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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE DOUTORADO EM DIREITO DO TRABALHO Arnaldo Boson Paes NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA: ABORDAGEM CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO A PARTIR DO PARADIGMA ESPANHOL SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE DOUTORADO EM DIREITO DO TRABALHO

Arnaldo Boson Paes

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA:

ABORDAGEM CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO

A PARTIR DO PARADIGMA ESPANHOL

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE DOUTORADO EM DIREITO DO TRABALHO

Arnaldo Boson Paes

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA:

ABORDAGEM CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO

A PARTIR DO PARADIGMA ESPANHOL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito do Trabalho, sob a orientação do Professor Doutor Renato Rua de Almeida.

SÃO PAULO

2013

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Arnaldo Boson Paes

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA:

ABORDAGEM CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO

A PARTIR DO PARADIGMA ESPANHOL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito do Trabalho, sob a orientação do Professor Doutor Renato Rua de Almeida.

Aprovada em São Paulo, / /

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________

Professor Doutor Renato Rua de Almeida

(Orientador)

________________________________________________________

2º Examinador

________________________________________________________

3º Examinador

________________________________________________________

4º Examinador

________________________________________________________

5º Examinador

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Agnelo e Lourdes,

à minha esposa Fátima

e aos meus filhos Arnaldo Júnior e Taís.

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AGRADECIMENTOS

Esta tese é fruto de longos anos de estudos e reflexões, idealizada e

concretizada por meio do incentivo e apoio de muitas instituições e pessoas. Por essa razão

aproveito esta ocasião para expressar meus agradecimentos àqueles que, por diversas formas,

contribuíram para sua consecução.

Inicialmente agradeço à Universidad de Castilla La Mancha e ao

Professor Doutor Antonio Baylos, que me conduziram aos primeiros estudos na Espanha

sobre o tema, concluídos com a realização de Mestrado e Doutorado.

Destaco o agradecimento à Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, e em especial ao Professor Doutor Renato Rua de Almeida, pela atenciosa orientação,

pelo apoio constante e pela admiração e amizade construída ao longo desta jornada.

Sou grato ainda ao Professor Doutor Tércio Sampaio Ferraz Júnior,

pela honra de ter sido seu aluno e de poder compartilhar importantes reflexões filosóficas, e

aos colegas do Doutorado na PUC/SP, pela convivência fraterna.

Devo agradecer o apoio que recebi da FAP TERESINA,

principalmente de sua direção e dos colegas professores, pelo apoio necessário, em especial

pela compatibilização das atividades docentes.

Agradeço igualmente ao Tribunal Regional do Trabalho da 22ª.

Região, sobretudo aos meus colegas desembargadores, que compreenderam e ajustaram

minhas férias e pautas de modo que eu não precisasse me afastar das funções jurisdicionais.

De modo especial agradeço aos servidores do gabinete, que, com o

apoio permanente e a inestimável colaboração, permitiram que eu me dedicasse ao curso,

assegurando assim a continuidade do trabalho, o cumprimento de todos os prazos e metas e

garantindo de forma ininterrupta a prestação jurisdicional.

E, por último, quero agradecer a toda minha família, e muito

especialmente à Fátima e aos meus filhos Arnaldo Júnior e Taís, pelo sacrifício durante estes

anos e, sobretudo, pelo incondicional carinho, apoio e compreensão.

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“[...] Los derechos humanos no son categorías previas ni a la acción

política ni a las prácticas económicas. La lucha por la dignidad humana

es la razón y la consecuencia de la lucha por democracia y por la justicia.

No estamos ante privilegios, meras declaraciones de buenas intenciones o

postulados metafísicos de una naturaleza humana aislada de las

situaciones vitales. Por el contrario, los derechos humanos constituyen la

afirmación de la lucha del ser humano por ver cumplimentados sus

deseos y necesidades en los contextos vitales en que está situado.”

Joaquín Herrera Flores

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade

AGE Administração Geral do Estado

AN Audiência Nacional

BOE Boletim Oficial do Estado

CC.AA Comunidades Autônomas

CE Constituição da Espanha

CF Constituição Federal de 1988

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

EBEP Estatuto Básico dos Empregados Públicos

EC Emenda Constitucional

EE.LL Entes Locais

ET Estatuto do Trabalhador

LMRFP Lei de Medidas de Reforma da Função Pública

LOLS Lei Orgânica da Liberdade Sindical

LORAP Lei de Órgãos de Representação, Determinação das Condições de Trabalho e Participação do Pessoal ao Serviço das Administrações Públicas

LOTC Lei Orgânica do Tribunal Constitucional

LRJCA Lei Reguladora da Jurisdição do Contencioso Administrativo

LRJAP Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e do Procedimento Administrativo Comum

MI Mandado de Injunção

MNNP Mesa Nacional de Negociação Permanente

MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

TEM Ministério do Trabalho e Emprego

OIT Organização Internacional do Trabalho

OJ Orientação Jurisprudencial

RDL Real Decreto Lei

RJU Regime Jurídico dos Servidores Civis da União

SAN Sentença da Audiência Nacional

SDC Seção de Dissídios Coletivos

STS Sentença do Tribunal Supremo

SSTC Sentenças do Tribunal Constitucional

STF Supremo Tribunal Federal

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STJ Superior Tribunal de Justiça

STC Sentença do Tribunal Constitucional

SUS Sistema Único de Saúde

TC Tribunal Constitucional da Espanha

TS Tribunal Supremo

TST Tribunal Superior do Trabalho

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RESUMO Boson Paes, Arnaldo. Negociação coletiva na função pública: abordagem crítica do modelo brasileiro a partir do paradigma espanhol. São Paulo. 2013. 251 p. Tese de Doutorado - Programa de Direito do Trabalho, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

A investigação aborda a temática da negociação coletiva na função pública, fazendo uma

abordagem crítica do modelo brasileiro a partir do paradigma espanhol. Pretende assim

analisar os pontos de aproximação e de divergência entre as duas experiências, considerando a

necessidade de implementação no Brasil de um sistema democrático de relações coletivas de

trabalho no regime jurídico-administrativo. Com esta perspectiva, o trabalho está dividido em

três partes, sendo a primeira destinada à análise dos marcos teórico e normativo necessários

ao reconhecimento do direito à negociação coletiva na função pública. Aqui são examinadas a

natureza do vínculo que se estabelece no regime jurídico-administrativo e os instrumentos

normativos da OIT destinados à regulação da participação dos servidores na determinação das

condições de trabalho na Administração Pública. Na segunda parte, analisa-se o modelo

brasileiro de não negociação coletiva, a partir do exame do aparato normativo constitucional,

da legislação instituidora do regime jurídico-administrativo, do precedente paradigmático

sobre a matéria do Supremo Tribunal Federal, da jurisprudência dos tribunais que se

consolidou posteriormente em relação aos direitos coletivos dos funcionários e da ratificação

pelo Brasil da Convenção 151 da OIT. Na terceira parte, é analisado o sistema espanhol de

negociação coletiva, com destaque para a análise do modelo constitucional e legal que se

consolidou progressivamente, apreciando de modo mais circunstanciado a questão da eficácia

jurídica dos instrumentos resultantes da negociação coletiva e o papel dos tribunais para a

garantia do exercício pleno e efetivo dos direitos coletivos pelos funcionários públicos. Ao

longo da tese, considerando a semelhança dos contornos normativos e jurisprudenciais que

envolveram o tema nos dois países, procura-se demonstrar a importância do aproveitamento

pedagógico e do progresso observado no direito espanhol para conformar e implementar no

Brasil um sistema de negociação coletiva na função pública compatível com o

reconhecimento constitucional dos direitos coletivos dos servidores públicos e com a

proclamação de um Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Negociação Coletiva. Função Pública – Brasil e Espanha.

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ABSTRACT

Boson Paes, Arnaldo. Negociação coletiva na função pública: abordagem crítica do modelo brasileiro a partir do paradigma espanhol. São Paulo. 2013. 251 p. Tese de Doutorado - Programa de Direito do Trabalho, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). This research addresses the issue of collective bargaining in the public sector, and it has a

critical approach of the Brazilian model from the Spanish paradigm. Thus, the aim is to

examine the points of convergence and divergence between the two experiences, considering

the need of implementing in Brazil of a democratic system of collective labor relations in the

legal and administrative systems. With this perspective, the study is divided in three parts; the

first one has as its purpose to analyze the theoretical and normative frameworks which are

necessary in order to recognize the right to collective bargaining in the public service. In this

first part we also examine the nature of the bond established in the legal and administrative

regime and the regulatory tools of the ILO intended to regulate the participation of public

servant in determining working conditions in the public service. The second part analyzes the

Brazilian model with no collective bargaining, from the examination of the normative

constitutional apparatus of the legislation which established the legal-administrative regime,

also from the paradigmatic precedent on the subject of the Supreme Court, and also from the

case law that subsequently consolidated itself in relation to the collective rights of employees

and the Brazilian ratification of the 151st Convention 151 ILO. The third part analyzes the

Spanish system of collective bargaining, with emphasis on examining the legal and

constitutional model that gradually consolidated itself, assessing in more detail the question of

the effectiveness of the legal tools which result from collective bargaining and the role of the

courts to guarantee the full and effective exercise of the collective rights for public

employees. Throughout the thesis, we analyzed the similarities of the normative and of the

jurisprudential contours surrounding the issue in both countries, and we did so as we tried to

demonstrate the importance of making good use of the learning process and of the progress

observed in Spanish law to conform in and implement in Brazil a system of collective

bargaining in the public sector which is consistent with constitutional recognition of collective

rights of public servants and the proclamation of a democratic state.

Keywords: Collective Bargaining. Public sector - Brazil and Spain.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15

PARTE I

MARCOS TEÓRICO E NORMATIVO PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO

À NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

2 MARCOS TEÓRICOS PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA ...................................... 23

2.1 CONFLITOS COLETIVOS NA FUNÇÃO PÚBLICA: OBJEÇÕES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA .............................................................................. 24

2.2 CONCEPÇÃO UNILATERALISTA DA FUNÇÃO PÚBLICA: POSTULADOS BÁSICOS................................................................................................................. 31

2.3 REVISÃO DOS POSTULADOS DA CONCEPÇÃO UNILATERALISTA: AFIRMAÇÃO DA CONTRATUALIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA ........... 35

2.4 CONTRATUALIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA: ABERTURA À NEGOCIAÇÃO COLETIVA .............................................................................................................. 48

2.5 MODELOS DE PARTICIPAÇÃO NA DETERMINAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NA FUNÇÃO PÚBLICA: CONSULTA E NEGOCIAÇÃO COLETIVA............................................................................................................... 55

3 MARCOS NORMATIVOS SOBRE LIBERDADE SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA NO DIREITO INTERNACIONAL ........ 60

3.1 LIBERDADE SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA NO DIREITO INTERNACIONAL ....................................................................... 62

3.1.1 Atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho. Defesa e promoção da liberdade sindical e da negociação coletiva............................................................. 62

3.1.2 Convenção nº 87. O reconhecimento com caráter geral da liberdade sindical a todos os trabalhadores............................................................................................................ 68

3.1.3 Convenção nº 98. O significado da negociação coletiva e o dever de cumprimento dos instrumentos normativos ......................................................................................... 70

3.1.4 Convenção nº 151. Exigência de procedimentos de negociação para determinação das condições de trabalho na Administração Pública .................................................... 74

3.1.5 Convenção nº 154. A negociação coletiva como elemento essencial da liberdade sindical ................................................................................................................... 75

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3.2 PRECEDENTES DA OIT SOBRE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA. LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E INTERFERÊNCIAS LEGISLATIVAS..................................................................................................... 78

3.3 RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA NO DIREITO INTERNACIONAL ................................... 82

PARTE II

SISTEMA BRASILEIRO DE NÃO NEGOCIAÇÃO COLETIVA: PREVALÊNCIA DA UNILATERALIDADE NA FUNÇÃO PÚBLICA

4 CONFLITOS COLETIVOS NA FUNÇÃO PÚBLICA: PREVALÊNCIA DA UNILATERALIDADE ............................................................................................. 89

4.1 SINDICALIZAÇÃO E NEGOCIAÇÃO COLETIVA DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ................................... 89

4.2 NEGAÇÃO DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADIN 492-DF ..................... 93

4.3 REPERCUSSÃO DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADIN 492-DF NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS ............................... 100

4.4 RECONHECIMENTO DO DIREITO DE GREVE DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SEUS EFEITOS EM RELAÇÃO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA...................................................... 104

5 INICIATIVAS TENDENTES À INSTITUCIONALIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA ................................................................... 107

5.1 RATIFICAÇÃO PELO BRASIL DA CONVENÇÃO Nº 151 DA OIT: EXIGÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA .................................................................................................................. 107

5.2 CRIAÇÃO DA MESA NACIONAL DE NEGOCIAÇÃO PERMANENTE: OS PARÂMETROS NORMATIVOS DO DECRETO Nº 7.674/2012 ..................... 109

5.3 INICIATIVAS PARA REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA .................................................................. 112

5.3.1 A proposta de regulamentação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.. 112

5.3.2 A proposta de regulamentação elaborada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão..................................................................................................................... 116

PARTE III

SISTEMA ESPANHOL DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA:

EFICÁCIA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS

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6 FUNÇÃO PÚBLICA E NEGOCIAÇÃO COLETIVA: TENDÊNCIA À HOMOGENEIZAÇÃO DOS REGIMES JURÍDICOS LABORAL E FUNCIONARIAL .................................................................................................... 124

6.1 MARCOS NORMATIVOS HISTÓRICOS: SUPERAÇÃO PROGRESSIVA DA UNILATERALIDADE ........................................................................................... 125

6.2 JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL: INTERPRETAÇÃO ORIENTADA PELA UNILATERALIDADE ............................................................................... 129

6.3 SISTEMA CONSTITUCIONAL: CONFORMAÇÃO INTERPRETATIVA DA CONTRATUALIDADE ......................................................................................... 132

6.4 TENDÊNCIA À HOMOGENEIZAÇÃO DOS REGIMES JURÍDICOS LABORAL E FUNCIONARIAL ............................................................................................... 140

6.5 IMPLICAÇÃO SOBRE A FUNÇÃO PÚBLICA EM FACE DO SISTEMA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA ADOTADO PELA LEI Nº 7/2007 (EBEP)........ 145

7 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA. O FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO ...................................................................... 151

7.1 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA: PROBLEMAS DECORRENTES DE SEU RECONHECIMENTO COMO DIREITO DE CONFIGURAÇÃO LEGAL ................................................................................ 151

7.2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA EM NÍVEL CONSTITUCIONAL. O FUNDAMENTO DO DIREITO .............................. 155

7.2.1 A infundada incompatibilidade entre o regime estatutário e a negociação coletiva 155

7.2.2 A falsa indiferença constitucional em face da negociação coletiva na função pública 157

7.2.3 Inaplicabilidade do artigo 37.1 CE como fundamento da negociação coletiva na função pública ..................................................................................................................... 159

7.2.4 A insuficiência da integração da negociação coletiva no conteúdo adicional da liberdade sindical dos funcionários públicos .......................................................................... 163

7.2.5 A necessária integração da negociação coletiva no conteúdo essencial da liberdade sindical dos funcionários públicos .......................................................................... 168

8 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA EM NÍVEL LEGISLATIVO. A CONFIGURAÇÃO DO DIREITO........................................................................ 172

8.1 SISTEMA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA INSTITUÍDO PELA LEI Nº 9/1987 (LORAP), MODIFICADA PELA LEI Nº 7/1990 ............ 172

8.2 SISTEMA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA INSTITUÍDO PELA LEI Nº 7/2007 (EBEP) .................................................................................. 175

8.2.1 A regulação intervencionista e minuciosa contida na Lei nº 7/2007 (EBEP) ......... 176

8.2.2 Reconhecimento legal da negociação coletiva conjunta de funcionários e trabalhadores .......................................................................................................... 182

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8.2.3 O exercício do direito de negociação coletiva na função pública na Lei nº 7/2007 (EBEP)..................................................................................................................... 186

8.2.3.1 Âmbito subjetivo da negociação coletiva............................................................. 187

8.2.3.2 Estrutura da negociação coletiva: as Mesas ......................................................... 188

8.2.3.3 Sujeitos negociadores: a composição das Mesas.................................................. 193

8.2.3.4 Conteúdo da negociação coletiva: matérias incluídas e excluídas da negociação 197

8.2.3.5 Procedimento da negociação coletiva. O dever de negociar de boa-fé. ............... 199

8.2.3.6 Conclusão da negociação coletiva: acordos e desacordos.................................... 204

9 EFICÁCIA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS............................................ 211

9.1 NATUREZA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS: CONTRATOS COLETIVOS NORMATIVOS ........................................................................ 212

9.2 EFICÁCIA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS: DELIMITAÇÃO DOS EFEITOS DO DESCUMPRIMENTO DOS INSTRUMENTOS NEGOCIADOS 217

9.3 POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE SUSPENSÃO OU MODIFICAÇÃO DO CUMPRIMENTO DOS PACTOS E ACORDOS: EXIGÊNCIA DE NOVO PROCEDIMENTO DE NEGOCIAÇÃO ............................................................ 224

9.4 ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DO DIREITO DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA .......... 230

10 CONCLUSÃO............................................................................................................ 240

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 245

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15

1 INTRODUÇÃO

Os sistemas democráticos de relações coletivas de trabalho vêm

reconhecendo a legitimidade e a necessidade de os funcionários participarem na formação das

normas que regulam suas condições de trabalho na função pública.1 Incursão história nas

democracias contemporâneas demonstra que gradualmente passou-se de um sistema de não

negociação para um sistema de negociação formal, intercalado por uma realidade de

negociação informal. E, na evolução desse processo de institucionalização da negociação

coletiva, tem exercido papel decisivo a existência de movimento sindical organizado,

reforçado por sucessivas lutas sindicais, que ensejou a consolidação de técnicas de tutela dos

direitos sindicais, como a liberdade sindical e o direito de greve, levando os sindicatos “[...] a

tomar conciencia de que corresponde a ellos el ejercicio de la autotutela de sus intereses

laborales, cayendo, así, uno de los grandes obstáculos que se interponían en el camino hacia el

pleno reconocimiento de la autonomia colectiva de los sindicatos de empleados públicos.”2

Nesse sentido, progressivamente os métodos e procedimentos

incorporados pelo Direito do Trabalho passam a exercer forte influência sobre a

institucionalização da negociação coletiva no âmbito da função pública, na medida em que,

com o reconhecimento constitucional dos direitos sindicais dos funcionários públicos, passa a

existir uma “[...] integración de los funcionarios públicos em el Derecho Coletivo del

Trabajo”3. Nesse aspecto, por meio das experiências já consolidadas no âmbito do Direito do

Trabalho, observa-se em muitos sistemas jurídicos uma tendência à renovação, oxigenação e

democratização do Direito Administrativo, que passa por uma erosão de suas bases e de seus

princípios fundamentais. O Brasil, no entanto, não se encontra no rol dos países em que a

negociação coletiva constitui instrumento democrático de participação dos funcionários no

1 Envolvendo o estudo dois sistemas jurídicos, ao longo do texto as expressões “servidor público”, “funcionário

público”, “trabalhador público” e “empregado público” são utilizadas indistintamente para designar aqueles trabalhadores que mantém com o Estado uma relação de natureza jurídico-administrativa. No Brasil, no entanto, o termo “servidor estatutário” designa apenas o servidor sujeito ao regime “estatutário” e ocupante de cargo público e o termo “empregado público” refere-se exclusivamente ao servidor contratado pela legislação trabalhista e ocupante de emprego público. Na Espanha, o trabalhador sujeito ao regime jurídico-administrativo é designado “funcionário público, embora a Lei nº 7/2007 (EBEP), seguindo a terminologia da OIT, tenha unificado o termo “empleado público” para designar qualquer trabalhador da Administração Pública.

2 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 209. 3 DEL REY GUANTER. Estado, sindicatos y relaciones colectivas en la función pública, 1986, p. 25.

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16

processo decisório, estando completamente afastada a figura da negociação e de seus

instrumentos. Em face da decisão paradigmática proferida pelo Supremo Tribunal Federal

(STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 492-DF, que cristalizou a ideia de que

não sendo possível “[...] a Administração Pública transigir no que diz respeito à matéria

reservada à lei, segue-se a impossibilidade de a lei assegurar ao servidor público o direito à

negociação pública”, a Administração Pública brasileira ainda encontra-se presa a concepções

teóricas já superadas, preservando práticas autoritárias que determinam unilateralmente as

normas que regulam as relações de trabalho na função pública e negando aos funcionários

públicos o pleno e efetivo dos direitos coletivos que lhes são reconhecidos pela Constituição

Federal de 1988 (CF).

O Direito Comparado, por sua vez, vem demonstrando a necessidade

da adequação do modelo brasileiro de função pública à nova realidade sociopolítica que as

experiências jurídicas democráticas consagram. Exemplos nesse sentido são numerosos, mas,

para o âmbito desta investigação, é suficiente referir ao sistema espanhol de negociação

coletiva na função pública. Conquanto apresente algumas deficiências, a Espanha, pela

aproximação quanto ao sistema jurídico e de similitude quanto ao perfil da Administração

Pública, constitui importante modelo a ser considerado para efeito de comparação das

relações coletivas de trabalho na função pública. Na Espanha, como no Brasil, a possibilidade

de negociação coletiva sofreu inicialmente forte restrição dos tribunais, mas ali houve

significativo avanço, evoluindo e abrindo espaço para que fosse construído novo

entendimento, até o reconhecimento do direito à negociação coletiva. Em razão dessa

similaridade de trajetória, parece evidente a importância desse estudo, com identificação dos

pontos de contato e de divergência entre os dois sistemas jurídicos. Deve ser considerado,

ademais, que o método comparativo é instrumento valioso para a compreensão do direito

nacional, pois os estudos comparativos têm a virtude de permitir adquirir conhecimentos

sobre outro sistema, mas também de fazer melhor compreender nosso próprio Direito.

Diante desse contexto, este estudo examina os modelos adotados no

Brasil e na Espanha no tocante à negociação coletiva na função pública. O trabalho está

dividido em três partes, sendo a primeira dedicada à análise dos marcos teórico e normativo

para o reconhecimento do direito à negociação coletiva na função pública. A segunda parte

trata do modelo brasileiro de não negociação coletiva, com ênfase sobre as consequências da

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17

prevalência do modelo baseado na definição unilateral pelo Poder Público das condições de

trabalho e sobre as práticas informais de negociação coletiva, apreciando ainda os efeitos

decorrentes da recente ratificação pelo Brasil da Convenção 151 da Organização Internacional

do Trabalho (OIT) e as propostas tendentes à institucionalização da participação dos

funcionários na determinação de suas condições de trabalho. A terceira parte é dedica à

análise do sistema espanhol de negociação coletiva na função pública, identificando seus

avanços e suas limitações, que podem ser considerados como experiência consolidada com

possibilidade de seu aproveitamento pedagógico pelo Brasil.

A parte I do trabalho, que trata dos marcos teórico e normativo sobre

a negociação coletiva na função pública, compõe-se de dois capítulos.

O capítulo 2 é dedicado à investigação da natureza jurídica do liame

que une o funcionário público ao Estado. Inicia com a análise do aparecimento e consolidação

dos conflitos coletivos na função pública, com a demonstração de sua natureza essencialmente

conflituosa e prossegue com a sistematização das principais objeções à negociação coletiva.

Como desdobramento, aprecia as bases teóricas acerca da natureza da relação jurídico-

administrativa, buscando inicialmente identificar os postulados básicos da concepção

unilateralista e, em seguida, apresentar os aportes que justificam sua superação. Revisados os

postulados da concepção unilateralista, são apresentadas as bases para concebê-la como

vínculo de natureza bilateral, consensual, em que se afirma sua contratualidade, cuja

concepção propicia espaço para a negociação coletiva. No final, são apontados os meios de

participação dos funcionários na determinação de suas condições de trabalho, demonstrando a

importância da evolução de um modelo de simples consulta para o de negociação coletiva.

O capítulo 3 aborda o processo de reconhecimento e consolidação dos

direitos coletivos dos funcionários públicos no Direito Internacional. Busca demonstrar que os

direitos coletivos transcendem as fronteiras do Estado nacional e por isso não podem ser

apreciados exclusivamente na perspectiva dos ordenamentos jurídicos internos. Com esse

propósito, faz uma descrição e análise dos instrumentos normativos internacionais e procura

realçar o papel que eles exercem na interpretação e aplicação do sistema normativo que regula

os direitos coletivos dos funcionários públicos. Examina as principais convenções da OIT, na

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ideia de que suas normas continuarão orientando e influenciando a política social no mundo e

na convicção de que seus instrumentos normativos constituem um piso para o qual ou sobre o

qual há de evoluir o direito interno dos países. Em seguida são examinados precedentes da

OIT sobre limitações orçamentárias e interferências legislativas na negociação coletiva. Na

etapa final, a partir das normas internacionais, busca estabelecer a relação entre liberdade

sindical e negociação coletiva dos funcionários públicos.

A parte II examina o modelo brasileiro de não negociação coletiva.

O capítulo 4 focaliza o tratamento conferido aos direitos coletivos dos

funcionários pela CF, seguindo uma análise crítica do acórdão do STF proferido na ADIn

492-DF, que reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 240, alínea d, da Lei nº 8.112/90,

que assegurava aos funcionários o direito de negociação coletiva. Nesse ponto, aprecia os

efeitos provocados por esse precedente no universo jurídico e nas práticas administrativas. A

importância dessa análise reside na circunstância de que, em razão daquela decisão

paradigmática, prevalece, tanto no âmbito da Administração Pública, como no da

jurisprudência dos tribunais, a recusa à participação dos funcionários na definição de suas

condições de trabalho. Em seguida, o estudo procura demonstrar que isso é fruto de uma visão

autoritária de Estado, em que a negociação coletiva aparece como instrumento incompatível

com a função pública. Em continuação, o capítulo analisa de que forma o precedente do STF

no julgamento do Mandado de Injunção (MI) 708/DF e do MI 712/PA, que admitiu o direito

de greve dos servidores públicos mediante a aplicação por analogia da Lei nº 7.783/89,

repercute e autoriza sua institucionalização por meio de legislação regulamentadora.

O capítulo 5 trata das iniciativas tendentes à institucionalização no

Brasil da negociação coletiva na função pública. Aborda inicialmente a importância da

ratificação da Convenção nº 151 da OIT e sua repercussão no debate pela concretização de

sua regulamentação. Em seguida, depois de uma breve análise de algumas experiências

informais de negociação, o estudo examina o modelo de diálogo em curso no âmbito do Poder

Executivo Federal, inclusive a novel regulamentação levada a efeito pelo Decreto nº

7.674/2012. Na parte final do capítulo, são examinadas as propostas de regulamentação da

negociação coletiva elaboradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), apontando as perspectivas em

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relação à evolução dos debates e à possibilidade de adoção no Brasil de um modelo

democrático e efetivo de negociação coletiva entre os funcionários e a Administração Pública.

A parte III da investigação aborda o sistema espanhol de negociação

coletiva na função pública.

O capítulo 6 faz uma abordagem constitucional e legislativa sobre a

tendência na Espanha à homogeneização dos regimes jurídicos laboral e funcionarial.

Inicialmente realiza um escorço histórico sobre os marcos normativos, identificando o

processo contínuo em direção à superação progressiva da unilateralidade e afirmação da

contratualidade. Examina a mudança absoluta e transcendental operada na tradição espanhola

com a Constituição de 1978, sobretudo com a proclamação do Estado Social e Democrático

de Direito (artigo 1º, Constituição da Espanha-CE) e com o reconhecimento dos direitos

coletivos dos funcionários (artigo 28.1 CE). Demonstra que não há um único modelo de

função pública e que o legislador ordinário tem a possibilidade de conformar o regime

jurídico dos funcionários segundo a opção política de cada momento concreto, respeitados os

demais princípios e valores constitucionais. Nesse propósito, analisa a interpretação do

modelo de função pública levado a efeito pelo Tribunal Constitucional da Espanha (TC),

indicando a necessidade de sua revisão de modo a assegurar a plena eficácia dos direitos

coletivos dos funcionários. Segue a constatação de que na Espanha há uma forte tendência

legislativa de homogeneização dos regimes jurídicos laboral e funcionarial, examinando

inclusive a implicação sobre a negociação coletiva em face da regulação conjunta dos dois

regimes na Lei nº 7/2007 (EBEP - Estatuto Básico do Empregado Público).

O capítulo 7 versa sobre o tratamento constitucional conferido ao

tema a partir das decisões do TC. Aborda inicialmente os problemas decorrentes do

reconhecimento da negociação coletiva como direito de simples configuração legal. Em

seguida, examina se o direito à negociação dos funcionários públicos extrai-se de forma direta

e imediata da CE, considerando o direito à liberdade sindical estatuído no artigo 28.1 CE, o

direito à negociação coletiva dos trabalhadores em geral disciplinado no artigo 37.1 CE e o

disposto no artigo 103.3 CE, que trata do “estatuto de los funcionarios públicos” e que dispõe

sobre “las peculiaridades del ejercicio de su derecho a sindicación”. O tema é analisado a

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partir da interpretação contida na Sentença do Tribunal Constitucional (STC) 57/1982,

importante precedente que ainda hoje exerce forte influência na conformação da negociação

coletiva dos funcionários na Espanha. Na parte final, são apreciadas as decisões mais recentes

do TC acerca do fundamento do direito.

O capítulo 8, considerando a prevalência na jurisprudência espanhola

da negociação como direito de exclusiva configuração legal, é dedicado ao estudo das leis que

regulam a matéria. Diante da importância histórica que representou, é feito um breve estudo

da Lei nº 9/1987, com as alterações promovidas pela Lei nº 7/1990, que dispôs sobre os

Órgãos de Representação, Determinação das Condições de Trabalho e Participação do Pessoal

ao Serviço das Administrações Públicas (LORAP). Em seguida é realizado exame mais

aprofundado da Lei nº 7/2007, de 12 de abril, que dispõe sobre o EBEP, que veio a substituir

a legislação anterior. Esta parte é reservada ao estudo do novo marco normativo da

negociação coletiva na função pública, abordando seus aspectos mais fundamentais, incluindo

o âmbito subjetivo, estrutura da negociação, sujeitos negociadores, conteúdo, procedimento e

conclusão da negociação. Em diversos momentos são apreciados os aspectos da

obrigatoriedade da negociação e o dever de negociar de boa-fé.

O capítulo 9 é destinado à análise da eficácia jurídica dos Pactos e

Acordos. Para tanto, examina a natureza desses instrumentos, tendo como ponto de partida

sua assimilação aos convênios coletivos. Segue a abordagem propriamente da eficácia dos

Pactos e Acordos, enfocando, quanto a ambos, sua vinculação para a Administração Pública e,

em relação aos Acordos, a possível vinculação para o Parlamento quando se tratar de

negociação pré-legislativa. Aborda também a eficácia negativa da negociação coletiva,

buscando estabelecer as consequências jurídicas decorrentes do descumprimento pela

Administração Pública do dever de negociar. Trata ainda da previsão contida no EBEP de

suspensão ou modificação dos Pactos e Acordos, com especial referência à apreciação dos

aspectos jurídicos do Real Decreto-Lei (RDL) nº 8/2010, que em decorrência da recente crise

financeira espanhola promoveu a redução de salários já objeto de regulação por meio de

instrumento coletivo. Na última parte, aborda a atuação dos tribunais como instrumento de

garantia e concretização do direito à negociação coletiva e da eficácia dos instrumentos dela

resultantes.

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O capítulo 10 é dedicado à sistematização das conclusões.

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PARTE I

MARCOS TEÓRICO E NORMATIVO PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO

À NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

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2 MARCOS TEÓRICOS PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO À

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

Este capítulo pretende aportar pressupostos teóricos suficientes para

fundamentar o reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários públicos, em especial o

direito à negociação das condições de trabalho, considerado integrante do conteúdo essencial

da liberdade sindical. O desenvolvimento busca estabelecer as linhas gerais da liberdade

sindical e da negociação coletiva, sem se reportar a ordenamento jurídico específico, na

convicção de que a conformação do direito faz-se segundo as opções históricas de cada

sistema normativo, devidamente contextualizado e vinculado à realidade de cada sociedade.

Conquanto a conformação do direito esteja condicionada por razões temporais e espaciais,

impõe-se a observância de seu núcleo essencial, considerando sua consagração nos

ordenamentos jurídicos democráticos e nos instrumentos normativos internacionais que tratam

da liberdade sindical e da negociação coletiva das condições de trabalho.

Procura-se verificar o processo de aparecimento dos conflitos na

função pública e indicar as principais objeções teóricas ao reconhecimento da negociação

coletiva como instrumento de solução desses conflitos. Como desdobramento, demonstra-se a

natureza contratual da relação de função pública, pressuposto para justificar a relevância da

negociação como instrumento adequado para solucionar os conflitos coletivos aí surgidos.

Evidencia-se a contratualidade da função pública e, para tanto, faz-se necessária a revisão dos

postulados da concepção unilateralista e a superação de dogmas da doutrina administrativista

tradicional. O objetivo é demonstrar que a natureza contratual, bilateral, consensual, constitui

uma exigência do Estado Democrático de Direito, na medida em que este reconhece aos

funcionários o direito de liberdade sindical e produz uma considerável erosão dos princípios

autoritários próprios do sistema estatutário dos funcionários públicos. Essa nova concepção

oferece abertura à autonomia coletiva e melhor se ajusta ao modelo de relações coletivas

democráticas, em que haja efetivo protagonismo da negociação coletiva. Na parte final,

examina as formas de participação na determinação das condições de trabalho, distinguindo o

modelo de simples consulta do modelo de negociação coletiva.

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2.1 CONFLITOS COLETIVOS NA FUNÇÃO PÚBLICA: OBJEÇÕES À

NEGOCIAÇÃO COLETIVA

No setor privado, foi árdua e penosa a luta pela conquista dos direitos

coletivos dos trabalhadores.4 Brevemente, pode-se pontuar que, objetivando evitar a pressão

dos grupos organizados em detrimento da liberdade individual consagrada pela Revolução

Francesa, a Lei Le Chapelier (1791) proibiu a coalizão de cidadãos, impedindo assim toda

reunião de patrões e trabalhadores. Ficava então vedada a organização com o fim de

pressionar pela implementação ou modificação de condições de trabalho. Nesse período de

repressão, estavam em pleno vigor os princípios fundamentais do liberalismo e as leis puniam

severamente a associação para fins reivindicatórios, instituindo o delito de coalizão. Somente

em 1871, na Inglaterra, surgiu a primeira lei afirmativa do direito de sindicalização, mas foi a

partir da Lei Waldeck-Rousseau, no ano de 1884, na França, que diversos países passaram a

reconhecer o direito de sindicalização.5

Progressivamente, o conflito trabalhista moderno expande-se para

além dos limites da fábrica e da empresa privada, ingressando de forma paulatina no antes

impermeável âmbito da função pública. Com o incremento do número de trabalhadores a

serviço da Administração Pública e com a sucessiva deterioração das condições de trabalho,

entre 1880 e 1890, surgiram as primeiras associações sindicais inicialmente na Inglaterra.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a aglutinação de funcionários em associações sindicais

4 Esses direitos, frutos de processos históricos de luta pela dignidade humana, como adverte HERRERA

FLORES em Teoria Crítica dos Direitos Humanos: os direitos humanos como produtos culturais, 2009, p. 195, não podem ser compreendido como algo já conseguido, estabelecido de uma vez por todas e cuja problemática residiria em colocá-los em prática, como se a efetividade de um direito fosse algo neutro, independente das relações de poder. Segundo esse autor, os direitos são “algo que existe como prática e, sobretudo, como potência, como algo a conseguir, a conquistar, a construir por meio de práticas sociais”.

5 Para uma consulta histórica: PALOMEQUE LÓPEZ. Derecho Sindical Español, 1991. p. 48-55; DE LA CUEVA. Derecho Mexicano del Trabajo, 1967, p. 238-25; SUSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA; TEIXEIRA. Instituições de Direito do Trabalho II, 1999, p. 960-975; RUPRECHT. Relações coletivas de

trabalho, 1995, p. 59-76; NASCIMENTO. Compêndio de Direito Sindical, 2000, p. 37-60.

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ganhou proporções consideráveis, quando, com o advento de novas constituições, os

principais países europeus avançaram no campo democrático, sendo hoje assente que o

sindicalismo de qualquer espécie é essencial às democracias. Na atualidade,

independentemente do regime jurídico que seja aplicado aos agentes do Estado, estes são

considerados, antes de tudo, prestadores de serviços em troca de certa remuneração e, como

todo e qualquer trabalhador, pretendem que as condições de trabalho sejam melhores e mais

justas possíveis.6

No passado, era inconcebível a ocorrência de conflito coletivo entre a

Administração e os funcionários. A própria noção de conflito era incompatível com o

princípio de autoridade e com a natureza unilateral que envolvia as relações entre o Estado e

seus funcionários. E a visão de um método de solução da controvérsia por parte de um

terceiro importaria uma delegação de poderes inteiramente inadmissível, quando não uma

abdicação da autoridade. Com efeito, a função pública é conquista da modernidade, na

medida em que, antes do advento do Estado moderno, os membros da função pública

encontravam-se a ele vinculados por especial relação de poder, no exercício da qual

desempenhavam um munus publicum, auferindo, em compensação, alguns privilégios. Não se

compreendia o funcionário público como um trabalhador que realizava um labor e em

compensação percebia uma remuneração para garantia de seu sustento próprio e familiar. O

ganho auferido correspondia à simples compensação pela impossibilidade de trabalhar para o

âmbito privado e pela dedicação à realização do interesse público. Nessa época, seria inviável

reconhecer qualquer conflito entre o Estado e seus agentes, assim como seria incogitável a

proclamação de direitos coletivos aos funcionários públicos.7

As transformações operadas no mundo das relações de trabalho no

setor público implicaram a noção de que não era possível excluir a existência de conflitos

6 O processo de surgimento e desenvolvimento do sindicalismo na função pública é apresentado por ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 52-80; e RASNEUR. Los servicios públicos y el movimiento sindical, en AA.VV., Administración Pública y Sindicalismo, 1988, p. 15-23.

7 Análise crítica da concepção clássica de emprego público, com abordagem da evolução de sua natureza, sua estrutura e seus pressupostos é formulada por LIBERAL FERNANDES. Autonomia colectiva dos

trabalhadores da Administração: crise do modelo clássico de emprego público, 1995, p. 73/101; ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 29-43; CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 26-66; e PINTO E NETTO. A contratualização da função pública: da insuficiência da teoria estatutária no Estado Democrático de Direito, Dissertação de Mestrado em Direito Administrativo, Universidade Federal de Minas Gerais, 2003; ARAÚJO. Negociação Coletiva dos Servidores Públicos, 2011, p. 103-177.

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coletivos de trabalho e, de fato, eles não somente ocorrem frequentemente, como se

multiplicam em toda parte, gerando a necessidade de encontrarem-se métodos de composição

paralelos ao incremento da prática de negociação coletiva destinada à determinação das

condições de trabalho na função pública. De um modo geral, a trajetória do sindicalismo na

função pública observou três fases distintas, compreendendo uma primeira de proibição

absoluta, que incidia sobre todos os funcionários; uma segunda fase de proibição atenuada, na

qual foi permitida a sindicalização de uma parcela dos agentes que prestam serviços ao

Estado, especialmente aqueles ligados à exploração de atividades econômicas; e uma terceira

fase, quando se deu o reconhecimento genérico, com vedações a apenas alguns segmentos,

notadamente às Forças Armadas e às polícias, buscando-se também estabelecer a distinção

entre funcionários com autoridade e funcionários de administração, estes compreendidos

como exercentes de simples funções burocráticas.

Efetivamente, as razões que levaram os funcionários a sindicalizar-se

e a deflagrar conflitos coletivos são as mesmas que motivaram os trabalhadores privados. Em

ambas as situações, as preocupações convergem e objetivam a definição de salários e

vantagens econômicas, segurança no trabalho, igualdade de tratamento e procedimentos de

solução de conflitos coletivos, porquanto em todo caso uma pessoa concorre com seu labor

para a formação de uma relação de trabalho. Para a defesa de seus interesses coletivos,

adotam os mesmos métodos de organização e luta dos demais trabalhadores, surgindo os

sindicatos de funcionários públicos, que organizam manifestações, deflagram greves e

instauram outras formas de expressão dos conflitos entre os funcionários públicos e o Estado,

com a finalidade de fortalecer suas posições no âmbito da reivindicação de novas e melhores

condições de trabalho.

Assim como ocorreu no âmbito do setor privado, a postura dos

sistemas jurídicos em relação à sindicalização na função pública evoluiu desde a fase de

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intensa repressão à tolerância dessas formas de organização e reivindicação, alcançando então

o reconhecimento como instrumentos essenciais ao regime democrático, expandindo-se e

generalizando-se pelos países do espectro democrático. Com efeito, nos Estados em que a

democracia política está consolidada, os conflitos coletivos no âmbito da função pública, a

organização sindical e os movimentos de pressão para a defesa de reivindicações a serem

solucionadas através do diálogo social constituem elementos integrados aos sistemas jurídicos

e às regras do jogo democrático. Hoje, a sindicalização na função pública não apenas está

assegurada nos sistemas jurídicos dos países ocidentais, como as taxas de filiação nesse

segmento superam os índices praticados nos setores privados. 8

Na realidade, o reconhecimento legal das organizações sindicais de

trabalhadores a serviço do Estado, da legitimidade que tais entidades possuem para atuar na

defesa dos direitos e interesses coletivos daqueles que representam e da negociação coletiva

como instrumento mais democrático e adequado à solução dos conflitos coletivos de trabalho

constitui condição indispensável ao fortalecimento de relações coletivas de trabalho

democráticas, assim reconhecidas pelos países de democracia consolidada e fomentadas pela

Organização Internacional do Trabalho.

Hoje, as relações coletivas de trabalho na função pública constituem,

na generalidade dos países, objeto de regulação através de normas constitucionais e

infraconstitucionais. Até recentemente os governos eram refratários à institucionalização

dessa espécie de negociação coletiva, pretendendo, assim, manter o poder unilateral que

tinham a respeito da matéria e continuar fixando livremente as condições de trabalho na

Administração Pública. Mas, progressivamente, os ordenamentos jurídicos de um modo geral

passaram a admitir, na disciplina das relações de trabalho estabelecidas entre o Estado e seus

funcionários, a introdução de institutos até então exclusivos do setor privado.

De seu turno, a negociação coletiva nas relações de trabalho vem

sofrendo profundas modificações em face dos impactos provocados pela economia no mundo

8 Para um estudo de direito comparado, constituem referenciais importantes as seguintes obras: CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 67-247; MACEDO DE BRITO PEREIRA. La negociación colectiva en la función pública: una aproximación constitucional, p. 135-249; ARAÚJO. Negociação Coletiva dos Servidores Públicos, 2011, p. 247-337.

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do trabalho. Diversos fatores têm gerado a redução da importância dos convênios coletivos no

âmbito do setor privado; entretanto, no tocante à função pública, presencia-se um acentuado

crescimento. Esse fenômeno consolidou-se e expandiu-se na década de 60 e, hoje, não

obstante haja paulatino acolhimento da negociação no setor público, com adoção em muitos

países, há ainda muitas objeções de caráter conceitual e legal, sobretudo em razão das

peculiaridades da atividade pública.

Hodiernamente, mesmo nos países que consagram um modelo sindical

plural e democrático, com o protagonismo da negociação coletiva como sistema de solução

dos conflitos coletivos, as entidades sindicais reclamam que o direito à negociação na função

pública na prática inexiste, porquanto os governos, a pretexto de respeito à supremacia do

parlamento e de dificuldades orçamentárias, impõem unilateralmente a regulação das

condições de trabalho, negando aos funcionários o direito de participar da tomada de decisão

em temas que lhes são essenciais.

Muitos são os argumentos contrários à negociação coletiva na

Administração Pública. Os governos sempre se mostraram relutantes em aceitar as limitações

quanto à sua faculdade de determinar as condições de trabalho dos funcionários públicos, pois

consideram que o Estado, nesse ponto, detém poder discricionário. Ademais, as limitações ao

direito de negociar coletivamente e desfrutar de outros direitos acessórios também se

justificavam em virtude da “doutrina do privilégio”, segundo a qual o cargo público não é um

direito, mas um privilégio que se concede discricionariamente, podendo o governo impor aos

seus funcionários as restrições que considere necessárias para proteger sua autoridade.

Além da desigual relação de força entre os funcionários públicos e o

Estado e da natureza hierárquica e autoritária do regulamento de pessoal no âmbito da função

pública, há outras objeções para a aceitação da negociação coletiva. A natureza jurídica do

vínculo que se estabelece entre o funcionário e o Estado seria enquadrada como regime unilateral,

legal, estatutário, integralmente previsto em lei. Esse regime seria unilateralmente definido pelo

Estado, modificável na medida das necessidades de compatibilizá-lo com a realização do

interesse público, sem que a essas alterações possa se opor o funcionário. O modelo jurídico

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estatutário, unilateral, não contratual seria o único capaz de ajustar-se adequadamente à relação

de função pública.

Justificam essa concepção os postulados incorporados pela doutrina da

supremacia do interesse público, da subordinação qualificada do funcionário perante o Estado,

da impossibilidade de existência de interesses controversos entre o Estado e seus funcionários

e da possibilidade de fixação e alteração unilaterais do regime jurídico pelo Estado. Esse

conjunto de ideias vincula-se a uma concepção autoritária de função pública e em torno dele

nega-se a importância da consensualidade para ajustar as condições de trabalho, rechaçando-

se a negociação coletiva dos funcionários públicos ou, quando menos, estabelecendo-se

profundas restrições ao ajuste coletivo. Além desses postulados, menciona-se ainda a

existência de um estatuto com regulamentação detalhada dos direitos, deveres e condições de

prestação dos serviços; a necessidade de as despesas com remuneração encontrarem-se

previamente definidas no orçamento público, com prévia manifestação do Parlamento; a

dificuldade de que a vigência dos convênios coletivos coincida com o período adotado na lei

do orçamento público; e a exigência de acertamento de matérias sujeitas à negociação e de

outras que devam estar excluídas.

A esses aspectos de natureza conceitual lançam-se outras objeções

contra a negociação coletiva na função pública. Afirma-se, frequentemente, que a posição

social e a situação econômica dos funcionários públicos, comparando-se à realidade dos

trabalhadores do setor privado, não estimulam a introdução de procedimentos de negociação

na Administração Pública. Diz-se, ainda, que a estabilidade, os padrões elevados de

remuneração, uma carreira que propicia sucessivas promoções com aumentos salariais e

aposentadoria vantajosa, dentre outras garantias, são circunstâncias que desautorizam a

participação dos funcionários públicos na definição de suas condições de trabalho.

Ocorre que, a despeito de tais objeções, presencia-se o declínio do

poder do Estado de definir de modo unilateral e exclusivo as condições dos funcionários

sujeitos ao regime jurídico-administrativo. Essa mudança de perspectiva tem causas múltiplas

e nos diversos países apresenta-se com forma, amplitude e profundidade distintas. De uma

maneira geral, sem se ater às peculiaridades de qualquer sistema jurídico, é possível eleger

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alguns fatos que determinaram a fragilização do poder unilateral dos governos de fixar as

condições de prestação dos serviços no setor público. Razões de ordem econômica, social e

política, assim como o reconhecimento e fortalecimento das entidades sindicais

representativas dos funcionários públicos são pré-requisitos básicos dessa tendência. Outros

fatores devem ser alinhados, a saber, a expansão das funções do Estado, com a substituição da

ideologia do Estado abstencionista pela do welfare state, implicando o crescimento do número

de funcionários, a relativa deterioração das condições de trabalho no serviço público e a

crescente intensificação das exigências das entidades sindicais de uma maior participação no

processo de decisão.

Hoje existem importantes fatores que corroem cada vez mais o poder

unilateral de decisão das Administrações Públicas. A negociação coletiva tem sofrido

profundas transformações em decorrência da reestruturação econômica e internacionalização

da economia, ensejando a redefinição do papel do Estado, a redução do setor público e a

crescente autonomia dos sindicatos. O novo contexto implicou o agravamento das condições

de trabalho dos que prestam serviços aos órgãos públicos, transformando o Estado em

péssimo patrão, proletarizando a função pública, aviltando salários e suprimindo direitos,

configurando “[...] patente homogeneización paulatina de las condiciones sociales [...], hasta

disminuir o borrar esa situación de ventaja em la que se colocaba el funcionário.”9

Nesse cenário, surgem dois fenômenos importantes, que a doutrina

denomina “privatización de la relación de empleo público” e “penetración del Derecho del

Trabajo en la Función Pública”.10 Disso resulta um processo de igualização entre o

funcionário e o trabalhador do setor privado, o reconhecimento da contratualidade da função

pública e a progressiva harmonização entre os regimes jurídicos de Direito Público e de

Direito Privado, desaparecendo a diferença entre o empresário privado e o Estado. Desse

modo, torna-se inarredável a introdução da negociação coletiva na Administração Pública,

fazendo com que os sindicatos deixem de ser instituições de simples consulta ou colaboração,

passando a participar ativamente das decisões, que agora são adotadas de forma bilateral,

através da negociação coletiva.

9 BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 35. 10

BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 37.

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Nesse quadro, emerge a contratualização na função pública,

implicando a aceitação e institucionalização do conflito de trabalho também dentro da

Administração Pública. Esse fenômeno

supone la consolidación de un proceso de contra-argumentaciones jurídicas que erosionan la teorización precedente sobre la imperatividad del respeto a la voluntad legal en la fijación de las condiciones de empleo de los funcionarios públicos. Ciertamente, la concepción autoritaria e imperativa de la Administración está siendo sustituida por la introducción de procedimientos de participación y de negociación incluso en el nivel de la formación de las normas.11

2.2 CONCEPÇÃO UNILATERALISTA DA FUNÇÃO PÚBLICA: POSTULADOS

BÁSICOS

O reconhecimento da negociação coletiva na função pública implica a

superação de algumas concepções autoritárias de Estado e a revisão de postulados básicos

sobre o vínculo que envolve o Poder Público e seus funcionários. Na visão tradicional, está

assentada a ideia de que a manifestação volitiva do Estado realiza-se geralmente de forma

unilateral, tendo em vista o interesse estatal como expressão de todo o interesse público. A

função pública sujeita-se a um regime jurídico-administrativo no qual a formação da vontade

somente existe na constituição do ato jurídico, sendo que todos os direitos e obrigações daí

resultantes estão regulamentados por ato estatal unilateral, sem intervenção do outro sujeito da

relação jurídica. A vontade do Estado decorre de uma imposição autoritária no cumprimento

de poderes que lhe são próprios, destinados à consecução do bem comum.

Essas ideias estão incorporadas na doutrina que define a natureza

jurídica da relação entre os funcionários e a Administração Pública com base na teoria da 11 BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales,1987, p. 43.

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relação unilateral. Nesse horizonte, o Estado encontra-se em posição de autoridade, de

comando, em relação aos particulares, podendo instituir obrigações por meio de ato unilateral,

assim como detém o direito de modificar, também unilateralmente, relações já constituídas.

Essa superioridade jurídica decorre da necessidade de gerir interesses públicos. Conquanto a

concepção de Estado varie de um para outro sistema jurídico, podendo haver uma feição mais

autoritária ou outra mais próxima dos valores democráticos, o regime jurídico-administrativo

que vincula funcionários e a Administração ainda hoje está preso a teses autoritárias.

A teoria unilateralista assenta-se em toda uma tradição jurídica e

sustenta-se a partir de alguns postulados básicos, dentre os quais estão a impossibilidade de

acordo contratual devido à desigual posição jurídica das vontades, a indisponibilidade para o

comércio do objeto do contrato, a regulação por lei do conteúdo da relação jurídica, a posição

de supremacia da Administração Pública e a retroatividade dos efeitos da relação ao momento

do ato de nomeação. Esses postulados rechaçam a possibilidade do estabelecimento de

vínculos contratuais em relações entre desiguais. 12

Além do predomínio do aspecto unilateral e hierárquico, há a

identificação da pessoa física com a função externa desempenhada pela Administração, a

garantia ao funcionário opera-se através da lei, tornando-se inviável qualquer aspecto

contratual, pois este depende da vontade, sendo impossível equiparar a vontade política à

vontade privada. Inadmissível a distinção entre os interesses dos funcionários e os da

Administração, pois esta, sendo portadora do interesse geral, não pode aceitar a existência de

interesses particulares. Esses argumentos são manejados para justificar que a Administração

Pública e a negociação coletiva constituem termos excludentes, inexistindo na função pública

qualquer espaço para o processo negociador. 13

12

APARICIO TOVAR, em La contratación colectiva de los funcionarios públicos en AA.VV., Jurisprudencia

constitucional y relaciones laborales, 1983, p. 295-315, logo após a vigência da Constituição da Espanha de 1978, já constatava que “la indudable tendência de homoneización de las condiciones de trabajo en los sectores público y privado”, daí por que àquela época concluía que “para nuestra Constitución la negociación colectiva es una emanación de la acción sindical, es el elemento fundamental en la configuración del sindicato. Si recordamos que los funcionarios públicos son titulares del derecho de sindicación aunque con determinadas peculiaridades en su ejercicio, tendríamos que admitir, en principio, que esas peculiaridades no pueden ser de tal calibre que hagan imposible la negociación colectiva”

13 Na Espanha, a doutrina sobre a natureza da função pública encontra-se dividida em dois blocos com suas posições bem delimitadas. De um lado coloca-se a doutrina administrativista que acolhe majoritariamente a visão tradicional, estatutária, unilateral e não contratual. Do outro lado perfilha a doutrina trabalhista que

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Esses postulados têm como pressuposto axiológico a ideia de que o

Estado-Administração é a encarnação do interesse público em sua totalidade. Nessa vertente,

nega-se uma esfera de vontade ao funcionário, atribuindo-se ao ente estatal uma esfera de

vontade ilimitada, sendo esta uma concepção ideológica de Estado, o qual passa a ser

apresentado como detentor perene do interesse público, reforçando no imaginário social a

ideia do Estado do bem-comum. O Estado é, então, compreendido como um ser unitário,

transcendente e dotado de uma vontade onipotente, sendo os funcionários reduzidos à

condição de meio, de instrumento, a quem se nega a condição de sujeito de direitos e a quem

se atribui garantias tão-somente em face do interesse da coletividade.14

Nessa linha, a relação funcionarial é objeto de tutela jurídica apenas

em atenção aos “interesses coletivos”, e não tendo em vista a dignidade do trabalho humano,

sendo irrelevante a condição de cidadão-trabalhador. A seu turno, perseguindo o Estado-

Administração a satisfação de interesses gerais, estão aí compreendidos os interesses dos

funcionários. Não há possibilidade de surgir qualquer conflito na função pública, porquanto

os interesses dos funcionários encontram-se naturalmente satisfeitos pelo atendimento dos

interesses da coletividade. Ainda que se admita a existência do conflito, os interesses

classistas dos funcionários devem sempre ceder ao interesse público. 15

Essa concepção nega a natureza contratual da função pública, ao

considerar que o ato administrativo de nomeação é causa suficiente para a constituição do

vínculo jurídico. O assentimento do nomeado tem caráter apenas secundário e acessório,

influindo unicamente sobre a eficácia do ato administrativo. Essa relação é individualizada

predominantemente agasalha a tese que considera que a função pública não possui natureza estatutária e pressupõe consensualidade, bilateralidade e contratualidade. No Brasil, por sua vez, o modelo de função pública compreendido como estatutário, unilateral, não contratual, se consolidou e se projetou principalmente por meio da doutrina administrativista de BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, 2002. p. 41-49.

14 No Brasil, essa concepção de Estado recebeu fortes críticas em COELHO. A relação de trabalho com o

Estado: uma abordagem crítica da doutrina administrativa da relação de função pública, 1994, p. 45-49. Para um estudo mais completo e aprofundado sobre essa visão ideológica de Estado e seus efeitos sobre a relação de trabalho com os funcionários públicos, cf. VILHENA. O contrato de trabalho com o Estado, 2002.

15 Na Espanha, importante teórico dessa vertente é PARADA VÁZQUEZ. La degeneración del modelo de función pública, Revista de Administración Pública, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, núm. 150, 1999, p. 421 e ss. Este autor desenvolve semelhante ideia no livro Derecho Administrativo II.

Organización y empleo público, 2005, p. 405 e ss.

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pela circunstância de estar adstrita à realização do interesse geral, podendo uma das partes, no

caso a Administração Pública, decidir de forma absoluta sobre todo o conteúdo da relação

jurídica. Nessa direção, a função pública constitui uma relação de especial dependência

hierárquica, sujeita a uma disciplina fixada inteiramente por via legal ou regulamentar. O

Estado define todo o conteúdo da relação, podendo-a modificar a qualquer momento, sem

necessidade de assentimento do funcionário. Essa definição unilateral afasta a natureza

contratual da relação, significando que, não obstante o trabalhador manifeste sua vontade

quanto à constituição do vínculo, o consentimento diz respeito tão-somente a sua sujeição à

determinada situação imposta pelo Estado.

Haveria uma diferença substancial entre o trabalho público e o

privado, fundada no tipo de interesses perseguidos pela Administração Pública, atuando a

entidade como titular do poder de soberania, e os funcionários agiriam como instrumentos da

própria autoridade pública. O trabalho prestado ao Estado constituiria gênero diverso do

trabalho prestado aos entes privados porque, enquanto a atividade do empregador privado tem

finalidades econômicas, a atividade estatal objetiva a persecução do interesse público, além

do que o funcionário seria um órgão do Estado, ou seja, uma parte da Administração, a sua

expressão física.

A consolidação desses postulados unilateralistas importa negar

qualquer traço de contratualidade no momento da formação do vínculo jurídico, assim como

ao longo do desenvolvimento da relação funcionarial, justificando, assim, a instituição de um

regime jurídico distinto para os funcionários públicos, do tipo estatutário e de natureza

pública, em que é estabelecido o conjunto de direitos, deveres e responsabilidades impostos

abstrata, genérica e obrigatoriamente a quem nele se enquadre. A previsão legal de um

estatuto, em que o regime da função pública deriva da lei ou do regulamento, significa a

acentuação do caráter autoritário e de reconhecimento de prerrogativas exorbitantes para a

Administração, daí a natural exclusão dos funcionários dos direitos coletivos assegurados a

todo e qualquer trabalhador do setor privado.

A vedação do exercício de direitos coletivos objetiva impedir a

formação de centros organizados de poder, evitando-se, assim, a institucionalização do

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conflito e a instrumentalização da defesa dos interesses de grupos, que constituem limites à

soberania, comprometem a autoridade do Estado, sacrificam a supremacia da Administração

Pública, fragilizam a hierarquia administrativa, prejudicam a continuidade dos serviços e

negam o caráter unilateral do regime jurídico-administrativo. Dentro desse panorama, negam-

se os direitos coletivos, evitando a luta de classes no âmbito da organização administrativa e

impedindo a autotutela coletiva dos funcionários.

2.3 REVISÃO DOS POSTULADOS DA CONCEPÇÃO UNILATERALISTA:

AFIRMAÇÃO DA CONTRATUALIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA

Os teóricos tradicionais do Direito Administrativo, quase à

unanimidade, defendem a natureza estatutária, unilateral, pontificando a inexistência de

consensualidade no vínculo, entendendo ser suficiente o ato de nomeação para que a pessoa já

seja inserida na relação de sujeição às regras gerais e abstratas, unilateralmente impostas, que

compõem o regime estatutário, legal. Entendem que os funcionários de cargos submetem-se a

um regime especificamente concebido para reger esta categoria. Tal regime é estatutário ou

institucional; logo, de índole não contratual. Nessa visão, existe um ajuste de vontade

exclusivamente quanto à constituição do liame, mas o consentimento limita-se à aceitação de

ser regido pelas normas preestabelecidas, em nada podendo modificar, portanto, o conteúdo

da relação jurídica. Enfim, a previsão legal de todo o conteúdo, a possibilidade de alteração

unilateral e a posição de supremacia estatal, entre outros argumentos, impedem que se

reconheça a contratualidade da função pública e também impõem sérios óbices à negociação

coletiva. 16

16

Os postulados da concepção unilateralista de função pública foram objeto de crítica sistematizada nas seguintes obras: LIBERAL FERNANDES. Autonomia colectiva dos trabalhadores da Administração: crise

do modelo clássico de emprego público,1995, p. 73-108; CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre

estatuto funcionarial y contrato labora,. 2001, p. 25-66; ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de

los funcionarios públicos, 1983, p. 29-51; e BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 29-34.

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No Direito do Trabalho, “[…] la visión dogmática que hoy predomina

en el estúdio de la relación jurídica individual de trabajo es la del contrato”.17 Portanto, há

muito se encontra superada a doutrina que nega o caráter contratual da relação jurídica

estabelecida entre empregado-empregador, assim como hoje está inteiramente ultrapassado o

modelo liberal dos contratos, baseado na plena autonomia das partes, em que estas estipulam

livremente as cláusulas, com a mínima regulação estatal possível. De fato, “[...] nenhum texto

ou princípio de direito exige, para a validade de um acordo de vontades, que o conteúdo seja

estabelecido pelas duas partes ou tenha sido objeto de negociações e discussões

preliminares”.18 Portanto, a manifestação de vontade, pressuposto do trabalho livre, tem sido a

base da doutrina justrabalhista que na atualidade, com unanimidade, afasta as teorias

anticontratualistas e reconhece a natureza contratual do vínculo formado entre empregado e

empregador.19

Apesar da natureza assimétrica do contrato de trabalho, em que um

dos contratantes, no caso o empregador, neste aspecto, detém superioridade jurídica, com

extenso e profundo conjunto de prerrogativas, com elevado poder de conformação do

contrato, podendo alterar, inclusive unilateralmente, as condições de trabalho, importa

reconhecer que o ajuste que dá origem à relação de emprego implica o reconhecimento da

existência de um complexo de direitos e deveres entre os contratantes. Desde as principais

concepções que justificam uma contratação com contornos diversos daqueles incorporados

pelo modelo civilista, observa-se uma profunda alteração na forma de manifestação do poder

do empregador no contrato de trabalho, desde concepções mais assimétricas, unilaterais e

hierárquicas, até novas formas baseadas em relações mais equilibradas, dialéticas e

democráticas.

Esse fundamento decorre do reconhecimento de que o contrato de

trabalho está inserido em um âmbito no qual uma das partes, o empregador, detém a

prerrogativa de organizar o sistema de produção de bens e serviços, manifestando-se na

capacidade de organizar, regulamentar, fiscalizar e exercer o poder hierárquico. Nesse

sentido, possui o empregador o poder de organizar e ordenar o trabalho, definindo o conteúdo

17

PALOMEQUE LÓPEZ; ÁLVAREZ DE LA ROSA. Derecho de Trabajo, 2004. p. 467. 18

SUSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA; TEIXEIRA. Instituições de Direito do Trabalho I, 1999, p. 225. 19

DELGADO. Curso de Direito do Trabalho, 2002, p. 313-316.

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e forma da prestação dos serviços. Na realidade, poder de direção e subordinação jurídica são

os dois lados da mesma moeda. Pela subordinação jurídica, o trabalhador obriga-se a acolher

a direção do empregador no modo de realização da prestação dos serviços, constituindo tal

subordinação o polo reflexo e combinado, na relação de emprego, do poder de direção. Não se

trata, por certo, de um estado de sujeição pessoal do trabalhador, mas de subordinação jurídica

da atividade, que passa a ser dirigida, controlada e fiscalizada pelo empregador no interesse

do empreendimento.20

Na ótica do Direito do Trabalho, embora se reconheça ainda forte

assimetria na relação de trabalho, impende reconhecer os seus aspectos dinâmico e evolutivo,

que tendem à superação da forma despótica, hierárquica e assimétrica de gestão empresarial,

em que as condições de trabalho são ditadas de forma unilateral e autoritária pelo empregador.

Nessa nova perspectiva, acentua-se o processo de democratização interna da empresa, com

adoção de decisões negociadas, seja pela participação dos sindicatos, seja pela intermediação

dos órgãos de representação nos locais de trabalho. Dentro desse espírito, hoje é significativa

a tendência de criação de mecanismos e processos de bilateralização ou multilateralização da

dinâmica do exercício do poder. Isso decorre da necessidade de democratizar o exercício do

poder no âmbito do contrato de trabalho, a fim de que possa adquirir legitimidade. Na

realidade, para que o poder seja legitimado, deve ficar assegurada a possibilidade de

participação efetiva e adequada de todos aqueles que sejam afetados pelo seu exercício.

Portanto, para que o poder empregatício seja democrático e legítimo, faz-se necessária a

instituição de procedimentos de diálogo e de participação.21

Do ponto de vista da relação entre funcionário-Estado, observa-se que

a teoria estatutária, unilateral, prende-se a um substrato autoritário de Estado, vinculado ainda

a instituições do Estado absolutista e do Estado liberal, que propicia a manutenção, no

contexto da Administração Pública, de práticas tipicamente autoritárias, em que restringe a

participação coletiva dos trabalhadores na definição do conteúdo da relação jurídica. Ao

vincular-se a instituição do regime estatutário à necessidade de proteger o interesse público, 20 Uma nova compreensão da bilateralidade do contrato de trabalho, com profundas modificações referentes ao

poder diretivo empresarial, está formulada em SANTOS FERNÁNDEZ. El contrato de trabajo como limite al

poder del empresário, 2005. 21 Sobre a democratização interna da empresa nas suas relações com seus empregados, há no Brasil o seguinte

estudo integral formulado a partir da doutrina alemã: SILVA. Co-gestão no estabelecimento e na empresa, 1991.

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que está integralmente previsto na lei, resultante única e exclusivamente do exercício de um

poder estatal, no caso o Poder Legislativo, essa concepção procura apresentar o Estado como

onipresente, gigante, que monopoliza a atividade de determinação e efetivação do interesse

público. Com a consolidação do Estado Social, em que este assume não apenas serviços

públicos, mas também atividades econômicas, com o crescimento da máquina estatal para

atender ao extenso e variado rol de atribuições assumidas ao longo das décadas, parece

necessário reavaliar a ideia de que a proteção ao interesse público encontra-se totalmente

concentrada na figura estatal.

