horizonte,
Porto Alegre, Florianópolis, São José do Rio Preto e outros, proibiram a utilização de
animais em circos, tendo em vista os maus-tratos praticados aos animais expostos
ao público. Alguns Estados também proibiram essa atividade cruel, como Paraíba,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo181 e, recentemente,
Paraná. O Projeto de Lei nº 7.291, de 5 de julho de 2006, de autoria do senador
Álvaro Dias (PSDB/PR) estabelece que o circo dependerá de registro perante o
órgão federal responsável pela política nacional da cultura. Pretende ainda impor o
registro de animais da fauna silvestre e exótica mantidos pelos circos junto ao órgão
ambiental competente. Juntamente com esse Projeto, foram anexados outros
projetos que proíbem a utilização de animais silvestres e “ferozes” e até mesmo, de
qualquer tipo de animal nesses espetáculos. São eles: Projeto de Lei nº 2.875, de 18
de abril de 2000; Projeto de Lei nº 2.913, de 2 de maio de 2000; Projeto de Lei
nº 2.936, de 3 de maio de 2000; Projeto de Lei nº 2.957, de 3 de maio de 2000;
Projeto de Lei nº 2.965, de 4 de maio de 2000; Projeto de Lei nº 3.389, de 30 de
junho de 2000; Projeto de Lei nº 3.419, de 2 de agosto de 2000; Projeto de Lei
nº 4.450, de 4 de abril de 2001; Projeto de Lei nº 4.770, de 30 de maio de 2001;
Projeto de Lei nº 5.752, de 21 de novembro de 2001; Projeto de Lei nº 12, de 18 de
fevereiro de 2003; Projeto de Lei nº 6.445, de 15 de dezembro de 2005 e Projeto de
Lei nº 933, de 2 de maio de 2007.
Com o apensamento dos citados projetos, o Projeto de Lei nº 7.291, de 5 de
julho de 2006 foi alterado no dia 20 de dezembro de 2007, propondo a proibição
agora, em nível federal, a utilização de animais em circo, bem como a entrada no
Brasil de qualquer companhia circense ou similar estrangeira, caso tenham animais
incluídos em suas apresentações.182 No dia 17 de novembro de 2009, esse projeto
181
Art. 21 da Lei Estadual nº 11.977, de 25 de agosto de 2005: “É vedada a apresentação ou utilização de
animais em espetáculos circenses”. 182
Esses projetos não foram propostos por uma questão de proteção animal, mas em razão da trágica morte do
menino de seis anos, José Miguel dos Santos Fonseca Júnior, cujo corpo foi destroçado por quatro leões do circo
112
foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania – CCJC, da Câmara dos Deputados. Desde então, aguarda-se a votação
no Plenário da Câmara para a sua devida aprovação.183
Espetáculos e parques aquáticos que utilizam animais, também se
enquadram na categoria de exposição para entreter o público.
4.3.5 Rodeio
As atividades destinadas à exibição pública, a exemplo dos tradicionais
rodeios, infligem diversos maus-tratos aos animais utilizados no espetáculo. Aliás,
boa parte do público que a eles assistem jamais imaginou os sofrimentos que
pudessem ser ocasionados.
Muito embora os realizadores desses eventos tentem impor regras e
afirmações para que tais práticas não ocasionem sofrimento ou dor aos animais, é
muito comum a ocorrência de acidentes com ferimentos e até com a morte desses
animais.184
Os rodeios são considerados como “as atividades de montaria ou de
cronometragem e as provas de laço, nas quais são avaliados a habilidade do atleta
em dominar o animal com perícia e o desempenho do próprio animal” (art. 1º,
parágrafo único da Lei 10.519, de 17 de julho de 2002). A Lei nº 10.220, de 11 de
abril de 2001, institui normas gerais relativas à atividade de peão de rodeio,
equiparando-o a um atleta profissional.
Vostok, no dia 9 de abril de 2000, na cidade de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife. O
incidente ocorreu por um descuido do domador que abriu a grade onde os animais se encontravam antes do
tempo, facilitando o ataque das pessoas próximas ao local. A Polícia Militar matou dois leões logo após o ataque
e uma hora depois matou mais outros dois animais. Após a necropsia realizada, constatou-se que os animais não
possuíam nada no estômago e, segundo informado à época, os animais haviam sido alimentados somente três
dias antes. Disponível em: http://www.apasfa.org/peti/circos/circo_news2.shtml. Acessado em 10 de fevereiro de
2011. 183
Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=329678.
Acessado em 30 de julho de 2011. 184
No dia 19 de agosto de 2011, na 56ª Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, um bezerro teve que ser
sacrificado após a prova intitulada como “bulldog”, por meio da qual o animal tem que ser derrubado, por meio
de uma imobilização com as mãos, sem o uso de nenhum equipamento. O bezerro sofreu uma lesão nas vértebras
(coluna cervical) e ficou tetraplégico. Ao cair na arena, não conseguiu se levantar e teve que ser carregado na
carroceria de um veículo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/963017-bezerro-e-sacrificado-
apos-prova-na-arena-de-barretos.shtml. Acessado em 21 de agosto de 2011.
113
Frisa-se que a citada lei equipara os peões de boiadeiros como “atletas”.
Porém, discordamos de qualquer opinião no sentido de justificar os rodeios como
uma modalidade esportiva. Trata-se, na verdade, de um grande negócio
empresarial.
A Lei nº 10.519, de 17 de julho de 2002, dispõe sobre a promoção e
fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio, por meio da
qual afirma que caberá à entidade promotora do rodeio, a suas expensas, prover:
médico veterinário habilitado, responsável pela garantia da boa condição física e
sanitária dos animais e pelo cumprimento das normas disciplinadoras, impedindo
maus tratos e injúrias de qualquer ordem; transporte dos animais em veículos
apropriados e instalação de infraestrutura que garanta a integridade física deles
durante sua chegada, acomodação e alimentação e arena das competições e bretes
cercados com material resistente e com piso de areia ou outro material acolchoado
próprio para o amortecimento do impacto de eventual queda do peão de boiadeiro
ou do animal montado.185
Esse dispositivo legal determina ainda que os apetrechos técnicos utilizados
nas montarias, bem como as características do arreamento, não poderão causar
injúrias ou ferimentos aos animais e devem obedecer às normas estabelecidas pela
entidade representativa do rodeio, seguindo as regras internacionalmente aceitas.186
Todavia, mesmo que essas regras fossem cumpridas literalmente, ainda
assim os animais utilizados nesses “espetáculos” apresentariam sofrimento e maus-
tratos.
Antes de se apresentarem os equinos e bovinos comumente empregados em
rodeios, são frequentemente provocados por choques elétricos ou mecânicos. Os
seus organizadores ainda utilizam o sedém ou sedenho, uma espécie de corda
trançada – de couro ou de fibra – enlaçada entre a bolsa escrotal e o pênis dos
animais que, sob o domínio da dor, forçam-nos a realizar saltos involuntários.
185
Art. 3º, incisos II, III e IV. 186
Art. 4º. Os apetrechos técnicos utilizados nas montarias, bem como as características do arreamento, não
poderão causar injúrias ou ferimentos aos animais e devem obedecer às normas estabelecidas pela entidade
representativa do rodeio, seguindo as regras internacionalmente aceitas.
§ 1o As cintas, cilhas e as barrigueiras deverão ser confeccionadas em lã natural com dimensões adequadas
para garantir o conforto dos animais.
§ 2o Fica expressamente proibido o uso de esporas com rosetas pontiagudas ou qualquer outro instrumento que
cause ferimentos nos animais, incluindo aparelhos que provoquem choques elétricos.
§ 3º As cordas utilizadas nas provas de laço deverão dispor de redutor de impacto para o animal.
114
Durante a apresentação, são forçados a práticas extremamente dolorosas,
consistindo em ser laçados e derrubados em alta velocidade, após a perseguição na
arena ou quando os garrotes são derrubados por um dos peões que seguram os
animais pelos chifres e os derrubam, contorcendo seu pescoço.
Outros métodos ainda utilizados consistem nas provas de selas. Nessas
provas, o peão ou cavaleiro faz movimentos com as pernas, devendo ser batidas
contra o corpo do animal. Muitas vezes são usadas esporas que proporcionam
diversas mutilações e dores.
Na prova de laço de garrote os animais recém-nascidos são perseguidos,
laçados e derrubados pelos peões, o que muitas vezes provoca lesões graves na
coluna vertebral do animal.
A prova de montaria em cavalos sem selas é realizada com uma alça apensa
à barriga do animal, o que provoca dor e sofrimento nele.
Por fim, existe ainda a montaria em cavalo sobre a qual o peão deve
permanecer por oito segundos. Ganha mais pontos aquele que golpear as esporas
com maior vigor e força na região do pescoço do animal.
Verifica-se com facilidade que não somente a prática do rodeio configura
maus-tratos, como também são empregados diversos instrumentos de estímulo,
que, de fato, são instrumentos de tortura.
Os maiores defensores dessas práticas cruéis afirmam que essa atividade faz
parte da cultura popular brasileira e que os métodos estimulantes utilizados, como o
sedém, por exemplo, não configuram maus-tratos.
Todavia, Irvênia Prada descreve sinais fisiológicos, facilmente evidenciáveis,
de dor e sofrimento em animais de rodeios, sendo um desses sinais a midríase
(estado de dilatação das pupilas) em presença de luz, quando o esperado seria a
ocorrência de miose (estado de constrição das pupilas, em resposta à presença de
luz natural ou artificial no ambiente).187 Afirma ainda que:
187
PRADA, Irvênia Luiza de Santis. et al. Bases Metodológicas e neurofuncionais da avaliação de ocorrência de
dor/sofrimento em animais. São Paulo: CRMV-SP, 2002, vol. 5, fascículo 1, p. 1-13.
115
A midríase acontece na ausência de luz e, ainda, quando situações que caracterizam o to
fight or to flight, ou seja, o lutar ou fugir. Este sinal fisiológico (midríase), nessas
condições, é indicativo de vivência da Síndrome de Emergência de Cannon (Machado,
1993, p. 135), quando o sistema nervoso simpático é ativado, produzindo uma descarga
em massa na qual a medular da suprarrenal é também ativada, lançando no sangue a
adrenalina que age em todo o organismo. É uma reação de alarme.
Quando o ser humano ou animal se sente ameaçado, agredido, assustado, com medo ou
em pânico, automaticamente (de maneira involuntária e inconsciente), seu organismo é
preparado para essa situação de emergência. Acontece, então, a taquicardia (aumento da
frequência cardíaca), aumento da pressão arterial, dilatação dos brônquios para facilitar a
função respiratória, aumento do aporte sanguíneo para os músculos, pois eles serão
solicitados para ou lutar ou fugir, diminuição de sangue no território cutâneo (no ser
humano é mais fácil perceber-se isto, pela palidez), transformação rápida de glicogênio
em glicose (“combustível” energético para a ação dos músculos) e dilatação das pupilas
(midríase).
A ocorrência de midríase, nessa situação, não acontece sozinha, mas faz-se acompanhar
de outros sinais da Síndrome de Emergência de Cannon, sendo altamente indicativa, do
ponto de vista científico, de que os animais – no caso de rodeios, bovinos e equinos –
estejam vivenciando sofrimento.
