Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS
LÚCIO HANAI VALERIANO VIANA
OS MEGAEVENTOS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO:
ANÁLISE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (BRASIL)
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2018
LÚCIO HANAI VALERIANO VIANA
OS MEGAEVENTOS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO:
ANÁLISE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (BRASIL)
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2018
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais em
cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção
do título de Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
Orientadora: Profa. Dra. Lucia Maria Machado Bógus
SÃO PAULO
2018
“No fundo de nossa intranquilidade presente encontramos
esta verdade simples: sabemos onde estão os erros de
nosso desenvolvimento desordenado, sabemos que está a
nosso alcance poder erradicá-los ou minorá-los, e temos
consciência disso. Não é por outra razão que nos sentimos
responsáveis e intranquilos.”
Celso Furtado (A pré-revolução brasileira)
Aos meus pais, Fernando e Tomoe, por terem
orientado os meus passos.
Aos meus irmãos e familiares, cujo incentivo
e apoio sempre me foram certos.
A Karine, minha esposa e companheira de
todas as horas.
Agradeço ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ) pela concessão da
Bolsa de Estudo Integral (140058/2014-1) que permitiu a realização
dessa pesquisa.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ) pela concessão da Bolsa
Taxa no ano de 2017 (88887.152228/2017-00).
Ao Programa Erasmus Mundus (SMART² Project
SmartCities & SmartGrids for Sustainable Development) pela Bolsa de
Doutorado Sanduíche realizado em Lisboa - Portugal (Outubro de 2016 a
Outubro de 2017).
AGRADECIMENTOS
Agradeço em especial a minha querida orientadora Lucia Bógus pelas
orientações, acolhimento e incentivo ao longo de cinco longos anos. Sem o
seu integral apoio, este trabalho não se realizaria.
Remerceio o meu amigo e professor Francisco Fonseca. Mais do que uma
referência, um exemplo de competência e ética compromissada.
Às professoras Angélica Alvim e Mônica de Carvalho sou grato pelas
orientações prestadas em momentos cruciais deste trabalho. Meu especial e
carinhoso agradecimento.
Agradeço ao Professor José Geraldo a oportunidade do meu primeiro estágio
durante o curso de Ciências Sociais na empresa Diagonal Urbana. Talvez ali
tenha me despertado a sensibilidade para as questões sociais que hoje
tornam-se objeto de estudo desta tese.
A Cristina Lopez Villanueva um especial obrigado pela atenção e acolhimento
no período enriquecedor na Universidade de Barcelona. Os valiosos
conhecimento e contatos transmitidos foram fundamentais para a elaboração
deste trabalho.
Ao Professor Fernando Nunes da Silva pelo profícuo período no Instituto
Superior Técnico de Lisboa e a sua inestimável secretária Rosa Nunes,
sempre disposta a ajudar.
Às professoras Marisa Borin e Suzana Pasternak por aceitarem, como
suplentes, fazer parte de minha Banca Examinadora e por terem feito parte
de minha trajetória. À Maria Amélia Corá pela disposição e pelo incentivo
ates mesmo do início dessa jornada.
Sou grato a todos os profissionais que me dedicaram tempo e atenção em
longas entrevistas que por vezes se confundiram com prazerosas conversas:
Jordi Borja (Arquiteto e urbanista – idealizador das Reformas Urbanas para
os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992); Marc Pradel Miquel (Professor do
Departamento de Sociologia da Universidade de Barcelona); Xavier Roig
(CEO e Consultor Jogos Olímpicos de Barcelona e Rio de Janeiro); Luís
Vassalo Rosa (Arquiteto e urbanista - diretor dos serviços de planejamento e
gestão urbanística da Expo'98 - Lisboa); Jorge Gonçalves (Coordenador e
professor do Mestrado em urbanismo e ordenamento do território do Instituto
Superior Técnico de Lisboa) e Cerianne Robertson (Coordenadora de
pesquisa e editora do RioOnWatch).
Agradecimento mais do que especial à Katia Cristina da Silva e Rafael Diego
Garcia, secretários do Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP. Mais
do que funcionários, são pessoas que fazem a diferença no, por vezes
pesado, cotidiano acadêmico.
Sou grato a Ágata Nicolau e Ana Barbosa (secretárias do Programa Erasmus
no Instituto Superior Técnico de Lisboa) pelo carinho e atenção dispensados
ao longo de um ano.
A todos os Professores do Programa de Ciências Sociais da PUC-SP, em
especial ao Prof. Luiz Eduardo W. Wanderley, a Profa. Maura Pardini Bicudo
Véras, a Profa. Vera Chaia e ao Prof. Rafael Araújo, por compartilharem os
seus valiosos conhecimentos dentro e fora de sala de aula.
Sou grato a todos os meu amigos e colegas da pós-graduação, em especial
ao Edney Mota Almeida pela amizade fraterna ao longo de cinco anos; aos
meus amigos Moisés de Freitas Cunha, Steve Batista Ramos, Natureza
Vieira, Suellen Costa, Paula Calca, Roberta Abalen Dias, Rogério Tineu,
Thaís Novais de Curtis, Janaina Dourado, Merilyn Escobar, Karen Marcelja e
Lineu Francisco de Oliveira. Agradeço, em especial, a Elis e Silva de Lima
pelos enriquecedores diálogos sobre temas tão importantes que por vezes
nos escapam ao olhar.
Aos meus irmãos Patrícia e Lívio por serem os meus exemplos ao longo da
vida. Ao Srs. Hermínio Monteiro e Jason Gomes de Abreu (in memoriam)
pelo carinho de sempre. A Fernanda Batista que ao longo dessa jornada nos
presenteou com o nosso querido e amado Arthurzinho.