Com efeito, a privatização de empresas públicas e a incorporação de

domínios da esfera pública pela esfera privada têm provocado alterações substanciais na

distinção entre o público e o privado, modificando inclusive a própria relação entre Estado e

sociedade, configurando um processo de “privatização do público e publicização do

privado”.22 23 Portanto, urge a necessidade de se reequacionar a dicotomia interesses

público/privado, sendo importante reconhecer a influência e a legitimidade de entidades

privadas, devidamente organizadas, incluindo-se aqui as associações sindicais de funcionários

públicos, de atuarem junto ao Estado, participando, por esta via, da definição do interesse

público.24 Ora, a efetiva previsão e a concretização da participação da sociedade civil no

exercício do poder constituem-se exigência do Estado Democrático de Direito. Destarte, não 22 Sobre o sentido dessas expressões, Elody Nassar de Alencar esclarece: “Com a dinâmica intervencionista o

Estado passou a atuar em esferas antes tidas como reservadas à autonomia privada, em especial no setor econômico e social, do que resultou o processo denominado de publicização do privado, de outro lado ocorreu também o fenômeno da privatização do público.” De outro lado, o público “[...] se privatiza progressivamente, já que, por um lado, o Estado é tomado pelas empresas e, por outro, as ações individuais se dissolvem à homogeneidade social mínima e necessária.” (ALENCAR. Aspectos gerais do fenômeno da publicização do

direito privado e da privatização do direito público, jul./dez., 2001). 23 A aproximação entre o trabalho público e o trabalho privado foi assim apreendida por SUPIOT. El trabajo y la

oposición público-privado, Revista Internacional del Trabajo, núm. 6, 1996, p. 718.: “La aleación de lo público y lo privado es ante todo inevitable desde el punto de vista de los derechos de la persona que trabaja. La oposión entre um derecho laboral, cuyo âmbito sería el derecho privado, y un derecho de la función pública, que formaria parte del derecho público, es a este respecto más que imprecisa. Desde hace un siglo, asistimos a un doble movimiento de penetración del derecho laboral por normas de carácter público y del derecho de la función pública por las normas que protegen a la persona privada. El Estado no puede desinteresarse totalmente del trabajo en el sector privado, pues las condiciones em que ese trabajo se realiza, su volumen y su calidad repercuten directamente en el estado físico, moral y econômico de la nación. A la inversa, el Estado ya no puede, en uma Constitución democrática, negar a SUS agentes determinados derechos y liberdades que ampara en el âmbito privado (liberdade sindical, igualdad entre los sexos, etc.)

24 Objetivando apresentar uma (re)construção da base teórica para a distinção entre o público e o privado, Maria Tereza Fonseca Dias observa que tal distinção não pode se explicar a partir tão-somente da norma jurídica, daí por que considera importante a superação dos paradigmas tradicionais do direito que estabelecem uma distinção e uma separação profunda entre as noções do público e do privado. (DIAS, M. T. Fonseca. Direito

Administrativo pós-moderno. 2003, p. 140). Uma visão igualmente superadora da dicotomia clássica público-privado é exposta em PIRES. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação

democrática, 2005, p. 353-404.

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se pode negar às entidades sindicais de funcionários a possibilidade de participar ativamente

para determinação das condições de trabalho no setor público, contribuindo para legitimar o

poder estatal.

Falacioso é o argumento que contrapõe o interesse público aos

interesses coletivos dos funcionários, partindo-se da falsa ideia de que, se há proteção do

interesse de grupo, o interesse público restaria prejudicado. Nesse aspecto, não se justifica o

discurso tradicional de pretender que a Administração Pública exerça monopólio na proteção

do interesse público. De fato, numa sociedade aberta, democrática e plural, o interesse público

deve resultar de consenso e não de imposição unilateral, autoritária. E é exatamente nessa

visão de que o interesse público é resguardado exclusivamente pelo Estado que o funcionário

é compreendido como simples instrumento de realização dos fins estatais, postergando-se a

relação de trabalho contida no exercício da função pública. Ora, esta relação envolve um

vínculo de natureza permanente e profissional, que tem por objeto o trabalho humano, daí a

necessidade de uma perspectiva ponderada e equilibrada de tutela simultânea dos fins estatais

e dos direitos coletivos dos funcionários. Portanto, parece não apenas possível, mas condição

indispensável no Estado Social e Democrático de Direito, conciliar os interesses públicos e os

interesses da coletividade dos funcionários, tutelando-se de forma concomitante e ponderada

os fins estatais e a prestação subordinada de trabalho.

Por seu turno, a ideia de que o funcionário público, no exercício de

suas atribuições, encarna o próprio Estado, conduz a conclusões desarrazoadas, fundadas

sobretudo na premissa de que ambos formam uma única realidade. Nessa visão, ao considerar

os agentes públicos “servidores da comunidade”, e não trabalhadores que prestam

determinados serviços em troca de uma remuneração, passa-se a exigir deles uma conduta

“ascética, imparcial, sem qualquer possibilidade de comprometimento político ou

ideológico”.25 Tal concepção justificou, até meados do século XX, negativa de existência de

conflito de interesses entre os funcionários e o Estado, assim como havia a proibição

generalizada dos sindicatos de funcionários, o exercício da greve e a participação na

formulação das condições de prestação de serviços. Superada está na atualidade esta visão

extremada, posto que se operou a generalização dos conflitos coletivos no seio da

25 PINTO E NETTO. A contratualização da função pública: da insuficiência da teoria estatutária no Estado

Democrático de Direito. Dissertação (Mestrado em Direito Administrativo), 2003, p. 112.

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Administração Pública. Hoje não subsiste a vertente radical de que funcionários e Estado

formam uma única realidade, com interesses sempre coincidentes, sendo essencial “[...]

reconocer la existência de intereses propios y contrapuestos”.26

Nesse sentido, ao ocupar determinado “lugar” na estrutura

administrativa, o agente público não passa a fazer “parte” da Administração, mas,

simplesmente, exerce competências legais que são atribuídas a um órgão. Adequada a

equiparação efetuada por Antônio Álvares da Silva entre cargo e emprego, no sentido de que

ambos indicam um “lugar” em determinada estrutura, desaconselhando, portanto, que se fale

em “cargo” como elemento presente somente na relação de função pública. Na perspectiva do

autor, não há diferença de ordem substancial entre os conceitos de cargo e emprego,

considerando que este consiste em um

lugar criado na iniciativa privada com designação própria e atribuições específicas, exercido em caráter profissional por um titular, que recebe salário. [...] Não se estrutura nenhuma organização sem estabelecer a unidade mínima a que se atribuirão funções necessárias ao funcionamento da engrenagem.27

Observando a relação funcionário-Estado do ponto de vista externo,

reconhece-se que o agente efetivamente age como sendo o próprio Estado, manifesta-se nesta

condição, desempenhando as atribuições que lhe são conferidas pela investidura, portanto, a

vontade por ele manifestada é a vontade do próprio Estado. Nessa direção, permanece a ideia

de que o agente público, por meio da investidura, torna-se parte do Estado, sendo por ele

absorvido, devendo defender, de maneira incondicional, os interesses estatais. E assim foi

construída toda a doutrina administrativista, enfocando-se prioritariamente os efeitos externos

da relação entre o funcionário e o Estado. Quanto à relação interna que se forma no contexto

da organização administrativa, ou seja, no tocante ao aspecto da relação de trabalho

estabelecida, pouca atenção vem sendo dedicada. No entanto, vista a relação de seu ângulo

interno, mantém o funcionário sua personalidade e sua qualidade de sujeito de direitos, o qual

não se confunde com a pessoa jurídica estatal, sendo evidente a necessidade de se conferir

26

BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 41. 27 SILVA. Os servidores públicos e o Direito do Trabalho, 1993, p. 48-49.

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menor relevância ao agente como instrumento do Estado e maior importância ao funcionário

sujeito de direitos, realçando-se sua vontade e seus interesses.

Noutra vertente, a doutrina tradicional afasta a natureza contratual da

função pública a partir da ideia de “dever de fidelidade”, que coloca o funcionário em

situação mais gravosa, de inferioridade jurídica, sujeito a maiores limitações, apresentando

uma visão subjetiva de subordinação do agente público. No Direito do Trabalho, essa visão

encontra-se superada pela concepção objetiva da subordinação, em que não incide sobre a

pessoa do trabalhador, mas sobre a forma de prestação de trabalho. Diferentemente do âmbito

trabalhista, onde se revela inconcebível falar em sujeição pessoal do empregado, na doutrina

jurídico-administrativa remanesce a ideia de subordinação do funcionário em sua relação com

o Estado, em que o agente é colocado em situação de inferioridade, de total sujeição às

determinações do Estado. Decorre tal posicionamento da suposição de que a relação

caracteriza-se pela desigualdade entre os sujeitos, permanecendo o ente estatal em posição de

constante superioridade, em que o agente público, assim como os administrados, permanecem

à mercê dos atos administrativos unilaterais, exercidos com fundamento no ius imperii do

Estado.

Essa teoria desconhece que, com o declínio do Estado Liberal,

marcado pela intervenção mínima na sociedade, em que sua atuação restringia-se basicamente

ao exercício da soberania estatal, o Estado Social passa a diversificar e intensificar cada vez

mais sua atuação, de modo que não se justifica mais a afirmação de que o Estado sempre

comparece às relações com as prerrogativas de Poder Público, passando a atuar, em algumas

circunstâncias, nas mesmas condições que os particulares. Portanto, cumpre desmistificar que

o funcionário não se encontra em situação de subordinação, de especial sujeição frente ao

Estado, posto que o vínculo estabelece uma subordinação estritamente jurídica, tal como se dá

no Direito do Trabalho. E não pode ser diferente. Em ambas as situações o objeto da relação

jurídica é o mesmo, ou seja, o trabalho humano, sendo que o elemento “subordinação”

representa aspecto comum não apenas aos regimes trabalhista e estatutário, mas a toda e

qualquer relação de trabalho sucessivo.

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42

Nesse ponto, merece especial referência a contribuição de Paulo

Emílio Ribeiro de Vilhena acerca da natureza da subordinação do trabalho com o Estado.

Segundo o autor, quanto maior a indeterminação das prestações de uma relação jurídica,

maior o estado de subordinação na qual se encontra o contratado.28 De fato, nessa situação

encontra-se o trabalhador, tanto o privado como o público, porquanto em ambas as hipóteses

está envolvida uma relação de trato sucessivo, com prestações indeterminadas. Portanto, a

subordinação na relação de função pública deve ser entendida não como peculiaridade do

regime público, mas como característica própria a toda relação jurídica que tenha conteúdo

indeterminado. Contrato e subordinação jurídica não são categorias inconciliáveis, haja vista

que a subordinação jurídica presente nas relações trabalhistas não afasta sua natureza

contratual. No âmbito da função pública, por possuir a relação conteúdo indeterminado, é

crucial que, ao longo da execução das atividades, algumas alterações sejam promovidas no

tocante à prestação dos serviços, mas esse fato não justifica que o trabalhador, por travar uma

relação com o Estado, esteja submetido a maiores restrições.

Por sua vez, quanto à fixação e alteração unilaterais do regime público

com expressa recusa à existência de direito adquirido a regime jurídico, tudo a justificar a

ausência de contratualidade na função pública, parece que tal concepção parte de pressuposto

equivocado. Com efeito, apresenta Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena uma visão dualista do

Estado, tendo por fundamento o clássico princípio da separação dos poderes, segundo o qual

Estado-ordem-jurídica não se confunde com o Estado-sujeito-de-direito.29 Destarte “o Estado

ao criar e estruturar relações jurídicas, não o faz como sujeito de direito e muito menos como

parte nelas, mas como ordem jurídica. E é esta que pontua o tônus com que ele, Estado, como

sujeito de direitos, participa das relações jurídicas.”30

Nesse aspecto, a doutrina administrativista confunde categorias

jurídicas distintas. Quando se fala em Estado-ordem-jurídica, não existe propriamente um

sujeito de direito, de tal sorte que não pode atribuir natureza de “relação jurídica” a uma

relação à qual o Estado compareça nessa condição. “Ao disciplinar a relação de função

pública através de um estatuto, o Estado não o faz como sujeito de direitos e muito menos

28 VILHENA. O contrato de trabalho com o Estado, 2002, p. 92-95. 29 VILHENA. O contrato de trabalho com o Estado, 2002, p. 91. 30 VILHENA. O contrato de trabalho com o Estado, 2002, p. 18.

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como parte nela, mas como ordem jurídica.”31 Apresentando-se como “ordem jurídica”,

mostra-se inviável sua presença em um dos polos de determinada relação jurídica, posto que

uma norma jurídica não é parte na relação. O uso indevido do Estado-ordem-jurídica como

Estado-sujeito-de-direito coloca o trabalhador em posição de subordinação face ao Estado

entendido nesta última categoria.

Ora, quando se faz referência ao Estado, em se tratando de relação de

função pública, vê-se apenas o Estado-ordem-jurídica, criador do direito, a quem compete

estabelecer as normas, bem como alterá-las. Em nenhum momento essa doutrina procura

examinar a questão colocando o Estado como sujeito de direitos e, consequentemente,

subordinado à ordem jurídica. Essa confusão entre categorias jurídicas distintas gera sérias e

graves consequências referentes aos direitos dos funcionários públicos. Parece evidente que o

regime jurídico-administrativo é determinado pelo Estado-ordem-jurídica e não pelo Estado-

sujeito-de-direito, daí resultando equivocada a compreensão de que constitui peculiaridade

desse regime o fato de ser estabelecido e alterado unilateralmente pelo Estado. A regulação da

função pública, em virtude do princípio da legalidade, necessita estar sempre fundada na lei,

em sentido estrito. No entanto, o regime jurídico é uma emanação da ordem jurídica a que

está submetido o Estado-sujeito-de-direito, na mesma medida em que o trabalhador que lhe

presta serviços, daí por que não se pode afirmar que um dos sujeitos da relação dita unilateral

e livremente o sistema de direitos e obrigações do regime jurídico.

Por outro lado, quanto à reduzida função do elemento “vontade” na

configuração do vínculo de função pública, deve-se, desde longo, pontuar que, na hodierna

compreensão dos contratos, não se exige que seu conteúdo decorra única e exclusivamente da

vontade dos contratantes. Se na doutrina tradicional a centralidade do contrato residia na

doutrina da autonomia das partes e no dogma da liberdade contratual, inspirados no

liberalismo econômico e na autonomia da vontade, nos últimos tempos tal concepção mudou

profundamente e isso se deu em função da necessidade de intervenção estatal para a regulação

dos contratos. Exemplo mais eloquente dessa transformação deu-se no que tange ao contrato

de trabalho, em que seu conteúdo passou a ser imposto por normas de ordem pública,

inderrogáveis pela vontade das partes. Hoje, o Direito do Trabalho encontra-se quase que 31

COELHO. A relação de trabalho com o Estado: uma abordagem crítica da doutrina administrativa da

relação de função pública, 1994, p. 37.

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inteiramente regulado e não subsiste mais a ideia de que o contrato importa ampla liberdade

de estipulação de cláusulas.32

Presencia-se progressiva redução da função cumprida pela autonomia

da vontade no âmbito das relações jurídicas. Na atualidade, tal autonomia desempenha função

bastante reduzida, cingindo-se, na maioria das situações, a permitir que o sujeito aceite ou não

receber uma qualificação jurídica. Configurada a “involução do conceito de vontade, como

objeto de regulamentação jurídica”33, deve-se compreender a manifestação não mais nos

termos do pensamento liberal, em que a interferência estatal nas relações jurídicas é

praticamente nula, mas tendo em conta todo o processo de regulação pelo Estado das mais

diversas relações sociais, como forma de promover a pacificação e o desenvolvimento das

relações sociais.

Desse modo, cumpre reconhecer a existência de vários planos de

autonomia, mais ou menos amplos, definidos em função dos interesses a serem juridicamente

tutelados. Significa que, quanto mais relevante o interesse, mais intensa a tutela jurídica,

podendo haver progressiva limitação à autonomia da vontade, mas nunca sua total e completa

eliminação.34 Não se trata de reconhecer o aspecto volitivo apenas no momento da formação

da relação de função pública, mas admitir que a consensualidade deve estar presente no seu

desenvolvimento, notadamente através do diálogo permanente entre o ente estatal e as

entidades representativas dos funcionários públicas.

No Direito do Trabalho, o fato de a relação jurídica encontrar-se

amplamente regulada pela lei, em que é bastante reduzida a autonomia dos contratantes, não

afasta a natureza contratual dessa relação. No contrato de trabalho, assim como na relação de

função pública, onde há intensa regulação legislativa, que estabelece não apenas a forma, mas

também o seu conteúdo, permanece o acordo de vontades como elemento essencial à

32

Acerca do estreito espaço para a autonomia da vontade no contrato de trabalho, cf. PALOMEQUE LÓPEZ; ÁLVAREZ DE LA ROSA. Derecho de Trabajo, 2004, p. 468; SUSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA; TEIXEIRA. Instituições de Direito do Trabalho I, 1999, p. 241-242.

33 VILHENA. O contrato de trabalho com o Estado, 2002, p. 64. 34 VILHENA. O contrato de trabalho com o Estado, 2002, p. 68.

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constituição e à manutenção do liame jurídico. Restrita aplicação da autonomia da vontade

nas duas espécies de relação jurídica não tem o efeito de negar a contratualidade.

De seu turno, tem-se afirmado que, sendo o estatuto unilateralmente

determinado e alterado pelo Estado, com a suposta inexistência de direito adquirido ao regime

jurídico, há óbice intransponível ao reconhecimento da contratualidade da função pública.35

Ocorre que essa possibilidade de alteração unilateral também está presente nos regimes

contratuais, constituindo prerrogativa essencial à adequação da forma de execução da

prestação objeto do contrato, notadamente quando envolve relação jurídica em que há

indeterminação no seu objeto e quando se trata de liame de trato sucessivo, em que a

permanência do vínculo exige frequentes adequações. Nesse sentido, no âmbito do Direito do

Trabalho, considerando o poder diretivo conferido ao empregador, este detém o jus variandi,

podendo promover alterações contratuais, com as restrições que a legislação impõe. Nesse

sentido, no Brasil, o artigo 468 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e, na

Espanha, o artigo 41 do Estatuto dos Trabalhadores (ET), ao estabelecer que “La dirección de

la empresa, cuando existan probadas razones econômicas, técnicas organizativas o de

produción, podrá acordar modificaciones sustanciales de las condiciones de trabajo”. Estes

dois dispositivos guardam correlação com o artigo 38.10 do EBEP da Espanha, que trata de

alteração substancial das circunstâncias econômicas como justificativa para excepcionar o

cumprimento dos pactos e acordos.

Portanto, a previsão de alteração unilateral não é característica

exclusiva do regime público. Nesse ponto, quanto às modificações introduzidas nesse âmbito,

tratando-se de regime integralmente disciplinado por lei, é necessário deixar claro que as

alterações não decorrem de ato unilateral de nenhuma das partes, mas decorrem diretamente

de alterações legislativas, portanto, todas as modificações derivam de alterações legais.

Fenômeno idêntico dá-se no plano do contrato de trabalho, em que as normas jurídicas

incidem imediatamente sobre as situações jurídicas constituídas. Em outros termos, as

cláusulas contratuais incorporam ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, mas o mesmo não

ocorre no tocante às normas jurídicas. No espectro da função pública, não se trata de

existência ou não de direito adquirido a regime jurídico, mas da imediata aplicação das

35

BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, 2002, p. 228-229.

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normas que alteram a ordem jurídica. Significa que, tanto no âmbito trabalhista, como no

plano do Direito Administrativo, uma vez alterada a lei, modificam-se imediatamente as

relações jurídicas a ela submetidas, sendo a alteração unilateral de determinada situação

jurídica decorrência da superveniência de lei nova, ressalvadas, no entanto, as garantias do

artigo 5º, XXXVI, CF, e do artigo 33.3 CE. Parece claro que a concepção unilateralista

prende-se a ideias autoritárias, que remanescem ao Estado Liberal, incompatíveis com as

novas exigências do Estado Democrático de Direito, nas quais se afirma inequivocamente a

contratualidade da função que se estabelece entre o funcionário e o Estado.

Noutro aspecto, quando se nega a contratualidade na função pública,

diz-se que os cargos públicos não se encontram à venda, faltando, pois, o objeto do contrato.

O equívoco desse raciocínio está em que admitir o aspecto contratual não importa a

negociação de cargo público, mas a contratação da prestação de serviços profissionais tendo

como contrapartida a remuneração, assegurando-se ao funcionário a retribuição econômica

pelo fato de colocar sua força de trabalho a serviço da organização estatal.36 Por sua vez, não

se pode compreender o funcionário como parte integrante nem completamente identificado

com a organização administrativa, mas como um trabalhador a mais que realiza suas tarefas

no âmbito da Administração Pública, em troca de uma remuneração, não existindo, portanto,

uma diferença ontológica entre a atividade laboral do funcionário e a de um trabalhador

privado.

O certo é que o liame estabelecido entre o ente público e seus

funcionários contém todos os elementos substanciais do contrato de trabalho, ou seja,

prestação subordinada de trabalho e retribuição. Os benefícios emergentes do vínculo não

constituem meros reflexos legais ou vantagens conferidas no interesse da consecução dos

objetivos do serviço, configurando, por certo, autênticos direitos subjetivos dos funcionários.

Os salários não constituem simples compensação pelo exercício do cargo, mas relacionam-se

com a quantidade e qualidade do trabalho, configurando uma relação sinalagmática, em que a

remuneração tem natureza de contraprestação regular e periódica pelo trabalho realizado.

36 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 33.

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Portanto, envolve o vínculo uma relação de serviço em que a “[...] contratación de servicios

profesionales a cambio de uma remuneración econômica está perfectamente justificada”.37

Enfim, a natureza jurídica da função pública não tem caráter

estatutário, unilateral, não contratual, uma vez que integra a categoria jurídica dos contratos,

na espécie contrato de direito público. Portanto, a concepção clássica de função pública está

superada pela doutrina contratualista, que reconhece a essencialidade do consentimento do

nomeado à formação do vínculo jurídico, possuindo a manifestação de vontade do funcionário

valor idêntico à declaração do ente estatal. Para essa teoria, a definição do enlace jurídico

funda-se no encontro de vontades do qual derivam obrigações recíprocas para as duas partes,

na existência de uma autonomia jurídica do funcionário no confronto com o Estado-

Administração, no reconhecimento da diferenciação de interesses das partes e na proposição

de equiparação entre o trabalho público e o trabalho privado. De fato, não há como negar o

aspecto contratual na relação de serviço entre o funcionário e a Administração, caracterizada

pelo intercâmbio de prestações por um salário, onde a vontade do trabalhador constitui

elemento determinante. 38

A superação da concepção unilateralista de função pública justifica-se

plenamente com o advento do Estado Democrático de Direito, no qual se exige a participação

ativa para a formação das decisões adotadas nas esferas públicas. Nessa perspectiva, impõe-se

o aprofundamento do Estado Democrático de Direito, reconhecendo-se que o recurso a

mecanismos jurídicos de matriz consensual é mais ajustado ao atendimento do interesse

público do que os de base autoritária. Nesse sentido, progressivamente consolida-se a

incorporação de institutos próprios do Direito do Trabalho no regime jurídico-administrativo,

especialmente os relacionados aos direitos coletivos dos funcionários públicos. Essa nova

37 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 34. 38

Em conclusão semelhante, Josefa Cantero Martinez pondera que “[…] no tiene sentido actualmente seguir manteniendo la exlusividad de la naturazela funcional y su caráter autoritário o unilateral, al menos desde el exclusivo punto de vista de su distinta naturaleza jurídica, pues hemos visto que los postulados clásicos que constituían los pilares básicos de esta concepción han ido derrumbándose poco a poco [...]. Esta nueva regulación, dada la identidad efectiva y sustancial que existe entre la relación laboral y la funcionarial no puede ser otra que la establecida para el resto de los trabajadores, o que viene a ser lo mismo, una regulaión contractual en la que se conceda a la voluntad del funcionario el papel que realmente tiene, no sólo en el momento de la perfección de la relación, sino durante la vigencia de la misma, a través de una mayor participación en la determinación de sus condiciones de trabajo mediante el instrumento de la negociación colectiva.” (CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 308).

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feição permite o reconhecimento dos conflitos coletivos no âmbito da Administração Pública

e a abertura para que sejam solucionados através de fórmulas consensuais, sobressaindo na

atualidade a negociação coletiva na função pública.

2.4 CONTRATUALIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA: ABERTURA À NEGOCIAÇÃO

COLETIVA

A concepção unilateralista nega as vias consensuais, rechaçando a

negociação coletiva, na medida em que, considerando a exigência de persecução do interesse

público, não há razão para o Estado colocar-se em acordo com os sujeitos coletivos sobre

interesses que só a ele incumbem, partindo-se do raciocínio de que tais interesses encontram-

se resguardados pela indisponibilidade, sendo incontornável óbice às formas consensuais. A

seu turno, a contratualidade da função pública importa afirmar que sua disciplina é fruto de

consenso e não de imposição. Essa perspectiva tem a vantagem de buscar democratizar a

criação de normas que disciplinam a relação de função pública, dentro da ideia de que aos

funcionários deve-se assegurar a participação na determinação dos conteúdos jurídicos que

regem a prestação de trabalho ao Estado.

Na realidade, a fixação consensual das normas constitui uma

exigência do Estado Democrático de Direito, no qual direitos coletivos são reconhecidos aos

funcionários públicos, incluindo-se os instrumentos coletivos como vias adequadas para a

participação efetiva na definição das normas jurídicas que regulam as condições de trabalho.

Não se nega que determinados espaços normativos encontram-se reservados à regulação

heterônoma, no entanto deve-se assegurar algum conteúdo para a disciplina autônoma. Nesse

sentido, a contratualidade da função pública viabiliza e estimula o reconhecimento dos

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direitos coletivos, implicando substancial modificação da forma de determinação das normas

que regulam a relação entre o trabalhador e a Administração Pública.39

O reconhecimento da contratualidade é campo propício para o efetivo

exercício de direitos coletivos pelos funcionários, por meio dos quais se lhes assegura a via da

participação na fixação das normas aplicáveis à função pública. Na concepção unilateral,

estatutária, não há espaço adequado para o desenvolvimento de uma concepção direcionada

para o efetivo exercício de direitos coletivos. Ora, sendo estes espécies de direitos políticos, a

participação constitui uma exigência do princípio democrático. Hoje, a tendência é a

denominada Administração concertada, através da participação dos sujeitos envolvidos nas

decisões administrativas, na busca do consenso, objetivando mais aceitação que imposição. A

atividade da Administração Pública não deve esgotar-se em formas unilaterais, impositivas,

devendo, pois, estruturar-se por meios de coordenação, em que a impositividade é substituída

pela consensualidade.40

A Administração deixa de corresponder ao modelo de poder

exclusivamente unilateral e impositivo e passa a se configurar como administração orientada

pela consensualidade. Essa administração concertada privilegia a participação na medida em

que se buscam soluções consensuais com os destinatários da atividade administrativa,

reforçando-se a legitimidade.41 A consensualidade possui a vantagem de aumentar a

39

A afirmação da contratualidade tem forte influência sobre as relações coletivas na função pública e no ponto observa BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 43: “Resalta el significado profundo de este proceso de contractualización del conflicto de trabajo también, como aceptación e institucionalización del conflicto de trabajo también dentro de la administración pública. De esta forma, la acción sindical se introduce en el área de la organización administrativa, con lo que ello supone de transformación del Poder Público y de la propria posición de la burocracia en el esquema tradicional de equilibrio y funcionalidad de poderes dentro del Estado. En efecto, el progresivo afianzamiento de estas técnicas – junto con otras más que se podían traer a colación, especialmente las que flexibilizan el corsé presupuestario en materia de retribuciones del personal – supone la consolidación de un proceso de contra-argumentaciones jurídicas que erosionan la teorización precedente sobre la imperatividad del respeto a la voluntad legal en la fijación de las condiciones de empleo de los funcionarios públicos. Ciertamente, la concepción autoritaria e imperativa de la Administración está siendo substituida por la introducción de procedimientos de participación y de negociación incluso en el nivel de la formación de las normas.”

40 Nessa direção, escrevem Eduardo Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernández: “Desprovida de sua equívoca mística inicial, a ‘Administração acordada’ marca um caminho que será forçoso recorrer ou, pelo menos, explorar nos próximos anos, posto que já não cabe seguir ignorando por mais tempo que a Administração negocia e que a negociação se converteu em um instrumento imprescindível na tarefa de administrar.” (GARCÍA DE ENTERRÍA; FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ. Curso de Direito Administrativo, 1991, p. 593). Luísa Cristina Pinto e Netto discorre sobre esse tema em PINTO E NETTO. Interesse Público e Administração Concertada, Revista Brasileira de Direito Municipal, num. 12, 2004, p. 173-182.

41 MOREIRA NETO. Direito da Participação Política, 1992, p. 15.

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governabilidade do sistema, haja vista que os sujeitos participantes da solução negociada

sentem-se mais comprometidos a observar e a defender as normas conveniadas, tudo a

fortalecer a democracia participativa. Portanto, resta evidente a necessidade de superação do

modelo de atuação administrativa unicamente unilateral, dando-se ênfase a formas

consensuais, do que é exemplo a negociação coletiva na função pública.

Em um Estado Democrático de Direito, o poder deve ser cada vez

mais exercido com a intermediação de seus destinatários, buscando-se, sempre que possível,

para as decisões públicas, caminhos concertados, ao invés de optar-se por vias unilaterais,

autoritárias. As soluções obtidas pelo diálogo devem ser priorizadas, pois representam a

forma mais adequada de definição do bem-comum, do interesse público. Na realidade, no

Estado Democrático de Direito, próprio de sociedades abertas e pluralistas, o bem-comum

deve ser compreendido como compromisso entre os interesses dos diversos grupos sociais,

devendo, portanto, ser perseguido por processos efetivamente democráticos. Não há, a priori,

oposição entre interesse comum e interesse da coletividade dos funcionários. O essencial é

que o princípio democrático reclama mais autonomia que heteronomia.

Parece evidente que a negociação coletiva é categoria jurídica

indispensável ao Estado Democrático de Direito. Com efeito, este não traduz simples

limitação jurídica ao poder político, uma vez que exige uma legitimação democrática do

mesmo poder, de sorte que esteja organizado e seja exercido democraticamente. Nesse

sentido, diz-se que num Estado Democrático de Direito exige-se mais do que a sujeição dos

órgãos e autoridades à ordem jurídica constituída, exigindo-se, cumulativamente, a efetiva

previsão e concretização da participação dos titulares e destinatários do poder no processo do

seu exercício.

Nessa perspectiva, a participação do exercício do poder estatal

envolve, necessariamente, dois aspectos complementares, a saber, a atitude participativa e a

institucionalização de formas de participação. Pouco significa a simples atitude do cidadão

voltada a participar sem que haja a previsão de formas de participação, bem como a

instituição da participação sem tal atitude a mantém como simulação de democracia, que

representa mero adereço formal. Portanto, mostra-se indispensável a conjugação dos dois

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aspectos, implicando a possibilidade normativa de participação, aliada à existência de

mecanismos para que os destinatários do poder possam atuar eficazmente.42

Nesse ponto, para que a relação entre os funcionários e o Estado

estabeleça-se e desenvolva-se democraticamente, deve-se garantir a participação dos

interessados na determinação das condições de trabalho. Respeitado o espaço de disciplina

heterônoma, impõe-se a configuração de um espaço normativo mínimo entregue à regulação

autônoma. Essa participação, embora possa ser exercitada de forma individual e isoladamente,

obtém robustez e vigor no plano coletivo, sendo absolutamente indispensável que no âmbito

da função pública existam processos participativos mediados por sindicatos representativos do

conjunto dos funcionários públicos. A justificar essa ideia deve-se entender os funcionários

não como objeto do poder, não como súditos do poder ou de seus superiores hierárquicos, mas

compreendidos como cidadãos e trabalhadores, titulares de direitos. Nesse sentido, a

disciplina da relação de função pública não deve ser determinada, em sua integralidade,

unilateralmente, devendo haver espaço para que algumas matérias possam resultar do acordo

voluntário da vontade das partes, e não decorrer de mera imposição de uma parte sobre a

outra.

Essa exigência decorre da circunstância de que, no Estado

Democrático de Direito, a pluralidade é tida como princípio estrutural e, assim, somente a

participação possibilita a adequada avaliação dos interesses envolvidos. Não é demais afirmar

que uma norma com caráter consensual possui maior legitimidade, uma vez que discutida e

acordada, o que torna seu cumprimento de mais fácil obtenção. Disso resulta que a teoria

unilateralista não atende às exigências democráticas de participação dos funcionários na

criação de normas contratuais que devem regular suas relações. Portanto, o modelo contratual

torna-se mais efetivo na garantia da capacidade dos funcionários de influir no conteúdo das

normas que regem sua prestação de trabalho ao Estado. Nessa direção, pretende-se romper o

monopólio estatal no que tange à determinação das normas aplicáveis à função pública.

No modelo contratual, a negociação coletiva exerce papel

fundamental, havendo espaço para que as normas sejam criadas consensualmente. Não se

42 MOREIRA NETO. Direito da Participação Política, 1992, p. 12.

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nega que a participação possa ocorrer no modelo unilateralista de função pública, mas, nesse

caso, a negociação tem finalidade meramente consultiva, cabendo a decisão final

exclusivamente ao Estado. Diversamente, na perspectiva da contratualidade da função

pública, a negociação pode assumir um caráter vinculante, com maior significação e conteúdo

democrático.43

Na linha da contratualidade, os sistemas jurídicos democráticos

reconhecem os direitos coletivos dos funcionários públicos, que, por sua natureza,

pressupõem espaço para a autonomia coletiva e justificam a disciplina consensual da relação

de trabalho mantida com o Estado. Nesse sentido, o reconhecimento dos direitos coletivos

importa a aceitação do fato de que há conflitos nas relações de função pública. Efetivamente,

os conflitos são inerentes a toda forma de organização social e não há qualquer razão para que

não exista conflituosidade nas relações estabelecidas entre o Estado e os funcionários

públicos. Não sendo possível encobrir o dado real da existência de conflitos nas relações de

função pública, ao invés de negá-los ou buscar meios para simplesmente extirpá-los, deve-se

encontrar meios para preveni-los e solucioná-los de forma justa e democrática. E nesse

aspecto a negociação coletiva deve desempenhar função estratégica, servindo para a

prevenção e diminuição da conflituosidade ínsita à relação de função pública.

De outra parte, é preciso considerar que a autonomia coletiva ocupa

uma especial dimensão no Direito do Trabalho, constituindo uma das suas mais importantes

fontes de produção normativa e exerce o importante papel de democratizar as relações de

trabalho. De fato, a vontade sempre foi uma fonte produtora de direitos e obrigações como

expressão da liberdade do ser humano para regulamentar os seus próprios interesses, sendo

que o termo “autonomia” significa, em suma, o poder atribuído a alguém de regulamentar e

governar os próprios interesses. A autonomia coletiva é a pedra angular em matéria de

43

Nesse ponto, advertem Miguel Rodríguez-Piñero y Bravo Ferrer em Ley y negociación colectiva en la función pública, en Relaciones Laborales, núm. 14, 1997 p. 8-9: “Una cosa es que exista un espacio negociador protegido, por la existencia de una obligación legal de negociación, en la elaboración por el Gobierno [...] de Anteproyectos legislativos o de Proyetos reglamentarios, y otra que a ello haya de reducirse la negociación funcionarial; su papel sería entonces bastante limitado y marginal. Un proceso de contractualización no puede consistir en añadir una fase procedimental previa en la elaboración de las normas [...]. Se ha de establecer un nuevo reparto de papeles entre la norma legal y la norma colectiva, pues sin deslegalizar y desreglamentar espacios normativos no podrá existir un margen de contractualización de la regulación jurídica de la relación de empleo público, aunque el convenio no llegue a ocupar la centralidad y espacio propios de le nagociación colectiva laboral”.

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relações coletivas do trabalho e através dela procura-se estabelecer as bases da organização

sindical fundamentada na liberdade e na democracia.44

A autonomia coletiva, numa concepção mais ampla, corresponde ao

princípio que fundamenta não só a negociação coletiva, mas também a liberdade sindical e a

autotutela dos trabalhadores, constituindo, desse modo, o poder de instituir normas e

condições de trabalho – poder normativo, portanto, como liberdade para organizar associações

sindicais independentemente de autorização prévia do Estado e sem interferências deste, nelas

ingressando ou delas saindo, e também como permissão para que, pela paralisação do trabalho

ou outros atos coletivos legítimos, possam os trabalhadores promover a defesa dos seus

direitos ou interesses. Destarte, a autonomia coletiva importa “[...] o reconhecimento de

organizações sindicais livres e independentes, mas também o da negociação coletiva como

processo normativo originário e, ainda, o reconhecimento das faculdades de autotutela

simbolizadas pela greve.”45

A negociação coletiva é o procedimento de concretização da

autonomia coletiva e os contratos coletivos de trabalho são o resultado da sua elaboração,

portanto, o instrumento que expressa e corporifica a autonomia coletiva.46 De fato, a locução

“negociação coletiva”, na concepção já consagrada pelo Direito do Trabalho, compreende o

processo através do qual se alcança o consenso no tocante a determinados aspectos da relação

trabalhista, resultando em instrumento normativo, fonte formal de normas trabalhistas.47 A

negociação fundamenta-se no princípio da autonomia coletiva, expressão do pluralismo

jurídico do qual resulta um poder normativo dos grupos para realizarem a

autorregulamentação dos seus interesses e direitos mediante a livre e direta negociação entre

as suas representações legitimadas, geralmente os sindicatos de trabalhadores e os

44 Estudo sobre a negociação coletiva como fonte do direito é realizado por CORREA CARRASCO. La

negociación colectiva como fuente (formal) del Derecho del Trabajo, 1997. 45

BAYLOS GRAU. Direito do trabalho: modelo para armar, 1999, p. 129. 46 Renato Rua de Almeida realça a importância da negociação coletiva na atualidade a partir do fenômeno da

procedimentalização do direito, “como resultado do caminho da regulamentação (normas heterônomas) para a regulação (normas autorreguladas pelos sujeitos das relações jurídicas).” (ALMEIDA. Negociação coletiva e

boa-fé objetiva. Revista LTr, v. 74, n. 04, abr 2010, p. 393-396,). 47 Antonio Ojeda Avilés identifica o conteúdo essencial da negociação coletiva com “la libertad para regular las

condiciones de trabajo mediante instrumentos colectivos que tengam preferência en esta matéria sobre la regulación pública y supremacia sobre la regulación individual”. Esse núcleo seria intangível pelo legislador, daí por que este “[…] no puede deformar el derecho a la negociación colectiva hasta el punto de hacerle perder el perfil antevisto”. (OJEDA AVILÉS. Compendio de derecho sindical,1998, p. 280-281).

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empregadores ou associações que os representam, para pactuar convenções coletivas de

trabalho ou, até mesmo, pactos sociais.

A locução “negociação coletiva” é vinculada frequentemente às

relações coletivas no setor privado, mas o instituto, apesar das resistências iniciais, já passou a

integrar as relações coletivas de trabalho na função pública, exigindo, no entanto, inflexões

necessárias, plasmadas a partir das peculiaridades da Administração Pública, considerando a

impossibilidade de transplantar para o setor público todas as consequências práticas que

decorrem do reconhecimento da autonomia coletiva no âmbito do setor privado. Exatamente

por isso se admitem procedimentos diferenciados em comparação com as relações trabalhistas

privadas, sem distinções que desnaturem o instituto da negociação coletiva, mas concebendo-

se modelo de negociação específico. O movimento de institucionalização da negociação tem-

se generalizado pelos países que adotam modelo democrático de relações coletivas de

trabalho, ensejando a adoção de um processo negociador influenciado pelas experiências

acumuladas no setor privado, ainda que com algumas variações importantes.

Na busca de um processo previsível e eficaz, a negociação coletiva

tem sido estruturada respeitando-se as condições especiais do serviço público. A

regulamentação decorre da natureza peculiar da Administração Pública como tomadora dos

serviços, da necessidade de conciliar o processo de negociação com os interesses envolvidos

no processo negociador e considerando a necessidade de harmonizar o resultado da

negociação com a supremacia legislativa exercida pelo parlamento. Portanto, deve-se

respeitar as peculiaridades da função pública, mas cumpre reconhecer a natureza própria do

instituto da negociação coletiva, cuja essência reside na circunstância de tratar-se de processo

participativo voltado ao estabelecimento das condições de trabalho. É a negociação meio

essencial, dinâmico e eficaz de regular as relações entre os funcionários e o Estado, que tem

revelado grande vitalidade para democratizar as relações coletivas que aí se travam.

É certo que a necessidade de estruturação específica da negociação

coletiva na função pública não pode constituir abertura para invocar particularidades de fato

inexistentes nem autoriza fixar condições para adoção de falsa negociação. É preciso que a

estruturação dê-se considerando a seriedade e a boa-fé que devem presidir o processo

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negocial, permitindo-se a fixação de limites e controles adequados, sem, contudo,

desconsiderar que a negociação coletiva corresponde à categoria geral do direito que tem seus

contornos já assentados, mas que a ele podem ser agregados traços específicos, de acordo com

o ramo jurídico em que atue. O fenômeno da negociação coletiva goza hoje de ampla

aceitação, mas não com todas as consequências decorrentes da contratação coletiva no âmbito

da função pública, na medida em que subsistem fortes resistências em face das especialidades

do regime estatutário dos funcionários, sobretudo no que diz respeito à eficácia jurídica dos

seus instrumentos normativos.

2.5 MODELOS DE PARTICIPAÇÃO NA DETERMINAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE

TRABALHO NA FUNÇÃO PÚBLICA: CONSULTA E NEGOCIAÇÃO

COLETIVA

Examinando os procedimentos de participação dos funcionários na

determinação de suas condições de trabalho, constata-se que os modelos são definidos em

razão dos condicionamentos históricos e isso conduz às especificidades dos ordenamentos

jurídicos. De um modo geral, há sistemas que negam qualquer eficácia jurídica aos ajustes,

outros admitem eficácia bastante limitada e existem ainda aqueles em que a negociação

coletiva ocupa espaço central, resultando dos ajustes eficácia jurídica direta. Os sistemas que

negam a eficácia jurídica aos ajustes não rechaçam inteiramente a possibilidade de diálogo

entre os agentes públicos e o Estado, mas essa mínima abertura às tratativas não caracterizam

negociação coletiva. Geralmente, há meras consultas, acertos informais e entendimentos para

encerrar conflitos, não havendo, enfim, como tendência, disposição do Poder Público para

entabular a negociação coletiva. Quanto aos sistemas jurídicos que adotam a participação

efetiva dos funcionários na determinação de suas condições de trabalho, pode-se apontar a

seguinte tipologia: consulta ou negociação coletiva; negociação coletiva geral ou específica; e

negociação coletiva permanente ou temporária.

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O modelo de simples consulta é próprio dos regimes de função

pública em que subsiste a prerrogativa unilateral do Poder Público de determinar as condições

de trabalho, referindo-se, desse modo, à concepção tradicional de regime estatutário,

admitindo, porém, a possibilidade de audiência dos representantes dos funcionários antes da

proclamação unilateral das normas. Já a negociação coletiva corresponde ao procedimento

através do qual é possível alcançar consenso entre os funcionários e a Administração Pública,

visando à regulamentação das condições por ato bilateral, resultando um instrumento

normativo no qual se formalize o conteúdo do consenso e que seja dotado de eficácia jurídica.

Um modelo de consulta não exclui o de negociação coletiva, no entanto o primeiro é mais

insuficiente, razão por que há tendência de progressiva superação da consulta por um modelo

de negociação coletiva, ainda que para determinadas matérias a negociação seja pré-

legislativa ou de legislação negociada. Essa inclusive foi a solução adotada na Espanha por

meio do EBEP, que transformou as matérias que na LORAP eram objeto de consulta em

normas de obrigatória negociação.

Por consulta entende-se as tratativas que não levam à formação de

instrumento normativo, podendo a Administração Pública depois de ouvir os representantes

dos funcionários adotar as medidas que julgar adequadas, caso possua competência para fazê-

lo, ou enviar ao parlamento o respectivo projeto de lei contendo as normas que entender. A

consulta pressupõe o poder discricionário do Poder Público para aceitar ou não as

reivindicações dos funcionários, mas tal discricionariedade não reduz a consulta a simples

audiência ou pedido de informações às entidades dos funcionários. O fato de não haver

formalização de instrumento com eficácia jurídica diminui bastante a importância da consulta,

embora não se possa negar inteiramente sua validade, uma vez que, em certos contextos,

pode-se instituir mecanismos para que o Poder Público leve em consideração as

reivindicações apresentadas pela coletividade dos funcionários. Mesmo em temas em que está

excluída a negociação, não há razão para impedir de modo absoluto a possibilidade de os

representantes dos funcionários apresentarem opiniões e sugestões em assuntos a princípio

excluídos do diálogo social.

Portanto, a consulta pode ter como finalidade a formulação de atos

administrativos de regulamentação da situação dos funcionários ou objetivar a elaboração de

projetos de lei a serem remetidos ao parlamento, sendo que, nesta última hipótese, tratando-se

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de simples consulta, não há obrigação de o ente público encaminhar o projeto nos termos em

que foi ajustado. É certo que a natureza consultiva não pode reduzir a obrigatoriedade e

seriedade do procedimento, cabendo à Administração Pública, ao acolher ou recusar as

reivindicações, proferir ato fundamentado, apresentando razões objetivas e razoáveis tanto aos

funcionários como à opinião pública.

Na negociação coletiva pretende-se alcançar o consenso entre a

Administração e os funcionários, visando à regulamentação das relações por meio de ato

bilateral e formalizado através de instrumento normativo. Por este contrato coletivo de

trabalho negociado, a Administração Pública e as entidades representativas dos funcionários

pactuam, nos limites definidos em lei, as normas que regularão as condições de prestação de

trabalho. Atingido o acordo, este é devidamente formalizado no respectivo instrumento

coletivo, podendo estar sujeito à aprovação pela esfera competente do Poder Público, situação

em que a homologação somente será recusada se o pactuado na mesa de negociação estiver

em desconformidade com o estabelecido em lei ou com o conteúdo possível da negociação,

ficando, em consequência, a Administração vinculada àquilo que foi ajustado entre os sujeitos

da negociação. Admissível ainda a negociação pré-legislativa, quando envolver matéria

sujeita à reserva da lei, situação em que a eficácia jurídica é mais restrita, porquanto, embora

vinculante para a Administração Pública, não o é para o Parlamento, cuja soberania não está

condicionada ou limitada no momento de elaborar e aprovar o projeto de lei.

De outra parte, a negociação pode ter por objeto aspectos gerais da

função pública, atingindo todos os funcionários de um ente estatal, caracterizando, desse

modo, a negociação geral. Em seguida, ou concomitamente, podem ocorrer negociações

específicas, por setor de trabalho, em processo descentralizado que visam ao atendimento de

reivindicações de funcionários e interesses dos órgãos estatais. Essas negociações específicas

têm a virtude de permitir flexibilizar a gestão administrativa, contemplando o acordo geral

apenas as linhas básicas das relações coletivas de trabalho, ficando aos níveis menores a

competência para, conforme as peculiaridades, estabelecer as demais normas sobre condições

de trabalho.

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Em outro sentido, quanto à frequência das negociações, estas podem

ser instituídas de forma permanente ou em caráter temporário, conforme o interesse das partes

e da natureza dos assuntos envolvidos na negociação, com a possibilidade de fixar a

negociação em períodos diversos, mas sendo recomendável a configuração de um processo

permanente de diálogo social.

Para contextualizar os modelos de participação dos funcionários na

determinação de suas condições de trabalho, em uma primeira aproximação, observa-se que

no Brasil não há autêntica negociação. Existem meros diálogos informais, por meio de

métodos inadequados e reuniões vazias, em que quase sempre os governos impõem

unilateralmente as condições de trabalho. Na realidade, não existem concessões recíprocas e

os governos simplesmente apresentam sua proposta. Aceita a proposta pelos funcionários

públicos, os governos encaminham ao Parlamento um Projeto de Lei. Recusada a proposta,

encaminham mesmo assim, conduzindo à deflagração de greves, que surgem como a única

forma possível de a categoria se contrapor às decisões unilaterais impostas pelos governos. Os

novos paradigmas indicam que se faz necessária urgentemente a institucionalização no Brasil

de um sistema de negociação coletiva, de modo que se assegure o pleno e efetivo exercício

dos direitos coletivos pelos funcionários e que a negociação coletiva seja instrumento

adequado e eficiente para a resolução dos conflitos coletivos na função pública.

Diferentemente do Brasil, na Espanha existe um modelo de

negociação institucionalizada, em que a Constituição admite e inclusive exige um espaço

negocial na função pública, que pressupõe a transformação do modelo jurídico de função

pública, com o reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários e a passagem de um

modelo unilateral e autoritário para um modelo democrático e bilateral, com a proclamação de

uma certa contratualização da função pública. No entanto, o lento e difícil desenvolvimento

legislativo vem gerando deficiências que ainda hoje impedem a consolidação de um modelo

democrático e de efetiva autonomia coletiva no plano das relações de trabalho com a

Administração Pública. Apesar de estar bem à frente do Brasil, análise mais recente da

experiência em curso na Espanha demonstra que ali se presencia ultimamente um forte ataque

ao sistema de negociação coletiva envolvendo os funcionários públicos, fazendo com que

consistente parte da doutrina espanhola questione se existe realmente o direito à negociação

coletiva na função pública. Essa questão ganha maior destaque diante de decisão unilateral

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59

recente adotada pelo Governo da Espanha no sentido de recusar-se ao cumprimento dos

instrumentos coletivos resultantes da negociação coletiva.

Por sua vez, a adequada interpretação e aplicação do modelo de

negociação dos funcionários públicos consagrado nos ordenamentos jurídicos do Brasil e da

Espanha passa pela análise dos instrumentos internacionais sobre a matéria, uma decorrência

de que o reconhecimento e o exercício de direitos coletivos pelos funcionários públicos

transcendem as fronteiras nacionais, na medida em que “debe tomarse consciencia de la

interdependencia de los trabajadores y debe asentarse una visión común del progreso

social”.48 Em consequência, passa-se no capítulo seguinte à análise das normas internacionais

sobre a matéria, com enfoque sobre a atividade normativa e os precedentes da OIT, buscando

ao final estabelecer a relação entre liberdade sindical e negociação coletiva dos funcionários

públicos. No Brasil, essa análise ganha maior transcendência em face da recente ratificação da

Convenção nº 151 da OIT, standart fundamental do Direito Internacional em matéria de

negociação coletiva entre os funcionários e o Estado.

48 BREITENFELLLNER. El sindicalismo mundial, un posible interlocutor, Revista Internacional del Trabajo,

núm. 4, 1997, p. 575.

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60

3 MARCOS NORMATIVOS SOBRE LIBERDADE SINDICAL E NEGOCIAÇÃO

COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA NO DIREITO INTERNACIONAL

Os direitos coletivos dos trabalhadores sempre foram concebidos na

perspectiva do Estado moderno, vinculados e dotados de eficácia no âmbito de cada

ordenamento jurídico. Quando objeto de regulação pelo Direito Internacional, ainda assim o

conteúdo e a eficácia sujeitavam-se ao processo de internalização segundo os critérios e

procedimentos definidos na legislação de cada país. E essa conformação determinava que a

atuação dos sindicatos operava-se essencialmente dentro dos Estados. Esse quadro mudou

substancialmente e na contemporaneidade não é possível conceber o reconhecimento e a

atuação sindical nos limites estreitos do Estado nacional. Determinante para a modificação

desse cenário foi a nova concepção sobre os direitos fundamentais que brotou sobre os

escombros da II Grande Guerra e o processo amplo e intenso de mundialização da economia,

a exigir o reconhecimento e a efetivação dos direitos coletivos dos trabalhadores para além

das fronteiras nacionais.

Essa tendência confirma o processo histórico que orienta o esforço do

movimento sindical desde seus primórdios de superar as fronteiras nacionais. E o cenário

atual de mundialização econômica fortalece a necessidade de um sistema de tutela sindical

que conduza à solidariedade internacional e supranacional, conquanto isto seja ainda

fortemente limitado pelas legislações nacionais e por regimes de direitos coletivos com

amplas e profundas diversidades. Nesse aspecto, torna-se essencial, ainda que em linhas

gerais, analisar os principais instrumentos normativos sobre liberdade sindical e negociação

coletiva dos funcionários públicos no Direito Internacional. A abordagem tem como ponto de

partida a análise da possibilidade das normas aí consagradas constituírem fonte de legitimação

da ordem jurídica e de vinculação das condutas por elas abrangidas.

Nesta etapa, a necessidade da análise do Direito Internacional

justifica-se diante da circunstância de que, na nova ordem mundial, em que o Direito vai

adquirindo transcendência e ultrapassando os limites das fronteiras nacionais, suas normas

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não integram tão-somente uma ordem moral. De fato, suposta falta de juridicidade não pode

basear-se na ausência de uma ordem coativa que garanta seu cumprimento, porquanto seu

caráter vinculante não se sujeita à existência de um sistema de sanções segundo os

paradigmas do direito interno. Na contemporaneidade, há o reconhecimento de que a

exigência de suas normas é considerada obrigatória, existe uma pressão internacional em

favor de sua obediência, pretensões e reconhecimentos se baseiam nessas normas e considera-

se que sua transgressão justifica não somente exigência de reparação como também

represálias e medidas de retaliação.49 Portanto, além do aspecto da vinculação jurídica, o

Direito Internacional constitui fonte de legitimação dos sistemas internos, na medida em que

seus instrumentos normativos aportam destacado valor como meio de argumentação e o

caráter fundamental dos princípios e direitos que consagram indicam que representam

exigências indispensáveis e mínimas para que as relações jurídicas possam desenvolver-se

dentro de um marco de respeito a standarts universalmente reconhecidos.

A relevância deste estudo fundamenta-se no fato de que no Brasil os

tratados e convenções internacionais podem ser incoporados com status ordinário (CF, artigo

49, I) ou com status constitucional (CF, artigo 5º, § 3º), ao passo que na Espanha o artigo 10.2

CE estabelece que as normas relativas aos direitos fundamentais e às liberdades se interpretam

em conformidade com os tratados internacionais ratificados pela Espanha. Pesa também a

circunstância de que as normas de Direito Internacional, em especial aquelas produzidas pela

OIT, desfrutam de grande força moral e poder de convencimento, porquanto são originárias

de órgão especializado, imparcial e que goza de enorme prestígio internacional. Ademais, as

normas de Direito Internacional, observado o processo de internalização, constituem normas

internas, com natureza vinculante e obrigatória, servindo inclusive de parâmetro para o

controle de constitucionalidade.

O objetivo do exame do Direito Internacional é formular ampla

interpretação da liberdade sindical, avançando no sentido de concebê-la em termos gerais sem

significativas distinções entre trabalhadores públicos e privados, na consideração de que a

diferença entre trabalho público e privado não está na atividade em si, mas tão-somente no

plano normativo. Procura-se demonstrar que a negociação coletiva integra o conteúdo

49 HART. O conceito de direito, 2009, p. 284.

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62

essencial da liberdade sindical dos funcionários públicos e que a existência de peculiaridades

do exercício do direito de sindicalização desses trabalhadores não se refere à extensão do

direito, mas apenas ao modo de exercê-lo, admitindo-se apenas alguns ajustes para

harmonizá-lo com outros valores constitucionais.

3.1 LIBERDADE SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

NO DIREITO INTERNACIONAL

Neste tópico, faz-se a análise das normas de Direito Internacional que

dispõem sobre a liberdade sindical e a negociação coletiva dos funcionários públicos. Numa

primeira aproximação, aprecia-se a atividade normativa da OIT, sobretudo sua intensa atuação

no sentido de defender e promover tanto a liberdade sindical como a negociação coletiva.

Como desdobramento, o estudo é dedicado à análise dos principais instrumentos normativos

da OIT sobre a temática, buscando verificar de que forma se realiza a conformação dos

direitos coletivos dos funcionários no âmbito das normas internacionais e o papel que essas

normas exercem na ordem jurídica interna.

3.1.1 Atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho. Defesa e promoção da

liberdade sindical e da negociação coletiva

A expansão do sindicalismo tornou-se um dos fatos sociais mais

marcantes da história contemporânea. E por isso desde sua criação a OIT tem desenvolvido

uma ação fecunda e pertinaz em favor da liberdade sindical, consagrando-a já no seu ato

constitutivo de 1919. Em 1944, a Conferência da Filadélfia adotou a Declaração referente aos

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fins e objetivos da OIT, sufragando a ideia de que a liberdade de associação é essencial para a

continuidade do progresso, firmando a obrigação solene de fomentar, entre todas as nações do

mundo, programas que permitam alcançar o reconhecimento efetivo do direito de negociação

coletiva e proclamando que esse princípio é plenamente aplicável a todos os povos. Desde

então houve intensa atividade normativa da OIT com a aprovação de uma série de

convenções, resoluções e recomendações sobre direitos sindicais. Essa atividade

[...] através do conteúdo de suas normas e dos princípios arraigados por seus órgãos de controle, contribuiu para a consolidação com caráter universal das coordenadas que devem enquadrar a negociação coletiva para que esta seja viável, eficaz e mantenha sua capacidade de adaptabilidade ao meio em que se realiza e às mudanças de índole econômica.50

A “Libertad sindical es una fórmula lingüística que debe su carácter

universal a la OIT”.51 De fato, na perspectiva da OIT, o direito de associação e os princípios

da liberdade sindical são reconhecidos como condições básicas para que os trabalhadores

possam reivindicar direitos, obter novas conquistas e, de maneira geral, promover a defesa

daqueles direitos já conquistados. Nesse sentido, a liberdade sindical condiciona outras

liberdades e direitos fundamentais, tais como o direito à negociação coletiva e o direito de

greve. É uma “liberdade-condição”, porquanto sem a liberdade de associação e a liberdade

sindical não é exagero considerar que vários direitos dos trabalhadores, numerosos elementos

do sistema de relações profissionais, não passam de normas de fachada, regras desprovidas de

qualquer aplicação prática. E, sem dúvida, de maneira geral e essencial, existe uma

interdependência evidente entre, de um lado, as referidas liberdades, e, de outro, a efetividade

dos direitos fundamentais, na medida em que “[...] la tutela de la libertad sindical por la OIT

aparece como una de las formas más conspícuas y modélicas em la proteción internacional de

los derechos humanos”.52 Assim, a liberdade sindical constitui elemento fundamental para o

associativismo dos trabalhadores, condição essencial para a defesa de seus direitos e ademais

50

GERNIGON; ODERO; GUIDO. A negociação coletiva: normas da OIT e princípios dos órgãos de controle, A

negociação coletiva na Administração Pública brasileira. OIT, 2002, p. 19. Para uma consulta sobre a atuação normativa da OIT, conf. VALTICOS. La Organización Internacional del Trabajo: Cincuenta años de actividades normativas, Revista Internacional del Trabajo, núm. 3-4, 1996. Trabalho mais abrangente e detalhado é apresentado por SUSSEKIND. Direito Internacional do Trabalho, 2000.

51 ROMAGNOLI. La libertad sindical, hoy, en Revista de Derecho Social, núm. 4, 2001, p. 10.

52 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. OIT, derechos humanos e libertad sindical, en Relaciones

Laborales, tomo 1999-I, p. 20.

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64

“es un derecho añadido que acentúa la protección y agrava el incumplimiento de otros

derechos fundamentales de la persona”. 53

A importância do reconhecimento do direito de sindicalização e da

negociação coletiva dos funcionários públicos repousa no fato de que um dos objetivos da

OIT é o de ser agente universalizador das condições fundamentais das relações de trabalho

subordinado, através da normatização homogênea por todos os seus países membros. Esse

aspecto se acentua no contexto de uma economia mundializada, em que os direitos coletivos

dos trabalhadores consagrados nas normas de Direito Internacional já não podem depender

exclusivamente do processo de internalização por cada ordenamento jurídico. E nesse quadro

faz-se necessário repensar a exigência de intermediação do Estado nacional como condição

para sua eficácia jurídica, na medida em que as normas internacionais sobre liberdade sindical

constituem exigências indispensáveis e mínimas para que as relações coletivas de trabalho

possam desenvolver-se adequadamente.54

De outra parte, mesmo na concepção clássica de Direito Internacional,

no que concerne à incorporação dos tratados no direito interno, prevalece a interdependência

entre a ordem jurídica internacional e a nacional, razão por que suas normas se condicionam e

se influenciam mutuamente, constituindo esferas da mesma ordem jurídica geral. Corrobora

essa assertiva a tendência das constituições contemporâneas de buscarem a harmonização

entre suas normas, que é facilitada com o reconhecimento de que os tratados, logo após sua

ratificação, passem imediata e automaticamente a produzir efeitos na ordem interna. Ainda

assim, são frequentes controvérsias jurídicas a respeito da força normativa das normas

internacionais e sua posição na estrutura hierárquica nas fontes jurídicas. E a origem das

controvérsias está no clássico debate sobre a soberania nacional e os princípios democráticos.

De toda sorte, no que diz respeito especificamente à liberdade sindical, não pode reduzir o

53 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. OIT, derechos humanos e libertad sindical, en Relaciones

Laborales, tomo 1999-I, p. 23. 54 Nessa direção observa MACEDO DE BRITO PEREIRA. La negociación colectiva en la función pública: una

aproximación constitucional, 2004, p. 78-79: “Estos instrumentos de derechos humanos formalizados en tratados no se restringen a un problema de relación entre los Estados. Por medio de ellos son previstos derechos y libertades que deben incidir inmediatamente em la situación jurídica de los indivíduos y grupos. Su eficacia directa, con tal de que el Estado sea miembro de la Organización correspondiente o haya firmado un tratado internacional, no debe depender de medidas adicionales. Eso es posible jurídicamente, incluso, mediante el reconocimiento de la obligación ante la comunidad internacional del Estado que ratifica um convenio internacional de derechos humanos de adoptar las providencias para su aplicación”.

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65

valor jurídico das normas internacionais que a consagra a simples enunciados morais, mas a

reconhecer como “parte integrante de los derechos humanos fundamentales y una piedra

angular de las disposiciones que tratan de asegurar la defensa de los derechos de los

trabajadores”.55

Ademais, é preciso considerar que os tratados internacionais,

compreendidos como acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes,

constituem a principal fonte de direitos e obrigações do Direito Internacional. O termo tratado

abrange convenções, pactos e declarações e significa acordo internacional firmado entre

Estados e sua efetividade pode na concepção clássica estar condicionada à aprovação do

órgão legislativo e posterior ratificação pela autoridade do órgão executivo. Nessa concepção,

a ratificação constitui ato necessário para que o tratado passe a ter obrigatoriedade no âmbito

internacional e interno. A ratificação tem o efeito de obrigar diretamente os Estados, assim

como gerar direitos subjetivos nas relações entre particulares. Há, assim, a incorporação

automática de suas normas, independente da existência de um ato legislativo complementar

para a sua exigibilidade e implementação, que gere como consequência a integração direta e

imediata das normas à ordem jurídica interna.56

No Brasil, o § 2º do artigo 5º, CF prevê que os direitos e garantias

expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes dos tratados de que o País

seja parte. A partir da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, observada a norma do § 3º, os

tratados e convenções internacionais alçaram status constitucional. No entanto, nada impede

que seja observado o procedimento comum de internacionalização dos tratados e convenções

internacionais, hipótese em que as normas vigoram com status infraconstitucional. O próprio

STF, em precedentes posteriores à EC nº 45/2004, atribui aos tratados internacionais status

normativo supralegal, mas infraconstitucional. Nesse sentido, considera a Suprema Corte que

aos instrumentos internacionais é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico,

estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. Nesse sentido, conclui o

STF que esse status normativo supralegal dos tratados subscritos pelo Brasil torna inaplicável 55 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. La libertad sindical y el Convenio 87 (1948) OIT, en Relaciones

Laborales, tomo 1999-I, p. 14. 56 As normas de Direito Internacional do Trabalho podem ser utilizadas pelos tribunais de cada país com diversas

funções: para solucionar diretamente um conflito; para interpretar dispositivos do direito interno; como fonte de inspiração para o reconhecimento de um princípio jurídico; e também para fortalecer uma decisão baseada no direito interno.

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66

a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de

raficiação.57

Por outro lado, na Espanha, o artigo 96.1 CE prevê que os tratados

internacionais, validamente celebrados, depois de publicados, passam a integrar o

ordenamento jurídico interno. Nesse sistema, adota-se a teoria da recepção plena e

automática. A ratificação está condicionada à aquiescência (artigo 63.2 CE), sujeita à prévia

manifestação das “Cortes Generales” (artigo 94 CE), materializada através de lei orgânica

(artigo 93 CE). Satisfeitos esses requisitos, o instrumento normativo passa a integrar a ordem

interna, adquirindo assim a qualidade de normas vinculantes e obrigatórias para os poderes

públicos e particulares, observando que “Sus disposiciones sólo podrán ser derogadas,

modificadas o suspendidas en la forma prevista en los propios tratados o de acuerdo con las

normas generales del Derecho internacional” (artigo 96 CE). Os tratados ratificados têm a

mesma natureza e hierarquia das leis, devendo obviamente conformação à Constituição

(artigos 93 e 95 CE). Portanto, efetivada a publicação, os tratados passam a formar parte do

ordenamento, sem qualquer outro requisito. Desse modo, suas normas tornam-se vinculantes e

obrigatórias, gerando direitos e obrigações para os cidadãos, autoridades e Tribunais.

Abordada brevemente a função que as normas internacionais do

trabalho exercem na ordem jurídica, cumpre agora assinalar que a liberdade sindical

representa elemento essencial e constitui a pedra angular sobre a qual se estrutura a própria

OIT. A Organização reiteradamente vem afirmando que a liberdade sindical faz parte dos

direitos humanos fundamentais, sendo meio indispensável para a defesa dos direitos dos

trabalhadores. Do mesmo modo, objetivando cumprir uma de suas principais missões, que

consiste no fomento à negociação coletiva, a OIT tem fixado um conjunto de princípios para

regular o processo negocial, que passa pela observância de um mínimo de regras e de

consensos básicos, a começar pelo respeito à palavra dada e aos compromissos assumidos.

Entre esses princípios está o reconhecimento de que os interlocutores têm interesses,

convicções e aspirações divergentes e a consciência e a convicção de que os sindicatos de

trabalhadores são essenciais numa sociedade democrática, posto que através deles são

57 Esta conclusão consta do julgamento proferido no HC 88.240, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 24-10-2008.