No Estado de São Paulo, a Lei nº 10.359, de 30 de agosto de 1999, dispõe
sobre normas a serem observadas na promoção e fiscalização da defesa sanitária
animal quando forem realizados os rodeios. Todavia, referida lei não proibiu alguns
métodos de tortura que ocasionam dor a estes animais e apenas minimizam o uso
dos instrumentos.188
188
Artigo 8º. “Ficam especialmente proibidas as seguintes práticas lesivas às condições de sanidade dos
animais:
I- privação de alimentos;
II- uso, na condução e domínio dos animais, ou durante as montarias, dos seguintes equipamentos:
a) qualquer tipo de aparelho que provoque choques elétricos;
b) esporas com rosetas que contenham pontas, quinas ou ganchos perfurantes;
c) sedém fora de especificações técnicas, que cause lesão física ao animal;
d barrigueira que igualmente não atenda às especificações técnicas ora recomendadas.
Parágrafo único - Não haverá restrições à utilização de:
1- esporas segundo modelos não agressores, usados internacionalmente e aprovados por associações de rodeio
de outros países;
2- sedém confeccionado em material que não fira o animal. No sedém a ser usado em montaria, o segmento que
ficar em contato com a parte interior do corpo do animal deve ser de material macio (lã ou algodão), excluídos,
em qualquer caso, acessórios que importem em lesões físicas;
116
O art. 10º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, por seu lado, diz
que nenhum animal deve ser explorado para divertimento do homem, e que as
exibições de animais e os espetáculos que os utilizem são incompatíveis com a
dignidade do animal.
Em termos econômicos, as atividades de rodeio são extremamente rentáveis,
pois incluem diversas atrações em seu entorno, tais como shows e parques de
diversão. Todavia, se a atividade pode ser considerada como uma manifestação
cultural – muito embora haja uma discussão acerca dessa questão – ao menos
poder-se-ia evitar os maus-tratos e crueldades com os seus animais.
4.3.6 Vaquejada
A vaquejada, tal qual como o rodeio, configura uma verdadeira crueldade
contra os animais utilizados. A sua origem vem do Estado de Pernambuco.
Essa modalidade “esportiva” consiste em que dois vaqueiros, o chamado
puxador e o chamado esteireiro, acompanhem montados em seus cavalos, um boi
na saída do box (a chamada sangra) até uma faixa delimitada no chão. Esses
vaqueiros devem derrubar o boi, arrastando-o brutalmente pelos rabos até
mostrarem as quatro patas. Caso o animal, ao cair, levante as quatro patas, são
dados pontos extras aos vaqueiros.
Na vaquejada, os animais são severamente feridos com os tombos a que são
forçados, tais como luxações, fraturas e hemorragia interna.
Infelizmente, dia após dia, essa modalidade vem ganhando novos adeptos,
sendo hoje apoiada e financiada por muitos empresários do ramo, bem como por
muitas prefeituras municipais do interior do nordeste.
3- barrigueira confeccionada em largura de, no mínimo 17,0 centímetros, que não cause desconforto ao animal
em montarias de modalidade „sela americana‟, „bareback‟ e „cutiano‟”.
117
4.3.7 Rinhas de galo
Com aproximadamente um ano de idade, o galo está em condições de
participar de uma rinha à qual é severamente submetido. Todavia, para tanto, e para
que esteja apto para a briga, é necessário um processo de treinamento que dura
cerca de sessenta e nove dias.
Durante esse processo, o animal é “pelinchado”. São cortadas as penas do
pescoço, das coxas e debaixo das asas, além de ter as barbelas e as pálpebras
operadas.
É dado, então, início ao chamado “treinamento básico”, em que o treinador
arremessa o animal para cima, deixando-o cair para que tenha as suas pernas
fortalecidas. Outro procedimento consiste em puxá-lo pelo rabo, arrastando-o em
forma de oito, entre as pernas separadas.
Posteriormente, outra etapa do “treinamento” consiste em suspender o galo
pelo rabo para fortalecer suas unhas na areia, bem como empurrar o animal pelo
pescoço, fazendo-o girar em círculos, como um pião. Em seguida, o animal é
escovado para desenvolver a musculatura e avivar a cor das penas, além de ser
banhado em água fria e colocado ao sol até abrir o bico de tanto desgaste físico.189
Todos esses procedimentos são empregados para aumentar a resistência do
animal. Além de toda tortura e sofrimento a que é submetido durante a dura etapa
do treinamento inicial, é ainda obrigado a viver em uma curta gaiola; a circular em
espaços maiores apenas durante o período de treinamento, quando é colocado na
passadeira que, em regra, mede dois metros de comprimento por um metro de
largura.
O treinamento encerra-se quando o galo é obrigado a brigar com outro de sua
espécie, apenas como uma prática de ringue. Nesses casos, as esporas e as
biqueiras são acolchoadas para evitar o ferimento do animal.
Ao encerrar o treinamento, o animal é levado ao ringue calçando esporas de
metal e com bico de prata, que é utilizado para ferir mais ou para substituir o bico
que já fora perdido em lutas anteriores. As lutas têm a duração de uma hora e
189
DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 194.
118
quinze minutos, com quatro descansos de cinco minutos. É considerado vencedor o
galo que deferir golpe mortal ou que nocautear o adversário por mais de um minuto.
Verifica-se, portanto, que as rinhas de galos, ao contrário do que ainda
defendem alguns adeptos dessa suposta modalidade esportiva, consistem em algo
extremamente cruel, além de sádico e perverso.
4.3.8 Touradas
O Brasil, felizmente, não possui as touradas portuguesas ou espanholas.
Todavia, tal fato se deve exclusivamente às leis protetivas aos animais existentes
em nosso ordenamento pátrio, uma vez que, por diversas oportunidades, tentaram
implantar essa brutalidade e crueldade contra os touros.
A primeira tentativa de se trazer a tourada para o Brasil ocorreu com a
comemoração do IV centenário do Rio de Janeiro. O projeto de Lei nº 763/50, que
previa a instituição da prática, foi derrotado no Senado Federal, com a pressão do
Instituto dos Advogados do Brasil, bem como das diversas associações protetoras
dos animais existentes à época.190
Posteriormente, em julho de 1984, a Tomazeli Indústria e Comércio de
Novidades Ltda., com sede em Lisboa (Portugal), pretendia também realizar uma
tourada à portuguesa, com o suposto interesse de divulgação no país dessa
diversão ibérica. A Procuradoria de Justiça e a Procuradoria do Estado do Rio de
Janeiro derrubaram essa absurda pretensão, com base no art. 3º, inc. XXIX, do
Decreto 24.645/34. Em 1996, a colônia espanhola realizou em São Paulo o I
Encontro Hispano-Brasileiro de Tauromaquia, com a nítida pretensão de alguns
espanhóis trazerem as touradas ao país.191
Verifica-se que, não somente em relação às touradas, mas em todos os tipos
de crueldade com os animais a cultura é uma das grandes justificativas que se
apresentam para as levianas pretensões. Entretanto, por trás do pretexto de uma
190
DIAS, Edna Cardozo. Op. cit. p. 214. 191
DIAS, Edna Cardozo. Op. cit. p. 214.
119
suposta divulgação cultural, reside, na verdade, a pretensão e a intenção de obter
altos lucros com referidas atividades.
Edna Cardozo Dias descreve em detalhes os maus-tratos para a preparação
do boi para as touradas. A preparação consiste em introduzir tufos de papel molhado
em seus ouvidos, além do corte dos chifres para que o animal fique desorientado;
coloca-se vaselina nos olhos para ofuscar a visão; chumaços de algodão são
introduzidos nas narinas para obstrução da respiração; soluções irritantes são
passadas nas pernas para que o animal fique cambaleando; são inseridas agulhas
nos órgãos genitais; o chifre é lixado para que fique mais indefeso. Em seguida, o
boi é confinado em um local escuro para infligir terror, além de serem ministrados
laxantes na véspera e colocados sacos de areia na altura dos rins para que o animal
se enfraqueça.192
Ao adentrar a arena, o picador fere o pescoço do animal com um arpão que
penetra de três a onze centímetros, provocando, em alguns casos, uma hemorragia
abundante ou um ferimento no pulmão.
Dando continuidade à apresentação, os “banderillos” enterram afiados arpões
metálicos nas mesmas feridas ou próximas a elas, já abertas pelo picador. Essas
feridas e as “banderillas” impedem que o animal possa levantar a cabeça.
Após um “espetáculo” sangrento, o matador crava a espada próxima ao
coração ou a algum vaso sanguíneo importante. Como essa ação raramente ocorre
de forma eficiente, o animal é atingido no pulmão, sofrendo graves hemorragias e é
sufocado pelo vômito de seu próprio sangue. Como aduz Edna Cardozo Dias:
A essa altura, o touro já está quase morrendo, urinando descontroladamente, com suas
funções vitais em colapso. Ferozmente acossado, o aterrorizado animal cai não só
sangrando, mas chorando. Finalmente, é dado um golpe com o intuito de secionar a
medula espinhal. Se a medula não é secionada, mas apenas danificada, o animal fica
semiparalisado, ainda vivo. Isto não impede que sua orelha seja cortada, seu rabo cortado
e que seja arrastado ainda vivo para ser esquartejado.193
192
DIAS, Edna Cardozo. Op. cit. p. 217. 193
Op. cit. p. 218.
120
Ao contrário de qualquer afirmação e alegação para a manutenção de uma
prática tão retrógrada e extremamente cruel para com esses animais, não se pode
justificar a sua manutenção com base na leviana argumentação de cultura.
4.3.9 Animais de estimação
O Código de Ética do médico veterinário, Resolução nº 722, de 16 de agosto
de 2002, prega um juramento de seus profissionais em que buscam uma
harmonização entre ciência e arte, aplicando os seus conhecimentos para o
“desenvolvimento científico e tecnológico em benefício da sanidade e do bem-estar
dos animais, da qualidade dos seus produtos e da prevenção de zoonoses, tendo
como compromissos a promoção do desenvolvimento sustentado, a preservação da
biodiversidade, a melhoria da qualidade de vida e o progresso justo e equilibrado da
sociedade humana”.
Portanto, os profissionais da medicina veterinária devem, necessariamente,
buscar os seus conhecimentos em prol do bem-estar animal, tendo como dever, a
denúncia às autoridades competentes contra qualquer forma de agressão aos
animais (art. 2º) e, no exercício profissional, usar procedimentos humanitários para
evitar o sofrimento e dor ao animal (art. 4º).
Atualmente, os animais domésticos são considerados por muitos, como
membros da própria família. Eles possuem grande valor para a sociedade como um
todo, uma vez que fazem companhias para as pessoas carentes e solitárias ou
mesmo agregam um ser a mais na própria família; servem como um processo de
educação para crianças e adultos nos tratos com os animais e os demais seres
vivos em geral; e servem como guias para as pessoas cegas e até como parte de
tratamento para crianças ou adultos com deficiência.194
194
A equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem
interdisciplinar, nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de
pessoas portadoras de deficiência e/ou de necessidades especiais. Na equoterapia, o cavalo é utilizado como um
meio de se alcançar os objetivos terapêuticos. Ela exige a participação do corpo inteiro, de todos os músculos e
de todas as articulações.
