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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Marlene Pereira Machado IMPLANTAÇÃO DE PROJETOS INDUSTRIAIS COMO ACONTECIMENTO DA ORDEM HERMENÊUTICA: um estudo sobre a configuração de um duplo acontecimento na Região Metropolitana de Belo Horizonte Belo Horizonte 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Marlene Pereira Machado

IMPLANTAÇÃO DE PROJETOS INDUSTRIAIS COMO ACONTECIMENTO DA

ORDEM HERMENÊUTICA: um estudo sobre a configuração de um duplo acontecimento na

Região Metropolitana de Belo Horizonte

Belo Horizonte

2016

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Marlene Pereira Machado

IMPLANTAÇÃO DE PROJETOS INDUSTRIAIS COMO ACONTECIMENTO DA

ORDEM HERMENÊUTICA: um estudo sobre a configuração de um duplo acontecimento na

Região Metropolitana de Belo Horizonte

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Comunicação Social.

Linha de pesquisa: Midiatização e Processos de

Interação.

Orientadora: Profª. Dra. Ivone de Lourdes Oliveira

Bolsista FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa

do Estado de Minas Gerais).

Belo Horizonte

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Machado, Marlene Pereira

M149i Implantação de projetos industriais como acontecimento da ordem

hermenêutica: um estudo sobre a configuração de um duplo acontecimento na

Região Metropolitana de Belo Horizonte / Marlene Pereira Machado. Belo

Horizonte, 2016.

76 f.:il.

Orientadora: Ivone de Lourdes Oliveira

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Minas e recursos minerais - Belo Horizonte, Região Metropolitana de (MG)

– Aspectos sociais. 2. Comunidade – Organização. 3. Mudança social. 4.

Comunicação nas organizações. 5. Sujeito (Filosofia). 6. Sentidos e sensações. I.

Oliveira, Ivone de Lourdes. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 301.175

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Marlene Pereira Machado

IMPLANTAÇÃO DE PROJETOS INDUSTRIAIS COMO ACONTECIMENTO DA

ORDEM HERMENÊUTICA: um estudo sobre a configuração de um duplo acontecimento na

Região Metropolitana de Belo Horizonte

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Comunicação Social.

__________________________________

Profª. Drª. Ivone de Lourdes Oliveira (Orientadora) – PUC Minas

____________________________________

Profª. Drª. Maria Ângela Mattos – PUC Minas

____________________________________

Profª. Drª Vera Regina Veiga França – UFMG

Belo Horizonte, 14 de março de 2016

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À Maria Eduarda, minha filha querida, que todos os dias me faz buscar novos possíveis.

Ao Charles, pelo apoio e compreensão. À minha família, pelo carinho costumeiro.

Papai e mamãe (in memorian), minha gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é resultado do apoio de um grupo muito especial. Professora Ivone de

Lourdes Oliveira, obrigada pela dedicada orientação e amizade. Professoras Maria Ângela

Mattos (Dedé) e Vera França, agradecimento especial pelas preciosas considerações para

produção desta pesquisa.

Agradeço também aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da PUC Minas e aos colegas dos grupos Dialorg (PUC Minas) e Mobiliza

(UFMG), especialmente ao professor Márcio Henriques Simeone e ao colega Daniel Reis Silva,

pelos debates inspiradores e contribuições na pesquisa.

Aos colegas Douglas Ferreira, Ellen Barros, Isaura Mourão, Joanicy Brito, Max

Emiliano, Paulo Henrique Soares e Vinícius Ventura, obrigada pelo apoio. Às minhas amigas

Juliana Noronha, Abigail Rodrigues, Maria Antônia, Maria Alice e Ana Maria, abraços

afetuosos. Agradeço também Lilian Bahia e equipe da secretaria do PPGCom da PUC Minas.

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RESUMO

O presente trabalho buscou configurar a implantação de um empreendimento industrial como

acontecimento da ordem hermenêutica (QUÉRÉ, 2005), a partir da análise do Projeto de

Expansão Serra Azul, para instalação da primeira usina de processamento de itabirito compacto

do Brasil (minério mais resistente e mais pobre em ferro), na Região Metropolitana de Belo

Horizonte. Para tal, realizamos a análise de dois movimentos singulares registrados nesse

projeto: i) a chegada do empreendimento, trazendo a promessa de melhoria da qualidade de

vida e ii) e o fechamento abrupto do canteiro de obras, sem comunicado oficial da organização,

em decorrência da crise nas empresas do empresário Eike Batista, à época o sétimo homem

mais rico do mundo, incluindo a MMX, a empresa responsável pelo empreendimento. O projeto

estava sendo implantado no distrito de Nossa Senhora da Paz, em São Joaquim de Bicas, mais

conhecido por Farofa, por conta da tradição no preparo da iguaria. Tradicionalmente empregado

nos estudos midiáticos, à luz do conceito de acontecimento como ruptura, desencadeando

sentidos e criando novos possíveis, buscamos identificar os sentidos construídos por essa

comunidade para compreender os dois movimentos, aqui tratados com duplo acontecimento. O

conceito de acontecimento, na perspectiva da Comunicação Organizacional, mostrou-se uma

via promissora para iluminar questões complexas em torno da implantação de um

empreendimento industrial e do relacionamento entre a organização e as comunidades que os

sediam.

Palavras-chave: Acontecimento da ordem hermenêutica. Sujeito. Sentidos. Comunidade.

Organização.

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ABSTRACT

This paper's objective is to configure the implement of an industrial development as a

hermeneutics order (QUÉRÉ, 2005), based on Serra Azul Growth Project analysis, to the

installation of the first Brazilian compact 'itabirito' process plant, in Belo Horizonte area. To do

so, we analyzed two singular movements registered in this project: this development brought

the promise of a better life quality and the sudden stop of the construction site without any

previous notification from its organization due to crisis that was installed in Eike Batista's

company, then the 7th richest man in the world, such as MMX the company in charge of this

development. The Project was being developed in Nossa Senhora da Paz/São Joaquim de Bicas

known as 'Farofa'. Traditionally known in the media studies our goal was to identify the

community's expectations, to understand both movements, here shown as a double happening.

The meaning of happening, from the perspective of Organizational Communication, became a

promising way to light complex issues concerning the implement of an industrial development

and the relation between the project developer and the communities. How did the community

react to these two opposite acts caused by the start and sudden finish of the development? The

rupture of daily force, the concept of happening, in the perspective of the Organizational

Communication, proved to be a promising way to search to a new approach on this topic so

complex in contemporary society; the tie between the community and the developers, when

implementing huge industrial developments.

Keywords: Hermeneutics happening. Subject. Senses. Community. Developer

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12

2. PROJETO DE EXPANSÃO SERRA AZUL, A NOVA FRONTEIRA DA

MINERAÇÃO ......................................................................................................................... 15

2.1 Farofa, o coração do Projeto de Expansão Serra Azul ...........................................................15

2.2 Riqueza x qualidade de vida ......................................................................................................19

2.3 Empresário “popstar” ................................................................................................................21

2.4 Suspensão das obras e rupturas ................................................................................................27

3. ACONTECIMENTO EM PERSPECTIVA ..................................................................... 31

3.1 Reflexões sobre algumas abordagens do conceito ...................................................................31

3.2. A dupla vida do acontecimento ................................................................................................37

4. SERRA AZUL E O ACONTECIMENTO DA ORDEM HERMENÊUTICA ............. 42

4.1 Percurso metodológico ...............................................................................................................42

4.1.1 Definição do corpus ................................................................................................. 44

4.2 A primeira vida do acontecimento: a chegada do empreendimento ........................ 46

4.2.1 A convivência entre a comunidade, o empreendimento e a organização ............... 52

4.3 A segunda vida do acontecimento: suspensão do projeto e sentidos construídos ... 57

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 63

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 68

ANEXO 1 – Fato Relevante (Recuperação Judicial) ........................................................... 74

ANEXO 2 – Roteiro de entrevistas ....................................................................................... 75

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APIMEC Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado

de Capitais.

BM&F BOVESPA Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo

COMPAC Comissão Municipal de Acompanhamento

EIA Estudo de Impacto Ambiental

GTI Gestão Integrada de Território

MPX MPX Energia S.A.

MRS MRS Logística S.A.

OGX Óleo e Gás Participações S. A.

RIMA Relatório de Impacto Ambiental

SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SEMAD Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Praça Joaquim Saraiva de Andrade, em Farofa (MG) ........................................16

Imagem 2: Projeto Expansão Serra Azul, 1ª fase .................................................................17

Imagem 3: Peça usada pela MMX para convidar ao diálogo ...............................................22

Imagem 4: Obras de terraplanagem da usina; ao fundo, o distrito de Farofa (MG) .............23

Imagem 5: Escola Estadual Nossa Senhora da Paz ..............................................................24

Imagem 6: Peça promocional anunciando o empreendimento aos empregados da MMX...47

Imagem 7: Peça promocional distribuída nas reuniões com a comunidade .........................48

Imagem 8: Diretrizes e premissas do empreendimento ........................................................49

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Perfil de entrevistados .............................................................................45

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1. INTRODUÇÃO

Este estudo é motivado pelo interesse em compreender o processo de instalação de

empreendimentos industriais nas proximidades de uma comunidade, dado os impactos

decorrentes de uma obra de grande porte, que parecem abraçar o território para além do canteiro

de obras. Junto com a promessa de uma vida melhor, os empreendimentos irrompem as cenas,

organizam e desorganizam a vida do sujeito e alteram a prática social. Também se traduzem

em possibilidades para se desenhar um novo futuro e transformar a realidade.

A mobilização do conceito acontecimento para conduzir nossas reflexões sobre esse

encontro da vida miúda com a execução de um projeto de grande porte é uma promissora via

para se buscar, na perspectiva da Comunicação Organizacional, um novo olhar sobre essa

temática tão complexa na sociedade contemporânea. Assim, sob a luz desse conceito, espera-

se configurar a implantação da primeira usina de processamento de itabirito12 compacto do

Brasil como um acontecimento da ordem hermenêutica. A obra estava sendo realizada no

distrito de Nossa Senhora da Paz, em São Joaquim de Bicas, localizado na Região

Metropolitana de Belo Horizonte, e levava a rubrica do sétimo homem mais rico do mundo, à

época o empresário brasileiro Eike Batista.

Dois movimentos singulares marcaram o empreendimento: sua chegada ao distrito, mais

conhecido por Farofa, por conta da fama no preparo da iguaria, seguida, menos de um ano

depois, do fechamento abrupto do canteiro de obras – sem comunicado formal da organização.

O exercício para configuração do empreendimento como acontecimento será feito a partir da

análise desses dois movimentos, tratado nesta dissertação como duplo acontecimento.

Orçado inicialmente em cerca de R$ 5 bilhões, o projeto foi suspenso em decorrência

da crise que se abatera sobre as empresas do empresário, dentre elas a mineradora MMX

1 Disponível em:

http://www.mmx.com.br/Mobile/ShowMobile.aspx?idConteudo=VOZiTdzSPJxbGs/rKvQE/A==&idCanal=hLq

wC+eTw2lLwuPGx3q2Jw. Acesso em 22 fev. de 2016.

2 O itabirito compacto está classificado na categoria de minérios mais pobres – com teor de ferro de até 40%. É

bastante farto em Minas Gerais e surge como alternativa ao esgotamento do minério de alto e médio teor. Como

registra a Vale, a maior produtora de minério de ferro do Brasil e uma das principais do mundo, o

aproveitamento do itabirito é a “terceira onda” da mineração; ou a “última fronteira da mineração”, como chama

a MMX. Disponível em:

http://www.vale.com/PT/initiatives/innovation/itabiritos/Documents/ProjetoItabiritos/slide3.html. Acesso em 5

de out. de 2015.

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Sudeste, responsável pela construção da usina, que iria triplicar sua produção de minério de

ferro, passando para 29 milhões de tonelada/ano. No pico das obras da usina, seriam gerados

sete mil empregos terceirizados.

Em nota, a MMX informara que a suspensão era temporária, atendendo a uma

necessidade estratégica. Contudo, em outubro de 2014, não só o Projeto de Expansão Serra

Azul, mas a própria empresa suspendia suas atividades, após deferimento do pedido de

recuperação judicial pela 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte do Estado de

Minas Gerais.

Assim, no período de 2010 a 2014, a comunidade de Farofa viveu dois movimentos

notáveis, atravessados por micro, pequenos e pseudoacontecimentos que gravitavam em torno

da construção da usina - o acontecimento principal. Tais ocorrências nos levam a perguntar:

como essa comunidade agiu e reagiu frente a esses movimentos, ambos marcados por ações

bruscas de cesura: o distrito sendo tomado pela execução de um megaprojeto de engenharia e,

meses depois, sua suspensão? Quais os sentidos acionados pela comunidade para compreender

a suspensão do projeto e um futuro que não se concretizou?

São questões que avançam sobre a lógica argumentativa dos fatos e que nos propomos

a estudar, de forma a problematizar a prática e contribuir para as reflexões acerca da

Comunicação Organizacional. Igualmente importante é ressaltar que, nesta dissertação, não se

pretendeu discorrer sobre a atuação da MMX na implantação do empreendimento nem a

execução dos programas de comunicação e relacionamento com comunidades.

Pelas singularidades que reúne, buscou-se, sim, um diálogo entre a prática e a teoria, a

partir do ponto de vista das pessoas comuns sobre o duplo acontecimento em Farofa, tendo o

conceito acontecimento como operador analítico. Importante mencionar que a pesquisadora em

questão trabalhou por três anos na organização e, por considerar a experiência tão rica e

significativa para a construção de conhecimento no campo da Comunicação Organizacional,

optou por realizar este estudo de caso, ressaltando, porém, que toda a documentação sobre a

qual se referencia é de conhecimento público.

Nosso percurso foi iniciado com a descrição do objeto empírico no capítulo 2. O Projeto

de Expansão Serra Azul nasceu para aproveitar o bom momento do mercado mundial de

minério de ferro, liderado pelo crescimento chinês. A primeira fase, que seria implantada em

Farofa, tinha quase nove hectares de estruturas – o equivalente ao tamanho de oito estádios do

Mineirão em Belo Horizonte dispostos um ao lado do outro.

O foco do terceiro capítulo é a construção do referencial teórico-metodológico da

pesquisa, usando como operadores analíticos o conceito acontecimento na concepção

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hermenêutica e a abordagem pragmatista a dupla vida do acontecimento. (QUÉRÉ, 2005,

2012).

No quarto capítulo apresentamos o percurso metodológico construído para esta

pesquisa. Em seguida, nos dedicamos à análise das entrevistas em profundidade com os

moradores de Farofa, para conhecermos como se deu a percepção sobre o duplo acontecimento

e, por conseguinte, os sentidos construídos. Os entrevistados selecionados são pessoas comuns

de Farofa, exatamente por acreditarmos na riqueza do ponto de vista da gente miúda, fazendo

do senso comum nosso material de estudo, tal como tratado pela Etnometodologia.

No quinto capítulo, de natureza analítica, seguiremos com as considerações finais.

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2. PROJETO DE EXPANSÃO SERRA AZUL, A NOVA FRONTEIRA DA

MINERAÇÃO

O objetivo deste capítulo é apresentar o fenômeno empírico selecionado para este

trabalho: a implantação de um grande empreendimento industrial, o Projeto de Expansão Serra

Azul, para construção da primeira usina de processamento de itabirito compacto no Brasil, em

São Joaquim de Bicas, no distrito Nossa Senhora da Paz, mais conhecido por Farofa, na Região

Metropolitana de Belo Horizonte.

Apresentado como solução inovadora para o aproveitamento de um tipo de minério

abundante em Minas Gerais, incluindo logística para escoamento da produção para o mercado

externo, dois movimentos significativos marcaram a primeira fase do Projeto de Expansão

Serra Azul: o início da instalação do projeto no distrito, precedido de um amplo trabalho de

mobilização, seguido do seu desmonte menos de um ano depois, sem qualquer comunicação

oficial da organização, em função da crise que se abatera sobre o Grupo EBX, do empresário

Eike Batista, incluindo a MMX Sudeste, empresa responsável pelas obras.

Por meio deste trabalho de pesquisa, nossa intenção é configurar o Projeto de Expansão

Serra Azul como um acontecimento da ordem hermenêutica, dado seu potencial de interferência

na vida miúda da comunidade de Farofa, a partir da construção de uma teia de relações marcada

por pactos, sensos e dissensos e uma

complexa operação de construção de disputa de sentidos.

A seguir, apresentamos, previamente, o fenômeno empírico sobre o qual faremos a

reflexão proposta nesta dissertação.

2.1 Farofa, o coração do Projeto de Expansão Serra Azul

Na noite do dia 22 de março de 2011, a MMX, braço da mineração do Grupo EBX, do

empresário brasileiro Eike Batista, apresentava o Projeto de Expansão Serra Azul durante

concorrida audiência pública realizada no Ginásio Poliesportivo Pedro Maia, no distrito Nossa

Senhora da Paz, em São Joaquim de Bicas, Região Metropolitana de Belo Horizonte.