Aos amigos Júlio e Sueli Kaplar pela amizade pacienciosa. Ao Fábio Lobão e
Demilson Silva por toda a compreensão nos momentos de ausência.
Por fim, agradeço o apoio e compreensão de todos os amigos e familiares,
em especial ao Srs. Airton e Célia Rodrigues da Luz pelo incentivo, atenção e
carinho no acompanhamento de minha trajetória.
Resumo
Este trabalho analisa os efeitos sociais e econômicos em cidades que
promoveram profundas reformas urbanas para sediar megaeventos de
reconhecimento global, especialmente a cidade do Rio de Janeiro (Brasil).
Para tanto, optou-se pela realização de entrevistas em profundidade com
técnicos e especialistas envolvidos direta e indiretamente nas transformações
urbanas ocorridas nas cidades de Barcelona (Espanha) por ter sediado os
Jogos Olímpicos de 1992; na cidade de Lisboa, em função da Exposição
Mundial de 1998 (Expo’98) e na cidade do Rio de Janeiro em virtude de sua
experiência recente na realização dos Jogos Olímpicos de 2016. Analisou-se
a cidade do Rio de Janeiro, objeto desse estudo, notadamente quanto a sua
agenda política, aqui considerada fundamental para o entendimento dos
propósitos a serem alcançados pelas reformas urbanas demandadas pela
realização dos Jogos Olímpicos de 2016. Buscando responder aos objetivos
de analisar o teor político e ideológico que circundam os megaeventos, esta
pesquisa concentra sua análise nas relações de poder e interesses que
circunstanciaram a candidatura e eleição da cidade carioca. Na mesma
perspectiva, com vistas a identificar a influência do Comitê Olímpico
Internacional (COI) na gestão de políticas urbanas associadas aos
megaeventos, optou-se por analisar fontes documentais (Report of the 2016
IOC Evaluation Commission, e Olympic Charter) com o intuito de averiguar a
qualidade de suas demandas, contrapartidas e recomendações. Por se tratar
de um tema multidisciplinar, o referencial teórico perpassa por diversas áreas
do conhecimento. As abordagens teóricas concentram-se no campo da
sociologia urbana, das políticas públicas. Constatou-se, do ponto de vista da
administração pública, elevado interesse pela valorização imobiliária como
forma de reaver as inversões empenhadas para a realização dos
megaeventos. Esse tipo de gestão demonstrou a tendência à concentração
espacial da renda fazendo agravar as desigualdades sociais na cidade.
Percebeu-se forte influência de modelos urbanísticos forâneos, notadamente
o Modelo de Barcelona, caracterizado pela apropriação de mais-valia
fundiária e por transformar espaços públicos de uso misto em áreas restritas
às classes sociais mais abastadas. Verificou-se que as estratégias para a
realização de megaeventos obedecem a uma dinâmica padrão que
condiciona o desenho das políticas públicas de intervenção urbana à lógica
do “custo-benefício” (considerando apenas os aspectos quantitativamente
mensuráveis) em detrimento dos interesses sociais. Revelou-se que as
estratégias de realização de megaeventos são marcadamente voltadas aos
interesses do mercado imobiliário e se apoiam em práticas gerenciais
amplamente representadas pelo ideário neoliberal.
Palavras Chave: Megaeventos; Jogos Olímpicos; políticas públicas urbanas;
gestão pública.
Mega events in urban space production:
analysis of the City of Rio de Janeiro (Brazil)
Abstract
This work analyzes the social and economic effects in cities that promoted
deep urban changes to host mega events of global acknowledgement,
especially in the City of Rio de Janeiro (Brazil). For this, the option was to
conduct in-depth interviews with the technicians and experts directly and
indirectly involved in the urban transformations which occurred in Barcelona
(Spain) for having hosted the 1992 Olympic Games; in Lisbon, for the 1998
Lisbon World Exposition (Expo’98) and in Rio de Janeiro due to its recent
experience in hosting the 2016 Olympic Games. The City of Rio de Janeiro,
object of this study, was analyzed notedly regarding its political agenda, here
considered essential for understanding the goals to be attained by the urban
changes demanded for hosting the 2016 Olympic Games. Seeking to meet
the aims of analyzing the political and ideological contents surrounding the
mega events, this research focuses on the analysis of the relations of the
power and interests circumscribing the application and election of the city. In
the same perspective, aiming to identify the influence of the IOC in the
management of urban public policies associated to mega events, the option
was to analyze documentary sources (Report of the 2016 IOC, Olympic
Charter) aiming to investigate the quality of its demands, counterparts and
recommendations. For being a multidisciplinary theme, the theoretical
framework permeates different knowledge areas. The theoretical approaches
are concentrated on the urban sociology field, on public policies and on the
neoclassical economics theory. From the public administration viewpoint, a
great interest for real estate valorization could be verified as a way of
regaining the investments made for carrying out mega events. This kind of
management demonstrated the trend of spatial concentration of income,
causing an aggravation in the city social inequalities. A strong influence of
foreign urban models was observed, notedly from the Barcelona Model,
characterized by the appropriation of capital gains on land and for
transforming mixed-use public spaces into areas restricted to the wealthier
social classes. The strategies for promoting mega events were verified to
follow a standard dynamic which conditions the design of public policies of
urban intervention to the “cost-benefit” logic (solely considering the
quantitatively measurable aspects) to the detriment of social interests. The
strategies for carrying out mega events were revealed to be markedly turned
to the interests of the real estate market supported on managerial practices
widely represented by neoliberalism.