121
Todavia, o amor incondicional a esses animais pode provocar, também, um
sofrimento a eles, muitas vezes causado pelo enorme crescimento desse mercado e
pelos ditames estéticos impostos. As práticas mais corriqueiras são o corte de
orelhas (conchectomia) e o corte de caudas (caudectomia). Existem ainda a
subtração das cordas vocais (cordotomia)195 e a extração de unhas (onicectomia). O
art. 7º, da Resolução nº 877, de 15 de fevereiro de 2008, do Conselho Federal de
Medicina Veterinária assim dispõe acerca do presente tema:
Art. 7° Ficam proibidas as cirurgias consideradas desnecessárias ou que possam impedir a
capacidade de expressão do comportamento natural da espécie, sendo permitidas apenas
as cirurgias que atendam as indicações clínicas.
§ 1°. São considerados procedimentos proibidos na prática médico-veterinária:
conchectomia e cordectomia em cães e, onicectomia em felinos.
§ 2°. A caudectomia é considerada um procedimento cirúrgico não recomendável na
prática médico-veterinária.
Assim, é vedada a prática de corte de orelhas (conchectomia) comumente
realizada e que causa imensa dor ao animal. Já a cirurgia de corte de caudas
(caudectomia) não é proibida, mas foi desaconselhada.
Assim como as orelhas, a cauda tem a função de equilíbrio no animal e,
atualmente, questiona-se o motivo estético para a referida mutilação.
Alguns países da Europa proibiram as cirurgias de conchectomia e
caudectomia, como a Inglaterra em 1985 (conchectomia) e em 1993 (caudectomia
para fins não terapêuticos). A Alemanha seguiu os mesmos passos e em 1997
proibiu o corte de orelhas e em 1998, o corte de caudas. Já a Suíça, desde 1997
proíbe as duas modalidades cirúrgicas.
195
No Estado de São Paulo, desde 10 de outubro de 2003, a Lei nº 11.488 proibiu a cirurgia de cordotomia em
cães e gatos.
122
5. EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL
5.1 Ética na Experimentação Animal e a Lei nº 11.794/2008
Os defensores do que se convencionou chamar libertação animal pregam a
sua liberdade plena. Em outros termos, afirmam que o animal não pode servir de
alimento, ser utilizado como vestuário, se prestar a experimentos científicos, ser
objeto de demonstração ao público em zoológicos. Alguns mais radicais defendem
até mesmo que não deve haver animais de estimação.
Os adeptos desse movimento não se contentam em combater o
comportamento antropocêntrico da sociedade. Eles também advogam como
justificativa para a não utilização dos animais em experimentação científica, o fato do
especismo para com esses seres, tal como ocorreu na Alemanha nazista em relação
aos judeus. Em outros termos, essa visão aponta que a experimentação científica
com animais seria também um preconceito sobre as chamadas “raças inferiores”.
Com esse argumento radical, eles não admitem as experiências científicas com
animais porque equiparam-se às experiências dos nazistas na tentativa de melhorar
as espécies.196
Todavia, apesar da argumentação em contrário – pela qual nutrimos respeito
e admiração em muitos pontos questionados –, não se pode negar que o avanço da
ciência deve-se em grande parte à experimentação animal. É de se esperar, com o
passar do tempo, que a ciência resolva definitivamente esta questão, seja pelo uso
de modelos virtuais ou pela criação de novas condições de testes laboratoriais,
como o da criação da pele artificial.
A ciência, ao lado da religião, da arte e da filosofia, é uma das formas de o
homem compreender o universo. A evolução dos conhecimentos científicos
transformou a concepção humana não somente em relação à visão histórica que o
196
Peter Singer é um dos grandes autores que entendem dessa maneira. Durante o período da Alemanha nazista,
muitos experimentos foram realizados em seres humanos, tais como a câmara de descompressão.
Posteriormente, outros experimentos foram realizados também com seres humanos sem os seus consentimentos,
como o caso do Alabama, com negros com sífilis sem o devido uso da penicilina e na Nova Zelândia em que
mulheres com câncer não tiveram o tratamento adequado, devido a uma experiência sem embasamento técnico.
123
homem possuía do universo, como também mudou drasticamente o próprio modo de
vida em que vivemos.
Na área da saúde, seja ela humana, seja animal, os inúmeros avanços
tecnológicos e de conhecimento requereram, em sua grande parte, a utilização de
animais. Podemos citar como exemplos a evolução em diferentes áreas: a fisiologia,
a imunologia, a neurociência, a cardiologia, a farmacologia, dentre muitas outras.
As descobertas para a fisiologia do organismo humano ou não humano e a
relação do processo saúde-doença, a descoberta de vacinas e fármacos ou o
desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, necessitavam ou necessitam,
evidentemente, de experimentos em seres vivos. Em razão de inúmeras questões
éticas, a utilização de seres humanos não é, em regra, permitida, motivo pelo qual
essa prática em seres não humanos foi, e continua sendo, largamente utilizada.
Como visto anteriormente, a questão da ética remete aos tempos dos antigos
filósofos. Naquela época a conduta ética era considerada ou aceita no contexto de
um determinado ponto de vista dentro de um conceito de “valor universal”. Ou seja,
ao se emitir um juízo ético, dever-se-ia extrapolar as preferências e aversões
pessoais em prol de um preceito universal que abrigasse os interesses de outros.
Todavia, explicar o conceito de ética não se resume, evidentemente, apenas
a um conceito de valor universal. Existem inúmeras teorias filosóficas para explicar e
conceituar o que seria certo e errado. Porém, inexiste um consenso ou aceitação
geral em relação a essas teorias.
O grande problema para estabelecer um consenso definitivo de teorias éticas
reside no fato de que a tentativa de descrever os valores universais – de tal modo
que construa uma ética particular – chegue a tal ponto de uma acusação e na
introdução das nossas próprias convicções éticas.
É possível que existam muitos casos de experimentos desnecessários,
repetitivos e completamente desprovidos de técnicas ou embasamento científico.
Porém, não se defende aqui a utilização animal para fins de aperfeiçoamento da
ciência e melhorias na saúde humana e não humana simplesmente sem a sua
devida regularização ou sem um eficaz controle ético-cientifico. Ao contrário, o
Conselho de Ética já existente, além de ser composto por cientistas, por acadêmicos
124
e por pessoas ligadas à defesa e ao bem-estar animal,197 deve estar apto e
independente para avaliar a relação custo-benefício, não em termos econômicos,
mas, sim, o custo da vida animal e os benefícios da pesquisa a ser realizada.
Não se pode negar os inúmeros avanços alcançados com as experiências em
animais, principalmente no campo da medicina, com os remédios e as vacinas já
produzidos. Também não se nega que muitas drogas consideradas seguras após
testes em animais, mostraram-se completamente nocivas aos seres humanos,
como, por exemplo, a talidomida (droga teratogênica que provocava deformações
nos seres humanos), o remédio para artrite Opren (que levou a óbito mais de
sessenta pessoas e registrou cerca de 3.500 casos graves na Grã-Bretanha), o
remédio para cardiopatas Practolol (um beta bloqueador utilizado em arritmias
cardíacas e que causou cegueira em seus usuários) e o antitussígeno Zipeprol (que
provocou convulsões e coma em alguns doentes).
Há também o efeito inverso, ou seja, muitos medicamentos não representam
risco à saúde humana, mas provocam um severo dano e risco aos animais, como,
por exemplo, a insulina (que ocasionava deformidade em coelhos e camundongos) e
a morfina (que provocava frenesi nos ratos). Um argumento muito utilizado, no dizer
de Singer, diz que se a penicilina fosse julgada por sua toxicidade em cobaias,
jamais teria sido utilizada nos homens.198
Em parte, cumpre dizer, o avanço e o progresso humano no estágio em que
nos encontramos foi possível também com o somatório de outros fatores, tais como
melhoria nas condições sanitárias, melhor alimentação e cuidados com a saúde, e
não apenas com o avanço das experiências com animais.
A questão da ciência do bem-estar animal e da bioética surge a partir da
década de 1970 quando o cenário mundial inicia as discussões sobre o uso de
animais em experimentação. Concomitante a essa discussão, surgem as comissões
de éticas no uso de animais, as chamadas CEUAs, tendo sido criada primeiramente
na Suécia em 1979. Nas décadas seguintes, outros países seguiram o exemplo
197
O art. 4º da Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, criou o Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal – CONCEA e o Decreto nº 6.899, de 15 de julho de 2009, regulamentou-o. 198
SINGER, Peter. Op. cit. p. 64.
125
sueco. As comissões de éticas no Brasil foram criadas tardiamente, em meados da
década de 1990, com os intensos debates acerca do tema no cenário mundial.199
Posteriormente, no dia 8 de outubro de 2008 foi promulgada a Lei nº 11.794,
que estabeleceu procedimentos para o uso científico de animais. Após treze anos de
tramitação, o projeto de Lei nº 1.153, de 26 de outubro de 1995, do ex-deputado
Sérgio Arouca foi aprovado, dando ensejo à chamada Lei Arouca, já citada em
páginas anteriores.
A Lei Arouca revogou expressamente a Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979,
de igual modo referida anteriormente, que estipulava normas para a prática didática
e científica da vivissecção de animais. Como não existia legislação que
regulamentasse o assunto, a aprovação dessa lei beneficiou parcialmente a prática
da experimentação animal, muito embora os defensores da teoria abolicionista
animal a tivessem visto como um retrocesso, uma vez que ela acabou ampliando o
campo da experimentação animal.
De fato, a Lei nº 11.794/2008, ao permitir o uso de animais não somente no
ensino superior, mas também em estabelecimentos de nível médio, mesmo que em
caráter técnico profissional,200 ampliou demasiadamente os experimentos científicos
com animais, caminhando na contra mão da nova tendência mundial em reduzir
esses experimentos.
Alguns autores sustentam, inclusive, a inconstitucionalidade de um de seus
artigos. Trata-se, basicamente, do inciso II, § 1º, do art. 1º, que autoriza a utilização
de animais em atividades de ensino e pesquisa científica também em
estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área
biomédica. Esse artigo não deixa de ser um retrocesso na esfera da lei ambiental,
pois se a medida protetória anterior restringia apenas a utilização de animais na
experimentação no nível superior (art. 3º, inciso 5º da Lei 6.638/1979),201 o
199
TAMBOURGI, Denise V. et al. Manual prático sobre usos e cuidados éticos de animais de laboratório.
TAMBOURGI, Denise V. et al. (org.). São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2010, p. 3-5. 200
Art. 1º. “A criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o
território nacional, obedecem aos critérios estabelecidos nesta Lei.
§ 1º. A utilização de animais em atividades educacionais fica restrita a:
I– estabelecimentos de ensino superior;
II– estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica”. 201
Art. 3º. “A vivissecção não será permitida:
V- em estabelecimento de ensino de 1º e 2º graus e em quaisquer locais frequentados por menores de idade”.