No ginásio ainda cheirando a tinta fresca, resultado da reforma realizada pela MMX

para a audiência, mais de mil pessoas acompanhava a descrição dos benefícios do

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empreendimento e das medidas necessárias para amenizar os impactos ambientais decorrentes

de sua implantação, elaboradas pela organização e pela consultoria ambiental por ela

contratada.

Emancipado em 1995, o município de São Joaquim de Bicas, com cerca de 30 mil

habitantes, destaca-se na fabricação e montagem de veículos automotores, produção de móveis,

de hortaliças e por abrigar unidades prisionais. Registra acentuada carência na infraestrutura

urbana. O distrito de Farofa fica distante do centro comercial de São Joaquim de Bicas. Lembra

uma pequena vila, plantada no meio da zona rural.

Farofa abrigaria a primeira das três etapas do Projeto de Expansão Serra Azul. A menos

de mil metros da Praça Joaquim Saraiva de Andrade (Imagem 1), a principal do distrito, seria

construída a usina de beneficiamento de itabirito compacto do Brasil3 – o “coração” do projeto

de expansão – e a primeira a ser licenciada pelos órgãos ambientais. As duas outras fases do

projeto consistiam na ampliação da cava, formação de pilhas e sondagem geológica e na

instalação da barragem de rejeitos e sua área de influência se estendia por outros cinco

municípios: Itatiaiuçu, Mateus Leme, Igarapé, Brumadinho e Itaúna. A primeira fase do projeto

foi selecionada para o presente estudo.

3Disponível em: <https://issuu.com/intracom/docs/cartilha_mmx_serra_azul_issuu>. Acesso em 22 fev. de 2016.

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Imagem 1: Praça Joaquim Saraiva de Andrade, em Farofa (MG)

Fonte: Fotografia da autora.

Criada em 2005 para desenvolver os projetos de mineração de ferro do Grupo EBX, a

MMX mantinha unidades em Minas Gerais e no Mato Grosso do Sul e direitos minerários no

Chile. Planejava produzir 29 milhões de toneladas de minério por ano – volume que a

qualificaria como grande empresa da indústria da mineração –, e o Projeto de Expansão Serra

Azul era o ponto de partida para a conquista de tal desafio, por meio da produção de minério

nas minas contíguas à futura usina.

O empreendimento apoiava-se em dados grandiosos: investimentos de cerca de R$ 5

bilhões e geração de sete mil empregos terceirizados no pico das obras. Igualmente grandiosas

seriam as edificações da primeira etapa do projeto: 8,5 hectares – tamanho equivalente a oito

estádios do Mineirão dispostos lado a lado, no sopé do morro que divisa as áreas rural e urbana

de Farofa. Essa estrutura compreendia a usina de beneficiamento, mineroduto, linhas de

transmissão de energia, pátio de estocagem e terminal ferroviário.

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Imagem 2: Projeto Expansão Serra Azul, 1ª fase

Fonte: Apresentação da MMX na APIMEC, São Paulo.

A atividade minerária na região foi iniciada na década de 1940 por pequenos e médios

mineradores para abastecer os produtores de ferro-gusa instalados nos municípios mineiros de

Sete Lagoas, Itaúna e Cláudio. (YKS, 2010). Na esteira da boa perspectiva do mercado externo,

revelada principalmente pelo crescimento espetacular da indústria chinesa, a região sofreu

profundas modificações, incluindo os projetos realizados pela MMX para aproveitar a fase

prodigiosa do mercado internacional, como apresentado pela organização em reunião com

analistas financeiros, em São Paulo no ano 2012.4

Assentado na mais importante província mineral do Brasil, o Quadrilátero Ferrífero5, o

Projeto de Expansão Serra Azul se apresentava como a “nova geração da mineração de ferro”

(MMX, 2013). O propósito era processar em larga escala itabirito compacto, abundante em

Minas Gerais. E na nova geração da mineração de ferro (a exploração do itabirito compacto) a

unidade Serra Azul era tida pela MMX como detentora do maior potencial a ser desenvolvido

em Minas Gerais.

4 Disponível em: <http://pt.slideshare.net/mmxriweb/mmx-outubro-2012-portugus-apimec-v3>. Acesso em: 22

fev. 2016. (páginas 4,5,6 e 7). 5 Com cerca de sete mil km2, o Quadrilátero Ferrífero está localizado na região Centro-Sul de Minas Gerais e

abrange 24 municípios. O início da exploração do Quadrilátero ocorreu no final do século XVII com a descoberta

de ouro na região, transformando-o em vetor de interiorização e urbanização do país.

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A operação refletia o espírito visionário6 que caracterizava os Projetos X, como eram

chamadas as iniciativas lideradas pelo empresário Eike Batista. A produção, por meio da MRS

Logística, antiga Ferrovia do Aço, seria exportada pelo Superporto Sudeste, um terminal

exclusivo para minério de ferro que estava em construção na Ilha da Madeira, no Rio de Janeiro,

também pelo empresário, com capacidade para movimentar 50 milhões de toneladas na

primeira fase e 100 milhões, na segunda. Para garantir a produção da nova usina, a mineradora

tinha assegurado o fornecimento de energia com contratos de longo prazo com a MPX, empresa

de energia também do Grupo EBX.

2.2 Riqueza x qualidade de vida

Na audiência realizada em Farofa a organização assim se apresentou: “A MMX é uma

empresa que trabalha para transformar recursos minerais, contribuindo para melhorar a

qualidade de vida das comunidades dos municípios onde opera suas minas”. (MMX, 2011). Um

ano depois da audiência, a organização recebia do governo de Minas Gerais, por meio da

SEMAD (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) –

Superintendência Regional de Regularização Ambiental Central Metropolitana, a autorização

para iniciar a construção do empreendimento, ou seja, a Licença de Instalação.7

Farofa tem como principal atividade o cultivo de hortaliças. Com cerca de cinco mil

habitantes, a comunidade abriga um dos principais eventos turísticos da região: o Festival da

Farofa. Anualmente, o distrito se reúne para eleger a melhor e mais criativa farofa, normalmente

preparada com receitas tratadas como segredos de família, num divertido e saboroso concurso.

O núcleo comercial do distrito está instalado no entorno da Praça Joaquim Saraiva de

Andrade. Jovens e crianças geralmente são conhecidos nas ruas pelo grau de parentesco

familiar, mais do que pelo próprio nome. No Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)8, a rotina

6 Disponível em:<http://pt.slideshare.net/Ogx2011/branding-book-ebxfinal>. Acesso em 22 fev. 2016. 7 Em Minas Gerais, o processo de licenciamento ambiental é constituído por três fases: Licença Prévia, Licença

de Implantação e Licença de Operação. A MMX recebeu a Licença Prévia (o primeiro passo) em outubro de 2011. 8O licenciamento ambiental de atividades que utilizam recursos ambientais e têm potencial de degradação ou

poluição estão condicionados à elaboração/aprovação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e do

Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), como previsto pela Política Nacional do Meio Ambiente. Ambos são

produzidos por empresas especializadas, contratadas pelo empreendedor e identificam os impactos que o

empreendimento poderá causar ao meio ambiente, bem como as medidas para mitigá-los. O RIMA é um resumo

do EIA, em linguagem de fácil entendimento, justamente para ampliar o acesso à informação sobre o

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tranquila de Farofa, bem como a possibilidade de alteração do cotidiano dos moradores a partir

da implantação do Projeto de Expansão Serra Azul, já eram consideradas:

O cotidiano da região por onde o empreendimento irá passar é marcado pelas

atividades rurais da criação pecuária e de plantio agrícola, especialmente hortaliças e,

sendo assim, com tudo que isso representa: estrada de terra, maior nível de

conhecimento entre as pessoas, ausência de infraestrutura de saneamento básico, casas

espaçadas, isolamento, enfim, um ritmo de vida mais tranquilo que o das cidades

grandes. Na região de Farofa, há indicadores de boa convivência social e

associativismo, dada a recorrência de locais destinados ao intercâmbio entre

moradores. (BRANDT, 2010, p. 35).

A atividade da mineração está presente na economia mineira há mais de três séculos. A

despeito dos benefícios econômicos, materializados principalmente na geração de empregos e

tributos, os impactos decorrentes da atividade minerária são significativos, como aponta

Ciprianni (2002). Destacam-se, em especial, as consequências sociais (nos serviços de saúde

da comunidade, na alteração da paisagem, no meio ambiente, no uso do solo e na dinâmica

demográfica); as econômicas (aumento da demanda por serviços sociais e infraestrutura,

elevação de preços de bens e serviços e substituição das atividades econômicas); e as culturais

(perda de patrimônio e alteração das relações socioculturais).

Em Farofa, a rotina do canteiro de obras da MMX pautava a narrativa dos moradores e

imprimia o ritmo do distrito. O que dizer da interrupção de energia ou água para a comunidade,

em função do atendimento à demanda da organização para executar a obra? Ou da chegada de

um grande equipamento que toma a estrada por horas a fio? Somam-se a isso poeira, tráfego

intenso e geração de ruídos. São rotinas com elevado potencial para alterar a vida ordinária. Em

outubro de 2012, o responsável pelo Retiro Vicente de Paula, Frater Henriques Cristiano José

Matos relata no site da entidade:

Estava andando na estrada que liga Nossa Senhora da Paz (Farofa), Distrito da cidade

de São Joaquim de Bicas, a Igarapé, no trecho entre a Praça da Matriz e o Barracão

do Produtor, por volta das três horas da tarde num dia de semana, quando, em alta

velocidade, veio um automóvel de uma das empresas subsidiárias da mineração. Não

havendo acostamento na rodovia, eu tinha, forçosamente, que usar a pista de

rolamento. O veículo freou bruscamente por causa do quebra-molas e quase me

atingiu. Levantei o braço em sinal de alerta e também de protesto. A pessoa que estava

sentada ao lado do motorista colocou a cabeça para fora da janela e gritou: “Oh, velho,

sai do caminho, Farofa é nossa”! E imediatamente o carro arrancou e seguiu com

redobrada velocidade. Não tive tempo de reagir. Fiquei pensando no ocorrido por

vários dias. Parecia uma piada de mau gosto, uma brutalidade de alguém sem muita

educação, mas, no fundo, o moço com seus óculos escuros que aparentava uns 25

anos, dissera uma grande verdade: Farofa já não pertencia mais a seus tradicionais

empreendimento. Os documentos ficam à disposição do público por meio eletrônico ou físico, em locais de fácil

acesso para a sociedade civil, e os procedimentos são apresentados em audiência pública.

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moradores, mas passou a ser propriedade de uma empresa de mineração! (MATOS,

2012, n.p)9.

Assim, à medida que o empreendimento tomava corpo, Farofa mudava. A caminhada

pelo distrito ou as brincadeiras das crianças nas ruas se transformaram em motivo de

preocupação, uma vez que o tráfego intenso dos carros da organização e dos prestadores de

serviço se constituía em ameaça à velha rotina.

2.3 Empresário “popstar”

O Projeto de Expansão Serra Azul trazia outra particularidade, a rubrica do

empreendedor Eike Batista. Tamanha grandiosidade apenas referendava uma das características

dos empreendimentos que levavam a assinatura do empresário “popstar” (FREIRE;

CASTELLANO, 2012 p. 193), cujas iniciativas eram sinônimos de alta lucratividade, até então

materializadas no sucesso das empresas abrigadas no Grupo EBX.

Tais aspectos eram recorrentemente referendados pela mídia, que não poupava esforços

na produção de narrativas da trajetória vitoriosa do empreendedor-modelo. Ao mesmo tempo

só enriqueciam a narrativa que se construía em torno do empreendimento, de Farofa e do

investidor – à época, o homem mais rico do Brasil e o sétimo do mundo, com pretensão de se

transformar no mais rico do mundo, de acordo com listagem da revista norte-americana Forbes

(2012), especializada em economia e negócios.

A narrativa também ganhava reforço na fartura de dispositivos criados pela organização

para complementar a comunicação face a face com a comunidade, com as lideranças políticas

e econômicas, como também com os empregados. Jornais, cartilhas, reuniões com comunidade,

serviço telefônico 0800 e um centro de atendimento à comunidade – a Casa da MMX – foram

criados para que dúvidas não pairassem sobre a intenção da organização em levar adiante o

compromisso assumido em audiência de manter o processo dialógico permanente – com foco

na construção do empreendimento.

Igualmente significativa era a disposição da organização em ouvir (e considerar) as

demandas da comunidade, materializando-se, por exemplo, no reforço de medidas para reduzir

9Disponível em:<http://www.retirovicentedepaulo.com.br/>. Acesso em: 22 fev. 2016.

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os impactos ambientais decorrentes da obra ou na realização de programas diversos, como

cursos de empreendedorismo aplicados por instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às

Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e de formação de mão de obra, prioridade na

contratação de profissionais da região, além de obras de asfaltamento de ruas, construção de

estradas e investimentos em projetos culturais. Aliás, compromissos assumidos na audiência

pública e reiterados nos encontros regulares com os moradores do distrito. (Imagem 3).

Imagem 3: Peça usada pela MMX para convidar ao diálogo

Fonte: Arquivo pessoal.

Devido à inscrição do empreendimento na ordem de grandeza, do desafio, do novo, a

construção do empreendimento pautava a conversa diária. A chegada de centenas de operários,

máquinas e equipamentos, executivos, prestadores de serviços especializados de diversas partes

do mundo e visitas de investidores davam o tom da envergadura do propósito da MMX de

iniciar, a partir daquele distrito, a exploração da nova fronteira da mineração no Brasil.

Tal perspectiva contagiava os empreendedores. O número de estabelecimentos

comerciais, especialmente do ramo alimentício, aumentou significativamente, da mesma forma

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que o preço dos aluguéis, embora já não houvesse mais imóveis disponíveis para atender ao

aumento da demanda. Aproveitando-se disso, muitas famílias saiam de suas casas e se

mudavam para outras mais distantes ou para zona rural e as disponibilizavam para locação.

O momento também estava propício para a venda de terras. Para atender à necessidade

de área para colocar de pé a usina, a MMX tornou-se uma grande compradora e o preço do

hectare aumentou significativamente. O depoimento de uma moradora, de 79 anos, que há 50

anos reside na mesma casa em Farofa, ilustra bem essa realidade: “tem gente que conseguiu

enriquecer até a quarta geração de seus familiares. Também queriam comprar minha casa.

Disseram que no meu quintal tinha ouro – e dos bons. Mas, eu resisti. Isto aqui é minha vida”.

A entrevistada conta que até a ocasião da implantação do empreendimento nunca vira tanta

gente e sotaques diferentes. “Eram de todas as partes do Brasil. ” Outro entrevistado, de 65

anos, há 17 anos trabalhando num pequeno comércio do ramo de beleza instalado perto da praça

principal, acredita que o movimento tinha uma razão específica: “o Brasil inteiro passou a ver

em Farofa a possibilidade de ganhar dinheiro”. (Informação verbal)10.11

Imagem 4: Obras de terraplanagem da usina; ao fundo, o distrito de Farofa (MG)

10Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10 dez. 2015. 11 Os entrevistados mencionados neste primeiro capítulo compõem o elenco selecionado para as entrevistas em

profundidade, como indicado na metodologia deste trabalho. Para o texto acima, selecionamos alguns trechos das

entrevistas, a título de ilustração.

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Fonte: Apresentação da MMX na APIMEC, São Paulo.

Ainda na fase inicial, a de terraplenagem, a MMX chegou a contratar quase três mil

operários por meio de empresas terceirizadas – o número estimado era sete mil, no pico das

obras. A maior parte era mão de obra com baixa qualificação, e, de fato, de diversas partes do

Brasil. “Eles passavam a hora do almoço deitados na praça, descansando. Não sobrava nem um

palmo livre para a gente passar para o outro lado”, conta a moradora entrevistada, lembrando

que tal cena a deixava constrangida. (Informação verbal)12.

Era também na praça que esses operários aproveitavam para cortejar as estudantes da

Escola Estadual Nossa Senhora da Paz (Imagem 5), uma aproximação bastante indesejável para

familiares e para os professores da escola. “Eles estavam aqui de passagem. Essas relações

podem deixar marcas profundas”, como disse a entrevistada 1, referindo-se à possibilidade de

“gravidez precoce ou DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis). “Não conseguíamos dar

aula. Além do barulho do tráfego pesado, as meninas eram abordadas de forma insistente, ainda

na porta da escola. ” (Informação verbal)13.

Imagem 5: Escola Estadual Nossa Senhora da Paz

12Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 13Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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Fonte: Fotografia da autora.

Não se sabe exatamente atendendo ao pedido de quem, mas o fato é que os operários

passaram a almoçar no próprio canteiro de obras, evitando trafegar pelo distrito e protagonizar

cenas que constrangiam a vizinhança da praça principal. Atribui-se a mudança da troca do local

das refeições às reclamações de pais e também de um antigo cliente do principal restaurante de

Farofa, o “Mané Pão”, que não queria dividir mais o espaço com os operários que almoçavam

no estabelecimento, mantendo-o permanentemente cheio e com o piso sujo de barro.