Keywords: Mega events; Olympic Games; urban public policies; public
management.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Esquematização - fluxos múltiplos de John Kingdon...................66
Figura 2 – Avenida Diagonal – Barcelona (Espanha) ...................................81
Figura 3 – Manifestação contra o turismo na cidade de Barcelona...............83
Figura 4 – Zona Oriental da cidade de Lisboa (Antes da construção do
Parque Expo’98) ...........................................................................................93
Figura 5 – Porto Maravilha: antes e depois de revitalizado.........................129
Figura 6 – Porto Maravilha: reconfiguração das áreas após a intervenção
urbana para a realização dos J.O. 2016.......................................................131
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 – Avenida Diagonal – Barcelona (Espanha) ....................................80
Mapa 2 – Principais edifícios da Expo’98 – Parque das Nações Lisboa
(Portugal) ......................................................................................................96
Mapa 3 – Porto Maravilha – situação fundiária............................................130
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Melhores Práticas versus Inovação...........................................74
Quadro 2 – Chegadas turísticas em Barcelona (1991 – 2004).....................85
Quadro 3 – Arranjo institucional-financeiro - Projeto Porto Maravilha.........134
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Participação dos setores da economia no
emprego.........................................................................................................47
Gráfico 2 – Realização dos Jogos Olímpicos por região do planeta entre o
período de 1896 a 2028................................................................................103
Gráfico 3 – Realização dos Jogos Olímpicos de Inverno por região do
planeta entre o período de 1924 a 2022.......................................................104
Gráfico 4 – Realização Copa do Mundo FIFA por região do planeta entre o
período de 1930 a 2022................................................................................105
Gráfico 5 – Orçamento total dos J.O. no R.J. por finalidade (em bilhões
R$)................................................................................................................109
Gráfico 6 – Orçamento previsto para a realização dos Jogos Olímpicos 2016
nas cidades candidatas................................................................................123
Gráfico 7 – Preço médio anunciado por cidade - venda (R$/ m²) em
Dezembro/2016............................................................................................139
Gráfico 8 – Evolução do preço médio anunciado no Rio de Janeiro - Venda
(R$/ m²) 2011 - 2016.....................................................................................140
LISTA DE SIGLAS
AID - Associação Internacional de Desenvolvimento
ANCOP - Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa
APO - Autoridade Pública Olímpica
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BRIC’s - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa)
CCJ - Comissão de Coordenação dos Jogos
CCQ - Círculos de Controle da Qualidade
CDURP - Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária
CEF – Caixa Econômica Federal
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
COJO - Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos
COI - Comitê Olímpico Internacional
CON - Comitês Olímpicos Nacionais
CO-RIO - Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americano do Rio de Janeiro
CEPAC – Certificado de Potencial Adicional de Construção
IFC – Corporação Financeira Internacional
Eco-92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
EOM - Empresa Olímpica Municipal
EUA - Estados Unidos da América
Expo’98 - Exposição Mundial de 1998
FIFA - Federação Internacional de Futebol
FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FMI – Fundo Monetário Internacional
GBM - Grupo Banco Mundial
GM - Guerra Mundial
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFs -International Sports Federations
IOC – International Olympic Committee
J.O. - Jogos Olímpicos
LGC - Lei Geral da Copa
MARE - Ministério da Reforma do Estado
NGA - National Governors Association
NOCs - National Olympic Committees
ODEPA - Organização Desportiva Pan-Americana
OCOG - Organising Committees for the Olympic Games
OGKM - Olympic Games Knowledge Management
PD’s - Planos Diretores
PDM - Plano Diretor Municipal
PEM - Plano Estratégico Municipal
PIB - Produto Interno Bruto
PP’s - Planos Plurianuais
PPPs - Parcerias Público-Privadas
PAN 2007 - Jogo Pan-Americanos de 2007
R.J. - Rio de Janeiro
TOK - Transfer of Olympic Knowledge
UPP – Unidade de Polícia Pacificadora
ZAP – Zona de Adensamento Preferencial
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................... 17
Objetivo.................................................................................. 30
Objetivos específicos............................................................. 30
Informações metodológicas................................................... 30
CAPÍTULO I........................................................................... 36
1 ASPECTOS DO URBANISMO BRASILEIRO...................... 37
1.1 Práxis da gestão pública urbana............................................ 37
1.2 A cidade global e o modelo de acumulação flexível.............. 44
CAPÍTULO II.......................................................................... 53
2 POLÍTICAS PÚBLICAS E A CIDADE................................... 54
2.1 O engodo das soluções modelares....................................... 54
2.2 Difusão de políticas públicas e agenda política..................... 56
2.3 Melhores práticas e inovação................................................ 69
2.4 O Modelo de Barcelona......................................................... 76
2.5 Lisboa: a experiência da Expo'98.......................................... 92
CAPÍTULO III......................................................................... 101
3 MEGAEVENTOS................................................................... 102
3.1 Considerações iniciais........................................................... 102
3.2 Políticas públicas de intervenção urbana.............................. 108
3.3 O mercado imobiliário............................................................ 113
3.4 A trajetória da cidade do Rio de Janeiro................................ 119
3.5 Rio de Janeiro: o caso do Porto Maravilha............................ 128
3.6 Análise dos documentos do COI........................................... 141
3.6.1 Cata Olímpica (Olympic Charter)........................................... 142
3.6.2 Relatório da Comissão de Avaliação do COI de 2016 (Report of the 2016 IOC Evaluation Commission)................. 145
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................. 149
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................... 155
6 DOCUMENTOS CONSULTADOS........................................ 168
7 SITES CONSULTADOS........................................................ 170
8 ANEXO.................................................................................. 174
16
INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa os efeitos sociais, econômicos da realização dos
Jogos Olímpicos realizados na cidade do Rio de Janeiro. Para isso, levou-se
em consideração a experiência de algumas cidades que promoveram
profundas reformas urbanas para sediar megaeventos de reconhecimento
global, notadamente a cidade de Barcelona (Espanha). Os eventos de grande
porte são conhecidos por renovar e reestruturar as cidades por onde passam.