126
retrocesso nos preceitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição
Federal, se violados, são inconstitucionais.202
Nas palavras de Phitan e Grey: “se atualmente já se discute quanto à real
necessidade da utilização de animais no ensino superior, como então sustentar essa
hipotética necessidade para estabelecimentos de ensino médio? A perspectiva é
inviável”.203
A chamada Lei Arouca possui ainda algumas outras impropriedades e
contrastes já enfatizadas por alguns autores. Um ponto de destaque refere-se ao
parágrafo único, inciso II, do art. 3º, quando afirma que não se considera
experimento científico: “o anilhamento, a tatuagem, a marcação ou a aplicação de
outro método com finalidade de identificação do animal, desde que cause apenas
dor ou aflição momentânea ou dano passageiro”.
Ora, pela lógica do pensamento se concluiria que métodos que provocassem
dor permanente ao animal seriam considerados experimentos científicos. Constata-
se uma incoerência do texto da lei, uma vez que a pretensão do artigo remete à
permissão da marcação em experimentos científicos, cujos novos métodos de
marcação sejam testados.
Outro ponto de crítica feita na lei em comento refere-se ao inciso IV, do art. 3º,
ao definir a morte por meios humanitários, como “a morte de um animal em
condições que envolvam, segundo as espécies, um mínimo de sofrimento físico ou
mental”. A crítica se refere à falta de definição do que seria um mínimo de sofrimento
físico ou mental, a ser considerado para o experimento a ser realizado; com efeito,
fica a dúvida quanto à possibilidade de não realizar referido experimento quando
puder ocasionar um excessivo sofrimento ao animal.
Todavia, a significativa inovação ou questão inerente à Lei Arouca se refere
ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA e às
Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs.
202
PITHAN, Lívia H.; GREY, Natália de Campos. Comentários sobre a evolução da legislação ambiental
concernente aos animais e às perspectivas quanto à Lei 11.794/2008. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos
Santos; BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na
Pesquisa e no Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 141. 203
Op. cit. p. 141.
127
No tocante ao CONCEA, a expectativa surgida no art. 14 da Lei
nº 11.794/2008,204 situa-se na possibilidade e na capacidade de o referido órgão
vetar determinados experimentos científicos, caso se reconheça a dor excessiva a
ser infligida aos animais. A comunidade acadêmica e a Sociedade Protetora dos
Animais esperam que tal poder de veto possa ser efetivado.
Uma crítica muito interessante apresentada por Lívia H. Pithan e Natália de
Campos Grey refere-se à vinculação do CONCEA ao Ministério da Ciência e
Tecnologia (art. 6º, § 2º e art. 7º)205 e não ao Ministério do Meio Ambiente, apesar de
ele contar com um representante dentro desse colegiado.
Segundo referidas autoras,206 se a Lei nº 11.794/2008 possui em seu
preâmbulo o objetivo de regular o art. 225 da Constituição Federal (deveres
fundamentais em relação ao meio ambiente, por meio do qual os animais fazem
parte integrante, sendo vedadas praticas cruéis), o mais adequado seria que os
órgãos e as instituições por ela estabelecidos fossem vinculados em primeiro plano
ao Ministério do Meio Ambiente e não ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Por
mais respeitável que seja, esse ministério possui interesses diversos – e às vezes
opostos – quanto à proteção do meio ambiente e dos animais, tornando o
regulamento enfraquecido em seus objetivos.
Já em relação às Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs, a Lei
nº 11.794/2008 tornou obrigatória a sua existência, muito embora algumas
comissões de ética já existissem em diversas instituições antes da promulgação da
Lei Arouca.207 Essas comissões, se bem acompanhadas por parte dos educadores e
das sociedades protetoras dos animais, podem proibir as práticas de pesquisas que
204
Art. 14. O animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos dos experimentos
que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado quando, antes, durante e após o experimento, receber
cuidados especiais, conforme estabelecido pelo CONCEA. 205
Art. 6º. “O CONCEA é constituído por:
(...)
§ 2º A Secretaria-Executiva é responsável pelo expediente do CONCEA e terá o apoio administrativo do
Ministério da Ciência e Tecnologia”.
Art. 7º. “O CONCEA será presidido pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia e integrado por:
(...)”. 206
PITHAN, Lívia H.; GREY. Natália de Campos. Op. cit. p. 143. 207
No Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 11.977, de 25 de agosto de 2005, que instituiu o Código de
Proteção aos Animais no Estado, determinava em seu art. 25 que: “É condição indispensável para o registro das
instituições de atividades de pesquisa com animais, a constituição prévia de Comissão de Ética no Uso de
Animais - CEUA, cujo funcionamento, composição e atribuições devem constar de Estatuto próprio e cujas
orientações devem constar do Protocolo a ser atendido pelo estabelecimento de pesquisa”.
128
entenderem cruéis. É um poder extremamente importante quando posto em prática,
utilizado e respeitado eficazmente.
Muitas organizações abolicionistas e membros de entidades de proteção
animal entendem que o papel dos comitês de ética é apenas legitimar o uso de
animais, e não de controlar e proibir sua utilização. Dessa forma, opõem-se
severamente à existência desses comitês e se recusam a participar das suas
decisões.208
Todavia, tanto o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal –
CONCEA, quanto as Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs, enfrentarão
dificuldades na sua implementação. Na verdade, sendo formado por um grupo
multidisciplinar com a finalidade de orientar o uso de animais na experimentação,
deverão ser implantadas diversas mudanças, principalmente de cunho cultural, em
uma sociedade marcadamente antropocêntrica. Ou seja, antes de qualquer coisa,
deve-se ampliar a visão ética humana em relação aos demais seres vivos da
natureza.
A Lei nº 11.794/2008 possibilitou a participação de membros da Sociedade
Protetora dos Animais, tanto no Conselho Nacional de Controle de Experimentação
Animal – CONCEA (dois participantes), quanto nas Comissões de Ética no Uso de
Animais – CEUAs (um participante). Essa inovação, entretanto, não agradou nem os
cientistas, que contarão com a participação de membros radicalmente contrários a
utilização animal em experimentos científicos, ainda que justificados, e nem os
grupos abolicionistas, que buscam erradicar a participação dos animais em
experimentos científicos de qualquer maneira.
Todavia, entende-se que essa inovação foi extremamente positiva, uma vez
que agregou posições antagônicas, as quais, certamente, contribuirão para um
aprofundamento do assunto e enriquecimento no debate das questões animais.
Portanto, o parecer qualitativo das Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs
em relação aos projetos de pesquisas e atividades práticas deverão considerar
todos os aspectos éticos pertinentes.
208
ALMEIDA SILVA, Tagore Trajano de. Antivivisseccionismo e direito animal: em direção a uma nova ética
na pesquisa científica. LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia (coords.). Revista de Direito Ambiental, ano 14, nº
53. São Paulo: RT, 2009, p. 286.
129
5.2 Animais na Pesquisa e no Ensino
O problema da vivissecção animal é hoje um dos temas que polariza tanto a
comunidade científica quanto os defensores dos direitos dos animais. Um lado
pauta-se pela defesa e necessidade da ciência; o outro, questiona a ética envolvida
na vivissecção animal para a satisfação da necessidade humana.
Os movimentos voltados para a proteção animal tiveram notoriedade a partir
dos anos de 1970, quando se fortaleceu o debate sobre a necessidade e o
significado de sua utilização em experimentação. A ampliação do debate –
influenciado pelos movimentos sociais e pela pressão desses grupos sobre os
pesquisadores, as instituições e os órgãos governamentais – incrementou o
processo de controle da pesquisa biomédica. Os principais fenômenos dessa
conjectura que se apresentava com um caráter político, acarretaram no surgimento
de leis mais rigorosas em diversos países, no aparecimento de comitês institucionais
de ética no uso de animais em experimentação e o controle por parte de agências
de financiamento e novas políticas editorais.
A Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979, permitia a vivissecção somente em
instituições de ensino superior, sendo vedadas as práticas nos estabelecimentos de
1º e 2º graus.209 Como visto acima, a Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008,
permitiu a vivissecção em estabelecimentos de ensino técnico de 2º grau da área
biomédica.210 De acordo com o entendimento da advogada Geuza Leitão, tal
mudança significou “um retrocesso moral e científico, tendo em vista que a
experimentação animal no ensino já foi proibida em vários países”.211
O pensamento de muitos abolicionistas é de que o intuito do legislador, em
tese, foi aplicar o princípio dos 3Rs (replacement, reduction e refinement). 209
“Art. 3º: A vivissecção não será permitida:
(…)
V- em estabelecimento de ensino de 1º e 2º graus e em quaisquer locais frequentados por menores de idade”. 210
“Art. 1º A criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o território
nacional, obedecem aos critérios estabelecidos nesta Lei.
§ 1º A utilização de animais em atividades educacionais fica restrita a:
I- estabelecimentos de ensino superior;
II- estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica”. 211
LEITÃO, Geuza. Lei Arouca. Disponível em: http://www.olaonline.com.br/arquivos/texto_geuza.doc. Apud
TINOCO. Isis Alexandra Pincella. Lei Arouca: Avanço ou Retrocesso? Disponível em:
http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/leiaroucaavanoouretrocesso.pdf. Acessado em 27 de outubro de
2010.
130
Entretanto, ao permitir a vivissecção em ensino técnico de 2º grau (prática antes
proibida pela lei de 1979), está sendo feito justamente o oposto, ou seja, o número
dessas práticas agora tende a aumentar e não a reduzir.212
O principio dos 3Rs foi divulgado em 1959 por W.M.S. Russel e R.L. Burch,
no livro intitulado The Principle of Humane Experimental Technique o qual se refere
às siglas de três palavras em inglês: Replacement (Substituição), que determina a
substituição de animais vertebrados vivos e sencientes por qualquer método
científico que empregue material sem sensibilidade, isto é, a utilização de métodos
alternativos, sempre que possíveis; Reduction (Redução), que estabelece a redução
no número de animais usados na experimentação em uma quantidade mínima
necessária para se obter a informação de uma amostra com precisão; e Refinement
(Refinamento), a orientação de métodos adequados de anestésicos, sedação e
eutanásia, com o intuito de reduzir a dor e o desconforto, evitando ao máximo o
estresse dos animais.
Por motivos desconhecidos, o princípio dos 3Rs somente veio à tona em
meados de 1986 nas diretivas dos países europeus e na Convenção Europeia de
Proteção aos Animais. Atualmente, diversos países tentam pregar os conceitos dos
3Rs nas questões éticas que envolvem o uso de animais em experimentação.
A publicação desses conceitos foi oportuna na medida em que ocorreu antes
da divulgação do número de animais usados nos procedimentos científicos; número
este que aumentou consideravelmente com o desenvolvimento da indústria
farmacêutica e agroquímica e com a expansão das pesquisas acadêmicas nas
ciências médicas.213
O debate atual em torno do assunto demonstra que muitos avanços
ocorreram no campo da discussão ética envolvendo o uso de animais em
experimentação. Do mesmo modo o avanço da tecnologia permitiu a sua diminuição
e a não realização de diversos experimentos repetitivos e desnecessários no campo
científico. Todavia, muito ainda necessita ser feito, principalmente quando se trata
212
TINOCO, Isis Alexandra Pincella. Lei Arouca: Avanço ou Retrocesso? Disponível em:
http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/leiaroucaavanoouretrocesso.pdf. Acessado em 27 de outubro de
2010. 213
BRYAN, Howard. The three Rs and animal care and use. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos;
BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na Pesquisa e no
Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 110.