“Eu não tinha nenhum problema com aqueles rapazes, mas, atendendo à orientação da

empresa, compramos um carro e passamos a entregar a comida lá no canteiro de obras”, conta

a proprietária do restaurante, famoso no preparo de linguiça caseira e frango frito. (Informação

verbal)14. Por conta do empreendimento, o restaurante chegou a fornecer 300 refeições

diariamente, contra as 50 habituais, obrigando o casal de proprietários a empreender uma

reforma no estabelecimento para ampliá-lo. Estimuladas pelo momento promissor, as filhas do

casal abriram restaurantes também nas cidades de São Joaquim de Bicas e Igarapé.

Manter os operários longe da comunidade era promessa da organização feita ainda na

audiência pública, razão pela qual estavam sendo construídos dois alojamentos no canteiro de

obras com toda a infraestrutura necessária para evitar possíveis deslocamentos. O receio da

direção da escola e dos pais dos jovens estudantes em relação à mão de obra terceirizada não é

caso isolado. Em Conceição do Mato Dentro, município mineiro, o expressivo aumento do

número de gravidezes indesejadas e da violência é atribuído aos operários que trabalhavam na

implantação de uma unidade industrial da mineradora Anglo American, conforme matérias

publicadas na imprensa mineira15.

Pelo potencial de interferência na vida social, o desejo de limitar o trânsito desses

operários na área urbana está presente nas discussões prévias à instalação dos empreendimentos

com as comunidades. Em Farofa, essa foi uma das exigências da comunidade para receber o

Projeto de Expansão Serra Azul. Por isso, os alojamentos para os operários terceirizados

estavam sendo instalados em áreas de responsabilidade da organização, fora do centro urbano.

14 Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 dez. 2015. 15 Em Conceição do Mato Dentro, a 167 quilômetros de Belo Horizonte, onde a Anglo American conduz a

implantação de um empreendimento minerário, o aumento no registro de violência e de gravidez indesejada chama

a atenção daquela comunidade e da imprensa, como registram duas reportagens publicadas pelo jornal Estado de

Minas em 2013 e 2015. “Violência aumenta em Conceição do Mata Dentro”. Disponível em:

<http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/06/17/interna_gerais,659000/conceicao-do-mato-dentro-muda-

habitos-por-causa-da-violencia.shtml>. Acesso em 23 fev. 2016. “Cresce número de mães solteiras”. Disponível

em: <http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/01/13/interna_gerais,343004/cidade-mineira-registra-alto-

indice-de-gravidas-e-de-maes-solteiras-apos-receber-operarios.shtml>. Acesso em 23 fev. 2016.

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A localização dos alojamentos em áreas da organização mantém a comunidade afastada também

dos transtornos provocados por possíveis manifestações dos operários. Para chamar atenção

para suas causas, ou por desavenças entre eles, os operários recorrentemente têm ateado fogo

nos alojamentos, a exemplo das ocorrências registradas nas cidades de Água Clara (MS), Unaí

(MG) e Porto Velho (AC)16.

Como apresentado pela MMX em mais de 80 reuniões prévias à audiência realizada

com as comunidades dos municípios da área de influência do empreendimento, os executivos

da organização mostravam-se conscienciosos e dispostos a minimizar os impactos decorrentes

das obras da usina – por meio de medidas já previstas no EIA/RIMA. As reuniões eram uma

das estratégias da organização para mobilizar a comunidade em torno do empreendimento,

ocasião em que os representantes da empresa centravam o discurso nos benefícios da instalação

do empreendimento, como oportunidades de crescimento econômico e melhoria da qualidade

de vida das comunidades.

As reuniões prévias caracterizam-se como ação espontânea das organizações e são

bastante comuns no período que antecede à realização das audiências públicas. Normalmente,

essas reuniões, bem como o posicionamento e todo o material institucional para dar sustentação

ao diálogo, são organizadas pelo setor de Comunicação Organizacional com o intuito de

promover a interação com os públicos da organização.

A estratégia consiste em mobilizar publicamente as pessoas em torno de uma causa, de

forma que os seus propósitos sejam reconhecidos e defendidos como interesse comum. Para

tanto, o desafio é criar vínculos entre essas pessoas para manter a causa, como observa

Henriques (2010). “É um desafio sempre presente, pois pressupõe um nível significativo de

convicção em relação à causa e ao modo de lutar por ela e uma renovação do seu sentido de

pertinência e relevância como problema público”. (HENRIQUES, 2010, p. 108).

Ainda na audiência, o empreendedor assumira o compromisso de construir um

“empreendimento economicamente viável e tecnicamente seguro que considera, desde a sua

concepção, questões socioambientais relevantes”. Entre os impactos possíveis, como consta no

RIMA (2010, p. 37), previa-se o aumento da circulação de pessoas estranhas na região e na

movimentação de máquinas e de veículos.

16 Notícias sobre Incêndio em alojamentos. Disponível em:

<http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/03/operarios-ateiam-fogo-alojamento-de-canteiro-de-obras-de-usina-

em-ms.html>. Acesso em 22 fev. 2016. Disponível em: <http://paracatunews.com.br/noticias/regiao-

minas/operarios-de-usina-hidreletrica-em-unai-ateiam-fogo-em-alojamento-apos-falta-de-energia-

eletrica/4556,>. Acesso em: 22 fev. 2016. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-

noticias/2011/03/18/incendio-nos-alojamentos-do-canteiro-de-obras-de-jirau-deixa-10-mil-funcionarios-nas-

ruas-de-porto-velho.html>. Acesso em: 22 fev. 2016.

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O documento alertara também para a “desestruturação de vetores de reciprocidade em

função dos programas de realocação de famílias, alteração da paisagem e da qualidade do ar,

afugentamento da fauna, supressão de vegetação, indução a processos erosivos, assoreamento

de corpos d’água, dentre outros”. (RIMA, 2010, p. 37-38). Tais impactos, como registra o

documento, poderiam ser minimizados com programas específicos. Em contrapartida, a

comunidade contaria com o aumento de emprego, arrecadação pública e de renda em geral na

região.

A impressão, contudo, como observa a Entrevistada 1, é que a comunidade não sabia

exatamente o que estava por vir com o Projeto de Expansão Serra Azul. Sabia-se que era tudo

muito grandioso, como já indicava a nova rotina que chegara junto com a MMX, pautada por

rupturas, negociações, pactos e consensos, tendo como base um modelo de convivência em

permanente processo de disputa de sentidos e interesses pessoais, públicos e privados. “Eram

muitas novidades. E tudo girava em torno do projeto da MMX”. (Informação verbal)17.

É como se a rotina daquela comunidade gravitasse ao redor de um eixo central, no caso,

a construção da usina, com potência para gerar novas camadas de sentidos e reverberar-se em

outros episódios, dando a ver o dinamismo de uma obra de engenharia de grande porte – e seu

poder de afetação – numa comunidade.

Assim, de 2010 a 2014, o Projeto de Expansão Serra Azul pautou a rotina da

comunidade e a relação com organização – embora a delimitação temporal da narrativa seja um

exercício inócuo, especialmente se se considerar o conceito de acontecimento, que norteia

nossos estudos. Contudo, para melhor compreensão, destacamos as ocorrências mais relevantes

deste objeto empírico: a mobilização para a audiência pública (2010); a audiência pública e a

obtenção da Licença Prévia (2011); a obtenção da Licença de Instalação e início das obras

(2012); a “desaceleração” do empreendimento e fechamento do canteiro (2013); e o

deferimento do pedido de recuperação judicial da empresa (2014).

2.4 Suspensão das obras e rupturas

Apesar da grandiosidade do empreendimento e de seus benefícios, no segundo semestre

de 2013 a MMX suspendeu as obras de implantação do Projeto de Expansão Serra Azul. Depois

17Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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de receber investimentos de R$ 1,5 bilhão, em apenas uma semana foram demitidos mais de

dois mil operários, os contratos com fornecedores foram suspensos e o canteiro de obras,

desmobilizado. Boatos de toda sorte pautavam as conversas dos moradores de Farofa, que

procuravam compreender o que acontecia com o empreendimento que chegara prometendo um

novo futuro àquela comunidade.

Em nota18, a MMX informara a necessidade de “desacelerar” a implantação da usina

por conta de problemas com licença ambiental ocorridos num outro braço do projeto: a

barragem de rejeitos do município de Itatiaiuçu, na região central de Minas Gerais, e se

comprometia a oportunamente apresentar novo cronograma de obra e outro modelo de

negócios. No final de novembro daquele mesmo ano, a empresa já considerava a necessidade

de rever a grandiosidade do Projeto de Expansão Serra Azul e de reduzir a estimativa de

produção anual.19

A suspensão das obras foi uma das medidas para enfrentar a crise que se abatera sobre

as empresas do grupo do empresário Eike Batista. Por tudo que estava acontecendo, aos poucos

a comunidade de Farofa foi percebendo a redução das atividades da organização, levando,

enfim, ao fechamento do canteiro de obras.

A MMX seguia a mesma trilha das principais organizações do Grupo X, que não deram

os resultados prometidos e foram, uma a uma, desconstruindo os feitos do empresário. A crise

foi liderada pela petroleira OGX, uma das quase 100 empresas do grupo, que não cumprira as

promessas de produção anunciadas com pompa e circunstância.

Em 2014, ano em que fora previsto o início de operação do Projeto de Expansão Serra

Azul, a MMX Sudeste, responsável pelo empreendimento, teve deferido o pedido de

recuperação judicial pela 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte do Estado de

Minas Gerais. (ANEXO 1).

Dessa maneira, a suspensão do Projeto de Expansão Serra Azul pôs fim à promessa de

um novo futuro para aquela comunidade, com mais oportunidades, melhoria da qualidade de

vida e de crescimento econômico, segundo o modelo desenvolvido pelo próprio Grupo EBX,

que propõe um conceito transversal de gestão territorial, o GTI (Gestão Integrada de Território),

como registrara Eike Batista (2012) na apresentação do modelo:

18Disponível em: <http://www.diariodocomercio.com.br/noticia.php?id=6230>. Acesso em: 22 fev. 2016. 19Disponível em:

<http://www.mmx.com.br/ListGroup.aspx?idCanal=Xoe4t+TfUttgbDO0ZQMHjw==&ano=2013>. Acesso em:

22 fev. 2016.

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As empresas não podem mais planejar seus empreendimentos dos muros para dentro,

sem ouvir a sociedade, sem considerar as características econômicas, sociais, culturais

e, antes de mais nada, as vocações da região onde investe. É preciso expandir

fronteiras, olhar adiante, derrubar muros. Para isso, acreditamos no modelo da GIT e

na formação de uma rede social criativa, empreendedora, participativa e

transformadora. (BATISTA, 2012, p.15).

À época, quando questionada pela comunidade, a organização era evasiva,

diferentemente do que ocorrera na mobilização para a audiência pública, pautada por reuniões

e uma disposição surpreendente dos executivos da organização em dialogar com a comunidade:

“Não fomos autorizados a dar nenhuma posição oficial para a comunidade sobre a suspensão

do projeto. Ficou um vácuo”, conta um ex-empregado responsável em promover a interação

entre a organização e a comunidade de Farofa. (Informação verbal)20.

O “vácuo” de informações a que se refere o ex-empregado também nos chama atenção.

Bastante robusto, o processo de mobilização desenvolvido pela MMX envolveu toda a

comunidade com o estabelecimento de vínculos e propósitos comuns. Contudo, ao se retirar do

território, a organização rompeu com o pilar que sustentava toda a trajetória discursiva: a

relação dialógica constante, iniciada quatro anos antes com as reuniões prévias à audiência.

Embora se tratasse de um único empreendimento industrial, os acontecimentos no

distrito se deram em dois momentos diferentes e foram conduzidos de maneira distinta pela

organização: a chegada e a saída da organização. Por ter incidido tão fortemente na experiência

vivenciada pela comunidade de Farofa, utilizaremos o conceito acontecimento da ordem

hermenêutica, conforme tratado pelos pesquisadores Louis Quéré e Vera França, como

operador analítico, para identificarmos as bases conceituais que sustentarão nossos

pressupostos de pesquisa.

Acreditamos que a utilização desse conceito nos abre uma janela para analisar a real

complexidade da implantação de um projeto industrial numa pequena comunidade. Pelas

rupturas no cotidiano, os empreendimentos podem instaurar um processo de transformação no

território, tornando-se “pivô” do inquérito sobre determinada situação, a partir de França

(2014).

Nesta pesquisa, os dois movimentos registrados no Projeto de Expansão Serra Azul

serão tratados como duplo acontecimento: o primeiro, o início das obras de implantação da

usina, precedido de amplo processo de mobilização; e o segundo, a suspensão das obras menos

de um ano depois de iniciadas, sem comunicação formal da organização. Tendo como norte as

reflexões sobre a reverberação do duplo acontecimento e os sentidos acionados pela

20Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 3ago. 2015.

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comunidade para compreender o fenômeno, buscaremos a configuração do Projeto de Expansão

Serra Azul como acontecimento da ordem hermenêutica.

No próximo capítulo, abordaremos este conceito, bem como a dimensão pragmatista de

Quéré (2012) sobre a dupla vida do acontecimento – também usada como operador de análise,

para compreendemos a elaboração e os elementos usados na narrativa da comunidade para tratar

do duplo acontecimento.

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3. ACONTECIMENTO EM PERSPECTIVA

Para avançar nas reflexões a que este trabalho se propõe, nos apoiaremos no conceito

acontecimento como discutido por Louis Quéré (2005, 2011, 2012) e Vera França (2008, 2011,

2012), especialmente, por acreditarmos que a riqueza deste conceito será de grande valia para

análise do nosso objeto empírico, que é a implantação do Projeto de Expansão Serra Azul.

Recorremos ainda à abordagem pragmatista do acontecimento, por meio da dupla vida do

acontecimento, desenvolvida também por Quéré (2012).

Ambos serão acionados como operadores analíticos para compreendermos a

composição do repertório discursivo e a conduta dos moradores na elaboração do duplo

acontecimento em Farofa, elementos fundantes para buscarmos a caracterização do Projeto de

Expansão Serra Azul como acontecimento da concepção hermenêutica.

3.1 Reflexões sobre algumas abordagens do conceito

No mundo contemporâneo, especialmente com o surgimento de novos produtos e

ambientes midiáticos – notadamente a Internet –, os acontecimentos atravessam o nosso dia a

dia, pautam comportamentos, lembranças e a conversa rotineira da vida ordinária. Eles se

apresentam de maneiras diferentes. Há os que ocorrem involuntariamente, os provocados, os

controlados (com objetivos estratégicos), os de grande ou menor importância, os mais

marcantes ou não. Existem também acontecimentos de dimensões catastróficas que reverberam

pelo mundo todo, como o atentado de 11 de setembro de 2001, ou ainda grandes eventos, como

a Copa do Mundo FIFA.

Para a pesquisa proposta, interessa-nos particularmente a concepção hermenêutica do

acontecimento, desenvolvida por Louis Quéré, que, ao inscrevê-lo no terreno da ação e da

experiência humana, garantiu significativa contribuição à teoria do acontecimento, que tem sido

tradicionalmente empregada nos estudos midiáticos.

Marcada pela generalidade, a apreensão do fenômeno, contudo, pode-se configurar

numa questão problemática. Se coisas acontecem o tempo todo, nem todas são capazes de nos

afetar e, às vezes, sequer são percebidas. Outras, no entanto, deixam marcas indeléveis na nossa

história. Assim, nos perguntamos: onde está a força do acontecimento da ordem hermenêutica?

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Com qualidades difusas que os tornam únicos perante qualquer outra coisa, esses

acontecimentos revelam valor particular ao sujeito. Eles rompem com a normalidade, afetam e

transformam a vida daquele que atinge, suscitando reações e respostas. Abrem também um

horizonte de possíveis, pois não se resumem a um começo nem a um fim. Quando se produzem,

dão partida a um processo de transformação.

O acontecimento então é o vir a ser, é aquilo que se torna21, pois carrega consigo um

caráter inaugural, que pode marcar o fim de uma época e o começo de outra; é revelador, na

medida em que interpela e pede não apenas para ser explicado por causas, mas, sim,

compreendido. (QUÉRÉ, 2005). Nessa direção também caminha França (2012), para quem o

“acontecimento é o que vem de fora, o que surge, o que acontece, o que se produz, o excepcional

que se desconecta da duração”. (FRANÇA, 2012, p. 21).

Babo-Lança já nos fala de “acontecimentos experienciados”, ocorrências que têm valor

“intrinsecamente hermenêutico e pragmático”. São marcados pelo valor da experiência e

afetação. “Afetam o viver e o sofrer, e os efeitos e significações que produzem mediante as

consequências que lhes advêm elaboram-se na recepção por parte daqueles a quem o que

acontece acontece, em termos de uma hermenêutica da experiência”. (BABO-LANÇA, 2012b,

p. 19 – grifo da autora).

Como observa Quéré (2005), pela capacidade de afetação, o acontecimento não deve

circunscrever-se unicamente ao que ocorre ou produz.

Se ele acontece a alguém, isso quer dizer que ele é suportado por alguém. Feliz ou

infelizmente. Quer dizer que ele afecta alguém, de uma maneira ou de outra, e que

suscita reações e respostas mais ou menos apropriadas. É porque ele acontece a

alguém que ele ‘se torna’. (QUÉRÉ, 2005, p. 3).