Esse movimento ganhou notoriedade a partir da década de 1960 com a
ascensão de políticas urbanas neoliberais 1 nos países de capitalismo
avançado. Nesse período desenvolveram-se conceitos relacionados ao
“empreendedorismo urbano” associados a novas práticas de gestão de
cidades (HARVEY, 1996).
A realização de megaeventos prevê, entre outras coisas, a
revitalização de áreas urbanas degradadas em regiões consideradas com
potencial econômico a ser desenvolvido. Essa estratégia de intervenção
consiste em transformar espaços públicos e privados para que se tornem
atraentes ao capital financeiro, notadamente a especulação imobiliária. Para
tanto, novas práticas de gestão foram criadas, Parcerias Público-Privadas
(PPPs) ganharam força, e conceitos trazidos da administração de empresas
passaram a ser incorporados na administração pública (HENRY, 1975). O
surgimento dessa nova dinâmica se baseia na promoção e financiamento de
novos modelos de negócios envolvendo, sobretudo, empresas do setor
privado e esferas subnacionais de governo.
O planejamento estratégico que se seguiu após o período militar no
Brasil sofre fortes influências do cenário internacional em que prevalecia o
Consenso de Washington2 como receituário para toda e qualquer estratégia
1O significado do conceito de neoliberalismo, amplamente utilizado na literatura que analisa
as doutrinas político-econômicas, está associado à crença de que as forças que operam nas mais diversas relações econômicas são capazes de autorregulação. O prefixo “neo” (novo) costuma distinguir o novo liberalismo por acreditar na importância do Estado como agente garantidor da livre-concorrência. Na atualidade, o termo costuma ser utilizado para indicar a livre atuação das forças do mercado, a abertura econômica e privatizações de empresas e serviços públicos (ver mais em: SANDRONI, 2008). Está pesquisa irá analisar a utilização do termo, bem como as suas práticas, nos capítulos que se sucedem. 2Segundo Couto (2002) o Consenso de Washington pode ser assim definido: um conjunto de
preceitos a serem seguidos pelos países em desenvolvimento para realizar as suas reformas
17
de desenvolvimento. Seus efeitos são amplamente conhecidos na
América Latina, especialmente pela austeridade fiscal, contenção de gastos
públicos, privatizações, abertura e financeirização econômica, entre outros
aspectos (BATISTA, 1994).
Surge nesse contexto o conceito de “máquina urbana”, cuja finalidade
volta-se sobremaneira ao atendimento de interesses dos grandes grupos
econômicos, que visam transformar a cidade em uma arena comercial em
busca de lucros (VAINER, 2000). Essa prática, pautada na teoria do
desenvolvimento 3 , impõe a dinâmica do capital à administração pública
fazendo dos instrumentos de gestão, ferramentas de ação a serviço dos
grandes investidores. Maricato (2013), ressalta a apropriação do Plano
Estratégico Municipal (PEM)4 de cidades sendo utilizado como dispositivo de
desregulamentação cuja finalidade associa-se diretamente aos interesses
privados, notadamente as grandes empresas do mercado imobiliário. Essa
forma de gestão impinge às cidades um modelo de concorrência mútuo que
contribui para agravar a segregação espacial já conhecida nas metrópoles
brasileiras.
Fruto desse contexto, a década de 1990 é marcada pela consolidação
do ideário neoliberal nas políticas públicas brasileiras. Trata-se, em larga
medida, da implementação estrutural e sistemática de uma forma de gestão
cuja racionalidade dissocia o caráter social das relações econômicas. Essa
lógica, que se estende aos dias atuais, tende a conceber o desenvolvimento
econômicas. São diretrizes de referencial neoliberal. A ênfase é na economia de mercado. Essência: abertura econômica, desregulamentação, rígido controle da inflação e do déficit público, redução do tamanho e do papel do Estado, privatizações (Couto, 2002, p. 73).
3A teoria do desenvolvimento está fortemente orientada na crença de que o aumento do nível
de atividade econômica gera, por si mesmo, desenvolvimento social. Schumpeter já havia destacado o limite dessa concepção teórica ao afirmar que “Nem o mero crescimento da economia, representado pelo aumento da população e da riqueza, será́ designado aqui como um processo do desenvolvimento” (SCHUMPETER, 1978, p.63). A distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento será retomada neste trabalho para fim de análise do cenário brasileiro a partir do pensamento de Celso Furtado.
4Vale ressaltar que o PEM integra e concilia o Plano Diretor Municipal (PDM) e o Plano
Plurianual Municipal (PPM) às políticas públicas. Constitui portanto um importante instrumento de gestão capaz de articular estratégias e ações entre a sociedade civil e as esferas de governo: federal, estadual e municipal.
18
social como resultado espontâneo do crescimento econômico. Contudo, a
figuração do país entre as dez primeiras economias mundiais comprovou o
distanciamento existente entre crescimento e desenvolvimento. Talvez a
expressão mais nítida dessa incongruência esteja na disparidade social
existentes nos grandes centros urbanos brasileiros.
Apesar da criação de muitos instrumentos de gestão democrática,
caso dos Planos Plurianuais (PP’s), Planos Diretores (PD’s), oriundo do
Estatuto das Cidades, entre outros, o direito urbanístico que visa o interesse
social é relegado a segundo plano. A busca por regularização do uso do
espaço urbano em benefício da coletividade, parece perder fôlego diante de
interesses estritamente econômicos. O poder público, em todos os seus
níveis de governo, associado aos interesses do capital especulativo e à
ideologia (neo)liberal, expõe o ordenamento urbano a toda sorte de
possibilidades.