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67

canalizadas necessidades e reivindicações específicas de setores representativos da

sociedade.58

Com essa premissa, passa-se a analisar as sucessivas convenções da

OIT. Aqui os direitos coletivos dos funcionários são abordados sob duas perspectivas

normativas distintas. De um lado, como direito assegurado a todos os trabalhadores, cujas

normas tutelam de forma genérica o direito de sindicalização e de negociação coletiva e

consequentemente alcançam de forma derivada a categoria específica dos funcionários. De

outra parte, as normas específicas que dispõem diretamente sobre os direitos coletivos dos

funcionários, abrangendo os direitos de liberdade sindical e negociação coletiva. Desse modo,

o tratamento aborda esses dois tipos de normas, reconhecendo desde já a interdependência e a

influência recíproca dessas normas para a conformação no plano internacional dos direitos

coletivos no âmbito da função pública.

Apresentados esses aportes acerca dos tratados internacionais,

observa-se que no âmbito da elaboração normativa da OIT destacam-se as convenções, típicos

tratados internacionais, autênticas fontes formais de direito, constituindo regras gerais e

obrigatórias, que uma vez ratificadas passam a criar uma rede de obrigações internacionais,

seguidas de medidas de controle. Diferentemente das recomendações, estas com função

indicativa atuando como fontes materiais de direito e servindo de inspiração e modelo para a

atividade legislativa, autênticos meios de aproximação das legislações dos Estados que

aceitem no todo ou em parte incorporar suas orientações na ordem jurídica interna, as

convenções são instrumentos de uniformização do direito nos Estados que as ratifiquem.

O estudo abrange quatro convenções fundamentais que tratam da

liberdade sindical e da negociação coletiva: a) Convenção nº 87 de 1948, sobre a liberdade

sindical e a proteção ao direito sindical; b) Convenção nº 98 de 1949, sobre a aplicação dos

princípios do direito de sindicalização e de negociação coletiva; c) Convenção nº 151 de

58 Realçando a função da liberdade sindical como “direito de ação coletiva dos trabalhadores organizados”,

materializada “na concreção do direito de participação”, como “resultado de uma legislação instrumental e procedimental”, Renato Rua de Almeida apresenta uma visão histórica da liberdade sindical no plano internacional e no direito interno. (ALMEIDA. Visão histórica da Liberdade Sindical, Revista LTr, v. 70. n. 03 , mar 2006, p. 363-366).

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1978, sobre a proteção do direito de sindicalização e procedimentos para definir as condições

de emprego no serviço público; e d) Convenção nº 154 de 1981, sobre a promoção da

negociação coletiva. Esses instrumentos de homogeneização da proteção dos direitos sindicais

têm forma e conteúdo genéricos, abstratos e flexíveis, de modo que possam ser absorvidos

pelas legislações nacionais, respeitadas as peculiaridades locais. Essas normas não

representam o que de mais avançado possa haver em vigor, mas, ao contrário, constituem tão-

somente um parâmetro mínimo dentro do qual se podem considerar satisfeitos os princípios e

regras fundamentais pertinentes à liberdade sindical e à negociação coletiva na função

pública.

3.1.2 Convenção nº 87. O reconhecimento com caráter geral da liberdade sindical a todos os

trabalhadores

A Convenção nº 87 continua sendo o marco normativo básico da OIT

em matéria de liberdade sindical, servindo os instrumentos subsequentes como meios para

reforçar seu papel e vigência. Constitui referência para determinar o padrão de exigência de

liberdade sindical em uma sociedade democrática. Representa o primeiro documento

internacional a ocupar-se da liberdade sindical e da proteção dos direitos sindicais dos

funcionários públicos, reconhecendo o direito de sindicalização a todos os trabalhadores e

empregadores, sem qualquer distinção. Fixa o standard de que a liberdade sindical deve estar

garantida sem distinção e sem discriminação de nenhuma espécie, inclusive em decorrência

do tipo de ocupação. Por suas disposições não se pode negar o direito à liberdade sindical em

razão da profissão ou atividade do trabalhador. Examinando as prescrições do artigo 2º,

quando garante aos trabalhadores, sem distinção de qualquer espécie, sem nenhuma espécie

de discriminação, a liberdade constitutiva e associativa, reconhece amplamente a titularidade

dos direitos sindicais dos trabalhadores, abrangendo, por certo, os funcionários públicos.

Destarte, os trabalhadores da Administração Pública, observadas as limitações quanto às

forças armadas e às polícias, na forma do artigo 9º, § 1º, podem criar organizações sindicais.

De fato, não é equitativa estabelecer diferenciação entre os assalariados da atividade privada e

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os trabalhadores da Administração Pública, posto que uns e outros devem ter a possibilidade

de assegurar, através de sua organização, a defesa de seus interesses. Conclui-se que aos

demais trabalhadores do serviço público está garantida a liberdade sindical59.

A negativa do reconhecimento do direito de sindicalização dos

funcionários é contrário à Convenção nº 87, porquanto todos os trabalhadores da

Administração Pública têm assegurado o direito de constituir e filiar-se a sindicatos,

abrangendo os prestadores de serviços em todas as esferas de governo, independentemente da

natureza da relação jurídica. Esse convênio exerce um papel fundamental para o

reconhecimento e garantia do direito de sindicalização dos funcionários públicos, colocando-

se radicalmente contra a discriminação que alguns sistemas jurídicos fazem entre essa

categoria e os demais trabalhadores. Constitui um marco fundamental para proteger a

liberdade sindical dos funcionários públicos, na medida em que “ha sido una punta de lanza

fundamental para el reconocimiento de la libertad sindical a los funcionarios públicos,

rompiendo un viejo prejuicio existente sobre todo em los países continentales que separan

radicalmente el tratamiento de los funcionarios y de los demás trabajadores”.60

O termo liberdade sindical exige uma compreensão abrangente. A

expressão compreende o direito de exercitar as funções próprias do sindicato, seja frente aos

poderes públicos, seja frente aos empresários, envolvendo um conjunto de ações de

reivindicação e participação, no qual está incluído evidentemente o direito de deflagração do

conflito coletivo e o direito à negociação coletiva para solucioná-lo, de modo que se atribui ao

sindicato o poder de decidir, programar e levar adiante as atividades, sem interferências de

quem quer que seja, utilizando os meios que considere necessários para a defesa das

reivindicações.61 Nessa vertente, no plano das normas internacionais, predomina o

59 O Brasil não ratificou a Convenção nº 87 da OIT e essa posição macula sua imagem perante a comunidade

internacional, e, ainda mais importante, dificulta a modernização de sua estrutura sindical, impedindo assim o fim da hierarquização, monopólio e contribuição compulsória. Com essa mesma perspectiva, o modelo sindical brasileiro foi objeto de recente crítica, em que é apresentado o processo evolutivo necessário para que se chegue ao “modelo sindical pós-corporativista”, por ALMEIDA. O modelo sindical brasileiro é corporativista, pós-corporativista ou semicorporativista? LTr: Revista Legislação do Trabalho. São Paulo, v. 77, n. 01, p. 7-15, jan/2013. A Espanha, por sua vez, ratificou esta convenção em 13 de abril de 1977 (BOE 11.5.1977).

60 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. La libertad sindical y el Convenio 87 (1948) OIT, en Relaciones

Laborales, tomo 1999-I. 61 Acerca do sentido atual da expressão “liberdade sindical”, escreve ROMAGNOLI. La libertad sindical, hoy,

en Revista de Derecho Social, núm. 4, 2001: “[…] libertad sindical es una fórmula linguística abreviada de la

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entendimento de que o direito à negociação coletiva integra o conteúdo essencial da liberdade

sindical, resultando daí que aquele direito configura-se como um processo destinado à

celebração de um acordo coletivo, com caráter normativo, obrigatório e vinculante.

Conforme será visto oportunamente, esse talvez seja um dos aspectos

mais controvertidos na jurisprudência. No Brasil, o STF, por ocasião do julgamento da ADIn

492-DF, entendeu que na liberdade sindical não compreende o direito à negociação coletiva,

adotando como um dos fundamentos a falta de referência no § 2º do artigo 39, CF (atualmente

o § 3º) aos acordos e às convenções coletivas. Na Espanha, o entendimento tem variado de

uma posição inicialmente excludente para em seguida admitir que integra o conteúdo

essencial da liberdade sindical o direito à negociação coletiva. Majoritariamente o TC

considera compreendido dentro da liberdade sindical o direito à negociação coletiva, à greve e

à abertura de procedimento de conflito coletivo, chegando em algumas situações a admitir que

“ella abarca cualquier actividad o acción que signifique defensa de los trabajadores”.62 No

entanto, em relação aos funcionários prevalece uma posição restritiva, reconhecendo ser a

negociação coletiva mero conteúdo adicional da liberdade sindical. Essa orientação conduz o

TC à conclusão de que a negociação coletiva dos funcionários é um direito de configuração

legal, entendimento este totalmente contraditório à Convenção nº 87 e à jurisprudência

constitucional espanhola que considera a negociação coletiva laboral como parte do conteúdo

essencial do direito fundamental de liberdade sindical.

3.1.3 Convenção nº 98. O significado da negociação coletiva e o dever de cumprimento dos

instrumentos normativos

que nadie podía sospechar su exuberancia semántica. La libertad sindical engendra el derecho a regular las condiciones de trabajo mediante la negociación y el derecho a condicionar su dinámica recurriendo a la huelga. Engendra el derecho al pluralismo organizativo y concurrencial a la vez que el derecho al autogobierno del mismo. Engendra el derecho de los individuos a ejercitarla (la así llamada libertad positiva) junto a la de no ejercitarla (libertad negativa) y los derechos del sindicato a la vez que los derechos de los representados dentro del sindicato y respecto de él”.

62 OJEDA AVILÉS. Compendio de derecho sindical, 1998, p. 35.

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71

A Convenção nº 98 objetiva garantir a autonomia e a liberdade de

ação do sindicato de trabalhadores perante o empregador, cuidando especialmente da

negociação coletiva. Almeja também estabelecer igualdade de condições nas negociações,

deixando claro que os sindicatos devem gozar de uma efetiva proteção, que aniquile

eficazmente os atos de ingerência praticados por organizações patronais ou empregadores

considerados individualmente, tudo com a finalidade de preservar a autonomia e a liberdade

de ação coletiva dos trabalhadores. Prevê o artigo 4º que, de acordo com as necessidades e

condições de cada nação, devem ser adotadas medidas apropriadas para encorajar e promover

o pleno desenvolvimento e utilização de processos de negociação coletiva voluntária e direta,

entre patrões e suas organizações, por um lado, e as organizações de trabalhadores, por outro,

com a intenção, por meio das convenções que daí resultem, de regular as condições de

trabalho63.

Nesta convenção, negociação coletiva corresponde a toda reunião de

esforços em conversações e diálogos, desenvolvida entre um empregador, um grupo de

empregadores ou uma associação ou várias associações de empregadores, quando não tratar

de situações específicas das Administrações Públicas, de uma parte e, de outra, uma

organização ou várias organizações de trabalhadores, cujo propósito é a fixação das condições

de trabalho ou de emprego ou a regulamentação das relações entre empregadores e

trabalhadores ou destes com as Administrações. Embora o referido convênio não defina

contrato coletivo, estabelece seus aspectos fundamentais ao indicar os seus sujeitos e ao

dispor que a negociação coletiva tem por objeto regulamentar, por meio de contratos

coletivos, as condições de emprego, tendo como finalidade estimular e fomentar o pleno

desenvolvimento e uso de procedimentos de negociação voluntária.64

A aplicação dessa convenção no setor público mostra-se mais

complexa. O artigo 8º exclui de seu campo de aplicação os funcionários públicos, ao passo

que o artigo 6º dispõe que o instrumento não trata da situação dos funcionários que trabalham

na administração do Estado, não podendo ser interpretado de sorte a prejudicar seus direitos

ou o contido no estatuto respectivo. Por sua vez, o artigo 5º estabelece que a legislação de 63 No Brasil, a Convenção nº 98 foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 49/1952 e ratificada por meio do

Decreto nº 33.196/1953. Na Espanha, esta convenção foi ratificada em 13 de abril de 1977 (BOE 11.05.1977). 64 GERNIGON; ODERO; GUIDO. A negociação coletiva: normas da OIT e princípios dos órgãos de controle, A

negociação coletiva na Administração Pública brasileira, OIT, 2002, p. 25.

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cada país deve determinar o alcance das garantias que prever no tocante às forças armadas e

às polícias. Conquanto possa parecer que a aplicação da Convenção nº 98 não se estenda à

sindicalização e à negociação coletiva na função pública, prevalece o entendimento de que

sua exclusão refere-se tão-somente àqueles funcionários que exercem poder político, cujas

funções estão diretamente relacionadas à Administração do Estado, não abrangendo, portanto,

aqueles que exercem atividades estatais auxiliares. Essa tem sido a direção adotada pela

Comissão de Peritos da OIT, ao estabelecer que “[...] la exclusión del campo de aplicación del

Convenio de las personas empleadas por el Estado o en el sector público, pero que no actúan

como órganos de Poder Público [...] es contraria al sentido del Convenio”.65

A falta de inclusão expressa dos trabalhadores públicos na Convenção

nº 98 não teve o propósito de excluí-los ou assegurar-lhes tratamento diferenciado. Essa

circunstância decorreu mais da dificuldade de obtenção de consenso acerca de como

contemplar os funcionários públicos em geral com os direitos coletivos, sem que antes fossem

definidos os contornos exatos de seu exercício, tendo em vista as peculiaridades do trabalho

no âmbito da Administração Pública. Essas dificuldades provocaram a realização de intenso

debate coordenado pela OIT, do qual resultou o entendimento de ser imprescindível a

formulação de instrumento normativo que garanta aos trabalhadores públicos meios de

participação na definição das condições de trabalho, a ser concretizado através da Convenção

nº 151.

Tratando a Convenção nº 98 sobre negociação coletiva, faz-se

necessário examinar a definição e o objeto dado a esse instrumento nas normas da OIT. Há

uma clara distinção entre consulta e negociação coletiva. Para a OIT, a negociação coletiva é

compreendida como atividade ou processo com a finalidade de encerramento através de um

contrato ou acordo coletivo. O instrumento coletivo corresponde ao negócio jurídico através

do qual sindicatos ou outros sujeitos devidamente legitimados regulamentam, criam e

estipulam condições de trabalho. É certo que a Convenção nº 98 não define contrato coletivo,

entretanto delimita seus aspectos nucleares, ao fixar que a negociação tem por “objeto de

reglamentar, por medio de contratos colectivos, las condiciones de empleo” e ao pretender

“estimular y fomentar entre los empleadores y las organizaciones de empleadores, por una

65 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 82.

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parte, y las organizaciones de trabajadores, por otra, el pleno desarrollo y uso de

procedimientos de negociación voluntaria” (artigo 4º).

A OIT através da Recomendação nº 91 (1951), que dispõe sobre os

contratos coletivos, estabelece a definição desses instrumentos: “la expresión contrato

colectivo comprende todo acuerdo escrito relativo a las condiciones de trabajo y de empleo,

celebrado entre un empleador, un grupo de empleadores o una o varias organizaciones de

empleadores, por una parte, y, por otra, una o varias organizaciones representativas de

trabajadores o, en ausencia de tales organizaciones, representantes de los trabajadores

interesados, debidamente elegidos y autorizados por estos últimos, de acuerdo con la

legislación nacional” (parágrafo 2º, alínea 1). O caráter vinculante é expressamente afirmado

ao estabelecer que “Todo contrato colectivo debería obligar a sus firmantes, así como a las

personas en cuyo nombre se celebre el contrato” (parágrafo 3º, alínea 1).

Conquanto não conste expressamente desta convenção, a OIT tem

destacado a boa-fé como condição para que a negociação coletiva possa desenvolver-se

eficazmente. O respeito ao princípio exige das partes que mantenham negociações verdadeiras

e construtivas, fundada na confiança recíproca, tendo como propósito alcançar um acordo.

Compreende assim o respeito mútuo aos compromissos assumidos, de modo que possam ser

cumpridos e aplicados de boa-fé. A exigência do cumprimento do acordo foi ressaltado na

Recomendação nº 91 (parágrafo 3), ao estabelecer que “Todo contrato colectivo debería

obligar a sus firmantes, así como a las personas en cuyo nombre se celebre el contrato”. Esta

é a orientação do Comitê de Liberdade Sindical: “Los acuerdos deben ser de cumplimiento

obligatorio para las partes.”66 No mesmo sentido: “El respeto mutuo de los compromisos

asumidos en los acuerdos colectivos es un elemento importante del derecho de negociación

colectiva y debería ser salvaguardado para establecer relaciones laborales sobre una base

sólida y estable”.67

66

Recopilación de decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la OIT, parágrafo 939.

67 Recopilación de decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la OIT, parágrafo 940.

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3.1.4 Convenção nº 151. Exigência de procedimentos de negociação para determinação das

condições de trabalho na Administração Pública

A Convenção nº 151 garante o direito de sindicalização aos

funcionários públicos, reafirmando a liberdade sindical desse segmento de trabalhadores que

já havia sido assegurada como um direito em amplo sentido através da Convenção nº 87,

sendo possível afirmar que a verdadeira base jurídica da liberdade sindical dos funcionários

encontra-se nas Convenções nº 87 e nº 151 da OIT. Esta convenção abrange todas as pessoas

que trabalham para os órgãos da Administração Pública, na medida em que não lhes sejam

aplicadas disposições mais favoráveis de outras convenções internacionais do trabalho. A

garantia do direito de sindicalização dos trabalhadores do serviço público, considerados de

uma forma genérica, sem restrições, aparece no artigo 4º desse convênio. Este preceito

resguarda aos funcionários, em seu conteúdo, o gozo de uma proteção adequada contra todos

os atos discriminatórios que signifiquem uma conduta antissindical, pretendendo o resguardo

e a manutenção do cargo ou emprego público durante o exercício da liberdade sindical.

Acompanhando este mesmo objetivo, preconiza o artigo 5º que as organizações desses

trabalhadores não podem sofrer ingerências e nem prejuízos, de qualquer tipo, por parte da

autoridade pública, qualquer que seja. O artigo 6º concede facilidades aos representantes dos

trabalhadores do serviço público para o rápido e eficaz desempenho de suas funções, inclusive

durante as horas de trabalho. Os artigos 7º e 8º valorizam a negociação coletiva e a solução de

conflitos entre os funcionários e as Administrações Públicas68.

A adoção de medidas apropriadas para estimular e fomentar o

aproveitamento de procedimentos de negociação de modo pleno entre as autoridades públicas

e as organizações de funcionários públicos, naquilo que se referir às condições de trabalho,

está expressamente regulada pelo artigo 7º. Por esse preceito, a negociação pode se realizar

por quaisquer métodos que permitam aos representantes dos funcionários participar na

determinação das condições de trabalho. Por sua vez, o artigo 8º trata da solução dos conflitos

68 No Brasil, a Convenção nº 151 foi promulgada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº

206 (DOU 8.4.2010), cujos desdobramentos e efeitos de sua aprovação serão analisados adiante em tópico específico. Na Espanha, esta convenção foi ratificada em 12 de junho de 1984 (BOE 12.12.1984).

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advindos daqueles procedimentos de negociação. Segundo esse dispositivo, o fim dos

conflitos de trabalho nesse setor deve ser obtido através da negociação entre as partes ou por

meio de outros instrumentos, os quais apresentem independência e imparcialidade na tomada

das decisões, exemplificando com a solução através da mediação, conciliação e arbitragem.

Portanto, a Convenção nº 151 dá um grande passo ao exigir que os

Estados devem adotar medidas de fomento e estímulo à negociação coletiva na Administração

Pública, instituindo procedimentos de negociação para que os funcionários possam participar

da determinação de suas condições de trabalho. Estabelece que devem ser adotadas medidas

adequadas para estimular e fomentar o pleno desenvolvimento e utilização de procedimentos

de negociação ou quaisquer outros métodos independentes e imparciais que permitam aos

funcionários públicos participar da determinação de suas condições de trabalho. Esse

convênio aplica-se a todas as pessoas que trabalham para a Administração Pública, sendo que

as únicas categorias que podem ser excluídas, além das forças armadas e da polícia, são os

funcionários de alto nível que, pela natureza de suas funções, possuam poder decisório ou

desempenhem cargos diretivos ou, então, quando realizam atividades altamente confidenciais.

Objetivando definir o sentido e alcance da negociação coletiva,

El Comité ha estimado útil recordar los términos del Convenio sobre las relaciones de trabajo en la administración pública, 1978 (núm. 151), cuyo artículo 7 prevé que «deberán adoptarse, de ser necesario, medidas adecuadas a las condiciones nacionales para estimular y fomentar el pleno desarrollo y la utilización de procedimientos de negociación entre las autoridades públicas competentes y las organizaciones de empleados públicos acerca de las condiciones de empleo, o de cualesquiera otros medios que permitan a los representantes de los empleados públicos participar en la determinación de dichas condiciones».69

3.1.5 Convenção nº 154. A negociação coletiva como elemento essencial da liberdade sindical

69 Recopilación de decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la

OIT, parágrafo 888.

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A negociação coletiva, um componente essencial da liberdade

sindical, foi consagrada, expressamente, além da referência que ganhou no artigo 4º da

Convenção nº 98, na Convenção nº 154 da OIT. Este convênio, aplicável a todos os ramos de

atividade, já no seu preâmbulo estabelece que seu objetivo é reforçar as normas existentes

sobre negociação coletiva e que de suas normas devem resultar medidas destinadas a fomentar

a negociação coletiva livre e voluntária. Prevê seu artigo 1º que, no tocante ao serviço

público, modalidades especiais de aplicação podem ser estabelecidas por leis ou regulamentos

nacionais ou pela prática nacional. Considerando que o instrumento referido trata

especificamente da negociação coletiva, nesse sentido não se compreende o simples método

de consulta aos representantes dos trabalhadores, posto que ela tem como objetivo, dentre

outros, o de fixar as condições de trabalho e emprego70.

As mais significativas medidas, previstas na Convenção nº 154, cuja

meta é promover a negociação coletiva, deve: a) abranger todos os empregadores e todas as

categorias de trabalhadores; b) ser estendidas às condições de trabalho e emprego e à

regulamentação das relações entre empregadores e trabalhadores; c) encorajar e desenvolver

regras de procedimentos consensualmente ajustadas entre as organizações de empregadores e

as organizações de trabalhadores; d) evitar e não causar o entrave ou a interrupção das

negociações por insuficiência e impropriedade das normas que lhes forem pertinentes ou pela

inexistência de regras que disciplinem a negociação. Ainda, as medidas que forem adotadas

pelas autoridades, após a prévia consulta às partes interessadas, não poderão, em nenhuma

hipótese, prejudicar a liberdade de negociação coletiva.

A OIT, por essa convenção, certifica o grande valor da negociação

coletiva, reconhecendo sua essencialidade em um modelo sindical plural e democrático,

deixando evidente que a negociação deve merecer maior atenção de todos os interessados e

dos legisladores, sendo necessário que em todos os âmbitos as negociações coletivas devem

ser motivadas e facilitadas, inclusive nos locais de trabalho e no âmbito da Administração

Pública. Na realidade, a Convenção nº 154 foi instituída com a finalidade de fomentar 70 A Convenção nº 154 da OIT foi aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 22/1992, com sua

ratificação promulgada através do Decreto nº 1.256/1994. Na Espanha, esta convenção foi ratificada pela em 26 de julho de 1985 (BOE 9.11.1985).

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programas que importem o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva,

estabelecendo que sua aplicação abrange todos os ramos de atividade, podendo a legislação

ou a prática de cada país determinar até que ponto as normas nela previstas aplicam-se às

forças armadas ou às polícias, sendo possível igualmente que no âmbito da Administração

Pública sejam estabelecidas modalidades peculiares para sua aplicação.

Do exposto, resulta inequívoco que na doutrina da OIT a negociação

coletiva é elemento essencial da liberdade sindical, circunstância reconhecida pelo Comitê de

Liberdade Sindical ao fixar que

El derecho de negociar libremente con los empleadores las condiciones de trabajo constituye un elemento esencial de la libertad sindical, y los sindicatos deberían tener el derecho, mediante negociaciones colectivas o por otros medios lícitos, de tratar de mejorar las condiciones de vida y de trabajo de aquellos a quienes representan, mientras que las autoridades públicas deben abstenerse de intervenir de forma que este derecho sea coartado o su legítimo ejercicio impedido.71

As fontes normativas da OIT sobre liberdade sindical e negociação

coletiva constituem importante guia de interpretação do direito interno, cuja adequada

interpretação e aplicação pode ter importantes consequências na formação da jurisprudência

de cada ordenamento jurídico. Nesse contexto, o entendimento de que o direito à negociação

coletiva dos funcionários não integra o conteúdo essencial da liberdade sindical deve ser

reexaminado sob a perspectiva de que tanto o Brasil como a Espanha ratificaram as

Convenções 151 e 154. Logo, na especificação do significado e do âmbito da liberdade

sindical dos funcionários públicos, que consta do artigo 37, VI, CF, e do artigo 28.1 CE, deve

optar a jurisprudência desses países pela interpretação mais coerente com os tratados

internacionais ratificados, o que deve levar à conclusão de que o direito de negociação

coletiva dos funcionários públicos tem fundamento constitucional, fazendo parte do conteúdo

essencial da liberdade sindical.

71 Recopilación de decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la

OIT, parágrafo 881.

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78

3.2 PRECEDENTES DA OIT SOBRE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO

PÚBLICA. LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E INTERFERÊNCIAS

LEGISLATIVAS

Não obstante o conjunto normativo produzido pela OIT acerca da

defesa e promoção da liberdade sindical e da negociação coletiva dos funcionários públicos, a

análise de modelos concretos indica a configuração de entraves ao desenvolvimento de um

sistema adequado de negociação. No estudo “Principios de la OIT sobre la negociación

colectiva”, Bernard GERNIGON, Alberto ODERO y Horacio GUIDO observam que os

órgãos da OIT têm diagnosticado esses problemas, que podem ser assim sintetizados:

regulação quase exaustiva das condições de trabalho no estatuto, deixando pouco espaço para

o processo negocial; óbices econômicos diante das dificuldades de harmonização das despesas

resultante das negociações com os orçamentos públicos, fixados sem a participação dos

funcionários e sem que o próprio negociador em nome do Poder Público tenha algum controle

sobre os limites orçamentários; e determinação de matérias possíveis de negociação e sua

distribuição entre os diversos níveis em uma complexa estrutura organizacional, territorial e

funcional, com a agravante da definição dos sujeitos negociadores nos diversos níveis.72

Segundo esses autores, inexiste solução definitiva no âmbito da OIT para esses graves

problemas práticos. As manifestações sobre essas questões são orientadas para o apelo às

organizações sindicais e às Administrações Públicas para que encontrem soluções adaptadas e

eficazes, a partir de um processo criativo, de modo a compatibilizar a negociação coletiva

com a existência de legislação que regula parte das condições de trabalho e com a existência

de legislação orçamentária que define o gasto público.

Essas especificidades da negociação coletiva na função pública fazem

com que os organismos da OIT admitam alguns ajustes, sem que isso impeça os negociadores

de chegarem a um acordo e igualmente garantir o cumprimento daquilo que foi pactuado. No

primeiro aspecto, parece evidente a necessidade de que a legislação definidora da função

pública deixe espaço para o desenvolvimento da negociação coletiva. No segundo aspecto,

72 GERNIGON; ODERO; GUIDO. Princípios de la OIT sobre la negociación colectiva, Revista Internacional

del Trabajo, núm. 1, 2000.

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79

que diz respeito às limitações orçamentárias, conforme consta de “Principios de la OIT sobre

la negociación colectiva”, de Bernard GERNIGON, Alberto ODERO y Horacio GUIDO, a

OIT considera compatíveis com a negociação coletiva disposições legislativas que conferem

ao Parlamento ou organismo competente para deliberar sobre questões orçamentárias a

possibilidade de fixar limites salariais que sirvam de bases às negociações, ou “establecer una

«asignación» presupuestaria global fija en cuyo marco las partes pueden negociar las

cláusulas de índole pecuniaria o normativa”. Em todo caso,

Es fundamental, empero, que los trabajadores y sus organizaciones puedan participar plenamente y de manera significativa en la determinación de este marco global de negociación, lo que implica, en particular, que dispongan de todas las informaciones financieras, presupuestarias o de otra naturaleza que les sirvan para evaluar la situación con pleno conocimiento de causa.73

Nesse aspecto, é interessante observar que no Brasil o artigo 37, X,

CF estabelece que a remuneração e os subsídios dos servidores públicos somente podem ser

fixados ou alterados por lei específica, enquanto o artigo 169 e seus parágrafos dispõem que a

despesa com pessoal deve constar do orçamento público. Na Espanha, igualmente, as

retribuições estão condicionadas pelas leis de orçamento público por expressa disposição do

artigo 21 da Lei nº 7/2007 (EBEP), ao estabelecer que

Las cuantías de las retribuiciones básicas y el incremento de las cuantías globales de las retribuiciones complementarias de los funcionarios, así como el incremento de la masa salarial del personal laboral, deberán reflejarse para cada ejercicio presupuestario en la correspondiente Ley de Presupuestos.

Ademais, o mesmo artigo dispõe que “No podrán acordarse

incrementos retributivos que globalmente supongan un incremento de la masa salarial

superior a los lítimes fijados anualmente en la Ley de Presupuestos Generales del Estado para

el personal”. Constata-se então que os dois sistemas jurídicos reconhecem as limitações da

negociação coletiva em face do orçamento público, mas na Espanha o próprio sistema já

oferece solução para as limitações, impondo à Administração Pública o dever de inserir no

orçamento as previsões necessárias para cumprimento do objeto da negociação.

73 GERNIGON; ODERO; GUIDO. Princípios de la OIT sobre la negociación colectiva, Revista Internacional

del Trabajo, núm. 1, 2000.

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80

No tocante a essa questão, os organismos da OIT têm consciência de

que a negociação coletiva no setor público sujeita-se à disponibilidade dos recursos e isso está

condicionado pelas leis que estabelecem as bases do orçamento público. Isso faz com que a

negociação coletiva tenha que considerar as graves dificuldades financeiras e orçamentárias a

que estão sujeitos os governos, sobretudo em situações de paralisação econômica geral e

duradoura. Obviamente um quadro de déficit orçamentário repercute na negociação, mas isso

não elimina a busca do equilíbrio que resguarde a autonomia negocial das partes e a

necessidade de adoção de medidas pelo governo para enfrentamento das dificuldades.

Especialmente nesses cenários adversos prevalece o entendimento de que as autoridades

devem priorizar a negociação coletiva, compatibilizando a satisfação das medidas imperiosas

para o enfrentamento das dificuldades orçamentárias com a preservação na medida do

possível da negociação coletiva. Na inviabilidade de compatibilização, as medidas devem ser

adotadas com tempo delimitado, resguardando os interesses dos trabalhadores mais afetados,

depois de amplo procedimento de negociação, em que fique assegurada a plena e efetiva

participação das organizações sindicais.

De outra parte, conforme registrado por Bernard GERNIGON,

Alberto ODERO y Horacio GUIDO, a OIT considera que as competências orçamentárias

asseguradas ao Parlamento não podem ter como consequência impedir o cumprimento daquilo

que foi pactuado. De fato, a definição do orçamento público, bem como situações adversas

não podem constituir fundamento para negar o cumprimento dos acordos realizados ou anular

o direito de liberdade sindical, da qual faz parte a negociação coletiva. No entendimento do

Comitê de Liberdade Sindical, “las facultades presupuestarias reservadas a la autoridad

legislativa no deberían tener por resultado impedir el cumplimiento de los convenios

colectivos celebrados directamente por esa autoridad o en su nombre”.74 Da mesma forma, o

exercício de prerrogativas da autoridade pública em questões financeiras que conduzam ao

impedimento ou limitação do cumprimento dos acordos e pactos não é compatível com o

princípio da liberdade da negociação.

74 Recompilação de decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, ano 1996, nºs 894 e 895.

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81

Ademais, o Comitê considera não ser passível de objeção que, ante a

dependência da Administração Pública em relação aos orçamentos do Estado, depois de

ampla consulta entre os sujeitos interessados, sejam fixados tetos salariais nas leis

orçamentárias do Estado ou que a autoridade competente possa emitir relatório previamente

ao início das negociações objetivando o respeito aos respectivos tetos salariais. No entanto,

não se harmoniza com o princípio da liberdade sindical a circunstância de que, durante o

processo negocial, exija-se prévio pronunciamento das autoridades financeiras, e não da

instituição pública, sobre os projetos de acordo coletivos e os gastos consequentes. Na

hipótese de exigência de manifestação das autoridades financeiras, deve estar previsto

mecanismo que assegure às organizações o direito de serem consultadas e de expressarem

suas opiniões às autoridades referidas. De qualquer sorte, independente da opinião expressada

pelas autoridades financeiras, ainda assim deve assegurar aos sujeitos da negociação o direito

de concluírem livremente um acordo. No entendimento do Comitê de Liberdade Sindical, se

isto não estiver assegurado, tal procedimento é incompatível com o princípio da liberdade de

negociação coletiva.

Invocando a flexibilidade resultante da Convenção nº 154, Bernard

GERNIGON, Alberto ODERO y Horacio GUIDO consideram que suas disposições ajustam-

se à diversidade de regimes e procedimentos orçamentários, de modo a garantir o respeito ao

princípio da liberdade de negociação coletiva na função pública.75 O certo é que os problemas

e as especificidades reconhecidos pela OIT no tocante às questões orçamentárias e legislativas

não constituem obstáculos insuperáveis para a eficácia do direito à negociação coletiva dos

funcionários. De qualquer forma,

75 GERNIGON; ODERO; GUIDO. Princípios de la OIT sobre la negociación colectiva, Revista Internacional

del Trabajo, núm. 1, 2000: “Por lo que respecta a las cláusulas de los acuerdos colectivos relativas a remuneraciones y a condiciones de empleo en la administración pública que implican gastos económicos, uno de los principios fundamentales (...) es que los acuerdos colectivos deben ser respetados por las autoridades legislativas y administrativas. Este principio es compatible con los distintos sistemas presupuestarios si se reúnen ciertas condiciones y, en particular, puede acomodarse tanto con los sistemas en que los acuerdos colectivos resultantes de la negociación se concluyen antes del debate presupuestario (siempre y cuando los presupuestos respeten en la práctica el contenido de los acuerdos) como con los sistemas en que los acuerdos se negocian después de los presupuestos, siempre y cuando tengan la flexibilidad suficiente. Esta flexibilidad presupuestaria puede lograrse de varias maneras: permitir un reajuste interno de las partidas; trasladar al ejercicio siguiente la deuda generada por gastos no previstos derivados de los acuerdos colectivos; arbitrar leyes complementarias posteriores o prever en los presupuestos un espacio suficiente para la negociación, fijando topes al porcentaje de aumento salarial o a la masa remunerativa global una vez celebradas consultas significativas y de buena fe con los sindicatos.”

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82

Es indispensable la interacción entre Parlamento, Administración y trabajadores, orientada por el principio de la buena fe, de manera que no sólo los acuerdos, a partir de esa flexibilidad, puedan ajustarse a las diretrices generales de la política económica, sino que también se busque uma cierta flexibilidad presupuestaria, con el fin de preservarse el cumplimiento de los acuerdos.76

3.3 RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA

FUNÇÃO PÚBLICA NO DIREITO INTERNACIONAL

Formulados os aportes através de instrumentos internacionais acerca

da liberdade sindical e da negociação coletiva, cumpre definir a conexão que há entre essas

duas categorias jurídicas. Pretende-se verificar se o direito de negociar livremente com o

tomador dos serviços as condições de trabalho constitui um elemento essencial da liberdade

sindical, assegurando-se aos sindicatos o direito de ajustar melhores condições de vida e de

trabalho daqueles que representam, utilizando-se para tanto da negociação coletiva com o fim

de celebrar instrumentos normativos. Em outros termos, questiona-se se liberdade sindical e

negociação coletiva são institutos estanques, em que o direito de negociar e de celebrar

convênios coletivos é distinto do direito de liberdade sindical ou, ao contrário, se aquela

integra necessariamente o conteúdo essencial da liberdade sindical.

O objetivo aqui é apontar alguns parâmetros que possam contribuir

para a crítica à jurisprudência constitucional contemporânea, sugerindo uma reinterpretação

do artigo 37, V, CF, e do artigo 28.1 CE em relação à liberdade sindical dos funcionários

públicos, caminhando no sentido de reconhecer que, tal como se dá com a negociação coletiva

laboral, a negociação coletiva dos funcionários também faz parte do conteúdo essencial da

liberdade sindical. Essa reinterpretação faz-se necessária a partir das conclusões extraídas dos

instrumentos normativos internacionais, considerando o disposto no artigo 5º, § 3º, CF, e no

76

MACEDO DE BRITO PEREIRA. La negociación colectiva en la función pública: una aproximación

constitucional, 2004, p. 105.

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83

artigo 10.2 CE, que dispõem sobre a função dos tratados internacionais como fontes

normativas dos ordenamentos jurídicos nacionais.

Os instrumentos internacionais, ao tratarem da relação entre liberdade

sindical e negociação coletiva, reconhecem a interdependência entre essas categorias

jurídicas, fazendo derivar da liberdade sindical um direito à negociação coletiva. Nesse ponto,

a OIT tem edificado sólida doutrina na direção de integrar na liberdade sindical todo tipo de

atividade sindical necessária à defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, incluindo-se

o direito de participar de reuniões, efetuar manifestações, realizar publicações e,

concretamente, também considera essencial à liberdade sindical o direito à negociação

coletiva e o direito de greve. Excluir a negociação desse núcleo essencial tem como

consequência converter a liberdade sindical em mero direito de associação profissional, sem

as prerrogativas que lhe são inerentes.

O acompanhamento da aplicação dos tratados internacionais corrobora

esse entendimento. Com efeito, tanto o Comitê de Liberdade Sindical como a Comissão de

Peritos têm reafirmado que o direito de negociação coletiva deduz-se como corolário

indispensável da liberdade sindical. Nesse sentido a doutrina firme e pacífica dos organismos

internacionais foi construída na direção de integrar no princípio da liberdade sindical todo e

qualquer tipo de atividade sindical relacionada à defesa dos direitos e interesses dos

trabalhadores, de forma abrangente e sem limitações ou restrições. De forma específica, nas

normas internacionais integra a negociação coletiva o conteúdo essencial da liberdade

sindical.77

E essa tem sido a concepção prevalecente nos modelos democráticos

de relações coletivas de trabalho. Considera-se que a liberdade sindical, no tocante ao seu

conteúdo essencial, é um direito complexo, constituído por um conjunto de direitos e

77 Confirma essa perspectiva abrangente o seguinte precedente do Comitê de Liberdade Sindical, extraído de

Recopilación de decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la

OIT, 1996, nº 782: “el derecho de negociar libremente con los empleadores las condiciones de trabajo con los empleadotes constituye un elemento esencial e la libertad sindical, y los sindicatos deberían tener el derecho, mediante negociaciones colectivas o por otros medios licitos, de tratar de mejorar las condiciones e vida y de trabajo de aquellos a quienes representan, mientas que las autoridades públicas deben abstenerse e intervenir de forma que este derecho sea coartado o su legítimo ejercicio impedido”.

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faculdades. A complexidade do conteúdo faz com que nele esteja incluído o direito de

atividade sindical, individual ou coletiva, compreendendo o direito à negociação coletiva.78

De fato, a face coletiva da liberdade sindical é a autodeterminação do sindicato, baseada no

princípio da autonomia privada coletiva, no qual repousa a ideia de determinação autônoma,

bilateral e coletiva das condições de trabalho. E a negociação é da essência da liberdade

sindical, na medida em que as categorias “sindicato”, “greve” e “convênio” coletivo

encontram-se em regime de complementaridade, sendo que a ausência de quaisquer deles

rompe o sistema coletivo de relações de trabalho.

Nessa mesma visão, Pinho Pedreira refere-se ao pensamento de Mário

de La Cueva, que constrói uma perspectiva triangular do direito coletivo do trabalho. Para o

jurista mexicano, a doutrina poderia ser representada graficamente como um triângulo

equilátero, cujos ângulos, todos idênticos em graduação, seriam o sindicato, a negociação e

contratação coletivas e a greve, de tal maneira que nenhuma das três figuras da trilogia

poderia faltar porque desapareceria o triângulo. Donde resulta falsa e enganosa a afirmação de

que a associação profissional é possível na ausência do direito à negociação e contratação

coletivas ou da greve, pois se o direito do trabalho assegura a vida dos sindicatos é para que

lutem pela realização dos seus fins.79

Nas relações coletivas privadas, mostra-se incontrastável considerar o

direito de negociação coletiva como conteúdo essencial do direito de sindicalização.

Entretanto, quanto à liberdade sindical dos funcionários públicos, remanesce ainda uma

concepção ideológica de considerá-la necessariamente diferenciada da liberdade sindical dos

trabalhadores em geral. Essa vertente continua vinculada ao modelo clássico de função

pública, refratária às significativas mudanças verificadas nas últimas décadas, em que se

passou de um modelo unilateral e autoritário para uma concepção democrática e bilateral,

78

Conforme ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 319, “uno de los elementos del contenido esencial de este derecho, lo constituye el empleo de médios e instrumentos que históricamente han mostrado su aptitude para actualizar y hacer efectiva la defensa y promoción de los interesses que los sujetos sindicales incorporan. Estos instrumentos forman parte, en realidad, del fin para el cual ha sido concebido el derecho de sindicación y no cabría negar su existencia, pues, de otro modo, el derecho quedaría en una mera abstracción. Uno de los instrumentos típicos para la defensa y promoción de los intereses de los trabajadores es, precisamente, el de la negociación colectiva de las condiciones de empleo.

79 DE LA CUEVA, 1979 apud SILVA. A problemática da negociação coletiva dos servidores públicos. Revista

LTr, v. 54, núm. 3, 1990, p. 269-279.

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85

com o reconhecimento da natureza contratual da função pública, em que se reconhece a

existência de espaços para a autotutela e formas de autonomia coletiva. Procura-se justificar

também a diferenciação a pretexto de resguardar as peculiaridades que lhe são inerentes, mas

tal aspecto não pode afetar o conteúdo essencial do direito de liberdade sindical, cuja extensão

deve estar preservada, admitindo-se regulação específica tão-somente no que diz respeito ao

modo do seu exercício, como forma de preservar certos valores constitucionais.

No ponto, resulta evidente que, cabendo ao sindicato não só a defesa

dos interesses e direitos atuais, mas também a melhoria deles, é natural que tenha de tratar

com a Administração, negociar com ela, para obter a reparação de uma arbitrariedade ou o

melhoramento dos direitos dos funcionários públicos. Ademais, essa vocação pela negociação

se reforça, na medida em que os funcionários públicos podem suspender coletivamente a

prestação dos seus serviços para sustentar suas reivindicações. Decorre daí que o direito de

greve é inconcebível e até mesmo absurdo sem a possibilidade de negociar um acordo que

possa pôr termo ao conflito.80

Nessa linha, parece irrefutável que a negociação coletiva é uma

decorrência necessária do direito de sindicalização. Adotando semelhante raciocínio, ao

reportar-se à Constituição da Espanha, que reconhece aos funcionários públicos apenas o

direito à sindicalização, silenciando-se sobre o direito de greve e sobre a negociação coletiva,

Salvador Del Rey Guanter observa: “Seria ilógico desde todo punto de vista que la

Constitución protegiera la formación de sindicatos de funcionarios públicos y que

contemplara la posibilidad de que a los mismos pudiera reducírseles juridicamente a la más

completa inactividad.”81

Certamente, os direitos coletivos dos funcionários, constituindo

direitos, têm seus limites configurados, como quaisquer outros direitos. Isso porque

80 SILVA. A problemática da negociação coletiva dos servidores públicos. Revista LTr, v. 54, núm. 3, 1990, p.

274. 81 DEL REY GUANTER. Estado, sindicatos y relaciones colectivas en la Función Pública, 1986, p. 122.

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El funcionario, em el uso de estos derechos, tendrá las limitaciones que deriven de la necesaria acomodación al ejercicio de otros derechos reconocidos igualmente en la norma fundamental; o de una manera media o indirecta por la necesidad de proteger otros derechos y bienes constitucionalmente protegidos. Estos limites son comunes a todos los ciudadanos en cuanto al ejercicio de sus derechos constitucionales. 82

Nesse aspecto, o desafio do Direito reside na garantia do exercício dos

direitos de organização e reivindicação dentro de uma organização social marcadamente

plural e naturalmente conflituosa, mas que deve observar um mínimo de consenso e limites à

atuação dos grupos sociais, com sua multiplicidade de interesses, a fim de preservar o

interesse global da comunidade, sem que isso importe negar ou sufocar os movimentos

reivindicatórios que se estabelecem no âmbito da sociedade e da própria organização estatal.83

Nesse ambiente, impõe-se o reconhecimento de que os funcionários

devem ser compreendidos como cidadãos que prestam serviços em troca de remuneração

como meio de garantir uma existência digna, com interesses comuns, de natureza coletiva,

mas que devem ser entendidos à luz das especificidades que os diferenciam dos demais

trabalhadores, não tendo em consideração uma discriminação pessoal a priori, decorrente de

postulados presos à concepção unilateralista de função pública, derivada de arcaica razão de

Estado ou levando em consideração a superada ideia de interesse público. Na realidade, a

forma peculiar de exercício dos direitos coletivos dos funcionários deve-se basear em

elementos objetivos, relacionados à natureza das tarefas que são instados a realizar e da

natureza material própria das pessoas estatais.84

Nesse aspecto, resulta imprescindível o tratamento interdisciplinar do

tema da negociação coletiva na função pública. Impõe-se o reconhecimento das

peculiaridades e especificidades que a matéria envolve. Entretanto, mostra-se irrecusável o

82 GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 39. 83

Sobre as peculiaridades do exercício do direito de sindicalização dos funcionários na Espanha, cf. PALOMEQUE LÓPEZ. Administración Pública y derechos sindicales en la Administración del Estado: las

libertades sindicales, en AA.VV. Administración Pública y sindicalismo, 1988, p. 45-50. 84 Nesse mesmo sentido, ROQUETA BUJ. La negociación colectiva en la Función Pública, 1996, p. 42: “Así,

las peculiaridades de la libertad sindical de los funcionarios públicos no pueden afectar al contenido essencial, no autorizan a restringir los derechos complementarios de negociación, de huelga y de planteamiento de conflictos colectivos, sino que con esta expresión se trata más bien de adpatar su ejercicio a las especialidades objetivas de la prestación de trabajo em la función pública y de la Administración como empleadora.”

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subsídio de categorias já consolidadas do Direito Coletivo do Trabalho, ramo do

conhecimento jurídico no qual já foram pensados e sistematizados os instrumentos e métodos

adequados à solução dos conflitos coletivos de trabalho.

Portanto, os diversos instrumentos internacionais induvidosamente

reconhecem de forma generalizada os direitos coletivos a todos os trabalhadores que prestam

serviços subordinados, em caráter pessoal, com remuneração, independente da natureza do

regime jurídico que os vincula ao tomador dos serviços. Não há nesse conjunto normativo

tratamento substancialmente distinto em relação ao exercício do direito de sindicalização e

negociação coletiva entre trabalhadores públicos e privados, conquanto se reconheça neles a

possibilidade de o exercício sujeitar-se a peculiaridades. Isso, no entanto, conforme será visto

adiante, sem limitações ou, mesmo ainda, sem exceções ao exercício dos direitos coletivos

pelos funcionários. As peculiaridades, por certo, devem ser interpretadas em sentido restritivo,

como simples “modalización o modulación de la libertad sindical”. 85

Em arremate a esta primeira parte da investigação, considerando os

aportes teóricos e normativos até aqui desenvolvidos, torna-se irrecusável o reconhecimento

de que há fundamentos suficientes para a transformação paradigmática do modelo de função

pública e de garantia da efetiva participação dos funcionários no processo de criação das

normas que regulam suas condições de trabalho. Sendo assim, cumpre agora verificar a

extensão e a profundidade da influência dessas bases teóricas e normativas sobre as

experiências em matéria de negociação coletiva no Brasil e na Espanha. Nesse aspecto,

conforme se demonstrará adiante, o silêncio da CE sobre o direito dos funcionários à

negociação coletiva não impediu ali o reconhecimento e o desenvolvimento do direito por

meio de progressiva construção jurisprudencial. No Brasil, diante do mesmo silêncio, mas

desconsiderando que a negociação coletiva integra o conteúdo da liberdade sindical, a

jurisprudência impediu o reconhecimento do direito e ainda hoje a negociação não se

constitui instrumento de conquista e concretização de direitos para os funcionários. Como

desdobramento dos aportes aqui formulados, as duas partes seguintes da investigação

examinará como se desenvolve o processo de conformação da negociação coletiva entre os

funcionários e o Estado nos modelos brasileiro e espanhol.

85 VALDES DAL-RÉ. Los derechos de negociación colectiva y de huelga de los funcionarios públicos en el

ordenamiento jurídico español: una aproximación, en REDT , núm. 86, 1997, p. 841.

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PARTE II

SISTEMA BRASILEIRO DE NÃO NEGOCIAÇÃO COLETIVA:

PREVALÊNCIA DA UNILATERALIDADE NA FUNÇÃO PÚBLICA

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4 CONFLITOS COLETIVOS NA FUNÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: PREVALÊNCIA

DA UNILATERALIDADE

Este capítulo aborda o tema da negociação coletiva na função pública

no Brasil, tendo como ponto de partida a análise na perspectiva constitucional e o tratamento

a ele conferido pela jurisprudência nacional. Considera inicialmente a pretensão da

Constituição de 1988 de formação de um Estado Democrático de Direito e de um modelo

democrático de relações coletivas de trabalho, a partir do reconhecimento dos direitos

coletivos dos funcionários públicos. Como desdobramento, enfoca a jurisprudência que se

consolidou a partir do julgamento pelo STF da ADIn 492-DF e seus reflexos na

jurisprudência dos tribunais e nas práticas da Administração Pública. Examina a possibilidade

de reformulação dessas bases jurisprudenciais, propondo a construção de um entendimento

diverso a partir da dinâmica social que demonstra a generalização dos conflitos na função

pública e a necessidade da institucionalização da negociação coletiva como procedimento

legítimo, válido, adequado e eficiente para sua resolução. Para finalizar, analisa os efeitos do

reconhecimento pelo STF do direito de greve dos funcionários em relação à negociação

coletiva e a possibilidade de sua regulamentação.

4.1 SINDICALIZAÇÃO E NEGOCIAÇÃO COLETIVA DOS FUNCIONÁRIOS

PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

No Brasil, até a promulgação da atual Constituição, não existia

consagração de liberdade sindical para os funcionários públicos.86 As constituições anteriores

86 Resgate retrospectivo no constitucionalismo brasileiro indica que, anteriormente à Constituição de 1988,

existia um traço marcadamente autoritário no tocante à possibilidade de os funcionários intervirem na relação de trabalho com o Estado, inexistindo canais de comunicação com a Administração Pública, seja por meio da

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não se reportavam a esse direito e havia expressa vedação pelo art. 566 do Decreto-Lei nº

5.452, de 1º de maio de 1943, que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), esta

de forte concepção corporativista e autoritária, promulgada sob o influxo da Constituição de

1937, inspirada pela Carta del Lavoro de 1927. Esse dispositivo estabelecia que “Não podem

sindicalizar-se os servidores do Estado e os das instituições paraestatais.” Com a

redemocratização do país, a Constituição Federal de 1988 assegurou a plena liberdade de

associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar (CF, artigo 5º, XVII), garantindo

aos trabalhadores em geral a liberdade profissional ou sindical (artigo 8o, caput), considerando

obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (artigo 8º, VI)

e assegurando o direito de greve (artigo 9º, caput).

Com a Constituição de 1988, a liberdade sindical foi expressamente

atribuída aos funcionários públicos civis, conforme disposto no art. 37, VI, ficando,

entretanto, expressamente vedado qualquer direito sindical aos militares, vedação que abrange

de forma expressa o direito de greve (CF, artigo 42, § 5o, com a redação anterior à EC nº

18/1998). Também assegurou aos funcionários o direito de greve, a ser exercido nos termos e

nos limites definidos em lei específica (CF, artigo 37, VII, com a redação dada pela EC nº

19/1998). No tocante à negociação coletiva, em relação aos trabalhadores em geral, a

Constituição reconheceu expressamente os acordos e convenções coletivas de trabalho (artigo

7o, XXVI), adotando ainda um modelo de flexibilização das relações de trabalho vinculado à

negociação coletiva no que concerne à redução salarial e à jornada de trabalho (artigo 7o, VI e

XIII). Quanto aos funcionários, a CF, ao assegurar o direito à livre associação sindical,

implicitamente reconhece aos sindicatos que os representam o poder de negociar condições de

trabalho, na medida em que erige como obrigatória a participação dos sindicatos nas

negociações coletivas (artigo 8o, VI).

O fato de a Constituição, ao tratar dos direitos dos funcionários no

artigo 39, § 2o (atual § 3º, EC nº 19/1998), não incluir entre os incisos do artigo 7o, que cuida

dos direitos dos trabalhadores em geral, o inciso XXVI, que disciplina o reconhecimento das

convenções e acordos coletivos de trabalho, em nada afeta o direito à negociação coletiva na

sindicalização, da greve ou de negociação coletiva. Para uma breve análise da evolução normativa, que comprova a ausência de tratamento constitucional, pode-se conferir em DEMARI. Negociação coletiva no

serviço público, 2007, p. 20-21.

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função pública. A Constituição não veda ao sindicato de funcionários a possibilidade de

celebrar convenções e acordos coletivos, haja vista que, quando pretende proibir o exercício

de algum direito coletivo, fá-lo expressamente, tal como ocorreu com a expressa vedação de

sindicalização e deflagração de greve pelos militares (artigo 42, § 5o, com a redação anterior à

EC nº 18/1998). Desse modo, ao reconhecer expressamente o direito de sindicalização dos

funcionários (artigo 37, VI), a CF estava automaticamente dispensada de proclamar o

reconhecimento das convenções e acordos coletivos em favor dos funcionários, pois, ao

repetir tal previsão, estaria incorrendo em bis in idem.

Portanto, ao assegurar expressamente a livre associação sindical e o

direito de greve e ao se referir no artigo 39, § 3o (com a redação da EC nº 19/1998), aos

incisos VI e XIII, do artigo 7o, estes tratando da negociação coletiva em matéria de

flexibilização de remuneração e de jornada de trabalho, resulta inequívoco que a negociação

coletiva na função pública emerge como condição essencial para o desenvolvimento de

relações coletivas de trabalho democráticas. Nessa linha, parcela expressiva da doutrina

administrativista e juslaboralista passou a sustentar a possibilidade, viabilidade e eficácia

jurídica de negociação coletiva na função pública, dentro de um quadro normativo adequado.

Entende essa doutrina que a não remissão expressa do artigo 39 CF, ao inciso XXVI do artigo

7o, não é suficiente para excluir o reconhecimento das convenções e acordos coletivos do

âmbito da função pública, até por que inconcebível um sistema de relações coletivas de

trabalho que assegure a liberdade sindical e garanta o direito de greve sem que esteja

institucionalizada a negociação coletiva como via adequada para a resolução dos conflitos

coletivos daí emergentes.87

Além desses aspectos, milita ainda em favor da tese da afirmação da

negociação o fato de o país ter sido concebido como Estado Democrático de Direito. Neste,

impõe-se a participação ativa e operante na coisa pública não através de simples instituições

87 Segundo Luiz de Pinho Pedreira da Silva, “aos servidores públicos estatutários confere o art. 37 da

Constituição, desde que o faz sem exceção a todos os servidores civis, o direito à livre associação sindical (n. VI) e, como já vimos, a negociação coletiva integra o conteúdo essencial da liberdade sindical. Se isso não bastasse para o reconhecimento da capacidade convencional coletiva dos funcionários públicos, teríamos de proclamá-la com fundamento na combinação do par. 2o. do art. 39 da Constituição com os ns. VI e XIII do art. 7o., que aquele preceito lhes manda aplicar. Um autoriza a celebração de convenções e acordos coletivos para redução de salários e o outro para compensação de jornadas. Como negar possam os funcionários negociar coletivamente se lhes faculta o estatuto fundamental a estipulação de convenções e acordos?” (SILVA. Negociação coletiva. In: ROMITA (Coord.). Curso de Direito Constituiconal do Trabalho 7, 1991. p. 65.

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representativas, mas mediante o reconhecimento da centralidade da participação na formação

das decisões, institucionalizando-se normas jurídicas destinadas a propiciar a expressão e a

negociação direta dos interesses em confronto. Com efeito, no Estado Democrático de Direito,

os funcionários públicos conquistam os direitos inerentes à cidadania plena, vendo

reconhecida pelo direito a sua esfera de vontade, que se manifesta sob a forma de autonomia

coletiva. Na realidade, transigência, bilateralidade e negociação constituem aspectos

plenamente inseridos no modelo de Administração Pública própria do Estado Democrático de

Direito, cumprindo ao legislador infraconstitucional estabelecer os contornos que atendam às

especificidades e peculiaridades da função pública, sem de qualquer modo negar eficácia ao

modelo constitucional que consagra a negociação coletiva como condição necessária à

democratização das relações entre os agentes e o Poder Público.88

Conquanto desnecessária a regulação dos direitos coletivos no âmbito

da função pública, uma vez que a norma constitucional que os consagra é dotada de eficácia

plena, o tema foi objeto de disciplina através da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que

dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Civis da União (RJU). O artigo 240 previu o

direito à livre associação sindical e declinou outros direitos coletivos, tendo a alínea d se

referido expressamente ao direito à negociação coletiva. Esse dispositivo foi vetado pelo

Presidente da República sob o fundamento de inconstitucionalidade, mas, submetido o veto à

votação pelo Congresso Nacional, o mesmo foi rejeitado e o texto foi promulgado pelo

Presidente do Congresso em 18 de abril de 1991, prevalecendo a redação que estabelecia de

forma expressa o direito à negociação coletiva na função pública. O certo é que o legislador

ordinário brasileiro terminou regulamentando alguns aspectos dos direitos coletivos dos

funcionários públicos, prevendo o direito à livre associação sindical e referindo

expressamente a outros direitos, dentre os quais está o de negociação coletiva, previsto na

alínea d, e o de ajuizamento, individual e coletivamente, diante da Justiça do Trabalho,

consagrado na alínea e. Desse modo, tanto o constituinte originário quanto o legislador

ordinário consagraram uma tendência moderna, solidificada por diversos instrumentos

normativos da OIT e acolhida pela maioria dos ornamentos jurídicos nacionais.

88

Essa mesma ideia é defendida por ROCHA. Princípios constitucionais dos servidores públicos, 1999, p. 349-357.

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93

4.2 NEGAÇÃO DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA PELO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADIN 492-DF

As alíneas d e e do art. 240 da Lei nº 8.112/90 (RJU) foram objeto da

ADIn 492-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República perante o STF, para que este

exercesse o controle concentrado sobre a constitucionalidade dos dispositivos citados. Na

ocasião, o STF concedeu medida cautelar para suspender a eficácia da alínea d e da expressão

“e coletivamente” da alínea e. A decisão quanto ao provimento cautelar implicou a

Suspensão cautelar da eficácia das disposições inscritas na alínea "d" do art. 240 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 ("regime único" dos servidores públicos civis da União) e da locução "e coletivamente" da alínea "e" do mesmo artigo, que asseguram ao servidor público civil da União os direitos de negociação coletiva (alínea "d") e de ajuizamento de dissídio coletivo frente a Justiça do Trabalho.89

Em seguida, o STF resolveu a matéria em caráter definitivo, decidindo

pela inconstitucionalidade da alínea d do artigo 240 da lei nº 8.112/90, que havia consagrado a

negociação coletiva dos funcionários públicos.90 No julgamento, o relator conduziu seu voto

fundamentando-se essencialmente na concepção unilateralista de função pública, entendendo

que as relações entre os funcionários e o Poder Público são regidas por normas legais, porque

sujeitas ao princípio da legalidade e invocando diversos dispositivos constitucionais que se

referem à lei como instrumento de regulação de direitos no âmbito da relação jurídico-

administrativa. No acórdão, o STF declarou que a relação de trabalho entre os funcionários e

o Estado é de natureza estatutária, o que justifica a impossibilidade de a mesma ser regulada

89 Estudos sobre o contexto e os fundamentos adotados na decisão do STF foram realizados por SILVA. Os

servidores públicos e o direito do trabalho, 1993; MOREIRA NETO. O Estado no direito do trabalho, 1996; DEMARI. Negociação coletiva no serviço público, 2007; e STOLL. Negociação coletiva no setor público, 2007.

90 O acórdão está assim ementado: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. AÇÕES DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS. C.F., ARTS. 37, 39, 40, 41, 42 E 114. LEI N. 8.112, DE 1990, ART. 240, ALINEAS "D" E "E". I - SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS: DIREITO A NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A AÇÃO COLETIVA FRENTE A JUSTIÇA DO TRABALHO: INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.112/90, ART. 240, ALINEAS "D" E "E". II - SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS: INCOMPETENCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA O JULGAMENTO DOS SEUS DISSIDIOS INDIVIDUAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DA ALINEA "e" DO ART. 240 DA LEI 8.112/90. III - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (ADI 492, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/1992, DJ 12-3-1993).

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94

por instrumento coletivo e de ser admitido o ajuizamento do dissídio coletivo para solucionar

os conflitos daí emergentes.

Para considerar incompatível o direito à negociação coletiva com o

regime jurídico-administrativo, o Relator, Ministro Carlos Velloso, invocou diversos

argumentos, assim sintetizados: o vínculo jurídico-administrativo é de direito público,

decorrendo daí que essa relação é regida por normas unilaterais, que estão materializadas em

normas positivadas no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União; impossível a

equiparação entre os funcionários públicos e os trabalhadores da iniciativa privada,

impossibilitando os primeiros de interferirem no conteúdo da relação que mantêm com o

Estado; a negociação coletiva trata precipuamente de questões remuneratórias, matérias estas

condicionadas à expressa disposição legal, impedindo assim sua definição por meio da

negociação coletiva; a negociação relaciona-se intrinsecamente com o dissídio coletivo e com

o poder normativo da Justiça do Trabalho, conflitando desse modo com o princípio da

legalidade que deve reger a relação jurídico-administrativa; a norma do inciso XXVI do artigo

7º CF, que reconhece os acordos e convenções coletivas de trabalho, não foi estendido aos

funcionários públicos; a Administração Pública vincula-se ao princípio da legalidade,

circunstância que a impede de transigir em relação aos direitos e deveres decorrentes da

relação jurídico-administrativa; frustrada a negociação, adviria daí o ajuizamento do dissídio

coletivo, atraindo o exercício do poder normativo pelos tribunais, situação incompatível com

a unilateralidade da função pública.

Portanto, conforme se extrai do voto condutor do julgamento, não foi

discutido o direito à sindicalização e à greve, muito menos o direito explícito à negociação

coletiva (artigo 7º, incisos VI e XIII) e implícito na própria natureza da liberdade sindical dos

funcionários. E este certamente era o ponto nuclear a ser discutido pelo STF, na medida em

que, conforme proclamado por sucessivos instrumentos normativos internacionais, a liberdade

sindical é um direito de conteúdo complexo, integrado por diversos outros direitos, dentre os

quais está o direito à negociação coletiva das condições de trabalho. O que se observa,

portanto, é que o STF limitou-se a chancelar a teoria de que os funcionários mantêm com o

Poder Público uma relação de natureza eminentemente estatutária, incorporando e levando às

últimas consequências a doutrina administrativa brasileira, presa a um modelo de Estado

autoritário, inteiramente incompatível com a pretensão do constituinte de 1988 de consolidar

no Brasil um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

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95

Na ocasião do julgamento, divergiu o Ministro Marco Aurélio,

apontando a tendência natural de as relações humanas afastarem-se cada vez mais do

autoritarismo, para realizarem, numa visão ampla, sem temor, a negociação e a busca do

entendimento. No seu voto, considerou que “[...] paradoxal é a existência de norma

constitucional expressa prevendo a sindicalização e, mais do que isto, o direito à greve, para, a

seguir, em interpretação de preceito constitucional diverso, dizer-se que o Estado está

protegido pela couraça de proibição de dialogar”. Concluiu entendendo

que a negociação coletiva está assegurada pela própria CF, quer implicitamente, ao prever o direito à sindicalização e à greve, quer por remissão expressa – incisos VI e VII do art. 7º, no que dispõem que os salários e a jornada de trabalho podem ser reduzidos, desde que isto ocorra mediante acordo coletivo – § 2º do artigo 39.

Nessa linha, os argumentos do voto divergente são assim resumidos:

no cenário internacional, a partir da II Guerra Mundial, com a promulgação de constituições

democráticas, principalmente com o reconhecimento do direito de sindicalização dos

funcionários, a concepção clássica de função pública foi paulatinamente superada, admitindo

a legitimidade e abrindo mais espaço para a atuação das entidades de funcionários públicos; o

direito comparado indica experiências que não recusam a possibilidade de intervenção dos

funcionários em suas condições de trabalho, existindo em alguns países formas de

participação, seja por meio de simples consulta, seja através da celebração de acordos

coletivos; a utilização do termo “servidor público” sugere uma ruptura com o modelo de

Estado autoritário e favorece a valorização social do trabalho como fundamento do Estado

Democrático de Direito; a unificação do regime jurídico, prevista na CF, autoriza a adoção da

CLT como regime único, decorrendo que nele não está implícito o regime estatutário; a Lei nº

8.112/90 não contém um regime estatutário de todo incompatível com a contratualidade; a CF

assegura aos funcionários o direito à negociação coletiva, quer implicitamente, ao garantir aos

mesmos o direito à sindicalização e à grave, quer expressamente, por remissão do § 2º do

artigo 39 aos incisos VI e VII do artigo 7º, que admitem a possibilidade de redução de salários

e jornada por meio de acordo coletivo; embora as negociações coletivas com a Administração

Pública não tenham o mesmo alcance da negociação coletiva privada, elas não são

incompatíveis com a Constituição, do qual decorrem; a proibição do estabelecimento de

canais de negociação é incompatível com o direito à sindicalização e à greve; a negociação

coletiva, admitida pelas Convenções nº 151 e nº 154 da OIT, não encontra óbice

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96

intransponível no artigo 169 CF, pois a) as negociações alcançam temas e resultados

superiores à concessão de benesses; b) eventuais limitações, derivada da atuação vinculada da

Administração Pública, podem ser superadas com o envio do conteúdo acordado ao

Congresso Nacional; e c) a negociação coletiva é instrumento de pacificação social.

Análise comparativa dos dois votos referidos indica claramente que o

debate travado parte de duas lógicas bem distintas e chegam naturalmente a soluções opostas.