131
de evitar a realização de experimentos que ocasionam dor ou sofrimento aos
animais.
Nos Estados Unidos e na Europa há uma forte tendência para abandonar o
uso de animais no ensino médico, substituindo-os pelo emprego de métodos
alternativos. No Brasil, vem crescendo o apelo por uma “educação humanitária”, que
consiste, sempre que possível, no uso alternativo de animais no ensino. Conforme
descrevem Fin e Rigatto,214 a utilização de animais seria realizada através do uso
responsável, pela observação dos animais vivos, intervindo positivamente nos
doentes e utilizando os corpos daqueles que tiveram morte natural. Modelos e
simuladores mecânicos, filmes e vídeos interativos, simulação computadorizada e
realidade virtual são alternativas disponíveis no mercado para auxiliar professores
em aulas práticas.
As citadas autoras informam que algumas instituições de ensino superior
vêm, passo a passo, aderindo a métodos alternativos, trazendo como exemplos:
A Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de São Paulo
utiliza animais mortos e doados por clínicas veterinárias para aulas de técnica cirúrgica, a
partir de uma técnica especial de embalsamento de cadáveres que preserva textura natural
dos tecidos. Da mesma forma, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul emprega manequins, em substituição aos animais, nas aulas de técnica
operatória. A Escola Paulista de Medicina adotou modelos de ratos feitos em PVC para o
treinamento de microcirurgias. A disciplina de Fisiologia da Fundação Universidade
Federal de Ciências da Saúde Porto Alegre adotou o uso de CDs, software, DVDs de
aulas práticas demonstrativas filmadas, além do Rato Virtual (Virtual Rat) em
substituição aos animais de laboratório.
Outros métodos alternativos215 podem ser citados: o uso de modelos
matemáticos e computadores; o emprego de organismos “inferiores” não protegidos
pela legislação, incluindo invertebrados, plantas e micro-organismos; uso de
214
FIN, Cyntia Alencar; RIGATTO, Katya Vianna. O uso de animais no ensino. Apud FEIJÓ, Anamaria
Gonçalves dos Santos; BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.).
Animais na Pesquisa e no Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 112. 215
PAIXÃO, Rita Leal; SCHRAMM, Fermin Roland. Experimentação animal razões e emoções para uma ética.
Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 37.
132
estágios de desenvolvimento embrionário e fetal de vertebrados (até certas fases,
dependendo da espécie animal); o uso de métodos in vitro e estudos em humanos,
seja em voluntários, seja em estudos epidemiológicos, também são métodos
alternativos. Além de modelos, manequins, simuladores mecânicos, filmes e vídeos
interativos.
Há ainda outros métodos alternativos no uso de animais em experimentação,
como pontua Laerte Fernando Levai:216
1) Sistemas biológicos „in vitro‟ (cultura de células, de tecidos e de órgãos passíveis de
utilização em genética, microbiologia, bioquímica, imunologia, farmacologia, radiação,
toxicologia, produção de vacinas, pesquisas sobre vírus e sobre câncer);
2) Cromatografia e espectrometria de massa (técnica que permite a identificação de
compostos químicos e sua possível atuação no organismo, de modo não invasivo);
3) Farmacologia e mecânica quânticas (avaliam o metabolismo das drogas no corpo);
4) Estudos epidemiológicos (permitem desenvolver a medicina preventiva com base em
dados comparativos e na própria observação do processo das doenças);
5) Estudos clínicos (análise estatística da incidência de moléstias em populações
diversas);
6) Necropsias e biópsias (métodos que permitem mostrar a ação das doenças no
organismo humano);
7) Simulações computadorizadas (sistemas virtuais que podem ser usados no ensino das
ciências biomédicas, substituindo o animal);
8) Modelos matemáticos (traduzem analiticamente os processos que ocorrem nos
organismos vivos);
9) Culturas de bactérias e protozoários (alternativas para testes cancerígenos e preparo de
antibióticos);
10) Uso da placenta e do cordão umbilical (para treinamento de técnica cirúrgica e testes
toxicológicos); e
11) Membrana corialantóide (teste CAME, que utiliza a membrana dos ovos de galinha
para avaliar a toxicidade de determinada substância).
216
LEVAI, Laerte Fernando. Direitos dos animais. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2004, p. 67-68.
133
Outra barreira a ser enfrentada, ainda no tocante à experimentação animal no
ensino superior, reside no próprio corpo docente de muitas instituições de ensino.
Com efeito, os professores ainda resistem à apresentação de métodos alternativos
em suas aulas práticas, tendo em vista a cultura tradicional vivisseccionista.
A substituição dos animais nos métodos alternativos demonstrou, em muitos
casos, desempenho semelhante aos métodos de grupos que ainda utilizam animais
nas aulas práticas.
Todavia, as alternativas, evidentemente, não substituem com precisão o
funcionamento e os aspectos de um corpo de animal ou do ser humano. Por outro
lado, deve-se levar em conta que algumas alternativas ainda exigem o investimento
de vultosa quantia para se obter a eficiência ideal.
A Escola Paulista de Medicina utiliza modelos de ratos para que os alunos
treinem a dissecção. Os modelos podem ser reutilizados durante um certo período
de tempo.217
A pesquisadora Sônia T. Felipe esclarece que há mais de sessenta métodos
substitutivos ao modelo de olho-de-coelho ou teste Draize,218 dentre eles o chamado
eytex219 e o matrex. Segundo apontado, foi criado uma córnea artificial, produzida
com células humanas e desenvolvidas com técnicas da engenharia genética,
semelhante a córnea natural. Consoante afirmado: “essas córneas, produzidas „a
partir de pequena amostra de células humanas‟, embora ainda não possam ser
implantadas em humanos, servem para a realização do Teste Draize, que mede a
sensibilidade dos olhos a medicamentos e produtos químicos”.220
217
O custo de um simulador de rato para treinamento das técnicas básicas em maio de 2011 era de R$ 2.800,00,
segundo informações obtidas com a empresa de anatomia e simuladores virtuais, Civiam. Disponível:
http://www.civiam.com.br/civiam/index.php/simulador-rato-para-treinamento-das-tecnicas-basicas.html#.
Acessado em 17 de maio de 2011. 218
Esse modo de experimentação já foi explicado em páginas anteriores e consiste na aplicação nos olhos dos
coelhos, sem qualquer sedativo para aliviar a dor, determinados produtos, em soluções concentradas. 219
Produzido pelo National Testing Corp em Palm Springs, Califórnia, o eytex é um procedimento in vitro (em
tubo de ensaio), que mede irritação dos olhos através de um sistema de alteração da proteína. A proteína vegetal
do “feijão jack” imita a reação da córnea a uma substância alienígena. Esta alternativa é utilizada pela Avon em
vez do teste cruel Draize de irritação dos olhos. Disponível em: http://www.animalport.com/animal-testing.html.
Acessado em 31 de julho de 2011. 220
FELIPE, Sônia T. A ética e experimentação animal. Fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2007, p. 77-78.
134
Além dos modelos citados acima, a referida autora ainda cita como métodos
substitutivos os seguintes recursos audiovisuais: filmes e vídeos, modelos,
manequins e simuladores, simulação por computador e mídia, estudos em
cadáveres e tecidos obtidos de forma ética, trabalho clínico com pacientes animais e
voluntários, experimentos auto infligidos pelos próprios estudantes, laboratórios in
vitro e estudo de campo.221
Diversos países buscam meios alternativos para substituir o uso de animais
em experimentos de educação científica. Nesse sentido, temos a União Europeia,
com o chamado Centro Europeu para Validação de Métodos Alternativos (ECVAM),
os Estados Unidos, com o Comitê Organizador Interagências de Validação de
Métodos Alternativos (ICCVAM) e o Japão, com a Sociedade Japonesa de
Alternativas à Experimentação Animal (JSAAE). No Brasil, a discussão e os
resultados finais se encontram em estágio inicial.
5.3 A Dignidade da Vida e o Direito dos Animais
Como visto, a utilização do animal como objeto de experiência, em alguns
casos pode ser vista como um ato cruel, mas a submissão do animal nessas
circunstâncias, não se enquadra nas garantias constitucionais, pois a utilização a um
limite do necessário não implica a infração da Lei Maior ou dos demais preceitos
legais.
Não se discorre aqui sobre a utilização animal com motivos torpes ou fúteis.
Ao contrário, trata-se de sua justa utilização, seja na alimentação e subsistência
humana, seja na indústria farmacêutica, como produção de vacinas e meios de
facilitação para produzir remédios, seja também nos diversos campos da pesquisa
científica.
Muito embora se tenha tentado construir ao longo do presente trabalho uma
argumentação lógica capaz de demonstrar o direito da natureza e dos animais como
sujeitos de direitos no ordenamento jurídico, não se pode negar que o texto
221
Op. cit. p. 119.
135
constitucional tem como preocupação a vida humana acima de qualquer outra
questão.
De igual modo, não se pretende negar que existe uma certa incoerência entre
imputar à natureza e aos animais o status de sujeitos de direitos e, ao mesmo
tempo, justificar a sua utilização para fins de interesses do homem. Aliás, a
discussão deste trabalho reside basicamente neste ponto. Com efeito, de um lado,
temos a visão antropocêntrica em sentido amplo; de outro, inúmeros ativistas em
prol dos direitos dos animais que pregam a sua liberação plena, inclusive de uma
forma radical, que envolve até os animais domésticos, excluindo a visão
antropocentrista.
A grande justificativa das experiências com animais é o progresso da ciência,
para a descoberta de curas e males que assolam a sociedade moderna. Em
contrapartida, são inúmeros os objetivos das experiências que utilizam os animais,
como já demonstrado, seja nas experiências de artefatos militares, seja na indústria
de cosmético. Em suma, uma gama e variedade de “justificadas utilizações”, apenas
com o mero intuito econômico que proporcionam vultosas quantias a quem se
beneficia desses experimentos.
A afirmação de que utilizar animais em experimentos científicos nada mais é
do que uma visão discriminatória com base na espécie, o chamado especismo, uma
vez que muitos desses animais possuem uma capacidade de sentir e sofrer maior
do que muitos seres humanos com diversos e graves problemas cerebrais ou de
crianças recém-nascidas e órfãs e, que, portanto, deveriam utilizá-los nesses
experimentos ao invés dos animais, é em parte verdade. Peter Singer explica muito
bem essa questão:
Se os experimentadores não estiverem preparados para usar um bebê humano, o fato de
estarem prontos para usar animais não humanos revela uma forma injustificável de
discriminação com base na espécie, uma vez que primatas, macacos, cães, gatos, ratos e
outros animais adultos são mais conscientes daquilo que ocorre com eles, mais
autônomos e, portanto, até onde podemos dizer, pelo menos tão sensíveis à dor quanto um
bebê humano. Esclareci que o bebê humano seria órfão para evitar as complicações dos
sentimentos dos pais. A especificação do caso nesses termos é, quando muito,
ultragenerosa com aqueles que defendem a utilização de animais não humanos na
136
experimentação, uma vez que mamíferos destinados a experimentos são, em geral,
separados da mãe muito cedo, quando a separação causa angústia tanto para a mãe quanto
para o filhote.