É como se o ordenamento rotineiro das coisas fosse “abalado por uma espécie de falha

ou de instante racional na vivência individual de cada sujeito, que o leva a considerar a

emergência de uma desordem em suas rotinas interpretativas do mundo”, nos lembra Muniz

Sodré (2012, p. 36). A distinção do acontecimento, portanto, estaria na forma como entra na

experiência do sujeito, fazendo-o agir e redirecionar sua atitude e ação. Dessa forma, para

evidenciar o lugar do acontecimento na organização da experiência individual ou coletiva, é

21A expressão “O acontecimento [é] o que se torna” é da autoria de Mead e acionado por Quéré (2005) em epígrafe no texto

Entre Facto e Sentido: a dualidade do acontecimento.

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preciso situá-lo corretamente na ordem do sentido, o que, segundo Quéré (2005), as Ciências

Sociais teriam dificuldades para fazê-lo, por diversas razões:

Uma delas tem a ver com o facto das ciências sociais tenderem a associar a acção a

sujeitos movidos por razões de agir, por motivos ou por interesses, e menos a uma

afecção por acontecimentos e por mudanças, nos objectos ou nas situações, no decurso

da própria organização da experiência. Uma outra é que as ciências sociais apreendem,

sobretudo, o acontecimento, como integrante da categoria do facto e recorrendo ao

esquema de causalidade, hesitando em tratá-lo como um fenómeno de ordem

hermenêutica. (QUÉRÉ, 2005, p. 2).

Isso significa dizer, como acentua Sodré (2012), que o fenômeno evidenciado pelo

acontecimento pode ter alcance interpretativo maior do que suas possíveis “motivações

racionais”, o que caracteriza seu potencial hermenêutico – reforçando, dessa maneira, a crítica

de Quéré à apreensão do acontecimento como fato. “Contudo, ao se olhar o acontecimento do

ponto de vista da ação, ele é um fenômeno hermenêutico, pois além de pedir para ser

compreendido através de causas, também faz compreender as coisas, com um próprio poder de

revelação”. (VAZ; FRANÇA, 2011, p. 96).

Assim, situar o acontecimento como ocorrência desencadeadora de sentidos significa

ampliar o olhar e ver mais que discursos. É percebê-lo “dando forma, configurando,

organizando sentidos dispersos, contraditórios, anárquicos suscitados por ocorrências, ações,

intervenções”. (FRANÇA, 2012, p. 46). Tal movimento permite também, como destaca Quéré

(2005), avaliar o lugar da narrativa no acontecimento, pois a narrativa não “é suficiente para

pôr em destaque o poder hermenêutico do acontecimento, na medida em que este intervém na

experiência segundo modalidades que não implicam, necessariamente, a mediação da

narração”. (QUÉRÉ, 2005, p. 2).

Tendo como norte as perspectivas comunicacional e sociológica, mais do que

fenômenos pautados no discurso, a origem da compreensão do acontecimento estaria no próprio

acontecimento. Para tanto, há de se cuidar para que a realidade não seja tratada como resultado

do discurso, pois considerar o acontecimento “apenas como construção discursiva limitará

exatamente o que o singulariza: a possibilidade que ele instaura, enquanto ocorrência concreta

no mundo, de criação de novos sentidos, do desencadeamento de um outro campo de ações”.

(FRANÇA; OLIVEIRA 2012, p. 8-9).

Como observa França (2015), a narrativa existe também enquanto tradução da

experiência, mas faz-se necessário perceber a complexidade do tecido social de modo a

considerar o “real papel das práticas comunicativas – sua natureza constituinte e constituída,

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sua inserção complexa na trama social”. (FRANÇA, 2012, p. 45). Entende-se, dessa maneira,

que há algo mais no acontecimento: ele não é só o que ocorre, uma vez que se faz perceber,

busca ser compreendido, tensiona os sentidos existentes e é significado, além de introduzir algo

de novo a quem acontece.

Sodré (2012) igualmente busca na compreensão do acontecimento a via para melhor

entendimento do fenômeno: “[...] não se põe em jogo apenas a lógica argumentativa das causas,

mas principalmente o sensível de uma situação, com sua irradiação junto aos sujeitos e a

revelação intuitiva do real que daí poderá advir”. (SODRÉ, 2012, p. 68).

No exercício para evidenciar o poder de afetação do acontecimento, Louis Quéré (2005)

se apoia também na dimensão da passibilidade. Tal entendimento se sustenta na percepção de

que é

[...] a passibilidade que faz com que a confrontação com um acontecimento assuma

dimensões de teste, isto é, de travessia, na qual, aquele que é visado pelo

acontecimento, seja um indivíduo seja um colectivo, se expõe, corre risco, perigos,

põe em causa a sua identidade. (QUÉRÉ, 2005, p. 13).

Nessa perspectiva, o acontecimento passa “do acontecer” a “acontecer a” – e por isso,

se torna.

Quando se busca apreender o acontecimento – o que para Lage (2013) é sempre centelha

–, a experiência tem dimensão estrutural e torna-se capaz de transformar aqueles que estão em

processo de interação, como registra a concepção pragmatista da experiência. “É, precisamente,

graças a essa transacção possível que o acontecimento é um fenómeno de ordem hermenêutica:

pode ser palco de encontro, interacção, confrontação, determinação recíproca”. (QUÉRÉ, 2005,

p. 14).

Assim, é possível pensar que o acontecimento se insira na experiência não apenas como

fato, mas como resultado de uma transação na articulação entre o suportar e o agir por meio de

uma situação revelada ou criada pelo fenômeno que poderá se transformar em oportunidade

para não só compreender o passado, mas para construir o novo. Porque, por mais esperado que

seja, o acontecimento poderá inaugurar algo, residindo aí a força e a potencialidade do conceito.

A experiência é, pois, aquilo pelo qual um sujeito e o mundo se constituem,

confrontando-se com o acontecimento, na articulação mais ou menos equilibrada de

um saber e de um agir. Abrindo um horizonte de sentido, transportando com ele

possibilidades interpretativas, o acontecimento permite, ao que a ele se encontra

exposto, descobrir algo de si próprio e da situação, aprofundar a sua compreensão de

si e do mundo. (QUÉRÉ, 2005, p. 18).

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Detendo-se particularmente na perspectiva do acontecimento como ocorrência que

impele à ação, França (2012) elenca o que julga serem as principais características para

apreensão desse conceito singular:

[...] são fatos que ocorrem a alguém; que provocam a ruptura e desorganização, que

introduzem uma diferença. Eles fazem pensar, suscitam sentidos, e fazem agir (tem

uma dimensão pragmática). E tais ocorrências curto-circuitam o tempo linear;

ocorrendo no nosso presente, eles convocam um passado e re-posicionam o futuro.

(FRANÇA, 2012, p. 14).

Assim, o acontecimento tanto inaugura uma realidade, uma época, quanto marca o fim

de outra. O poder hermenêutico do acontecimento reside justamente na capacidade de funcionar

como abertura e fechamento de uma sequência de eventos, de esclarecer uma problemática e,

ao mesmo tempo, de revelar outra ou suscitar um novo olhar. Nesta perspectiva, o

acontecimento, quando “acontece”, provoca reações e respostas a quem acontece. (QUÉRÉ,

2012). Os sujeitos afetados respondem ao acontecimento; eles se transformam e se constituem

na confrontação. Assim, o acontecimento tem o poder de penetrar na vida social e transformá-

la. (SIMÕES, 2012).

Como observado pelos autores mencionados, o acontecimento nunca é inteiramente

condicionado àquilo que o tornou possível. Sua ocorrência é imprevisível e introduz uma

ruptura na superfície da normalidade. Ao emergir, ele produz uma descontinuidade na

experiência, rompe a serialidade cotidiana e provoca surpresa, residindo aí parte de seu poder

de afetação. Num primeiro momento, o acontecimento é, necessariamente, incompreensível,

não-identificável. A reação natural a quem o acontecimento acontece é a tentativa de reduzir a

descontinuidade inaugurada por ele.

Assim, para que reverbere tal como a concepção hermenêutica precípua, há de se

perceber o acontecimento como ocorrência desencadeadora de sentidos. Quando se realiza,

provoca ruptura, altera a frequência de rotina, de trajetória que está posta, de tal modo que o

sujeito, se afetado, é desafiado a agir sobre o que lhe afeta, na tentativa de reduzir essa

descontinuidade, de contingenciar o inesperado – movimentos que atravessam o vivido, que

abrem novas janelas, novas possibilidades.

Nesse contexto, podemos pensar que os acontecimentos deixam de ser simples

mudanças que atravessam o dia a dia, a vida, para, na prática, promover a renovação, colocar

em movimento um processo de transformação, como ponto de partida. “O acontecimento é

importante porque ele anuncia – ele pode anunciar – o novo”. (FRANÇA, 2012, p. 50 – grifos

da autora).

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O acontecimento teria, então, o condão de promover a relação entre o sujeito e o próprio

contexto. E por meio dessa transação – ou seja, da dimensão interacional proporcionada pelo

acontecimento –, conforma-se a experiência, como observa Simões (2012, p.87), para quem a

“experiência se constitui na transação entre o agir e o reagir, entre o produzir e o sofrer, os

quais, por sua vez, orientam as ações futuras”. Essa relação tem então o potencial para

transformar mutuamente os envolvidos, evidenciando o papel transformador “do sujeito e do

mundo” por meio da experiência.

Nessa perspectiva compreendemos a força do acontecimento da ordem hermenêutica:

um movimento capaz de promover a alteração na rotina, desencadear sentidos, atravessar o

vivido e criar novos possíveis. Ele é da ordem dos sentidos e pode conter elementos reveladores

para além da ocorrência empírica pontual. Oportuno recorrer a Simões (2012, p. 91), segundo

a qual “ao mesmo tempo, o acontecimento marca o fim de um processo, o resultado de um

encadeamento que ilumina o passado (reconstruindo-o) e projeta novos futuros, conferindo

sentido a essas diferentes temporalidades”. É pensar o “acontecimento sob as categorias da

transição, do vir a ser e da emergência, em vez da substância e da simples ocorrência”, como

afirma Quéré (2012, p. 22).

Mendonça (2007, p. 123), por sua vez, nos lembra que à medida que revela um mundo

novo, “o acontecimento faz com que o próprio passado não apareça como coisa explicada, mas

como explicável porque ainda se desenrolando em um campo problematizante”. Para o autor,

o futuro também se vê alterado, “visto que possíveis são por ele abertos, demandando que os

sujeitos se posicionem acerca deles”.

O acontecimento como instância de conhecimento é outra singularidade do conceito. Se

num primeiro momento o acontecimento se caracteriza pela ruptura, pela desorganização do

presente, para sair do impasse suscita sentidos, faz pensar, para buscar saídas. (FRANÇA,

2012). O enfrentamento estaria na capacidade de o sujeito se posicionar frente ao acontecimento

e o que ele impõe/ou suscita – o que confere caráter pragmático ao fenômeno.

A ruptura provocada pelo acontecimento leva o sujeito a rever o passado e a buscar

outros caminhos, saídas, para que a vida retome a normalidade – embora saibamos de antemão

que essa retomada se dará em outro contexto, com novos conhecimentos. Igualmente

importante é lembrar que os sentidos desencadeados pelos acontecimentos atuam em mão

dupla. O acontecimento se faz perceber. Afeta os sujeitos e são afetados por eles, fazendo-o

agir e reagir sobre o que lhe afeta, pelo tempo que durar o potencial de afetação.

Tal qual a implantação de um empreendimento, o acontecimento atravessa o vivido e

conforma novas experiências. E o intervalo temporal dessa afetação é proporcional à duração

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do próprio acontecimento, podendo ultrapassar os limites da ocorrência. Como observa Quéré

(2005), o acontecimento dura o mesmo tempo que o seu potencial de criação de intrigas, de

revelação de possíveis e de modificação de situações do contexto e da vida de quem o

acontecimento acontece.

Para tanto, precisa ser percebido, ganhar sentido, ser transformado em objeto de reflexão

para que, por meio da narrativa, seja naturalizado como tratado por Quéré (2012) em a vida

dupla do acontecimento, nosso próximo tema de reflexão, fundamental para iluminar o

exercício de compreensão dos sentidos construídos pela comunidade de Farofa, por ocasião do

Projeto de Expansão Serra Azul.

3.2. A dupla vida do acontecimento

De forma a evidenciar a intervenção do acontecimento na experiência, Quéré (2012)

observa que o acontecimento é portador de uma dupla vida, concepção que o autor nomeou de

“realismo pragmatista”, a partir de J. Dewey, W. James e G. H. Mead. Nesta perspectiva, o

acontecimento é pensado sob as categorias da transição, do vir a ser e da emergência e se dá em

duas ordens: o acontecimento-existencial e o acontecimento-objeto.

O acontecimento-existencial se inscreve na categoria do sensível. São mudanças que se

produzem concretamente em nosso entorno e estão ligadas à primeiridade e secundidade, de

Peirce22. O acontecimento-objeto, por sua vez dotado de significação, passou pela simbolização

e é da ordem da terceiridade. Essas duas ordens coexistem e a todo momento o acontecimento-

existencial é convertido em acontecimento-objeto, de maneira a intervir no curso dos

acontecimentos para atenuar seus impactos e domesticá-lo. Sobre essas duas ordens, Quéré

(2012, p. 24) explica:

A grande diferença entre as duas formas é o grau de simbolização. Existem mudanças

e emergências que enfrentamos em suas qualidades imediatas e sua força brutal – elas

são abordadas por sua força direta. Estamos submetidos a suas condicionantes, à sua

22 As categorias primeiridade, secundidade e terceiridade integram a Teoria dos Signos, desenvolvidas por Peirce.

Como registra Quéré (2012, p. 29), a primeira corresponde a qualidade única, pregnante, imediatamente

perceptível, independentemente de qualquer referência cognitiva ou reflexiva; a segunda categoria relaciona-se ao

impacto do acontecimento, que pode se dar de forma negativa ou positiva. É o que existe concretamente, o que

impõe aceitação. A terceira é “a da generalidade, a da mediação por signos e símbolos, a da elaboração cognitiva

e do significado, ou, ainda, a do possível”.

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insistência e resistência; vamos “avaliá-las” positiva ou negativamente; e vamos

adaptar-nos a elas. Trata-se, então, de reações espontâneas, baseadas nos hábitos, na

percepção direta e na emoção. Em regime de experiência imediata, elas não estão

isoladas do entorno, nem observadas por si mesmas, ou seja, não constituídas como

objetos a conhecer. E há acontecimentos que enfrentamos enquanto ocorrências

recortadas no fluxo das mudanças, isoladas de seu contexto, nas quais concentramos

nossa atenção em busca de uma determinação mais ou menos aprofundada de seu

conteúdo e de sua identidade (o que aconteceu exatamente?), além de seu alcance e

de sua significação. (QUÉRÉ, 2012, p. 24).

Em entrevista a Lage e Salgado, publicada em 2011 na revista do Programa de Pós-

Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ, Quéré rememora o interesse pela abordagem

pragmática do acontecimento, a partir da ocorrência como componente para a organização da

experiência:

Pelo viés pragmatista entendemos que os acontecimentos são coisas concretas, coisas

reais, antes de serem colocadas no discurso. São coisas que ocorrem, que se passam.

Tal abordagem é mais sensível a essa dimensão que chamo real ou existencial, como

coisas que existem. (QUÉRÉ. 2011, p. 179).

A abordagem pragmatista, segundo o autor, desenvolve a ideia de que as coisas são

sentidas antes de serem colocadas em discurso. A dimensão do existencial – no sentido de que

as coisas existem – se impõe. É da ordem do sensível, da experiência direta, indissociável do

seu entorno. Quando se tornam objeto do pensamento, de reflexão, são os acontecimentos

transformando-se em coisas com significado para atender às exigências da conversação. Tal

mecanismo nos permite “intervir no curso do acontecimento, para controlá-lo em partes e

eventualmente atenuar sua capacidade de nos atingir”. (QUÉRÉ, 2011, p. 180).

A transformação do acontecimento-existencial em objeto de pensamento e de

julgamento também é capaz de indicar uma direção. Abre ao “vir a ser”, com potencial para

criar uma nova experiência, pessoal ou coletiva, o que Quéré (2012) chama de a segunda vida

do acontecimento. Por meio da interação e da investigação, o acontecimento-objeto, dotado de

significação e determinação, é organizado com elementos cognitivos que lhe conferem novas

camadas de sentido, constituindo-se, assim, na segunda vida do acontecimento, já dentro de um

processo naturalizado, narrativizado.