O voto condutor do julgamento está impulsionado pela concepção de Estado autoritário e pela

doutrina administrativista clássica, assentada na teoria do regime estatutário, unilateral e

impermeável à participação dos funcionários na formação das normas que regulam suas

condições de trabalho. Por outro lado, o voto divergente funda-se nas experiências

contemporâneas de relações coletivas de trabalho democráticas, na redução do direito à

negociação coletiva dos funcionários públicos extraído da própria CF, seja pelo

reconhecimento do direito à sindicalização, à greve e pela remissão ao dispositivo que trata da

possibilidade de redução de salários e jornada de trabalho por meio de acordo coletivo, seja

pela consagração do Estado Democrático de Direito. Na decisão do STF prevaleceu, portanto,

uma visão retrospectiva, com base em paradigmas já superados e desconsiderando a realidade

de então de generalização dos conflitos coletivos na função pública, com forte dimensão

política e inevitáveis consequências jurídicas. De certo modo, conforme se verá adiante, o

STF seguiu trajetória semelhante à do TC da Espanha, que em decisão paradigmática de 1982

negou o direito de negociação coletiva dos funcionários e que depois foi incorporado ao

sistema jurídico espanhol por meio da legislação promocional, ratificada pela jurisprudência

dos tribunais.

A decisão do STF confirma a tendência dos juristas pretenderem

compreender o presente com as lentes do passado, aprisionando-se a paradigmas construídos

em outro momento histórico. Com esse olhar retrospectivo, o acórdão terminou sufragando a

tese da já superada concepção unilateralista de função, sem considerar o moderno

desenvolvimento do tema, as afirmativas da OIT, o direito comparado e, principalmente, sem

ter em conta

o objeto da nova organização do serviço público que, dotado de instrumentos negociais, teria muito mais condições de cumprir a missão e exercer o papel que dele espera uma sociedade diversificada, problemática, exigente, onde

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97

os desafios e dificuldades estão longe de compatibilizar-se com soluções autoritárias e unilaterais.91

Assim, o STF aviltou o novo panorama surgido com a Constituição de

1988, que buscou redefinir a correlação de forças no embate entre funcionários e

Administração Pública, assegurando a sindicalização, o direito de greve e o direito à

negociação coletiva, desconsiderando a íntima integração, conexão e correlação entre esses

três institutos fundamentais do Direito Coletivo do Trabalho, de onde são originários. Faltou,

portanto, uma interpretação adequada e prospectiva, alinhada com a ideia de que o direito e os

tribunais devem atuar no interesse e a serviço da democratização e da transformação da

sociedade.

A solução conferida ao tema no Brasil pelo STF, assim como ocorreu

em relação à primeira decisão na Espanha do TC, decorreu da falta de adequada compreensão

do sistema de função, o que somente seria possível mediante sua apreciação na perspectiva da

nova hermenêutica constitucional. Com efeito, numa sociedade complexa, plural,

heterogênea, fragmentada em classes e grupos, dotados de interesses diversos e contraditórios,

é natural que a Constituição seja firmada sob a forma de compromisso ou pacto. Isso

determina a existência de constituições principiológicas, cujas normas se expressam em

textura aberta, resultando uma ampla margem de conformação por seus intérpretes. Assim, os

métodos clássicos da velha hermenêutica são insuficientes para compreender o sentido da

Constituição, que, ao lado de ostentar uma dimensão jurídica, tem também uma dimensão

política, abarcando uma plêiade de valores decorrentes das opções políticas de cada momento

histórico concreto.92

Desse modo, possuindo a Constituição uma textura aberta, igualmente

aberta deve ser sua interpretação. E, como documento político, também política deve ser sua

interpretação. Nesse aspecto, tem especial significado o método concretista de interpretação

da “Constituição aberta”, desenvolvido por Peter Häberle. Ao teorizar sobre esse método de

interpretação constitucional, o autor alemão tem como pressuposto o pluralismo democrático

91

SILVA. Os servidores públicos e o direito do trabalho, 1993, p. 153. 92 Para um estudo sobre o sentido da interpretação da Constituição, conf. PÉREZ LUNO. Derechos Humanos,

Estado de Derecho y Constitución, 2005, p. 255-289.

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98

da sociedade aberta.93 E uma das virtudes desse método é o reconhecimento da força

produtiva do pluralismo, a partir do jogo alternativo do dissenso e do consenso, permitindo

melhor ajustar por via interpretativa a mudança constitucional, adaptando a Constituição às

exigências de cada época. Nesse ponto, esse método de interpretação, por sua flexibilidade,

pluralismo e abertura, ao invés de consagrar uma visão estática, voltada à manutenção do

status quo, conservando velhas instituições, procura aproximar Constituição e realidade,

abrindo espaços para o futuro e suas transformações.

De fato, o pluralismo é um elemento da sociedade contemporânea e,

também, uma característica do Estado Democrático de Direito, que deve contemplar direitos e

garantias que preservem os diversos grupos que a formam. Exatamente por isso as

Constituições são escritas com termos imprecisos, abertos, incompletos, de modo que possam

ajustar-se à dinâmica social. Consequentemente, a Constituição não pode ser entendida como

um sistema fechado, mas como um sistema aberto para o mundo da vida, dinâmico, sujeito a

evoluções que permita acompanhar as mudanças nos projetos e valores vigentes na sociedade.

Com essa textura aberta, o texto constitucional requer para sua

realização que seja interpretado. Essa interpretação não pode ser descontextualizada, haja

vista que corresponde a um fenômeno histórico, situado e datado. Isso faz com que o sentido

que se dá à Constituição varie no contexto histórico sujeitando-se às mais diversas

circunstâncias de cada época. Portanto, a Constituição deve ser entendida como um contínuo

processo de interpretação e atualização do seu texto. Essa nova hermenêutica parece que

melhor se adequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito e à concretização dos

direitos fundamentais, especialmente os direitos coletivos, em relação aos quais a velha

hermenêutica resiste em efetivamente levá-los a sério.94

93 HÄBERLE. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos interpretes da Constituição: contribuição

para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição, 1997. 94

Esse aspecto histórico e dinâmico em relação aos direitos humanos, de que são espécies os direitos coletivos, foi ressaltado por HERRERA FLORES. Teoria Crítica dos Direitos Humanos: os direitos humanos como

produtos culturais, 2009, p. 207-208, ao sustentar que as normas e instituições jurídicas que as garantem não surgem do vazio, “não são estruturas prévias à ação social, mas surgem das lutas sociais pela dignidade e, desse modo, devem tender a potenciar a inesgotável capacidade humana de fazer e desfazer mundos”, daí defender que normas e instituições devem servir “para garantir a continuidade de tal dinâmica, propiciando para isso mecanismos horizontais e paritários de participação e decisão democráticos”.

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99

Com esses aportes, impõe-se reconhecer o profundo impacto

determinado pela nova ordem constitucional sobre a interpretação de suas normas e sobre a

compreensão das antigas instituições. O princípio basilar que orienta a atividade hermenêutica

radica na exigência de que o ordenamento jurídico deve ser interpretado conforme a

Constituição. Essa consequência deriva de seu valor normativo, significando que ela constitui

o contexto necessário de todas as leis e normas do ordenamento jurídico, exige-se a

interpretação integrativa para suprir insuficiências dos textos legais, as normas constitucionais

são dominantes diante das demais na concretização do sentido geral do ordenamento, a

interpretação de suas normas deve considerar a variação social e dos tempos e também deve

levar em conta o caráter normativo de seus princípios.95

O STF, ao formular uma interpretação retrospectiva, baseada nos

paradigmas da velha hermenêutica constitucional, limitou-se a reproduzir antigos valores da

doutrina administrativista. Essa postura confirma a assertiva de que “os operadores jurídicos

continuam prisioneiros dos paradigmas construídos sob a égide da Constituição adotada pelo

regime autoritário”.96 Portanto, faltou na análise da temática uma interpretação adequada e

prospectiva, a partir das conquistas democráticas de 1988. No precedente, o STF

desconsiderou a ruptura constitucional em relação à clássica concepção de função pública,

“revelada justamente pela institucionalização de mecanismos que instrumentalizam a

participação ativa do funcionalismo público nos rumos da Administração, permitindo a

oxigenação dessa através das ideias, informações e pretensões entre ela e o seu corpo

funcional”.97

Com a decisão do STF na ADIn 492-DF, proferida em sede de

controle concentrado de constitucionalidade, que opera efeitos erga omnes, de natureza

vinculante, foram provocadas sérias e graves consequências sobre o sistema de relações

coletivas na função pública. Seus efeitos podem ser assim sintetizados: a) as entidades

representativas dos funcionários públicos não podem firmar convenção coletiva ou qualquer

outro instrumento coletivo com o Estado; b) o direito à livre associação sindical e o direito à

greve, previstos no artigo 37, VI e VII, foram na prática revogados, uma vez que estão

formalmente proclamados, porém não possuem eficácia; c) não podendo negociar nem firmar

95 GARCÍA DE ENTERRÍA; FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ. Curso de Derecho Administrativo I, 2005, p. 111-

113. 96 CLÈVE. A atividade executiva do poder legislativo no Estado contemporâneo, 2000, p. 159. 97

DEMARI. Negociação coletiva no serviço público, 2007, p. 95.

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convenção coletiva, os sindicatos de funcionários perdem o objeto; e d) não podendo negociar

coletivamente, também o direito de greve perde o objeto, na medida em que, se os servidores

públicos entrarem em greve, ela será considerada ilegal, pois não pode ter por objeto forçar o

Estado a negociar e transigir, já que é vedada a negociação coletiva. Enfim, por força do

acórdão do STF, o direito à sindicalização e o direito à greve, conquistas dos funcionários,

foram sumariamente extirpados da Constituição.98

4.3 REPERCUSSÃO DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA

ADIN 492-DF NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS

O entendimento do STF, adotado em 1992, vem sendo reafirmado

pela jurisprudência constitucional e ainda hoje prevalece nos tribunais brasileiros e nas

práticas da Administração Pública. De fato, na ADIn 554, em julgamento proferido em 2006,

ficou assentado que “A celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho

consubstancia direito reservado exclusivamente aos trabalhadores da iniciativa privada”,

tendo por fundamento que “A negociação coletiva demanda a existência de partes

formalmente detentoras de ampla autonomia negocial, o que não se realiza no plano da

relação estatutária.” Na ocasião, considerou-se que

A Administração Pública é vinculada pelo princípio da legalidade. A atribuição de vantagens aos servidores somente pode ser concedida a partir de projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, consoante dispõe o art. 61, § 1º, inciso II, alíneas "a" e "c", da Constituição, desde que supervenientemente aprovado pelo Poder Legislativo. 99

O mesmo entendimento foi reafirmado agora em 2012, tendo o

acórdão praticamente se limitado a transcrever os fundamentos adotados na ADIn 554.100

98 SILVA. Os servidores públicos e o direito do trabalho, 1993, p. 222-223. 99 ADI 554, Relator Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 15/2/2006, DJ 5/5/2006. 100 ARE 647436 AgR, Relator Min. AYRES BRITTO, 2ª. Turma, julgado em 3/4/2012, DJe de 26/4/2012.

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101

A matéria já integra a jurisprudência sumulada do STF, conforme se

extrai da Súmula 679, ao dispor que “A fixação de vencimentos dos servidores públicos não

pode ser objeto de convenção coletiva”. O precedente, adotado há mais de vinte anos, quando

ainda não se tinha a compreensão da mudança paradigmática decorrente da opção

constitucional por um Estado Democrático de Direito e pelo reconhecimento dos direitos

coletivos dos funcionários, ainda hoje produz sérias e graves consequências nas relações de

trabalho na função pública. Isso porque o imaginário coletivo incorpora a ideia de que o STF

havia “revelado” a intenção do legislador, tornando definitiva e inquestionável a

impossibilidade de negociação coletiva dos funcionários públicos. Daí em diante os tribunais

limitaram-se à mera reprodução do julgamento proferido na ADIn 492-DF, rechaçando não

apenas o direito à negociação coletiva, mas também o direito de greve. Com essa orientação,

o STF desconheceu que os direitos não são estranhos à ação política nem às práticas

econômicas e terminou dificultando ou mesmo inviabilizando a luta dos funcionários para

conquistar mais e melhores direitos.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo depois do

julgamento do MI 708/DF e do MI 712/PA, que admitiu a greve dos funcionários públicos,

prevalece o entendimento consagrado pelo STF, subsistindo o entendimento da

impossibilidade de negociação coletiva na função pública. Julgando dissídio de greve de

servidores públicos, o STJ adota como razões de decidir a tese de que termo de acordo

firmado com a Administração Pública não tem força vinculante, não gera direito adquirido

nem configura ato jurídico perfeito, haja vista a incidência dos princípios da separação e da

autonomia dos Poderes e da reserva legal, na forma do que dispõem os artigos 2º, 61,

parágrafo 1º, inciso II, alíneas a e c, e 165 CF. 101

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou seu entendimento

por meio da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 5 da Seção de Dissídios Coletivos (SDC), que

atualmente possui a seguinte redação: “Em face de pessoa jurídica de direito público que

mantenha empregados, cabe dissídio coletivo exclusivamente para apreciação de cláusulas de

natureza social. Inteligência da Convenção nº 151 da OIT, ratificada pelo Decreto Legislativo

nº 206/2010”. Mesmo sob o regime da CLT, o TST vinha sustentando a impossibilidade da

negociação coletiva no âmbito da Administração Pública direta. Recentemente aprimorou sua

101 Pet 7.884/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, 1ª. Seção, julgado em 22/9/2010, DJe de 7/2/2011.

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102

jurisprudência, seguindo as experiências contemporâneas de relações coletivas democráticas,

avançando no sentido de reconhecer a possibilidade de julgamento de cláusulas sociais em

dissídio coletivo em que figurem entes da Administração Pública direta. Reconhece agora que

a limitação se restringe à análise das cláusulas de natureza econômica, ou seja, que contêm

reivindicações referentes às vedações do artigo 169 CF, que no parágrafo 1º, I e II, condiciona

a concessão de qualquer vantagem ou aumento da remuneração do pessoal ativo ou inativo à

existência de prévia dotação orçamentária e de autorização específica na lei de diretrizes

orçamentárias.

A posição do TST baseia-se na ideia de que

Emerge do disposto no § 3º do art. 39 c/c com o art. 7º, XXVI, da CF, que não se reconhece, regra geral, à Administração Pública, a possibilidade de firmar convenção ou acordo coletivo de trabalho sobre verbas de cunho essencialmente econômico-financeiro, resguardada a negociação coletiva na área pública à seara eminentemente social (cláusulas sociais).

Nessa visão, “Ainda por imposição da Constituição Federal, compete

à lei, em sentido estrito, a fixação de limites do gasto com pessoal, sendo imprescindível a sua

previsão em lei orçamentária (art. 169) e sua iniciativa pelo Poder Executivo (art. 61, § 1º, II,

‘a’, CF)”. Concluiu então o TST que “o ente público encontra-se proibido de firmar

convenção coletiva sobre vantagens remuneratórias, já que não possui autonomia para dispor

sobre despesas, salvo se expressamente autorizado por lei e respeitados os limites nela

previstos.” 102

Portanto, a posição do STF, seguida por todos os tribunais brasileiros,

ainda hoje produz graves consequências sobre o modelo de relações coletivas de trabalho na

função pública. Essa orientação está arraigada na doutrina administrativista vigente nos

primórdios do Estado Moderno e fica a reboque das tendências atuais praticadas nas

democracias consolidadas. Preserva a organização de um sistema de função pública

exclusivamente unilateral, estatutário, sem considerar as complexas necessidades do Estado

contemporâneo, as múltiplas exigências de uma sociedade democrática e plural, a

multiplicidades de interesses a serem coordenados e as próprias peculiaridades do serviço

102 RR 161400-48.2006.5.02.0061, Relator Min. Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, julgado em 29/8/2012,

DJ-e de 31/8/2012.

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103

público. Ao agasalhar a concepção unilateral de função pública, mantém o modelo de regime

jurídico rígido e inflexível, estruturado a partir de concepções de há muito já superadas, não

compreendendo que as exigências de formas dialogais, concertadas, constituem uma

necessidade para a adequada organização da função administrativa, para a correta execução

dos serviços públicos e para a efetivação dos direitos coletivos dos funcionários, essenciais à

conformação de um Estado Democrático de Direito.

No Brasil, frequentemente, inúmeras greves eclodem, nos diversos

setores da Administração Pública, inclusive em atividades essenciais. E sem o canal de

negociação coletiva, constata-se cotidianamente negociações informais, procedimentos não

previstos legalmente, que são adotados pela Administração Pública brasileira para alcançar

acordos com as entidades sindicais que representam o conjunto dos funcionários públicos,

inclusive pondo fim a movimentos grevistas. A negociação de fato tem sido restrita ao âmbito

administrativo, visando à preparação dos termos de futuro ato normativo unilateral que

regulamentará direitos e deveres dos funcionários. Quando este ato se consubstancia em lei

formal, é encaminhado à apreciação do Parlamento. Nessa linha, acordos são frequentemente

subscritos, embora considerados como simples compromissos políticos, sem força de lei, mas

que têm servido de base para a confecção de futuros projetos de lei, que depois são remetidos

à apreciação do Congresso Nacional.

O certo é que, sem poder negociar e sem poder exercer o direito de

greve, os funcionários foram conduzidos a um sistema marginal e clandestino de relações

coletivas de trabalho. Logo, resulta evidente que o acórdão do STF dissocia-se inteiramente

da realidade, apresentando uma grave disfuncionalidade do modelo jurídico sustentado a

partir de um dever-ser que na prática não existe mais. Segue-se, então, que a decisão, além de

negar os conflitos existentes e ignorar os procedimentos informais adotados na prática, gera

uma séria disfuncionalidade no sistema jurídico, fazendo com que, ao lado da atividade

administrativa legalmente conduzida, seja praticada uma negociação através de

procedimentos não previstos. Isso faz surgir um sistema de negociação de fato, mas com a

predominância do sistema oficial de determinação unilateral das condições de trabalho dos

funcionários.

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104

4.4 RECONHECIMENTO DO DIREITO DE GREVE DOS FUNCIONÁRIOS

PÚBLICOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SEUS EFEITOS EM

RELAÇÃO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Recentemente o STF começa a sinalizar timidamente no sentido do

reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários públicos. De fato, em diversas

oportunidades considerou que o inciso VII do artigo 37 CF (“[...] o direito de greve será

exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”) encerraria norma de eficácia

limitada, entendendo que a exigência de lei complementar para o exercício do direito de greve

pelos funcionários públicos impediria a aplicação analógica da Lei nº 7.783/89, que trata da

greve dos trabalhadores em geral.103 No entanto, no ano de 2007, por ocasião do julgamento

do MI 708/DF e do MI 712/PA, com o objetivo de ser autorizado o exercício do direito de

greve, bem como de compelir o Congresso Nacional a regulamentar, dentro do prazo de trinta

dias, o inciso VII do artigo 37 CF, decidiu que, enquanto não suprida a lacuna legislativa,

deve ser aplicada a Lei nº 7.783/89, assegurando assim o exercício do direito de greve pelos

funcionários.

Com esse precedente, houve uma substancial mudança na

jurisprudência do STF, que, para muito além de constituir o Poder Legislativo em mora,

assegura desde logo o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos. Não é

exagero afirmar que o precedente do STF tem a potencialidade de provocar uma

transformação paradigmática nas relações coletivas de trabalho na função púbica, sinalizando

na direção do reconhecimento pleno dos direitos coletivos, compreendendo aí a plena

liberdade sindical, a deflagração de conflitos coletivos e a negociação coletiva.104

Essa nova perspectiva, a partir da decisão do STF, decorre da

circunstância de as categorias “sindicato”, “greve” e “negociação” encontrarem-se em regime

103 Esta foi a decisão adotada pelo STF no MI 20-DF, figurando como relator o Ministro Celso de Mello, que

negou a auto-aplicabilidade da norma, ao fundamento de que “o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público constitui norma de eficácia meramente limitada, [...] razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição.”

104 Uma análise completa dessa decisão do STF é realizada por SILVA. Greve no serviço público depois da

decisão do STF, 2008.

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105

de complementaridade, haja vista que a face coletiva da liberdade sindical é a

autodeterminação, baseada no princípio da autonomia coletiva. Logo, tendo o STF

reconhecido o direito de greve, deriva daí como consequência necessária e imediata o direito à

negociação coletiva, pois o direito de greve é inconcebível e até absurdo sem a possibilidade

de negociar um acordo que possa pôr termo ao conflito. Ademais, a negociação, assim como a

greve, integra o conteúdo essencial da liberdade sindical, na medida em que impossível a

existência de sindicato de servidores na ausência da greve ou da negociação, pois se o direito

assegura a vida dos sindicatos é para que lutem pela realização de seus fins.

O precedente do STF, além de reconhecer o direito à greve, deve ser

entendido como uma ruptura do modelo de não negociação para um sistema de negociação

coletiva no serviço público. A nova perspectiva impõe o reconhecimento da negociação

coletiva como instrumento essencial para a definição das condições de trabalho no setor

público. Com esse novo modelo de função pública, passa-se de uma concepção unilateral,

estatutária, autoritária, a um modelo contratual, bilateral, consensual, em que as condições de

trabalho passam a ser fixadas prioritariamente através da negociação coletiva com a efetiva

participação dos sindicatos dos servidores públicos.

Nesse sentido, impõe-se reconhecer que no modelo democrático de

relações coletivas de trabalho não se trata de negociação meramente consultiva, pré-

legislativa, destinada à elaboração compartilhada de anteprojeto de lei, preservando a

discricionariedade do Poder Público. Conquanto admissível esse tipo de negociação para

certas matérias, é possível conceber a implementação de um modelo de negociação

vinculante, em que a Administração e os servidores alcançam o consenso visando à regulação

das condições de trabalho por meio de ato bilateral, formalizado através de contrato coletivo,

com eficácia jurídica plena, que passa a integrar a ordem jurídica independente da intervenção

superveniente do Parlamento. O contrato coletivo daí resultante deve ser dotado de efeitos

normativos e obrigacionais, que vinculem tanto a Administração como os servidores,

desfrutando de eficácia geral, com as características de imediatidade, imperatividade e

inderrogabilidade.

Com a nova orientação do STF, admitida a negociação coletiva,

observa-se que os direitos coletivos dos servidores têm seus limites configurados, sujeitando-

se a peculiaridades e especificidades. Necessário, portanto, a definição da estrutura negocial

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106

básica, de modo que a negociação possa desenvolver-se dentro de marcos previamente

assentados. Deve então haver a institucionalização do processo negocial através da definição

de fases e procedimentos próprios, contemplando os tipos, sujeitos, matérias, procedimentos,

resultados, efeitos dos instrumentos e sistema de composição dos conflitos. Esta estruturação

deve-se adequar às peculiaridades e especificidades do serviço público, mas não pode

desvirtuar o conteúdo essencial da negociação coletiva. Nesse aspecto, mostra-se útil ao

aproveitamento pedagógico a experiência espanhola, que desde 1987 regulamentou e pratica a

negociação coletiva entre os funcionários e a Administração Pública.

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107

5 INICIATIVAS TENDENTES À INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL DA

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

Com a ratificação pelo Brasil da Convenção nº 151 da OIT,

reacenderam-se os debates em torno da urgente necessidade de adequação da legislação e

consequente institucionalização da negociação coletiva. Conquanto o direito à negociação

coletiva dos funcionários seja extraído de forma direta e imediata da CF, a existência de

legislação promocional desempenha papel fundamental para sua conformação e garantia de

sua eficácia. Nesse aspecto, é importante a existência de regulamentação que disponha sobre

solução de conflitos coletivos de trabalho na função pública, considerando as peculiaridades

inerentes à natureza e especificidades do serviço público, mas que deve considerar que a

negociação coletiva é categoria fundamental do Direito Coletivo do Trabalho e da própria

Teoria Geral do Direito, que deve ser preservada em seu conteúdo essencial, no qual se insere

a eficácia jurídica dos instrumentos dela resultantes. Objetivando regulamentar o modo de

tratamento dos conflitos coletivos na função pública, bem como questões a eles diretamente

relacionados, está em curso no Brasil amplo debate, já incorporado em propostas de

regulamentação. Nesse sentido, este capítulo enfoca as iniciativas tendentes à

institucionalização da negociação, examina brevemente algumas experiências brasileiras,

aborda o tratamento da matéria no âmbito do Governo Federal e analisa as principais

propostas em andamento de regulamentação.

5.1 RATIFICAÇÃO PELO BRASIL DA CONVENÇÃO Nº 151 DA OIT: EXIGÊNCIA

DE REGULAMENTAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO

PÚBLICA

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108

A Convenção nº 151 da OIT, conforme já analisado, é o documento

internacional mais importante sobre o direito de sindicalização e relações coletivas de

trabalho na Administração Pública. Aprovada em 1978, o tratado entrou em vigor no plano

internacional em 1981. O Brasil, embora tenha ratificado em 1992 a Convenção nº 154 de

1981, que trata do fomento à negociação coletiva, cujo instrumento também é aplicável à

Administração Pública, não havia ainda ratificado a Convenção nº 151, que assegura a

promoção e a defesa dos interesses dos trabalhadores na função pública. A falta de ratificação

da Convenção nº 151 deixava o país em posição bastante adversa na comunidade

internacional, tornando-o um dos poucos países democráticos que não havia ratificado o

documento e que não aplicava os princípios da convenção em sua legislação nem ajustava

suas práticas nacionais. A ratificação era de fundamental importância para a democratização

das relações de trabalho no setor público, impondo-se agora a necessidade de sua

regulamentação para assegurar e promover a negociação das condições de trabalho de

trabalho na função pública entre as organizações de trabalhadores e a Administração Pública.

A inércia do Brasil em relação à ratificação da Convenção n° 151 foi

rompida com sua aprovação em outubro de 2009 pelo Congresso Nacional. Depois de

aprovado o documento internacional pelo parlamento brasileiro, teve início o processo de sua

ratificação, o que ocorreu através do Decreto Legislativo nº 206, de 7 de abril de 2010. Na

ocasião, procedeu-se a ratificação, com ressalvas, dos textos da Convenção nº 151 e da

Recomendação nº 159, da OIT. As ressalvas dizem respeito ao sentido da expressão “pessoas

empregadas pelas autoridades públicas”, que abrange tanto os empregados concursados da

Administração Pública regidos pela CLT como os servidores públicos, das três esferas de

governo, regidos por legislação específica. A outra ressalva refere-se ao conceito de

“organização de trabalhadores”, que se limita às organizações sindicais, assim consideradas

aquelas constituídas na forma do artigo 8º CF. Com essa ratificação da Convenção nº 151,

renovam-se as expectativas em torno da democratização das relações coletivas de trabalho na

Administração Pública, obrigando assim a instituição dos princípios e procedimentos

contemplados naquele instrumento internacional, ensejando a adoção de uma legislação

promocional e a reformulação das práticas nacionais, com instituição de verdadeira

negociação coletiva entre os servidores e a Administração Pública.

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109

Depois da ratificação da Convenção nº 151, sua regulamentação

deveria realizar-se no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo, daí a necessidade de

adequação da legislação ter ocorrido até junho de 2012. Até agora, no entanto, não se

procedeu à regulamentação e hoje se constata a configuração de um impasse em relação às

tratativas tendentes à institucionalização da negociação coletiva. As posições quanto à

iniciativa, ao formato e ao conteúdo dessa regulamentação são as mais díspares e

contraditórias, seja no âmbito da Administração Pública, seja no âmbito das organizações

sindicais. À falta de regulamentação, continua o Brasil sem instrumentos e procedimentos de

solução dos conflitos coletivos no setor público, resultando em graves prejuízos aos

servidores, à Administração e à sociedade. Dada a ausência de legislação instituidora da

negociação coletiva, procede-se em seguida à análise das experiências de diálogo adotadas na

Administração Pública Federal, bem como das principais propostas em curso visando à sua

regulamentação.

5.2 CRIAÇÃO DA MESA NACIONAL DE NEGOCIAÇÃO PERMANENTE: O

DECRETO Nº 7.674/2012

As experiências brasileiras em torno da participação dos funcionários

públicos na determinação de suas condições de trabalho são fenômeno recente e ainda estão

em fase embrionária. No âmbito dos Estados e Municípios constatam-se a partir dos anos

oitenta alguns canais informais e incipientes de interlocução, marcados por diversas e

profundas contradições e dificuldades.105 Realizadas ainda sob os escombros do modelo

autoritário de Estado, as tratativas estavam muito distante da conformação de um modelo

democrático de relações coletivas de trabalho no serviço público. No âmbito nacional,

experiência relevante envolve a Mesa Nacional de Negociação do Sistema Único de Saúde

(SUS), criada pela Resolução nº 52, de 6 de maio de 1993, e pela Portaria nº 1.713, de 28 de

105 Uma visão histórica sobre as primeiras experiências de diálogo entre os servidores e a Administração Pública

está disponível em CRUZ. Saudações a quem tem coragem. Dez experiências de negociação sindical no

setor pública, 2001.

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110

setembro de 1994, tendo por objetivo estabelecer um fórum permanente de diálogo entre o

Poder Público e os servidores vinculados ao SUS. No âmbito federal, essa prática tomou

forma e consistência com a instituição do Sistema de Negociação Permanente da

Administração Pública Federal, criado em 12 de junho de 2003, resultando, por força da

Portaria nº 1.132, de 21 de julho de 2003, fundada no artigo 27 do Decreto nº 4.638, de 21 de

março de 2003, na instalação da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP).

Essa iniciativa objetivou fomentar o diálogo e instituir instrumentos

de composição de conflitos de trabalho na função pública, com atribuições restritas ao âmbito

do Poder Executivo Federal, composta pela Bancada do Governo e pela Bancada Sindical. Ao

lado de Mesa Nacional, constituiu também Mesas Setoriais e Comissões Temáticas, estas para

tratar de questões relacionadas à Política Sindical, Seguridade Social, Diretrizes de Planos de

Carreira e Política Salarial. Conquanto bastante abrangente a agenda estabelecida pela

MNNP, com possibilidade de discussão dos mais amplos e variados temas relacionados aos

direitos e deveres dos funcionários públicos e à melhoria da qualidade dos serviços públicos,

tem sido muito limitado o alcance prático de suas discussões e deliberações, o que se deve em

grande medida às restrições decorrentes da observância do princípio da reserva legal e da falta

de eficácia jurídica do resultado dos entendimentos aí celebrados. O certo é que, embora

pertinentes as críticas contra o desenvolvimento do processo negocial nesse âmbito, a

iniciativa proporcionou alguma abertura na tentativa de institucionalizar o diálogo entre os

funcionários públicos e o Estado.

Recentemente, como desdobramento das atividades realizadas no

âmbito da MNNP, por meio do Decreto nº 7.674, de 20 de janeiro de 2012, foi criado o

Subsistema de Relações de Trabalho no Serviço Público Federal, com a finalidade de

“organização do processo de diálogo com vistas ao tratamento dos conflitos nas relações de

trabalho no âmbito do Poder Executivo Federal”. O texto propositadamente evita o uso da

expressão “negociação coletiva”, referindo-se apenas à “negociação de termos e condições de

trabalho”, indicando como objetivo “a democratização das relações de trabalho e a busca da

solução dos conflitos por meio da redefinição das condições de trabalho”. O Subsistema

criado compreende o órgão central, representado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento

e Gestão (MPOG), órgãos setoriais, com a participação de departamentos ou outras unidades

nos Ministérios e nos órgãos da Presidência da República, e órgãos seccionais, representados

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111

por departamentos ou outras unidades nas autarquias e fundações. Ao órgão central incumbe

fazer a interlocução com as entidades sindicais e associações representativas dos servidores,

participando os órgãos setoriais em relação às propostas para a solução dos conflitos em

relação ao seu âmbito de atuação.

De acordo com a regulamentação do Decreto nº 7.674/2012, ao

Subsistema de Relações de Trabalho no Serviço Público Federal compete principalmente

exercer a competência normativa em matéria de negociação de termos e condições de trabalho

e solução de conflitos; exercer a interlocução com os servidores públicos, por meio de

procedimentos de negociação de termos e condições de trabalho; propor a formulação de

políticas e diretrizes que garantam a democratização das relações de trabalho; propor medidas

para a solução, por meio do diálogo institucional, de conflitos surgidos em razão da fixação de

condições de trabalho, direitos e benefícios dos servidores públicos, mas sujeitas às diretrizes

da Presidência da República; articular a participar dos órgãos e entidades administrativas nos

procedimentos de diálogo surgidos em decorrência da fixação de condições de trabalho;

difundir e fomentar a democratização das relações de trabalho no setor público; e registrar, em

conjunto com as entidades, os consensos resultantes do processo negocial.

Conquanto do ponto de vista normativo a regulamentação vigente

possa sugerir uma participação ativa dos funcionários na determinação de suas condições de

trabalho, a prática revela que as tratativas são meramente formais e sem resultados concretos.

Essa circunstância é confirmada pela generalização e longa duração das greves. De fato, não

existe autêntica negociação, o diálogo não flui adequadamente, as reuniões são vazias, as

autoridades públicas limitam-se a invocar genericamente argumentos econômicos, não há

entendimento acerca da necessidade de revisão periódica do poder de compra dos salários

nem existe compreensão da valorização do funcionário como instrumento de aprimoramento

dos serviços públicos. Como consequência da falta de um sistema de negociação, a

Administração Pública apresenta sua proposta e tenta impor as condições de trabalho aos

funcionários. Aceita a proposta, encaminha o projeto de lei ao Congresso Nacional. Recusada

a proposta, envia mesmo assim, forçando os funcionários à deflagração das greves, que se

arrastam indefinidamente à falta de instrumento adequado de composição dos conflitos

coletivos. Por isso, torna-se urgente a institucionalização de um sistema democrático e efetivo

de negociação coletiva na função pública.

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112

5.3 INICIATIVAS PARA REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO

COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

No âmbito legislativo, em nível nacional, algumas proposições de

emenda constitucional e de lei ordinária foram apresentadas com vistas à regulamentação do

direito à negociação coletiva dos funcionários públicos. Algumas propostas apenas

tangenciam a questão da negociação coletiva, centrando-se propriamente no regramento do

direito de greve, aspecto que se tornou central ultimamente em razão da generalização dos

conflitos coletivos no âmbito da Administração Pública. Em razão da diversidade de

propostas, não parece oportuno nem necessário analisá-las. Pretende-se abordar apenas

aquelas que foram formatadas a partir de amplo debate nacional, que contou com a

participação de diversas entidades sindicais nos grupos de trabalho, resultando a formulação

de propostas pelo MTE e pelo MPOG, que de algum modo sintetiza as discussões e sinaliza o

modelo de negociação coletiva em vias de implantação na dinâmica das relações entre os

servidores públicos e o Estado.

5.3.1 A proposta de regulamentação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego

Embora o debate esteja apenas iniciando, com possibilidade de ampla

reformulação das propostas contidas nos projetos, parece adequado a análise, ainda que em

linhas gerais, da forma e do conteúdo das propostas em andamento. Existem intensas

divergências em relação à condução da questão, circunstância que vem gerando impasse em

torno do encaminhamento que está sendo dado. A divergência envolve desde a iniciativa para

propor a legislação, como também alcança o formato e o conteúdo da regulamentação. Essa

circunstância está clara na acirrada disputa entre o MPOG e o MTE, posto que, apesar dos

esforços de unificação dos grupos de estudo e das propostas, ambos elaboraram e

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113

encaminharam separadamente propostas de regulamentação da matéria. Dada a relevância dos

debates e da perspectiva de um desfecho breve quanto à definição do modelo de negociação

coletiva para os funcionários públicos, passa-se então a examinar os aspectos gerais das

propostas, considerando-as como direito em expectativa que permite uma primeira

aproximação com o possível sistema de negociação coletiva a ser implantado no Brasil.

O projeto de lei elaborado no âmbito do MTE, aplicável nas três

esferas de governo, dispõe sobre a organização sindical no setor público, afastamento de

dirigentes sindicais, negociação coletiva, aplicação do direito de greve e sobre o custeio da

organização sindical. Esse projeto trata da solução dos conflitos, do direito de greve, da

liberação de dirigentes sindicais, submete a organização dos funcionários ao sistema

confederativo, ao princípio da unicidade sindical e à mesma forma de financiamento das

entidades sindicais dos trabalhadores do setor privado, instituindo contribuições compulsória

e facultativa. Por sua vez, a proposta do MPOG está materializada em três minutas de projetos

de lei, que compreende um texto de caráter geral, aplicável nos três níveis de governo, que

dispõe sobre a democratização das relações de trabalho, o tratamento dos conflitos e

estabelece as diretrizes básicas da negociação coletiva dos servidores públicos. Foram

elaborados ainda dois textos específicos para a União, sendo um para disciplinar de forma

minuciosa o afastamento de dirigentes sindicais e outro para disciplinar a negociação coletiva

e o funcionamento do Sistema Nacional de Negociação Permanente no âmbito do Poder

Executivo Federal.

A minuta de projeto elaborado pelo MTE trata da organização

sindical no setor público, nas três esferas de governo, adotando o sistema confederativo,

organizando os servidores por categorias, prevendo a unicidade sindical e criando o Conselho

Nacional de Relações de Trabalho do Setor Público. Dispõe também sobre o afastamento de

dirigentes sindicais dos cargos, empregos ou funções exercidas, assegura a estabilidade e a

inamovibilidade do dirigente sindical até um ano após o término do mandato e estabelece que

o ônus do afastamento do servidor para o desempenho de mandato classista é de

responsabilidade do órgão ou ente público ao qual está vinculado o servidor. Reconhece o

direito de greve dos servidores, competindo a estes decidir livremente sobre a oportunidade de

exercê-lo e sobre os interesses que devam, por meio dele, defender, estabelece que a greve

somente pode ser deflagrada após a frustração da negociação, prevê que a participação em

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greve não poderá ser motivo para punição, dispõe que durante o período de greve não haverá

suspensão de salários, sendo a reposição das atividades paralisadas negociada ao final do

movimento grevista, veda a substituição de trabalhadores grevistas e confere à Justiça do

Trabalho a competência para decidir sobre a greve no âmbito da Administração Pública106.

Finalmente, regula o custeio da organização sindical, prevendo o financiamento compulsório

e facultativo, adotando regime similar ao dos trabalhadores do setor privado, instituindo a

mensalidade devida pelos filiados, a contribuição sindical obrigatória e a contribuição

assistencial dos servidores representados na negociação e a ser definida em assembleia geral.

Em relação ao sistema de negociação coletiva, a minuta do projeto de

lei do MTE dispõe que a Administração Pública deverá assegurar, como dever do Estado e

direitos dos servidores públicos, entre outros, o diálogo social e o fortalecimento das

negociações coletivas com as entidades sindicais, os mecanismos e procedimentos de

negociação, com observância de especificidades de órgãos e carreiras, prerrogativa de

instauração pelas partes da negociação coletiva e a negociação coletiva, ainda que desta não

resulte acordo. Prevê também que a negociação coletiva poderá ser provocada por qualquer

das partes, pode envolver questões gerais, específicas ou setoriais e deve-se realizar por meio

de sistema permanente mediante a observância dos princípios da boa-fé, reconhecimento das

partes e do respeito mútuo. Dispõe que são partes da negociação os representantes da

Administração Pública e as entidades sindicais representativas de determinada categoria

dotadas de personalidade sindical. A proposta assegura à entidade sindical o estabelecimento

da pauta de negociação, a ser aprovada pela assembleia geral, estabelece que a assinatura do

acordo coletivo depende de anuência de deliberação da assembleia geral da categoria e impõe

a participação dos sujeitos coletivos na negociação coletiva sempre que convocada pela outra

parte.

106 A previsão no projeto de manutenção do pagamento dos salários durante a greve ajusta-se à compreensão da

greve como direito fundamental dos trabalhadores. Isso porque a greve não é contrária ao direito, mas um direito à luta pelo direito, daí inexistir ilicitude na greve, mas o exercício regular de um direito, necessário e legítimo, reconhecido por todas as democracias. Nessa situação, o exercício regular do direito à greve não pode comprometer o mais básico de todos os direitos, que é o direito à própria sobrevivência. Assim, o seu exercício somente se torna real e efetivo quando assegurado o pagamento dos salários durante o período de paralisação. Logo, o projeto adequadamente prevê que o exercício do direito de greve não autoriza a supressão dos salários e a reposição das atividades será objeto de negociação ao final do movimento grevista.

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115

A minuta produzida pelo MTE realça o princípio da boa-fé objetiva,

enumerando em caráter exemplificativo algumas condutas que devem ser observadas na

negociação coletiva, cuja violação configura prática antissindical. Incluem-se entre essas

condutas o dever de participar da negociação coletiva, de formular e responder as propostas e

contrapropostas, prestar informações, definidas de comum acordo, no prazo e com o

detalhamento necessário, de forma leal e com honestidade e preservar o sigilo das

informações recebidas com esse caráter. Ademais, considera como conduta de boa-fé objetiva

a de obter autorização da assembleia para propor negociação coletiva, celebrar acordo

coletivo de trabalho e provocar a atuação da justiça competente ou de mediação para solução

do conflito coletivo de interesses, bem como estabelece o dever de cumprir aquilo que foi

pactuado na mesa de negociação.

Estabelece ainda a proposta que compete à Administração Pública

adotar as medidas administrativas necessárias à efetivação do acordo e, tratando-se de

negociação sobre matérias sujeitas à deliberação do Parlamento, deve encaminhar, no prazo

máximo de trinta dias, as propostas normativas que disciplinem o acordado para a apreciação

do Poder Legislativo. De outra parte, os sindicatos devem promover o depósito do acordo

coletivo junto ao MTE para fins de registro e publicidade. O instrumento resultante da

negociação deverá conter a designação das partes, prazo de vigência, categorias de servidores

abrangidas, condições ajustadas para regular as relações individuais de trabalho durante sua

vigência e formas e prazos para encaminhamento pela Administração Pública de propostas

normativas que disciplinem o acordado para deliberação pelo Poder Legislativo. Por fim,

dispõe a minuta que, após assinado e depositado, o acordo derivado da negociação coletiva é

irrevogável e irretratável.

O texto produzido no âmbito do MTE possui avanços importantes,

como o estabelecimento do dever de negociar de boa-fé, com detalhamento de condutas

antissindicais, e ao prever a eficácia jurídica vinculante do acordado em relação à

Administração Pública, embora não avance ao ponto de estender essa mesma eficácia no

tocante ao Parlamento, o que parece até compreensível em razão da supremacia do poder de

legislar. Questão relevante diz respeito ao estabelecimento de negociação sindical, recusando

assim capacidade negocial a entes sem personalidade sindical, solução esta que guarda

conformidade com o sistema constitucional e evita a atomização da negociação coletiva.

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116

Conquanto não trate propriamente da negociação coletiva, mas a ela afete diretamente, o

projeto apresenta graves equívocos, sobretudo por manter o sistema confederativo, a

unicidade sindical e a contribuição compulsória, o que impede a ratificação pelo Brasil da

Convenção nº 87 da OIT e afasta o seu sistema sindical de um modelo de plena liberdade

sindical, preservando assim os seus resquícios autoritários e impedindo a efetiva

democratização das relações coletivas de trabalho.

5.3.2 A proposta de regulamentação elaborada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão

A regulamentação dos direitos coletivos dos funcionários públicos

proposta pelo MPOG compreende três minutas de anteprojeto de lei, que corresponde a uma

minuta de caráter geral, abrangendo a União, Estados e Municípios, suas autarquias e

fundações públicas, e duas minutas específicas para a União, dispondo uma sobre afastamento

de dirigentes sindicais, e a outra tratando da negociação coletiva e do funcionamento do

Sistema Nacional de Negociação Permanente no âmbito do Poder Executivo Federal. Passa-se

então a analisar os aspectos gerais das três minutas, com enfoque para a questão da

negociação coletiva.

O anteprojeto de lei do MPOG dispõe sobre a democratização das

relações de trabalho, o tratamento dos conflitos e estabelece diretrizes da negociação coletiva

dos servidores públicos no âmbito da Administração Pública direta, autárquica ou fundacional

dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O texto considera

indissociáveis do processo de democratização das relações de trabalho na função pública as

categorias jurídicas liberdade sindical, negociação coletiva e greve. A proposta reforça esse

tripé do Direito Coletivo do Trabalho, estabelecendo que a liberdade e a autonomia sindical

no setor público pressupõem o direito à negociação coletiva, sobretudo como instrumento de

solução dos conflitos nas relações de trabalho. Nesse sentido, propõe a instituição da

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negociação coletiva em âmbito permanente, que deve ser organizado em todos os poderes e

nas três esferas de governo. Esse sistema deve ser integrado por órgão moderador de

conflitos, com atribuições direcionadas à garantia da transparência nas negociações. Dispõe o

anteprojeto que a greve será exercida na forma da lei que a regulamenta, submetido o

exercício do direito ao juízo de proporcionalidade e razoabilidade.

A proposta regulamenta os direitos coletivos fundamentais dos

servidores púbicos, tratando sucessivamente da liberdade sindical, negociação coletiva e

greve. No tocante à livre associação sindical, após prever que esse direito é assegurado a

todos os servidores públicos, dispõe que o servidor não pode ser prejudicado, beneficiado,

isento de um dever ou privado de um direito em face do exercício do direito de liberdade

sindical. Ademais, com a finalidade de permitir o livre exercício da atividade sindical, o texto

contempla o afastamento do servidor para o exercício de mandato classista, observada a

proporcionalidade prevista na lei que regulamenta o regime jurídico dos servidores públicos.

A proposta também assegura às entidades sindicais a livre divulgação dos movimentos

grevistas e o direito à arrecadação de fundos de greve. Observa-se, no tocante à regulação da

liberdade sindical, o texto não impõe a obrigatoriedade de obtenção de registro sindical, não

estabelece base mínima, não define categoria profissional, não trata de financiamento

compulsório por meio da contribuição sindical e não adota o modelo confederativo de

organização sindical. Em certa medida, a proposta direciona-se para um sistema de maior

liberdade sindical, aproximando-se do modelo concebido pela Convenção nº 87 da OIT.

Em relação à greve, o anteprojeto de lei assegura esse direito, nos

termos e limites definidos pela lei, remetendo aos servidores públicos a decisão quanto à

oportunidade e aos interesses que devem defender por meio da greve. Depois de definir a

greve como a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação de

serviços ou atividades, o anteprojeto assegura aos grevistas o emprego de meios pacíficos

destinados a persuadir os trabalhadores a aderirem à greve, a arrecadação de fundos e a livre

divulgação do movimento. No período da greve deve ficar garantido o atendimento das

necessidades inadiáveis da comunidade. Vedada a greve às forças policiais armadas, o texto

contém significativo avanço no sentido de estabelecer que o exercício do direito de greve será

autorregulamentado pelas entidades sindicais e submetido ao acolhimento do Observatório

das Relações de Trabalho no Serviço Público. Além disso, ainda quanto à greve, a proposta

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dispõe que as faltas ao trabalho dela decorrentes são objeto de negociação, prevendo-se plano

de compensação dos dias parados e/ou trabalho não realizado, implicando a falta de ajuste em

perda de remuneração no tocante aos dias parados. O texto traz algumas inconsistências, entre

as quais estão a vedação de greve aos policiais civis e o julgamento dos conflitos de greve

pela Justiça Comum.

O anteprojeto de lei, no que diz respeito à negociação coletiva,

considera-a processo de diálogo para tratamento dos conflitos de trabalho, com observância

dos princípios da boa-fé, reconhecimento das partes e respeito mútuo, que deve ser instituída

em caráter permanente, de forma a assegurar os princípios básicos da Administração Pública e

o da liberdade sindical. Prevê a organização de sistemas de negociação com o objetivo de

oferecer mecanismos eficazes ao tratamento dos conflitos, definir procedimentos para a

explicitação dos conflitos e firmar compromissos para compartilhamento entre as

representações de defesa do interesse público e da melhoria da qualidade dos serviços

públicos, atendidos os princípios da solidariedade e da cooperação. Pela proposta, entidade

não sindical pode participar da negociação, desde que representativa, não havendo, portanto,

necessidade de que o ente esteja registrado no MTE. Ademais, o texto também não contém

normas dispondo sobre deveres relacionados à boa-fé objetiva, embora se trate de princípio da

Teoria Geral do Direito, aplicável em todas as relações jurídicas, abrangendo certamente a

negociação coletiva.

A proposta estabelece que a negociação coletiva é exercida

exclusivamente através de Mesas de Negociação Permanente, a ser instituída no âmbito dos

três poderes e em todas as esferas de governo. Na atuação das Mesas deve ficar assegurado a

liberdade de pauta dos participantes, o direito à apresentação formal das reivindicações, o

estabelecimento de prazos e o acesso amplo e irrestrito a procedimentos de defesa de direitos,

interesses ou demandas. Na composição das Mesas estão os representantes da Administração

Pública e das entidades representativas da categoria interessada ou envolvida, sendo os

trabalhos acompanhados pelo Observatório das Relações de Trabalho no Serviço Público. Do

lado da representação dos servidores públicos, devem ser atendidos critérios para aferição da

representatividade sindical. Os acordos resultantes da negociação são formalizados e

publicados, devendo os respectivos instrumentos conter, no mínimo, a abrangência, a

aplicabilidade, os prazos e a vigência do conteúdo acordado. Os acordos firmados são

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bilaterais, comprometendo as partes ao cumprimento das providências para sua efetivação e

ao zelo para sua manutenção. Dispõe também que cabe ao titular do respectivo Poder

homologar ou aditar as proposições apresentadas pelo sistema de negociação permanente. O

texto não estabelece prazo para encaminhamento do acordado na negociação.

O anteprojeto de lei do MPOG também institui os Observatórios das

Relações de Trabalho no Serviço Público, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios. O Observatório é considerado órgão permanente e de

relevância pública, tendo como objetivo atuar como observador, instância consultiva e

mediadora nos eventuais conflitos advindos das Mesas de Negociação Coletiva, avaliar

projetos de autorregulamentação de greve com vistas ao seu acolhimento e desenvolver

estudos e pesquisas nas áreas das relações de trabalho no serviço público.

A proposta que dispõe sobre a negociação coletiva e o funcionamento

do Sistema Nacional de Negociação Permanente do Governo Federal regula exclusivamente

as relações coletivas de trabalho entre os servidores públicos e o Poder Executivo Federal,

tendo por objetivo a promoção de sua democratização e da busca da melhoria contínua dos

serviços públicos. Segundo o anteprojeto, o Sistema, composto de uma Mesa Nacional e de

Mesas Setoriais, pauta-se pelos princípios da legalidade, finalidade, indisponibilidade do

interesse público, moralidade, publicidade, transparência e liberdade sindical. Como

decorrência desses princípios, na forma que consta da proposta, os processos de diálogos

devem ser pautados por princípios fundamentais, a saber: boa-fé, reconhecimento das partes e

respeito mútuo; democracia por modelo e o diálogo por instrumento; respeito à pluralidade

de concepções políticas e ideológicas; liberdade de expressão inconteste e incondicional;

reconhecimento da liberdade sindical e associativa de modo amplo, geral e irrestrito, sendo

vedada ao Governo Federal a intervenção; reconhecimento da existência de interesses

coorporativos e dos conflitos decorrentes das relações de trabalho; liberdade de pauta dos atos

pertinentes aos servidores públicos; promoção do intercâmbio e a incorporação do

conhecimento sobre os servidores públicos; reconhecimento do direito de greve; e

participação dos usuários dos serviços públicos e da sociedade civil.

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120

O anteprojeto do MPOG estabelece um rol de “preceitos

democráticos” que, junto com outros princípios e garantias fundamentais, devem ser

observados no processo de negociação coletiva, que estão assim relacionados: autonomia das

partes; ética e boa-fé; liberdade do exercício do mandato sindical para representação da

coletividade dos servidores públicos; legitimidade da representação sindical com respeito à

vontade soberana da maioria dos representados; e indisponibilidade do interesse púbico.

Segundo a proposta de constituição do Sistema Nacional de

Negociação Permanente do Governo Federal, a MNNP é formada por duas bancadas, sendo

uma governamental e a outra sindical, bem como pelo Observatório das Relações de Trabalho

na Administração Pública Federal. A Coordenação Executiva cabe à Secretaria de Recursos

Humanos do MPOG e cada bancada é coordenada por um representante eleito entre os seus

pares, sendo vedada qualquer interferência. A bancada governamental é composta pela

referida Secretaria de Recursos Humanos e pela representação dos órgão (s) e/ou ministério

(s), considerando a pertinência temática quanto ao objeto da negociação. Já a bancada sindical

é integrada por entidades representativas dos servidores públicos de âmbito geral, com

representação nacional e que reúnam o maior número de servidores do Poder Executivo

Federal. Junto ao Sistema, como órgão permanente e de relevância pública, atua também o

Observatório das Relações de Trabalho na Administração Pública Federal, para atuar como

observador, instância consultiva e moderadora nos eventuais conflitos oriundos das mesas de

negociação, analisar projeto de autorregulamentação de greve com vistas ao seu acolhimento

e desenvolver estudos e pesquisas na área das relações de trabalho no serviço público. O

Observatório tem composição plural de representantes da bancada sindical e do governo e por

membros da sociedade civil organizada.

A proposta, depois de definir a negociação coletiva como processo de

diálogo que se estabelece com vistas ao tratamento dos conflitos nas relações de trabalho,

indica os conteúdos possíveis de deliberação no âmbito da MNNP. Os conteúdos abrangem

condições de trabalho, política salarial, saúde, previdência, benefícios, direitos coletivos,

melhora do serviço público, plano de carreiras e necessidades funcionais coletivas. Como se

constata, o modelo de negociação coletiva proposto possui conteúdo bastante abrangente,

sugerindo a ideia de que toda e qualquer matéria pode ser objeto de apreciação pela Mesa, não

havendo, portanto, matérias em princípio excluídas da negociação. O anteprojeto contempla

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os objetivos da Mesa, que incluem o tratamento dos conflitos decorrentes das relações de

trabalho, a definição de procedimentos para explicitação dos conflitos e o estabelecimento de

compromissos em que as representações compartilhem a defesa do interesse público e que

propiciem a melhoria dos serviços públicos, tendo como premissa os princípios da

solidariedade e da cooperação. Além disso, na negociação é assegurada a liberdade de pauta,

o direito à apresentação formal de reivindicações, a fixação prévia de prazos e o acesso amplo

e irrestrito a procedimentos de defesa de direitos, interesses ou demandas.

O anteprojeto busca também definir ritos e procedimentos da Mesa

Nacional, que inclui a apresentação de pauta conjunta de reivindicações e temas para debate,

observância em relação às reivindicações dos ritos orçamentários e prazos legais, deliberação

em trinta dias sobre as reivindicações, manutenção de arquivo com a definição das

reivindicações e o respectivo andamento e competência do Presidente da República para

homologar ou aditar proposições apresentadas pelo Sistema Nacional de Negociação

Permanente. A Mesa Nacional é composta também por Comissões Temáticas para elaboração

de estudos, insumos científicos e subsídios aos debates e negociações. As três Comissões

Temáticas compreendem Comissão de Saúde, Previdência e Benefícios do Servidor,

Comissão do Orçamento e Comissão de Diretrizes das Carreiras. Estas Comissões são

integradas por profissionais com conhecimento na área temática, indicados pelas respectivas

bancadas de governo e sindical e pelo Observatório das Relações de Trabalho. O anteprojeto

prevê ainda a promoção de intercâmbios e parcerias com governos, entidades sindicais e

associações de outros entes e âmbitos, inclusive internacional e/ou estrangeiro.

Em relação ao anteprojeto que trata do afastamento de dirigente

sindical, a proposta dá nova redação ao artigo 92 da Lei nº 8.112/90 e inclui os artigos 92-A,

92-B, 92-C, 92-D e 92-E. O texto trata de modo minucioso a respeito do afastamento de

servidores públicos para o exercício de mandado junto a entidades de classe ou fiscalizadoras

de exercício profissional, especificando o número de dirigentes liberados, considerando a

dimensão do número de cargos da categoria e o número total de associados nas bases das

entidades filiadas. Dispõe também sobre os requisitos para autorização do funcionamento,

seja em relação à entidade, que deve estar registrada no registro competente e ter por objetivo

a representação de servidores do Poder Executivo Federal ou a fiscalização profissional de

categorias do serviço público federal, seja no tocante ao servidor, que deve ser estável e ter

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sido eleito e empossado no cargo de direção da entidade. Estabelece também que o servidor

afastado perceberá remuneração integral, não pode ser exonerado, continuará contribuindo

para o regime previdenciário do servidor público e o período de afastamento será considerado

de efetivo exercício.

Examinadas as principais propostas de regulamentação,

compreendidas como direito em expectativa, impõe-se reconhecer a relevância e a urgência

das propostas de regulamentação, sobretudo por decorrerem mais de vinte anos desde a

promulgação da CF, que reconheceu os direitos coletivos dos funcionários públicos. No

entanto, apesar do amplo debate em torno da matéria, constata-se a configuração de um

impasse, impedindo assim a evolução nas tratativas no tocante à institucionalização da

negociação coletiva. Com o impasse, os trabalhadores ficam privados de instrumentos e

procedimentos para canalização de suas reivindicações, o governo brasileiro fica sujeito a

sanções da comunidade internacional por falta de adequação da legislação e de suas práticas à

Convenção nº 151 e fica prejudicada também a sociedade pela falta de meios para solucionar

as greves que se generalizam e se arrastam indefinidamente, com potencialidade de causar

danos aos serviços públicos, inclusive nas atividades essenciais. Dada a experiência já

consolidada na Espanha, mostra-se adequado conhecer e refletir sobre o processo

desenvolvido naquele país que culminou com a institucionalização e regulamentação da

efetiva participação dos servidores na determinação de suas condições de trabalho. Este será o

objeto da terceira parte desta investigação.

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123

PARTE III

SISTEMA ESPANHOL DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA:

EFICÁCIA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS

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6 FUNÇÃO PÚBLICA E NEGOCIAÇÃO COLETIVA: TENDÊNCIA À

HOMOGENEIZAÇÃO DOS REGIMES JURÍDICOS LABORAL E

FUNCIONARIAL

Nesta parte da investigação são aportados alguns parâmetros acerca da

conformação da função pública na Espanha, a partir de uma perspectiva constitucional e legal,

buscando traçar as linhas evolutivas de distinção e aproximação dos regimes de trabalho

público e privado. Para tanto, faz-se necessário um breve escorço histórico sobre sua

normatização, apontando os principais instrumentos que regularam a matéria. Importante

também examinar o modelo de função pública que emergiu da Constituição de 1978, cuja

compreensão passa pela análise de alguns pronunciamentos específicos do Tribunal

Constitucional. O objetivo é demonstrar a necessidade de revisão das bases jurisprudenciais

sobre a temática, indicando alguns elementos que contribuam para a mudança do paradigma

hermenêutico, de modo que se conceba um novo modelo de função pública, capaz de ajustar-

se e corresponder às novas exigências históricas, à luz dos novos princípios e valores

consagrados na Constituição de 1978.

Identificadas as bases constitucionais da nova função pública, será

verificado de que forma a evolução legislativa está caminhando no sentido do progressivo e

inevitável processo de aproximação entre os regimes jurídicos laboral e funcionarial. A

análise será feita considerando o impacto provocado pelas Leis nºs 30/1984 (Medidas para la

Reforma de la Función Pública), 11/1985 (Libertad Sindical), 9/1987 (Órganos de

Representación, Determinación de las Condiciones de Trabajo y Participación del Personal al

Servicio de las Administraciones Públicas), 7/1990 (Negociación Colectiva y Participación en

la Determinación de las Condiciones de Trabajo de los Empleados Públicos) e 7/2007

(Estatuto Básico del Empleado Público). Na parte reservada ao estudo específico da

negociação coletiva, retomam-se os estudos desses marcos normativos, identificando a

contribuição deles para a construção do modelo atual de relações coletivas de trabalho na

função pública. Na parte final, examinam-se os efeitos da introdução da negociação coletiva

sobre o modelo de função pública e especialmente sua virtualidade e eficácia no sentido da

assimilação dos regimes laboral e funcionarial.

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125

O estudo do sistema adotado na Espanha constitui paradigma

importante para a compreensão dos problemas e dificuldades para incorporação da prática

da negociação coletiva na função pública no Brasil. Conforme se verá adiante, naquele país

igualmente foram opostos óbices normativos, doutrinários e jurisprudenciais ao

reconhecimento do direito de negociação coletiva, tendo o TC rechaçado essa

possibilidade, mas progressivamente fez evoluir sua jurisprudência, embora ainda com

algumas limitações, no sentido do reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários,

incluído o direito à negociação. Em face da semelhança dos contornos jurídicos conferidos

ao tema entre os dois países, mostra-se relevante e pertinente a abordagem. A análise dos

dois sistemas não envolve propriamente um estudo de direito comparado, na medida em

que almeja tão-somente realçar seus pontos de aproximação e de divergência, verificando

tanto a evolução dos debates como a possibilidade de aproveitamento pedagógico do

desenvolvimento observado no modelo espanhol.

6.1 MARCOS NORMATIVOS HISTÓRICOS. SUPERAÇÃO PROGRESSIVA DA

UNILATERALIDADE

Assim como no Brasil, a Espanha demorou a reconhecer o direito de

negociação coletiva dos funcionários. Essa recusa inicial deu-se em grande medida à

concepção não contratual de função pública. Essa base teórica remonta às iniciativas de

fixação das bases do serviço público. O modelo espanhol, tal como o modelo brasileiro, foi

fortemente influenciado pela experiência histórica francesa, que estabeleceu os primeiros

contornos desse regime. Na França, deve-se a Napoleão a ideia de criação de um conjunto de

órgãos permanentes e hierarquizados, dotados de estatutos singulares, seguindo o exemplo das

carreiras militares. Em torno desse modelo construiu-se um direito próprio, com um conjunto

de princípios e garantias para os funcionários, configurando-a como relação não contratual,

estatutária, suscetível de ser modificada unilateralmente pela Administração Pública, com o

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pressuposto de que os direitos e obrigações dos funcionários são fixados em função das

necessidades do serviço.107

Visão retrospectiva conduz à conclusão de que o sistema espanhol de

função pública vem evoluindo de um modelo fechado para um modelo aberto, que a doutrina

tradicional denomina privatización, laboralización ou despublificación.108

No entanto,

conforme se verá adiante, essa transição ainda não se aperfeiçoou, na medida em que o atual

regime oferece severas limitações à configuração de um modelo contratual, especialmente

quanto à efetiva participação dos funcionários na determinação de suas condições de trabalho.

O modelo em vigor é fruto de uma longa evolução histórica, conformada pelas opções

políticas vitoriosas em cada momento concreto. Essa evolução tem início na metade do

Século XIX e chega até a recente Lei nº 7/2007, que “tiene por objeto establecer las bases del

régimen estatutario de los funcionarios públicos incluidos en su ámbito de aplicación”.

O primeiro instrumento legal a dispor sobre a matéria, que teve a

virtude de promover a passagem de uma concepção de funcionário do absolutismo para o

funcionário liberal, foi o Real Decreto de 17 de fevereiro de 1827 (Estatuto de López

Ballesteros). Esse documento foi sucedido pelo Estatuto de Bravo Murillo, de 18 de julho de

1852, que buscou sistematizar em um conjunto normativo o regime jurídico dos funcionários

públicos. Dele resultou a conformação de um modelo distinto de regulação das condições de

trabalho dos funcionários públicos em relação aos demais trabalhadores privados. Com o Real

Decreto de 4 de março de 1866, é aprovado o Regulamento Orgânico das Carreiras Civis da

Administração Pública (Estatuto de O’Donnell), que promoveu mudanças pontuais e na

essência seguiu os aspectos gerais definidos no Estatuto de Bravo Murillo. O Real Decreto de

7 de setembro de 1918, aprovou a Ley de Bases de los Funcionarios del Estado, de 22 de

julho (Estatuto de Maura). Estavam então consagrados “los elementos cardinales de un

sistema de función pública”, que, segundo a doutrina tradicional, teve a vantagem de

assegurar hierarquia, disciplina, imparcialidade, objetividade e especialização de funções.109

107 Uma visão histórica da evolução do regime jurídico de função pública na Espanha encontra-se em PARADA

VÁZQUEZ. Derecho Administrativo II. Organización y empleo público, 2005, p. 437-471; PALOMAR OLMEDA. Derecho de la función pública. Régimen jurídico de los funcionarios públicos, 2003, p. 161-222; ARENILLA SÁEZ. La negociación colectiva de los funcionarios, 1993, p. 121-124.

108 PARADA VÁZQUEZ. Derecho Administrativo II. Organización y empleo pública, 2005, p. 467. 109 PARADA VÁZQUEZ. Derecho Administrativo II. Organización y empleo público, 2005, p. 467-468.

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Com o novo perfil social e econômico do Estado, decorrente da

assunção de novos e variados serviços antes entregues à iniciativa privada, tornou-se urgente

na Espanha a necessidade de reformulação da Administração Pública. Com o Decreto 315, de

7 de fevereiro de 1964, que aprova a Ley articulada de Funcionarios Civiles del Estado,

criou-se um regime próprio para a função pública, distinto do regime jurídico aplicável aos

demais trabalhadores, dispondo expressamente que a relação jurídica sujeitava-se ao Direito

Administrativo. Este instrumento normativo, ao tempo em que consagrou a concepção não

contratual, desde já sinalizou no sentido do abandono da concepção clássica, iniciando seu

processo de “desvirtualización”.110

Na Espanha, a descaracterização do modelo tradicional pode ser

constatada em vários aspectos, mas para o objeto desta análise destaca-se o rompimento da

exclusividade do sistema de função pública. Assim, reconhece-se a possibilidade de

coexistência do regime jurídico público com outras formas de vinculação de pessoal com a

Administração, surgindo em consequência os funcionários eventuais ou de confiança política,

os contratados sob o regime de Direito Administrativo e os sujeitos ao regime laboral. Essa

regulação implica uma nova conformação da função pública, na medida em que admite a

coexistência de dois regimes jurídicos distintos, a saber, um de Direito Público e outro de

Direito Privado, mas para a disciplina da mesma prestação de serviços à Administração

Pública, demonstrando assim que as diferenças entre os dois modelos não estão na forma de

execução do trabalho, mas no plano meramente normativo. A coexistência dos dois modelos

permitirá a aproximação dos dois regimes jurídicos, inclusive em relação ao reconhecimento

dos direitos coletivos dos funcionários e à participação destes na elaboração das normas que

regularão as condições de trabalho.