Até onde sabemos, bebês humanos não possuem características moralmente relevantes
em grau mais elevado que animais adultos não humanos, a menos que se leve em conta as
potencialidades dos bebês como uma característica que torne errada sua utilização em
experimentos. Se essas características deveriam ser levadas em conta é algo controverso.
Se forem, deveríamos condenar o aborto juntamente com os experimentos em bebês, uma
vez que as potencialidades do bebê e do feto são as mesmas. Para evitar as complexidades
dessa questão, entretanto, podemos alterar um pouco nossa questão original e pressupor
que o bebê sofre de danos cerebrais irreversíveis tão graves que impedem qualquer
desenvolvimento mental além do nível de um bebê de seis meses de idade. Infelizmente,
há muitos bebês assim, encerrados em estabelecimentos especiais por todo o país, muitos
deles há muito abandonados pelos pais e outros parentes e, tristemente, às vezes, não
amados por ninguém. Apesar da sua deficiência mental, a anatomia e a fisiologia desses
bebês são, praticamente em tudo, idênticas a de bebês humanos normais. Se, portanto, os
obrigássemos a ingerir grandes quantidades de cera para assoalho ou pingássemos
soluções concentradas de cosméticos em seus olhos, teríamos indícios muito mais
confiáveis de segurança desses produtos para seres humanos do que ora obtemos tentando
extrapolar os resultados de testes sobre uma variedade de outras espécies. Os testes DL50,
os testes Draize nos olhos, os experimentos com radiação, os experimentos com
internação e muitos outros descritos anteriormente nesse capítulo poderiam nos dizer
mais sobre reações humanas a uma situação experimental se fossem realizados em seres
humanos com grave deficiência mental em vez de cães ou coelhos.222
Cumpre ressaltar que o citado autor não defende a realização de
experimentos em seres humanos com deficiência mental, como citado acima. Trata-
se apenas de uma exemplificação para um aprofundamento na discussão acerca
desse tema.
Assim, não se pode concordar com a utilização de seres humanos em
experimentos científicos pelo fato de se apresentarem com uma reduzida
capacidade de percepção da realidade (conceitos de moral, costumes e justiça), ao
contrário das pessoas que se apresentam como voluntárias mediante um
222
SINGER. Peter. Libertação animal. Marly Winckler (trad.). São Paulo: Lugano Editora, 2004, p. 90-91.
137
esclarecimento prévio e cientes das consequências que poderão enfrentar. Nesses
casos, desde que os critérios éticos prevaleçam, é preciso concordar com a sua
utilização, tal qual como é feito com inúmeros medicamentos que chegam ao
mercado.
Já em relação aos animais – tema do presente trabalho – a proposta é
respeitar direitos morais básicos em relação aos não humanos; trata-se de um dever
direto de proteção, no mesmo nível de igualdade com os direitos dos seres
humanos.
A situação atual quanto aos direitos dos animais é, de muitas maneiras,
semelhante à dos escravos negros do século XIX. Assim como eles, os animais são
excluídos do senso comum da humanidade, que usa os mesmos argumentos para
justificar a sua exclusão social (ausência de alma e de uma moral ética, eram
considerados seres inferiores, um instrumento vivo) e, consequentemente, a mesma
negação de seus direitos sociais.
Com certeza iremos algum dia fazer justiça às espécies tidas como
“inferiores” no sentido de reconhecer que são sujeitos de direitos por integrar-se à
vida do planeta. Para tanto, temos que nos livrar da nossa articulada noção de que
existe um grande abismo que separa a humanidade e reconhecer o vínculo que a
une a todos os seres vivos em um tipo de irmandade universal.223
Trata-se, na verdade, de justiça e consideração com os demais seres
existentes na Terra. Não podemos outorgar de forma absoluta o direito aos homens
e negá-los aos animais. A dor, por exemplo, que é infligida ao ser humano, também
pode ocorrer com os animais e o sofrimento será o mesmo, guardada as devidas
proporções.
Os animais possuem direitos a uma vida natural que, por sinal, são inerentes
a qualquer espécie. Entretanto, esses direitos, em determinados casos, podem estar
limitados em decorrência de um interesse permanente da sociedade. Então, se um
animal tiver que ser morto, portanto privado do direito à vida, abatido ou utilizado em
um determinado experimento científico, que lhe seja assegurado, em primeiro lugar,
223
SALT, Henry Stephens. Los derechos de los animales. Trad. Carlos Martín y Carmen González. Madrid: Los
Libros de La Catarata (trad.), 1999, p. 35.
138
a real e verdadeira necessidade de fazê-lo; se for feito, que seja com o menor
sofrimento possível.
É cediço que a fauna, ao lado dos demais recursos ambientais, exercem
relevante função na natureza e é essencial ao equilíbrio do ecossistema. Esse
equilíbrio faz com que cada componente do ecossistema cumpra sua finalidade para
mantê-lo estruturado e harmônico, constituindo-se em perfeito sistema de
interdependência.
Esse também é o pensamento de Edna Cardozo Dias quando afirma ainda
que os animais são sujeitos de direitos com representatividade, tal como os seres
relativamente incapazes ou totalmente incapazes, mas que, entretanto, são
reconhecidos como pessoas, apesar da incapacidade.224
Muitos defensores do direito animal apresentam seus argumentos com base
nas reações instintivas de um bebê recém-nascido. O recém-nascido não possui
uma sustentada consciência; nessa circunstância seus movimentos e gesticulação
são inferiores aos de um animal. Com efeito, os bebês choram apenas quando estão
com fome ou com dor, sem algum vínculo com o ambiente; ao passo que, em
relação aos animais, está comprovada cientificamente a interação desses animais
com os seres humanos, tendo todo o seu comportamento interagindo com o
ecossistema. Como, então, negar essa semelhança e não dar as mesmas condições
de direitos a esses seres vivos não humanos? Não seria este o motivo de precisar
proteger a criança recém-nascida, o fato de estar viva? Por que, então, haveria uma
diferença entre esses procedimentos?
Estes são os argumentos básicos colocados pelos defensores do
“abolicionismo animal”, uma vez que todos os seres vivos, em geral, dizem eles, têm
direito à vida, ao livre desenvolvimento da espécie, da integridade física e,
principalmente, ao não sofrimento.
A linha de argumentação e defesa em favor dos animais reside na seguinte
questão: não se discute a sua capacidade de falar ou de raciocinar, de legislar ou de
assumir deveres e obrigações; mas, o que está em jogo é a certeza de que são
capazes de sofrer, a evidência de que são seres sensíveis. Estes são os fatores
224
DIAS, Edna Cardozo. Os animais como sujeitos de direito. Apud SANTANA, Heron José de; SANTANA,
Luciano Rocha (coords.). Revista Brasileira de Direito Animal. Salvador. Ano 1, nº 1, 2006, p. 120.
139
preponderantes e vitais que conferem a um ser o direito de consideração igual aos
humanos.
Exemplos de atrocidades praticadas pelos seres humanos não faltam em
nosso cotidiano. Motivo suficiente para podermos imputar a eles a depreciativa
qualidade de seres “irracionais” ou de seres “inferiores” ou, até mesmo, no dito
popular, considerá-los “como uns animais”, com a ressalva de que o animal
irracional quando agride, o faz por instinto; o ser humano por maldade.
Infelizmente, por exemplo, os humanos, constituem a única espécie capaz de
destruir-se a si mesma, sem uma real necessidade física.
Portanto, negar aos animais direitos paritários pela simples alegação de que
não são sujeitos de deveres ou porque fazem parte da cadeia “inferior” da vida, são
argumentos levianos. Sua tutela é semelhante à de uma criança, que, bem vigiada,
não representa perigo, mas qualquer descuido pode ocasionar um verdadeiro
desastre.
Peter Singer traz uma passagem de Jeremy Bentham acerca da questão da
igualdade no que diz respeito à consideração de interesses como um princípio
moral. O texto de Bentham se refere à época em que os escravos negros haviam
sido libertados pelos franceses, mas eram tratados do mesmo modo como ainda
hoje os animais são tratados:
Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que
jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já
descobriram que o escuro da pele não é razão para que um ser humano seja
irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que um dia se
reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro
são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser senciente ao mesmo destino.
O que mais deveria traçar a linha instransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a
capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adultos são incomparavelmente
mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, de uma semana, ou até mesmo
de um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal
140
fato? A questão não é „Eles são capazes de raciocinar?‟, nem „São capazes de falar?‟,
mas, sim: „Eles são capazes de sofrer?225
Destaca-se, contudo, que a “capacidade de sofrer” não se resume a um
sentimento da dor. A defesa dos animais também se baseia na sua constituição
psíquica que envolve a capacidade de sentir prazer ou felicidade.
Sempre convém repetir que no mundo dualista de René Descartes, matéria e
substância pensante (consciência exclusiva da humanidade) exclui o animal da
categoria dos seres sem alma; nesse seu mundo e segundo sua teoria de cunho
racionalista, os animais não possuem alma, logo, são privados de consciência e de
razão. Para Descartes, os animais não sentem, não pensam, não têm prazer, nem
qualquer outro tipo de sensação ou expressão. Eles são como um relógio, com
efeitos reflexos de mecanismos. Aliás, seu funcionamento é mais complexo do que
um relógio propriamente dito; isso porque, explica Descartes, uns são produtos
humanos e os outros uma obra divina.
A distinção entre homem e animal, dizem os que têm um conceito
reducionista do ser vivo, reside no fato de o homem ter o dom da palavra, com a
qual utiliza o discurso para exprimir o útil e o prejudicial. O homem é um ser livre, ao
passo que os animais não escapam às regras que lhes são prescritas, agindo
meramente por instinto. Porém, a etologia demonstrou o contrário: animais se
comunicam entre e com espécies diferentes. Os anuros, por exemplo, vocalizam em
diferentes situações como: defesa do território, atração sexual, alarme,
agressividade, início de atividade e de agregar a espécie. O mesmo ocorre com
todas as espécies e grupos animais capazes de emitir sons. A comunicação pode
ser intra e interespecífica.
E o que dizer da distinção entre homens e mulheres? O que se deve levar em
conta é a igualdade de direitos, não a igualdade de fato; a igualdade de
consideração e não a igualdade de tratamento.
Singer chega a sustentar ainda a diferença entre uma pessoa senil, uma
criança recém-nascida e um deficiente mental. Ele argumenta que, nesses casos, tal
225
SINGER, Peter. Libertação animal. Marly Winckler (trad.). São Paulo. Lugano Editora, 2004, p. 9.
141
como os animais, a diferença reside basicamente no especismo puro e simples, ou
seja, um egoísmo de uma espécie por se considerar superior.
De fato, há uma proteção especial em relação a eles, principalmente em
razão da fragilidade em que se encontram.
François Ost226 destaca que o direito positivo não permite considerar o
animal, nem como objeto de direito, nem como um sujeito de direito. Deve-se, na
verdade, ser reinventado um estatuto jurídico que faça justiça ao animal, aquele ser
vivo que nos assemelha, porque, igual a nós, também é um ser vivo.