Esse quadro amplamente complexo constitui a práxis urbana de
muitas metrópoles brasileiras. Essa situação torna-se ainda mais intrincada
ao se analisar o contexto em que se sucedeu a realização dos megaeventos
esportivos no Brasil. Sobretudo ao se constatar a ascensão de um modelo de
bem-estar social implementado pelo nível federal de governo a partir da
primeira década do século XXI.
Paradoxalmente ao que vem ocorrendo nas grandes metrópoles, o
fortalecimento de políticas redistributivas, programas habitacionais para
população de baixa renda, expansão do sistema público de saúde, entre
outras políticas, demonstra certo dualismo do papel desempenhado pelo
poder público em suas diferentes esferas de governo. A conquista de certa
autonomia dos níveis subnacionais de governo, tendência à descentralização
de políticas públicas iniciadas no período pós Constituição de 1988, tornou
mais complexa as análises generalistas referentes à gestão pública bem
como os resultados por ela alcançados (FARAH, 2006).
Na conjuntura em que se sucedeu a realização dos megaeventos no
Brasil foi possível observar a proeminência de políticas progressistas,
idealizadas notadamente no nível federal, sendo implementadas
paulatinamente pelas esferas subnacionais de governo. Em contraste,
verificava-se na gestão local, sobretudo nas grandes metrópoles, conflitos
19
sociais claramente ligados à exclusão social. As desapropriações residenciais
de inúmeras famílias, bem como a perseguição ao trabalho informal ganham
notoriedade com a reestruturação urbana requerida pela realização de
megaeventos no país.
O conflito de interesses entre a esfera federal e os níveis
subnacionais, especificamente quanto a análise dos megaeventos, revela em
larga medida a luta de classes que se expressa no incentivo de práticas de
livre-mercado em contraposição às políticas de bem-estar social. Essa
realidade é referendada por muitos autores como uma relação de
complementariedade entre Estado e mercado e que vem sendo denominada
por “Keynesianismo neoliberal”5
No âmbito nacional, são implementadas políticas neokeynesianas, que reconstroem as condições da circulação do capital e da força de trabalho, ao mesmo tempo, em que subordinam as decisões em torno da utilização dos recursos do fundo público à lógica do mercado e aos interesses dos grandes empresários. Além disso, são adotadas políticas de ativação da demanda efetiva, via a criação e a expansão do crédito ao consumidor, transferência de renda, aumento real do salário-mínimo, etc., expressando políticas redistributivas que incidem sobre as condições de reprodução social. No âmbito local é onde as políticas neoliberais parecem emergir com toda força, resultando no padrão aqui identificado como keynesianismo neoliberal (RIBEIRO; SANTOS JUNIOR, 2013, p.28).
Nesse sentido, a realização dos megaeventos parece exprimir uma
coalizão de interesses distintos estruturada, notadamente a partir do primeiro
decênio do presente século, pelo governo federal. No entanto, a gama de
atores envolvidos na realização de eventos de grande porte, bem como suas
demandas, acabam por resultar em um novo padrão institucional na esfera
local. Omena (2015) destaca cinco dos nove arranjos institucionais com
caráter deliberativo criados em função das Olimpíadas de 2016: Autoridade
5 John Maynard Keynes é reconhecidamente um dos mais importantes economistas do
século XX. Sua principal obra The General Theory of Employment, Interest and Money (A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda) teve repercussão prática ao analisar a Crise de 1929 em que a bolsa de valores norte-americana sofre forte depressão. A ideia diretora dessa obra corresponde à constatação de que o mercado, notadamente em sua prática liberal (livre), não é capaz de autorregular-se. Isto é, o mercado pode sobreviver com elevadas taxas de desemprego e ainda assim estar em equilíbrio. Dessa forma, Keynes constata que o desemprego é fruto da insuficiência de investimentos na economia, cabendo ao Estado induzir e promover os investimentos necessários. (Ver: KEYNES, J. M. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo-SP: 1996).
20
Pública Olímpica (APO), Empresa Olímpica Municipal (EOM),Companhia de
Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (CDURP), Comissão de
Coordenação dos Jogos (CCJ) e o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos
(COJO). Os três primeiros arranjos são governamentais, contudo, nenhum
deles possui participação direta da sociedade civil. Essa situação, reflexo da
ideologia que permeia os eventos em tela, expõe institucional e socialmente,
o caráter das intervenções urbanas quanto à realização de megaeventos.
De forma geral, eventos dessa magnitude representam uma “janela de
oportunidades” para a realização de mudanças estruturais nas cidades. Com
o apoio do governo federal e da iniciativa privada a administração pública é
impelida a acreditar que o sucesso de suas atribuições está associado ao
atendimento das demandas solicitadas para a realização do evento. Isso
ocorre em função das profundas reformas urbanas que acompanham
acontecimentos desse porte. Contudo, não é recente a percepção de que o
acolhimento das demandas exigidas por eventos de grande envergadura
ocorram com valorização do ambiente de negócios empresariais em
detrimento dos interesses sociais.
O Rio de Janeiro, por exemplo, tornou-se um canteiro de obras para a
preparação da Copa do Mundo da Federação Internacional de Futebol
(FIFA)6 e para os Jogos Olímpicos (Rio 2016). No entanto, a forma e o
conteúdo das intervenções urbanas vêm sendo amplamente questionados
em função de estratégias socialmente excludentes adotadas pelas
autoridades públicas em consenso com os dirigentes e instituições
internacionais.
Há mais de três decênios que as diretrizes e condicionalidades de
organismos e instituições internacionais orientam a gestão pública, em seus
diversos níveis, a posicionar as grandes metrópoles na direção do circuito
6O sítio virtual da instituição utiliza a nomenclatura em francês: Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Esta federação, fundada em no dia 21 e Maio de 1904 em Paris, atualmente com sede em Zurique na Suíça, dirige as associações de futebol, futsal e o futebol de praia. Vale destacar que a FIFA está filiada ao Comitê Olímpico Internacional (COI) e congrega 209 organizações esportivas nos mais diversos países.