No tocante à negociação coletiva dos funcionários públicos, o estudo

das relações coletivas de trabalho na Espanha mostra interessante processo em que, no lapso

de apenas uma década após o final da ditadura de Franco, evolui-se do modelo unilateralista e

autoritário para frutífero esforço de democratização e participação na fixação das normas na

função pública. No Brasil, no entanto, essa evolução tem sido extremamente lenta e penosa,

110 PARADA VÁZQUEZ. Derecho Administrativo II. Organización y empleo público, 2005, p. 447-448

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128

haja vista que, decorridos mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal de

1988, ainda subsiste o modelo autoritário de função pública, continuando os funcionários sem

o direito à participação na determinação de suas condições de trabalho.

Na Espanha, no começo do século XX, podem ser constatados alguns

canais, bastante frágeis, de interlocução entre a Administração e os funcionários, instituídos

por decretos reais que previam procedimentos de informação, coleta de propostas e realização

de consultas como antecedentes da fixação de regras relativas à função pública. Entre a

proclamação do regime republicano e a vitória das forças franquistas houve efêmero

incremento da participação de representantes eleitos pelos funcionários em órgãos instituídos

com essa finalidade, a maioria dos quais seria suspensa ou dissolvida com a derrota dos

republicanos. A proibição de se formarem sindicatos de funcionários públicos foi imposta por

decreto de janeiro de 1936 e, durante a longa ditadura de Franco, esta vedação foi mantida,

sendo que, ainda no ano de 1971, a Lei Sindical reafirmava a restrição à liberdade sindical dos

trabalhadores da Administração Pública. “En los últimos años de la época franquista, no solo

no podía apreciarse una mínima manifestación de libertad sindical, sino que en lo que a los

funcionarios se refiere, por no existir, no exístia ni la posibilidad de sindicarse en el particular

sistema sindical entonces vigente”.111

Em 1976, foi regulamentada a associação profissional dos

funcionários civis do Estado e a participação destes nos órgãos de regulação e gestão de

pessoal, o que se fez através dos Reais Decretos nº 1839/1976 e 3006/1976. “Las regulacionas

contenidas en las normas estaban muy lejos de identificar una situación de libertad sindical, y

en general, de reconocimiento de los derechos colectivos de los funcionarios”.112 Essas

normas não alcançaram eficácia, uma vez que, por seu caráter de tutela do Estado sobre as

organizações representativas dos funcionários, foram por estes rechaçadas, reclamando-se o

reconhecimento de autêntica liberdade sindical.

Por sua vez, já no ano de 1977, o Decreto Real 1522, de 17 de junho,

estabeleceu normas sobre o exercício da atividade sindical na função pública. Entre outros

111 GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 53. 112 GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 56.

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129

aspectos, dispôs que as organizações sindicais poderiam participar na determinação de suas

condições de trabalho por meio de procedimentos de consulta e colaboração. “La

característica más importante de esta nueva regulación estriba en el acercamiento del régimen

jurídico del derecho de asociación sindical de los empleados públicos a la normativa del

sector privado”.113 Porém, por ausência da regulação dos procedimentos que instituiu,

manteve-se inacessível para os funcionários a sua efetivação. No ano seguinte foi promulgada

a nova Constituição, que provocou profundas modificações no tratamento da matéria ao

proclamar os direitos coletivos dos funcionários públicos.

O breve escorço histórico até aqui realizado indica desde já que na

Espanha paulatinamente o sistema de função pública há muito vem abandonando o parâmetro

clássico baseado na natureza unilateral, estatutária e não contratual. Desse modo, cumpre

verificar o impacto sobre a matéria provocado pelo advento da Constituição de 1978 e de que

forma a jurisprudência vinculou-se àqueles padrões que davam sinais de esgotamento. Essa

análise demonstrará que na Espanha, do mesmo modo que viria depois a ocorrer no Brasil,

prevaleceu a força da tradição jurídica e a prática da interpretação retrospectiva, com a

reafirmação pelos tribunais dos dois países de velhos padrões que a instituição de um Estado

Democrático de Direito, tanto no Brasil, como na Espanha, pretendeu superar. A abordagem

será realizada no tópico subsequente, cujos estudos indicarão de que forma as primeiras

interpretações constitucionais levadas a efeito pelo TC e pelo STF no Brasil aproximam-se e

conduzem à concepção unilateral de função pública e à restrição do exercício dos direitos

coletivos pelos funcionários públicos.

6.2 JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL: INTERPRETAÇÃO ORIENTADA

PELA UNILATERALIDADE

113 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 90.

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130

O estudo do modelo de função pública contemporâneo envolve

necessariamente a análise do sistema concebido pela Constituição da Espanha de 1978.

Predomina o entendimento de que o constituinte originário optou por determinado regime de

função pública. Essa visão decorre de uma interpretação isolada do artigo 103.3 CE quando

este se refere ao estatuto dos funcionários públicos, supondo assim que as normas que

regulam as condições de trabalho devem estar definidas de forma unilateral pelos poderes

públicos, sem admitir qualquer participação do conjunto dos funcionários. Dessa interpretação

resulta uma concepção tradicional de função pública, considerando-a verdadeira instituição,

dotada de certas características essenciais, não sujeitas à conformação do legislador ordinário

e impermeáveis à negociação coletiva. Desse modo, reconhecida a existência de um núcleo

básico e essencial, há o acolhimento de um modelo único de função pública. Nesse modelo

não existe espaço para a participação dos funcionários na definição de suas condições de

trabalho e estaria comprometido o exercício dos seus direitos coletivos.

O objeto da investigação aqui é verificar se o constituinte originário

espanhol definiu um único modelo de função pública ou se houve abertura para a construção

flexível de um regime jurídico aplicável aos funcionários que pudesse variar no tempo,

ajustando-se às circunstâncias históricas determinadas pela correlação das forças políticas e

pelas exigências de cada momento concreto. Desconsiderando outros princípios e valores

consagrados constitucionalmente, a jurisprudência tem invocado de forma isolada o artigo

103.3, que estabelece que “la ley regulará el estatuto de los funcionarios públicos”,

concluindo que a expressa referência ao termo “estatuto” indica uma clara opção

constitucional pelo regime estatutário, unilateral, não contratual. E este pressuposto servirá de

fundamento para vincular o regime dos funcionários à visão clássica de função pública. Nesse

aspecto, chama atenção a lógica semelhante adotada pelo STF no julgamento da ADIn 492-

DF. Dez anos após a decisão do TC, o STF invoca os mesmos fundamentos para negar o

direito de negociação, sustentando que o vínculo jurídico é de direito público, de regência

unilateral e consolidada em um estatuto, o que afasta a equiparação entre os trabalhadores

público e privado e assim impossibilita que os servidores interferiram nos rumos da relação de

trabalho que mantém com o Estado.

Na Espanha, preso a essa concepção clássica, considerando

isoladamente as bases fixadas pelo artigo 103.3 CE e decidindo em conflito de competência

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131

que envolve a competência do Estado para definir as bases do regime jurídico dos

funcionários públicos e por consequência a obrigação da Comunidade Autônoma submeter-se

a esse regime, o TC adota como ponto de partida para sua argumentação a existência na

Constituição de 1978 de uma relação estatutária que vincula o funcionário à Administração

Pública. Na ocasião, o TC acolheu a concepção clássica ao consagrar na Sentença do Tribunal

Constitucional (STC) nº 57/1982, de 27 de julho, que uma das características da relação de

função pública é sua natureza estatutária, estando definida inteira e unilateralmente por textos

legais e regulamentares, com as seguintes consequências:

1) poder ser modificado el estatuto funcionarial todo momento, sin que, por tanto, tengan los funcionarios públicos derecho alguno adquirido al mantenimiento de aquél; 2) estar la situación de los funcionarios fijada de manera general e impersonal por los textos, y carecer, pues, de valor un convenio que se celebrara entre la Administración y sus funcionarios; y 3) ser el acto de nombramiento, que determina la incorporación a la relación de servicios (sin perjuicio de la posibilidad de no aceptación por el funcionario), un acto de autoridad, no contractual.

Interessante observar que o STF, ao decidir a ADIn 492-DF,

praticamente adota as mesmas razões de decidir, resultando claro que os dois tribunais partem

das mesmas bases teóricas, sujeitam-se à mesma lógica e chegam à conclusão idêntica quanto

à recusa ao reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários públicos.

Esse mesmo entendimento foi reafirmado na STC 99/1987, de 11 de

junho, ao decidir o TC sobre algumas normas da Lei nº 30/1984 (LMRFP- Lei de Medidas de

Reforma da Função Pública). Interpretou o Alto Tribunal que a Constituição de 1978 elegeu

claramente o regime estatutário, compreendendo-o explicitamente como sujeito aos contornos

conferidos pelo modelo unilateral, expressando que optou “la Constitución por un régimen

estatutario, con carácter general, para los servidores públicos (artigos 103.3 y 149.1.18).” O

sentido e conteúdo do regime jurídico são definidos de forma categórica pelo TC a partir da

concepção clássica de função pública, compreendendo que

el funcionario que ingresa al servicio de la Administración Pública se coloca en una situación objetiva, definida legal y reglamentariamente y, por ello, modificable por uno u otro instrumento normativo de acuerdo con los principios de reserva de ley y de legalidad, sin que, consecuentemente,

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pueda exigir que la situación estatutaria quede congelada en los términos en que se hallaba regulada al tiempo de su ingreso, o que se mantenga la situación administrativa que se está disfrutando o bien, en fin, que el derecho a pensión, causado por el funcionario, no pueda ser incompatibilizado por ley, en orden a su disfrute por sus beneficiarios, en atención a razonables y justificadas circunstancias, porque ello se integra en las determinaciones unilaterales lícitas del legislador, al margen de la voluntad de quien entra al servicio de la Administración, quien, al hacerlo, acepta el régimen que configura la relación estatutaria funcionarial.

Essa conclusão a que chegou o TC é reflexo de uma leitura apressada,

estanque, do artigo 103.3, que conduz inevitavelmente à ideia da existência de uma

supremacia especial na função pública, contida num estatuto inteiramente peculiar, baseado

na concepção clássica. Esta leitura desconhece a experiência histórica e desconsidera que a

visão tradicional “estaba decididamente influida por el principio de obediencia, el ejercicio de

la autoridad y el pleno sometimiento político a la idea del Estado, contemplado este desde una

perspectiva autoritaria”.114 Na realidade, essa posição do TC desconhece os diversos

elementos contidos no texto constitucional que, não apenas buscou construir uma nova

Administração Pública, mas igualmente objetivou configurar um novo tipo de Estado.

Portanto, a correção dessa perspectiva somente se torna possível considerando o novo

desenho constitucional inaugurado na Espanha a partir de 1978. No mesmo sentido, faltou

também ao STF, no julgamento paradigmático referido, a compreensão da ruptura com os

padrões constitucionais anteriores e o surgimento de um novo modelo de Estado e de

Administração Pública determinado pela Constituição Federal de 1988.

6.3 SISTEMA CONSTITUCIONAL: CONFORMAÇÃO INTERPRETATIVA DA

CONTRATUALIDADE

Na Espanha, assim como deveria ter ocorrido no Brasil, a

interpretação do sistema constitucional haveria de se realizar no sentido e em conformidade

114 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 44.

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133

com o novo modelo de Estado e de função pública que a nova ordem constitucional buscou

concretizar. Essa é uma decorrência da mudança absoluta e transcendental operada sobre a

tradição constitucional, na medida em que “la Constitución ha operado em nuestro sistema

normativo y judicial una verdadera revolución jurídica de uma extraordinária

significación”.115 Isso porque, no novo desenho constitucional, a função pública não pode ser

compreendida segundo o paradigma anterior, na medida em que “Este régimen de prestación

de servicios no há podido quedar al margen de las modificaciones operadas por la norma

fundamental”.116 Importa compreendê-la a partir dos novos parâmetros fixados pela

Constituição de 1978, ao estabelecer que o regime jurídico dos funcionários está orientado

pela consagração constitucional de um Estado Social e Democrático de Direito (artigo 1º) e

pelo reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários (artigos 28 e 37).

Na Espanha, definido o Estado como “social y democrático de

direito”, observa Luis Ortega que “Ello arrastra consigo toda la serie de contenidos insertos en

conceptos, tales como “Estado social”, “Estado democrático” y “Estado de Derecho”,

contenido que, a su vez, deben ser interpretados en función del concepto integrador que

resulta de su enunciación conjunta.”117 Uma das consequências dessa interpretação

integradora radica no exercício equilibrado entre poder e direitos e liberdades, de tal sorte que

“el Estado exista y actúe sin necessidad de lesionar o menoscabar estas garantias y derechos”

e assim “la Administratición se presente ante la sociedad como una organización que tienda a

integrar en su actuación las voluntades plurales y participativas de los ciudadanos”118.

Portanto, resulta incompatível com esse modelo de Estado a ideia de regulação autoritária da

função pública.

Ademais, na Espanha, ao buscar a edificação de um Estado Social e

Democrático de Direito, a ordem constitucional espanhola atribui ampla margem de

discricionariedade para que cada vertente política ao assumir o poder possa desenvolver um

programa amplo e variado, segundo as múltiplas possibilidades e de acordo com os marcos

definidos constitucionalmente. Isso significa que não há um modelo determinado e exclusivo

de função pública, daí por que ele pode ser conformado segundo a opção política vitoriosa em 115 GARCÍA DE ENTERRÍA; FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ. Curso de Derecho Administrativo I, 2005, p. 113. 116 GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 42. 117 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 44. 118 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 45.

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cada momento concreto. Semelhante fenômeno se dá em relação ao Brasil, porquanto a

construção de um Estado Democrático de Direito deve ser compreendida como uma obra

coletiva e sujeita a diversas possibilidades, que se ajusta à evolução da vida social e política,

compatibiliza a lei com a autonomia coletiva e instrumentaliza mecanismos de participação

ativa dos funcionários nos rumos da Administração, permitindo a oxigenação dessa através

das idéias, informações e pretensões entre ela e o seu corpo funcional.119

De fato, não tem sentido a adoção de um determinado e invariável

modelo, incapaz de ser conformado pelo legislador ordinário, segundo as opções políticas da

sociedade e em consonância com as novas exigências históricas.120 Pode-se então concluir que

não há no texto constitucional espanhol, assim como também não existe no texto

constitucional brasileiro, sequer a preferência por um determinado regime jurídico aplicável

aos funcionários, muito menos opção prévia pelo modelo clássico. Inexistindo um modelo

imutável de função pública, cabe ao legislador fazer sua conformação, sujeitando-se às bases

jurídicas fixadas constitucionalmente.121 Na realidade, a Constituição limita-se a referir à

existência de um estatuto sujeito ao princípio da reserva da lei, conferindo assim abertura ao

legislador ordinário para, atendendo às circunstâncias históricas, fixar através de normas

legais seu conteúdo concreto. Exatamente por isso

el texto constitucional no hace alusión a todas las materias que han de constituir ese estatuto y, ni muchísimo menos, al sentido en el que an de venir reguladas cada una de las instituciones básicas que lo compongan, lo cual permitirá eventualmente un importante grado de acercamiento hacia el Derecho laboral.122

Outro aspecto a considerar é que o TC, nas Sentenças do Tribunal

Constitucional (SSTC) nº 57/1982 e 99/1987, ao definir o regime jurídico dos funcionários

como estatutário e unilateral, optando pelo modelo clássico de função pública, fê-lo numa

interpretação retrospectiva, considerando os velhos paradigmas doutrinários e

jurisprudenciais, procedimento este semelhante àquele adotado pelo STF no julgamento da

ADIn 492-DF. Decidindo assim, o TC trilha o caminho do artigo 103.3, ao estabelecer que

119

DEMARI. Negociação coletiva no serviço público, 2007, p. 95. 120

CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 263. 121 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001 p. 270. 122 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 273.

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“La ley regulará el estatuto de los funcionarios públicos...”, compreendeu a função pública

como uma garantia institucional. Esse entendimento estaria vinculado à convicção de que a

mesma é concebida

como institución de Derecho público que debe preservarse en sus rasgos fundamentales (profesionalidad, regulación mediante normas generales, jerarquización, etc), de tal manera que permita reconocer su esencia y su status. Esta garantía se traduciría en la existencia de unos contenidos materiales que sería necesario mantener para preservar la Función Pública según la opción constitucional por el régimen estatutario al que ha hecho referencia el Tribunal Constitucional.123

Na Espanha, assim como no Brasil, parte da doutrina compreende a

função pública como autêntica instituição dotada de especial garantia. O termo traduz a ideia

de assegurar a permanência da instituição, impedindo eventual supressão ou

descaracterização, com o objetivo de preservar o mínimo de substantividade ou

essencialidade, que compreende precisamente o núcleo que não deve ser atingido nem

violado, o que se ocorresse implicaria o desaparecimento ou esfacelamento da instituição que

goza de proteção constitucional.124 A garantia institucional, portanto, tem a finalidade de

resguardar seu mínimo intangível, sua essência, de sorte a evitar sua modificação, erosão,

desnaturação ou esvaziamento, o que corresponderia mesmo à sua destruição completa e

existencial.

Ocorre que, ainda que se reconheça a existência dessas garantias

institucionais, não parece legítimo invocá-las em caráter absoluto, com total supremacia, a

pretexto de justificação de razões de Estado. Concluir diferentemente é admitir a precedência

das garantias institucionais sobre os demais direitos e garantias fundamentais. No ponto

específico, sob o argumento de tutela da função pública, é possível o sacrifício dos direitos

coletivos dos funcionários publicos, favorecendo-se a supremacia abusiva do Estado. O valor

e o sentido que lhes são atribuídos sujeitam-se a variações temporais, de modo a conformar-se

com as determinações históricas de cada momento concreto. Parece claro que deve variar no

tempo o grau, a extensão e a profundidade da segurança que é proporcionada. Ademais, não

123 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 274-

275. 124 Teoria constitucional das garantias institucionais foi sistematizada por BONAVIDES. Curso de Direito

Constitucional, 2000, p. 491-500.

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se pode entender a função pública nos termos e sob os condicionamentos fixados por antigas

concepções de Estado. O perfil autoritário que envolve o modelo clássico, com inspiração

política e filosófica já inteiramente superada, não pode subsistir num cenário em que a nova

ordem constitucional desloca o eixo do poder, transferindo-o do Estado para a sociedade, com

o reconhecimento do protagonismo de outros núcleos de poder.

Assim percebida a garantia institucional, o problema suscita outros

questionamentos para os quais não são apresentadas respostas satisfatórias. A questão

principal é definir o alcance e extensão da competência conferida ao legislador ordinário para

configurar o conteúdo do regime jurídico dos funcionários. Entender a função pública como

instituição garantida constitucionalmente suscita complexas questões, como a identificação do

núcleo básico ou conteúdo mínimo que a constitui, se na essência da instituição está

concebida a ideia de determinação unilateral das condições de trabalho e da identificação dos

interesses dos funcionários com os da Administração e envolve também o efeito sobre a

instituição o reconhecimento constitucional dos direitos coletivos dos funcionários.125

Colocadas essas questões, parece impossível insistir na ideia de existência de um núcleo

essencial ou conteúdo mínimo que esteja excluído da conformação do legislador ordinário.

Assim, conclui-se que “Las pruebas de la inexistencia de una garantía institucional de la

Función Pública resultan, pues, paladinas.”126

De mais a mais, a denominação “estatuto de los funcionarios

públicos” não significa que exista no texto constitucional uma prévia determinação ou

preferência por qualquer modelo de função pública. Na realidade, o termo “estatuto” não tem

sentido unívoco, constituindo expressão plurívoca, com textura aberta, com amplas margens

de densificação, de modo a comportar diversas possibilidades interpretativas e assim sujeita à

conformação discricionária pelo legislador ordinário. Não se trata, por certo, de uma

conformação inteiramente livre, na medida em que a própria Constituição da Espanha já

estabelece alguns parâmetros, mas não se pode deixar de reconhecer a evolução progressiva

do sentido e alcance da expressão. O contexto histórico atual é inteiramente distinto daquele

no qual se forjou o modelo clássico e isso impede que a Constituição seja interpretada pelo

125 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 275-

277. 126 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 277.

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contexto já superado. Nesse aspecto, a solução dada pelo TC assemelha-se à decisão que dez

anos depois veio a ser adotada no Brasil, quando o STF julgou procedente a ADIn 492-DF,

negando aos servidores o direito à negociação coletiva.

De outro modo, reconhecidos aos funcionários determinados direitos

coletivos, como o direito de sindicalização (artigo 28.1) e o direito de greve (artigo 28.2),

além de outros direitos e liberdades que lhes são aplicáveis, isso importa necessariamente a

reformulação do conceito de função pública. Em certas circunstâncias é possível atenuar ou

restringir os direitos coletivos dos funcionários, desde que não alcance seu conteúdo essencial

(artigo 53 CE), daí resultando igualmente que a presença desses direitos coletivos tem

também o efeito de atenuar ou restringir o modelo de função pública.127 Logo, se a

Constituição “recoge y ampara sin distinción alguna ciertos derechos individuales y

colectivos, hay que concluir que, en coherencia con el principio democrático, debe tenderse a

la expansión de las consecuencias de estos derechos.”128 O acórdão do STF na ADIn nº 492-

DF, nesse ponto, sequer discute a questão do direito à sindicalização e à greve que a

Constituição Federal assegura aos servidores, indicando que os tribunais dos dois países não

compreenderam a mudança significativa operada na ordem constitucional em decorrência do

reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários.

Impõe-se então considerar que a proclamação dos direitos coletivos

dos funcionários produz amplas e profundas mudanças na função pública, de tal modo que o

seu regime não pode ser concebido tal como era visto antes da Constituição. E uma das

consequências reside no fato de que

la unilateralidad que ha caracterizado tradicionalmente a la relación estatutaria debe quedar desprovista de sus tintes autoritarios. La revisión del modelo estatutario debe dejar paso a la autonomía colectiva, y la participación a través de un sistema de negociación peculiar debe tender a ser tan eficaz como la que existe en el ámbito de las relaciones laborales privadas.129

127 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 47. 128 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 50. 129 GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 47-48.

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Percebe-se claramente que esses mesmos fundamentos poderiam ter

sido adotados no Brasil para o reconhecimento de modo direto e imediato do direito à

negociação coletiva entre os funcionários públicos e o Estado.

O efeito daí decorrente é que o sistema de função pública deve-se

ajustar de forma que os direitos coletivos dos funcionários resultem eficazes e para tanto não

há como deixar de reconhecer a ocorrência de uma substancial erosão dos seus princípios

específicos. Nesse sentido, observa-se que esses direitos não se harmonizam com a relação de

supremacia e com o viés autoritário que marca a visão tradicional de função pública, exigindo

assim uma harmonização entre o modelo de função pública e o exercício dos direitos

coletivos. Os parâmetros para a harmonização são proporcionados pela própria Constituição,

na medida em que admite peculiaridades para o exercício dos direitos coletivos.

Evidentemente não se cogita do reconhecimento de direito absoluto para os funcionários, na

medida em que há limites impostos por outros direitos e bens constitucionais, assim como

pelos limites impostos que decorrem da consecução dos fins a que está obrigada a

Administração Pública, que compreendem a tutela dos interesses gerais (artigo 103.1), cujo

conceito e alcance são definidos pela própria Constituição.130

Esses aspectos conduzem à conclusão de que o artigo 103.3 CE não

pode ser interpretado de forma isolada. Na realidade, interpretação sistemática da

Constituição, especialmente pela consagração do Estado Social e Democrático de Direito e o

reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários, assim como pelo reconhecimento de

outros princípios e valores constitucionais, implica inexoravelmente na prevalência da

natureza contratual da função pública. De fato,

es preciso partir de una visión global, del conjunto de derechos aplicables (...) que reconoce el texto constitucional en el marco del nuevo modelo de Estado social y democrático que se instaura. Se impone, pues, realizar también una interpretación sistemática de la Constitución que no tenga en cuenta únicamente el artigo 103.3, sino también su conexión con otros preceptos y con importantes valores y principios que aparecen consagrados en el texto constitucional.131

130 GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 48. 131 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001, p. 283-

284.

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139

Conclui-se então que a Constituição de 1978 determinou a superação

do modelo clássico de função pública. No novo desenho constitucional há uma clara

aproximação entre os regimes dos funcionários públicos e dos trabalhadores privados, de

modo que existe uma interdependência e influência recíproca entre categorias jurídicas típicas

de um e de outro regime.132

Por tudo isso, o regime público está condicionado pela incorporação

dos direitos coletivos do artigo 28.1 CE, devendo ajustar-se de modo que esses direitos

estejam preservados no seu conteúdo essencial e resultem plenamente eficazes. Assim, não há

como compreender o novo regime jurídico dos funcionários sem a aceitação plena e integral

da coexistência do direito à deflação de conflitos coletivos e também do direito à negociação

coletiva como meio para solucioná-los. Resulta, portanto, inevitável a consolidação da

natureza contratual da função pública, que melhor se ajusta ao cumprimento dos objetivos

almejados pela Administração Pública e responde ao reconhecimento da existência de

interesses contrapostos entre os funcionários e a organização à qual prestam serviços, tudo

isso implicando a “privatización de la relación de empleo público”, uma decorrência da

“penetración del Derecho del trabajo en la Función pública”.133 Desse modo, “la concepción

autoritaria e imperativa de la Administración está sendo sustituida por la introducción de

procedimientos de participación y de negociación incluso en el nivel de la formación de las

normas.”134

Logo, a interpretação levada a efeito pelo TC desconhece as

consequências que a aproximação entre os dois regimes jurídicos exerce sobre o modelo de

conformação da função pública. Nesse novo contexto,

132 Com razão conclui ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto

básico, 2008, p. 58-59 que “la interpretación jurisprudencial deve laborizarse, entender que la negociación colectiva es, hoy, una pieza más del sistema que debe encajar en el mismo y que por esso, construcciones laboradas cuando esa pieza no formaba parte del sistema, no son ya actuales ni admisibles. En definitiva, no puede hacerse una interpretación tan rígida del Estatuto de los Empleados Públicos que lleve a olvidar que la negociación colectiva es un derecho que también forma parte de ese Estatuto.”

133 BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 38. 134 BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 43.

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el innegable proceso de acercamiento de trabajadores y funcionarios supone también la obsolescencia de esa interpretación inicial dominante de la Constitución como consagración y fortalecimiento del modelo tradicional de la Función Pública, como “mundo aparte” del trabajo privado. La Constitución también puede ser entendida como un marco que establece nuevos principios, objetivos y métodos para la corrección y revisión de ese modelo tradicional.135

Em conclusão, deve a jurisprudência constitucional espanhola, assim

como a jurisprudência constitucional brasileira, evoluir no sentido de afastar o caráter

autoritário, unilateral e não contratual do regime de função pública, reconhecendo a tendência

em direção à sua contratualização, laboralização e regulação homogênea das condições de

trabalho, embora preservadas algumas especialidades, potencializando os direitos coletivos

dos funcionários e proclamando a negociação coletiva como integrante do conteúdo essencial

da liberdade sindical dos funcionários, assegurando-lhe sobretudo a eficácia jurídica dos

instrumentos normativos resultantes. Diante dessa perspectiva, faz-se necessário analisar a

tendência à homogeneização dos regimes jurídicos, seguindo a apreciação do impacto que sua

regulação conjunta na Lei nº 7/2007 (EBEP) provocou na negociação coletiva dos

funcionários públicos.

6.4 TENDÊNCIA À HOMOGENEIZAÇÃO DOS REGIMES JURÍDICOS LABORAL

E FUNCIONARIAL

Pretende-se aqui captar o movimento na Espanha no sentido da

progressiva e inexorável aproximação dos regimes laboral e funcionarial. A possibilidade

dessa tendência de homogeneização foi inicialmente negada ante a circunstância de a

Constituição de 1978 indicar a existência de estatutos jurídicos distintos para regular o

trabalho prestado sob o regime de Direito Público ou sob o regime de Direito Privado (CE,

artigos 103.3 e 35.2). A previsão desses “estatutos” sugeria a inexistência de contato entre os

135 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. Trabajo privado y trabajo público, en Relaciones Laborales,

núm. 6, 1989, p. 44.

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dois regimes, fato que levou o TC a afirmar na STC 57/1982 a especialidade da relação

funcionarial. Na ocasião, o TC distinguia inteiramente os dois regimes jurídicos, concluindo

pela existência de um princípio básico que exigia “tratamiento no unitario por diferenciado

entre funcionarios públicos e personal laboral” a serviço das Administrações Públicas. Essa

interpretação, conforme já assinalado, desconsiderou o processo de desvirtuamento a que foi

submetido o regime funcionarial pela legislação então vigente, caracterizado pela figura do

funcionário generalista, quebra da hierarquia e rompimento com a exclusividade do sistema

de função pública136.

Com a transição democrática e a entrada em vigor da Constituição de

1978, tem início na Espanha a tendência à homogeneização dos regimes laboral e

funcionarial. A Lei nº 30/1984, de 2 de agosto (LMRFP), “acentúa aún más la separación de

la función pública española del modelo de función pública cerrada o de corporativismo de

servicio”.137 Essa lei, editada já sob as novas bases da Constituição de 1978, pretende

construir um novo sistema de função pública, marcado pelo desvirtuamento dos elementos

essenciais do modelo fechado que tradicionalmente regulava o regime jurídico dos

funcionários e pela tendência de regulação de forma unitária de alguns pontos que vão reger

uniformemente as relações de funcionários e pessoal laboral a serviço da Administração

Pública. Para o objeto deste estudo, merece destaque o reconhecimento expresso que o artigo

3.2.b da Lei nº 30/1984 faz ao direito dos funcionários de negociar coletivamente certos

aspectos de suas condições de trabalho138. Destarte, conquanto esse dispositivo apenas trate de

atribuição de competência, possui a virtualidade de ser a primeira norma legal a reconhecer,

ainda que implicitamente, a possibilidade de negociação coletiva na função pública. Trata-se

de modesto reconhecimento do direito, uma vez que não admite a eficácia normativa dos

instrumentos e contempla a recuperação automática do poder unilateral da Administração

Pública na hipótese de fracasso da negociação coletiva. No entanto, esse dispositivo rompe o

136 PARADA VÁZQUEZ. Derecho Administrativo II. Organización y empleo público, 2005, p. 447. Estudo

sobre a homogeneização das relações de trabalho na função pública foi realizado por MARTÍNEZ ABASCAL. La regulación homogénea de las relaciones de trabalho dependiente en la funcion pública, en Revista de Derecho Social, núm. 7, 1999, p. 213-220, que sistematiza os pressupostos para uma regulação homogênea da relação de emprego público.

137 PARADA VÁZQUEZ. Derecho Administrativo II. Organización y empleo público, 2005, p. 449. 138 A Lei nº 30/1984, no artigo 3.2.b, estabelece que compete ao Governo “Determinar las instrucciones a que

deberán atenerse los representantes de la Administración del Estado cuando proceda la negociación con la representación sindical de los funcionarios públicos de sus condiciones de empleo, así como dar validez y eficacia a los Acuerdos alcanzados mediante su aprobación expresa y formal, estableciendo las condiciones de empleo para los casos en que no se produzca acuerdo en la negociación.”

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142

unilateralismo na função pública e com as bases teóricas em que se fundamentou a STC

57/1982.

A Lei nº 30/1984 sinaliza na direção da homogeneização dos dois

regimes jurídicos ao fazer referência pela primeira vez ao direito de greve dos funcionários

públicos (artigo 31 e Disposição Adicional 12ª). Essa norma legal, ao dispor sobre o direito de

greve, já reconhecido aos funcionários públicos (CE artigo 28.2), conduz à conclusão de que

não fazem sentido e estão inteiramente superadas as teses da plena identificação do

funcionário com a Administração Pública e da inexistência de interesses opostos entre eles.

Portanto, a greve, categoria tipicamente laboral, ingressa na função pública, sendo

expressamente reconhecido na lei a existência de interesses distintos e até contrapostos entre

os funcionários e a Administração Pública.

Ademais, o processo de laboralização da função pública também é

marcado pelo abandono do sistema de carreira, com a consequente substituição pelo sistema

de emprego. A formulação clássica baseia-se na organização de todos os funcionários em

estruturas hierarquizadas, formando uma carreira administrativa orientada pelos princípios

basilares de hierarquia e disciplina. De fato, com a Lei nº 30/1984, a organização

administrativa adota o sistema de emprego ou postos de trabalho como instrumento para

ordenação do pessoal. Logo, não se reconhece graus ou categorias hierárquicas entre os

funcionários dos diversos corpos administrativos, sendo estruturada a organização mediante a

sucessiva ocupação dos postos de trabalho, observados os princípios de mérito e capacidade.

Por certo não se trata de abandonar inteiramente o sistema de carreira clássico, mas o novo

modelo que emerge com a Lei nº 30/1984 está profundamente marcado pelos matizes do

sistema laboral, centrado nos postos de trabalho.

De outra parte, antes do advento da LMRFP, o regime laboral no

âmbito da Administração possuía caráter excepcional. A única referência a esse regime na

legislação da época dizia respeito à possibilidade de incorporação de pessoal laboral à

Administração Pública (Lei de 1964, artigo 7º). Esta lei “va a incluir por vez primera al

personal laboral dentro de su âmbito de aplicación, normalizando de esta manera y en parte su

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143

situación como personal habitual de las Administraciones Públicas”.139 Mesmo prevendo

distinta regulação das relações de trabalho nos dois regimes jurídicos, a nova lei, ao tempo em

que confere uma regulação paralela, em certas matérias estabelece um tratamento unitário.

Portanto, partindo da premissa da possibilidade de dualidade de regimes jurídicos, o

legislador busca mecanismos úteis e eficazes para estabelecer algumas aproximações e

mesmo identificação em aspectos concretos entre os dois regimes. Essa convergência de

tratamento pode ser encontrada em relação à negociação coletiva, racionalização da estrutura

de funcionários e pessoal laboral, oferta pública de emprego, existência de registro geral de

pessoal, determinação de dotações orçamentárias, relação dos postos de trabalho, previsão de

critérios de acesso à Administração Pública e competência dos órgãos superiores para dispor

sobre ambas as formas de incorporação de trabalhadores na Administração Pública.140

No Brasil, em relação à aproximação dos regimes jurídicos dos

trabalhadores da Administração Pública, observa-se um processo bem distinto daquele

ocorrido na Espanha. De fato, a Constifuição Federal de 1988, na redação original do artigo

39, caput, previa a instituição de “regime jurídico único e planos de carreira para os

servidores”. Com a redação da EC nº 19/1998, o artigo 39, caput, não falou mais em “regime

jurídico único”, prevendo apenas a instituição de “conselho de político de administração e

remuneração de pessoal”. Nesse ponto, o legislador constituinte derivado, captando a

tendência verificada no Direito Comparado e também a orientação normativa da OIT, permite

à Administração Pública escolher a solução mais adequada, que pode ser o regime

“estatutário”, o “trabalhista” ou mesmo o regime híbrido. No entanto, o STF, na ADIn 2.134-

A suspende a eficácia do novo dispositivo constitucional, desconsiderando que “o regime

estatutário não seria mais suficiente para esgotar sozinho a grande e diversificada amplitude

do trabalho que, tanto na iniciativa privada quanto pública, já exigia combinações,

adaptações, composições que só poderiam operar-se num regime de maior flexibilidade.”141

Diferentemente do Brasil, na Espanha passo significativo no

tratamento unificado das relações de caráter laboral e administrativo foi dado no tocante à

regulação dos direitos coletivos. O artigo 28.1 CE constitui o núcleo comum que sugere a 139 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral. 2001, p. 358. 140 CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral. 2001, p. 358-

361. 141 SILVA. Greve no serviço público depois da decisão do STF, 2008.

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144

unificação dos direitos coletivos entre trabalhadores públicos e privados. Seguindo o novo

caminho marcado pela Constituição, a Lei Orgânica nº 11/1985, que regulamenta a Liberdade

Sindical, tem o mérito de conferir um tratamento unificado em um texto legal único aos

direitos coletivos, estabelecendo de forma abrangente que “Todos los trabajadores tienen

derecho a sindicarse libremente para la promoción y defensa de sus intereses económicos y

sociales.” (artigo 1º). Confere-se aos direitos coletivos um tratamento homogêneo, no mesmo

instrumento normativo, sem distinção em face da natureza pública ou privada das atividades

realizadas. Objetivando esclarecer qualquer controvérsia sobre o tratamento unificado, dispôs

que “A los efectos de esta Ley, se consideran trabajadores tanto aquellos que sean sujetos de

una relación laboral como aquellos que lo sean de una relación de carácter administrativo o

estatutario al servicio de las Administraciones públicas.” (artigo 1.2). 142

O tratamento unificado está expressamente justificado na Exposição

de Motivos, ficando assentado que

La Ley orgánica pretende unificar sistemáticamente los precedentes y posibilitar un desarrollo progresivo y progresista del contenido esencial del derecho de libre sindicación reconocido en la Constitución, dando un tratamiento unificado en un texto legal único que incluya el ejercicio del derecho de sindicación de los funcionarios públicos a que se refiere el artículo 103, 3, de la Constitución y sin otros límites que los expresamente introducidos en ella.

Portanto, da Lei Orgânica da Liberdade Sindical (LOLS) fica evidente

a pretensão do legislador orgânico de obter uma inicial equiparação entre essas categorias de

trabalhadores, sem prejuízo do reconhecimento de diferenças pontuais no que concerne ao

desenvolvimento e exercício das atividades respectivas. Esta aproximação no tratamento dos

direitos coletivos entre trabalhadores públicos e privados foi tentada no Brasil por meio da Lei

nº 8.112/90, artigo 240, alíneas d e e, mas que terminou sendo rechaçada pelo STF na ADIn

492-DF.

142 Estudo que enfoca a liberdade sindical como direito unitário para trabalhadores e funcionários públicos é

realizado por MARÍN ALONSO. La negociación colectiva conjunta del personal laboral y funcionarial en

la administración pública. Los acuerdos mixtos, 1999.

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145

Na Espanha, ressalvadas as exclusões e limitações de determinadas

categorias já previstas constitucionalmente, reiteradas no artigo 1º da LOLS, a análise deste

instrumento normativo indica em diversos dispositivos o tratamento unificado na inclusão dos

funcionários públicos no sistema de relações coletivas de trabalho. Embora o artigo 28.1 CE

autorize a lei a regular as peculiaridades do exercício do direito de liberdade sindical pelos

funcionários, a LOLS não trata dessas peculiaridades, na medida em que seu artigo 2º, ao

dispor sobre o conteúdo essencial da liberdade sindical, contempla a igualdade de tratamento,

inclusive no que diz respeito à ação sindical. O tratamento unificado em matéria de direitos

coletivos sugere a homogeneização em relação aos direitos individuais. Os aportes até aqui

realizados demonstram os esforços legislativos no sentido dessa assimilação. Nesse processo

de convergência a negociação coletiva constitui instrumento útil e eficaz, de sorte a superar as

irrazoáveis e injustificadas distinções que se estabelecem entre trabalhadores que realizam

idênticas atividades, para o mesmo tomador dos serviços.

6.5 IMPLICAÇÃO SOBRE A FUNÇÃO PÚBLICA EM FACE DO SISTEMA DE

NEGOCIAÇÃO COLETIVA ADOTADO PELA LEI Nº 7/2007 (EBEP)

O estudo desenvolvido indica a configuração de um processo de

introdução progressiva de categorias jurídicas próprias do Direito do Trabalho no sistema de

função pública, tendência que conduz à convergência na Espanha dos regimes laboral e

funcionarial. Esse processo, demonstrado a partir da evolução legislativa e dos aportes

constitucionais realizados sobre o modelo de função, leva ao reconhecimento da laboralização

da função pública. O fenômeno significa o desvirtuamento dos elementos considerados

essenciais e característicos do modelo tradicional de função pública. Esse processo é marcado

pelo crescente movimento no sentido da incorporação de categorias próprias do Direito do

Trabalho no regime jurídico que estabelece as bases da função pública. Tem como corolário a

aproximação dos regimes laboral e funcionarial, reduzindo a dicotomia entre trabalho público

e privado. Essa tendência foi absorvida pela Lei nº 7/2007 (EBEP) ao adotar o conceito

unificador de “empleado público” e disso resulta a visão de que o funcionário mantém com a

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146

Administração Pública que o emprega uma relação profissional de trabalho e que essa

circunstância sugere a necessidade de uma tutela jurídica semelhante àquela destinada aos

demais trabalhadores.

Antes de verificar o impacto sobre a conformação da função pública

da introdução da negociação coletiva no seu âmbito, parece adequado examinar brevemente o

efeito resultante do reconhecimento do direito de greve aos funcionários públicos. A doutrina

tradicional sustentou durante muito tempo que a greve seria inaplicável à função pública,

compreendendo que “huelga y servicio público son nociones antinômicas”.143 Mas o certo é

que “el ejercicio del derecho de huelga se presenta como el instrumento que en mayor medida

convulsiona la concepción autoritaria de la relación de empleo público”.144 De fato, a

Constituição de 1978, ao consagrar o direito de greve no artigo 28.2, fê-lo de forma ampla,

assegurando-o a todos os trabalhadores que auferem uma remuneração decorrente do trabalho

subordinado. Trata-se de direito que se exercita e legitima não apenas contra o empregador

como parte numa relação jurídica privada ou pública, alcançando igualmente toda situação em

que a ação sindical seja necessária para se contrapor ao poder como forma de defesa dos

interesses dos trabalhadores.

Superados hoje os matizes autoritários do modelo tradicional de

função pública, resulta que a relação entre greve e função pública não é apenas de

compatibilidade, mas de condição necessária para o pleno e efetivo exercício da ação sindical

pelos funcionários. 145 Isso porque “se a greve é direito fundamental de natureza instrumental

e arma eficaz de que dispõem os trabalhadores, era natural que o trabalhador público dela

também se servisse para sua luta”.146 A greve dos funcionários, mais do que um direito que

serve como instrumento para potencializar a força dos trabalhadores para a negociação

coletiva, determina a própria conformação no modelo de função pública e da organização

administrativa. Isso porque o reconhecimento da greve dos funcionários tem o efeito de gerar

crise na própria definição de Direito Administrativo, estruturado tradicionalmente a partir do

143 PALOMAR OLMEDA. Derecho de la función pública. Régimen jurídico de los funcionarios públicos, 2003,

p. 588. 144 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 112. 145 Estudo completo para superação do esquema ideológico que defende a incompatibilidade entre greve e função

pública encontra-se em BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 29-46. 146 SILVA. Greve no serviço público depois da decisão do STF, 2008.

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147

dogma da continuidade dos serviços públicos, para ceder lugar ao princípio da manutenção

dos serviços essenciais.147

O fenômeno da laboralização da função pública acentua-se com a

introdução da negociação coletiva. Conforme já reiterado, a formulação clássica da teoria

estatutária considera “impensable aludir a la posibilidad de una determinación bilateral de las

condiciones de trabajo”.148 Essa formulação pressupõe a determinação unilateral das

condições de trabalho, circunstância que releva a impossibilidade de fixação consensual das

normas que regulam as relações entre Administração Pública e seus funcionários. Daí o

entendimento de que

la negociación colectiva es una figura incompatible con la formulación estricta de la teoría estatutaria, ya que en ésta la esencia se encuentra en la determinación unilateral de las condiciones e trabajo, por lo cual, en pura esencia, podría concluirse el silogismo negando la mayor, esto es, su aplicación a los funcionarios públicos.149

Não obstante o enorme esforço teórico em manter os pilares que

estruturam a formulação clássica, a doutrina tradicional finalmente sucumbe diante da

realidade que se impôs, admitindo que “el fenómeno de la participación en en ejercicio de las

funciones públicas es tan imparable que negar-lo aquí sería volver a las cavernas”.150 De fato,

um novo estado de coisas implanta-se no tocante à função pública, importando sua própria

redefinição. Essa nova realidade foi determinada por práticas informais de negociação

coletiva e levaram à incorporação de novos paradigmas sociológicos e políticos que

emergiram com a transição democrática e foram consagrados pela Constituição de 1978.

Irrecusável que, com a Constituição da Espanha de 1978, a teoria

clássica da relação estatutária é profundamente modificada, rompendo com sua feição nuclear

e essencial, que consiste na determinação unilateral das relações de trabalho. Essa

147 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 120. 148 PALOMAR OLMEDA. Derecho de la función pública. Régimen jurídico de los funcionarios públicos, 2003,

p. 589. 149 PALOMAR OLMEDA. Derecho de la función pública. Régimen jurídico de los funcionarios públicos, 2003,

p. 633. 150 PALOMAR OLMEDA. Derecho de la función pública. Régimen jurídico de los funcionarios públicos, 2003,

p. 637.

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148

modificação substancial é determinada pelo reconhecimento constitucional dos direitos

coletivos dos funcionários, caracterizados pela indissolubilidade das categorias sindicalização,

greve e negociação coletiva. O efeito disso é que “la determinación de la voluntad

administrativa administrativa en la fijación de le relación de servicio funcionarial debe

instrumentalizarse a través de categorías contractuales y no mediante el ejercicio de

potestades formativas”.151

Como corolário da introdução da negociação coletiva, os ingredientes

autoritários que marcam a formulação clássica da função pública sofrem profunda erosão. A

consequência é o surgimento de uma nova função pública, com características bem distintas

daquelas que matizaram o modelo tradicional. O primeiro ponto a considerar diz respeito ao

estabelecimento do dever de negociar pela Administração Pública. Conforme adiante será

demonstrado, a negociação coletiva funcionarial constitui direito assegurado

constitucionalmente, que deriva de forma direta e imediata da liberdade sindical (artigo 28.1

CE). Esse dever constitucional de negociar ganha sentido e concretude com o disposto no

artigo 37.1 EBEP, ao estabelecer que “Serán objeto de negociación, en su ámbito respectivo y

en relación con las competencias de cada Administración Pública” um conjunto determinado

de matérias. O dever de negociar significa a obrigação de deliberar sobre os temas reservados

à fixação bilateral das condições de trabalho.

Isso significa que em relação aos conteúdos indicados está excluída a

possibilidade de regulação unilateral das condições de trabalho. Mesmo na hipótese de

configurar o fracasso da negociação, ainda assim a Administração Pública não dispõe de

forma automática da possibilidade de determinar as condições de trabalho. Com efeito, no

texto do artigo 38 EBEP, quando o ajuste obtido não for ratificado, havendo recusa na sua

incorporação ao projeto de lei ou quando não se produza um acordo na negociação, ainda

assim não está habilitada a Administração a determinar unilateralmente as relações de

trabalho. Nessas situações, há ainda a necessidade de proceder à renegociação ou à

possibilidade de proceder à solução extrajudicial do conflito, mediante procedimentos de

mediação e arbitragem. Somente fracassando essas alternativas pode a Administração Pública

determinar unilateralmente as condições de trabalho. O efeito disso é o de praticamente

151 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 323.

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149

esvaziar o poder de regulação unilateral em relação aos conteúdos reservados à negociação.

Na hipótese de intervenção unilateral quando inobservado o dever de negociar ou quando haja

regulação contrariamente àquilo que foi acordado, tal circunstância tem a consequência de

gerar a nulidade do ato normativo.

A laboralização da função pública na Espanha revela-se também

quando se examina a eficácia dos instrumentos normativos frutos da negociação coletiva. O

objetivo aqui não é examinar a eficácia jurídica vinculante dos instrumentos normativos

resultantes da negociação. Remete-se para o momento oportuno este estudo. Por ora, basta

examinar as consequências que a eficácia dos pactos e acordos geram sobre a formulação

clássica de função pública. Com efeito, celebrados os pactos sobre as matérias que lhes

correspondam, esses instrumentos são aplicados de forma direta em relação ao pessoal do

âmbito respectivo (38.2 EBEP).152 Assim, subscritos os pactos, estes são vinculantes, geram

direitos e obrigações para aqueles que estão compreendidos em seu âmbito, sendo dotados de

eficácia geral e prevalecem sobre os atos normativos anteriores, assim como não podem ser

alterados ou privados de efeitos por normas posteriores. Sendo os pactos vinculantes, durante

sua vigência a Administração Pública está impedida de atuar unilateralmente. Portanto, estão

inteiramente excluídas as possibilidades de regulação unilateral pela Administração no

tocante aos temas objeto da pactuação. Na suposição de haver disciplinamento heterônomo,

essa invasão normativa implica nulidade do ato respectivo por desrespeito ao conteúdo do

pacto celebrado.

No tocante à eficácia dos acordos, satisfeita a exigência de ratificação

pelos órgãos competentes e não se tratando de negociação pré-legislativa, tem natureza

vinculante e possui a mesma eficácia própria dos instrumentos coletivos normativos.153 Do

mesmo modo que opera em relação aos pactos, a Administração Pública fica impossibilitada

de regular unilateralmente as condições de trabalho. Somente recupera sua capacidade de

152 Dispõe o artigo 38.2 EBEP: “Los Pactos se celebrarán sobre materias que se correspondan estrictamente con

el ámbito competencial del órgano administrativo que lo suscriba y se aplicarán directamente al personal del ámbito correspondiente.”

153 Dispõe o artigo 38.3 EBEP: “Los Acuerdos versarán sobre materias competencia de los órganos de gobierno de las Administraciones Públicas. Para su validez y eficacia será necesaria su aprobación expresa y formal por estos órganos. Cuando tales Acuerdos hayan sido ratificados y afecten a temas que pueden ser decididos de forma definitiva por los órganos de gobierno, el contenido de los mismos será directamente aplicable al personal incluido en su ámbito de aplicación, sin perjuicio de que a efectos formales se requiera la modificación o derogación, en su caso, de la normativa reglamentaria correspondiente.”

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150

determinação unilateral depois de esgotados os procedimentos de solução extrajudicial (artigo

38.7 EBEP). Como resultado disso, a eficácia jurídica vinculante dos acordos conduz à erosão

do modelo clássico, retirando qualquer poder regulamentar da Administração Pública a

respeito dos temas objeto da negociação. Desafiadora e complexa mostra-se a justificação da

eficácia vinculante dos acordos em relação aos parlamentos. O artigo 38.3 EBEP parece negar

a eficácia jurídica direta dos acordos. De certo modo, conforme será analisado adiante, este já

era o entendimento consagrado na jurisprudência. No entanto, essa mitigação da eficácia não

tem a virtualidade da negociação e menos ainda retira o impacto da negociação sobre a função

pública. Primeiro, porque a eficácia jurídica subsiste em relação à obrigação de a

Administração Pública encaminhar o projeto de lei nos termos acordados e no prazo ajustado.

Segundo, porque, mesmo na hipótese de ausência de eficácia jurídica, na medida em que “su

contenido carecerá de eficacia directa”, não há como deixar de reconhecer a eficácia sócio-

política da negociação.

Portanto, a presença da negociação coletiva na Administração Pública

acarreta a inevitável e progressiva erosão dos pilares que sustentam a formulação clássica de

regime estatutário e conduz ao expresso, paulatino e concreto processo de convergência entre

trabalhadores e funcionários, independente da natureza privada ou pública do trabalho

realizado. Como consequência disso, importa então reconhecer a virtualidade e eficácia da

negociação coletiva como instrumento para superação das irrazoáveis e injustificáveis

distinções que continuam marcando os regimes laboral e funcionarial, apesar dos contínuos

esforços legislativos realizados no sentido da convergência dos dois regimes jurídicos. No

Brasil, no entanto, seja no plano normativo, seja no plano jurisprudencial, persiste a ideia de

distinção substancial entre os dois regimes jurídicos, desconhecendo a tendência

contemporânea de sua aproximação. De outra parte, impõe-se agora a análise do tratamento

constitucional conferido na Espanha ao tema da negociação coletiva dos funcionários,

sobretudo quanto à sua conexão com a liberdade sindical, de modo a identificar a sede

material desse direito e as implicações jurídicas daí decorrentes.

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151

7 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA. O FUNDAMENTO

CONSTITUCIONAL DO DIREITO

Procede-se agora à análise do sistema de negociação coletiva na

função pública na Constituição da Espanha de 1978. O ponto de partida é o tratamento

constitucional conferido ao tema, considerando que aquele país, após a transição legal do

modelo corporativista, buscou consagrar um sistema democrático de relações de trabalho,

essencial à edificação de um Estado Social e Democrático de Direito (CE, artigo 1º). O

objetivo é identificar a sede material do direito à negociação dos funcionários públicos. Para

tanto, faz-se necessária a revisão das posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a temática,

assim sintetizadas: incompatibilidade entre estatuto e negociação coletiva; indiferença

constitucional; previsão no artigo 37.1 CE; integração no conteúdo adicional da liberdade

sindical; e integração no conteúdo essencial da liberdade sindical dos funcionários públicos. A

importância da análise decorre do predomínio na jurisprudência constitucional da tese de que

a Constituição não reconhece nem impede o direito à negociação coletiva, remetendo a

matéria ao tratamento que lhe for conferido pela legislação regulamentadora.

7.1 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA: PROBLEMAS

DECORRENTES DE SEU RECONHECIMENTO COMO DIREITO DE

CONFIGURAÇÃO LEGAL

A prática da negociação coletiva na Administração Pública, não obstante

os avanços obtidos nos sucessivos instrumentos legislativos, ainda enfrenta na Espanha diversos

problemas para o seu adequado e efetivo desenvolvimento. De certo modo a Lei nº 7/2007

(EBEP) intentou solucionar parte dos problemas existentes, a maioria deles decorrentes do

deficiente tratamento conferido pela Lei nº 9/1987, modificada pela Lei nº 7/1990. Os problemas

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152

diagnosticados na regulação da matéria no marco normativo que precedeu a atual Lei nº 7/2007

(EBEP) fizeram com que expressivo segmento da doutrina científica questionasse se a

negociação coletiva dos funcionários correspondia a um verdadeiro direito. A origem desses

problemas reside na circunstância de o TC continuar compreendendo a negociação coletiva dos

funcionários como um direito de simples configuração legal. Conforme já ressaltado, esse

entendimento foi firmado pioneiramente na STC 57/1982 e reafirmado nas SSTC 80/2000,

224/2000 e 85/2001. Como consequência desses pronunciamentos, firmou-se a jurisprudência

constitucional no sentido de que a negociação coletiva dos funcionários integrava apenas o

conteúdo adicional da liberdade sindical, de estrita configuração legal. No primeiro momento

entendia-se que a negociação deveria aguardar a lei que a regulamentasse. Posteriormente

compreendeu-se que a negociação deveria ser desenvolvida nos termos e limites definidos pela

legislação regulamentadora. Disso tudo resultaram diversos problemas para o desenvolvimento

adequado e efetivo da negociação coletiva dos funcionários públicos, problemas estes que ainda

remanescem, sobretudo no tocante à eficácia dos instrumentos normativos dela resultantes.

Influenciado pela jurisprudência pioneira da STC 57/1982, o Tribunal

Supremo (TS) da Espanha, através da Sala do Contencioso-Administrativo, desenvolveu uma

jurisprudência reiteradamente negadora da negociação coletiva como direito dos funcionários.

Primeiramente considerou possível a negociação coletiva desde que em tudo ajustado à legislação

vigente, negou validade aos acordos celebrados sob o fundamento de inobservância de requisitos

formais e declarou a nulidade de acordos locais entendendo impossível a negociação nesse

âmbito. Nas decisões proferidas nas STS 14-7-1994 (RA 6017), 4-10-1994 (RA7846), 20-1-1995

(RA 609) e em outras subsequentes o TS consigna que os sindicatos dos funcionários não teriam

por si mesmos direito à negociação. Portanto, a STC 57/1982 exerceu influência restritiva sobre a

jurisprudência ordinária. Esta então passa a valer-se de diversos argumentos para rechaçar a

negociação coletiva dos funcionários, sempre buscando negar validade aos acordos e chegando

ao extremo de reconhecer os perigos de seu reconhecimento154.

Diversos problemas decorrem dessa jurisprudência constitucional e

ordinária restritiva da negociação coletiva no regime jurídico-administrativo. No regime da

legislação anterior, os problemas decorrentes da configuração legal do direito diziam respeito à

154 MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los funcionarios públicos en la Constitución,

2002, p. 78.

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153

possibilidade de negociação além dos limites traçados pela Lei nº 9/1987, modificada pela Lei nº

7/1990, negociação conjunta de funcionários e trabalhadores da Administração Pública, distinção

entre negociação coletiva e outros instrumentos de participação na determinação das condições de

trabalho pelos funcionários, compreensão do verdadeiro significado da negociação coletiva dos

funcionários, identificação da natureza e reconhecimento da eficácia jurídica dos acordos

resultantes da negociação, relações entre negociação coletiva e lei e delimitação dos espaços

próprios da negociação coletiva e o poder de auto-organização da Administração Pública155. Por

certo, apesar das modificações no tratamento da matéria levadas a efeito pelo EBEP, continua

relevante e atual o debate acerca do fundamento da negociação coletiva dos funcionários,

justificando assim a revisão da jurisprudência do TC de sorte a compreender a negociação

coletiva como parte integrante do conteúdo essencial da liberdade sindical dos funcionários

públicos.

Mantido o entendimento da configuração legal do direito, como mero

conteúdo adicional da liberdade sindical dos funcionários públicos, resulta que o EBEP, apesar

dos avanços pontuais, não tem o condão de resolver todos os problemas que ainda remanescem

na negociação coletiva dos funcionários. De fato, conforme será melhor examinado adiante, o

artigo 31.5 preceitua que “El ejercicio de los derechos establecidos en este artículo se garantiza y

se lleva a cabo a través de los órganos y sistemas específicos regulados en el presente Capítulo,

sin perjuicio de otras formas de colaboración entre las Administraciones Públicas y sus

empleados públicos o los representantes de éstos.” A limitação da negociação ao modelo legal é

reafirmado no artigo 31.7, ao contemplar que “El ejercicio de los derechos establecidos en este

Capítulo deberá respetar en todo caso el contenido del presente Estatuto y las leyes de desarrollo

previstas en el mismo.” Como consequência, não obstante a tendência à homogeneização dos

regimes jurídicos na Administração Pública e mesmo tendo consagrado o EBEP negociação

conjunta entre trabalhadores e funcionários da Administração Pública, subsiste ainda notável

distinção no tocante à negociação coletiva dos demais trabalhadores, na medida em que esta

constitui direito de configuração constitucional, com fundamento nos artigos 28 e 37 CE.

Por certo, não se trata de equiparação dos dois modelos de negociação

coletiva. Mas é certo igualmente que não corresponde a dois sistemas totalmente diferentes. Os

155 MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los funcionarios públicos en la Constitución,

2002, p. 18.

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154

trabalhadores públicos em geral submetem-se aos mesmos regramentos quanto aos incrementos

fixados pelas leis que dispõem sobre o orçamento público e nesse aspecto não faz sentido atribuir

tratamento diferenciado quanto ao efeito da negociação coletiva conforme a natureza da relação

jurídica. Em todo o caso, assim como na negociação laboral, quando se tratar de negociação na

função pública, o acordo, “una vez aprobado, vincula y tiene eficacia propia de un contrato

colectivo normativo”.156 Não se pode, sob pena de violação do princípio da igualdade e de

afetação da liberdade sindical dos funcionários, admitir natureza vinculante para os convênios

coletivos e retirar esse efeito quando a negociação envolver funcionários públicos.

Nesse aspecto, o advento do EBEP traz consigo enormes expectativas de

aperfeiçoamento e esclarecimento de diversas questões pertinentes à negociação coletiva dos

funcionários. A prática da negociação indica se os objetivos referidos pela Exposição de Motivos

de “clarificar los principios, el contenido, los efectos y los límites de la negociación colectiva y

para mejorar su articulación” terão sido de fato alcançados. De toda sorte, sem a revisão da

jurisprudência constitucional do fundamento do direito de negociação coletiva dos funcionários,

subsistem os problemas relacionados ao não reconhecimento da negociação coletiva fora da

regulamentação legal, sendo inviáveis as negociações similares àquelas que conduzem aos

convênios extra-estatutários no âmbito laboral e não se atribui natureza jurídica às formas de

negociação coletiva que não se ajustem aos termos legais157. Além desses problemas, outros

emergem da configuração legal do direito e compreendem o dever de negociação de boa-fé da

Administração Pública e em especial a eficácia vinculante dos resultados da negociação, a fim de

que estes “gocen eficacia directa, de modo imperativo e inderogable frente a todos los poderes

públicos responsables de su cumplimiento, así de uma eficacia personal erga omnes para todos

los empleados públicos comprendidos en su âmbito de aplicación”.158

156 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p.

43. 157 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p.

11. 158 LANDA ZAPIRAIN; BAYLOS GRAU. La negociación colectiva en el marco de las administraciones

publicas: los problemas de su configuracion legal atual. Texto produzido para o workshop “La negociación

de las condiciones de trabajo de los empleados públicos al servicio de las Administraciones públicas vas,

realizado na Universidad de Oñati no período de 24 a 25 de abril de 2001, com a coordenação do Instituto de Sociologia Jurídica de Oñati.

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155

7.2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA EM NÍVEL

CONSTITUCIONAL. O FUNDAMENTO DO DIREITO

Questão polêmica e ainda não resolvida na doutrina espanhola diz

respeito ao fundamento da negociação coletiva dos funcionários públicos. Trinta anos depois

da entrada em vigor da Constituição, permanece vivo e intenso o debate acerca de seu

fundamento. As posições doutrinárias dividem-se em dois grandes grupos, o primeiro

negando a existência de fundamento constitucional para a negociação coletiva dos

funcionários, ao passo que o segundo sustenta a sede constitucional do direito. Em relação ao

primeiro grupo, parte da doutrina afirma que a opção constituinte pelo regime estatutário

(artigo 103.3 e artigo 149.1.18) rechaça a negociação e outra parte considera que nesse

aspecto existe indiferença constitucional, que não autoriza nem impede a negociação. De

outro lado, a doutrina que sustenta o fundamento constitucional diverge quanto à sede

material, sendo que uma parte radica o direito no artigo 37.1, sendo aplicável aos funcionários

públicos, enquanto outra parte fundamenta o direito no artigo 28.1, que compreende a

negociação como integrante do conteúdo da liberdade sindical. Esta última corrente divide-se

entre aqueles que sustentam que a negociação coletiva dos funcionários faz parte do conteúdo

adicional da liberdade sindical e aqueles que compreendem a negociação coletiva como parte

integrante do conteúdo essencial da liberdade sindical. Passa-se à análise dessas doutrinas.

7.2.1 A infundada incompatibilidade entre o regime estatutário e a negociação coletiva

Doutrina minoritária considera impossível a negociação coletiva dos

funcionários públicos, porquanto a “condición estatutaria, definida unilateralmente por leys y

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156

reglamentos, no podría, al menos teoricamente, ser modificada por convenio colectivo”159.

Como consequência, “la Constitución no reconoce a los funcionarios públicos el derecho a la

negociación de las condiciones de empleo, ni de forma autónoma ni derivada de la libertad

sindical que consagran los artículos 28.1 y 37.1”160. Com esses argumentos, sustenta que

la admisión de la negociación colectiva de los funcionarios públicos resulta imposible, puesto que en ningún caso la autonomía colectiva podrá modificar los preceptos legales en las materiais que están reservadas a la ley, y em las demás, la negociación va en contra de la unilateralidad de la definifición del estatuto funcionarial que proclaman los artículos 103.2 y 149.1.18.161

Fundando-se na natureza estatutária, essa doutrina pondera que “La

negociación colectiva es un elemento contingente, no necesario”.162 Essa posição doutrinária

invoca a STC 57/1982 para justificar que, conforme decidiu o TC, a sindicalização dos

funcionários não tem como única via para a defesa de seus interesses a negociação coletiva,

embora não tenha afirmado a sua ilicitude, circunstância que autorizou o desenvolvimento

legislativo da negociação coletiva. O STF, no julgamento da ADIn 492-DF, termina

consagrando a tese da incompatibilidade, seguindo a orientação da doutrina administrativista

espanhola mais conservadora.

A superação desse entendimento minoritário foi demonstrada quando

se abordou as objeções à negociação coletiva e sustentou a revisão dos postulados que

sustentam a natureza estatutária e unilateral. Nesse aspecto, ao pretender consagrar um

modelo democrático de relações coletivas de trabalho, o constituinte conduziu à superação da

concepção clássica através do reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários,

decorrendo daí a natureza contratual da função pública. Logo, a negociação coletiva torna-se

elemento complementar à regulação das condições de trabalho através da lei. Isso decorre do

fato de que “la Constitución no impide, sino que incluso exige, que esa ley, y, en su caso, los

159

DEL SAZ. Contrato laboral y función pública (Del contrato laboral para trabajos manuales al contrato

blindado de alta dirección), 1995, p. 101. 160

DEL SAZ. Contrato laboral y función pública (Del contrato laboral para trabajos manuales al contrato

blindado de alta dirección), 1995, p. 103. 161

DEL SAZ. Contrato laboral y función pública (Del contrato laboral para trabajos manuales al contrato

blindado de alta dirección), 1995, p. 102. 162 PARADA VÁZQUEZ. Derecho Administrativo II. Organización y empleo público, 2005, p. 572.

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157

reglamentos, tenga en cuenta la fuente colectiva, no agotando todos los posibles espacios de

regulación, y diseñando sus normas en relación dialéctica con la fuente colectiva, dejándole

espacios reguladores o asignándole”163. O próprio TC reforça essa compatibilidade ao

estabelecer que “la participación de los funcionarios en la fijación de sus condiciones de

trabajo a través de órganos de representación se integra en el régimen estatutario de los

mismos” (STC 165/1986, F. J. 3).

7.2.2 A falsa indiferença constitucional em face da negociação coletiva na função pública

Parte da doutrina espanhola defende a indiferença constitucional no

tocante à negociação coletiva dos funcionários públicos, sustentando que a Constituição não

proíbe nem reconhece o direito, mas simplesmente o ignora. O direito à negociação coletiva

na função pública não se encontra reconhecido na Constituição, nem no artigo 28.1 nem no

artigo 37.1. Esse segmento conclui que a negociação coletiva não existe até que a lei

reconheça o direito, daí por que compete ao legislador livremente escolher entre regulamentar

ou não o exercício da negociação coletiva na Administração Pública. Diante da indiferença

constitucional, o legislador pode reconhecer ou proibir a negociação. Logo, enquanto não

reconhecido pela lei, inexiste o direito à negociação coletiva na função pública.

Diferentemente da posição anterior, essa corrente não considera que o estatuto referido pelo

artigo 103.3 CE seja impedimento à negociação. Essa postura está fortemente influenciada

pela STC 57/1982, F.J. 12, ao concluir que “la Constitución no reconoce a los funcionarios

públicos el derecho a la negociación colectiva de sus condiciones de empleo”.

A tese da ausência de tratamento constitucional indica que “la

Constitución ni prohíbe ni reconoce el derecho de negociación colectiva funcionarial, por lo

163 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. Ley y negociación colectiva en la función pública, en

Relaciones Laborales, núm. 14, 1997, p. 6.