Transformado em objeto de pensamento e de julgamento como coisa dotada de

significado, o acontecimento-objeto dá elementos para o sujeito compreender o ocorrido e

direcionar suas condutas, dando-lhe, por meio da linguagem, uma segunda vida, como destaca

Quéré:

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Quando a comunicação se produz, todos os acontecimentos naturais são submetidos

a uma reconsideração e revisão; eles são readaptados para satisfazer as exigências da

conversação, seja em caso de discurso público, em caso de início de discurso

designado por pensamentos. Os acontecimentos são transformados em objetos, em

coisas com significados. É possível servir-se de tal referente, até mesmo quando eles

deixaram de existir; eles podem, assim, executar seu trabalho entre coisas distantes no

espaço e no tempo, através da presença por procuração em um novo médium [a

linguagem]. [...] tendo sido nomeados [pelo uso de um termo do discurso que, de

acordo com o que já foi dito, não pode descrever a qualidade de um acontecimento

imediato], os acontecimentos levam uma segunda vida, independente. (DEWEY,

1925 apud QUÉRÉ, 2012, p. 31).

Dessa maneira, o acontecimento assegura sua existência simbólica e sustenta a

conversação entre os sujeitos, suscitando, na prática, nosso interesse. De tal sorte que ao

determinar o acontecimento, significando-o, “roteirizando-o”, o sujeito poderá ser capaz de

“integrar uma referência a condutas que devem assumir diante deste ou daquele incidente ou

encadeamento de incidentes”. (QUÉRÉ, 2012, p. 30).

Transformados em objeto, “os acontecimentos levam a uma segunda vida - a partir da

mídia, da conversação que pauta a vida miúda, da busca do sujeito por uma determinação do

corrido – no qual seus significados não estão definidos”. (HENRIQUES; SILVA, 2012, p. 220).

Para os autores, o acontecimento-objeto é, por essência, um ‘vir a ser’ – ele está em constante

processo de transição, de evolução, de ressignificação.

Assim, o acontecimento deixa de ser “simples mudanças existenciais e se transforma

em objetos dos quais nos tornamos conscientes, em ‘coisas com significados’”. E ganha ainda

“novos modos de operação e características”, segundo o autor. “Ele se torna não só um objeto

e uma fonte de inferência de raciocínios, mas também num meio de ação controlada”. (QUÉRÉ,

2012, p, 31). A reorganização dos significados do acontecimento pela imaginação se constitui

numa forma de moderar seu ritmo ou atenuar sua força – num processo cognitivo-discursivo.

Nesse sentido, a “comunicação atenua o impacto dos acontecimentos e transforma suas

qualidades imediatas, fazendo que se tornem objetos de julgamento” (QUÉRÉ, 2012, p. 31). O

autor segue a concepção de Dewey sobre julgamento, a partir do qual “julgar é tornar algo

determinado; determinar é colocar em ordem e organizar, estabelecer a relação de maneira

definida”. (DEWEY, 1992 apud QUÉRÉ, 2012, p. 33).

A transformação do acontecimento-existencial em acontecimento-objeto – ou

metamorfose do acontecimento-existencial em coisa com significado –, passa pela investigação

de sua natureza, sua relação com outros acontecimentos, das condições e consequências. Dessa

maneira, o acontecimento pode ser compreendido, assim como suas implicações e sentidos.

“Quando levadas em consideração pelo pensamento e formuladas com a ajuda do discurso,

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essas conexões e relações são transformadas em relações de natureza intelectual ou de ordem

lógica”. (QUÉRÉ, 2012, p. 32).

O acontecimento como portador de uma segunda vida também nos abre importante via

para compreensão e reflexão acerca deste objeto de estudo. Trata-se da natureza ideacional do

acontecimento enquanto passado. Quéré nos mostra que “é necessário um mínimo de distância

temporal para saber ou compreender o que se passou realmente”. (QUÉRÉ, 2012, p. 26).

Para o autor, “o acontecimento pode ser encarado como mudança existencial das coisas

e nas coisas, em curso num specious present; e também como objeto a identificar, compreender,

explicar e avaliar”. (QUÉRÉ, 2012, p. 26). Dessa maneira, ele nos lembra que tão logo o

acontecimento se produz entende-se que o fenômeno já se localiza no passado. Mas, a

focalização do acontecimento transcorrido é uma tentativa de compreendê-lo. “Com efeito, a

natureza do passado e do futuro é diferente daquela do presente. Enquanto este é o ‘lugar da

realidade’ – um devir existencial dotado de um mínimo de duração – o passado e o futuro têm

a ver com a ‘ideação’”. (QUÉRÉ, 2012, p. 27).

O autor entende que a partir do presente fazemos extensões (que são operações

intelectuais) rumo ao passado ou ao futuro. “Essas extensões, sejam em direção ao passado ou

ao futuro, são hipotéticas, e os novos acontecimentos nos conduzem a reconstruir tanto o

passado quanto o futuro”. Conforme o sociólogo, um acontecimento pode gerar uma nova

compreensão sobre o passado, “uma vez que novas dimensões dos acontecimentos passados se

descobrem graças aos novos acontecimentos que se produzem”. (QUÉRÉ, 2012, p. 27).

Possivelmente aí se localiza a pedra de toque dessa concepção, revelando a dimensão

de sua envergadura. “O acontecimento é desorganizador: ele abala pontos de vista estabilizados

e suscita novos arranjos”. Nesse sentido, a experiência do acontecimento se “converte em fonte

de compreensão sobre o mundo”. (FRANÇA, 2008, p. 2). Portanto, o exercício da compreensão

do passado nos dá a pista, pois, como afirma Quéré:

O passado não é assim tão absoluto quanto o supõe essa maneira de pensar

simplesmente porque ele tem a ver com a ideação. Ele é sempre o passado de um

presente experiencial, principalmente o passado dos acontecimentos que emergem

neste presente. O passado se modifica porque o presente passa por mudanças: um

presente diferente faz surgir um passado diferente [...]. Desde que o vemos, ele se

torna uma questão de saber o que o provocou e condicionou e cria um futuro porque

há interesses em suas potencialidades e suas consequências, ou seja, por seu

significado, e porque se pretende, em maior ou menor grau, controlar sua reaparição.

Esse passado e esse futuro são relativos ao acontecimento. (QUÉRÉ, 2012, p. 27).

Tal perspectiva é reforçada por França (2012, p.47), para quem “ao desorganizar o

presente, o acontecimento instala uma temporalidade estendida, convoca um passado com o

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qual ele possa estabelecer ligações, anuncia futuros possíveis”. Quéré (2012), por sua vez,

observa que passado e futuro se formam no presente e os novos acontecimentos são um caminho

permanente – e promissor – para se construir outros possíveis, a partir da compreensão do

passado. A compreensão, a avaliação, a narração e a explicação dos acontecimentos

transcorridos se fazem, portanto, sempre “do ponto de vista do presente”.

O acontecimento está sempre em desenvolvimento, mesmo tendo sido transcorrido, e se

localiza no futuro. (QUÉRÉ, 2012). Para ilustrar esse entendimento, o autor cita o acidente

nuclear de Fukushima23, no Japão, em março de 2011, que nos remete a dois outros acidentes

nucleares: o Chernobyl, em 1986, e o de Three Mile Island, em 1979, demonstrando a dinâmica

do fenômeno hermenêutico.

Por concordar com essa perspectiva – a dinâmica do acontecimento e seu permanente

desenvolvimento –, usaremos a reflexão conceitual realizada acima para fundamentar o estudo

de caso proposto nesta dissertação, tendo como operadores analíticos o conceito acontecimento

hermenêutico e a abordagem pragmatista presente na dupla vida do acontecimento.

Tais articulações poderão nos ajudar a ver e a compreender o poder de afetação e a

reverberação dos dois acontecimentos no distrito mineiro Nossa Senhora da Paz, mais

conhecido como Farofa: o início das obras de implantação daquela que seria a primeira usina

de processamento de itabirito compacto no Brasil e a sua suspensão, depois de formada uma

complexa teia de relações para dar sustentação ao processo de convivência entre a comunidade

e a organização.

Esses operadores analíticos guiarão nosso olhar para as singularidades apresentadas no

estudo de caso, além de suscitar outras especificidades a partir das articulações que poderão

surgir. Assim, tendo como ponto de partida o conceito acontecimento hermenêutico, nos

perguntamos: qual é o poder de afetação da implantação de um grande empreendimento

industrial na comunidade, a partir da perspectiva dos moradores de Farofa? Quais os sentidos

construídos por essa comunidade para compreender o duplo acontecimento?

23 Um terremoto de magnitude 9, seguido de um tsunami, devastou a usina, espalhou radiação e deixou quase 200 mil

pessoas desabrigadas.

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4. SERRA AZUL E O ACONTECIMENTO DA ORDEM HERMENÊUTICA

Este capítulo tem por objetivo geral configurar o Projeto de Expansão Serra Azulcomo

acontecimento da ordem hermenêutica. Usaremos como operadores analíticos a abordagem a

dupla vida do acontecimento e o conceito acontecimento da ordem hermenêutica, ambos de

Quéré (2005, 2012), por apresentarem fina sintonia com o objeto de estudo proposto. A

mobilização do conceito acontecimento – tradicionalmente empregado nos estudos midiáticos

– também se torna promissora por sugerir um novo olhar sobre o poder de afetação dos grandes

projetos industriais na vida miúda.

4.1 Percurso metodológico

A metodologia escolhida para esta investigação é o estudo de caso, por promover o

diálogo entre a teoria e a prática, perspectiva que poderá enriquecer as discussões tratadas no

âmbito da Comunicação Organizacional. Para dar suporte ao trabalho de análise, reunimos um

apanhado de técnicas, a começar pela pesquisa de caráter exploratório na comunidade de Farofa

– pelo interesse em realizar uma observação aprimorada – e entrevista em profundidade, que

nos ajudará na identificação de conexões que movem os pressupostos deste trabalho de

pesquisa: a configuração do Projeto de Expansão Serra Azul como acontecimento da ordem

hermenêutica.

Como guia para a condução das entrevistas em profundidade, elaboramos um roteiro

(ANEXO 2) composto por quatro grandes pontos de interesse e desdobramentos possíveis: 1)

a chegada do empreendimento a Farofa; 2) a convivência entre comunidade, empreendimento

e a organização; 3) a suspensão do projeto; 4) e os sentidos construídos. Os pontos de interesse

foram definidos a partir do que acreditamos terem sido os principais momentos registrados em

Farofa de 2010 a 2014, quais sejam: a mobilização para a audiência pública (2010); a audiência

pública (2011); o início das obras (2012); a “desaceleração” do empreendimento e o fechamento

do canteiro (2013).

O conjunto de informações obtido será abrigado em outras duas grandes categorias: a

primeira vida do acontecimento e a segunda vida do acontecimento, considerando o

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entendimento de Quéré (2012) de que a primeira vida se dá no terreno existencial, na ordem do

sensível, como mudanças que se produzem concretamente em nossas vidas, e a segunda vida

são os acontecimentos sendo significados, transformados em narrativa.

Ainda no âmbito da metodologia, realizamos uma pesquisa bibliográfica, com vistas a

aprofundar o estudo acerca do conceito acontecimento, e uma análise documental, tendo como

princípio a utilização apenas de documentos e informações disponíveis publicamente. Além

disso, a Etnometodologia24 foi referência para conduzirmos o trabalho de pesquisa, porque a

ideia era justamente realizar nossa análise a partir do ponto de vista das pessoas comuns e os

modos pelas quais elas dão sentido às experiências – perspectiva que nos propicia esse ramo

das Ciências Sociais.

A opção pelas orientações etnometodológicas se mostra interessante porque, ao

conduzir o olhar para o contexto em que as coisas acontecem, elas nos dão condições de

enxergar o cotidiano das relações que estão sendo estabelecidas e a dinâmica da construção e

disputa de sentidos que permeia a interação entre os sujeitos, pois, como assinala Adriana Braga

(2015), a Etnometodologia

[,,,] busca estudar as “pessoas singulares em suas ações cotidianas, e os modos pelos

quais elas, em interação, fazem sentido do mundo [...] são os pontos de vista das

pessoas, as maneiras como elas, coletivamente, produzem saberes sociológicos e teorias

sociais na prática, isto é, os entendimentos dessas pessoas sobre o que seja a sociedade

e como ela se manifesta na vida cotidiana. (BRAGA, 2015, p.8).

Garfinkel, citado por Watson e Gastaldo (2015, p. 14), nos lembra que a cultura não é

vista apenas como um “conjunto de normas, regras e valores, mas também como um conjunto

de conhecimentos que os membros de uma dada sociedade tratam como seu ‘senso comum’,

saberes compartilhados por todos”. Já Adalto H. Guesser (2003, p. 158) registra que a

preocupação principal da etnometodologia é buscar as abordagens práticas, pois compreende

que “a realidade social é construída na prática do dia-a-dia pelos atores sociais em interação”.

A realidade é fruto dessa contínua atividade de interpretação dos sentidos das ações

que são empreendidas no dia-a-dia. Ninguém percebe a realidade da mesma forma

que os outros. Cada um de nós realiza experiências subjetivas que são inacessíveis aos

outros, mas que são “compartilhadas” através da comunicação, por processos de

entendimento que são construídos entre os atores, de modo a que possam ser

compreendidos. (GUESSER, 2003, p. 155-156).

24 A Etnometodologia, como proposta pelo sociólogo americano Harold Garfinkel, no final dos anos 1960, “refere-

se ao estudo (logos) dos métodos usados pelas pessoas/grupos (ethnos) em suas vidas cotidianas, entendidos como

processos de produção de sentidos”. (WATSON; GASTALDO, 2015, p. 13).

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Assim, apoiados na perspectiva etnometodológica, nos propomos a identificar, por meio

de dez entrevistas em profundidade, o ponto de vista das pessoas comuns sobre o duplo

acontecimento em Farofa. Para o desenvolvimento do trabalho, foram realizadas três visitas ao

distrito: a primeira de caráter exploratório foi realizada no dia 17 de agosto de 2015; a segunda

teve por objetivo a realização das entrevistas, no dia 11 de novembro de 2015; e a terceira,

também para realização das entrevistas, nos dias 10 e 11 de dezembro de 2015.

4.1.1 Definição do corpus

Embora a área de influência direta do Projeto de Expansão Serra Azul contemplasse seis

municípios (Itatiaiuçu, Mateus Leme, Igarapé, Brumadinho, São Joaquim de Bicas e Itaúna),

optamos por fazer um recorte e limitar o trabalho de pesquisa ao município de São Joaquim de

Bicas, especificamente o distrito de Farofa, por uma razão especial: a usina foi a primeira parte

do empreendimento licenciada pelos órgãos ambientais. As demais etapas do projeto estavam

em diferentes estágios de licenciamento.

Como critério para definição do corpus, as pessoas selecionadas para as entrevistas em

profundidade tinham necessariamente de ter vivenciado as duas fases do Projeto de Expansão

Serra Azul: o começo e a suspensão das obras. Inicialmente, planejamos realizar um grupo focal

com os representantes da Comissão Municipal de Acompanhamento (COMPAC), criada como

condicionante à licença prévia obtida pela MMX para acompanhar as obras de implantação da

MMX. A comissão era formada por membros da comunidade, instituições da região e da

Prefeitura Municipal de São Joaquim de Bicas, e atuaria como canal de interlocução com a

MMX para acompanhar a implantação do projeto.

Na impossibilidade de reunir os membros da comissão para um grupo focal, optamos

pela realização de entrevistas em profundidade – técnica qualitativa bastante dinâmica.

(DUARTE, 2011). Sem prejuízo à representatividade dos moradores da comunidade, decidimos

pela montagem de um elenco formado por pessoas comuns de Farofa, mas com certa

representatividade no distrito. Decidimos também não incluir no elenco representantes do poder

público nem da MMX, uma vez que a proposta era identificar a visão das pessoas comuns que

convivem (e são afetadas) de forma mais direta pelos problemas da comunidade.

Contudo, o recorte selecionado não significa o empobrecimento das reflexões propostas

neste trabalho de pesquisa. Pelo contrário, as práticas cotidianas, as interações e os

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enfrentamentos das situações que se revelam no nosso dia a dia são uma promissora via de

estudo, pois, como enfatiza BRAGA (2015, p. 7), “são esses eventos triviais que perfazem a

maior parte do universo dos fenômenos sociais, do ponto de vista das pessoas comuns”. Soma-

se a isto o desejo de se buscar uma perspectiva de leitura que não fosse limitada à organização,

mas a outra ponta dessa relação, o sujeito/interlocutor. Oportuno recorrer a Bueno (2013), para

quem

[...] na Comunicação Organizacional é comum que a inspiração para um estudo de caso

não esteja associada a uma preocupação do ponto de vista teórico-conceitual do

pesquisador, mas de uma divulgação generosa e positiva sobre as virtudes de uma

organização ou de prêmios concedidos a ela em virtude de ações pontuais quaisquer.

(BUENO, 2013, p.744).

Para garantir a privacidade dos entrevistados, decidimos identificá-los como

“Entrevistado 1”, “Entrevistado 2”, sucessivamente, até chegarmos ao número de pessoas

indicadas para o trabalho, conforme QUADRO 1. Acreditamos que tal decisão não interfere na

confiabilidade do material coletado, pois, para garantir o rigor metodológico do trabalho – além

do roteiro da entrevista como instrumento de orientação –, consideramos para a análise a

triangulação de dados, com documentos e regularidades na narrativa.