21
dos fluxos internacionais, particularmente aqueles ligados aos setores mais
dinâmicos da economia globalizada. O resultado dessa estratégia se
expressa nas diversas formas de atrair investimentos e capitais por meio da
exaltação do potencial econômico dos espaços locais. Para essa finalidade, a
de tornar as cidades viáveis, vendáveis e seguras aos diversos tipos de
investimentos e investidores, são empenhados vultosos volume de recursos
públicos, ainda que negligenciando demandas reais e legítimas dos citadinos
locais. Essa lógica costuma contribuir para o aprofundamento das
desigualdades socioespaciais na medida em encarece sobremaneira o
espaço urbano.
A estandardização dos espaços como estratégia de atração de
investimentos privados costuma ser utilizada também para a promoção de
megaeventos. No Brasil, os megaeventos esportivos aconteceram de forma
associada a projetos urbanos de grande monta, isto é, reformas urbanas
vinculadas a projetos de reestruturação de cidades.
A Copa do Mundo FIFA e os Jogos Olímpicos no Brasil, mais
especificamente na cidade do Rio de Janeiro, bem como ocorreu em algumas
outras nações, identificam-se por sua magnitude e por seu impacto no
ambiente urbano. Essa percepção ganha nitidez ao se analisar o orçamento,
público e privado, disponibilizado para a realização das obras. As
transformações urbanas assumem diversas frentes. Os parques esportivos,
necessários para a realização dos Jogos, representam apenas algo
necessário para justificar toda a transformação socioespacial incitada pela
realização dos megaeventos.
Avalia-se que a articulação de atores e escalas em torno desses projetos tem exigido expressivo investimento simbólico, como instrumento político privilegiado na disputa pelos eventos na busca dos meios necessários à sua atualização e afirmação. Efetivamente, as coalizões de atores (governamentais, privados e de agências internacionais) vinculados, por exemplo, ao projeto olímpico percebem e se utilizam do megaevento, um espetáculo em escala mundial, para chamar para si a atenção internacional, redirecionar investimentos e amalgamar um novo projeto hegemônico (SANCHÉZ, 2010, P.16).
Assim como destacado por Sanchéz, o campo simbólico combinado
aos megaeventos propõe situar as cidades ao nível do mercado global, isto é,
torná-las atraentes ao capital internacional, ao turismo, aos grandes eventos,
22
entre outros. Nesse sentido, a representação simbólica, somada ao jogo de
interesses políticos e econômicos, parece autorizar todo o tipo arbitrariedade
que foi possível perceber no contexto brasileiro. Vainer (2014) destaca as
diversas rupturas para a realização dos Jogos Olímpicos (J.O.) na cidade do
Rio de Janeiro: institucional, legal, urbanístico, ambiental, social, entre outras.
Nesse sentido, a coalizão de poder engendrada pelos megaeventos tende,
portanto, à elitização de áreas “beneficiadas” pela dinâmica das reformas
urbanas. Esse processo, no mais das vezes, se traduz em gentrificação.
Esse fenômeno costuma expressar transformações sociais, econômicas e
espaciais que transcendem a substituição do perfil populacional provocada
pelas forças do capital nos espaços físicos da cidade.
Dessa forma, o conceito de gentrificação, combinado às relações entre
capitalismo e espaço urbano, implicam forte impacto nas dinâmicas
territoriais e populacionais da cidade. Sabe-se que as grandes metrópoles
brasileiras tendem a caminhar de forma concomitante à dinâmica capitalista e
que os Jogos Olímpicos emprestam a ideia de legado urbano às cidades por
onde passam. Segundo Santos Junior (2015), o legado atribuído aos
megaeventos corresponde a projetos de renovação e reestruturação de
cidades. Para o autor, os megaeventos realizados no Brasil representam a
inauguração de um novo ciclo de mercantilização da cidade:
[...] pode-se dizer que se está diante de um novo ciclo de mercantilização da cidade, traduzida na incorporação de determinadas áreas e de serviços urbanos parcialmente desmercantilizados aos circuitos de valorização do capital. Com efeito, percebe-se um processo de elitização da cidade. Esse processo ocorre pela transferência forçada de ativos sob a posse ou controle das classes populares para setores do capital imobiliário (SANTOS JUNIOR, 2015, p.29).
Nesse sentido, é possível apontar a presença das relações capitalistas
na disposição do espaço urbano em períodos históricos diversos; daí a ideia
de “novo ciclo”. A dinâmica capitalista revela-se, em última análise, o ponto
crucial para a compreensão do processo de gentrificação. Assim, é preciso
analisar as intervenções urbanas relacionadas aos megaeventos de forma
complexa levando em consideração as formas de apropriação da mais-valia
urbana.
23
Os ciclos de intervenção no espaço urbano assumem uma polissemia
de significados que, nos mais das vezes, buscam ocultar os ciclos de
mercantilização da cidade o qual mencionou Santos Junior. Os processos de
renovação, revitalização ou redesenvolvimento de áreas urbanas ganham
notoriedade a partir da Segunda Guerra Mundial com a elevação do
desemprego e a necessidade de reconstrução de regiões deterioradas das
cidades (HARVEY, 2013). Harvey destaca o exemplo da cidade de Nova
Iorque:
A deterioração do centro das cidades provocada pela saída de empregos e pessoas gerou então uma forte, e, mais uma vez, subsidiada pelo governo, estratégia de renovação urbana através da demolição e reconstrução de centros urbanos mais antigos [...] o redesenvolvimento metropolitano de Nova York foi capaz de se inserir entre as fontes de fundos públicos e as exigências dos empreendedores privados com um efeito tão forte, refazendo toda a região metropolitana de Nova York por meio da construção de autoestradas e de pontes, do planejamento de parques urbanos e da renovação urbana (HARVEY, 2013, p.72).