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158

tanto o tolera”164. Como consequência, “la negociación colectiva de los funcionarios es parte

de su Estatuto. Su establecimiento o negación se debe realizar en la ley”.165 Remetida a

questão do reconhecimento do direito para o legislador, este tem ampla margem no momento

de regular o estatuto dos funcionários, dispondo da discricionariedade de reconhecer ou negar

o direito à negociação dos funcionários. Para chegar a essa conclusão, considera que o direito

não pode ser deduzido da liberdade sindical assegurada pelo artigo 28.1 CE nem do artigo

37.1, que trata da negociação coletiva laboral e nela encontram-se incluídos os trabalhadores

sujeitos ao Estatuto a que se refere o artigo 35.2 CE, e não os funcionários sujeitos ao Estatuto

referido pelo artigo 103.3 CE.

O Alto Tribunal da Espanha sufragou essa tese na STC 57/1982 ao

concluir pela ausência de nexo entre a liberdade sindical dos funcionários públicos e a

negociação coletiva. Considerou que do direito de sindicalização dos funcionários não

derivava como consequência necessária a negociação coletiva, porquanto a atividade sindical

podia ser desenvolvida através de outros procedimentos e por outras vias, tudo a depender da

configuração legal do direito. Segundo o TC, “el legislador puede optar en amplio espectro

por diferentes medidas de muy distinto contenido, que resuelvan adecuadamente la

participación de los órganos representativos de los funcionarios en la fijación de las

condiciones de empleo” (STC 57/1982, F. J. 9).

Essa postura que consagra a indiferença constitucional descarta a

aplicação dos artigos 28.1 e 37.1 CE, construindo uma doutrina que confere autonomia entre

os direitos de sindicalização e de negociação coletiva dos funcionários públicos, entendendo o

primeiro como direito constitucional fundamental e o segundo como simples direito sujeito à

configuração legal. Essa doutrina foi consagrada a partir do modelo clássico de função

pública, a partir dos paradigmas pré-constitucionais, sem considerar os próprios parâmetros

definidos pela nova ordem constitucional, especialmente em decorrência da pretensão de

edificação de um Estado Social e Democrático de Direito (artigo 1º) e do reconhecimento dos

direitos coletivos dos funcionários públicos (artigo 28.1 e artigo 103.3). Editada em 1982,

muito antes do desenvolvimento da própria jurisprudência constitucional acerca do conteúdo 164 BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005, p.

59. 165

PALOMAR OLMEDA. Derecho de la función pública. Régimen jurídico de los funcionarios públicos, 2003, p. 609.

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159

essencial da liberdade sindical, essa jurisprudência deve sofrer uma releitura, de modo a

ajustar-se ao novo modelo de função pública que progressivamente tem sido conformado

pelas novas exigências históricas.

7.2.3 Inaplicabilidade do artigo 37.1 CE como fundamento da negociação coletiva na função

pública

Parte da doutrina espanhola sustenta a existência de fundamento

constitucional para a negociação dos funcionários públicos, radicando a sede material desse

direito no artigo 37.1 CE, ao dispor que “La ley garantizará el derecho a la negociación

colectiva laboral entre los representantes de los trabajadores y empresarios, así como la fuerza

vinculante de los convenios”. Esse segmento sustenta que “nuestra Constitución admite y

garantiza el derecho de negociación colectiva para laborales y funcionarios en el art. 37 de la

misma.”166 Destarte, “la negociación colectiva de los funcionarios reposa en el artículo 37.1

de la Constitución”167. Essa doutrina considera que

el hecho de que el Estatuto de los Trabajadores haya regulado la negociación colectiva del sector privado no implica que un desarrollo similar del art. 37 no se pueda efectuar cuando se apruebe el Estatuto de los funcionarios públicos. Incluso, sin contar con el desarrollo legal del art. 37 CE, los funcionarios poseen una cierta capacidad negocial, aunque no gocen de los efectos que la Ley da a los convenios colectivos168. Ahora bien, que el art. 37 sea aplicable al empleo público, no quiere decir que lo sea en la misma forma que opera en el sector privado.169

166 MARÍN ALONSO. La negociación colectiva conjunta del personal laboral y funcionarial en la

administración pública. Los acuerdos mixtos,1999, p. 45. 167 SANTIAGO REDONDO. A vueltas con el modelo de la negociación colectiva: titularidad y contenidos, en

REDT, núm. 85, 1997, p. 759. 168 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 326. 169 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 326.

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160

Para justificar a aplicação do artigo 37.1 à negociação coletiva dos

funcionários públicos, esse setor doutrinário sustenta que o termo “trabajadores” deve ser

interpretado em consonância com o artigo 7º CE, em sentido amplo, abrangendo funcionários,

e que o termo “laboral” delimita o conteúdo da negociação coletiva, não se referindo ao

âmbito subjetivo do direito170.

A inserção ou não da negociação dos funcionários no artigo 37.1 CE

não envolve um falso debate, haja vista os importantes efeitos práticos que daí podem

resultar. O primeiro aspecto a considerar é se a própria Constituição reconhece de forma

direta um sistema de negociação coletiva com a força vinculante dos convênios ou se apenas

constitui um mandamento ao legislador para que o desenvolva. O segundo ponto implica

verificar se a Constituição estabelece um sistema de negociação coletiva único para

trabalhadores e funcionários, com a consequência do reconhecimento indistinto da força

vinculante dos convênios. No setor privado já está suficientemente equacionado que o

preceito referido constitui um sistema de negociação coletiva, com reconhecimento direto e

imediato da força vinculante dos convênios. O mandato ao legislador tem o significado de

determinar que a lei desenvolva esse sistema já constituído, de forma que a lei possa conferir

máxima potencialidade e efetividade ao comando constitucional. Com isso não se afirma que

a negociação coletiva dos trabalhadores tem por fundamento o artigo 37.1 CE, mas o artigo

28.1 CE, conforme já decidiu o TC na STC 108/1989, ao considerar integrada “en la libertad

sindical garantizada por el art. 28 C.E. la facultad de los sindicatos, como representación

institucional de los trabajadores para la negociación colectiva”.

170

APARICIO TOVAR. La contratación colectiva de los funcionarios públicos. en AA.VV., Jurisprudencia

constitucional y relaciones laborales, 1983, nega fundamento da negociação coletiva dos funcionários no artigo 37.1 CE, indicando seu fundamento no artigo 28.1 e 103.3 CE: “no es posible buscar fundamento constitucional para la contratación colectiva en la función pública en el artículo 37.1 de la Constitución porque la contratación allí regulada se refiere exclusivamente a la contratación colectiva laboral, utilizando esta palabra en su exacta y precisa acepción técnico-jurídica. De lo que no hay ninguna duda, pues inmediatamente se habla de los representantes de los trabajadores y empresarios, con lo que se está calificando la negociación desde el punto e vista subjetivo de sus protagonistas, con lo que no cabe la posibilidad de que pueda extraerse de esta norma el apoyo constitucional reconocedor el derecho de negociación colectiva para los funcionarios públicos. Pero ello no quiere decir que no exista fundamentación constitucional a la negociación colectiva en este sector, pues de lo anterior se ha deducido con claridad que ese derecho para los funcionarios públicos debe extraerse directamente como consecuencia inevitable del derecho e sindicación”.

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161

Interpretação literal do artigo 37.1 CE conduz à exclusão desde logo

de sua aplicação à negociação coletiva dos funcionários públicos, seja pelo aspecto subjetivo,

seja pelo aspecto objetivo. Por força dessa interpretação literal, nos termos “trabalhadores” e

“empresários” não estão compreendidos os funcionários públicos e as Administrações

Públicas. De certo modo, essa dicotomia entre trabalhadores e funcionários parece dar sinais

de esgotamento, na medida em que os termos estão sendo substituídos pela expressão

“empleado público”, que identifica todo trabalhador, público ou privado, que presta serviços a

um ente público qualquer. Nesse sentido, o EBEP, ao consagrar a expressão “empleado

público” para se referir indistintamente a trabalhadores e funcionários sugere a superação

dessa distinta denominação. Essa inclusive tem sido a terminologia usualmente adotada pelas

normas internacionais, conforme se constata na Carta Social Europeia e nas Convenções nº

151 e 154 da OIT. Não parece certo, portanto, conferir interpretação demasiadamente

restritiva ao termo “trabalhador” a que se refere o artigo 37.1 CE, o que seria incompatível

com a mesma terminologia adotada em outras normas constitucionais, a exemplo daquelas

contidas nos artigos 7, 28.2 e 149.1.7171.

Ademais, o fato de o artigo 37.1 CE ter optado pela expressão

“empresário” não leva necessariamente à exclusão da Administração Pública do âmbito de

aplicação do preceito constitucional. Concluir diferentemente é o mesmo que negar o direito à

negociação coletiva dos funcionários da Administração Pública. Conquanto seja evidente que

os objetivos perseguidos pela empresa e pela Administração sejam distintos, parece

irrecusável, conforme já demonstrado quando se tratou da tendência à homogeneização das

condições de trabalho em ambos os setores, a inexistência de diferença substancial nas

condições de prestação dos serviços. Igualmente não há óbice à aplicação do preceito aos

funcionários públicos em face da diferença entre liberdade sindical de trabalhadores e

funcionários, porquanto, conforme ficará demonstrado, o conteúdo essencial do direito

contido no artigo 28.1 é idêntico para ambos os coletivos, o que não seria afetado pelas

peculiaridades referidas no artigo 103.3 CE.

Portanto, o óbice para a inclusão da negociação dos funcionários no

artigo 37.1 CE não reside nos aspectos subjetivos, mas se relaciona com a impossibilidade da

171 MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los funcionarios públicos en la Constitución,

2002, p. 140.

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162

absoluta equiparação da negociação coletiva entre funcionários e Administração Pública com

a negociação coletiva que se deve garantir entre trabalhadores e empresários. Isso porque a

Constituição contempla estatutos distintos para trabalhadores (35.2 CE) e funcionários (artigo

103.3 CE). Logo, não resulta possível extrair da Constituição modelo único de negociação

coletiva que inclua trabalhadores e funcionários. Da mesma forma, do artigo 37.1 CE não

resulta mandamento ao legislador para conformar sistema uniforme de negociação coletiva

para as duas categorias de trabalhadores. De fato, a negociação coletiva dos funcionários

exige a compatibilização dos artigos 28.1 e 103.3 CE. Corretamente, a doutrina majoritária

posiciona-se no sentido de que “la inclusión o no de los funcionarios en el artigo 37.1 no es

tan transcedente, pues esa inclusión sólo podría significar la plena identidad del convenio

colectivo “laboral” y “funcionarial” en su naturaleza y efectos, lo que es muy

cuestionable”172.

Encontrar fundamento da negociação coletiva dos funcionários

públicos no artigo 37.1 CE, além de desconsiderar o sentido objetivo do termo “negociación

colectiva laboral”, tem o grave equívoco de pretender conferir tratamento unitário e integral

assimilação dos dois modelos de negociação. De fato, embora a consagração da liberdade

sindical dos funcionários implique necessariamente a transformação da concepção de função

pública, essa mudança paradigmática operada a partir de 1978 não tem o efeito de gerar a

completa e total uniformização dos dois regimes jurídicos, seja no plano das relações

individuais, seja no plano das relações coletivas. O importante é que

Se ha de establecer un nuevo reparto de papeles entre norma legal y la norma colectiva, pues sin deslegalizar y desreglamentar espacios normativos no podrá existir un margen de contractualización de la regulación jurídica de la relación de empleo público, aunque el convenio no llegue a ocupar la centralizad y espacio proprios de la negociación colectiva laboral.173

172 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. Ley y negociación colectiva en la función pública, en

Relaciones Laborales, núm. 14, 1997, p. 4. 173 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. Ley y negociación colectiva en la función pública, en

Relaciones Laborales, núm. 14, 1997, p. 8-9.

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163

7.2.4 A insuficiência da integração da negociação coletiva no conteúdo adicional da liberdade

sindical dos funcionários públicos

O Tribunal Constitucional da Espanha através de sua jurisprudência

vem delimitando o conjunto de faculdades e direitos que conformam a liberdade sindical nas

vertentes individual e coletiva. Nessa atividade distingue o conteúdo essencial do conteúdo

adicional da liberdade sindical. O conteúdo essencial do direito é integrado pelo seu núcleo

mínimo ou indisponível, no qual estão inseridas aquelas faculdades sem as quais o direito

perde sua peculiaridade. “El contenido esencial del derecho genérico de libertad sindical está

integrado naturalmente por cuantos derechos y facultades identifican o hacen reconocible el

ejercio del mismo”174. Certamente, a definição desse conteúdo essencial faz-se através de um

processo hermenêutico em que se assegure a unidade da Constituição, através de uma

interpretação integradora orientada pelos novos princípios e valores constitucionais. Esse não

foi o caminho seguido pelo TC, que terminou definindo o conteúdo da liberdade sindical dos

funcionários a partir do paradigma constitucional já superado.

Com efeito, na STC 9/1988, o TC assim conforma o conteúdo

essencial da liberdade sindical:

Según ha precisado reiteradamente este Tribunal, el art. 28.1 de la Constitución integra, como derechos de actividad, los de negociación colectiva, huelga e incoación de conflictos, medios de acción que contribuyen a que el sindicato pueda desenvolver la actividad a que es llamado por el art. 7 de la Constitución. Los derechos citados son un núcleo mínimo e indisponible de la libertad sindical.

Portanto, não é exaustiva ou limitativa, mas meramente explicativa, a

relação específica de direitos e faculdades referidas no artigo 28.1 CE, daí por que não esgota

todo o conteúdo essencial da liberdade sindical175.

174

PALOMEQUE LÓPEZ. Derecho Sindical Español, 1991, p. 113. 175 Estudo sobre o conteúdo da liberdade sindical encontra-se em PALOMEQUE LÓPEZ. Derecho Sindical

Español, 1991, p. 113-161; OJEDA AVILÉS. Compendio de derecho sindical, 1998, p. 34-93

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164

Já o conteúdo adicional do direito está integrado por faculdades ou

direitos de criação legal, que passam a integrar o seu conteúdo. Nesse sentido, observa o TC

na STC 9/1988 que “es evidente que los sindicatos pueden ostentar facultades o derechos

adicionales, atribuidos por normas infraconstitucionales, que pasan a integrar el contenido del

derecho”. Dichas facultades o derechos adicionales pueden quedar remitidos por la

Constitución, a efectos de su regulación, a la normativa legal o, en su caso, reglamentaria que

la crea, no teniendo, «per se», carácter de derechos fundamentales o constitucionales con

sujeto determinado”.

Esses direitos e faculdades adicionais, mesmo instituídas por

determinação da Constituição, não adquirem a natureza constitucional ou fundamental. No

entanto, conforme consignado na STC 9/1988,

El reconocimiento o creación legal o reglamentaria de un medio de acción sindical, adicional a los mínimos indispensables, y que atribuye facultades o derechos también adicionales a los sindicatos, impide alegar que afectan al contenido esencial de la libertad sindical los actos singulares, de aplicación o inaplicación - en su caso - de la norma, con efecto impeditivo, obstaculizador o limitador del ejercicio de tales facultades o derechos, del desenvolvimiento legítimo de tal medio de acción. Pero, al integrarse tales facultades en el núcleo de la libertad sindical, dichos actos contrarios a las mismas sí pueden calificarse de vulneradores del derecho fundamental, integrado no sólo por su contenido esencial, sino también por esos derechos o facultades básicas que las normas crean y pueden alterar o suprimir, por no afectar al contenido esencial del derecho.

O TC, modificando a jurisprudência contida na STC 57/1982, deu um

pequeno passo adiante através da STC 80/2000 ao reconhecer que a negociação coletiva

integra o conteúdo adicional da liberdade sindical dos funcionários públicos:

en la medida en que una ley (en este caso de la Ley 9/1987, modificada por la Ley 7/1990) establece el derecho de los Sindicatos a la negociación colectiva en ese ámbito, tal derecho se integra como contenido adicional del de libertad sindical, por el mismo mecanismo general de integración de aquél derecho en el contenido de éste, bien que con la configuración que le

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165

dé la ley reguladora del derecho de negociación colectiva [art. 6.3 b) y c) LOLS], siendo en ese plano de la legalidad donde pueden establecerse las diferencias entre la negociación colectiva en el ámbito laboral y funcionarial y el derecho a ella de los Sindicatos, no así en el de la genérica integración del referido derecho en el contenido del de libertad sindical.

Portanto, nesse precedente o TC sujeitou o direito à configuração dada

pela lei, negando assim a integração do direito no conteúdo essencial da liberdade sindical.

Na STC 224/2000, o TC assentou que

aun cuando el ejercicio del derecho de libertad sindical en el ámbito funcionarial admite constitucionalmente una modulación que atienda a las peculiaridades propias de aquél, y que del reconocimiento de su titularidad a los funcionarios no deriva como consecuencia necesaria el derecho a la negociación de este colectivo (STC 57/1982), ello no significa que, aun configurada legalmente aquélla (Ley 9/1987 en su redacción vigente), no quede integrada en el contenido del derecho de libertad sindical. Y ello por más que en el plano de la legalidad se establezcan así las diferencias entre la negociación colectiva en el ámbito laboral y en el de la función pública, diferencias que no alcanzan a la referida comprensión de ambos en el art. 28.1 CE.

Em outra oportunidade, na STC 85/2001, o TC manteve o

entendimento restritivo e reafirmou tratar-se de direito de configuração legal. Nesse

precedente, o TC refere-se às SSTC 57/1982 e 80/2000, pontuando que

El hecho de tratarse de un derecho esencialmente de configuración legal implica, entre otras cosas, según continuábamos diciendo en esta Sentencia, que los funcionarios y los Sindicatos titulares del mismo, así como las Administraciones públicas en las que éste se desarrolla, no son libres para ejercerlo de modo incondicionado, pues «la Ley 9/1987, modificada por la Ley 7/1990, no deja la configuración de la negociación colectiva a la plena libertad de los Sindicatos y de las Administraciones públicas concernidas, sino que establece por sí misma los órganos de negociación, el objeto de ésta y las líneas generales del procedimiento.

Portanto, o TC não considera a negociação coletiva dos funcionários

públicos integrada no conteúdo essencial da liberdade sindical, mas apenas no seu conteúdo

adicional. Nesse aspecto, o TC revela-se contraditório ao conferir tratamento diferenciado

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166

para o mesmo direito, entendendo-o de modo distinto em relação aos trabalhadores em geral e

aos funcionários. No tocante aos primeiros, embora inicialmente tenha negado integrar a

negociação o conteúdo essencial da liberdade sindical (SSTC 51/1984, F. J. 3, e 98/1985, F. J.

3), posteriormente passa a considerar que a negociação coletiva integra o conteúdo da

liberdade sindical garantida pelo artigo 28.1 CE (STC 108/1989, F. J. 2). Portanto, em relação

aos trabalhadores em geral, o conteúdo essencial da liberdade sindical está integrado por um

núcleo duro e indisponível de direitos, de natureza constitucional e fundamental, do qual faz

parte a negociação coletiva.

No caso dos funcionários, a negociação coletiva integra apenas o

conteúdo adicional, de configuração legal e que não compõe o conteúdo essencial do artigo

28.1 CE. Esse conteúdo adicional é uma criação da legislação promocional, com a limitação

de que

las normas infraconstitucionales pueden desarrollar el derecho de libertad sindical en clave de promoción, añadiendo al contenido esencial derechos o facultades de actuación sindical adicionales. Tales derechos, al no trascender al contenido esencial de la libertad sindical, no operan como límite de la actuación legislativa. En otras palabras, más allá del contenido esencial, el legislador dispone de un amplio margen de maniobra que le permite crear medios adicionales de promoción de la actividad sindical pero también configurarlas y limitarlas y, en el futuro, modificarlas o suprimirlas (STC 173/1992, F. J. 3).

Contraditoriamente, continua o TC tratando a negociação como

simples direito de reconhecimento e configuração exclusivamente legal, adotando um modelo

de liberdade sindical distinto entre os funcionários e os demais trabalhadores. Essa posição

mostra-se igualmente contraditória em face do tratamento conferido pela Lei nº 11/1985

(LOLS). Nesta, confere-se “un tratamiento unificado” em um texto legal único que inclue o

exercício dos direitos a que se refere o artigo 103 da CE, “sin otros limites que los

expresamente introducidos en ella”. De acordo com a LOLS, são trabalhadores para efeito de

livre sindicalização todos aqueles sujeitos a uma relação de caráter administrativo ou

estatutário a serviço da Administração Pública (artigo 1º.2). O direito à livre sindicalização

implica o direito à atividade sindical (artigo 2º.d), que compreende “el derecho a la

negociación colectiva, al ejercicio del derecho de huelga, al planteamiento de conflictos

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167

individuales y colectivos y la presentación de candidaturas para la elección […] de los

correspondientes órganos de las Administraciones Públicas” (art 2º, 2.d). A LOLS reconhece

o direito à negociação coletiva dos funcionários públicos ao determinar, através do artigo

6.3.c, que os sindicatos mais representativos gozam de capacidade representativa em todos os

níveis territoriais e funcionais para participar como interlocutores na determinação das

condições de trabalho nas Administrações Públicas mediante oportunos procedimentos de

consulta ou negociação. Na mesma linha, o artigo 8.2.b dispõe que as seções sindicais dos

sindicatos mais representativos e dos que tenham participação nos órgãos de representação

que se estabeleçam nas Administrações Públicas têm direito à negociação coletiva, nos termos

estabelecidos na sua legislação específica. Nesse aspecto, enquanto a LOLS exerce

adequadamente sua função promocional da negociação coletiva dos funcionários, o TC

mantém-se preso a concepções já superadas, confinando a negociação dos funcionários aos

marcos definidos pela lei, não reconhecendo as práticas negociais à margem e mesmo contra a

lei.

Dessa jurisprudência constitucional espanhola resulta injustificável

limitação da liberdade sindical dos funcionários, negando-se a um direito fundamental sua

eficácia imediata (artigo 53 CE). Sem a integração da negociação coletiva dos funcionários no

preceito do artigo 28.1 CE, seu reconhecimento fica condicionado à iniciativa do legislador.

Logo, segundo essa jurisprudência constitucional, o direito não existe até que seja regulado

por lei. Mas os problemas da configuração legal do direito não se resolvem com a legislação

regulamentadora, na medida em que predomina a postura de considerar válida exclusivamente

a negociação realizada nos termos e condições definidas pela lei. Além desses aspectos,

reconhecer a configuração constitucional do direito “implica por parte de la Administración la

obligación inexcusable de negociar la determinación de las condiciones de trabajo de sus

empleados públicos con caracter previo a cualquier decisión al respecto”176. No Brasil, a

solução dada pela jurisprudência foi ainda mais drástica, porquanto, mesmo assegurada a

liberdade sindical e apesar da regulamentação da Lei nº 8.112/90, o direito à negociação

coletiva dos funcionários foi extirpado pelo STF.

176 LANDA ZAPIRAIN; BAYLOS GRAU. La negociación colectiva en el marco de las administraciones

publicas: los problemas de su configuracion legal atual. Texto produzido para o workshop “La negociación

de las condiciones de trabajo de los empleados públicos al servicio de las Administraciones públicas vas,

realizado na Universidad de Oñati no período de 24 a 25 de abril de 2001, com a coordenação do Instituto de Sociologia Jurídica de Oñati.

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168

7.2.5 A necessária integração da negociação coletiva no conteúdo essencial da liberdade

sindical dos funcionários públicos

O artigo 28.1 CE, depois de assegurar que “Todos tienen derecho a

sindicarse libremente [...]”, autoriza que a lei “[...] regulará las peculiaridades de su ejercicio

para los funcionarios públicos”. Nessa linha, o artigo 103.3 dispõe que o estatuto dos

funcionários públicos regulará “[...] las peculiaridades del ejercicio de su derecho a

sindicación”. Sobre o conteúdo da liberdade sindical, esta “[...] puede ser calificada como

derecho fundamental de contenido complejo.”177 De fato, o direito de livre sindicalização

implica o reconhecimento da existência de um núcleo essencial, intocável, sob pena de

desfiguração do próprio direito à liberdade sindical, razão por que abalizada doutrina vem

considerando integrado nesse núcleo o direito à negociação coletiva dos funcionários

públicos. A jurisprudência constitucional não consagra essa conclusão, embora admita que a

modulação da liberdade sindical dos funcionários e a configuração legal da negociação

coletiva não signifique que esta “no quede integrada en el contenido del derecho de libertad

sindical” (STC 224/2000, F. J. 8). Apesar desse passo à frente, o TC não avança o suficiente

no sentido de reconhecer o direito de negociação coletiva como parte do núcleo mínimo e

indisponível do direito constitucional de liberdade sindical.

A doutrina majoritária espanhola entende que o direito à negociação

coletiva dos funcionários públicos deriva do direito de liberdade sindical do artigo 28.1 CE,

integrando seu conteúdo essencial. Rodriguez-Piñero considera que, ao integrar o direito à

negociação coletiva o conteúdo essencial da liberdade sindical, “[...] no puede ser suprimido

de forma absoluta como uma peculiaridad propia del derecho de sindicación de los

177

MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los funcionarios públicos en la

Constitución, 2002, p. 130.

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169

funcionarios”.178 No mesmo sentido, observa Luis Ortega Álvarez que “[…] la negociación

colectiva, al ser un elemento esencial para la obtención del fin de tutela colectiva inherente a

la sindicación, constituye un derecho de los funcionarios derivado de la aplicación directa de

la Constitución y, en concreto de su art. 28.1.”179. Na mesma direção opina Casas Baamonde,

para quem, na função pública, “el derecho de los funcionarios a negociar colectivamente con

las Administraciones públicas sus condiciones de trabajo se obtiene de su derecho

fundamental de libertad sindical del art. 28.1, ejerciéndose, en consecuencia, a través de

representantes sindicales conforme a las ‘peculiaridades’ de su régimen estatutario que el

legislador fije.180

Logo, o direito à negociação coletiva dos trabalhadores em geral e dos

funcionários tem o mesmo fundamento constitucional e a sede material reside precisamente

no artigo 28.1 CE, formando parte do conteúdo essencial da liberdade sindical. No caso do

Brasil, o direito à negociação coletiva tem sede material no artigo 37, VI, CF, que assegura ao

servidor público “o direito à livre associação sindical”. De fato, o direito de negociação dos

funcionários públicos constitui uma decorrência direta do seu direito à livre sindicalização,

haja vista que a negociação, assim como a greve são manifestações inseparáveis da atividade

sindical. Essa doutrina mais se justifica considerando que o funcionário, nesta condição, não

perde sua qualificação de trabalhador e cidadão, daí por que, em nome da especificidade e da

natureza do regime jurídico que o vincula com a Administração Pública, não pode sofrer

outras limitações ao exercício de seus direitos, além daquelas estritamente necessárias.

Justifica esse entendimento também a circunstância de que, sendo a liberdade sindical um

direito fundamental, o conteúdo essencial deve ser o mesmo para todos os seus titulares.

Destarte, consagrado aos funcionários o direito de liberdade sindical, tal como está

assegurado aos demais trabalhadores, a sujeição a peculiaridades não pode implicar limitação

ou exclusão do direito.

Com efeito, “Las peculiaridades no son excepciones o limitaciones al

derecho fundamental, sino, exclusivamente, modalizaciones para adaptar el contenido de la

178 RODRIGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER apud PALOMEQUE LÓPEZ. Derecho Sindical Español, 1991,

p. 334. 179 ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983, p. 319. 180

CASAS BAAMONDE. apud MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los

funcionarios públicos en la Constitución, 2002, p. 131.

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170

libertad sindical a las especialidades objetivas de la función pública”181. Sendo assim, conclui-

se que o mandamento constitucional ao legislador para regular as peculiaridades não importa

autorização para afetar a titularidade do direito nem limitar o conteúdo essencial da liberdade

sindical dos funcionários, “sino a las condiciones de ejercicio de las diferentes facultades que

componen la libertad sindical, condiciones de ejercicio que no tendrán porqué ser las mismas

para os unos y los otros”182. Logo, não se pode, em nome das peculiaridades, afetar o

conteúdo essencial do direito, do qual faz parte o núcleo mínimo e indisponível. Em outros

termos, considerar a negociação dos funcionários como simples parte do conteúdo adicional

da liberdade sindical, remetendo-a à configuração que lhe for dada pelo legislador, importa

admitir mandamento para limitar ou excepcionar direito fundamental. Essas peculiaridades a

serem reguladas pelo legislador relacionam-se com especialidades para o exercício do direito,

razão por que se afirma que a intervenção da lei deve ser branda e em nenhuma hipótese pode

afetar o complexo de faculdades inerentes à liberdade sindical, mas tão-somente o modo de

seu exercício.

Isso não significa afirmar que a negociação coletiva na função pública

tenha a mesma amplitude, extensão ou alcance da negociação coletiva laboral. É certo que

ambas se extraem do artigo 28.1 CE, reforçado pelas disposições do artigo 7º CE, entretanto a

esta se agrega as potencialidades do artigo 37.1 CE, enquanto àquela se impõe as

peculiaridades do artigo 103.3. Resulta desse conjunto normativo que a autonomia individual

e coletiva manifesta-se distintamente nos regimes jurídicos laboral e administrativo. E assim

deve ser em face do regime constitucional diferenciado a que está sujeita a Administração

Pública, como resulta evidente das normas que lhe atribui poder regulamentar e de direção

(artigo 97 CE), delegação de elaboração de leis (artigo 82 CE) e iniciativa legislativa e

elaboração de projetos de leis (artigos 87, 88 e 134 CE). Além do mais, impende considerar o

papel distinto que a lei ocupa nos dois regimes jurídicos. Com efeito, quando se fala

de reserva de ley y Administración pública o de sometimiento de ésta al principio de legalidad, se trata fundamentalmente de subrayar la imperatividad de la norma (F. J. 3º STC 99/1987), lo cual habrá de afectar necesariamente al ámbito propio de la negociación colectiva así como la

181

LAHERA FORTEZA. La titularidad de los derechos colectivos de los trabajadores y de los funcionarios, 2001, p. 177-178.

182 MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los funcionarios públicos en la Constitución, 2002, p. 111.

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171

función que la misma ha de cumplir, no tanto en cuanto revolución del sistema de fuentes formativas del Derecho administrativo como en el sistema e fuentes de la relación obligatoria que une al funcionario público con la Administración.183

183

MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los funcionarios públicos en la

Constitución, 2002, p. 111-112.

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172

8 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA EM NÍVEL LEGISLATIVO.

A CONFIGURAÇÃO DO DIREITO

Na jurisprudência constitucional espanhola subsiste a negociação

coletiva como direito de estrita configuração legal, ainda que integrada ao conteúdo adicional

da liberdade sindical dos funcionários públicos. Como consequência dessa interpretação

restritiva, hodiernamente prevalece o entendimento de que o direito à negociação não existe

fora da conformação legal, daí por que a negociação realizada fora dos parâmetros legais não

existe juridicamente, não tem natureza obrigatória e não possui eficácia jurídica. Destarte,

tratando-se de direito com configuração exclusivamente legal, faz-se necessário verificar o

tratamento que lhe foi conferido pelos sucessivos instrumentos normativos, cabendo, neste

ponto, a advertência de que toda regulação é ao mesmo tempo uma restrição, uma vez que o

exercício de um direito implica excluir desse exercício aquilo que a regulação deixar de fora.

A legislação regulamentadora foi paulatinamente dando conformação

ao direito, através de lento processo de aproximação em alguns pontos entre a negociação

coletiva dos funcionários e a dos demais trabalhadores. Esse processo tem início com a Lei nº

9/1987 (LORAP), modificada pela Lei nº 7/1990, e culminou com a Lei nº 7/2007 (EBEP),

que, apesar de manter os aspectos essenciais já definidos na regulação anterior, apresenta

algumas novidades, especialmente no tocante à regulação da negociação conjunta de

funcionários e trabalhadores. Passa-se ao exame da configuração legal do direito à negociação

coletiva dos funcionários, considerando que a experiência espanhola pode constituir

referencial relevante no momento em que está em curso no Brasil amplo debate objetivando a

regulamentação da matéria, sobretudo após a ratificação da Convenção nº 151, tornando mais

urgente e fundamental a institucionalização da negociação coletiva.

8.1 SISTEMA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA INSTITUÍDO

PELA LEI Nº 9/1987 (LORAP), MODIFICADA PELA LEI Nº 7/1990

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173

Na Espanha, a negociação coletiva na função pública foi

pioneiramente sistematizada na Lei nº 9, de 12 de maio de 1987, que dispunha sobre

“Órganos de Representación, Determinación de las Condiciones de Trabajo y Participación

del Personal al Servicio de las Administraciones Públicas (LORAP).184 O artigo 1º.1 definia o

âmbito de aplicação da LORAP, restrito ao pessoal vinculado às Administrações Públicas

através de uma relação de caráter administrativo ou estatutário. O artigo 2º.1 excluía

expressamente da incidência da LORAP os membros das Forças Armadas; os juízes,

magistrados e fiscais; os corpos e forças de segurança e o pessoal laboral sujeito ao regime de

Direito do Trabalho.

O Capítulo III tratava da negociação coletiva e da participação na

determinação das condições de trabalho, as quais o artigo 30 afirmava que deveriam realizar-

se mediante a capacidade representativa reconhecida às organizações sindicais pela LOLS,

além do previsto no citado Capítulo. Em sua redação original, este Capítulo tratava apenas de

participação na determinação das condições de trabalho, cuidando de processos meramente

consultivos que deveriam anteceder a definição das regras pertinentes à função pública pela

Administração. Mas a Lei nº 7, de 19 de julho de 1990, veio alterar a LORAP, dando ao

Capítulo III nova redação, que se traduzia na inclusão dos sistemas de negociação e consulta,

estabelecendo “[...] un modelo de participación fuertemente formalizado y centralizado que,

en principio, no permite fórmulas de participación informal o ‘extra legem’. Su configuración

legal determina la observância obligatoria de las formas de participación establecidas”.185

A LORAP concebia três processos de determinação das condições de

trabalho para a função pública: 1) negociação; 2) consulta; e 3) determinação unilateral. O

artigo 32 da LORAP dispunha sobre as hipóteses de negociação. A determinação unilateral

184

A negociação coletiva instituída pela Lei 9/1987 foi objeto de estudo específico pelos seguintes autores: GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionários, 1994; FENANDEZ DOMÍNGUEZ; RODRÍGUEZ ESCANCIANO. La negociación colectiva de los funcionarios públicos, 1996; ROQUETA BUJ. La negociación colectiva en la Función Pública, 1996; ARENILLA SÁEZ. La negociación colectiva

de los funcionarios, 1993. 185

GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 276.

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174

ocorria para as matérias mencionadas no artigo 34.1. O artigo 34.2 previa a consulta às

organizações sindicais toda vez que “[…] las decisiones de las Administraciones Públicas que

afecten a sus potestades de organización al ejercicio del derecho de los ciudadanos ante los

funcionarios públicos”. Nesse aspecto, embora as posições externadas pelos sindicatos no

procedimento de consulta não vinculassem a Administração, tratava-se de trâmite obrigatório

cuja inobservância determinava a nulidade de pleno direito da disposição administrativa.

No sistema da LORAP, a teor do artigo 35, da negociação poderia

resultar a confecção de acordos ou pactos, observando que os pactos se celebrariam sobre

matérias que corresponderiam estritamente ao âmbito de competência do órgão administrativo

que o subscrevesse e vinculariam diretamente as partes, ao passo que os acordos versariam

sobre matérias da competência do Conselho de Ministros, Conselhos de Governo de

Comunidades Autônomas ou órgãos correspondentes das entidades locais. Quanto aos

acordos, para sua validez e eficácia, seria necessária a aprovação expressa e formal destes

órgãos em seu âmbito respectivo.

Segundo Fernando Valdés Dal-Ré, considerando o texto contido na

LORAP, os acordos correspondem a regulamentos negociados, representando um produto

normativo de caráter estatal, “[…] en relación al cual la negociación colectiva constituye

exclusivamente un trámite preceptivo y vinculante cuya inobservancia determina la nulidad de

la decisión”. Por sua vez, os pactos versam sobre matérias cuja decisão é dotada “[…] de una

vinculabilidad directa entre las partes, pues no necesitam ulterior acto de aprobación, y

desarrollando una eficácia jurídica normativa al estilo de los convenios colectivos

laboraes”.186 Portanto, na LORAP, a confecção dos acordos correspondem ao modelo da

negociação consultiva, enquanto a dos pactos, ao da negociação vinculante.

Considerando exclusivamente os paradigmas anteriores, parece que a

LORAP importou considerável avanço na configuração do direito à negociação coletiva dos

funcionários. No entanto, analisada com a lente dos novos paradigmas constitucionais,

sobretudo com a proclamação do Estado Social e Democrático de Direito e do

186

VALDES DAL-RÉ. Los derechos de negociación colectiva y de huelga de los funcionarios públicos en el

ordenamiento jurídico español: una aproximación, en REDT, núm. 86, 1997, p. 856-857.

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175

reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários públicos (CE, artigos 1.1 e 28.1),

impende reconhecer que realmente a LORAP consagrou um modelo limitado, “una

negociación de tono menor, desvaluada”187. Conquanto reconheça alguns aspectos positivos

na regulação levada a efeito pela LORAP, a doutrina majoritariamente sustenta que esse

instrumento normativo poderia ter ido além e regulado melhor a matéria, “se hubiera partido

de uma regulación común y como peculiaridades se hubieran añido las especialidades propias

derivadas del âmbito funcionarial y de la Administración Pública”.188

Com efeito, considerando que os pactos, verdadeiros contratos

coletivos de imediata eficácia, possuem reduzido alcance, e que os acordos, de mais ampla

incidência, não geram efeitos senão quando adotados por atos regulamentares estatais,

constata-se que no sistema da LORAP a negociação coletiva encontra-se a meio caminho

entre o modelo de função pública de natureza estatutária, unilateralista, e o rompimento total

com este modelo, baseado na bilateralidade, com o protagonismo da autonomia coletiva na

determinação das condições de trabalho. De fato, a ruptura total teria ocorrido com a

assimilação dos acordos coletivos aos convênios do setor laboral, ou seja, com o

reconhecimento de plena eficácia normativa aos acordos coletivos da função pública, sem

sujeição a um controle de oportunidade algum, senão somente a um controle de legalidade

limitado, como ocorre no setor laboral.189

8.2 SISTEMA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA INSTITUÍDO

PELA LEI Nº 7/2007 (EBEP)

187 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico. Disponível

em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010. 188 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico. Disponível

em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010. 189 CARRERA ORTIZ. Naturaleza y eficacia jurídicas de la negociación colectiva en la función pública en

España, en REDT, núm. 38, 1989, p. 271.

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176

Cumpre agora examinar o atual regime jurídico da negociação coletiva

dos funcionários públicos introduzido pela Lei nº 7/2007, que regula o Estatuto Básico do

Empregado Público (EBEP). A análise aqui será mais detalhada, considerando que o marco

normativo em vigor na Espanha apresenta aportes significativamente úteis à

institucionalização do processo negocial no Brasil. Aqui não se procede a um exame de todos

e cada um dos aspectos da regulação, mas tão-somente os pontos com estreita conexão com a

eficácia do produto da negociação, com destaque para o âmbito subjetivo, a estrutura

negocial, os sujeitos negociadores, o conteúdo, o procedimento e a conclusão da negociação,

com enfoque para as situações de acordos e desacordos e suas consequências jurídicas. Em

diversos momentos aborda o tema do dever de negociar, com ênfase na singularidade do

caráter obrigatório da negociação para as Administrações Públicas, derivando daí a eficácia

negativa da negociação coletiva dos funcionários. Ademais, o estudo aprecia o princípio da

boa-fé negocial e sua implicação quanto à eficácia dos instrumentos resultantes da

negociação.

8.2.1 A regulação intervencionista e minuciosa contida na Lei nº 7/2007 (EBEP)

A Lei nº 7/2007, de 12 de abril, publicada no dia seguinte no Boletim

Oficial do Estado (BOE), que aprovou o EBEP, embora tenha um caráter continuista, na

medida que manteve os aspectos centrais do modelo até então em vigor, trouxe consideráveis

avanços, sobretudo por suprir diversas ambiguidades e vazios normativos contidos na

legislação anterior. A nova lei substitui a LORAP (Lei nº 9/1987, modificada pela Lei nº

7/1990), produz alterações parciais no Estatuto dos Trabalhadores – ET (RDL nº 1/1995) e

incorpora as modificações introduzidas pela Lei nº 21/2006. A mudança mais significativa é

certamente o reconhecimento da possibilidade de negociação conjunta entre funcionários e o

pessoal laboral.

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177

Outros aspectos positivos são ressaltados pela doutrina: reconhece o

direito de negociação coletiva como direito individual de exercício coletivo, outorga maior

eficácia direta e autônoma ao acordo alcançado, deixa para trás a concepção de negociação

como mera participação na elaboração de regulamentos e outras disposições normativas, dá

um passo à frente ao substituir a consulta pela negociação e reduz a discricionariedade

administrativa e o recurso ao unilateralismo em caso de não se chegar ao acordo ou quando

não se procede à sua ratificação, potencializando assim a via negocial ou os procedimentos

pacíficos de solução dos conflitos.190

Apesar de o Estatuto conter avanços e aperfeiçoamentos importantes

para a concretização do direito de negociação coletiva, merece crítica no ponto em que regula

de forma exaustiva e totalizadora a matéria, deixando pouco espaço para sua conformação

pelas Administrações territoriais e para que os sujeitos coletivos possam dispor sobre alguns

aspectos da negociação. Com essa observação, passa-se à análise do modelo de negociação

coletiva definido pelo Estatuto Básico, verificando inicialmente seu objeto, o âmbito de

aplicação e os princípios gerais que norteiam o novel sistema de negociação coletiva.

O EBEP “tiene por objeto establecer las bases del régimen estatutario

de los funcionarios públicos incluidos en su ámbito de aplicación”, bem como “tiene por

objeto determinar las normas aplicables al personal laboral al servicio de las Administraciones

Públicas” (artigo 1.1 e 1.2). O âmbito de aplicação compreende o “personal funcionario y en

lo que proceda al personal laboral al servicio” das Administrações Públicas nominadas no

artigo 2.1., com as especificidades elencadas nos outros dispositivos do artigo 2. Os artigos 3,

4 e 5, respectivamente, regulam o alcance em relação ao “personal funcionario de las

Entidades Locales”, ao “personal con legislación específica porpria” e ao “Personal de la

Sociedad Estatal Correos y Telégrafos”. Ademais, dispõe o artigo 7 que “El personal laboral

al servicio de las Administraciones Públicas se rige, además de por la legislación laboral y por

las demás normas convencionalmente aplicables, por los preceptos de este Estatuto que así lo

dispongan.”

190 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 11.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

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178

No tocante à negociação coletiva, as ideias centrais que norteiam a

elaboração normativa estão assim sintetizadas na Exposição de Motivos:

En esta materia se ha hecho un importante esfuerzo, de acuerdo con las recomendaciones de los expertos, para clarificar los principios, el contenido, los efectos y los límites de la negociación colectiva y para mejorar su articulación, a la vista de la experiencia de los últimos años y de la doctrina legal establecida por el Tribunal Constitucional y por el Tribunal Supremo.

Nesse aspecto, o EBEP elenca um conjunto de direitos individuais dos

empregados públicos que se exerce de forma coletiva, entre os quais está “la negociación

colectiva y a la participación en la determinación de las condiciones de trabajo” (artigo 15.b),

direito este reafirmado pelo EBEP ao estabelecer que “Los empleados públicos tienen

derecho a la negociación colectiva, representación y participación institucional para la

determinación de sus condiciones de trabajo” (artigo 35.1). De fato, o direito à negociação é

regulado em dois momentos distintos, primeiramente no Título III, Capítulo I, quando trata

dos direitos dos empregados públicos, referindo-se expressamente aos direitos individuais de

exercício coletivo. No mesmo Título III, dedica o Capítulo IV ao direito de negociação

coletiva, representação e participação institucional e ao direito de reunião. Esse conjunto

normativo, mesmo suprindo algumas ambiguidades e carências da regulação anterior, na

essência mantém o sistema próprio e peculiar de negociação coletiva.

Com efeito, o Estatuto possui a natureza de norma básica, significando

que seu conteúdo compreende as normas que são comuns ao conjunto de empregados de todas

as Administrações Públicas, correspondendo assim a uma síntese do sistema normativo que

diferencia o trabalho público do trabalho privado. O caráter básico indica também a

necessidade de posterior conformação pelas distintas Administrações territoriais, observadas

as competências respectivas e os princípios gerais que constam do próprio EBEP, bem como

indica a necessidade de assegurar espaço próprio para a negociação coletiva. Nesse sentido, a

natureza básica exige que a lei não regule de forma completa e detalhada todo o regime de

função pública, daí por que é imperativo constitucional que haja contenção normativa, com

regulação apenas das grandes diretrizes e dos aspectos fundamentais, de modo que exista

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espaço tanto para a conformação pelas Administrações territoriais como para o exercício do

direito de negociação coletiva.

Nesse ponto, é preciso considerar que a natureza básica não foi

observada na regulação da negociação coletiva, pois o legislador não se limitou a traçar os

seus aspectos mínimos. De fato, o modelo de negociação que emerge do Estatuto

éamplamente intervencionista, na medida em confere à matéria um tratamento exaustivo,

totalizador, esgotando sua regulação e deixando reduzido espaço para sua conformação pelas

Administrações ou pela autonomia coletiva. Portanto, se o EBEP tem o mérito de suprir

lacunas, carências, ambiguidades e deficiências contidas na LORAP, a disciplina rígida e

completa teve o grave defeito de impedir a correção de suas incoerências e inadequações. Isso

porque o artigo 31.7 inclui entre os princípios gerais que a negociação coletiva “deberá

respetar en todo caso el contenido del presente Estatuto y las leyes de desarrollo previstas en

el mismo”.

Destarte, o Estatuto consagra um sistema fortemente intervencionista,

fechado e uniforme para todos os âmbitos, auto-suficiente e suscetível de aplicação imediata,

constituindo um marco necessário e indisponível para a própria negociação coletiva. De fato,

o novo sistema regula todos os aspectos da negociação, abrangendo estrutura, sujeitos,

conteúdo, procedimento, efeitos dos acordos e sistemas de solução extrajudicial dos conflitos

coletivos. “No deja espacios de negociación ni procedimientos de negociación fuera del

mismo, ni siquiera informal, ni permite su alteración por la propia autonomía colectiva, que

no existiría fuera del marco legal”191. É certo que a regulação circunstanciada possui a

vantagem de proporcionar segurança jurídica à negociação, mas incide no grave risco de

comprometer o próprio exercício da autonomia coletiva.

De outra parte, o Estatuto deveria se limitar a definir os princípios

gerais a respeito da função pública, sem detalhamento nem esgotamento da regulação, de

modo que ficasse assegurado o exercício do poder regulamentar pelas diversas

191 LOPEZ GANDIA, J. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 4.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

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Administrações territoriais e o exercício da autonomia coletiva. Esta é uma exigência do

próprio desenho constitucional, daí por que

Se ha de establecer un nuevo reparto de papeles entre la norma legal y la norma colectiva, pues sin deslegalizar y desreglamentar espacios normativos no podrá existir un margen de contractualización de la regulación jurídica de la relación de empleo público, aunque el convenio no llegue a ocupar la centralizad y espacio de la negociación colectiva laboral192.

A minuciosa regulação da função pública pelo EBEP apresenta

profunda limitação para a negociação coletiva. A natureza básica do Estatuto reside na

consideração de que “Si la ley no debe regularlo todo, ni de forma cerrada, tampoco la ley y

su complemento regulamentario pueden hacerlo”193. Isso decorre do fato de que

la Constitución no impide, sino que incluso exige, que esa ley, y, en su caso, los reglamentos, tengan en cuenta la fuente colectiva, no agotando todos los posibles espacios de regulación, dejándole espacios reguladores o asignándole, como hace el Estatuto de los Trabajadores, funciones y cometidos reguladores específicos, también para promocionarla o favorecerla 194.

O EBEP não apenas regula de forma exaustiva e totalizadora o

modelo de negociação coletiva, como também já conforma os aspectos substanciais do

estatuto da função pública, deixando pouco espaço para a autonomia coletiva. É certo que o

artigo 37.1 especifica as matérias objeto da negociação, entretanto muitos dos conteúdos já

estão previamente regulados, de modo que “Algunas materias susceptibles de negociación,

por tanto, ya están reguladas en el Estatuto básico, unas de manera abierta, como mínimas,

otras de manera dispositiva, o supletoria, pero la mayoría de manera cerrada y

autosuficiente”195. Mesmo as normas de direito mínimo não são necessariamente conformadas

192 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. Ley y negociación colectiva en la función pública, en

Relaciones Laborales, núm. 14, 1997, p. 9. 193 RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. Ley y negociación colectiva en la función pública, en

Relaciones Laborales, núm. 14, 1997, p. 6. 194 DEL REY GUANTER; LUQUE PARRA. Criterios jurisprudenciais recientes sobre la negociación colectiva

de los funcionarios públicos, em Relaciones Laborales, núm. 4, 1997, p. 23. 195 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 8.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

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pela autonomia coletiva, uma vez que há de ser observada a repartição constitucional de

competências, daí por que frequentemente os vazios normativos devem ser preenchidos pelo

poder regulamentar das Comunidades Autônomas ou a das entidades locais.

Outro ponto a considerar diz respeito à relação entre lei e negociação

coletiva. Aqui é inaplicável o princípio da norma mais favorável, um dos princípios

definidores e mais característicos da hierarquia de fontes no Direito do Trabalho. Neste, as

normas atuam como um mínimo para a negociação coletiva (ET, artigo 3.3), cuja função

básica é incrementar os direitos assegurados na legislação, sendo muito raras as normas de

direito necessário absoluto, não suscetível à conformação pela autonomia coletiva. Na função

pública a situação é distinta, porquanto as normas são concebidas em termos de direito

necessário absoluto. Logo, a negociação coletiva há de observar sua peculiar forma de

inserção no esquema de fontes do ordenamento jurídico-administrativo, informado pelos

princípios de competência, hierarquia e reserva de lei.

Assim,

A diferencia de la negociación colectiva laboral la negociación colectiva no se sitúa en un espacio añadido a la ley y los reglamentos, sino en el interior de las fuentes, como condicionante de la propia regulación estatutaria. No se trata por tanto de si caben los convenios junto al bloque de legalidad sino cómo se relacionan con el mismo, cuál es el esquema de fuentes de regulación. La negociación colectiva funcionarial no es una fuente añadida al régimen estatutario sino la fuente de regulación del mismo, mediante la negociación prelegislativa, lo que no quiere decir que los acuerdos negociados sean absorbidos por estas196.

Como corolário, “la reserva de ley ya no afecte sólo directamente a la

negociación [...] sino también al propio resultado de la misma y al alcance de su eficacia

196 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 9.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

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vinculante, al distinguirse a efectos del contenido y eficacia de la negociación colectiva entre

materias de reserva de ley y las demás”197.

8.2.2 Reconhecimento legal da negociação coletiva conjunta de funcionários e trabalhadores

Considera-se aqui o âmbito subjetivo da negociação regulada pelo

EBEP. Conquanto essa normativa regule de um modo geral o regime jurídico dos empregados

públicos, conforme espectro antes delineado, essa mesma abrangência não se aplica à

negociação coletiva. Com efeito, mesmo após o EBEP subsistem dois sistemas de negociação

coletiva no âmbito das Administrações Públicas, um reservado aos funcionários e o outro

destinado ao pessoal laboral, submetidos a dois regimes jurídicos distintos. Embora a

expressão “empleados públicos” compreenda os funcionários públicos e também o pessoal

estatutário e laboral, o direito à negociação coletiva nos termos e condições do EBEP abrange

tão-somente o pessoal sujeito ao regime jurídico-administrativo. O pessoal laboral mantém o

direito à negociação coletiva regido pelo Título III do ET, não lhe sendo aplicável o Capítulo

IV do Título III do EBEP, haja vista o disposto no artigo 32, segundo o qual “La negociación

colectiva, representación y participación de los empleados públicos con contrato laboral se

regirá por la legislación laboral, sin perjuicio de los preceptos de este Capítulo que

expresamente les son de aplicación”. O sistema de negociação coletiva do EBEP somente é

aplicável ao pessoal laboral em se tratando de negociação conjunta, conforme a previsão do

artigo 36.3.

Essa é uma das grandes novidades introduzidas no sistema de

negociação coletiva nas Administrações Públicas. 198 Mesmo diante da insegurança jurídica

197 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 10.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

198 Obra completa sobre negociação coletiva conjunta foi produzida por MARÍN ALONSO. La negociación

colectiva conjunta del personal laboral y funcionarial en la administración pública. Los acuerdos mixtos, 1999. Análise breve da negociação conjunta no EBEP é realizada por ALFONSO MELLADO. Los derechos

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por falta de previsão na LORAP e apesar da jurisprudência do TS que negava viabilidade da

negociação conjunta, o certo é que os fatos suplantaram a rigidez normativa, e a articulação

unitária da negociação tornou-se uma experiência frequente nas relações coletivas envolvendo

os empregados e as Administrações Públicas. Eram negociações informais, destituídas de

eficácia legal, mas que terminaram sendo amplamente adotadas. As objeções à negociação

comum baseavam-se principalmente na circunstância de que o direito estava regulado por

normas distintas, o dos funcionários pela LORAP, enquanto a dos trabalhadores pelo ET.

Apontava-se também o inconveniente de que os acordos dos trabalhadores possuíam eficácia

imediata, enquanto em relação aos funcionários a eficácia jurídica estava condicionada à

aprovação expressa e formal. Indicava-se também o distinto grau de autonomia entre os dois

modelos de negociação, bem assim invocavam-se as distintas formas e meios de impugnação

dos acordos e convênios coletivos.

Além de tudo isso, a jurisprudência aponta outro fator complicador e

que diz respeito à distinta relação entre lei e negociação coletiva nos dois regimes jurídicos.

De fato, conforme já assinalado, nas relações sujeitas ao ET, as normas legais que estipulam

condições de trabalho constituem direito mínimo, ao passo que nas relações sujeitas ao regime

jurídico-administrativo as normas legais geralmente constituem direito necessário, abertas à

negociação coletiva nos termos e limites definidos pela própria lei. E esse foi o principal

fundamento adotado pelo TS para rechaçar a negociação conjunta. De fato, a jurisprudência

considerou que as cláusulas ajustadas que importavam melhoria das condições de trabalho,

conquanto válidas para os empregados regidos pelo ET, não possuíam validade jurídica em

relação aos funcionários. O problema residia na circunstância de que a normativa básica

aplicável aos funcionários não representava limites mínimos, mas limites máximos e assim

não franqueados à majoração pela autonomia coletiva.

Como corolário dessa jurisprudência, negava-se eficácia jurídica

própria à negociação conjunta, tornando necessário a adoção de procedimento de negociação

distinto para celebração dos respectivos instrumentos normativos, na forma rigidamente

definida pelas normas específicas. Na prática, frequentemente ocorria a negociação conjunta,

mas o resultado era materializado em instrumentos distintos e formalmente separados, através

colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 18-24; ROQUETA BUJ. El derecho de

negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público. 2007, p. 91-97.

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da celebração de Pactos e Acordos, no caso dos funcionários, e de convênios coletivos, no

caso dos trabalhadores. Essa exigência não levava em conta que a negociação unitária

resultava em economia e eficiência, na medida em que viabilizava o ajuste sobre matérias

comuns envolvendo funcionários e trabalhadores. Desse modo, considerando especialmente a

prática já consagrada e objetivando reduzir o grau de insegurança então existente, decorrente

da falta de regulação na LORAP, o EBEP passava a reconhecer um espaço para uma

abordagem comum e unitária da negociação de funcionários e trabalhadores. Com esse

propósito, o artigo 36.3 previa a constituição de uma Mesa geral de negociação em cada

âmbito da Administração. O reconhecimento legal da negociação conjunta supria o vazio

normativo, consagrando juridicamente uma prática generalizada, mas trazia consigo alguns

problemas, cuja solução haveria de ser construída com o próprio desenvolvimento da

negociação.

O primeiro ponto a considerar diz respeito ao caráter facultativo ou

obrigatório da constituição da Mesa geral de negociação unitária. A expressão “se constituirá”

sugere um comando, razão pela qual é razoável uma interpretação no sentido de reconhecer o

caráter obrigatório da constituição da Mesa geral e assim obrigatória igualmente seria a

negociação unitária. No entanto, essa não parece ser a melhor interpretação, levando em conta

a necessidade de conferir maior abertura à negociação, especialmente em face do princípio da

autonomia coletiva. Destarte, o termo “se constituirá” deve ser interpretado no sentido de que,

optando os sujeitos coletivos pela negociação unitária, impõe-se a observância do

procedimento definido no Estatuto Básico, não sendo possível conduzir negociação informal à

margem da lei. Em outros termos, a simples existência de matérias e condições de trabalho

comuns não impõe a negociação unitária, cabendo aos sujeitos coletivos a decisão de negociar

conjuntamente ou de forma isolada.

Em relação à legitimidade para a negociação conjunta, o EBEP

consagra o monopólio sindical como critério legitimador da negociação coletiva. Desse modo,

optando os trabalhadores por essa modalidade especial de negociação, a legitimação não

observa o critério da negociação laboral, mas aquela definida no próprio Estatuto Básico.

Tratando-se o artigo 36.3 do EBEP de norma especial, nesse aspecto prevalece sobre a norma

geral do artigo 87 do ET, daí por que na negociação conjunta fica excluída a representação

unitária. Logo, somente os sindicatos estão legitimados para a negociação conjunta.

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O Estatuto Básico indica as matérias objeto da negociação e aquelas

que estão excluídas (artigo 37). No tocante à negociação conjunta, não há a mesma

especificação. De certo modo, o próprio dispositivo já sugere as matérias e condições de

trabalho que são comuns e assim podem ser objeto de negociação unitária. Isso se dá

exemplificativamente com as letras a e m, que envolvem “La aplicación del incremento de las

retribuciones del personal al servicio de las Administraciones Públicas” e os temas que

“afecten a condiciones de trabajo de los empleados públicos”. Em relação a outras matérias

versadas no artigo 37.1, não se distingue desde logo se concernem exclusivamente aos

funcionários públicos ou se podem ser objeto de abordagem comum. Diante da falta de

clarificação na lei, cabe aos sujeitos coletivos a definição das matérias comuns objeto de

negociação, observados os critérios definidos na normativa básica.

Outro ponto sensível diz respeito às matérias excluídas da negociação

conjunta. No artigo 37.2 há matérias que se referem exclusivamente aos funcionários, mas

outras alcançam igualmente funcionários e trabalhadores, incluindo neste último caso, entre

outras, as decisões que afetem os poderes de administração e os direitos dos cidadãos e

usuários. Outras matérias estão excluídas apenas da negociação dos funcionários, mas que

podem ser objeto de negociação coletiva laboral, quando se trata, por exemplo, dos poderes de

direção e controle próprios da relação hierarquia (artigo 38.2.d). Nesse tema não é possível a

negociação conjunta.

De outro modo, também suscita questionamentos a possibilidade de o

instrumento normativo poder regular condições específicas para os funcionários ou para os

trabalhadores. Importa considerar que a nova regulação tem o propósito de legalizar práticas

habituais, em que já se consagram a negociação unitária, mas seu resultado tem que ser

materializado em instrumentos distintos. Nessa perspectiva, parece que não é possível a

negociação em aspectos que não sejam comuns aos dois coletivos. No entanto, apesar de o

resultado do ajuste coletivo ser formalizado em um mesmo instrumento, não parece haver

óbice legal que se contemple especificidades em relação ao âmbito do conjunto de

funcionários ou trabalhadores. De todo modo, conforme se abordará adiante no tocante aos

conteúdos incluídos e excluídos da negociação coletiva, a interpretação deve-se orientar para

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potencializar o direito de negociação, ampliando conteúdos possíveis para a negociação, o que

implica a necessidade de interpretar-se extensivamente o artigo 38.1 e restritivamente o artigo

38.2. Essa interpretação indica a possibilidade de o instrumento conjunto abordar aspectos

específicos para um determinado segmento de empregados públicos.

Recorrendo as partes à solução extrajudicial, as normas aplicáveis não

são as mesmas, haja vista que nessas situações aplicam-se as normas específicas para

funcionários e trabalhadores, nos termos do artigo 45 EBEP e dos artigos 85.1 e 91 ET.

Tratando-se de suspensão ou modificação dos instrumentos, “cuando excepcionalmente y por

causa grave de interés público derivada de una alteración sustancial de las circunstancias

econômicas” (artigo 38.10), essa situação implica solução uniforme para funcionários e

trabalhadores. No entanto, quando houver impugnação judicial, a questão assume maior

complexidade em face da possibilidade de decisões contraditórias considerando a diversidade

de competência jurisdicional. Desse modo, anulada a negociação em relação a um dos

coletivos de empregados públicos, não é possível estender os efeitos da decisão ao outro

coletivo, mas para preservar a coerência e garantir a uniformidade de regulação, ideia que

permeia o espírito da negociação conjunta, o certo deve ser a renegociação.

8.2.3 O exercício do direito de negociação coletiva na função pública na Lei nº 7/2007

(EBEP)

Integrando o direito à negociação coletiva dos funcionários agora de

forma clara e expressa o EBEP, que deve observar em todo caso as normas nele previstas

(artigo 37.1), faz-se necessário analisar os aspectos centrais da regulação implementada pela

Lei nº 7/2007. Isso porque o Estatuto Básico disciplina o direito à negociação coletiva de

forma intervencionista, abrangente e exaustiva, de modo que é preciso considerar em sua

integralidade o sistema próprio e peculiar da negociação coletiva dos funcionários. Sendo

assim, a compreensão dos limites e possibilidades da negociação somente se torna possível a

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partir do exame da regulação levada a efeito pelo EBEP acerca do âmbito subjetivo, estrutura,

sujeitos, conteúdo, procedimento e terminação da negociação. O tema da eficácia e seus

aspectos correlatos constituem o objeto central desta investigação e por isso serão apreciados

no capítulo seguinte.

8.2.3.1 Âmbito subjetivo da negociação coletiva

No tocante ao âmbito subjetivo, o direito à negociação coletiva está

assegurado a todos os funcionários públicos que têm reconhecida a liberdade sindical, mas

seu exercício se dá de forma coletiva (artigo 31.1), através dos órgãos e sistemas específicos.

Nos termos do artigo 31 EBEP, apesar de o direito ser reconhecido aos “empleados públicos”,

a negociação coletiva do pessoal laboral das Administrações Públicas rege-se pelo Título III

do Estatuto dos Trabalhadores, não lhes sendo aplicáveis as normas do Capítulo IV do Título

III, EBEP (artigo 32). Essa exclusão funda-se na diversidade de regimes jurídicos e justifica

um tratamento não uniforme para a negociação coletiva, na medida em que há uma distinção

na relação entre lei e instrumento coletivo para essas duas categorias de trabalhadores

públicos. De fato, no âmbito laboral, a lei constitui um mínimo para a negociação, sendo

excepcionais as normas de direito necessário em relação às quais não há espaço para a

engociação. No âmbito da função pública, as normas não constituem um mínimo para a

negociação, sujeitando-se ao princípio da competência reguladora, no sentido de que a

negociação deve incidir sobre matérias negociáveis e assim mesmo observado o âmbito

respectivo. Nada obstante, tratando-se de negociação conjunta, as normas do EBEP

constituem indiretamente disposições especiais em relação ao Estatuto dos Trabalhadores.

Consagrando o EBEP a expressão “funcionários” para referir-se às

categorias abrangidas pela negociação coletiva, resulta que o termo abrange os funcionários

de carreira (artigo 9º), os funcionários interinos (artigo 10) e o pessoal estatutário (artigo 2.4).

Compreende a negociação essas categorias integrantes da Administração Geral do Estado, das

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Administrações das Comunidades Autônomas e das Cidades de Ceuta e Mellila, das

Administrações das Entidades Locais, dos Órgãos Públicos, Agências e demais Entidades de

Direito Público com personalidade jurídica própria, vinculadas ou dependentes de quaisquer

das Administrações Públicas, assim como das Universidades Públicas. De outra parte, estão

excluídas da negociação as categorias que envolvem o pessoal eventual (artigo 12) e o pessoal

diretivo (artigos 13 e 37.2.c). Estão excluídos das disposições do EBEP, salvo remissão

expressa, e da negociação coletiva por ele regulada as categorias sujeitas à legislação

específica (artigo 4º)199. Ainda, o pessoal da Sociedade Estatal de Correios e Telegráfos

também se rege por normas específicas e apenas supletivamente são aplicadas as normas do

EBEP (artigo 5º).

8.2.3.2 Estrutura da negociação coletiva: as Mesas

Quanto à estrutura da negociação, há diferença substancial do modelo

“livre” adotado pelo ET, na medida em que o EBEP institui órgãos específicos e adota um

esquema “rígido” em torno das Mesas previamente criadas pela lei como órgãos estáveis que

preexistem e subsistem a cada negociação, cuja composição também está determinada

legalmente, sem que os sujeitos negociadores detenham capacidade de ajustar a estrutura

negocial. Resulta então que, diferentemente do que ocorre no setor privado, a autonomia

coletiva na função pública está delimitada por uma prévia regulação legal que determina de

forma necessária e inalterável a estrutura da negociação. La negociación colectiva no es [...]

constituyente y soberana sino que está ya constituida y determinada por la ley. No es libre

como en el ámbito laboral, para eligir las unidades de negociación sino que éstas vienem

199

Às categorias que seguem somente se aplica o EBEP quando a legislação específica expressamente assim dispuser: “a) Personal funcionario de las Cortes Generales y de las Asambleas Legislativas de las Comunidades Autónomas. b) Personal funcionario de los demás Órganos Constitucionales del Estado y de los Órganos Estatutarios de las Comunidades Autónomas. c) Jueces, Magistrados, Fiscales y demás personal funcionario al servicio de la Administración de Justicia. d) Personal militar de las Fuerzas Armadas. e) Personal de las Fuerzas y Cuerpos de Seguridad. f) Personal retribuido por arancel. g) Personal del Centro Nacional de Inteligencia. h) Personal del Banco de España y Fondos de Garantía de Depósitos en Entidades de Crédito.”

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predeterminadas por la ley, como una realidad anterior a la propria negociación y de la que no

cabe disponer”200. Trata-se assim de uma negociação muito peculiar, ajustada à própria

estrutura administrativa e imposta por via legal que “obedece a la idea de homogeneidad e

igualdad en la determinación de las condiciones de trabajo, de manera que se evite la

fragmentación, sea territorial, [...] sea funcional o personal por cuerpos o categorías, esto es,

se trataba de prevenir hasta donde fuera posible el corporativismo en este ámbito”201.