QUADRO 1 – Perfil de entrevistados

Perfil dos entrevistados – Projeto de Expansão Serra Azul

Entrevistado 1 Educação

Entrevistado 2 Educação

Entrevistado 3 Aposentado

Entrevistado 4 Empregado MMX

Entrevistado 5 Autônomo

Entrevistado 6 Microempresário - Beleza

Entrevistado 7 Microempresário - Hotelaria

Entrevistado 8 Microempresário - Alimentos

Entrevistado 9 Microempresário - Alimentos

Entrevistado 10 Empresário médio porte

Fonte: Elaborado pela autora.

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Assim, nossos entrevistados e os modos pelos quais dão sentido às singularidades que

marcaram o Projeto de Expansão Serra Azul nos estimulam a olhar esse contexto a partir da

perspectiva do sujeito. Como discutido por Vera França (2005, p. 5), com base das teorias da

linguagem, a “ação do sujeito diz respeito à sua relação com o produto discursivo e com a

dinâmica de produção e/ou interpretação de sentido”.

4.2 A primeira vida do acontecimento: a chegada do empreendimento

Antes de prosseguimos, é necessário relacionar esse contexto com a perspectiva de que

a primeira vida do acontecimento se dá no terreno existencial, na ordem do sensível, como

mudanças que se produzem no nosso entorno e sobre as quais não temos controle. E se

consideramos que a segunda vida se realiza por meio da narrativa e que a chegada do

empreendimento é uma ocorrência transcorrida, trabalhamos com o pressuposto de que a

comunidade, nestas entrevistas, apresentou o primeiro acontecimento já elaborado na segunda

vida.

Assim, procuramos reconstituir a primeira vida do acontecimento, tratada aqui como a

chegada do empreendimento em Farofa, a partir de documentos, publicações e entrevistas em

profundidade. A proposta foi identificar elementos que compuseram a narrativa da organização

e da comunidade para falar do empreendimento e dos impactos ocasionados por sua chegada.

Recorrendo à Hannah Arendt, citada por Mendonça (2007, p. 124), observamos que o

“acontecimento não pode ser explicado pela causalidade, justamente por que novo’ [...].

Somente quando algo irrevogável aconteceu é que podemos retraçar sua história. O

acontecimento ilumina o próprio passado; jamais pode ser deduzido dele”. Segundo o autor, o

fenômeno possibilita a reconstrução do antes em uma narrativa, permitindo que se veja nele um

início até então oculto.

Tal como o acontecimento da concepção hermenêutica, a instalação de um grande

projeto industrial promove rupturas sobre um fundo de continuidade e nos convoca à produção

de sentidos para conviver com a outra ordem que se instaura na comunidade.

Embora o orçamento para instalação da usina fosse significativo, à época a MMX foi

parcimoniosa nos investimentos em campanhas publicitárias e na realização de solenidades para

marcar o início das obras e a obtenção das licenças ambientais – iniciativas recorrentes em

grandes corporações. Contudo, manteve um robusto programa de comunicação face a face para

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falar do empreendimento, diálogo que foi apoiado em amplo material institucional que se referia

à comunidade como “vizinhos” e o investimento, como a “boa-nova”. Entre as peças, uma

cartilha com oito páginas (Imagem 6), no formato meio ofício, dava a notícia em primeira mão

aos empregados, pouco antes da audiência pública.

Imagem 6: Peça promocional anunciando o empreendimento aos empregados da MMX

Fonte: Arquivo pessoal.

No centro da cartilha estava o detalhamento do projeto, considerado pela organização

como “grandioso, moderno e com alta tecnologia”. Vê-se que com tal estratégia a organização

conferia ao público interno o papel de porta-voz da organização. Outra peça institucional

(Imagem 7) foi distribuída aos participantes das mais de 80 reuniões realizadas previamente à

audiência pública, com os moradores de Farofa e comunidades vizinhas. Além de descrever os

benefícios do empreendimento, capazes de gerar “mais emprego, mais renda, mais força para a

economia da cidade e da região”, o texto tratava a comunidade como vizinha e aproveitava para

convidá-la para a audiência pública, realizada o dia 22 de março de 2011.

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Imagem 7 – Peça promocional distribuída nas reuniões com a comunidade

Fonte: Arquivo pessoal.

Na audiência, a organização apresentava como premissa para o desenvolvimento do

projeto (Imagem 8) a construção de um empreendimento “economicamente viável e

tecnicamente seguro”, que considerasse, desde sua concepção, “questões socioambientais

relevantes na região”. (MMX, 2011, p. 12). Embora tivesse um público significativo (mais de

mil pessoas), as manifestações realizadas durante a audiência, inclusive de entidades ambientais

de outras regiões de Minas Gerais, não resultaram em grandes embates ou na inclusão de

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alterações significativas no projeto industrial.

Imagem 8: Diretrizes e premissas do empreendimento

Fonte: Apresentação da MMX na audiência pública (2010, p. 12)

De acordo com o RIMA (2010, p.37), produzido pela empresa de consultoria ambiental,

a Brandt, os impactos do Projeto de Expansão Serra Azul eram possíveis de serem mitigados

por meio de programas específicos, tais como: gestão ambiental, comunicação social,

capacitação e priorização da mão de obra e dos fornecedores locais, assistência orientada,

gerenciamento de tráfego e monitoramento de indicadores socioeconômicos, dentre outras

iniciativas.

No entanto, uma voz contrapunha o posicionamento da empresa, questionando o discurso

de sustentabilidade utilizado, conforme registrado no site do Retiro Vicente de Paulo25 pelo

Frater Henriques Cristiano José Matos.

Por ocasião da audiência pública [...] já tinha sido anunciado esse gigantesco “projeto

de expansão” que iria triplicar a atual produção da empresa. No prospecto, distribuído

na ocasião, são mencionados “a responsabilidade social e ambiental, transparência e

disposição para o diálogo”, sendo “princípios dos quais as empresas do Grupo EBX

25Site: www.retirovicentedepaulo.com.br

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[do qual faz parte a MMX] não abrem mão”. Perguntamo-nos, agora: dentro de qual

“modelo econômico” o projeto em tela se situa? Sem nenhuma dificuldade entende-

se que está em jogo um capital que ultrapassa, de longe, a imaginação do cidadão

comum. (MATOS, 2012, n.p).

No site, o religioso faz uma série de reflexões sobre o tema meio ambiente tendo como

fio condutor as ações da MMX na implantação do empreendimento em Farofa. Em uma delas,

Frater Henriques assinala que, sob a alegação de contribuir singularmente para o

‘desenvolvimento’ da região onde atuam, as organizações mantêm a estratégia de “ganhar o

máximo possível sem ter obstáculos ou contradições por parte daqueles que não partilham seu

ponto de vista”.

Dois outros entrevistados apontaram também os compromissos assumidos pela MMX,

por ocasião das audiências públicas:

A MMX fez uma grande mobilização. Na própria audiência, era muita gente. A

expectativa era de que as coisas fossem melhorar, com mais dinheiro circulando e

empregos. Mas, isso fez com que todo mundo viesse pra cá. [...] O Brasil inteiro veio

ganhar dinheiro aqui. E não tinha pra todo mundo. Aí ficou tudo muito confuso. Mas,

para algumas pessoas, foi espetacular. (Entrevistado 6). (Informação verbal)26.

O discurso da MMX não me tocou. Começou na audiência. Eles estavam enumerando

um tanto de coisas que iriam fazer em Farofa, mas quem ia fazê-los cumprir? Por

conta dessas promessas, todos nós fizemos planos. A MMX disse que iria gerar 7.500

empregos no pico das obras. Mas, como arranjar tanta gente se nem tantos

desempregados tínhamos na época? Entende porque era preciso checar essas

informações? Era uma relação permanente de desconfiança. (Entrevistado 1).

(Informação verbal)27.

Ao compreender o acontecimento como o que instaura a descontinuidade na rotina do

sujeito, provocando rupturas, descontinuidades, desencadeando sentidos e abrindo novas

possibilidades, a percepção da comunidade sobre a chegada do empreendimento a Farofa ilustra

a potência do fenômeno para atravessar o vivido e conformar experiências.

Desde que a MMM informou que iria construir uma usina na Serra da Farofa, gerou-

se um clima de suspense. Será que é bom? Será que é ruim? [...]. Com o passar do

tempo, a MMX foi se apresentando, se organizando e nós vimos que a coisa era muito

maior do que prevíamos. Ficamos mais assustados. Farofa é um distrito bem tranquilo;

a gente saía na rua e conhecia todo mundo. (Entrevistado 1). (Informação verbal)28.

Ficamos com medo de perder nossas raízes, costumes, a nossa história. Sempre

tivemos contato com a atividade mineradora, mas nada do tamanho do projeto da

26Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10dez. 2015. 27Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11nov. 2015. 28Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11nov. 2015.

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MMX[...]. (Entrevistado 2). (Informação verbal)29.

Eu pensei que eles iriam trazer progresso para o município, com muitos empregos.

Para mim, todo aquele movimento era o anúncio de coisa boa. Eles fizeram coisas

boas, como estradas e asfaltamento de rua, mas destruíram muito. Nossas casas, a

natureza, as minas de água. Por conta do tráfego de caminhões, a minha casa ficou

toda trincada, pois ela não tem pilar; reclamei, eles vieram e consertaram [...]. Mas,

não deixa de ser um transtorno. E por conta de coisas como essa, fomos ficando

inseguros. Aumentou o consumo de drogas, de assassinatos. [...]. Passamos a usar

cadeado no portão. Até hoje tem gente desconhecida andando no distrito.

(Entrevistado 3). (Informação verbal)30.

Os depoimentos nos remetem a uma das características singulares do acontecimento: o

vir a ser, o que se torna. Nesse sentido, marcam o fim de uma época e o começo de outra. É que

essas ocorrências rompem com o que Quéré (2005) chama de seriação que pauta a vida

cotidiana, sempre enredada por ações sequenciais que indicam direções possíveis. “O cotidiano,

portanto, não está separado dos acontecimentos. Assim como uma experiência se configura a

partir das experiências dispersas do dia-a-dia, o acontecimento também se dá na existência

comum, atravessando-a”. (FRANÇA; LANA, 2008, p. 4).

Nesse sentido, é da natureza do acontecimento promover a ruptura num pano de fundo

de continuidade, sobretudo numa comunidade pequena, onde a rotina pauta a vida das pessoas.

[...]. Imagina centenas de homens chegando para trabalhar na usina. O que vai ser?

(Entrevistado 1). (Informação verbal)31.

Vi com muito bons olhos a entrada da MMX. Tudo na vida traz coisas boas e ruins

[...]; para consertar, tem que atrapalhar algumas coisas. Veio muita gente de fora,

começou a circular dinheiro, e isso chama ladrões e aproveitadores. Antes, ninguém

tinha o costume de trancar a casa. Mas, foi bom. [...]. A empresa resolveu antigos

problemas. Agora temos energia constante. E temos mais asfalto. Isso para mim é

troca de moeda. Explora, mas deixa benefícios. (Entrevistado 10). (Informação

verbal)32.

Com o anúncio das obras, foram chegando pessoas em busca de emprego, de

oportunidades. Com eles, vieram muitas pessoas que não tinham nenhuma intenção

de trabalho. A empresa tinha que explicar o que estava acontecendo. A empresa não

se esforçou para normalizar as coisas. Mas, fazer o quê? Era por conta da fama que

tudo aquilo estava acontecendo, pois era uma empresa muito rica... e todo mundo

pensou que se viesse pra cá ficaria rico também. (Entrevistado 5). (Informação

verbal)33.

29Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11nov. 2015. 30Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11nov. 2015. 31Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 32Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10dez. 2015. 33Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10 dez. 2015.

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Como nos lembra Henriques (Informação verbal)34, novos empreendimentos costumam

se defrontar com os dilemas próprios à sua inserção num local que será profundamente

transformado. Além do esperado impacto econômico, o empreendimento e tudo que dele

reverbera introduz no ambiente uma perturbação sem precedentes nas formas de vida,

especialmente na cultura e nas relações de poder, como observa o Entrevistado 2: “Era tudo

muito grande, muita gente, muito dinheiro, muita poeira, muitos carros, muitas oportunidades,

então, ficamos um pouco assustados [...]. Não é para menos, não? Às vezes, a novidade assusta

um pouco”. (Informação verbal)35.

Quem conseguiu vender suas terras ganhou muito dinheiro. A MMX pagou bem – e

direitinho. Também foi bom para quem estava sem trabalho. A comunidade encheu-

se de esperança, com aquele megaprojeto. E teve gente que apostou alto [...]. Para

alguns, não deu certo. A MMX não podia fazer nada, mas aquilo era resultado do seu

discurso, das suas promessas. (Entrevistado 3). (Informação verbal)36.

Um empreendimento desses desestrutura nossa vida. Nossa rotina. As pessoas foram

vendendo suas terras e saindo daqui. A Serra da Farofa, onde iam construir a usina,

só tem agora três famílias. E a nascentes de água praticamente acabaram, com as obras

da MMX. E fica a pergunta: água ou dinheiro? (Entrevistado 1). (Informação

verbal)37.

Tomando a implantação de um empreendimento industrial como acontecimento, dada a

sua centralidade, é como se a obra se constituísse o eixo a partir do qual qualquer movimento

seria capaz de desencadear uma sucessão de outros eventos que gravitam em torno do

acontecimento principal, no caso o Projeto de Expansão Serra Azul. E o potencial de

reverberação desses movimentos será proporcional à capacidade de afetação dos públicos, com

influência também no porte das ações planejadas para reduzir sua contingência, incluindo aí

aquelas lideradas pela organização.

4.2.1 A convivência entre a comunidade, o empreendimento e a organização

34Aula ministrada por Márcio Henriques Simeone no PPGCom da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo

Horizonte, 8 set. 2015. 35Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 36Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 37Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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Por mais esperado que seja, o acontecimento poderá trazer algo novo e capaz de nos

surpreender como também nos impelir à ação. Trazendo a reflexão para o ambiente

organizacional, tais movimentos indicam que uma ocorrência localizada poderá alcançar outras

escalas, colocando em evidência a organização e sua reputação. Quando o acontecimento se

realiza, revela descontinuidade e indeterminações não previstas, sequer cogitadas, excedendo

ao planejado e “alterando simultaneamente o horizonte de expectativa e o campo dos possíveis”.

(BABO-LANÇA, 2012b, p. 15).

Dessa maneira, sempre há de se considerar a potência de um acontecimento em

surpreender, aspecto sinalizado pela pesquisadora Vera França ao tratar da impermanência do

acontecimento, pois é da natureza da ocorrência “escapar ao controle ou à previsibilidade totais

(se ele é totalmente previsível e controlado, será uma intervenção, mas não um acontecimento)”.

(FRANÇA, 2012, p. 47). O mesmo se verifica em relação à mobilização do sujeito.

Como apresentado pela organização nas peças institucionais, o Projeto de Expansão

Serra Azul se traduzia em qualidades únicas. Contudo, problemas resultantes da rotina de uma

grande obra, como aumento do tráfego e emissão de poeira e ruídos (já previstos no

EIA/RIMA), eram fortemente rejeitados pela comunidade. De forma emblemática, destaca-se

o comportamento dos operários da MMX, que aproveitavam a hora do almoço para descansar

na praça, até que a organização, atendendo a reclamações da comunidade, passou a servir o

almoço no canteiro de obras.

Os peões eram um problema A abordagem às meninas da escola era invasiva. Pais e

organização foram chamados. Aquilo não podia continuar daquele jeito. Eles

terminavam de almoçar e se deitavam na praça, justamente o local em que as meninas

ficam antes de começar as aulas. Eram rapazes que não tinham referência nenhuma

aqui no município. (Entrevistado 1). (Informação verbal)38.

O comportamento dos rapazes incomodava muito. Eles quaravam a praça de ponta a

ponta. Eram das empreiteiras da MMX. Na hora do almoço, era um deita e rola. Eles

gritavam, falavam alto, mexiam com as meninas [...]. Eu não tinha medo, mas achava

aquilo uma falta de respeito. Era um monte de homens, a maioria muito jovem, que

se achava dono do mundo, donos de Farofa. A fama do projeto e da MMX subiram à

cabeça. E eles achavam que podiam tudo. (Entrevistados 3). (Informação verbal)39.

Teve uma semana muito chuvosa e os ônibus não conseguiam chegar até o canteiro

de obras, para apanhar os operários. Então, eles vieram para a praça. Com o perdão

da palavra, mas isto ficou igual a um curral, com o barro pisoteado pelo gado. Com a

chuva fininha, o barro ia soltando das botas [...] e a praça se transformou em um

lamaçal. Fui obrigado a falar com o supervisor: `vocês não têm consciência, gente!?

Como vou receber os meus clientes? Minha porta é puro barro!’ Foi quando um dos

operários disse: ‘você fala assim porque não conhece o Rio de Janeiro [...]. Se fosse

no Rio (sic), você não falava assim’. [...] Eu conheço o Rio e vários outros estados.

38Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 39Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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Mas, aquilo era, na verdade, um abuso. Até hoje tem marca daquela terra vermelha no

poste da frente, onde eles batiam as botas, para tirar o barro. (Entrevistado 7).