Nesse sentido, a Constituição Federal permite, de certa forma, a utilização
animal, ainda que esse ato represente a prática de atividades consideradas cruéis –
principalmente na questão dos direitos fundamentais da pessoa humana. Essas
práticas são autorizadas em prol de uma garantia da melhor qualidade de vida e
saúde dos seres humanos.227
Existem três correntes básicas e distintas que envolvem os direitos dos
animais. A primeira enfatiza o bem-estar animal; a segunda destaca os direitos dos
animais, tendo como Tom Regan seu principal defensor; a terceira salienta a
libertação animal, tendo Peter Singer como seu principal defensor. Nesse ponto de
vista, o bem-estar animal é geralmente visto como uma corrente “humanitária” em
defesa dos animais, por meio da qual se proíbe a crueldade desnecessária.
Segundo aponta Laerte Fernando Levai:
Aqueles que sustentam a visão antropocêntrica do direito constitucional, que veem o
homem como único destinatário das normas legais, que vinculam ao bem-estar da espécie
dominante o respeito à vida, que defendem a função recreativa ou cultural da fauna e que
consideram os animais ora coisas, ora bens ambientais, afastando sua realidade sensível,
rendem – deste modo – uma infeliz homenagem à intolerância, à insensatez e ao egoísmo.
Porque o Direito não deve ser interpretado como mero instrumento de controle social, que
garante interesses particulares e que divide bens. Deve projetar-se além da perspectiva
privada, buscando a retidão, a solidariedade e a virtude, para que se torne generoso e
justo. Nesse contexto, o próprio conceito de „educação ambiental‟ merece uma
226
OST, François. A natureza à margem da lei. A ecologia à prova do direito. Joana Chaves (trad.). Instituto
Piaget: Lisboa. 1995, p. 269. 227
Nesse sentido também: BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2003, p. 69.
142
interpretação mais profunda, livre do critério da utilidade que impregna as relações
humanas. Precisamos, na realidade, de uma outra metodologia de ensino. Um urgente
canto de despertar. Talvez buscando as lições do passado...228
A Associação Médica Veterinária Americana (American Veterinary Medical
Association – AVMA) defende que “bem-estar animal” e “direito dos animais” não
são sinônimos, e que a promoção do bem-estar é adotada como uma política oficial,
enquanto que a visão dos “direitos dos animais” não é endossada por essa entidade
por ser incompatível com a utilização responsável de animais para propósitos
humanos, tais como alimentação, companhia, recreação e pesquisas.
Por ora, entendemos que a melhor corrente para o caso posto em discussão
seja a mencionada por François Ost, em que deve ser reinventado um estatuto
jurídico, por meio do qual o animal seja tratado com dignidade e justiça, como ser
vivo integrante da natureza, em que a sua utilização não se relacione com a
diversão e torpeza humana.
5.4 Maus-tratos em Experimentos Científicos
O emprego de animais nos experimentos científicos – atualmente
questionável mediante os avanços tecnológicos que permitem, em alguns casos, a
sua substituição – é, sem dúvida, o procedimento onde os animais mais sofrem.
Segundo apontado por inúmeros pesquisadores, máxime no campo da
medicina – seja ela veterinária seja da saúde humana, a ciência e a tecnologia têm
avançado demasiadamente. Todavia e apesar dos avanços tecnológicos, até agora
não se chegou ao fim das práticas com a experimentação animal. Porém, a busca
por novos meios ainda se faz necessária, para que um dia a sociedade não mais
dependa desses seres vivos no campo da experimentação científica.
Nessa perspectiva, quaisquer métodos que inflijam dor aos animais nos
experimentos são condenáveis, tanto no plano ético – em relação aos nossos
228
LEVAI, Laerte Fernando. Direitos dos animais. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2004, p. 138.
143
deveres para com os seres vivos – como também no próprio campo da pesquisa a
ser realizada. Isso porque, ao impor medo e dor aos animais, há alterações em seu
metabolismo que podem alterar, inclusive, os resultados que se buscam nos
experimentos a serem feitos.229
Os tradicionais métodos de pesquisas que impeçam a utilização de
analgésicos e cuidados com os animais devem ser repelidos e abolidos das
comunidades científicas. Em inúmeros países, atualmente, é obrigatória por lei a
utilização de analgésicos em experimentação que ocasionar dor ou sofrimento aos
animais, quando puderem ser minimizados.
Nos dias de hoje, não se busca apenas eliminar a dor física na questão da
experimentação animal. É preciso frisar que existem outros fatores que contribuem
para o bem-estar animal, como as questões emocionais (felicidade e prazer),
condições físicas apropriadas (biotérios adequados com luminosidade e
temperatura), comportamento sexual, alimentação, meio ambiente e relação social
com os demais seres de sua espécie, etc.. Com certeza, esses fatores, quando
levados em conta, influem nos resultados da experiência.
As pesquisas científicas das empresas de cosméticos e da psicologia
comportamental são as que mais infligem sofrimento e dor aos animais de
experimentos. A indústria farmacêutica também é uma importante causadora de dor
e de sofrimento aos animais que utiliza.
Silvya Stuchi Maria-Engler e colaboradores da Faculdade de Farmácia da
USP desenvolveram a pele artificial que utilizada na indústria farmacêutica
minimizará, sobremaneira, os maus tratos a animais nesse campo, conforme segue:
229
O reconhecimento da dor em animais é tarefa extremamente árdua. Se nos seres humanos que são capazes de
falar e de se expressar mais facilmente do que os animais não humanos, o que dizer em relação a eles? Ademais,
muito embora a dor também seja um mecanismo de defesa, os animais tendem a “mascará-las”, evitando, assim,
meios de se tornarem presas fáceis.
Segundo artigo de Rivera (RIVERA, Ekaterina A. B. Analgesia, anestesia e eutanásia em roedores, lagomorfos,
cães e suínos. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos; BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo;
PITREZ, Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na Pesquisa e no Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto
Alegre: ediPUCRS, 2010, p. 199), “dentre os inúmeros estudos sobre a comprovação da dor em animais,
citamos como exemplo o de Colpaert (1980). Este demonstrou, por meio de um experimento com ratos, que os
animais sentem dor e tentam aliviá-la. Foram injetadas em ratos, bactérias que produzem artrite, sabendo que é
uma doença dolorosa em humanos. Foi oferecida aos animais a escolha entre água contendo medicamento
analgésico com péssimo sabor, e água açucarada e de bom sabor, normalmente aceita pelos ratos. Os ratos
escolheram a água contendo medicamento analgésico com péssimo sabor, e não a água açucarada e de bom
sabor, normalmente aceita pelos ratos. Os ratos escolheram a água com mau sabor, sinal de que a escolhiam
por suas propriedades analgésicas. Quando se recuperaram da artrite, voltaram a tomar água açucarada”.
144
Até bem pouco tempo, apenas métodos in vivo empregando animais de laboratório eram
utilizados para este fim. Atualmente, as indústrias farmacêuticas e cosméticas são
forçadas a atingir objetivos sociopolíticos e humanitários de reduzir o número de animais
utilizados na pesquisa, enquanto que, simultaneamente, necessita diminuir custos e gerar,
de forma relevante, dados reprodutíveis espécie-específicos, eliminando a
experimentação animal e atendendo definitivamente o conceito “3R” (reduzir, reutilizar,
reciclar). Os avanços da ciência possibilitaram o desenvolvimento de métodos in vitro
que, ao mimetizarem sistemas biológicos complexos, possibilitam atingir a meta de
redução de uso de animais (ESKES et. al., 2007; SPIELMANN et al., 2007). Além de
sistemas compostos por células isoladas, o sistema biomimético, apresentado neste
projeto, permite recriar em laboratório peles com as características morfofuncionais da
pele humana, com resultados reprodutíveis e que se aproximam daqueles que seriam
realizados em animais. Além da vantagem de minimizar o uso de animais, a semelhança
com a pele humana aproxima os resultados da situação real de exposição que nem sempre
é a obtida com o uso de animais.230
Os experimentos da psicologia comportamental incluem desde a privação
materna e exclusão do grupo social de determinada espécie com diversos estímulos
de dor para, basicamente, chegar ao estudo e análise do medo e do comportamento
do animal em determinadas situações a que são induzidas, tais como choques
elétricos e estresse emocional. Existem ainda casos de retirada de parte do cérebro
para observação das alterações do comportamento, animais recém-nascidos que
têm os olhos costurados para observação comportamental de um cego, etc. Além
desses estudos comportamentais, são utilizadas drogas já conhecidas e
experimentais, tais como antidepressivos, soníferos, sedativos, estimulantes e
tranquilizantes.231
A indústria armamentista também utiliza animais em seus experimentos.
Esses seres são submetidos a radiações de armas químicas e biológicas, bem como
expostos a gases. Eles são treinados em simuladores de voos e a em diversos tipos
de armamentos. Após a submissão daquelas radiações e armas químicas, são
exaustivamente obrigados a retornarem aos simuladores e à utilização das armas,
230
ENGLER, Maria Silvya Stuchi, et al. II Congresso Brasileiro de Bioética e Bem Estar Animal (4 a 6 de
agosto de 2010), Belo Horizonte: UFMG, 2010, p. 118-125. 231
ROSA, Instituto Nina. Não Matarás. Os Animais e os Bastidores da Ciência. DVD. 65 min.
145
seja para avaliação de um impacto desses componentes químicos em seres
humanos em guerra, seja para a própria utilização dos animais em situação de
guerra contra os homens. Todavia, além desses maus-tratos, não se justifica
comprometer a vida dos animais para uma guerra movida por interesses e
mesquinharia da espécie humana.
Os laboratórios de cosméticos com seus cremes e shampoos, como também
a indústria química (pesticida, herbicida e produtos de limpeza) empregam o
chamado método de “teste de Draize”, que surgiu em 1944, e é largamente utilizado
em coelhos.232 O método consiste em aplicar determinados produtos nos olhos dos
coelhos, sem qualquer sedativo para aliviar a dor, em soluções concentradas; eles
ficam em minúsculas caixas de contenção, com seu pescoço preso a ela para que
não possam se mexer ou se coçar.
Esse teste se presta para avaliar o grau de irritação ocular que pode ser
causada por determinadas substâncias. Ele é realizado em coelho, colocando-se a
substância a ser testada no saco conjuntival de apenas um olho. A observação do
outro olho serve como controle. A substância pode provocar alterações na córnea
conjuntiva e íris (ulceração, hemorragia, irritação, inchação e cegueira), que são
observadas e avaliadas de acordo com um padrão, para se verificar a segurança da
substância. Se não houver irritação após três dias, o teste está encerrado. Se
houver irritação, o estudo deve se estender até vinte e um dias, a fim de determinar
se as alterações são reversíveis.233
Alguns corantes e conservantes, além de pesticidas, cosméticos, drogas,
produtos de limpeza, são aplicados também em animais pelo método chamado de
“DL 50” para verificar neles a toxicidade desses produtos. Esse teste surgiu em 1927
e consiste em buscar a dose letal que levará à morte cinquenta por cento daquela
determinada amostra de animais. Frisa-se que boa parte dos animais – ou quase a
sua totalidade – utilizados neste método fica doente, vindo a falecer posteriormente.