O EBEP estrutura a negociação através de mesas de negociação,

verdadeiras peças de sua engrenagem estrutural202, instituídas como instrumentos através dos

quais se deve realizar a negociação. Análise comparativa entre a LORAP e o EBEP indica que

as modificações substanciais introduzidas em relação às unidades negociadoras são assim

sintetizadas: a) cria uma Mesa Geral de Negociação das Administrações Públicas,

compreendendo a Administração Geral do Estado (AGE), as Comunidades Autônomas

(CC.AA) e as Entidades Locais (EE.LL) e as organizações sindicais; b) prevê a criação de

Mesas de negociação comum para os funcionários e os trabalhadores a serviço de uma mesma

Administração Pública; c) atribui aos membros das Mesas de negociação a competência para

determinar a data de início das negociações e as matérias a negociar, extinguindo assim as

denominadas “supermesas gerais”; d) elimina a relação de Mesas setorias de criação

obrigatória na AGE e amplia as possibilidades das Mesas gerais de negociação no momento

de constituição das Mesas setoriais; e e) admite a negociação de âmbito supramunicipal e

prevê a adesão a Acordos celebrados na área territorial de cada Comunidade Autônoma.203

O estudo das unidades de negociação estabelecidas pelo EBEP indica

algumas características da estrutura negocial: a) intervencionismo legislativo e a fixação

heterônoma das unidades negociadoras; b) estrutura centralizada das unidades de negociação,

excepcionada apenas pela possibilidade de criação de Mesas setoriais; c) estrutura vertical das

200 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 13.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

201 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 14.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

202 BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005. 203 ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p.

114.

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190

unidades de negociação; e d) interdependência entre as unidades de negociação.204 Essas

características geralmente são atribuídas à peculiaridade da liberdade sindical dos

funcionários públicos a que se refere a CE, artigo 28.1, daí resultando a necessidade de

adaptação da estrutura negocial à organização das Administrações Públicas, de modo que a

estrutura administativa termina condicionando a estrutura da negociação coletiva dos

funcionários. Reforça esse modelo a circunstância de que as competências são irrenunciáveis

e devem ser exercidas exatamente pelos órgãos administrativos nelas investidos por

delimitação constitucional.

Passa-se à análise das Mesas de negociação, que constituem o

instrumento técnico através do qual se deve canalizar a negociação coletiva dos funcionários.

No primeiro nível, está constituída a Mesa Geral de Negociação de todas as Administrações

Públicas, com representação de todas elas, tendo por objetivo conferir ampla participação das

administrações autônomas e aos entes locais na negociação de matérias que de todo modo o

Estado adotaria diante de sua natureza básica ou então por afetar os padrões remuneratórios

ou os limites estabelecidos na lei orçamentária do Estado (artigo 36.2). As matérias objeto da

negociação neste nível são geralmente próprias da regulação estatal e em regra configuram

uma negociação pré-legislativa. A Mesa Geral é especialmente relevante e se justifica “en la

medida en que las bases del régimen estatutario y el incremento de las retribuiciones acaban

afestando a las demás Administraciones Públicas y no sólo a la del Estado”205. As matérias

negociáveis são aquelas que “resulten susceptibles de negulación estatal con caráter de norma

básica”, que alcança exclusivamente os funcionários, na forma da CE, artigo 149.1.18. A

negociação desenvolvida deve respeitar as competências normativas em matéria de função

pública das CC.AA, posto que a negociação deve-se realizar “sin perjuicio de los acuerdos a

que puedan llegar las Comunidades Auónomas en su correspondiente ámbito territorial en

virtud de sus competencias exclusivas y compatidas en materia de Función Pública” (artigo

36.2).

204 ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p.

126. 205 LOPEZ GANDIA, J. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 15.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

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Não obstante as matérias objeto da negociação nesse nível serem de

competência do Estado, justifica-se a participação de todas as Administrações Públicas. Isso

se dá porque as bases do regime jurídico-administrativo, assim como os incrementos salariais,

terminam afetando não somente o Estado, mas igualmente as Administrações das CC.AA e

dos EE.LL. A negociação desenvolvida não regula exclusivamente as condições de trabalho

sujeitas ao regime da função pública, eis que alcançam também o pessoal laboral, tal como se

constata da legitimação negocial e das matérias inseridas nesse nível de negociação (artigos

36.2 e 37). No ponto, insere-se na atribuição da Mesa a determinação do incremento global

das retribuições do pessoal de todas as Administrações Públicas, a ser incorporada ao projeto

de lei orçamentária do Estado. Essa circunstância por certo limita a própria negociação

coletiva laboral. O Acordo firmado não se materializa em convênio coletivo nem possui a

eficácia do artigo 83 ET, sujeitando-se ao regime e ao instrumento que dispõe sobre a

negociação dos funcionários.

Nesse aspecto, “Los topes retributivos se negocian en este marco no

porque sea una materia básica, que no lo son [...], sino por tratar-se de medidas coyunturales

sobre el gasto público, una variable de la política económica, que por razones de igualdad y

solidaridad se aplican a todos los empleados públicos”206. Esse foi o entendimento consagrado

na STC 148/2006, de 9 de maio. 207 O reconhecimento da estreita conexão entre política

econômica e retribuição dos trabalhadores públicos por certo implicava a aceitação de que a

negociação coletiva está sujeita aos limites legais, não podendo concluir acordos, pactos ou

convênios coletivos que resultem crescimento da massa retributiva ou da massa salarial global

superior ao autorizado pela lei orçamentária (artigo 37.1.a). Muito diferente disso é admitir

que o governo possa descumprir acordos já firmados a pretexto de imperiosa necessidade de

206 LOPEZ GANDIA, J. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 15.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

207 Assim consta da STC 148/2006: “En el caso que nos ocupa, y teniendo en cuenta la directa relación que existe entre la fijación de la política económica general por parte del Estado y la decisión de congelar las retribuciones del personal al servicio de todas Administraciones públicas, también cabe aceptar el carácter básico de esta última decisión, puesto que se trata de una medida coyuntural que el legislador estatal considera necesaria para conseguir los objetivos de política económica general que se explicitan en el preámbulo de la Ley de presupuestos generales del Estado para 1997: crecimiento económico y convergencia real y nominal con los países que integran la Unión Europea. El indudable impacto de las retribuciones del personal al servicio de todas las Administraciones públicas en las magnitudes macroeconómicas y el hecho de verse acompañada por otras decisiones en el mismo sentido, como la restricción en la oferta de empleo público durante el mismo ejercicio, deben conducir a aceptar, teniendo en cuenta los límites de este Tribunal en el control de estas decisiones macroeconómicas, La legitimidad competencial de la congelación salarial prevista en el art. 17 de la Ley de presupuestos generales del Estado.”

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ajustes econômicos. Isso porque qualquer medida nessa direção importa violação da função da

Mesa geral de negociação das Administrações Públicas e do direito de negociação coletiva

reconhecido na CE, no EBEP e no ET.

No segundo nível, encontra-se a Mesa Geral de negociação em cada

Administração, encarregada da negociação coletiva das condições de trabalho dos

funcionários públicos em cada um dos seguintes âmbitos: AGE, cada uma das CC. AA.,

Ceuta, Melilla e em cada Entidade Local. O âmbito de atuação das respectivas unidades

negociadoras está previamente delimitado segundo a repartição de competências normativas

em matéria de função pública entre os três níveis territoriais. A delimitação de competências

não implica que as relações entre as distintas mesas sejam estanques, porquanto entre elas há

implicações recíprocas. Isso ocorre quando a negociação se dá em determinado âmbito e o

objeto adquire transcendência para alcançar também funcionários de outras Administrações

Públicas. De outra parte, o Estatuto Básico permite estruturas de negociação em âmbito

supramunicipal, na medida em que “reconoce la legitimación negocial de las asociaciones de

municípios, así como la de las Entidades Locales de ámbito supramunicipal” (artigo 34.2).

Por fim, no terceiro nível, encontram-se as Mesas setoriais, que

podem ser instituídas “en atención a las condiciones específicas de trabajo de las

organizaciones administrativas afectas o a las peculiaridades de sectores concretos de

funcionarios públicos y a su número” (artigo 34.4). Esta é a maior novidade introduzida pelo

EBEP em relação à estrutura negociadora, adotando no ponto um modelo descentralizado e

flexível, na medida em que as mesas setoriais não são mais determinadas legalmente, posto

que sua constituição é flexivelmente decidida pelas Mesas gerais, seja em relação ao âmbito

pessoal, seja em relação ao conteúdo material (artigo 34.5). De fato, o artigo 31.1 LORAP

estabelecia que, formada a Mesa geral, constituíam-se mesas setoriais para a negociação

coletiva nos setores específicos que o próprio texto legal relacionava, fixando-se assim uma

série de mesas setoriais.

Ao suprimir a lista de mesas setoriais de constituição obrigatória, o

Estatuto Básico confere maior protagonismo à autonomia coletiva, aproximando-se em

alguma medida do sistema de negociação laboral, haja vista que a criação das mesas setoriais

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e as matérias que podem negociar já não dependem da lei, mas da Mesa geral correspondente.

É certo que o próprio EBEP já estabelece critérios para a criação das mesas setoriais, como a

observância “al número y peculiaridades de sectores concretos de funcionarios públicos”,

assim como deve considerar “condiciones específicas de trabajo de las organizaciones

administrativas afectas”. Embora no novo modelo haja ampla margem de discricionariedade

para a criação das mesas setorais, “parece que en su creación siguen excluidos los criterios

personales, de cuerpos o categorías, aunque no las peculiaridades de sectores concretos o

incluso de centros de trabajo, pero siempre que afecten a todos los cuerpos y categorías

presentes en los mismos”208.

8.2.3.3 Sujeitos negociadores: a composição das Mesas

Diferentemente do sentido objetivo, em que as Mesas constituem

unidades negociadoras, por meio das quais se desenvolve a negociação, o sentido subjetivo

aqui examinado indica que as Mesas são órgãos de composição mista, institucionalizados,

bipartites, dos quais participam representações da Administração Pública correspondente e

dos sindicatos legitimados, cada qual portadora de interesses próprios e naturalmente

conflitantes. Por certo, as mesas não possuem capacidade nem legitimidade negocial,

entendidas estas expressões, respectivamente, como “aptitude abstracta para ser parte en la

negociación colectiva” e como indicação dos “sujeitos habilitados para actuar en el âmbito de

cada mesa negociadora concreta”209. Destarte, passa-se à análise dos aspectos centrais

relacionados à capacidade e legitimação quanto às duas partes da negociação, com enfoque

sobre as alterações introduzidas pelo EBEP.

208 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 16.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

209 BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005, p. 115.

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Da parte dos funcionários, o EBEP mantém o modelo fundado no

monopólio sindical da negociação e na capacidade negocial reconhecida exclusivamente às

organizações sindicais mais representativas e suficientemente representativas, baseada em

“una titularidad sindical seleccionada”210. Reafirma-se a opção do legislador por um modelo

legal sindicalizado, que é “producto de una política coherente enraizada en la potenciación del

sindicato como único agente de la acción sindical”211, e em certa medida melhor se ajusta às

características das Administrações Públicas. Por tratar-se de regulação de caráter básico, o

modelo de negociação sindicalizada impede sua modificação através de lei das CC.AA ou da

autonomia coletiva, assim como exclui a possibilidade de que outros entes coletivos sem

personalidade sindical possam participar da negociação. Coerente com a negociação

sindicalizada, o EBEP continuou negando capacidade negociadora aos órgãos de

representação legal dos funcionários (Delegados de Pessoal e Juntas de Pessoal). A exclusão

alcança também a negociação conjunta de funcionários e laborais, solução considerada

constitucional, posto que a representação unitária tem configuração legal e por isso nada obsta

que outra norma legal possa excluir essa representação de processos específicos de

negociação. O modelo tem sido justificado na ideia de que, “además de ser una legítima y

constitucional opción de política legislativa, es coherente con la estructura de la negociación

colectiva en la función pública porque los ámbitos de las juntas y delegados de personal no

coinciden, geralmente, con el ámbito de las Mesas de negociación”212. Essa opção pela

negociação sindicalizada se ajusta ao sistema brasileiro, na medida em que a Constituição

Federal de 1988 impõe a obrigatoriedade de participação dos sindicatos na negociação

coletiva, o que afasta a possibilidade de entes sem personalidade sindical participarem do

processo negocial.

Além de manter o monopólio sindical, o Estatuto Básico preserva a

capacidade negocial exclusivamente aos sindicatos mais representativos ou suficientemente

representativos, apurada a representatividade na forma dos artigos 6 e 7 LOLS (EBEP, artigo

33.1 e 35.2). As grandes organizações sindicais restaram fortalecidas, em prejuízo de outras

de menor representatividade. O modelo peculiar adotado faz com que a condição de ente 210 LAHERA FORTEZA. La titularidad de los derechos colectivos de los trabajadores y de los funcionarios,

2001, p. 277. 211 LAHERA FORTEZA. La titularidad de los derechos colectivos de los trabajadores y de los funcionarios,

2001, p. 304. 212 LAHERA FORTEZA. La titularidad de los derechos colectivos de los trabajadores y de los funcionarios,

2001, p. 278.

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sindical não garanta por si a integração na Mesa negociadora, na medida em que o legislador

optou por um monopólio sindical qualificado, que põe à margem do processo negocial

aqueles sindicatos que não atingem percentuais mínimos para a obtenção da

representatividade. Essa opção, no entanto, no entender do TC, não importa violação à

liberdade sindical, tal como afirmado na STC 224/2000, haja vista que

resulta, sin duda alguna, compatible con la configuración legal del ejercicio del derecho a negociar, restringiendo la legitimación para formar parte de la comisión negociadora a las organizaciones sindicales que acrediten un cierto nivel de representatividad allí donde el legislador ha querido dotar al acuerdo resultante de unos determinados y específicos efectos jurídicos, como sucede en el caso de la negociación laboral estatutaria o en el ámbito de la función pública.213

A exigência de um mínimo de representatividade está também em

discussão no Brasil e a experiência espanhola já demosntra que se trata de solução

constitucional, legítima e necessária.

A legitimidade negocial está previamente definida no Estatuto Básico

e corresponde aos sujeitos legitimados para intervir diretamente nas distintas mesas

negociadoras. A matéria é de ordem pública, razão pela qual a outra parte não detém poder

para atribuir ou negar a condição de sujeito legitimado para negociar, assim como essa

matéria está excluída de qualquer disponibilidade através da autonomia coletiva. Da parte dos

funcionários, a legitimação é conferida às organizações sindicais mais representativas a nível

estatal ou de comunidade autônoma e às organizações sindicais com representatividade de

10% na unidade correspondente (EBEP, artigo 33.1). O critério para apurar a

representatividade é a denominada “audiencia electoral”, obtida diretamente ou por irradiação

entre as organizações sindicais. Em todo caso,

213 ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p.

217, considera “que la redución de la legitimación negocial en favor de los sindicatos representativos encuentra su justificación constitucional en la eficacia general de los Pactos y Acuerdos y en la necesidad de garantizar la eficacia y el buen funcionamiento de la Administración, y que dicha limitación constituye una peculiaridad de la libertad sindical de los funcionarios, pues los sindicatos que no ostentan una mínima representatividad, a diferencia de lo que sucede en el ámbito privado, no tienen otras vías de participación o negociación alternativas”.

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Las variaciones en la representatividad sindical, a efectos de modificación en la composición de las Mesas de Negociación, serán acreditadas por las Organizaciones Sindicales interesadas, mediante el correspondiente certificado de la Oficina Pública de Registro competente, cada dos años a partir de la fecha inicial de constitución de las citadas Mesas (artigo 35.2).

O Estatuto, além dos aspectos relacionados à constituição e

composição da Mesa negociadora, impõe que as “organizaciones sindicales representen, como

mínimo, la mayoría absoluta de los miembros de los órganos unitarios de representación en el

ámbito de que se trate” (artigo 35).

Do lado administrativo, em termos gerais, o Estado é quem figura

como parte contratante na negociação coletiva. O termo “Estado” possui dimensão genérica e

corresponde a qualquer administração territorial, dotada de personalidade jurídica e que se

obriga ao cumprimento do que ajustado na Mesa negociadora. Todas as Administrações

Públicas territoriais possuem competências normativas sobre as condições de trabalho dos

seus respectivos funcionários. Destarte, nas Mesas de negociação “estarán legitimados para

estar presentes los representantes de la Administración Pública correspondiente” (artigo 33.1),

o que é reforçado com o estabelecimento de que “los representantes de las Administraciones

Públicas podrán concertar Pactos y Acuerdos con la representación de las Organizaciones

Sindicales legitimidas a tales efectos (artigo 38.1). Nesse sentido, a capacidade contratual

corresponde à AGE, às CC.AA e aos EE.LL, que

podrán encargar el desarrollo de las actividades de negociación colectiva a órganos creados por ellas, de naturaleza estrictamente técnica, que ostentarán su representación en la negociación colectiva previas las instrucciones políticas correspondientes y sin perjuicio de la ratificación de los acuerdos alcanzados por los órganos de gobierno o administrativos con competencia para ello (artigo 33.2).

Considerando a pluralidade de órgãos que compõem as

Administrações Públicas, aclara-se que a condição de parte contratante radica na

Administração Pública em sentido formal e somente pode firmar ajuste o órgão nela integrado

e investido na respectiva competência normativa em matéria de pessoal. A regulação da

matéria deve-se inserir na competência da Administração, o que inclui as hipóteses em que,

mesmo sujeitas à reserva da lei ou por exigências de disponibilidades orçamentárias, deva ao

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final serem deliberadas pelo Parlamento. Nessas situações, a Administração possui

capacidade negocial em relação às matérias, havendo distinção apenas quanto ao

procedimento a ser observado, posto que o acordo alcançado nas matérias de competência do

legislador deve ser previamente apreciado pelo órgão de governo respectivo, seguindo-se a

elaboração, aprovação e remessa do projeto de lei ao órgão legislativo, segundo o conteúdo e

prazo acordado (artigo 38.3). Ademais, existindo competências normativas concorrentes, o

ajuste deve corresponder à esfera de atribuições próprias da Administração em que o órgão

esteja integrado, do mesmo modo, dentro de cada Administração, a negociação deve ser

realizada pelo órgão que detém competência hierárquica, em razão da matéria e territorial214.

8.2.3.4 Conteúdo da negociação coletiva: matérias incluídas e excluídas da negociação

O EBEP procura melhor delimitar o conteúdo da negociação,

estabelecendo mais claramente as matérias de negociação obrigatória e aquelas excluídas da

negociação coletiva. O enunciado normativo indica o propósito de ampliar o rol de matérias

negociáveis, mas as múltiplas referências ao termo “criterios generales”, a ausência da

cláusula residual do artigo 32, letra k, do artigo 32 LORAP, e a referência a novas matérias

excluídas da obrigatoriedade da negociação podem ensejar uma compreensão mais restritiva

quanto às condições de trabalho negociáveis. Por certo, o alcance da negociação na função

pública é mais limitado que no âmbito das relações privadas e isso resulta do cotejo entre o

artigo 85.1 ET215 e o artigo 37 EBEP216. No entanto, a compreensão adequada do conteúdo da

negociação somente se torna possível com a análise evolutiva do tratamento legislativo.

214 ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p.

225. 215 ET, artigo 85.1: “Dentro del respeto a las leyes, los convenios colectivos podrán regular materias de índole

económica, laboral, sindical y, en general, cuantas otras afecten a las condiciones de empleo y al ámbito de relaciones de los trabajadores y sus organizaciones representativas con el empresario y las asociaciones empresariales, incluidos procedimientos para resolver las discrepancias […]”

216 De acordo com o artigo 37.1 EBEP são objeto de negociação coletiva obrigatória as seguintes matérias: “a) La aplicación del incremento de las retribuciones del personal al servicio de las Administraciones Públicas que se establezca en la Ley de Presupuestos Generales del Estado y de las Comunidades Autónomas. b) La determinación y aplicación de las retribuciones complementarias de los funcionarios. c) Las normas que fijen los criterios generales en materia de acceso, carrera, provisión, sistemas de clasificación de puestos de

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Com efeito, quando instituída a negociação coletiva através da Lei nº

9/1987, seu conteúdo era mais restritivo, mas a modificação introduzida pela Lei nº 7/1990

tem nítido objetivo de ampliação das matérias negociáveis. E é a partir dessa perspectiva

histórica que deve ser interpretado e aplicado o artigo 37 EBEP e nesse aspecto a textura

aberta e imprecisa do artigo 37 faz da interpretação uma atividade fundamental no momento

de definir se determinada matéria deve ou não ser objeto de negociação, de sorte que a

interpretação mais restritiva ou mais ampliativa pode potencializar ou mitigar a negociação

coletiva. No ponto, a interpretação não pode partir da pré-compreensão de que a regra seja a

natureza absolutamente imperativa das normas estatais sobre função pública. Ao contrário,

“habrará que entender que em todas esas matéria cabe la negociación y que, por ello, los

derechos en ellas reconocidos pueder ser interpretados como mínimos susceptibles de

negociación”. Em todo caso, ressalvadas as normas claramente imperativas e

inequivocamente excluídas da negociação, a interpretação deve ser orientada no sentido de

que a imperatividade das normas que regulam a função pública “no puede ser tan extrema que

ahogue o haga inexistente el la práctica la negociación colectiva”217.

Apontadas as premissas interpretativas, em relação ao conteúdo

possível da negociação coletiva, considerando a relação entre lei e autonomia coletiva, o

Estatuto Básico consagra normas de distinta natureza, assim sintetizadas: a) normas de direito

trabajo, y planes e instrumentos de planificación de recursos humanos. d) Las normas que fijen los criterios y mecanismos generales en materia de evaluación del desempeño. e) Los planes de Previsión Social Complementaria. f) Los criterios generales de los planes y fondos para la formación y la promoción interna. g) Los criterios generales para la determinación de prestaciones sociales y pensiones de clases pasivas. h) Las propuestas sobre derechos sindicales y de participación. i) Los criterios generales de acción social. j) Las que así se establezcan en la normativa de prevención de riesgos laborales. k) Las que afecten a las condiciones de trabajo y a las retribuciones de los funcionarios, cuya regulación exija norma con rango de Ley. l) Los criterios generales sobre ofertas de empleo público. m) Las referidas a calendario laboral, horarios, jornadas, vacaciones, permisos, movilidad funcional y geográfica, así como los criterios generales sobre la planificación estratégica de los recursos humanos, en aquellos aspectos que afecten a condiciones de trabajo de los empleados públicos.” De outra parte, o artigo 37.2 exclui da negociação as seguintes matérias: “a) Las decisiones de las Administraciones Públicas que afecten a sus potestades de organización. Cuando las consecuencias de las decisiones de las Administraciones Públicas que afecten a sus potestades de organización tengan repercusión sobre condiciones de trabajo de los funcionarios públicos contempladas en el apartado anterior, procederá la negociación de dichas condiciones con las Organizaciones Sindicales a que se refiere este Estatuto. b) La regulación del ejercicio de los derechos de los ciudadanos y de los usuarios de los servicios públicos, así como el procedimiento de formación de los actos y disposiciones administrativas. c) La determinación de condiciones de trabajo del personal directivo. d) Los poderes de dirección y control propios de la relación jerárquica. e) La regulación y determinación concreta, en cada caso, de los sistemas, criterios, órganos y procedimientos de acceso al empleo público y la promoción profesional.”

217 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 58.

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necessário absoluto, em relação às quais não há espaço para a negociação coletiva e entre

estas estão as normas do artigo 37.2; b) normas de direito necessário, que estabelecem limites

máximos e mínimos para a negociação, como a norma que fixa os limites para incremento das

quantias globais das retribuições complementares dos funcionários (artigo 21.1), a norma

sobre duração de férias (artigo 21.1) e a norma sobre licenças (artigo 49); c) normas de

natureza dispositiva, que contêm regulação normal e diretamente aplicável, mas que podem

ser objeto de regulação distinta e independente de ser mais ou menos favorável aos

funcionários, tal como a licença a que se refere o artigo 48; e d) normas de direito básico, que

apresentam conteúdo incompleto e cuja efetivação depende da complementação através da

negociação coletiva. A inclusão da matéria em uma dessas classes deriva da análise

sistemática das normas contidas no artigo 37 e de outras contempladas em diversos

dispositivos do EBEP, mas o adequado enquadramento deve ser no sentido de limitar as

hipóteses de normas de direito necessário absoluto.

8.2.3.5 Procedimento da negociação coletiva. O dever de negociar de boa-fé.

O procedimento definido pela LORAP apresentava enormes e

importantes carências e lacunas, que conduziam a graves problemas de interpretação e

reforçavam a própria supremacia da Administração Pública. Apesar desses vazios normativos,

a LORAP estabelecia em linhas gerais o regime das reuniões, o enquadramento material e

temporal, a constituição das Mesas, o desenvolvimento da negociação e a conclusão do

procedimento com a adoção de acordos e pactos (LORAP, artigos 31.3, 33, 35, 36 e 37). O

Estatuto Básico intenta superar as limitações presentes no regime anterior e busca fortalecer o

direito à negociação coletiva. Nesse aspecto, contém regramento específico sobre o

procedimento de constituição e atuação das Mesas, procurando-lhes conferir caráter

permanente, estabelece na hipótese de ausência de ajuste prazo para o início das negociações

e aporta alguns critérios gerais para a regulação do comportamento dos sujeitos negociadores,

dispondo que a negociação coletiva submete-se aos princípios de “obligatoriedad, buena fe

negocial, publicidad y transparencia” (artigo 33.1).

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200

Cumpre analisar os aspectos principais do procedimento da

negociação regulado no EBEP e que possuem estreita conexão com o tema da eficácia

jurídica dos pactos e acordos.

No tocante à abertura do procedimento, prevê o mútuo acordo entre a

representação sindical e o Poder Público, estabelecendo o artigo 34.6 que “El proceso de

negociación se abrirá, en cada Mesa, en la fecha que, de común acuerdo, fijen la

Administración correspondiente y la mayoría de la representación sindical.” Não se exige

mais unanimidade quanto à deliberação da representação sindical, assim entendida aquela

constituída na forma dos artigos 33.1 e 35.1 EBEP. O acordo precisará a data de início e as

matérias objeto da negociação, embora seja possível reconhecer que o Estatuto não estabeleça

como requisito ou condição para a constituição da Mesa a prévia indicação das matérias, bem

assim é possível reconhecer que novas matérias sejam incluídas durante o desenvolvimento

do procedimento. A recusa à negociação somente pode dar-se quando houver causa legal ou

negociada que a justifique e entre essas razões não se encontram a falta de indicação das

matérias, a ausência de acordo em relação às mesas ou por considerá-las não sujeitas à

negociação. Necessário reconhecer que “nada impediria añadir nuevas matérias a las

inicialmente propuestas conforme avance el proceso negociador o uma vez constituida la

Mesa sin que por ello el procedimiento resulte viciado”218. Os sujeitos da negociação são

livres para definição das matérias objeto da negociação, mas devem observar o âmbito de

competência da respectiva Mesa de negociação. Não há exigência para que o procedimento

tenha caráter anual, cabendo às partes decidirem livremente o período de desenvolvimento das

negociações.

O EBEP prevê mecanismo de salvaguarda diante da negativa expressa

ou da recusa tácita à abertura da negociação, dispondo o artigo 34.6 que “A falta de acuerdo,

el proceso se iniciará en el plazo máximo de un mes desde que la mayoría de una de las partes

legitimadas lo promueva, salvo que existan causas legales o pactadas que lo impidan.” Desse

modo, inexistindo acordo quanto à abertura do procedimento, a negociação começará por

218 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 33.

Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

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iniciativa da Administração ou pela maioria da representação sindical. Constituída a Mesa,

devem ser convocadas todas as partes legitimadas, recaindo o encargo da convocação sobre a

Administração. Esse e outros dispositivos do EBEP (artigos 33.1 e 37.1) estabelecem o

caráter obrigatório da negociação coletiva, independente de que se obtenha ou não o consenso

ao seu término. A obrigatoriedade da negociação é reforçada pela disposição do artigo 38.7

que condiciona a regulação unilateral das condições de trabalho às hipóteses em que não se

obtenha acordo na negociação ou quando não alcance a aprovação expressa e formal do

acordo pelo órgão de governo da correspondente Administração e desde que tenham sido

esgotados os procedimentos de solução extrajudicial dos conflitos.

A configuração do procedimento de negociação tem como

consequência o fato de que, uma vez iniciado, impõe-se o dever de negociar. Correlato a esse

direito, surge para os interessados o direito de participar ativamente do seu desenvolvimento,

competindo à Administração impulsioná-lo de ofício e garantir sua expressa resolução (Lei do

Regime Jurídico das Administrações Públicas e do Procedimento Administrativo Comum -

LRJAP, artigo 74.1 e artigo 42.1). Nesse sentido, há uma reserva de lei para a negociação

coletiva em relação às matérias definidas no artigo 37.1 EBEP. O exercício da atividade

normativa pela Administração, seja em relação às matérias sujeitas ao poder regulamentar,

seja em relação às matérias sujeitas ao processo legislativo, está condicionado à negociação

coletiva real ou efetivamente tentada. Logo, pretendendo a Administração Pública regular

quaisquer das matérias aludidas no artigo 37.1, deve promover o processo de negociação.

Cumpre então verificar as consequências decorrentes da inobservância do dever de negociar.

Os efeitos são distintos conforme o descumprimento do dever ocorra por iniciativa da

representação sindical ou da Administração.

O EBEP não dispõe de forma expressa quanto aos efeitos do

descumprimento da obrigação de negociar. A omissão legal não sugere inexistência de

consequências jurídicas. Exaurido o diálogo direto, pode a parte interessada recorrer à

mediação, mecanismo pouco eficiente para forçar a negociação. Outra possibilidade é a

utilização de procedimento extrajudicial de solução do conflito. De qualquer forma,

descumprida a obrigação de negociar, as partes podem adotar soluções diversas. No caso de a

recusa partir da representação sindical, pode a Administração dispor unilateralmente das

condições de trabalho, ditando pelo órgão de governo competente o respectivo instrumento

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202

normativo (EBEP, artigo 38.7). Nesse ponto, há supremacia em favor do Poder Público, pois a

ele compete decidir se houve ou não descumprimento da obrigação pelo sindicato e ao mesmo

tempo fixar de forma unilateral as condições de trabalho. Essa supremacia é defendida pela

doutrina “cuando no se haya alcanzado un acuerdo, puede ser aceptada en la medida en que

las partes, cumpliendo con el deber de negociar y haciéndolo de buena fe, no han llegado a

concluir um acuerdo satisfatorio.”219 E essa solução é justificada a pretexto da necessidade de

garantir a continuidade do funcionamento dos serviços públicos.

Os efeitos do descumprimento do dever de negociar assumem maior

complexidade quando a recusa se dá por iniciativa da Administração. Aos sindicatos

legitimados resta a via judicial, quando então procurarão demonstrar o descumprimento do

dever jurídico e assim obter uma sentença acolhendo a pretensão. O ato judicial verificará o

descumprimento do dever, sua desconformidade com o Direito e a consequência será a

anulação da resolução administrativa da denegação da negociação coletiva (LRJCA- Lei

Reguladora da Jurisdição do Contencioso Administrativo, artigo 71.1). Em todo o caso, como

o provimento judicial corresponde ao cumprimento de obrigação de fazer, o problema subsiste

quando a Administração não o cumpre voluntariamente. A natureza da sentença impede sua

efetivação coercitiva e nessa situação resta converter a execução em obrigação de perdas e

danos, que na prática traduzirá poucos resultados para a efetivação da obrigação de negociar.

Como medida última para forçar o cumprimento do dever de negociar, resulta evidente a

possibilidade de deflagração da greve, que se legitima e será juridicamente válida.

O dever de negociar significa que, iniciado o procedimento, surge para

os legitimados o direito de participar ativamente de seu desenvolvimento, competindo ainda à

Administração o dever de impulsioná-lo até sua resolução (LRJAP, artigo 74.1). O EBEP

enumera as causas que eximem as partes do cumprimento do dever de negociar, dispondo que

o mesmo não se observa quando “existan causas legales o pactadas que lo impidan” (artigo

34.6). Entre as “causas legales” estão a falta de competência, legitimação ou outro requisito

formal, como comunicação de início das negociações. Entre as “causas pactadas” inserem-se

o não cumprimento dos compromissos assumidos previamente pelas partes na forma dos

parágrafos 4 e 8 do artigo 38 EBEP ou quando se pretende revisar um Pacto ou Acordo que

219 GOMEZ CABALLERO. Los derechos colectivos de los funcionarios, 1994, p. 335.

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203

esteja em vigor. O estabelecimento da obrigação legal de negociar, que não inclui obviamente

a obrigação de chegar a um acordo, tem como consequência que somente as partes

legitimadas possuem a faculdade para excluir, através de ajuste bilateral, alguma ou algumas

das matérias sobre as quais se projeta a obrigação de negociar. Logo, a Administração não

pode unilateralmente excluir da negociação quaisquer das matérias incluídas na obrigação

legal de negociar.

Além da obrigatoriedade da negociação, que tem como consequência

o dever de negociar, impende considerar que esse dever deve ser presidido pelo princípio da

boa-fé, que agora encontra expressa referência no artigo 33.1 EBEP, ao estabelecer a “buena

fe negocial” como um dos princípios da negociação coletiva, e no artigo 34.7, ao dispor que

as “partes estarán obligadas a negociar bajo el principio de la buena fe y proporcionarse

mutuamente la información que precisen relativa a la negociación.” Embora a LORAP tenha

sido omissa a respeito, a doutrina já exigia que a boa-fé deveria presidir todo o procedimento

de negociação. E a sede material do princípio já era radicada na CE, precisamente nos artigos

9.1 e 103.1.220 O princípio da boa-fé é exigível em todas as fases do procedimento, razão por

que deve ser observado antes, durante e após a conclusão da negociação. Por força do

princípio, as partes devem atuar com lealdade recíproca, com vistas a “realizar un esfuerzo

sincero de aproximación mutua para obtener un acuerdo”221, mas o princípio “debe presidir

también las relaciones de las partes una vez se han firmado y aprobado los Pactos y Acuerdos,

respectivamente, con el fin de resolver los conflictos que se puedan plantear com

posterioridad”.222

220 ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p.

403, independente de a LORAP o consagrar, já defendia o dever de boa-fé como uma exigência constitucional, destacanto “que el art. 9.1 de La Constitución dispone La sujeción general de los poderes públicos y, por tanto, de la Administración, que es uno de ellos, a la Constitución y al resto Del ordenamiento jurídico. Es más, el art. 103.1 del citado texto, que no es sino una especificación de este presupuesto fundamental de la Constitución, proclama explícitamente para esta última el “sometimiento

pleno a la ley y al Derecho”. De este modo, los princípios generales del Derecho y, entre ellos, el de la buena fe vinculan plenamente toda la atividad de la Administración”. A exigência de boa-fé ainda no regime da LORAP também já era defendida por BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía

colectiva en la función pública, 2005, p. 155-158. 221 ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007 p.

405. 222 ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p.

404.

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204

Aspecto fundamental e que será apreciado mais adiante refere-se à

existência do dever de negociação para invocação da cláusula rebus sic stantibus do artigo

38.10 EBEP. Uma primeira aproximação conduz à assertiva de que o estabelecimento do

dever de negociar não autoriza o Poder Público a eximir-se do cumprimento de obrigações

ajustadas coletivamente sem que antes proceda à reabertura do procedimento de negociação.

A consecução da medida excepcional há de ser previamente comunicada às organizações

sindicais e a partir daí dar início a nova negociação coletiva para que seja buscado um acordo.

Ora, se na hipótese de o acordo não ser ratificado e não se transformar em projeto de lei

(artigo 38.3), exige-se o procedimento de renegociação, com mais razão tal procedimento se

impõe quando existe acordo firmado, ratificado e transformado em lei. Sendo assim, a parte

que pretenda a modificação do ajuste coletivo deve buscar sua revisão através da Mesa de

negociação. O exaurimento da renegociação, com a demonstração inequívoca da frustração de

novo acordo, é condição essencial para que a Administração possa modificar unilateralmente

as condições de trabalho antes ajustadas.

8.2.3.6 Conclusão da negociação coletiva: acordos e desacordos

Na Espanha, o procedimento de negociação coletiva pode resultar em

acordo ou desacordo. Configurado o entendimento, dois instrumentos resultam do processo de

negociação, a saber, os Acordos e os Pactos, ambos com a finalidade de determinar as

condições de trabalho dos funcionários públicos. Na hipótese de desacordo, o Estatuto Básico

não legitima um terceiro nem institui procedimento específico para deliberação acerca do

fracasso da negociação. 223 A finalização do procedimento pode-se dar por ajuste entre as

partes ou por iniciativa de qualquer delas, mas geralmente a interrupção do procedimento

223 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p.

72, sugere em caráter excepcional a arbitragem obrigatória como alternativa à atuação unilateral da Administração Pública, ponderando que “la misma se hubiese sustituido por una regulación arbitral de las condiciones de trabajo sobre las que hubiese desacuerdo, arbitraje que, aunque en este caso fuese obligatorio, no creo que tuviese problemas de constitucionalidad en cuanto que para los entes públicos deriva de la ley, a la que deben someterse, y para los empleados es mejor, por ser más objetivo e imparcial, que la alternativa de la regulación unilateral por parte de la propia Administración”.

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205

ocorre por deliberação da Administração Pública, que conserva o poder de determinar o fim

da negociação, de sorte a regular unilateralmente a matéria. É certo que essa deliberação sobre

o fim da negociação pode ser impugnada judicialmente, mas o fato é que o controle sobre a

decisão administrativa ocorre posteriormente, quando já definidas as condições de trabalho de

forma unilateral, circunstância que prejudica enormemente a eficácia da negociação.

Obviamente somente é possível falar em desacordo quando haja uma efetiva tentativa de

negociação e desde que as partes tenham negociado de boa-fé, exigindo assim tanto a

constituição da Mesa negociadora como também que os sujeitos ajam com vistas a alcançar o

acordo.

Configurado o desacordo, o artigo 38.7 EBEP estabelece as

alternativas para os sujeitos negociadores. Segundo o referido dispositivo, “En el supuesto de

que no se produzca acuerdo en la negociación o en la renegociación prevista en el último

párrafo del apartado 3 del presente artículo y una vez agotados, en su caso, los procedimientos

de solución extrajudicial de conflictos, corresponderá a los órganos de gobierno de las

Administraciones Públicas establecer las condiciones de trabajo de los funcionarios con las

excepciones contempladas en los apartados 11, 12 y 13 del presente artículo.” Os

procedimentos de solução extrajudicial estão contemplados também no artigo 45, ao prever

que os sujeitos da negociação “podrán acordar la creación, configuración y desarrollo de

sistemas de solución extrajudicial de conflictos colectivos.” Esses procedimentos

correspondem à mediação e à arbitragem voluntária (artigo 45.3), esta admitida quando não se

tratar de matéria sujeita à reserva de lei. A mediação é obrigatória sempre que uma das partes

assim requeira, ao passo que a arbitragem facultativa está condicionada à existência de acordo

entre as partes, que firmam o compromisso de aceitação da resolução levada a efeito pelo

árbitro. Existe expressa previsão de que o acordo resultante da mediação ou o laudo arbitral

possuem a mesma tramitação e eficácia jurídica dos Pactos e Acordos, sujeitando-se

naturalmente a requisitos de legitimação e comportando a respectiva impugnação (EBEP,

artigo 45.4).

Na negociação coletiva na função pública, tal como ocorre na

negociação envolvendo os demais trabalhadores, deve-se priorizar o ajuste direto, em que as

partes interessadas devem solucionar o conflito por negociação apenas entre elas, sem a

interferência de terceiros. No entanto, se as partes não obtêm o entendimento direto e por

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206

concessões recíprocas, devem ser adotados os procedimentos previstos em lei. Esses

procedimentos são a mediação e a arbitragem. A mediação é compreendida como prática pela

qual o terceiro procura instigar e levar as partes ao consenso em torno da proposta por ele

formulada, ainda que independente das posições anteriores por elas externadas. A arbitragem

acentua ainda mais a participação do terceiro na solução do conflito e através desse

procedimento é estabelecida decisão vinculativa para as partes. O EBEP contempla apenas a

arbitragem voluntária, afastando a possibilidade de instituição de arbitragem obrigatória. As

partes somente podem ser instadas à arbitragem se assim convencionam.

De fato, a arbitragem compulsória inibe a negociação coletiva.

Quando as partes sabem de antemão que, em caso de desacordo, devem recorrer

obrigatoriamente à arbitragem e também sabem que o árbitro divide equitativamente as

recíprocas pretensões em procedentes e improcedentes, certamente conservam suas

reivindicações o mais próximo possível de suas posições iniciais, sem realizar concessões, a

fim de obter do árbitro uma decisão favorável. A consequência prática é que a negociação se

estiola, converte-se em mero procedimento formal. A arbitragem compulsória cria um hábito,

de sorte que, em caso de controvérsia, as partes já se acham condicionadas a dela valer-se,

com tendência à destruição do caráter negocial. Portanto, quanto aos meios de solução dos

conflitos, parece que não deve haver regras especiais para a solução dos conflitos coletivos,

mas apenas a especialização e ajuste nos meios já disponíveis aos conflitos privados, a fim de

que melhor possa atender à nova finalidade, dando-se preferência à vontade dos próprios

interessados. A solução do EBEP de consagrar a mediação obrigatória e a arbitragem

facultativa parece a mais adequada, ainda que remanesçam problemas quanto à determinação

do fracasso da negociação, sujeita à deliberação exclusiva da Administração Pública. Esta foi

a solução dada no Brasil pela EC nº 45/2005, com a nova redação dada ao artigo 114, § 2º,

CF, que fixou a obrigatoriedade do comum acordo como pressuposto para o ajuizamento do

dissídio coletivo de natureza econômica, configurando típica arbitragem pública facultativa.

Destarte, em relação à composição de conflitos coletivos na função

pública, a negociação há de ser o meio e o diálogo deve ser sua forma de exteriorização. A

arbitragem obrigatória, por ser elemento que inibe e desestimula a negociação coletiva, deve

ser evitada, adotando-se para as situações necessárias instrumentos intermediários, tais como

a mediação e a arbitragem voluntária. O certo é que o processo negocial há de importar para

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207

os sindicatos de funcionários a obrigação de seriedade e responsabilidade na elaboração das

propostas, assim como deve implicar para a Administração o dever de negociar, escusando-se

à negociação com medidas unilaterais e arbitrárias, relegando a negociação a simples

formalidade, sem conteúdos práticos e efetivos, que impede o entendimento e a estabilidade

nas relações travadas entre os trabalhadores e o Poder Público.

No âmbito da função pública, muito diferente do que se dá no plano

das relações privadas, o efetivo fracasso da negociação e dos mecanismos extrajudiciais de

solução de conflitos faz com que a Administração Pública recupere a capacidade de regular

unilateralmente as condições de trabalho, salvo quando houver previsão normativa em Pacto

ou Acordo anterior contemplando sua ultra-atividade até que seja celebrado novo instrumento

coletivo.224 Conquanto previsto no artigo 37.8 EBEP, o recurso à regulação unilateral não se

insere na discricionariedade administrativa, constituindo uma faculdade normativa subsidiária

cujo exercício exige que previamente tenha sido efetivamente tentada a negociação. A

inobservância dessa exigência comporta impugnação administrativa e judicial, esta perante a

jurisdição do contencioso-administrativo através de procedimento ordinário.

É assim porque, na esteira da STC 57/1982, prevalece o equivocado

entendimento de que o exercício do direito à negociação coletiva dos funcionários é matéria

de mera legalidade ordinária, cuja violação não afeta o conteúdo essencial da liberdade

sindical. No ponto, a contradição é manifesta, porquanto a negação do direito à negociação a

um sindicato legitimado configura violação ao direito fundamental de liberdade sindical, mas

o mesmo não ocorre com a negação do direito de negociar a todos os sindicatos com a fixação

unilateral das condições de trabalho. Ora, ainda que não se admita a integração da negociação

no conteúdo essencial da liberdade sindical dos funcionários (CE, artigo 28.1), há de

prevalecer a tese de que a configuração legal do direito, com seu reconhecimento na LOLS e

no EBEP, implica admitir que sua violação significa lesão ao direito fundamental de liberdade

sindical.

224

Em favor da ultra-atividade posicionam-se ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los

empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 71 e LOPEZ GANDIA. La negociación de los

funcionários públicos trás el Estatuto Básico, p. 37. Embora o EBEP não contemple o princípio da ultra-atividade, a exemplo do que dispõe o artigo 86 do ET, parece possível aplicá-lo com fundamento no artigo 38.12, ao preceituar que “La vigencia del contenido de los Pactos y Acuerdos una vez concluida su duración, se producirá en los términos que los mismos hubieren establecido.”

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208

A impugnação à recusa à negociação pode ocorrer antes ou depois do

exercício unilateral da atividade normativa. No primeiro caso, a impugnação pode objetivar

provimento jurisdicional que imponha medidas que assegure o pleno exercício do direito à

negociação coletiva. No segundo caso, a impugnação pode pleitear a nulidade do ato

unilateral de fixação das condições de trabalho. A legitimação processual está assegurada aos

sindicatos detentores de legitimação para participar da negociação. Em quaisquer das

situações, impondo a ordem jurídica obrigatoriedade da negociação, sua inobservância

constitui ato contrário ao Direito e assim eivado de nulidade.225

Em todo caso, importa considerar que a regulação unilateral com

fundamento no artigo 38.7 EBEP não se equipara à regulação resultante da negociação, daí

por que não possui a mesma natureza nem a eficácia jurídica dos Pactos e Acordos. O ato

administrativo tem natureza regulamentar quando se tratar de matéria da competência da

Administração Pública e natureza de projeto de lei quando a matéria for objeto de

competência do legislador. A vigência não obedece aos mesmos critérios dos Pactos e

Acordos, na medida em que tem duração indefinida até que seja substituído por instrumento

normativo negociado. Por certo na vigência da regulação unilateral podem as partes abrir uma

nova negociação, sem necessidade de que sejam denunciadas as normas instituídas

unilateralmente. Cumpre advertir, ademais, que

El fracaso de la negociación no hace recuperar la facultad de regulación unilateral sine die, ni autorizaría modificaciones unilaterales posteriores de la norma en cuestión al margen de la negociación, sino cualquier modificiación deberá exigir de nuevo la apertura del procedimiento de negociación aunque el anterior hubiera fracasado.226

225 Nesse sentido, dispõe a Lei 30/1992 (LRJAP), artigo 62.2, que “También serán nulas de pleno derecho las

disposiciones administrativas que vulneren la Constitución, las leyes u otras disposiciones administrativas de rango superior, las que regulen materias reservadas a la Ley, y las que establezcan la retroactividad de disposiciones sancionadoras no favorables o restrictivas de derechos individuales.”

226 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico, p. 37-38. Disponível em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010.

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209

Em outro sentido, quando frutifica o procedimento negociador, tem-se

então a regulação concertada das condições de trabalho. O instrumento jurídico resultando do

entendimento pode revestir a forma de Pacto ou de Acordo. Essa dualidade de instrumentos

normativos resulta das peculiaridades da Administração Pública, que limitam o exercício de

seu poder normativo. De qualquer forma, ambos os instrumentos cumprem a mesma função, a

saber, a determinação das condições de trabalho dos funcionários públicos, decorrendo essa

assertiva do próprio conceito de negociação coletiva a que alude o artigo 31.2 do Estatuto

Básico. A diferença central diz respeito ao tipo de matérias objeto de concertação coletiva. O

Acordo corresponde ao instrumento contratual que versa sobre matérias cuja competência

corresponde ao órgão de governo das Administrações Públicas, estando condicionada sua

validade e eficácia à aprovação expressa e formas dos órgãos em seus âmbitos respectivos,

aprovação esta que lhe dota de força normativa para obrigar, conferindo-lhe, portanto, a

natureza de norma jurídica. Uma vez ratificados e quando digam respeito a temas de

competência exclusiva do órgão de governo, é diretamente aplicável ao pessoal incluído no

seu âmbito de aplicação (EBEP, artigo 38.3). Os acordos também podem compreender

matérias cuja competência final recai sobre o Parlamento, quando se tratar de matérias

sujeitas à reserva de lei, circunstância em que a competência do órgão de governo limita-se ao

encaminhamento do respectivo projeto de lei.

Os Pactos versam sobre matérias cuja decisão final corresponde ao

órgão administrativo que negocia e os subscreve em nome da respectiva Administração

territorial. O instrumento daí resultante dispensa ulterior ato de aprovação e é dotado de uma

vinculabilidade direta entre as partes, possuindo uma eficácia jurídica normativa no modelo

dos convênios coletivos privados (ET, artigos 82 e seguintes). Desse modo, os Pactos

aplicam-se automaticamente e com caráter imperativo às relações jurídicas entre a

Administração Pública e os funcionários afetados. Os Pactos tratam sobre questões

consideradas de menor transcendência jurídica, na medida em que a maior parte das

competências está reservada aos órgãos de governo, que sobre elas deliberam diretamente ou

através de encaminhamento de projeto de lei.227 Do mesmo modo e pela mesma razão, do

227 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p.

34.

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210

ponto de vista quantitativo, são mais frequentes os consensos em forma de Acordo do que de

Pacto.228

No que diz respeito à vigência dos Pactos e Acordos, independente da

duração, devem indicar a forma, prazo de pré-aviso e condições de denúncia (artigo 38.4).

Cabe às partes definir o âmbito temporal, resultando então a livre possibilidade de ajuste de

início e fim da vigência. Conclui-se que não há delimitação de duração mínima ou máxima

para os Pactos e Acordos, podendo inclusive ser convencionada duração por prazo indefinido,

embora para algumas matérias, tal como se dá para as questões com impactos orçamentários,

seja natural a determinação da duração. De outra parte, segundo as normas do artigo 38, itens

11,12 e 13, ressalvada a hipótese de acordo em sentido contrário, os instrumentos normativos

são prorrogados a cada ano quando ausente denúncia expressa de quaisquer das partes.

Ademais, a vigência dos respectivos conteúdos, uma vez exaurido o prazo de duração,

ocorrerá nos termos em que tenha sido estabelecido nos instrumentos. Por último, o

surgimento de novo Pacto ou Acordo implica a derrogação integral da regulação

convencionada anteriormente, salvo em relação aos pontos que as partes tenham acertado

expressamente a manutenção. O tema da suspensão ou modificação do cumprimento dos

Pactos e Acordos a que se refere o artigo 38.10, dada a estreita conexão com a questão da

eficácia jurídica dos instrumentos da negociação, será objeto de análise no capítulo seguinte.

228 BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005, p.

164.

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211

9 EFICÁCIA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS

Esta parte final da investigação destina-se a apreciar a eficácia jurídica

da negociação coletiva dos funcionários públicos, em especial dos instrumentos dela

resultantes. A atualidade do tema na Espanha reside na circunstância de que, conquanto se

trate de prática há bastante tempo consagrado, constatam-se não raramente iniciativas

governamentais que não apenas negam o direito à negociação, mas reiteradamente

descumprem seus instrumentos normativos, inclusive promovendo reduções de salários

pactuados coletivamente, como ocorreu recentemente através do RDL nº 8/2010, que, a

pretexto da crise financeira global, reduziu salários do funcionalismo público espanhol,

descumprindo aquilo que havia sido objeto de negociação. Nesse cenário, questiona-se na

Espanha se o sistema de relações coletivas no setor público contempla autêntico direito à

negociação e como desdobramento indaga-se se a eficácia jurídica da negociação conduz à

aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social, com garantia da

aplicabilidade, exigibilidade e executoriedade do aparato normativo que prevê o direito à

negociação coletiva. Esta é uma questão central em relação à negociação coletiva dos

funcionários e a experiência espanhola pode representar importante aprendizado a ser

considerado por ocasião da institucionalização do procedimento negocial no Brasil.

Impõe-se então abordar a natureza jurídica dos instrumentos que

derivam da negociação coletiva, procurando verificar em que medida eles se aproximam dos

convênios coletivos laborais. Nessa perspectiva, e tendo como objeto de análise o RDL nº

8/2010, examina-se a questão da eficácia jurídica propriamente dos Pactos e Acordos, com

enfoque para os efeitos decorrentes do descumprimento dos instrumentos negociados e sobre

a eficácia negativa da negociação. Em seguida, passa-se ao estudo da norma do artigo 38.10

do EBEP que contempla a possibilidade de suspensão ou modificação do cumprimento do

ajuste coletivo diante de circunstâncias excepcionais, destacando-se nesse aspecto os aspectos

formais que devem ser observados, inclusive quanto à necessidade de reabertura da

negociação. Na parte final, realiza-se breve análise da atuação dos tribunais e em que medida

esses órgãos exercem ou não o papel que lhes cabe na garantia e concretização da negociação

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212

coletiva, sobretudo considerando a crescente judicialização dos conflitos coletivos de trabalho

envolvendo os funcionários e a Administração Pública.

9.1 NATUREZA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS: CONTRATOS

COLETIVOS NORMATIVOS

A temática da natureza dos Pactos e Acordos relaciona-se de forma

direta com a eficácia jurídica deles decorrente. Esse aspecto é altamente controvertido, as

posições doutrinárias são as mais diversas e as principais podem ser assim sistematizadas: a)

contratos administrativos com eficácia obrigacional limitada às partes contratantes, com

eficácia apenas contratual, sem caráter normativo; b) regulamentos negociados, constituindo

etapa do procedimento de elaboração de disposição administrativa regulamentar; e c)

contratos normativos, produtos da autonomia coletiva dos funcionários, com eficácia jurídica

normativa e fonte de Direito objetivo, à semelhança dos convênios coletivos.229 Por certo, a

investigação da natureza jurídica dos Pactos e Acordos tem como premissa a assimilação da

natureza dos convênios coletivos firmados no âmbito laboral. Em função disso, acentua-se o

caráter normativo, tendo como substrato a autonomia coletiva, destinado à criação de direito

impessoal e abstrato, sem referência a destinatários considerados de forma individual e

concreta, cujos preceitos normativos não se exaurem com o seu cumprimento, mas que se

afirmam e se consolidam em cada aplicação determinada das condições de trabalho.230 O

produto da negociação, enquanto norma jurídica, integra-se plenamente “en un sistema de

fuentes con capacidad para plasmar, em el plano normativo, el pluralismo social y político

229 Acerca do debate sobre a natureza jurídica dos instrumentos finais da negociação coletiva dos funcionários

remete-se para as seguintes: ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del

empleado público, 2007, p. 469-479; BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía

colectiva en la función pública, 2005, p. 165-188. 230 BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005, p.

168.

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213

que define la organización jurídica que se plasma em los actuales modelos

constitucionales”.231

Destacado o aspecto normativo, não parece razoável pretender

enquadrar os Pactos e Acordos na categoria de contratos administrativos ou mesmo de

contratos privados, muito menos enquadrá-los como simples direito de participação ou

consulta na elaboração de disposições gerais ou de caráter regulamentar. Essas orientações

constituem resquícios da concepção de supremacia da Administração Pública e de certo modo

procuram anular a autonomia coletiva assegurada às partes na função pública. O

enquadramento das relações coletivas nesse âmbito melhor se ajusta através de categorias

contratuais, com inequívoco caráter normativo, derivado do direito de negociação coletiva,

cujo fundamento reside no direito de liberdade sindical dos funcionários públicos (CE, artigo

28.1). Nesse sentido, os Pactos e Acordos, “Al igual que el convenio colectivo en el ámbito

privado, son contratos normativos: contratos por su origen, norma por su eficácia jurídica”.232

A natureza jurídica, portanto, está determinada pelo contexto de sua origem e pelo perfil das

normas que consagra, daí sua adequada inserção na categoria de contratos coletivos

normativos.

Esse enquadramento ajusta-se aos elementos que lhe integram e lhe

conferem seus contornos e especificidades, a saber, a vinculação direta, a eficácia normativa,

os efeitos sobre terceiros, estes compreendidos pelos funcionários abrangidos pelo âmbito de

aplicação, e a exclusão da capacidade de regulação unilateral pela Administração Púbica pelo

menos até o esgotamento da negociação.233 Essa orientação reconhece a transcendência da

negociação como fenômeno de produção normativa, cuja eficácia não pode se sujeitar

exclusivamente ao papel que lhe é atribuído pela norma estatal, porquanto sua normatividade

“es inmanente a su naturealeza de acto emanado por uma fuente material del derecho, la

231

Isso porque “la autonomía colectiva debe quedar configurada como el poder originario juridicado que fundamenta la negociación colectiva en tanto como fuente material del derecho y referente inmediato del covenio colectivo en el plano de la positividad (fuente formal). Como normativa positiva, por tanto, el convenio goza de una eficacia propia, no derivada de la ley, para imponerse a las relaciones de trabajo.” (CORREA CARRASCO. La negociación colectiva como fuente (formal) del Derecho del Trabajo, 1997, p. 189).

232 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 35.

233 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 36.

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214

negociación colectiva, a la que el ordenamiento jurídico, no la ley, confiere tal virtualidad”.234

Especificamente quanto aos Pactos, o aspecto normativo é reforçado pelo artigo 38.2 do

Estatuto Básico, ao dispor que “se aplicarán diretamente al personal del âmbito

correspondiente”. Além da eficácia normativa que lhes é inerente, os Pactos e Acordos

ostentam também eficácia obrigacional interpartes, vinculando assim as partes que os

celebram.

Inadequado pretender conferir natureza diversa aos Acordos em

relação aos Pactos ante a exigência para sua validade e eficácia de aprovação expressa e

formal pelo órgão de governo respectivo (artigo 38.3).235 A necessidade de ratificação não

modifica a natureza de contrato coletivo normativo dos Acordos, porquanto se justifica como

condição para que o órgão de governo manifeste seu consentimento a respeito de matéria que

se insere no âmbito de sua competência formal. Trata-se de “un elemento adjetivo, elemento

peculiar del proceso negociador en la función pública, y necesario complemento de la

autonomía colectiva, origen sustantivo de la eficacia normativa”.236 O ato de aprovação “es

similar al procedimiento del preacuerdo y posterior ratificación” utilizado na negociação

coletiva laboral.237 Reforça essa interpretação a circunstância de o artigo 38.3 dispor que nos

Acordos ratificados seu conteúdo “será directamente aplicable al personal incluido en su

ámbito de aplicación, sin perjuicio de que a efectos formales se requiera la modificación o

derogación, en su caso, de la normativa reglamentaria correspondiente”. Fica evidente a

natureza de contrato coletivo normativo dos Acordos e sua não dissolução em regulamentos

negociados.

Posta a questão nesses termos, surge então o problema da delimitação

do controle que o órgão de governo exerce sobre os Acordos. Nesse aspecto, não parece

razoável admitir-se a possibilidade de juízo de discricionariedade para aprovação ou

desaprovação do produto da negociação. Isso porque os critérios de oportunidade hão de ser

234 CORREA CARRASCO. La negociación colectiva como fuente (formal) del Derecho del Trabajo, 1997, p.

186. 235 Para um debate acerta da distinção natureza entre Pactos e Acordos, conf. ROQUETA BUJ. El derecho de

negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p. 469/479. 236 BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005, p.

177. 237

ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p 40.

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215

apreciados anteriormente, quando forem estabelecidas pelo órgão de governo as instruções

para observância por seus representantes durante o procedimento negociador. Parte da

doutrina científica considera que as hipóteses de não ratificação são bastante reduzidas,

cingindo-se basicamente à não observância das instruções (EBEP, artigo 33.2), quando

existem problemas de legalidade ou quando haja produzido uma mudança substancial das

circunstâncias, com aplicação da cláusula rebus sic stantibus.238

Outra parte da doutrina, mais consentânea com a potencialização da

eficácia da negociação, nega a possibilidade de qualquer controle no ato de ratificação. No

tocante à primeira hipótese, a restrição decorre da aplicação do princípio da boa-fé negocial,

na medida em “es la parte pública la responsable y no puede ser juez y parte”. Quanto ao

segundo caso, nega-se a recusa à ratificação, na medida em que a Administração Pública “ya

podía haberse tenido em cuenta a la hora de alcanzar el próprio Acuerdo y no haberlo

suscrito”. No que concerne à invocação da cláusula rebus sic stantibus, conforme se verá

adiante, o Estatuto Básico prevê a solução, estabelecendo que a situação justifica sua

suspensão ou modificação, não sendo hipótese de não ratificação do acordo (artigo 38.10).239

De qualquer modo, a não ratificação não autoriza desde logo a regulação unilateral pela

Administração, impondo agora o Estatuto Básico que “se deberá iniciar la renegociación de

las materias tratadas”, o que de certo modo relativiza a importância do controle exercido no

ato de ratificação. Em consequência, a regulação unilateral somente é possível em caso de

desacordo, e não mais por falta de ratificação. Configurada esta hipótese, somente após o

esgotamento da renegociação, em que fique caracterizado o seu fracasso, é possível a

determinação unilateral das condições de trabalho.

238 Em favor da defesa tão-somente de controle de legalidade posicionam-se ALFONSO MELLADO. Los

derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 42. BENGOETXEA ALKORTA. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005, p. 177-178. ROQUETA BUJ. El derecho de negociación colectiva en el Estatuto Básico del empleado público, 2007, p. 455, amplia as hipóteses de controle do Acordo, sustentando que “el órgano de gobierno podrá llevar a cabo un control de legalidad y de oportunidad sobre el Acuerdo a la horade decidir si lo aprueba o no”.

239 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico. Disponível

em <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em 8.ago. 2010, p. 40, pondera que “la reratificación no puede tener un alcance revisor del acuerdo ni servir para un control de legalidad o d oportunidad d lo que se ha negociado y acordado, sino un mero acto de trámite ya que la parte pública que representa la Administración al actuar por delegación, incluso de manera técnica no tiene poderes de comprometer formalmente a la parte que representa en la negociación. De ahí que el órganos de gobierno lo que lleve a cabo es ratificar “formalmente” el acuerdo, no fiscalizar su contenido”.

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216

De outro modo, quando se tratar de Acordos sobre “materias

sometidas a reserva de Ley” (artigo 38.3), o produto da negociação não possui natureza

normativa, assumindo o perfil de anteprojeto de lei. Uma vez ratificado, o instrumento

negociado, converte-se em projeto de lei, caracterizando, portanto, a negociação pré-

legislativa. Nesse caso, compete ao órgão de governo remeter o Acordo-projeto de lei ao

Parlamento, a quem compete aprovar, modificar ou recusar o Acordo convertido em projeto

de lei. A configuração de legislação negociada resulta agora claramente do artigo 38.3 do

Estatuto Básico, ao dispor que somente são determinadas com caráter definitivo após a

deliberação do órgão legislativo correspondente, sem o que seu conteúdo carece de eficácia

direta. Isso não transforma a negociação em simples consulta não vinculante, posto que,

embora o seu conteúdo não vincule diretamente o Parlamento, irrecusável reconhecer sua

eficácia em relação ao órgão de governo, que fica obrigado a encaminhar o projeto de lei nos

termos e condições ajustados.

Questão mais complexa diz respeito às consequências da

inobservância pelo órgão de governo do Acordo no momento da elaboração do projeto de lei.

Tratando-se de negociação de matéria de reserva de lei, ainda assim está-se diante de

negociação obrigatória, diferente do que se passa no âmbito da negociação laboral, marcada

pelo caráter facultativo, o que conduz à conclusão de que a inobservância do conteúdo do

Acordo legitima a impugnação do projeto de lei por vício de procedimento. Na ausência de

impugnação do projeto de lei viciado, que se converte em lei, parece mais difícil sua

impugnação por esse fundamento, conquanto se possa afirmar que “la soberania parlamentaria

no habría convalidado o sanado los vícios de origen”.240 Nesse ponto, conclui-se que os

Acordos ratificados, assim como os Pactos possuem a natureza de contrato coletivo

normativo, embora haja distinção quanto à eficácia jurídica de ambos, na medida em que,

conforme se verá adiante, os últimos aproximam-se dos convênios coletivos laborais, ao passo

que os primeiros afastam-se dessa similitude ao possuírem eficácia direta apenas em relação

aos órgãos de governo, configurando uma legislação negociada, “pero no una auténtica

negociación colectiva em sentido estricto”.241

240 LOPEZ GANDIA. La negociación colectiva de los funcionarios publicos tras el estatuto basico. Disponível

em: <http://www.aedtss.com/Ponencia%20III%20J%20LOPEZ%20GANDIA.doc>. Acesso em: 8 ago. 2010, p. 43.

241 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 45.

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217

9.2 EFICÁCIA JURÍDICA DOS PACTOS E ACORDOS: DELIMITAÇÃO DOS

EFEITOS DO DESCUMPRIMENTO DOS INSTRUMENTOS NEGOCIADOS

Uma das questões que mais tem despertado discussões na negociação

coletiva dos funcionários públicos diz respeito à eficácia jurídica dos instrumentos daí

resultantes.242 Parte da doutrina sustenta que deve haver um tratamento inteiramente distinto

entre a negociação entabulada no setor privado e aquela estabelecida na função pública,

pretendendo que, em relação a esta, os efeitos sejam meramente obrigacionais, dependendo

sua eficácia de incorporação ao ordenamento jurídico através de ato formal proveniente da

esfera executiva ou legislativa, haja vista a necessidade de harmonizar a negociação com a

competência constitucional dos Poderes Legislativo e Executivo para regular as condições de

trabalho prestado sob o regime jurídico-administrativo.

Para esse segmento da doutrina, a negociação constitui mera etapa do

procedimento legislativo ou administrativo de adoção do ato regulamentar, atribuindo ao

processo negocial um valor de compromisso moral ou político, considerando que as

disposições relativas ao direito de negociação dos sindicatos somente conferem a estes uma

satisfação simbólica, sem afetar o sistema estatutário e unilateralista da legislação sobre o

regime jurídico-administrativo. Essa é uma perspectiva em que se procura reconhecer aos

ajustes coletivos uma eficácia mais política do que jurídica, que termina prestigiando a

unilateralidade em detrimento da bilateralidade que deve pautar a fixação das condições de

242 Observa PALOMEQUE LÓPEZ. Derecho Sindical Español, 1991, p. 316-318, que o tema da eficácia

jurídica da negociação coletiva é fonte de ambiguidades e confusões, daí a necessidade de sua delimitação em três perspectivas: 1) eficácia normativa, relacionada à virtualidade jurídica que o ordenamento atribui ao instrumento coletivo; 2) eficácia pessoal, que diz respeito ao âmbito de aplicação pessoal ou subjetivo; e 3) eficácia contratual, pertinente aos efeitos entre as partes negociadoras. O aspecto normativo resulta de sua natureza de norma jurídica, ostentando assim as características de direito objetivo, aplicam-se de forma automática, estão marcados pela inderrogabilidade de suas normas, o não cumprimento enseja a responsabilização da parte descumpridora das obrigações e o instrumento posterior derroga o anterior.