(Informação verbal)40.

Como em todo processo interativo, existem os sujeitos que se adaptam à nova realidade

e procuram contingenciar os impactos decorrentes do acontecimento para domesticá-lo. Nesse

movimento, identificam oportunidades nos acontecimentos transformando-os em novos

possíveis, novas oportunidades. Em Farofa, para alguns moradores um novo futuro foi criado a

partir do projeto da MMX, conforme os depoimentos a seguir:

Eu não tinha nada contra aqueles meninos. Eram trabalhadores. Eles chegavam ao

restaurante meio sujos de barro, falando um pouco alto. E depois iam descansar na

praça. Acho que alguém reclamou da presença deles aqui no restaurante e na praça.

Mas, casa cheia é o que o comerciante quer. E a obra nos garantia isso. Casa cheia,

movimento. (Entrevistado 8). (Informação verbal)41.

Todo mundo ganhou. Nós ganhamos. Mas, não ouvimos os conselhos de alguns

chefes da MMX, que mandavam a gente ampliar o restaurante [...], por conta do

número de novos clientes que iriam chegar. Fizemos melhorias, mas foi com nosso

dinheiro. Sem dívidas Já pensou se tivéssemos seguido aqueles conselhos?

(Entrevistado 9). (Informação verbal)42.

Assim, considerando a implantação de um empreendimento há de se levar em conta que

a área de influência da organização não está circunscrita ao projeto de engenharia nem ao

cronograma de implantação – sequer assegura os sentidos construídos sobre os propósitos da

organização e do empreendimento em curso. Na dinâmica contemporânea das relações entre

empresas e comunidades, os atores constroem conjuntamente “processos interacionais em que

as expectativas geradas são formadoras de novas expectativas, num aprendizado contínuo sobre

as formas de relacionarem-se uns com os outros – uma relação materializada em discursos”,

como observa Oliveira:

Se num primeiro momento, a atuação assistencialista, por parte das empresas, bastava

às comunidades, e se a interação desordenada e, de certo modo, passiva, por parte das

comunidades, era esperada pelas empresas, hoje a realidade que se apresenta é diversa.

Empresas e comunidades têm expectativas e exigências mútuas e interdependentes –

de postura, de discurso, de atuação – que se apresentam de forma cada vez mais

estruturada e definida. Essa definição não está dada, mas é construída nos processos

de negociação entre os atores, ou seja, forja-se nas práticas comunicativas que

estabelecem. Por isso, defende-se a riqueza da compreensão desta relação a partir do

viés comunicacional e da busca de metodologias que possibilitem analisá-las.

(OLIVEIRA; LIMA; MONTEIRO, 2011, p. 4).

40Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11dez. 2015. 41Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11dez. 2015. 42Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11dez. 2015.

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São processos relacionais complexos e limitados, se explicados de forma totalizante,

relacionando-os apenas a nexos causais. Como nos lembra Duarte (2012, p. 101), o “irromper

do acontecimento retira o cotidiano do silêncio” e faz falar. De fato, haverá sempre algo a mais

ou a menos no acontecimento, seja na sua localização espaço-temporal ou na afetação do sujeito

– e que pode não ter sido previsto pela organização ou contemplado no planejamento de

comunicação, ensejando novos acontecimentos, pois, de acordo com Henriques (2015), quando

afetado, o público põe-se em movimento, no sentido de ganhar visibilidade. E mesmo que

restrito a um pequeno grupo, o público tende a se mostrar como representante de alguma opinião

e expandi-la, no sentido de ganhar adeptos, como veremos a seguir:

Evidentemente não se implanta um empreendimento daquele porte sem nenhum

impacto. Tinha muita gente de fora, circulação de dinheiro e isto atraía trabalhadores,

oportunistas, empreendedores, bandidos [...]. Vivo em Farofa desde que nasci. Não

precisávamos trancar a casa. Mas, as coisas mudam. Inclusive em relação à água. Hoje

o volume é menor. (Entrevistado 1). (Informação verbal)43.

Era um lugarzinho tranquilo. E virou ao avesso [...], principalmente na época das

chuvas. Misericórdia, esta praça virava um chiqueiro de porco, de tanta lama! A gente

teve que dar de cima deles. Ou era lama ou era poeira. Aí eles passaram a lavar a praça

e as ruas. Eu lavava minha portaria; a menina da farmácia chegou a chamar o

encarregado da obra, porque o chão nunca ficava limpo. (Entrevistado 6).

(Informação verbal)44.

Nesse processo, o esforço da organização e da comunidade para reduzir as

indeterminações e incertezas que marcam um acontecimento – materializando-se em ações de

contingenciamento – acaba por revelar uma complexa operação de construção e disputa de

sentidos.

A organização se mostrava bastante aberta ao diálogo. Nas reuniões gerenciais, as

demandas da comunidade eram tratadas com deferência e celeridade. Mas, o empreendimento

e seus problemas eram maiores, de acordo com o Entrevistado 1:

A situação era irreal. O distrito tem cinco mil pessoas e mais de três mil homens já

trabalhavam no canteiro de obras da MMX. A conta não fechava. Era preciso cuidado

na condução disso tudo, inclusive contando com o apoio da polícia. A convivência

com esses problemas foi muito difícil. A coisa foi ficando séria. E decidimos nos

organizar, para cobrar contrapartidas da empresa. A gente sabe que precisa do

minério, que o minério está presente na nossa vida e que não adianta lutar contra a

exploração. Mas, a exploração tinha que ser mais amena para o meio ambiente e para

nós aqui. (Informação verbal)45.

43Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 44Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10dez. 2015. 45Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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Como observa Babo-Lança (2012b), na recepção há “interpretação e apropriação ativas”

que se traduzirão na probabilidade ou na improbabilidade de o acontecimento se fazer notar, de

acontecer a, no sentido de fazer o sujeito agir e reagir sobre o que lhe ocorre. Assim, o poder

de afetação poderá ensejar o desenvolvimento de ações para reduzir sua contingência, de forma

a se buscar a normalização ou o processo de naturalização do acontecimento, que, segundo

enfatizam França e Lana (2008, p. 5), “rompe o decorrer da vivência comum, e sua contra-

efetuação busca apaziguar e reordenar o sentido da experiência ordinária”.

Uma vez que o acontecimento se realiza, revela descontinuidade e indeterminações não

previstas, sequer cogitadas, excedendo ao planejado e “alterando simultaneamente o horizonte

de expectativa e o campo dos possíveis” (BABO-LANÇA, 2012b, p. 15). Assim, numa

perspectiva contemporânea do processo, esses pequenos, micros ou pseudoacontecimentos que

gravitam em torno do evento principal – neste caso, o Projeto de Expansão Serra Azul –, são

capazes de demonstrar o quanto pode ser complexa a relação entre a organização que lidera a

implantação de um empreendimento e a comunidade que o sedia, provocando reverberações

para além do canteiro de obras. O Entrevistado 1 revela:

Nunca consegui ver o Eike como minerador [...]. Conhecíamos a empresa. Além das

informações passadas oficialmente, pesquisávamos muito. Tudo o que nos era

repassado, era checado. Eles só falavam coisas boas, mas não eram só coisas boas que

existiam. Era uma convivência pautada na desconfiança. Se o terreno custava R$ 100

mil por que eles chegavam a pagar R$ 400 mil? É porque tinham outras intenções.

(Informação verbal)46.

Quero manter uma boa relação, pois tenho um negócio e a MMX é uma cliente em

potencial. Preciso manter essa relação, para perder menos”. Entrevistado 7.

(Informação verbal)47.

Os impactos decorrentes de um empreendimento podem atravessar a vida de uma

comunidade, comprometendo sobremaneira sua estrutura formal – ou o fundo de continuidade

– sobre a qual se assenta a rotina dessa coletividade. Podem também gerar intrigas, melhor

dizendo, um enredo, de forma que a comunidade vai compondo sua cotidianidade, sempre

demonstrando que o acontecimento nunca acaba, mas vai sempre se construindo, a partir de

camadas de sentidos usados para reconfigurá-lo. Tal perspectiva pode ser identificada de forma

46Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 47 Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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clara na construção da narrativa sobre a suspensão do projeto e os sentidos construídos pelos

nossos entrevistado, como demonstrado a seguir.

4.3 A segunda vida do acontecimento: suspensão do projeto e sentidos construídos

Pela abordagem de Quéré (2012), a segunda vida do acontecimento se constitui na

transformação do que é vivido em narrativa, levando o sujeito a naturalizar a experiência para

sustentar a conversação. Na segunda vida do acontecimento, por meio da investigação, este é

organizado a partir de elementos cognitivos, ganhando novas camadas de sentidos. Quéré

(2012) nos fala ainda da necessidade de um mínimo de distância temporal para compreender

exatamente o que se passou. Para ele, os novos acontecimentos nos ajudam a compreender

passado e futuro.

Dessa maneira, para transformar o acontecimento em narrativa faz-se necessário

compreender os acontecimentos transcorridos. Esse, sim, é o caminho para se traçar novos

possíveis, pois, como nos apontam os autores citados neste trabalho, sob o ponto de vista do

presente somos capazes de fazer surgir um passado diferente e um novo futuro – entendimento

basilar para compreensão da percepção dos nossos entrevistados sobre a suspensão do Projeto

de Expansão Serra Azul, que nos fazem vislumbrar importantes questões e diferentes aspectos:

E o tempo foi passando e a MMX decidiu fechar as portas. Os boatos davam conta da

falência da empresa [...]. E eles nem explicaram para nós. Também, não precisava.

Dava para notar que as coisas não estavam saindo como pensavam. Eles vieram

oferecendo muitas vantagens [...]. Contratavam a toda hora, pagavam qualquer preço.

Era muita pompa. (Entrevistado 3). (Informação verbal)48.

A saída da MMX ficou no ar. Mas, acho que ela não tinha que dar explicações, tinha?

Não, não tinha. Eu montei um negócio, se não deu certo, devo fechar e ir embora. Não

tenho que dar satisfação da minha vida ruim para os outros. Por que faria isto? Seria

bom se a empresa ainda estivesse conduzindo o projeto. (Entrevistado 10).

(Informação verbal)49.

A saída da empresa foi uma coisa bem fria. Nem chegaram a conversar com a

comunidade. Acho que não se importavam com a gente aqui. O negócio para eles era

lá, no canteiro de obras. (Entrevistado 2). (Informação verbal)50.

48Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 49Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10dez. 2015 50Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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Algumas coisas você vê e precisa ficar calado [...], mas, tinham umas coisas

esquisitas. Aquela turma chegou com muita sede ao pote. Era muito dinheiro. Tudo

era grandioso. Era dinheiro, minério, altos salários. Isso não é possível. Você ganha

muito, mas por pouco tempo. (Entrevistado 10). (Informação verbal)51.

Analisando os depoimentos dos entrevistados percebe-se o exercício para compreender

a suspensão do Projeto de Expansão Serra Azul por meio de uma narrativa construída sobre

interesses variados, revelando dinâmica análoga à implantação, quando negociações, pactos e

consensos estabelecidos entre a organização e diferentes atores pautaram o relacionamento, o

que permite entendimentos diversos sobre o desfecho do Projeto de Expansão Serra Azul, como

ilustrado no depoimento do Entrevistado 10, destoante dos demais, mas revelador: “neste

momento, as pessoas só estão contando o quanto perderam; ninguém se lembra de contar o

quanto ganhou”.

O fato é que entre os dez entrevistados selecionados, a maioria evidenciou os impactos

decorrentes do empreendimento como geradores de perdas variadas. À medida que falavam do

empreendimento, os entrevistados pareciam alinhavar ponto a ponto na conversa, agrupando

detalhes para colocar o acontecimento em ordem. “Você acredita que passei praticamente três

dias sem sair de casa, por conta de uma galeria aberta em frente à minha varanda?!”,

manifestou-se o Entrevistado 3, seguido pelo conterrâneo:

Passados quase cinco anos da audiência pública, realizada no dia 22 de março de 2011,

sou convicto de que o empreendimento não era viável, embora tenha contraído dívida

significativa para eu me organizar e aproveitar da boa demanda gerada pela MMX.

Ninguém acreditava naquele empreendimento. (Entrevistado 7). (Informação

verbal)52.

Tal compreensão, aparentemente tardia, encontra sentido na afirmação de Quéré (2012,

p. 26): “de fato, é ‘voltado para trás’, que produzimos a inteligibilidade dos acontecimentos”.

Por meio da experiência, os acontecimentos são fonte também de compreensão sobre o mundo,

sobre as coisas que nos cercam. Como pontua França (2008), o acontecimento abala pontos de

vista estabilizados e suscita novos arranjos. A pesquisadora assinala que:

[...] devemos nos perguntar não apenas pelos sentidos abertos pelo acontecimento,

mas também pela sua incidência; para além da desorganização que ele provoca, pela

modificação de quadros de sentido, pelo estabelecimento de novos níveis de

aprendizado – por um outro patamar de experiência. (FRANÇA, 2012, p. 49).

51Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10dez. 2015. 52Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11dez. 2015.

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Nesse sentido, o acontecimento pode resultar também em novos níveis de aprendizado

– uma maneira de conhecer suas potencialidades e consequências, para controlar sua aparição.

(QUÉRÉ, 2012). No Projeto de Expansão Serra Azul, a relação dos atores sociais com a

organização indica para esse caminho, como demonstram os depoimentos dos entrevistados:

Desconfiança é a palavra que caracterizou toda a relação. A chegada da MMX aqui

foi um marco. Tudo que acontece, a gente aprende, [...] a gente amadurece.

Aprendemos mais com os que nos dá trabalho e nos faz sofrer[...]. Aprendemos que

as coisas não são para sempre. Olha o tamanho dessa empresa, e ela faliu [...]. Dois

anos depois temos uma visão mais crítica. Desde a chegada, fiquei um pouco

desconfiada. [...] a política da boa vizinha, aquele discurso filosófico, até que todos

sumiram. (Entrevistado 1). (Informação verbal)53.

Passados dois anos, a vida está voltando ao normal. Todo mundo foi se ajustando.

Pensava que isto aqui iria se transformar em uma cidade. Temos mais desempregados,

mas acho que isto está pra todo lado. Mas, aprendemos uma lição. Os jovens têm que

buscar qualificação. [...] e a comunidade tem de fazer as coisas com pé no chão. Quem

apostou naquele discurso, quem investiu pensando no projeto, dançou. Quem foi com

cautela, sobreviveu. Mas, a culpa não é da MMX. Ela fala o que ela quiser. [...]. Você

tem que ir de acordo com a onda, se lutar com a maré, você morre afogado.

(Entrevistado 10). (Informação verbal)54.

Como observa Lage (2013), os acontecimentos ganham matizes distintas a cada vez que

são relatados, rememorados – e de acordo com sentidos específicos criados pelo sujeito afetado.

Além da descontinuidade, eles podem exceder ao previamente calculado. No entanto, tão logo

o acontecimento surge os sujeitos buscam estabelecer a (re) constituição do mundo, procurando

no passado anúncios de sua ocorrência. (QUÉRÉ, 2012). E situar o acontecimento como

ocorrência desencadeadora de sentidos é percebê-lo dando forma, organizando sentidos

dispersos, contraditórios, suscitados por ocorrências, ações e intervenções, como destaca Vera

França (2012). É ainda a possibilidade de desencadear outros campos de ação e de possíveis.

Nesse sentido, a partir dos entrevistados, o processo de celebrização do empreendedor

Eike Batista, sócio controlador da MMX, parece ter reverberado em Farofa, assumindo, na

segunda vida do acontecimento, vieses de julgamento moral e de juízo de valor. O desfecho do

Projeto de Expansão de Serra Azul estaria, de alguma forma, relacionado à exacerbação da

dimensão de grandeza, do superlativo, com a qual o empresário rubricava seus

empreendimentos. “A coisa subiu à cabeça. Eles incorporavam o jeito do chefe”, de acordo com

o Entrevistado 5. (Informação verbal)55.

53Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11nov. 2015. 54 Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10 dez. 2015. 55Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10 dez. 2015.

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Assim, expressões como o “expoente da modernidade na economia brasileira” ou a

“nova cara do capitalismo brasileiro” (FREIRE; CASTELLANO, 2012, p. 193) –

recorrentemente usadas pela imprensa brasileira para denominar o empreendedor –, deram lugar

a outras como, por exemplo, “nariz em pé”, “arrogância” e “soberba”, para determinar não só

o comportamento do empresário, mas principalmente dos empregados da MMX e prestadores

de serviço da organização, como acentuam os entrevistados selecionados para esta pesquisa.

Tais características nos remetem ao conceito de enquadramento trabalhado por Goffman

e França, pois podemos perceber que a grandeza, o superlativo, o avanço de fronteiras se

enquadravam na ordem dos empreendimentos liderados pelo empresário Eike Batista. E a

escolha do enquadramento, como observa França (2011, p. 68), “depende não apenas da

situação específica (da ocorrência que aciona o quadro), mas do contexto social mais amplo e

do conjunto de valores que permeiam e se mostram dominantes num determinado momento de

uma sociedade”.