Apenas uma pequena parcela se restabelece.234
232
Esse método foi inventado por John Draiz em 1944. 233
PAIXÃO, Rita Leal; SCHRAMM, Fermin Roland. Experimentação animal razões e emoções para uma ética.
Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 64. 234
Os sinais de envenenamento incluem lágrimas, diarreia, sangramento dos olhos e da boca e convulsões. Nesse
método, não se aplica nenhum tipo de anestésico ou sedativo.
146
Há ainda os testes de toxicidade com bebidas alcóolicas e com o fumo, que,
apesar do conhecimento de seus malefícios, ainda assim alguns animais continuam
sendo forçados a inalar a fumaça e a se embriagarem para posterior análise de seus
organismos com a sua dissecação.
Nos nossos dias, algumas técnicas substitutivas têm sido testadas a fim de
identificar a dose letal de uma determinada substância química. Como a maioria das
reações tóxicas ocorre em tecidos humanos, os testes de citotoxicidade em células
humanas podem ser utilizados como métodos substitutivos do DL50. Técnicas de
cromatografia e espectrometria também têm sido empregadas como métodos
substitutivos da determinação in vivo da DL50.235
235
MORRONE. Fernanda Bueno; CALIXTO, João Batista; CAMPOS, Maria Martha. Farmacologia e
toxicologia. Apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos; BRAGA, Luisa Maria Gomes de Macedo; PITREZ,
Paulo Márcio Condessa (orgs.). Animais na Pesquisa e no Ensino: Aspectos éticos e técnicos. Porto Alegre:
ediPUCRS, 2010, p. 359.
147
CONCLUSÃO
O presente trabalho procurou discutir as questões éticas e legais e do bem-
estar que envolve a utilização de animais em experiências de laboratórios e de
animais domésticos, sejam de companhia, sejam para o abate ou o denominado
lazer cultural.
De modo precípuo, a presente análise se baseou nos princípios da ecologia,
ciência que estuda as inter-relações entre os seres vivos e a natureza abiótica. Do
ponto de vista ecológico e sistêmico, a Terra é considerada um organismo vivo e a
relação das vidas existentes e do meio abiótico impõem, necessariamente, a
existência de um equilíbrio natural, que é a condição de sobrevivência de qualquer
ser vivo.
Na contramão desses princípios, a conveniência predatória do homem
sempre se pautou pela busca de todos os bens e pela exploração dos recursos
naturais para sua mera satisfação, sem qualquer racionalidade quanto às
consequências negativas para o meio ambiente.
Nessa visão antropocêntrica, os animais existem tão somente para servi-lo,
consoante a interpretação dada no livro do Gênesis, por meio da qual o homem
julgava-se, dono do mundo. Esse modo de pensar e de agir fez com que a
humanidade sempre se conduzisse pela busca de satisfação pessoal, à margem da
contrapartida do planeta, isto é, sem considerar “os direitos” da mãe Terra.
Como visto ao longo do presente trabalho, são inúmeras as questões éticas
que envolvem o uso de animais, seja em experimentos científicos, seja na sua
utilização em eventos tidos como culturais, seja para as necessidades humanas,
mas, que, carregam em sua essência uma série de abusos e maus-tratos para com
o ser.
A Constituição Federal assegura um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, essencial a uma sadia qualidade de vida. Porém, não podemos justificar
meios cruéis que, comprovadamente imputam maus-tratos com os demais seres
vivos, por uma atividade que em nada acrescenta culturalmente, como por exemplo,
148
a “farra do boi”, a vaquejada, as rinhas de galo, as touradas, os rodeios e também
com o excesso no uso de animais em experimentações científicas, etc.
Já em relação a indústria de cosméticos, é de conhecimento de que o seu
financiamento, decorre, basicamente, pela necessidade de satisfazer o ser humano
na conquista de uma beleza ideal cujo padrão é fortemente incentivado pela mídia
dos tempos atuais.
Para atender esse mercado, que cresce diariamente, dois são os métodos,
basicamente utilizados por essa indústria: o Draize e a ingestão forçada. O método
Draize, já visto anteriormente, consiste em injetar diversos produtos químicos nos
olhos de coelhos para se constatar a irritação em suas córneas (método de irritação
dos olhos ou draize eye irritancy). Há inda o método de irritação da pele, ou draize
patch test, em que os animais – basicamente coelhos e porcos-da-índia (preás) –
têm o pelo raspado para, depois, terem sob sua pele a pressão de uma fita adesiva
no local e retirada até a pele ficar extremamente sensível. Em seguida, acrescenta-
se o produto químico com o que se busca verificar a reação química daí proveniente.
A ingestão forçada é feita basicamente com batons, pó facial e make-ups, que os
animais são forçados a ingerir em grande quantidade. Seus órgãos internos são
rompidos ou queimados e, pelo método da DL 50, verifica-se a quantidade de animal
morto com essas substâncias.236 A maior crítica feita a esse experimento deve-se
não somente aos métodos cruéis e sofríveis que o animal é obrigado a passar, como
também em relação aos resultados dele obtidos, variando de indivíduo para
indivíduo que está sendo testado.
Na década de 1990, na Europa e nos Estados Unidos, a indústria de
cosméticos sofreu um dos maiores boicotes internacionais já realizados pelos
consumidores. Diversas empresas renomadas foram atingidas pelo apelo popular
para interromper a utilização de animais na indústria de cosméticos, tais como
L´Oreal, Lancôme, Garnier, Biotherm, Ralph Lauren, Giorgio Armani, Benetton.
Diversas empresas não mais utilizaram animas, tais como: Avon, Revlon, Benetton,
Yves Rocher, Roc Clarins, Givanchy, Yves-Saint-Laurent, Weleda, dentre outras.237
A Natura, empresa brasileira de cosméticos, a partir de dezembro de 2003,
deixou de utilizar animais em seus experimentos e, segundo consta no site da
236
DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 279. 237
DIAS, Edna Cardozo. Op. cit. p. 280-281. SINGER, Peter. Op. cit. p. 66; 280.
149
empresa, desde dezembro de 2006 foram eliminados por completo os testes com
animais em todas as etapas de pesquisa e avaliação de matérias-primas
desenvolvidas exclusivamente para a Natura, seja internamente, seja com parceiros
externos.238
Nesse mesmo campo de atuação, a empresa O Boticário também deixou de
realizar testes em animais durante a pesquisa e desenvolvimento de seus
produtos.239
A organização não governamental PEA – Projeto Esperança Animal divulga
uma lista contendo os nomes de todas as empresas, nacionais e internacionais, que
não mais utilizam testes em animais.240
A indústria farmacêutica também possui um histórico de protestos pela a
utilização de animais em seus experimentos. Os remédios produzidos ao longo das
últimas décadas, aliado a um melhor controle de saúde e higiene, proporcionaram
um aumento na expectativa de vida do ser humano.
Não se discute o vasto poder político e econômico que a indústria
farmacêutica possui. Todavia, não se nega que a vida humana depende da
produção de remédios e vacinas para o combate de muitos males que assolam a
sociedade, muito embora adeptos da corrente vegana241 não utilizem nenhum
medicamento que tenha sido produzido ou testado em animais. Atualmente, há uma
severa crítica a essa indústria pela produção em massa de medicamentos voltados
ao mercado consumidor e não às necessidades humanas.
Nesse contexto geral, temos de um lado a corrente dos protetores dos
animais, que, em muitos casos, são indevidamente utilizados como descrito ao longo
do presente trabalho. De outro lado, temos a corrente que justifica a necessidade de
utilização de animais para a produção de medicamentos, como por exemplo, as
vacinas e os soros antiofídicos.
238
Disponível em: http://www2.natura.net/Web/Br/Inst/politicas/posicionamentos-natura/src/teste-em-
animais.asp. Acessado em 31 de julho de 2011. 239
Disponível em:
http://internet.boticario.com.br/portal/site/universo/menuitem.ceac03a30b0486098d8aab103a108a0c/?epi_Categ
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1000002b04650aRCRD. Acessado em 31 de julho de 2011. 240
Disponível em: http://www.pea.org.br/crueldade/testes/naotestam.htm. Acessado em 31 de julho de 2011. 241
A filosofia vegana consiste no boicote de toda a produção proveniente de um meio animal, seja como
vestuário, seja na alimentação, seja com produtos de higiene e limpeza, bem como de medicamentos e
cosméticos.
150
Com esse pano de fundo, a experimentação animal sem qualquer meio de
controle, fere os princípios basilares da existência e da essência do ser.
A esse respeito, o crítico depoimento de Sônia T. Felipe, endossando a
proposta aqui apresentada:
Mas, para que a destruição de vidas animais pudesse ser justificada moralmente, o
resultado dos experimentos deveria representar, efetivamente, uma possibilidade de cura
do mal que assola humanos e animais. Experimentar por experimentar, combinar por
combinar e injetar para ver no que vai dar não caracterizam experiências científicas,
embora sejam experimentos. Ampliar o leque de produtos químicos oferecidos aos
consumidores para aumentar a concorrência, seguindo a lei do mercado, embora seja
economicamente justificável, não o é moralmente. Benefícios oferecidos a uns às custas
de danos, dor, sofrimento e morte de outros não alcançam justificativas éticas, ainda que a
moral em vigor esteja de acordo com tal prática. A moralidade de um povo expressa
apenas o que para essa gente tem sido costume praticar. A reflexão ética investiga e
desvela, na forma de princípios a serem considerados, o fundamento da moralidade
vigente. Se, pois, não aceitamos sofrer danos, dor e morte para benefício de outros –
princípio da não maleficência para benefício de terceiros, em outras palavras, o princípio
do não sacrifício, estabelecido pelo da igualdade moral de seres semelhantes – torna-se
eticamente inviável fundamentar um argumento moral baseado, por um lado, na defesa do
nosso direito de não sofrer danos, mas, por outro, no direito de os infligir a outros.242
Embora tardia e timidamente, a humanidade está tomando consciência e
tendo conhecimento de que grande parte – ou quase sua totalidade – dos males que
a afligem são decorrentes de condutas inadequadas em relação à vida humana e à
vida do planeta. Pode-se afirmar que boa parte desses malefícios poderiam ser
minimizados, se, ao invés da busca da cura de algumas doenças, procurássemos
evitá-las com a mudança nos hábitos alimentares e com a prática regular de
atividades físicas, por exemplo.
Para concluir, devemos entender que, em um contexto histórico, a existência
e a evolução do homem na Terra sempre esteve atrelada a utilização animal. No
início das eras, como fonte de alimentação e vestuário; atualmente, além dessas
242
FELIPE, Sônia T. A ética e experimentação animal. Fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2007, p. 320.
151
fontes, como meio de pesquisa em nome do avanço científico e o bem-estar da vida
humana.
Assim, as considerações e análises aqui apresentadas buscaram aprimorar e
da mesma forma apresentar meios éticos relacionados ao bem-estar animal,
condizente com a característica e essência do próprio ser integrante de uma mesma
cadeia e de um mesmo elo ecológico que todos os seres vivos que habitam o
Planeta.
152
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