Assim, como bem descreveu Harvey, o redesenvolvimento de cidades,
vale destacar a forte intervenção dos recursos públicos em benefício de
setores privados, corresponde à práticas recorrentes no curso histórico.
Contraditoriamente, o investimento em infraestrutura urbana tem levado a um
processo de desapropriação e remoção de numerosa população. Vale
ressaltar que tal processo é realizado, em boa parte dos casos, com
autorização e recursos públicos, o que denota a leniência do Estado para
com os empreendedores privados.
A tentativa de revitalizar, ou mesmo redesenhar, espaços que ao longo
do tempo foram perdendo dinamismo econômico, indica certa propensão ao
fortalecimento das chamadas cidades globais. Segundo Ley (1981), a nova
dinâmica do sistema de produção capitalista, sobretudo o processo de
acumulação flexível, tende a concentrar profissionais altamente
especializados em cidades centrais, isto é, aquelas que congregam capitais
simbólicos, intelectuais, entre outros atributos.
O fortalecimento desse tipo de centralidade costuma promover a
elitização do espaço e a gentrificação como fenômeno reverso. Desse modo,
a reestruturação da hierarquia urbana, promovida por esta nova divisão
24
social, impulsionada pela forma de como são realizados os megaeventos,
promovem o surgimento de cidades fortemente marcadas pela segregação
social. Esse cenário de reestruturação urbana não transforma apenas o
aspecto estrutural das cidades, mas também, e sobretudo, das classes
sociais, da produção e do consumo nas grandes metrópoles.
Diante desse quadro, a cidade do Rio de Janeiro, no contexto dos
megaeventos esportivos, notadamente os J.0, destaca-se como objeto de
estudo em função de sua repercussão nacional e internacional não apenas
referente às reformas urbanas, mas também no tocante à segurança pública
e ao endividamento das esferas de governo municipal e estadual.
Com o objetivo avaliar a influência exercida pelo COI (International
Olympic Committee - IOC) em um conjunto de intervenções urbanas
desenvolvidas pelo município da cidade do Rio de Janeiro, especificamente
aquelas ligadas aos megaeventos esportivos, intentou-se identificar como as
transformações urbanas ocorridas na cidade se sucederam e quais critérios
foram adotados para a sua implementação.
Para tanto, buscou-se problematizar o teor político e ideológico que
nortearam as reformas urbanas ocorridas na cidade carioca, bem como,
identificar os grupos sociais beneficiários de tal estratégia. No mais, se tentou
averiguar a existência de modelos e padrões urbanísticos utilizados
internacionalmente em megaeventos similares.
A participação de megaeventos em países subdesenvolvidos vem se
tornando mais frequente, sobretudo a partir do presente século. No caso dos
J.O., sua importância se revela no chamado legado urbano deixado nas
cidades após a realização do evento. Dessa forma, o COI passou a assumir
protagonismo também nos espaços urbanos das cidades-sede dos eventos.
Em contraste, os estudos que analisam a autonomia das esferas
subnacionais de governo, notadamente diante de transformações urbanas de
grande envergadura, são escassos frente à importância desse fenômeno. A
maior parte desses estudos volta-se para a análise dos resultados, ignorando
o seu processo e as razões pelas quais optou-se por determinada estratégia
urbana. Desse modo, o presente trabalho pretende contribuir para um maior
conhecimento e aprofundamento do papel exercido pelo COI na formulação
25
estratégica de políticas urbanas relacionadas aos J.O., especificamente na
cidade do Rio de Janeiro.
O município do Rio de Janeiro foi escolhido em razão de sua
importância histórica, por suas peculiaridades culturais e diversidade social
que aglutina dinamismo econômico com nítidas desigualdades sociais. Para
tanto, analisou-se as estratégias de intervenção urbana impulsionadas para a
realização dos megaeventos esportivos. Esta pesquisa concentra a sua
análise no modus operandi da gestão pública, isto é, na forma de
operacionalização que resultou no chamado legado urbano. Vale ressaltar
que os megaeventos esportivos nos Rio de Janeiro geraram grandes
repercussões na imprensa, sobretudo em função dos conflitos sociais
envolvendo a segurança pública, as populações vulneráveis e a questão
fiscal da cidade. (Note-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal impedia o
Munícipio de contrair novas dívidas, no entanto, por motivos diversos que não
cabem aqui explorar, esta dívida foi contraída pelo Município em caráter
excepcional em função dos Jogos).
A análise da cidade do Rio de Janeiro pode ser considerada um caso
relevante na medida em que a investigação se baseia em dados empíricos,
notadamente quanto às reformas urbanas no Município carioca. No mais,
essa estratégia de pesquisa possui potencial de generalização, pois, além de
ser contemporânea – uma vez que o COI mantém a mesma concepção de
“legado urbano” para as cidades – as regras estabelecidas pelo Comitê
Olímpico são mantidas. Além disso, se averigua a tendência de atuação
direcionada às cidades de países em desenvolvimento.
A pesquisa aqui apresentada possui como característica o intuito de
investigar um fenômeno contemporâneo em que os atores envolvidos
impõem novas dinâmicas às cidades, muitas delas ainda em andamento.
O tema de pesquisa proposto concentra-se na confluência de duas
áreas que ainda permanecem pouco exploradas no Brasil: a influência do
COI, como entidade multilateral sem autonomia para exercer papel político –
ainda que o faça – e sua relação com a gestão pública nos diversos níveis de
governo.