O pesquisador Rodrigues, citado por Simões (2012), nos lembra que o homem usa a

linguagem para preencher de sentidos o abismo que o separa do mundo. “Pela linguagem,

experiência simbólica por excelência, o homem prossegue o ilimitado trabalho de

preenchimento deste abismo e a elaboração de um sentido para o enigma da vida”.

(RODRIGUES apud SIMÕES, 2012, p. 90).

Assim parece que age a comunidade de Farofa para falar da suspensão das obras de

implantação da usina, sempre referenciando a elementos simbólicos usados no posicionamento

da chegada da MMX, ainda no âmbito do acontecimento-existencial, reelaborados na segunda

vida do acontecimento, conforme registram os depoentes:

Não acreditava no Eike pela simples razão: sou um cristão [...]. Quando uma pessoa

chega a público pra dizer que é o tal, que não depende de ninguém, ela não vai pra

frente. Deus tem que dar a permissão. [...]. Eram muito arrogantes. Eles chegaram

pisando alto. O discurso não convenceu, porque é preciso se prudente. É difícil

explicar, mas tem um ditado que diz que o ‘santo quando vê muita esmola, desconfia’.

Para eles, nada tinha preço. Não estavam racionando direito. Não tinha jeito de dar

certo. Eles estavam dando um tiro no escuro. A impressão que se tinha é que era

preciso gastar o dinheiro do homem. (Entrevistado 6). (Informação verbal)56.

O Eike deu muitos passos maior (sic.) que as pernas dele. Ele arriscou demais [...].

Arriscou com dinheiro que ele não tinha [...]. (Entrevistado 1). (Informação verbal)57.

Eles foram com muita sede ao pote. Quanta arrogância! Agiam como se fossem donos

da situação. (Entrevistado 10). (Informação verbal)58.

56Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10dez. 2015. 57Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015. 58Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 10dez. 2015.

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Eles queriam mandar no meu negócio. Era pra fazer isso, fazer aquilo. Mas, o negócio

era meu. Fiz muita coisa a mando deles. Fiquei com a dívida. (Entrevistado 7).

(Informação verbal)59.

Sinto pelas pessoas que estão desempregadas. Mas, depois que a MMX saiu, a vida

ficou mais simples em Farofa. (Entrevistado 9). (Informação verbal)60.

Tais percepções nos remetem ao trabalho das pesquisadoras Oliveira e Paula (2008),

quando assinalam que o fenômeno comunicativo é sempre marcado pelos contextos social e

histórico, constituindo-se o que se compreende por cultura. Dessa forma, o contexto assume

papel singular na construção dos sentidos – este, sim, o princípio da realidade comunicacional

que pode escapar ao planejamento e ao controle das organizações, pois subjaz a uma ordem

anterior – a ordem da produção do conhecimento.

Em linha com Oliveira e Paula, a ressignificação dada pelos moradores de Farofa aos

propósitos da organização expressos no seu posicionamento, como registrado nas entrevistas,

parecem nos indicar para a falta de controle sobre os sentidos criados para os impactos

decorrentes da implantação de empreendimentos do porte do Projeto de Expansão Serra Azul -

ou as reverberações de um acontecimento industrial.

Igualmente relevante é observar que o acontecimento terá a duração do seu poder de

afetação sobre o sujeito (QUÉRÉ, 2005). Ou seja, mesmo após a conclusão das obras seus

impactos podem continuar sendo reverberados, com reflexos inclusive na formação da

reputação da organização que liderava o empreendimento, ou pautando as conversas do

cotidiano, as discussões sobre o tema em outros fóruns, incluindo comunidades que sediarão

projetos semelhantes.

Antunes e Vaz comparam a reverberação de um acontecimento à propagação de uma

onda. Embora tratasse do movimento midiático, a comparação dos autores, na perspectiva aqui

trabalhada, é bastante adequada para exemplificar o poder de afetação da implantação de um

empreendimento industrial numa pequena comunidade. Segundo eles,

[...] o movimento midiático, propulsor do acontecimento, é como a formação e

propagação de ondas que começam em algum lugar e seguem crescendo e se

movimentando até se tornar uma grande onda que sai varrendo. Depois do impacto da

onda na praia, pode-se observar o que dela resultou. A onda deixa sua marca na praia,

modificando a forma e o relevo da areia. (ANTUNES; VAZ apud VAZ, 2012, p. 110).

59Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11dez. 2015. 60Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11dez. 2015.

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Assim, nos parece que a dinâmica da implantação de um empreendimento industrial,

capaz de atravessar o vivido de uma comunidade, é complexa por natureza. E por mais que seja

constante na sociedade contemporânea, especialmente em contextos econômicos favoráveis,

assim como o acontecimento da ordem hermenêutico, o processo terá sempre um aspecto

novidadeiro, único. E a recorrência dos impactos não esvazia o acontecimento de sentidos: será

sempre resultado do contexto e da recepção pelo sujeito.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho de pesquisa foi motivado pelo desejo de conhecer, na perspectiva do

sujeito, o impacto da implantação de grandes empreendimentos nas pequenas comunidades, no

entendimento de que esses impactos incidem mais fortemente na vida das pessoas comuns,

perfil que nem sempre está habilitado a se candidatar aos benefícios dos projetos industriais

justamente pela baixa escolaridade e qualificação profissional.

Para tanto, procuramos configurar a implantação de um empreendimento industrial

como acontecimento da ordem hermenêutica, a partir do estudo do Projeto de Expansão Serra

Azul, para implantação da primeira usina de processamento de itabirito compacto no Brasil, na

comunidade de Farofa, município de São Joaquim de Bicas, localizado na Região Metropolitana

de Belo Horizonte.

Esse projeto foi marcado por dois movimentos singulares, tratados nesta dissertação

como duplo acontecimento: a chegada do empreendimento a Farofa e sua suspensão menos de

um ano após iniciadas as obras. O fechamento do canteiro de obras, sem comunicado formal

aos moradores, é atribuído à crise que se abateu sobre as empresas do Grupo EBX, do

empresário brasileiro Eike Batista, incluindo a MMX, que desenvolvia o empreendimento.

A partir das reflexões de Haddad (2006), parece incontestável a capacidade de um

empreendimento minerário alavancar o desenvolvimento de uma comunidade, como também

parece irrefragável a delicadeza dessa relação, o que acaba por dificultar o estabelecimento de

um plano de convivência – se visto tão somente no contexto da gestão, marcado,

principalmente, pela crença de que o sucesso no processo de comunicação se dá pela eficiência

na transmissão e recepção.

O que nos parece é que um acontecimento industrial começa a se produzir ainda no

âmbito da organização. Decidido o local, a rotina do cidadão que lá reside, a narrativa diária e

os novos possíveis se alteram sobremaneira. Do despertar ao adormecer, a comunidade estará

sempre sujeita a pequenos, micro ou pseudoacontecimentos, fazendo com que cada movimento

da organização ou comentário – do executivo, no mercado, ao do “peão”, no canteiro de obras

- ganhe camadas de sentidos que se sobrepõem e ressignificam continuamente o

empreendimento/acontecimento.

E o potencial de reverberação desses movimentos será proporcional à capacidade de

afetação dos públicos, desfazendo o entendimento funcionalista de que os sentidos sobre os

benefícios e impactos de um empreendimento se definem ainda no projeto de engenharia, nos

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relatórios ambientais e nos planos de comunicação. Haverá sempre algo a mais ou a menos no

acontecimento em si, como enfatizam os autores sobre os quais nos baseamos para realizar a

fundamentação teórica deste estudo de caso.

O esforço da organização e da comunidade – para reduzir as indeterminações e

incertezas que marcam a implantação de um empreendimento – acaba por revelar também uma

complexa operação de construção e disputa de sentidos, evidenciando o acontecimento como

palco de encontro, interação e confrontação, como nos lembra Quéré (2005).

Assim, para além das práticas discursivas, a instalação de empreendimentos industriais,

sobretudo aqueles de alto impacto ambiental, tem-se revelado cada vez mais complexa no

mundo contemporâneo. Parece imbricar interesses diversos, representados por diferentes atores

sociais que têm exigido posturas mais sensíveis das organizações. Nesse contexto, o

empreendimento, tratado na perspectiva do acontecimento, demanda um olhar ampliado da

Comunicação Organizacional, pois, de acordo com França (2012, p. 20), o acontecimento

“suscita a não conformação, a não renovação – e esta é, sobretudo, do pensamento”.

Tal entendimento sugere, por conseguinte, enxergar a implantação de um

empreendimento como algo maior e mais complexo que os processos comunicacionais

determinados pelos órgãos ambientais. Tomando-o como acontecimento da ordem

hermenêutica, acreditamos na possibilidade de se obter olhar renovado sobre a dinâmica que

pauta a instalação de grandes projetos de engenharia e a convivência com a comunidade do

território selecionado para sediá-lo.

Dessa maneira, as reflexões aqui realizadas buscam fazer dialogar conceitos e práticas

de forma a iluminar as questões que perpassam a implantação de um empreendimento

industrial, na perspectiva dos sujeitos e de uma comunidade. Igualmente importante é

considerar que o comportamento das organizações e das comunidades será sempre resultado da

escolha de um conjunto de valores que, em determinados momentos, podem suplantar outros

(FRANÇA, 2015), o que nos faz crer que as formas de condução desses empreendimentos

industriais serão sempre resultado de escolha entre valores.

Nessa direção também caminha nossa reflexão sobre os sentidos construídos pela

comunidade do distrito de Farofa para compreender a suspensão do Projeto de Expansão Serra

Azul: são resultados da escolha entre valores sobre os quais nos fala a pesquisadora Vera

França. A pesquisadora (2015, p.1) observa que esse quadro de valores não é homogêneo e

nem sempre harmônico, “pois múltiplos valores circulam e se fazem valer num ambiente

social”. Mas, são eles que orientam nossas condutas, fazendo com que uma sociedade se mova

de maneira “concertada”. França entende que em alguns momentos tais valores são

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“contraditórios e coexistem sob a forma de tensão e conflito”. E a disputa não se dá de forma

equilibrada, pois os valores têm pesos diferentes: “eles estão hierarquicamente organizados, e

alguns, situados em níveis inferiores, atuam apenas e na medida em que não contradizem

valores hegemônicos, ou dominantes”. (FRANÇA, 2015, p. 1).

Recorrer às reflexões realizadas por França (2015) sobre valores é um modo de reforçar

o entendimento sobre a relação estabelecida entre organização e comunidade, em Farofa. Além

de evidenciar uma correlação desigual de forças, evidencia também a complexidade da

atividade minerária, na perspectiva das comunidades vizinhas ao empreendimento. “O povo

não tinha noção do tamanho dessa obra. Sequer tinha ideia do que é um britador funcionando.

Seria um inferno. A solução seria a empresa comprar a cidade”, conta o Entrevistado 7,

demonstrando a real extensão dos impactos da operação. (Informação verbal).61

Usuária da mineração no mundo contemporâneo, a sociedade de consumo nos expõe a

situações como a tratada neste estudo de caso, tornando pertinente o questionamento que França

(2015, p.3) nos faz: “estaríamos nós dispostos a encarar mudanças no nosso próprio modo de

vida? Dispostos a questionar modelos e valores que endossamos em nossos pequenos espaços

de vida”?

Além da configuração da implantação de empreendimentos industriais como

acontecimento da ordem hermenêutica, dada a sua capacidade de atravessar o vivido do sujeito,

conformando experiência e criando novos possíveis, acreditamos que dois achados principais

ao longo da análise também podem contribuir para as reflexões futuras acerca do acontecimento

industrial e tudo que dele reverbera, especialmente se considerarmos a perspectiva da

Comunicação Organizacional: o papel dos profissionais responsáveis pela interlocução com a

comunidade e o acontecimento como via para o estabelecimento de um processo interacional.

Ao longo de quase 16 horas de entrevistas realizadas em Farofa, apenas dois nomes

foram citados com frequência: o do empreendedor Eike Batista e o do profissional que fazia a

interface com a comunidade à época. “Ele era a pessoa que nos ligava à organização, que nos

ajudava a compreender todo aquele movimento”, afirma o Entrevistado 1, lembrando que esse

profissional especificamente foi o único que voltou a Farofa depois que o projeto foi suspenso.

(Informação verbal).62

Ao mesmo tempo em que reforça o caráter dialógico desse tipo de relacionamento,

evidencia-se, por outro lado, a visão reducionista que algumas organizações ainda têm sobre o

61Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

62Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em Farofa (MG) em 11 nov. 2015.

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papel da Comunicação, limitando as ações de seus profissionais a uma perspectiva

funcionalista. No exemplo apresentado acima questiona-se uma ambiguidade: se o profissional

tem o poder de dialogar, não seria adequado conceder-lhe também o poder de negociação? O

questionamento é feito a partir do entendimento de que a função da comunicação é mediar não

como instrumento, mas com poder de negociação.

O segundo ponto evidenciado por este trabalho de pesquisa diz respeito à capacidade de

o acontecimento estruturar em torno de si processos interacionais. A partir de Quéré (2005),

que trata o acontecimento como palco de encontro, interação, confrontação e determinação

recíproca, nos perguntamos: como as comunidades se organizam para acompanhar esses

empreendimentos que alteram tão intensamente o seu cotidiano?

Não se propõe avaliar aqui a atuação da Comissão de Acompanhamento de Obras

(COMPAC), uma condicionante criada a pedido da comunidade de Farofa para o Projeto de

Expansão Serra Azul, mas evidenciar a iniciativa, que pode servir de exemplo para outros

empreendimentos, especialmente se sua criação constar ainda na produção do EIA/RIMA.

Nossa crença é que tal iniciativa poderá se traduzir em um modelo de participação ativo da

comunidade, capaz de indicar caminhos que tornem os processos de implantação de grandes

empreendimentos industriais mais participativos e dialógicos.

Como diria Quéré (2005), o poder de revelação é maior quando o acontecimento é

adverso, quando faz vir à tona o que incomoda, o que precisa de solução. E pensando na prática

da Comunicação Organizacional, a trajetória conceitual desenvolvida ao longo deste trabalho

indica que a implantação de um empreendimento industrial pode, sim, configurar-se como

acontecimento e gerar novas possibilidades. Irá durar enquanto promover intrigas. A cada

movimento, o empreendimento, em seus tempos e movimentos, será capaz de provocar novos

sentidos – e indicar que os acontecimentos, mesmo adversos, são de certa maneira,

domesticados, para que a vida siga seu rumo. Acredita-se que assim será em Farofa.

Em novembro de 2015, mais de dois anos após a suspensão do Projeto de Expansão

Serra Azul, o canteiro de obras em Farofa permanecia fechado. O empresário Eike Batista já

não fazia mais parte da lista da Forbes como um dos homens mais ricos do mundo – sequer do

Brasil, embora continuasse milionário. Naquele período, o empresário respondia a processo

judicial sob a acusação de operações irregulares no mercado acionário.

Os grupos Trafigura e Mubadala, que eram controladores do Superporto Sudeste,

também assumiram a MMX Sudeste como parte do plano de recuperação judicial da empresa.

Em função disso, a comunidade de Farofa já fomentava especulações a respeito da retomada

do Projeto de Expansão Serra Azul.

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Ao mesmo tempo, a comunidade realizava as discussões iniciais para organizar ainda

no primeiro semestre de 2016 mais um Festival da Farofa. E embora tenha decidido não

participar de mais nenhum certame, a Entrevistada 3 nos revela o segredo para preparar uma

boa farofa: a substituição da farinha de mandioca pelo fubá torrado.

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ANEXO 1 – Fato Relevante (Recuperação Judicial)

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ANEXO 2 – Roteiro de entrevistas

Projeto de Expansão Serra Azul – Roteiro para entrevistas

Informação Básica: implantação da primeira usina de beneficiamento de itabirito compacto do

Brasil, com investimento inicial de cerca R$ ,5 bilhões, para produzir 29 milhões de toneladas

de itabirito compacto, com geração significativa de impostos e 7000 empregos terceirizados no

pico das obras, bem como melhoria na qualidade de vida da comunidade. Menos de um ano

depois das obras iniciadas, a implantação do projeto foi suspensa, sem posicionamento formal

da organização.

Pontos a serem explorados:

1. A chegada do empreendimento a Farofa.

a) identificar e analisar a forma com que a

comunidade apreendeu o discurso da organização

sobre a implantação do projeto e os benefícios

apresentados.

2. A convivência entre a comunidade, o

empreendimento e a organização.

a) identificar as bases dessa convivência e

aspectos que indicam alteração/ruptura da rotina

da comunidade com as obras de implantação da

usina;

b) identificar possíveis impactos do

empreendimento na rotina da comunidade;

c) identificar a percepção de acolhida das

demandas da comunidade/sujeito pela

organização.

3. Suspensão do projeto

a) como a comunidade agiu e reagiu sobre a

suspensão do projeto?

b) quais as percepções da comunidade sobre a

forma que a MMX tratou a suspensão do

empreendimento?

4. Os sentidos construídos

a) identificar os sentidos construídos pela

comunidade por ocasião do fechamento do

canteiro de obras;

b) identificar elementos que indiquem a

construção de novos possíveis dessa comunidade,

a partir da decisão da organização de suspender as

obras.

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