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218

trabalho na função pública. 243Acerca desse problema não existe uniformidade de abordagem

no direito comparado. Alguns sistemas sequer admitem a celebração de instrumento formal e

em outros a aplicação do instrumento ao fim e ao cabo depende sempre de uma decisão

unilateral do Poder Público. Essa vertente considera que os instrumentos normativos

celebrados não têm efeitos vinculantes, porquanto geralmente necessitam de aprovação e/ou

promulgação de um ato de autoridade competente.

No entanto, parece evidente que, pela negociação coletiva, não se

pretende apenas limitar o poder discricionário de que dispõe a Administração nem pode

cingir-se a simples obrigação assumida pelo Poder Público de transformar o ajuste em lei ou

em regulamento. Negar eficácia jurídica direta e imediata ao que foi ajustado seria reduzir a

negociação coletiva a um expediente de mera consulta, razão pela qual deve prevalecer, como

tendência, que os instrumentos coletivos aplicam-se diretamente, independente de aprovação

ou incorporação a um texto legislativo, embora se admita que cada sistema jurídico poderá

definir contornos específicos, podendo inclusive consagrar a exigência de ratificação do ajuste

pelo Poder Executivo ou configurando um modelo de negociação pré-legislativa, em que a

decisão final sobre o ajuste cabe ao Parlamento. Em todo o caso, o reconhecimento da eficácia

jurídica, do que resulta a obrigação de cumprimento do produto negociado, deve-se constituir

base sólida e estável para a configuração de um sistema democrático de relações coletivas de

trabalho na função pública.244

243 A mitigação da eficácia jurídica da negociação dos funcionários públicos parte de uma lógica que se

estrutura a partir das seguintes perspectivas: “por la exacerbación del poder de los órganos estatales; por la ampliación del margen decisorio según criterios de conveniencia y oportunidad, con la elevación del poder discrecional; por la restrición de los derechos, mediante, por un lado, el encuadramiento de varios de ellos como mera directriz, y, por otro, la interpretación restrictiva de los derechos individuales y colectivos, que parte del supuesto de que los intereses por ellos tutelados están en constante choque con los intereses generales. Esa lógica encuentra su representación adecuada en la expresión “imperio de la ley”, que, llevado al extremo de su contenido semántico, resulta en la primacía del Derecho con relación a los derechos y un sistema normativo rígido y jerarquizado, basado en una producción vertical de normas, con reducido espacio para la participación”. (MACEDO DE BRITO PEREIRA. La negociación colectiva en la función pública: una aproximación constitucional, 2004, p. 227-228).

244 Esse sistema possui uma lógica pluralista e nele “se admite la apertura a los más variados valores y su protección se hace de modo no excluynte; los intereses más generales sólo son concebidos en la medida en que se observan los derechos individuales y colectivos en su amplia extensión. El sistema normativo es basado en la producción horizontal de normas, dándose preferencia a las formas negociadas y a la intensificación del diálogo.” (MACEDO DE BRITO PEREIRA. La negociación colectiva en la función

pública: una aproximación constitucional, 2004, p. 228)

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219

Desde logo, e seguindo a sistematização de Antonio Ojeda Avilés,

formulada considerando o modelo instituído pela LORAP (Lei nº 9/1987, modificada pela Lei

nº 7/1990), extraem-se algumas assertivas a respeito da eficácia da negociação coletiva na

função pública. Os instrumentos resultantes da negociação devem importar a produção de

efeitos normativos e obrigacionais, que obrigam tanto a Administração Pública como os

sindicatos, desfrutando de eficácia geral, com efeitos erga omnes, aplicando-se a todos os

funcionários no âmbito correspondente. Nesse sentido, caracterizam os instrumentos

normativos: a) a imediatidade, pois, uma vez publicados, são self-executing, adquirindo força

de obrigar sem necessidade de edição de norma posterior, tendo, por si, caráter normativo e

aplicando-se automaticamente, independente de qualquer conduta seguinte da Administração

Pública; b) a imperatividade, significando que carecem em princípio de natureza dispositiva e

desse modo não permitem uma regulação discrepante, decorrendo do princípio da boa-fé que

deve orientar as atividades dos negociadores, daí por que, firmado o ajuste coletivo, não pode

a Administração atuar de forma distinta nem lhe é permitido modificá-lo posteriormente de

maneira unilateral; e c) a inderrogabilidade absoluta, resultando que no prazo de sua vigência

há de ser respeitado, sendo que um “[...] reglamento no puede intervenir ni siquiera para

mejorar el acuerdo o pacto, mientras este se halle em vigor”.245

Nada obstante esses aspectos gerais, impende reconhecer que uma das

especialidades da negociação coletiva na função pública concerne à eficácia jurídica dos seus

instrumentos. Configura-se uma eficácia especial quando comparada à negociação coletiva no

âmbito laboral. O primeiro aspecto diz respeito à circunstância de que, diferentemente do que

se dá na negociação laboral, que admite ajustes coletivos extra-estatutários, na negociação

coletiva dos funcionários, por tratar-se de direito de simples configuração legal, segundo a

jurisprudência constitucional ainda prevalecente, não se reconhece eficácia jurídica à

negociação extralegal. Logo, as negociações assim estabelecidas não possuem a eficácia que

deriva do Estatuto Básico, não sendo obrigatórias e não podendo prevalecer frente à

negociação coletiva regulada legalmente246. Esse quadro muda substancialmente com a

245

OJEDA AVILÉS. Compendio de derecho sindical, 1998, p. 400. 246

ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 11.

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220

evolução da jurisprudência constitucional no sentido de reconhecer a integração genérica da

negociação coletiva no conteúdo essencial da liberdade sindical dos funcionários.247

Diante da limitação da eficácia jurídica da negociação aos

instrumentos legalmente reconhecidos, impõe-se analisar os efeitos da negociação conforme o

procedimento se encerre com a celebração de Pactos ou Acordos.

Os Pactos, sendo contratos coletivos normativos, possuem eficácia

jurídica muito similar à dos convênios coletivos do âmbito laboral, compreendendo assim a

vinculação direta, a eficácia normativa, os efeitos sobre os funcionários compreendidos no

âmbito de aplicação e a exclusão da capacidade de regulação unilateral pela Administração

Pública.248 Os Pactos prevalecem sobre os regulamentos anteriores, assim como não podem

ser alterados ou privados de efeitos total ou parcial por normas regulamentares posteriores, na

medida em que a regulação unilateral pela Administração somente pode ser exercida quando

efetivamente configurado o fracasso da negociação coletiva e depois de exaurido o

procedimento de solução extrajudicial (EBEP, artigo 38.7) .249

Por sua vez, os Acordos, antes da ratificação “no vincula más allá de

la obligación, propia de uma negociación de buena fe, de someterlo em plazo razonable a la

aprobación del Órgano de Gobierno respectivo”. 250 Uma vez aprovados, vinculam da mesma

forma e nos mesmos termos em que se passa com os Pactos, salvo se envolver negociação

pré-legislativa, hipótese em que se faz necessária a elaboração e o encaminhamento do

respectivo projeto de lei. Nessa situação, a Administração está obrigada a negociar o texto que

encaminhará ao órgão legislativo correspondente, cuja eficácia jurídica direta dependerá da

247 LANDA ZAPIRAIN; BAYLOS GRAU. La negociación colectiva en el marco de las administraciones

publicas: los problemas de su configuracion legal atual. Texto produzido para o workshop “La negociación

de las condiciones de trabajo de los empleados públicos al servicio de las Administraciones públicas vas,

realizado na Universidad de Oñati no período de 24 a 25 de abril de 2001, com a coordenação do Instituto de Sociologia Jurídica de Oñati.

248 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 36.

249 ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p.

36. 250

ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p.

43.

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221

circunstância de o projeto converter-se em lei. Isso não afasta a eficácia jurídica do próprio

Acordo, porquanto, apesar de o Parlamento possuir liberdade para aprovar ou não o projeto,

podendo inclusive realizar as modificações que considere necessárias, prevalece a eficácia em

relação ao órgão de governo respectivo, que não pode deixar de remeter o projeto nem pode

encaminhá-lo sem observar o conteúdo negociado e ratificado.

Definidas as bases acerca da eficácia jurídica dos Pactos e Acordos,

cumpre então verificar os efeitos decorrentes do descumprimento do produto da negociação.

Quando se tratar de descumprimento em relação a matérias não sujeitas à reserva de lei, a

questão é menos problemática. Possuindo suas normas caráter imperativo, com eficácia

imediata e claramente vinculante, incidem de forma cogente em relação aos órgãos

administrativos e aos funcionários afetados, não podendo a Administração modificá-las ou

alterá-las para ajuste a situações singulares, salvo a hipótese do artigo 38.10 do Estatuto

Básico. Firmado o ajuste coletivo, quaisquer das partes afetadas pelo descumprimento podem

acionar judicialmente para reclamar o cumprimento dos direitos que lhes corresponda. Nesse

sentido, pode o funcionário diretamente ou a organização sindical legitimada reclamar contra

a Administração Pública na via do contencioso-administrativo.

Tratando-se de descumprimento de Acordos ratificados em matérias

sujeitas à reserva de lei, a questão assume maior complexidade. Recusando-se a

Administração Pública a encaminhar o projeto de lei ou procedendo ao encaminhamento com

inobservância das condições ajustadas, em qualquer caso resta caracterizado o

descumprimento, gerando consequências jurídicas, na medida em que os Acordos ratificados

vinculam juridicamente o órgão que os aprova. O descumprimento “podrá generar acciones en

reclamación de responsabilidad a la Administración, en un caso por omisión de una conducta

exigible, en el otro por acción”.251 Não se convertendo o Acordo em lei, surge o problema

quanto à possibilidade de os funcionários reclamarem direitos com fundamento no

instrumento coletivo ratificado. Anteriormente à edição do Estatuto Básico, que no artigo

38.3, ao dispor sobre os Acordos em matéria de reserva de lei, estabelece que “su cotenido

carecerá de eficacia directa” antes de sua aprovação pelo Parlamento, o tema foi objeto de

251 ALFONSO MELLADO. La negociación de los funcionarios públicos. Algunas cuestiones a propósito de la

sentencia de la Audiciencia Nacional de 7 de noviembre de 2000, en RDS, núm.13, 2001, p. 25.

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222

intenso debate em vários segmentos da sociedade, conduzindo à reflexão sobre a importância

do reconhecimento da eficácia da negociação coletiva dos funcionários públicos.

Na Espanha, a questão assume grandes dimensões com o

reconhecimento pela Sala do Contencioso-Administrativo da Audiência Nacional (AN),

através da Sentença da Audiência Nacional (SAN) de 7 de novembro de 2000, do direito ao

incremento das retribuições previsto no Acordo firmado entre a Administração e os Sindicatos

para o período de 1995-1997. O Acordo foi cumprido em relação aos anos de 1995 e 1996,

mas para o ano de 2007 o Governo decidiu não proceder ao incremento ajustado, decorrendo

daí a não inclusão para esse fim dos recursos na Lei Orçamentária Geral do Estado. Ao

encaminhar o projeto de lei orçamentária sem os recursos necessários para garantir o

cumprimento do Acordo, o Governo promoveu um congelamento salarial. Em face disso, foi

promovida ação judicial com a pretensão de cumprimento do disposto no acordo coletivo. A

SAN concluiu pelo reconhecimento da eficácia direta do instrumento normativo ante a

previsão de incremento automático das retribuições para o ano de 1997, adotando como

razões de decidir o direito fundamental de liberdade sindical dos funcionários e o dever de a

Administração negociar de boa-fé, potencializando assim a negociação coletiva e atribuindo

efeitos jurídicos concretos ao produto negociado.252 Conquanto a sentença tenha sido anulada

pelo TS253, teve o mérito de chamar atenção para a necessidade de fortalecer o caráter

vinculante dos Pactos e Acordos, que é “no solo deseable sino consustancial con una sociedad

política basada en valores como la participación, el diálogo y el acuerdo” 254.

252 A sentença acolhe a pretensão do sindicato demandante, reconhece a desconformidade com o Direito da

resolução impugnada e proclama sua nulidade, reconhecendo aos funcionários incluídos no âmbito de aplicação do acordo coletivo o direito “a percibir el incremento en su retribuición según la previsión presupuestuaria del crecimiento del IPCen el año 1997, más las cantidades dejadas de percibir durante los años sucesivos como consecuencia de la inaplicación del señalado incremento, y ordenamos a la Administración que proceda a llevar a efecto en el menor plazo posible negociaciones sobre el incremento retributivo”.

253 Na sentença de 21 de março de 2002, o Tribunal Supremo, a pesar do desfecho negativo, firmou precedente quanto ao dever de reabertura da negociação: “En definitiva, la Administración no excluyó de manera unilateral el incremento retributivo en la negociación, ni vulneró el principio de obligatoriedad de negociar de buena fe. Lo que ocurrió fue que no se consiguió llegar a un acuerdo” […] “En el caso examinado, no existió una exclusión unilateral de la negociación sobre la materia relativa al incremento retributivo en la negociación de 1996, sino un desacuerdo sobre la materia entre las partes negociadoras y porque no existió el acuerdo sobre el eventual incremento de la retribuciones correspondía al Gobierno.” […] “Existió un esfuerzo para alcanzar un acuerdo (art. 7 del Convenio OIT nº 151) y se negoció reconociendo el papel central que el constitucionalismo del Estado social otorga a los Sindicatos y a los mecanismos de participación en la fijación de las condiciones del empleo público.”

254 ALFONSO MELLADO. La negociación de los funcionarios públicos. Algunas cuestiones a propósito de la

sentencia de la Audiciencia Nacional de 7 de noviembre de 2000, en RDS, núm.13, 2001, p. 32.

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223

Aspecto muito relevante diz respeito à eficácia negativa da negociação

coletiva dos funcionários públicos. Distingue-se neste ponto entre a eficácia do produto da

negociação e a eficácia da obrigação de negociar. No caso, dada a natureza obrigatória da

negociação na função pública, sua inobservância deve ensejar a nulidade da decisão ou ato

administrativo adotado sem que antes tenha se submetido ao procedimento de negociação

obrigatório. Existindo o dever de negociar, obviamente seu descumprimento gera

consequências jurídicas, com a possível nulidade do ato administrativo adotado

unilateralmente sem negociação prévia ou produzido mediante procedimento viciado. O

problema assume maior complexidade quando se trata de negociação pré-legislativa e o

projeto de lei é aprovado sem prévia negociação. Nesse caso é possível admitir que ato

legislativo supre os vícios precedentes, dificultando a postulação da nulidade da lei. Isso, no

entanto, não obstaculiza a responsabilização da Administração Pública por descumprimento

do dever de negociar, circunstância que justifica um pedido de indenização em favor das

organizações sindicais legitimadas por violação ao direito fundamental de liberdade sindical,

do qual faz parte o direito à negociação coletiva.255

No tocante à eficácia da negociação coletiva conjunta, o Estatuto

Básico mantém a dualidade de regimes jurídicos para o acordo misto e o faz no pressuposto

da existência de modelos diferentes de negociação coletiva, decorrentes de graus distintos de

autonomia coletiva (artigos 32 e 7º). Para os funcionários, a eficácia dos Pactos e Acordos

obedece às especificidades do EBEP, enquanto para os contratados sob regime laboral a

eficácia segue o modelo do ET, posto que sujeitos à aplicação da legislação laboral, inclusive

às normas sobre convênios coletivos. Nesse sentido, o artigo 83 ET confere concretude ao

mandamento constitucional do artigo 37.1 CE, que determina que “La ley garantizará el

derecho a la negociación colectiva laboral [...], así como “la fuerza vinculante de los

convenios”. Esta norma não se aplica à negociação coletiva dos funcionários, daí por que a

força vinculante dos Pactos e Acordos, assim como dos Acordos mistos, no que diz respeito à

função púbica, extrai-se do artigo 28.1 CE, que reconhece o direito genérico de negociação

255

ALFONSO MELLADO. Los derechos colectivos de los empleados públicos en el estatuto básico, 2008, p. 49.

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coletiva dos funcionários, do que deriva para a Administração Pública o dever de negociar de

boa-fé e também a força vinculante do produto da negociação.256

A eficácia dual para a negociação conjunta gera problemas de caráter

substancial e processual. Para os contratados sob o regime do ET, tratando-se de acordo

misto, a eficácia imediata deve seguir os mesmos termos dos convênios coletivos, embora a

doutrina condicione sua eficácia à ratificação também para o âmbito laboral. Envolvendo o

acordo misto matéria de reserva de lei, a eficácia direta está condicionada à aprovação pelo

órgão legislativo. Ademais, surge o problema da competência para a impugnação dos acordos

mistos, cindida entre a jurisdição do contencioso-administrativo e a jurisdição do social,

circunstância que pode conduzir a perplexidades e contradições nos julgamentos a respeito de

uma mesma cláusula. Não parece razoável pretender a extensão dos efeitos da sentença ao

outro segmento coletivo a pretexto de resguardar a unidade da negociação. Melhor solução

seria a inserção de cláusulas de garantia, de sorte a contemplar a vinculação total do

instrumento coletivo, procedendo-se à renegociação de cláusulas anuladas por um dos órgãos

da jurisdição.

9.3 POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE SUSPENSÃO OU MODIFICAÇÃO DO

CUMPRIMENTO DOS PACTOS E ACORDOS: EXIGÊNCIA DE NOVO

PROCEDIMENTO DE NEGOCIAÇÃO

O Estatuto Básico no artigo 38.10 introduz a possibilidade

excepcional de suspensão ou modificação de cumprimento dos Pactos e Acordos, conferindo

poderes exorbitantes e extraordinários aos órgãos de governo das Administrações Públicas,

256

Esta é a conclusão de MARTÍNEZ GAYOSO. El derecho de negociación colectiva de los funcionarios

públicos en la Constitución, 2002, p. 218, ao observar que “la eficacia inmediata, imperativa e inderogable del convenio sobre las relaciones individuales es inherente al reconocimiento de la negociación colectiva y, por lo tanto, predicable también sobre la negociación colectiva de los funcionarios públicos, derivada de la libertad sindical (artigo 28.1 CE).

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quando houver “causa grave de interés público derivada de una alteración sustancial de las

circunstancias económicas”. Abre-se assim a via para a quebra da eficácia jurídica vinculante

e da própria vigência dos instrumentos da negociação, afetando de forma ampla e profunda a

negociação coletiva. O tema tornou-se central na Espanha e que deixou de ter um componente

apenas jurídico, assumindo projeções políticas, econômicas e sociais. A questão é complexa e

ainda não foi suficientemente equacionada, exigindo uma manifestação mais conclusiva da

doutrina científica e jurisdicional. A atualidade do debate dá-se especialmente em razão da

edição do RDL nº 8/2010, de 20 de maio, através do qual se adota medidas extraordinárias

para redução do déficit público, incluindo a redução dos salários dos empregados públicos na

ordem de 5%, atingindo assim o Acordo firmado entre Governo e Sindicatos para a função

pública no marco do diálogo social 2010-2012, que previa um incremento da massa salarial da

ordem de 0,3% para o ano de 2010, além de uma cláusula de revisão que tinha por objetivo

manter o poder aquisitivo dos funcionários.

Antes da análise da questão de fundo, relacionada à aplicação do RDL

nº 8/2010, impõe-se previamente fazer uma abordagem acerca do conteúdo da norma do

artigo 38.10 EBEP, de modo a definir os seus contornos e suas possibilidades interpretativas.

A inserção do dispositivo decorreu de problemas resultantes de acordos de vigência plurianual

que previam o incremento de retribuições dos empregados públicos para os anos de 1995,

1996 e 1997, tendo o Governo deixado de proceder ao cumprimento do ajustado em relação

ao último ano, fato que ensejou a não inclusão dos recursos necessários na Lei de Orçamento

Geral do Estado. A questão foi submetida à apreciação da AN, do TS e do TC e, nada

obstante o âmbito debate estabelecido, faltou um pronunciamento conclusivo sobre a base

constitucional do direito de negociação coletiva dos funcionários, que teria importantes

consequências em relação à eficácia jurídica dos Pactos e Acordos. O vazio normativo e a

divergência de pronunciamentos jurisdicionais foram determinantes para a previsão da

cláusula rebus sic stantibus257

, cujo conteúdo aberto e impreciso exige uma interpretação

sistemática e integradora da qual possa resultar a superação de ambiguidades e omissões do

EBEP e a potencialização da negociação coletiva e da eficácia jurídica dos seus instrumentos.

257 A cláusula rebus sic stantibus autoriza a resolução contratual pela onerosidade excessiva, cuja aplicação

requer a coexistência de três pressupostos: 1) estipulação de um contrato de duração; 2) superveniência de acontecimento que gere onerosidade excessiva para uma das partes; e 3) acontecimento extraordinário qualificado por sua imprevisibilidade. O pressuposto da onerosidade excessiva exige um brutal rompimento da equivalência originária da pactuação, motivada pelo surgimento de uma situação de desequilíbrio econômico, transformando drasticamente o panorama contratual.

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Os Pactos e Acordos devem ser resultado do equilíbrio entre os

interesses e posições das partes em um momento determinado e tendo em vista certas

circunstâncias. Alteradas estas de forma substancial, configurando profundo e extenso

desequilíbrio contratual, admissível a reabertura da negociação de sorte a restabelecer o

equilíbrio gravemente alterado. Essa possibilidade, por força do artigo 38.10 EBEP, abre-se

tanto para as Administrações Públicas, assim como para as organizações sindicais, que podem

recorrer à greve como meio de pressão para modificar ou revisar o acordo vigente. A

invocação da cláusula rebus sic stantibus pelas Administrações Públicas somente se justifica

“excepcionalmente” e unicamente “por causa grave de interés público derivada de una

alteración sustancial de las circunstancias económicas”. A referência no texto ao dever de as

Administrações Públicas informarem as causas da suspensão ou modificação não conduz à

dispensa da reabertura do procedimento negociador. A interpretação sistemática desse texto

com o disposto no artigo 38.7 impõe a conclusão de que, sendo a matéria objeto de

obrigatória negociação, a suspensão ou modificação do acordo deve ser também negociada.

Decisão unilateral das Administrações Públicas somente cabe na hipótese de não se produzir

novo ajuste coletivo258.

Apreciando agora a polêmica atual acerca da juridicidade do RDL nº

8/2010, não se discute aqui a presença ou não dos pressupostos de extraordinária e urgente

necessidade para a adoção das medidas pelo Governo sob a forma de Decreto-Lei referido no

artigo 86.1 CE, uma vez que os argumentos gerais e específicos utilizados como justificativas

parecem atender às exigências constitucionais, embora a opção política adotada não se revele

a mais adequada.259 Cabe aqui verificar se o RDL nº 8/2010 passa no filtro de

constitucionalidade quanto à vedação de não poder “afectar al ordenamiento de las

258 Nesse sentido, BAYLOS GRAU. Sobre la reducción salarial de los empleados públicos, ao sustentar que

“Esta vía excepcional de alteración de lo pactado implica una denuncia ante tempus del convenio y la apertura de un proceso de negociación nuevo, pero nunca puede sustituirse el proceso de negociación que está en la base de un sistema de regulación de las condiciones de trabajo y de empleo de los funcionarios públicos garantizado por al Constitución, reconocido en convenios internacionales y desarrollado en el EBEP, y que conecta directamente, como se ha dicho, con el derecho de libertad sindical.” Disponível em: <http://www.fsc.ccoo.es/webfsc/menu.do?Actualidad:Opinion:80780>. Acesso em: 26 jul. 2011.

259 Convém anotar, no entanto, que, no marco da crise do Estado Social e Democrático de Direito, as violações aos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais, geralmente são praticadas através de excepcionais procedimentos de “urgência”, baseados em razões de “interesse geral” ou por força de “imperativos econômicos” e sem possibilitar os controles através da justificação e discussão que envolvem a tramitação junto ao Parlamento.

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instituciones básicas del Estado, a los derechos, deberes y liberdades de los ciudadanos

regulados en el Título I, al régimen de las Comunidades Autonómicas ni al Decrecho electoral

general”. Questiona-se, portanto, se o ato unilateral do governo de redução dos salários e o ato

legislativo que o aprovou implicaram afetação ao direito fundamental de liberdade sindical

dos funcionários públicos (artigo 28.1), integrado pela negociação coletiva e do qual resulta a

eficácia jurídica dos respectivos instrumentos normativos.

Com efeito, segundo o disposto no EBEP, artigo 37.1, letras a, b e k,

combinado com o disposto no artigo 36.2 e no artigo 38.3, a matéria referente às retribuições

dos empregados públicos deve ser objeto de obrigatória negociação coletiva na Mesa Geral

das Administrações Públicas, cujo Acordo ratificado deve ser transformado em projeto de lei

e incluído na Lei de Orçamento Geral do Estado. Constituindo as retribuições matérias de

obrigatória negociação coletiva e uma vez vigente a lei orçamentária que incorporou as

condições ajustadas coletivamente, resulta evidente que sua suspensão também deve ser

objeto de negociação. Reforça essa conclusão o disposto no artigo 38.7, ao estabelecer que,

tratando-se de matéria de obrigatória negociação, que abrange as retribuições dos empregados

públicos, as Administrações somente podem regular unilateralmente as condições de trabalho

quando não se produza o acordo na negociação ou na renegociação. Inequívoco, portanto, que

em matéria envolvendo retribuições não cabe decisão unilateral sem prévio esgotamento da

negociação coletiva na Mesa Geral das Administrações Públicas.

A edição do RDL nº 8/2010 não foi precedida da negociação

obrigatória, limitando-se o Governo a proceder à comunicação da decisão adotada

unilateralmente às organizações sindicais legitimadas. O descumprimento do dever de

negociar previamente é admitido de forma expressa na Exposição de Motivos, ao dispor que

en cumplimiento de lo dispuesto en el artículo 36. 2 párrafo segundo y el 38.10 de la Ley del Estatuto Básico del Empleado Público, se ha reunido la Mesa General de negociación de las Administraciones Públicas el día 20 de mayo del presente año con el fin de informar a las Organizaciones Sindicales tanto de la suspensión del Acuerdo de 25 de septiembre en los términos manifestados, como de las medidas y criterios que recoge el presente Real Decreto-ley en este ámbito.

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Naturalmente a simples comunicação não supre o dever de negociar,

porquanto o Governo, antes de adotar as medidas unilateralmente, deveria ter convocado a

Mesa Geral das Administrações Públicas e ali sustentar a “alteración sustancial de las

circunstancias econômicas”, de modo a obter a celebração de um novo acordo, incorporando

as novas condições pactuadas ao decreto-lei ou então em projeto de lei a ser encaminhado ao

Parlamento. Por força do artigo 38.7, somente com a configuração do fracasso da negociação

coletiva pode ser adotado unilateralmente o ato normativo. Como o RDL nº 8/2010 foi

promulgado sem prévia convocação da Mesa Geral das Administrações Públicas e

logicamente sem esgotamento da negociação coletiva, restou violado o direito de negociação

coletiva dos funcionários públicos.

Essa conclusão decorre da circunstância de que, conforme a regulação

do EBEP, as retribuições dos funcionários públicos são matéria objeto de negociação coletiva

(artigo 37.1, letras a, b e k), razão pela qual está a Administração Pública obrigada a negociá-

las com as organizações sindicais legitimadas (artigos 37.1, 33.1 e 38.7). Isso é reforçado pelo

reconhecimento do direito de negociação coletiva na função pública que se extrai do artigo

28.1CE, na medida em que o mesmo integra o conteúdo essencial da liberdade sindical dos

funcionários públicos, assim como do reconhecimento legal desse direito, seja pelo artigo

2.2.d LOLS, seja pelo artigo 33.1 EBEP. Acrescente-se que, ao dispor imperativamente o

artigo 33.1 EBEP que “serán objeto de negociación”, seguindo-se a relação das matérias de

obrigatória negociação, entre as quais estão as retribuições dos empregados públicos (artigo

37.1), resulta vedada a regulação unilateral pela Administração Pública, ressalvada

exclusivamente a hipótese em que configurado o fracasso da negociação (artigo 38.7).

No tema das retribuições dos funcionários, estabelece ainda o artigo

36.2 EBEP que compete à Mesa Geral de negociação das Administrações Públicas definir o

incremento global que deve ser incluído no projeto de lei do orçamento geral do Estado de

cada ano. Claro então que eventual redução salarial, que derive da modificação da lei

orçamentária, depende igualmente da abertura de um novo procedimento de negociação. No

caso específico, a falta de renegociação não restou suprida com a convocação da Mesa Geral

das Administrações Públicas, haja vista que não se configurou concretamente a renegociação,

mas simples informação às organizações sindicais legitimadas das medidas dotadas

unilateralmente, comunicação esta que se deu no mesmo dia da promulgação do RDL nº

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8/2010 e não teve naturalmente nenhuma intenção de chegar a um acordo. Ademais, os

argumentos gerais e específicos utilizados para justificar as razões de extraordinária e urgente

necessidade por si não são suficientes para justificar o descumprimento do dever de negociar.

Cabe, diante das circunstâncias, proceder à urgente convocação e dar início a um breve

procedimento negociador, que muito provavelmente termine sem acordo, mas que confere

fundamento jurídico às medidas adotadas unilateralmente e assegure efetividade ao direito de

negociação coletiva dos funcionários.

Cumpre então verificar os efeitos jurídicos do descumprimento da

obrigação de negociar. No âmbito da função pública, a negociação coletiva possui uma

eficácia negativa, da qual poderá resultar a nulidade do ato normativo editado sem

observância da negociação obrigatória. No caso do RDL nº 8/2010, diante da concretização

das medidas unilaterais, que importou reduções nos salários dos funcionários públicos sem

prévia negociação coletiva, esse fato gera consequências jurídicas, que não estão claramente

previstas no Estatuto Básico. Conquanto se reconheça a possibilidade de modificação das

normas jurídicas aplicáveis aos funcionários, isso deve ser feito observando a ordem jurídica

vigente, com respeito aos direitos adquiridos. No caso, os direitos já estavam incorporados ao

patrimônio jurídico dos funcionários, o que se deu não em razão da ratificação do Acordo

alcançado entre Governo e Sindicatos para o período 2010-2012, mas porque as retribuições

já estavam definidas no Orçamento Geral do Estado através da Lei nº 26/2009. A modificação

da lei vulnera diretamente o artigo 33.3 CE, segundo o qual "Nadie podrá ser privado de sus

bienes y derechos, sino por causa de utilidad pública o interés social, mediante la

correspondiente indemnización y de conformidad con lo dispuesto por las leyes". Afetada a

esfera jurídica dos funcionários, com privação dos direitos adquiridos, isso legitima

reclamações individuais ou coletivas para obtenção das diferenças salariais.

Além da pretensão reparatória individual ou coletiva em relação às

retribuições indevidamente suprimidas, a situação justifica igualmente a impugnação judicial

do ato normativo, com sua consequente anulação, por descumprimento do dever de negociar e

assim por afastar-se da legalidade vigente. A convalidação do ato normativo pelo Parlamento

implica maiores dificuldades para a anulação, haja vista a incidência da soberania parlamentar

para apreciar livremente os acordos coletivos ratificados previamente. Resta então a

possibilidade de as organizações sindicais legitimadas pleitearem indenização por danos e

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prejuízos decorrentes do descumprimento da obrigação de negociar, do qual resulte a

impossibilidade de exercício da atividade sindical e violação ao direito fundamental de

liberdade sindical, como consequência de sua relação direta com o direito à negociação

coletiva.

9.4 ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DO

DIREITO DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

Na contemporaneidade, múltiplos diagnósticos são realizados acerca

da influência crescente que a justiça exerce sobre a vida coletiva. O juiz francês Antoine

Garapon, em Les Gardien des promesses, fala em “sociedade judicializada e despolitizada”,

“democracia governada pelo direito”, “declínio da política e do crescimento do jurídico” e

conclui que a “colonização do mundo pelo direito faz do Judiciário o último refúgio para

sociedade”.260 Esse fenômeno indica que questões de grande repercussão política passam a ser

decididas pelos juízes e tribunais, ensejando necessariamente a revisão do princípio da

separação dos poderes, com o consequente deslocamento do poder político do Legislativo e

do Executivo para o Judiciário. De fato, antes periférico, passivo, com a tarefa de dizer o

direito, o Poder Judiciário tem assumido novos papéis, tornando-se o centro do debate de

múltiplas e diversificadas insatisfações e reivindicações dos mais amplos e variados setores da

sociedade.

Matérias que antes eram de responsabilidade de outros Poderes,

passaram à arena do Poder Judiciário. Com isso as decisões judiciais ganharam as manchetes

dos jornais, ocupando os juízes e tribunais espaço central na agenda pública, tornando-os mais

260

O juiz francês Antoine Garapon, em Le gardien des promesses, aborda a judicialização da política e seu impacto nas democracias contemporâneas, observando que “O controle crescente da justiça sobre a vida coletiva é um dos maiores fatos políticos. Nada mais escapa ao controle do juiz. As últimas décadas viram o contencioso explodir e as jurisdições crescerem e se multiplicarem, diversificando e afirmando, cada dia um pouco mais, sua autoridade. Os juízes são chamados a se manifestar em um número de setores da vida social cada dia mais extenso” (GARAPON. O juiz e a democracia: o guardião das promessas, 2001).

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presentes e visíveis na sociedade e na mídia. O novo perfil do Judiciário decorre de múltiplos

fatores, mas pesa principalmente a crescente crise de representatividade, legitimidade e

funcionalidade das instituições políticas. A função jurisdicional não se limita mais a resolver

conflitos de interesses, envolvendo agora a resolução de conflitos de valores. E ao se

defrontar com oposição entre valores, o magistrado faz escolhas, assume posições, expressa

convicções. Nesse novo papel, deve assumir de forma plena e efetiva o papel que lhe cabe no

desenho constitucional das democracias contemporâneas, atuando de forma ampla e intensa

na concretização dos direitos fundamentais e na efetivação dos princípios democráticos.

A exigência de adequada e efetiva atuação dos tribunais impõe-se na

medida em que “los derechos constitucionales no puede dejarse librada a la benevolencia, a la

autorregulación o a la mera auto-limitación de un legislador “virtuoso” o de un poder político

“bueno”. 261 E isso mais se justifica em um cenário em que os Poderes Executivo e

Legislativo têm sido paulatinamente esvaziados no exercício de suas prerrogativas de efetiva

intervenção política e econômica, sujeitando-se a modelos impostos e orientados para a

decomposição das bases que estruturam o Estado do Bem Estar Social. Nesse sentido, a via

jurisdicional constitui importante instrumento de expansão do controle sobre os demais

poderes, cujo exercício pelos tribunais somente se legitima quando dirigida a maximizar os

direitos, sobretudo para assegurar sua concretização ou reparar suas violações. Esclareça,

entretanto, que a garantia e a concretização dos direitos evidentemente não podem fundar-se

exclusivamente na atuação dos tribunais, posto que “todo proyecto garantista constreñido a

operar en el contexto de sociedades complejas no puede sino descansar en la articulación, no

ya unitária, pero si plural, de actores sociales capaces de recoger, perfeccionar y profundizar

una cultura constitucionalista en matéria de derechos sociales.” 262

Nesse contexto insere-se a judicialização dos conflitos coletivos de

trabalho. Esse aspecto mostra-se especialmente relevante, na medida em que o fenômeno

jurídico não se restringe ao momento de sua produção, sendo essencial captá-lo quando de sua

aplicação e/ou operacionalização. Em decorrência, os sujeitos coletivos elegeram a arena

judicial como espaço importante de conformação da negociação coletiva. “Os tribunais são,

261 FERRAJOLI. Derechos fundamentales, en Derechos y garantía, 1999. 262 PISARELLO. El Estado Social como Estado Constitucional: mejores garantías, más democracia, en

Abramovich, V. Añón, JM., y Courtis, Ch., Derechos Sociales, instrucciones de uso, 2003, p. 45-46.

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então, o lugar das disputas entre representantes do capital e do trabalho pela interpretação da

norma legal. São palco da luta de classes [...] loci de pressões de toda ordem de agentes

interessados”263. Cumpre então verificar o papel desempenhado pela jurisprudência na

construção e reconstrução dos sentidos das normas constitucionais e legais que dispõem sobre

a autonomia coletiva na função pública, de modo a apreender a tendência da política judiciária

quanto à potencialização ou não da negociação coletiva e dos instrumentos dela resultantes.

Para esta análise, será necessário apreciar a proteção jurisdicional do direito de negociação

coletiva dos funcionários em sua relação com o direito fundamental de liberdade sindical,

seguindo breve consideração sobre alguns precedentes dos tribunais.

No âmbito da função pública, o sistema de tutela jurisdicional da

negociação coletiva faz-se considerando sua relação com o direito fundamental de liberdade

sindical dos funcionários (artigo 28.1 CE). Singulariza esse sistema o reiterado e equivocado

reconhecimento pela jurisprudência constitucional de que a negociação forma parte do

conteúdo adicional da liberdade sindical, constituindo direito de simples configuração legal,

cujo exercício se dá nos termos e condições definidos pela lei. O TC, conquanto não lhe

atribua por si e isoladamente a natureza de direito fundamental, “cuando se trata del derecho

de negociación colectiva de los sindicatos se integra em el de libertad sindical, como una de

sus facultades de acción sindical” (STC 80/2000), entendimento este reiterado com o

reconhecimento da inconstitucionalidade de decisão judicial que concluiu pela inexistência de

direito à negociação coletiva como direito que acompanha a liberdade sindical do sindicato de

funcionários públicos (STC 224/2000). Como desdobramento, na jurisprudência

constitucional, a negociação não se constitui direito fundamental com as consequências que a

ordem constitucional contempla, resultando dessa interpretação restritiva que o direito não

dispõe de um sistema de garantias privilegiado e reforçado, tal como se dá com os direitos

fundamentais e liberdades públicas. No entanto, quando está em jogo a atividade do sindicato

e em questão a violação ao direito de liberdade sindical, prevalece o entendimento de que

essa circunstância legitima a tutela especial mediante o recurso de amparo perante o TC e

também através do amparo ordinário perante os tribunais ordinários.

263 CARDOSO. O sindicalismo no Brasil: breve excurso sobre mudanças e permanências. Cadernos Adenauer,

v. 3, núm. 2 , 2002, p. 11-34.

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233

Muito recentemente, por força da edição do RDL nº 8/2010, uma vez

mais os tribunais espanhóis foram convocados para o cumprimento do dever de reparar a

vulneração do direito de negociação coletiva, cuja decisão poderá impulsionar e expandir esse

direito ou então negá-lo ou mitigá-lo até o limite de sua desfiguração. Os debates nos

tribunais direcionam-se para reafirmação de uma posição jurisdicional restritiva,

descumprindo assim os tribunais o dever, e não apenas a faculdade, que lhes cabe nas

democracias contemporâneas de exercício do controle jurídico sobre os demais poderes e de

maximização dos direitos fundamentais e dos princípios democráticos. Em certa medida, a

atuação dos tribunais espanhóis assemelha-se muito às práticas dos tribunais brasileiros em

relação às greves, quase sempre rechaçando obstaculizando ou mesmo negando o exercício

desse direito fundamental dos trabalhadores.264

Com efeito, através do RDL nº 8/2010, que adota medidas

extraordinárias para a redução do déficit público e promove reduções salariais da ordem de

5% sobre o conjunto dos empregados públicos, as garantias jurisdicionais, a cargo dos

tribunais, podem constituir instrumentos concretizadores de direitos violados pelas medidas

legislativas e administrativas. Nesse contexto, os tribunais estão diante da enorme tarefa de

exercer um papel ativo na definição do conteúdo e da garantia dos direitos de liberdade

sindical e de negociação coletiva dos funcionários públicos. Nesse cenário, é irrecusável o

protagonismo judicial como instrumento de garantia no marco constitucional das condições de

exercício dos direitos fundamentais e igualmente de delimitação dos limites dentro dos quais

haverá de atuar o Poder Público para observância do seu conteúdo essencial. Nesse sentido,

la justicia estará puesta a prueba, y en este particular dominio la actitud del juez será decisiva. El juez, ciertamente, no puede cambiar la norma, pero debe partir siempre del paradigma democrático que legitima su función en

264 De fato, em relação às greves, as decisões dos tribunais brasileiros indicam a formação de uma mentalidade

que considera a greve recurso último, medida extrema, uma transgressão, um mal que deve ser evitado. Nessa perspectiva, concessão de interditos proibitórios para impedir a mobilização, fixação de níveis mínimos de funcionamento de serviços essenciais, estabelecimento de multas pesadas contra sindicatos e grevistas, determinação de corte de ponto e desconto nos salários, decretação de ilegalidade e imposição de imediato retorno ao trabalho são medidas usualmente adotadas para enfraquecer e abortar o exercício do direito de greve. Nessa linha, a migração dos conflitos coletivos do trabalho para dentro dos tribunais possui um efeito devastador. Os tribunais, ao invés de cumprirem o papel estratégico e fundamental de salvaguarda dos direitos e garantias e de limitação dos poderes públicos e privados, converteram-se em palco em que sobressai o lamentável espetáculo da negação e da repressão do direito de greve. Configura-se nessa atuação espécie de ativismo judicial às avessas, impedindo que por meio da greve direitos possam ser construídos e efetivados.

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234

tanto que reconoce el rol dirigente y encauzador del derecho sobre la desigualdad y la violencia de los mercados y de la competición económica sobre las condiciones de existencia digna de las personas y de la preservación de un trabajo decente como obligación constitucional.265

Inexiste solução jurisdicional, ainda que provisória, no âmbito da

ordem do Contencioso-Administrativo em relação aos funcionários públicos. Diante da falta

de pronunciamento do órgão competente para apreciação dos conflitos decorrentes do regime

jurídico-administrativo, apreciam-se aqui os debates travados em relação aos empregados

públicos submetidos ao regime laboral, haja vista que, embora se trate de regimes de

negociação coletiva diferentes, inclusive com aplicação do efeito vinculante dos convênios

derivados do artigo 37.1 CE, combinado com o artigo 82 ET, de algum modo a questão da

eficácia jurídica dos instrumentos normativos guarda muitos aspectos comuns. Frise-se,

portanto, a existência de especificidades em relação ao pessoal laboral diante das regras do

artigo 82.3 e do artigo 41.1.d ET, que impõem procedimento próprio para a renegociação dos

convênios coletivos quando isso se justifique em razão de situação econômica da empresa,

particularidade esta que gera a inaplicação, no âmbito das relações tipicamente privadas, da

regra do artigo 38.10 EBEP.266 Passa-se então a analisar de que forma deliberou a Sala do

Social da Audiência Nacional, adotando-se como objeto de análise o Auto nº 63/2010.

No Auto de 28 de outubro de 2010, a AN, através da Sala do Social,

conclui que

265

BAYLOS GRAU. Notas sobre la función de los jueces ante las políticas de recorte de derechos sociales. Disponível em: <http://baylos.blogspot.com/2010/12/notas-sobre-la-funcion-de-los-jueces.html>. Acesso em: 27 ago. 2011.

266 A diversidade de modelos de negociação está claramente exposta no Auto 63/2010: “[…] estamos ante dos regímenes de negociación colectiva totalmente diferentes, aunque tengan un rasgo común dominante, consistente en que funcionarios y laborales están sometidos a los incrementos de la masa salarial establecida anualmente en las Leyes de Presupuestos Generales del Estado”. […]aunque sea cierto que el personal funcionario y el personal laboral están obligados a negociar conjuntamente los incrementos retributivos globales que deben incluirse dada anualidad en la Ley de Presupuestos Generales del Estado, mediante un Acuerdo conjunto de los previstos en el Art. 38 EBEP, no es menos cierto que dicho Acuerdo produce efectos jurídicos diferenciados para uno y otro colectivo, puesto que el Acuerdo suscrito conjuntamente, al igual que cualquier otro que, de conformidad con lo establecido en el Art. 37, contenga materias y condiciones generales de trabajo comunes al personal funcionario y laboral, tendrá la consideración y efectos previstos en el propio artículo 38 EBEP para los funcionarios, mientras que producirá los efectos del Art. 83 del Estatuto de los Trabajadores para el personal laboral, que son exactamente los mismos de cualquier otro convenio colectivo, a tenor con lo dispuesto en el Art. 83, 3 ET, de conformidad con lo dispuesto en el Art. 38.8 EBEP.”

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el derecho a la negociación colectiva forma parte del contenido esencial del derecho a la libertad sindical en su vertiente funcional, porque la negociación colectiva es un medio necesario para el ejercicio de la acción sindical que reconocen los arts. 7 y 28, 1 y porque la libertad sindical comprende inexcusablemente también aquellos medios de acción sindical (entre ellos la negociación colectiva) que contribuyen a que el sindicato pueda desenvolver la actividad a la que está llamado por la Constitución, habiéndose entendido así por la doctrina constitucional, en la que se ha defendido que la libertad sindical se integra por los derechos de actividad y los medios de acción que, por contribuir de forma primordial a que el sindicato pueda desarrollar las funciones a las que es llamado por el Art. 7 CE EDL1978/3879, constituyen el núcleo mínimo e indispensable de la libertad sindical.

Com a conclusão de que o direito de negociação coletiva integra o

núcleo duro do direito de liberdade sindical e invocando a natureza jurídica da eficácia

vinculante do convênio coletivo, que forma parte do conteúdo essencial da negociação

coletiva, tudo isso fundado em farta jurisprudência constitucional, a Sala do Social da AN, à

unanimidade, suscita questão de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional, de

modo a definir

si la redacción de los artículos 22, 4 y 25 de la Ley 26/2009, de 23 de diciembre, de Presupuestos Generales del Estado para 2010, promovida por el artículo 1 del RDL 8/2010, de 20 de mayo, por el que se adoptan medidas extraordinarias para la reducción del déficit público, ha vulnerado o no al contenido esencial del derecho de libertad sindical, regulado en los artículos 7 y 28, 1 CE, en relación con el derecho de negociación colectiva, regulado en el artículo 37, 1 CE, puesto que entendemos que dichos preceptos son aplicables al caso y el fallo depende de su validez, no siendo posible, acomodar por otra vía interpretativa dichos preceptos al ordenamiento constitucional.

De fato, a intervenção estatal realizada por meio do RDL nº 8/2010

afeta mortalmente o direito de negociação coletiva, atingindo seu núcleo essencial, que reside

precisamente na retribuição. Isso porque a matéria salarial constitui o ponto fulcral, o núcleo

ou coração da negociação coletiva, na medida em que é com o trunfo da remuneração,

abdicando de aspectos dela ou permitindo avanços mais lentos na mesma, que os

trabalhadores alcançam outras vantagens, ou os tomadores dos serviços, mediante ofertas

mais generosas em matéria da retribuição, conseguem outros benefícios. Por isso se diz que a

pedra de toque da negociação é a remuneração. Nesse sentido, resulta evidente que a

interferência legislativa, ao solapar a eficácia jurídica dos instrumentos negociados, produz a

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eliminação do equilíbrio obtido através da negociação e atinge o próprio conteúdo essencial

da negociação coletiva, afetando, por via de consequência, o conteúdo essencial da liberdade

sindical dos funcionários públicos.

Possuindo a negociação coletiva uma dimensão constitucional,

obviamente não se trata de direito completamente disponível ao legislador. Isso também não

sugere dotá-la de supremacia sobre a lei ou de configurá-la como direito absoluto que não

possa sofrer modulações. Caracterizada a colisão de interesses, de um lado a necessidade de

resguardar os interesses públicos, de outro a necessidade de proteger a negociação coletiva, a

solução passa por um juízo de ponderação, mediante a aplicação da máxima de

proporcionalidade, de sorte a encontrar uma medida adequada, necessária e proporcional,

preservando o conteúdo essencial da negociação coletiva.267 E essa ponderação de interesses

encontra na renegociação o instrumento idôneo e eficaz, de modo que os sujeitos coletivos

possam amplamente debater e solucionar a colisão dos interesses, buscando equacionar o

montante global da redução salarial e a forma de alcançar os distintos segmentos de

empregados públicos, considerando os respectivos níveis salariais. Ausente o procedimento

de renegociação, e privando a Administração unilateralmente o produto negociado dos seus

efeitos, inclusive já incorporados à ordem jurídica vigente, resta inequivocamente

caracterizada a inconstitucionalidade da redução salarial levada a efeito pelo RDL nº 8/2010.

Nessa perspectiva, a deliberação da AN de suscitar a questão de

inconstitucionalidade em relação ao RDL nº 8/2010 constitui iniciativa dotada de especial

significado e relevância ao sinalizar pela violação do direito de liberdade sindical, na medida

em que considera que o ato governamental de redução dos salários dos empregados públicos

267 Na solução de colisão de interesses protegidos constitucionalmente, a exemplo da colisão entre interesses

públicos e negociação coletiva, necessário fazer a ponderação de bens, objetivando sacrificar o mínimo possível os interesses em jogo. Essa ponderação faz-se pela utilização dos cânones da unidade da Constituição, da concordância prática e da máxima de proporcionalidade. Nesse processo a Constituição deve ser compreendida como unidade, o que implica reconhecer que suas normas não existem isoladas uma das outras, exigindo-se que sejam vistas como integrantes de um sistema, com conexão entre todos os elementos e em situação de interdependência. O procedimento para resolução dos conflitos não obedece a uma hierarquia normativa pré-estabelecida de valores constitucionais, pois todos os valores ocupam o mesmo patamar, não sendo possível pura e simplesmente sacrificar um deles em favor do outro. Considerando que todos os bens constitucionais possuem o mesmo valor, impõe-se a proteção de todos eles a fim de sejam coordenados para que conservem sua identidade. No caso, o resultado das medidas adotadas pelo RDL 8/2010 não passa no controle de adequação, justificação, proporcionalidade e idoneidade, posto que impostas sem a necessária renegociação e assim atingiram o conteúdo essencial da negociação coletiva, do qual faz parte a eficácia jurídica dos seus instrumentos.

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esvazia o conteúdo do direito de negociação coletiva e nega eficácia jurídica aos instrumentos

dela derivados. O Auto de 28 de outubro de 2010, a exemplo da Sentença de 7 de novembro

de 2000, ambos da AN, embora de órgãos jurisdicionais distintos e com competências

diversas, representa importante e adequado manejo das garantias jurisdicionais, atuando como

salutar instrumento de questionamento de legitimidade e validade de decisões políticas

claramente violadoras dos direitos fundamentais de liberdade sindical e negociação coletiva,

cujo conteúdo mínimo e indisponível institui vínculos e limites não apenas para o legislador e

para a Administração Pública, mas também para os tribunais, que devem atuar sempre com a

finalidade de potencializar os direitos.

Instado a decidir sobre a questão de constitucionalidade no momento

em que as bases do Estado Social e Democrático de Direito estão sob forte ataque de poderes

públicos e privados, o TC, no Auto de 7 de junho de 2011, omitindo-se no cumprimento de

seu dever de guardião dos direitos fundamentais, suscita um defeito processual inexistente

para extinguir sumariamente uma questão de grande relevância constitucional e que afeta

ampla e profundamente a liberdade sindical, a negociação coletiva e a força vinculante dos

convênios coletivos (CE, artigos 28.1 e 37). Além de exigir indevidamente que na questão de

constitucionalidade haja expressa indicação do dispositivo infringido (Lei Orgânica do

Tribunal Constitucional - LOTC, artigo 35), o TC subverte os termos da questão e parte da

premissa equivocada de que a solução do incidente passa pela decisão quanto à submissão ou

não do convênio coletivo à lei orçamentária. O equívoco evidencia-se ao observar o TC que

“del art. 37.1 CE no emana ni deriva la supuesta intangibilidad o inalterabilidad del convenio

colectivo frente a la norma legal, incluso aunque se trate de una norma sobrevenida”,

acrescentando que “es el convenio colectivo el que debe respetar y someterse no sólo a la ley

formal, sino, más genéricamente, a las normas de mayor rango jerárquico y no al contrario”.

Ora, esse aspecto era inteiramente incontroverso, posto que o Auto nº 63/2010 claramente

afirmou que “el Convenio Colectivo es una norma que sólo tiene fuerza vinculante y

despliega su eficacia en el campo de juego que la Ley señala”, razão por que conclui “que la

Administración no está vinculada a los convenios suscritos, que contradigan la ley”.

A questão posta era outra e consistia em definir se, uma vez aprovada

a lei orçamentária e firmado o convênio coletivo nos termos e limites definidos por essa

mesma lei, poderia a Administração Pública interferir no seu conteúdo, descumprindo aquilo

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que foi ajustado coletivamente e promovendo redução dos salários. Nesse caso, além de se

questionar a necessidade de assegurar a própria força vinculante do convênio coletivo, que

integra o conteúdo essencial da negociação coletiva e também da liberdade sindical, direitos

estes com expresso reconhecimento constitucional e legal, caberia também conferir

efetividade às convenções internacionais da OIT, às quais está submetido o ordenamento

jurídico espanhol por força do artigo 96 da Constituição. Por tudo isso, conclui-se que o Auto

do TC, ao abordar a questão em termos completamente inexatos e distintos daqueles

realmente postos pela AN, gerou uma surpreendente e incompreensível mudança de sua

jurisprudência, que agora passa a ser determinada pela conveniência de políticas econômicas

de governos, disso tudo resultando efeitos extremamente prejudiciais à ação sindical e à

negociação coletiva e com sérias e graves consequências sobre o modelo de Estado Social e

Democrático de Direito.

A breve análise da atuação dos tribunais indica que na Espanha, assim

como no Brasil, a via jurisdicional está muito longe de corresponder às imensas aspirações de

exercício adequado e eficiente de controle dos demais poderes e de concretização dos direitos

coletivos. Destarte, conquanto seja essencial o labor dos atores institucionais, como o

legislador, a Administração e os tribunais, impõe-se reconhecer que o aparato constitucional e

legal resulta incompleto, irreal e ineficiente sem a existência e permanente promoção de

múltiplos espaços em condições de garantir socialmente a eficácia das normas consagradoras

dos direitos. Fica evidente que a concretização do direito de negociação coletiva dos

funcionários públicos passa também pela atuação de uma pluralidade de atores sociais na

formulação e ativação das garantias institucionais (legais, administrativas e jurisdicionais),

mas também por meio da autotutela, sobretudo através da greve, valioso instrumento à

disposição dos trabalhadores por meio do qual podem participar e pressionar no sentido de

garantir a concretização dos direitos fundamentais e princípios democráticos consagrados na

Constituição. Por tudo isso impende concluir que essa tarefa somente se realiza

en la constante articulación de contrapoderes democráticos, políticos e sociales, no ya como un simple complemento de la estrategia de los derechos, sino como la única alternativa realista para garantizar su efectividad. En ese sentido, no se exagera si se afirma que la lucha por los

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derechos, como nunca antes, sólo puede prosperar como construcción colectiva y conflictiva, de los sujetos de los derechos.268

268 PISARELLO. El Estado Social como Estado Constitucional: mejores garantías, más democracia, en

Abramovich, V. Añón, JM., y Courtis, Ch., Derechos Sociales, instrucciones de uso, 2003, p. 50.

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10 CONCLUSÃO

O fim do trabalho de produção científica é sempre o começo de novas

investigações. A sistematização que segue à guisa de conclusão não tem a pretensão de

encerrar o debate em torno da negociação coletiva dos funcionários no Brasil e na Espanha.

As linhas que seguem almejam tão-somente terminar a investigação, sem a concluir, haja vista

que o tema continua aberto a novas abordagens, considerando que o direito é um conceito

interpretativo e por isso mesmo dinâmico, mutável, fruto de experiências jurídico-sociais e

que expressa um complexo de relações de poder. A construção de um modelo de negociação

coletiva na função pública continua a desafiar a capacidade dos mais diversos operadores no

sentido de promover a abertura de novos caminhos, a criação de novos sentidos e a

articulação de novas perspectivas que façam da negociação coletiva um direito real e efetivo

para o conjunto dos funcionários da Administração Pública.

O estudo realizado indica que, no Estado Democrático de Direito, a

contratualidade corresponde à teoria mais adequada às soluções consensuais e que conferem

especial abertura ao desenvolvimento da negociação coletiva na função pública. A tese

contratualista não só enseja a aceitação radical dos direitos coletivos, como favorece o

reconhecimento dos interesses coletivos dos funcionários, não se satisfazendo com a simples

participação em processos meramente consultivos, exigindo um plus, o consenso, o acordo,

transformando-se em vinculante a participação dos funcionários na definição das normas que

regulam o regime jurídico-administrativo. Longe de contentar-se com a negociação apenas

consultiva, que garante a participação, sem assegurar o acordo, ficando a decisão final sempre

dependente do Estado, importa reconhecer que um modelo de função pública contratual,

consensual, democrático, exige a negociação real e efetiva, cujo resultado deve comportar

eficácia jurídica vinculante.

A previsão, nos sistemas democráticos contemporâneos, da

sindicalização dos funcionários públicos importa uma transformação paradigmática na forma

de organização administrativa e nas relações que se estabelecem entre a coletividade dos

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trabalhadores públicos e o Estado, implicando a própria modificação do regime jurídico de

função pública. Verifica-se, hodiernamente, uma tendência à aproximação entre os regimes

público e privado de trabalho, sendo possível afirmar que o termo “estatutário” não significa

necessariamente disponibilidade unilateral, pelo Estado, acerca das relações jurídicas. Não se

nega a complexidade desse processo em direção à negociação coletiva, na medida em que,

conquanto esteja garantida a autonomia coletiva dos funcionários, os textos constitucionais de

um modo geral mantêm um conteúdo essencial para a função pública, tudo isso a exigir “[...]

la compatibilidad y convivência com el régimen estatutario funcionarial de origen legal y

reglamentario que la Constitucione impone, con la libertad sindical y la autonomia colectiva

de los funcionarios que la Constitución, al miesmo tiempo, les reconoce”.269

Os direitos coletivos dos trabalhadores sempre foram concebidos na

perspectiva do Estado moderno, vinculados e dotados de eficácia no âmbito de cada

ordenamento jurídico. No entanto, esse cenário mudou substancialmente e na

contemporaneidade não é possível conceber o reconhecimento e a atuação sindical nos limites

estreitos do Estado nacional. Em consequência, intensa atividade normativa no plano

internacional foi realizada no sentido de promover e fortalecer a liberdade sindical e a

negociação coletiva, entendida esta, assim como seu fruto, o instrumento normativo, como

meios essenciais para promoção dos interesses dos trabalhadores privados e públicos, que os

Estados devem não apenas respeitar, abstendo-se de ingerências ou interferências, mas

proteger e promover, daí a existência para os Estados de uma obrigação positiva de facilitar o

exercício dos direitos coletivos. Nos instrumentos internacionais não há tratamento

substancialmente distinto em relação ao exercício do direito de sindicalização e negociação

coletiva entre trabalhadores públicos e privados, conquanto se reconheça neles a possibilidade

de o exercício sujeitar-se a peculiaridades, que deverão ser interpretadas em sentido restritivo,

como simples “modalización o modulación de la libertad sindical”. 270

Análise comparativa indica a diversidade de modelos entre Brasil e

Espanha. Conquanto o legado histórico e as bases constitucionais sejam semelhantes, as

269

RODRÍGUEZ-PIÑERO; BRAVO FERRER. Ley y negociación colectiva en la función pública, en Relaciones Laborales, núm. 14, 1997.

270 VALDES DAL-RÉ. Los derechos de negociación colectiva y de huelga de los funcionarios públicos en el ordenamiento jurídico español: una aproximación, en REDT , núm. 86, 1997, p. 841.

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experiências recentes indicam trajetórias diversas. O Brasil e a Espanha demoraram a

reconhecer o direito de sindicalização aos funcionários públicos, somente o fazendo com as

Constituições de 1988 e 1978, respectivamente. Em relação à negociação coletiva, ambos os

textos constitucionais mantiveram-se silentes, ensejando inicialmente a formatação de um

modelo muito semelhante entre os dois países. Na Espanha, decisão paradigmática proferida

em 1982 negou o direito de negociação coletiva aos funcionários públicos (STC 57/1982), o

que viria a ocorrer igualmente no Brasil em 1992 (ADIn 492-DF). No entanto, a partir da

adoção de uma legislação promocional da negociação coletiva (Leis nº 11/1985, 9/1987,

7/1990 e 7/2007) e do reconhecimento pela jurisprudência de que a negociação coletiva dos

funcionários integra o conteúdo da liberdade sindical, o modelo espanhol assume uma

trajetória diferente daquela praticada no Brasil, de modo a consolidar um processo de

democratização das relações coletivas de trabalho, resultando daí que o funcionalismo público

espanhol participa ativamente na determinação de suas condições de trabalho.

O estudo do modelo predominante no Brasil revela que prevalece

ainda uma interpretação pelos tribunais e uma prática administrativa calcada em paradigmas

já superados, contrariando o próprio modelo democrático que a Constituição de 1988

pretendeu implantar, ao assegurar aos funcionários públicos os direitos de sindicalização e

greve, reportando, inclusive, aos acordos e convenções coletivas como instrumentos

adequados para a solução de conflitos coletivos de interesses na função pública. No Brasil o

tema não se encontra suficientemente equacionado, havendo vias negociais puramente

informais, com prevalência da unilateralidade, revelando profundo descompasso com outras

experiências jurídicas que já consolidaram a negociação coletiva como caminho necessário

para a superação dos conflitos coletivos de trabalho no contexto de uma sociedade plural,

democrática e participativa. Nesse sentido, impõe-se a adoção de uma legislação promocional

da negociação coletiva, servindo a experiência espanhola como modelo pedagógico a ser

considerado no momento da regulamentação.

De outro modo, o estudo do sistema espanhol demonstra que esse

país, diferentemente do que vem ocorrendo no Brasil, já superou os entraves comumente

colocados como impeditivos da negociação coletiva, seja em relação às questões

orçamentárias, seja em razão da sujeição da Administração Pública ao princípio da legalidade.

No tocante ao primeiro aspecto, sua superação deu-se com a obrigação de o governo, nos

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diversos níveis, apresentar a proposta de lei orçamentária já com a reserva de verbas

destinadas ao cumprimento daquilo foi acordo por meio da negociação coletiva. Em relação à

incidência do princípio da legalidade, a superação operou-se com a previsão expressa das

normas excluídas e incluídas na negociação. Quanto a estas, tratando-se de matérias de maior

complexidade, geralmente aquelas reservadas à lei específica, as mesmas serão objeto da

negociação e, uma vez obtido o consenso, o ajuste coletivo, cuja validade e eficácia dependem

da aprovação final do órgão destinatário das matérias acordadas. O produto da negociação

tem eficácia jurídica em relação à Administração Pública, que deve encaminhar a proposta de

lei observando rigorosamente aquilo que foi ajustado, embora o Parlamento, em face de sua

supremacia, detenha liberdade para deliberar.

A interpretação sistemática dos modelos constitucionais brasileiro e

espanhol, que nesse aspecto se aproximam substancialmente, especialmente pela consagração

do Estado Democrático de Direito e o reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários,

assim como de outros princípios e valores constitucionais, implica a aceitação de que no novo

desenho constitucional há uma clara aproximação entre os regimes dos funcionários públicos

e dos trabalhadores privados, com uma interdependência e influência recíproca entre

categorias jurídicas típicas de um e de outro regime, levando à “privatización de la relación de

empleo público”, uma decorrência da “penetración del Derecho del Trabajo en la Función

Pública”.271 Por conta disso, e apesar do tímido avanço já alcançado tanto no Brasil, por meio

do julgamento dos MI nº 708/DF e nº 712/PA, como na Espanha, através das SSTC 80/2000,

224/2000 e 85/2001, deve a jurisprudência dos tribunais dos dois países ir além, passando a

compreender que a negociação coletiva na função pública faz parte do conteúdo essencial da

liberdade sindical dos funcionários públicos, que deriva de forma direta e imediata do artigo

37, § 5º, CF, e do artigo 28.1 CE, com todas as consequências políticas, jurídicas, econômicas

e sociais daí decorrentes.

Dessa conclusão resulta que a negociação coletiva possui uma

dimensão constitucional, daí por que não está sujeita à livre disponibilidade do legislador. Isso

não sugere dotá-la de supremacia sobre a lei ou de configurá-la como direito absoluto que não

possa sofrer modulações. No entanto, as limitações ou restrições ao direito de negociação

271 BAYLOS GRAU. Derecho de huelga y servicios esenciales, 1987, p. 38.

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coletiva devem ser adequadas, necessárias e proporcionais. Na colisão entre interesses

públicos e negociação coletiva, impõe-se sua discussão por meio do próprio procedimento de

negociação coletiva, de modo que os sujeitos coletivos possam amplamente debater e

solucionar a colisão dos interesses, buscando assim conservar o conteúdo essencial tanto dos

interesses públicos como o da negociação coletiva, preservando, na medida do possível, o

coração da negociação coletiva, representado pela eficácia jurídica dos seus instrumentos.

Apreciando o papel dos tribunais no Brasil e na Espanha na

concretização dos direitos coletivos dos funcionários, observa-se que a via jurisdicional está

muito longe de corresponder às imensas aspirações de exercício adequado e eficiente de

controle dos demais poderes e de realização dos direitos. Nesse sentido, embora seja essencial

o labor dos atores institucionais, como o legislador, a Administração e os tribunais, impõe-se

reconhecer que o aparato constitucional e legal resulta incompleto, irreal e ineficiente sem a

existência e permanente promoção de múltiplos espaços em condições de garantir socialmente

a eficácia das normas consagradoras de direitos. Por isso mesmo, a concretização do direito

de negociação coletiva dos funcionários públicos passa pela atuação de uma pluralidade de

atores sociais na formulação e ativação das garantias institucionais (legais, administrativas e

jurisdicionais), mas também por meio da autotutela, sobretudo através da greve, valioso

instrumento à disposição dos trabalhadores por meio do qual podem participar e pressionar no

sentido de buscar a concretização dos direitos fundamentais e princípios democráticos, na

convicção de que “la construción de un Estado social constitucional ha de verse también

como un proceso abierto, inacabado, cuya interpretación y desarollo incumbe no solo a los

operadores jurídicos formalmente autorizados sino también a los propios ciudadanos”.272

272 PISARELLO. El Estado Social como Estado Constitucional: mejores garantías, más democracia, en

Abramovich, V. Añón, JM., y Courtis, Ch., Derechos Sociales, instrucciones de uso, 2003, p. 48.

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