Atenção especial será direcionada às políticas sociais, notadamente
aquelas vinculadas ao processo de gentrificação. Esta questão se coloca ao
26
longo deste trabalho, abordada de diversas formas, e se concentra quando
da análise da cidade do Rio de Janeiro, acompanhada do debate sobre a
valorização imobiliária.
O referencial teórico adotado nesta pesquisa baseia-se na teoria de
políticas públicas, notadamente relacionada à análise do processo de difusão
de políticas públicas, por meio de conceitos desenvolvidos por John Kingdon,
e da reflexão acerca dos conceitos de melhores práticas (best practices); na
sociologia urbana, a partir do conceito de cidade-mercadoria e, criticamente,
o conceito de cidade-global. Por se tratar de um tema multidisciplinar, o
referencial teórico perpassa por diversas áreas do conhecimento no que
tange à investigação do megaevento em tela. A análise da literatura parte do
princípio da existência de um conflito de interesses entre os diversos atores
envolvidos no processo de renovação urbana – técnicos, especialistas,
consultores, investidores, patrocinadores, movimentos sociais, entre outros –
e procura, por meio da tentativa de exposição desses conflitos, explicitar os
interesses envolvidos no modelo de cidade concebido pelo COI e seus
apoiadores. Na mesma direção, busca-se trazer à luz o modo de operação da
gestão que permitiu colocar em prática as transformações urbanas
projetadas.
Os Jogos Olímpicos realizados na capital do Estado do Rio de Janeiro
configuram-se como uma oportunidade para se verificar o modelo de cidade
emprestado ao Legado Urbano idealizado pelo COI. Além disso, torna-se
oportuno revelar, reitera-se, o seu proceder. Ademais, a realização de obras
de grande envergadura em um município do porte e complexidade do Rio de
Janeiro, movimentando um volume de recursos dessa sorte, impõe a
necessidade de trazer à tona os interesses envolvidos.
A cidade do Rio de Janeiro constitui, portanto, uma oportunidade em
que as circunstâncias para se avaliar COI, bem como o seu legado –
vigência (e exceção) da Lei de Responsabilidade Fiscal, fortes manifestações
sociais, entre outros aspectos – formam um quadro propício para a
averiguação do papel exercido pelo COI, notadamente pelas reformas
urbanas associadas aos megaeventos.
Escolhido o lugar e o contexto, optou-se por realizar entrevistas em
profundidade com alguns técnicos envolvidos direta ou indiretamente em
27
grandes eventos. No Rio de Janeiro, priorizou-se entrevistas com
representantes de movimentos sociais: Cerianne Robertson7 (coordenadora
de pesquisa e editora do RioOnWatch - Mestre em Sociologia St.
Edmund'sCollege e graduada pela Universidade de Harvard).
Na cidade de Barcelona entrevistou-se os seguintes especialistas e,
por vezes, importantes atores envolvidos na elaboração do chamado Modelo
de Barcelona: Jordi Borja8 (Geógrafo e urbanista. Professor da Universidade
Aberta da Catalunia (UOC). Foi um dos principais idealizadores das reformas
urbanísticas realizadas na cidade de Barcelona (Espanha) para a realização
dos Jogos Olímpicos de 1992. Jordi Borja atua como consultor independente
na área de gestão de cidades e urbanismo); Xavier Roig9 (CEO da Xavier
Roig I associats. Participou do planejamento da cidade de Barcelona
(Espanha) para a realização dos Jogos Olímpicos de 1992) e Marc
PradelMiquel10 (Professor do Departamento de Sociologia da Universidade
de Barcelona - Coordenador do núcleo de criatividade, inovação e
transformação urbana).
Na cidade de Lisboa limitaram-se a dois entrevistados: Jorge Manuel
Gonçalves11 (Geógrafo, coordenador e professor do Mestrado em urbanismo
e ordenamento do território do Instituto Superior Técnico de Lisboa) e Luís
Vassalo Rosa (Arquiteto e urbanista - diretor dos serviços de planejamento e
gestão urbanística da Expo'98 na cidade de Lisboa - Portugal).
Realizou-se também a análise de fontes documentais (Report of the
2016 IOC, Olympic Charter) com a finalidade de se identificar, na medida do
7Pela própria definição, o RioOnWatch é um site de notícias trazendo atenção local e global para os pontos de vista oriundos das favelas do Rio de Janeiro perante as Olimpíadas. Pelo site www.RioOnWatch.org.br pode-se acompanhar publicações de matérias realizadas por jornalistas e lideranças comunitárias e observadores internacionais, sempre com foco no
ponto de vista das favelas sobre as transformações acontecendo na cidade. O RioOnWatch.org, foi um importante veículo para a publicação das perspectivas dos organizadores comunitários, moradores, observadores internacionais e pesquisadores sobre as rápidas transformações urbanas que caracterizaram o Rio pré-Olímpico. 8Vale destacar a participação de Jordi Borja como um dos consultores das reformas urbanas ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. 9Xavier Roig atuou como consultor das reformas urbanísticas na cidade do Rio de Janeiro (Brasil) para a realização da Copa do Mundo FIFA (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016) 10Marc Pradel Miquel representa, em meio a seara de especialistas entrevistados na cidade de Barcelona, uma voz mais isenta, uma vez que não se envolveu diretamente com os megaeventos realizados na cidade. 11A oportunidade de entrevistar o Professor Jorge Manuel Gonçalves ocorreu em função do estágio de doutorado sanduíche no Instituo Superior Técnico de Lisboa realizado com o apoio do Programa Erasmus Mundus – Modalidade SMART2.
http://www.rioonwatch.org.br/
28
possível, o tipo de linguagem, princípios, práticas e ideologias que norteiam
as ações e recomendações do COI. Dessa forma, procurou-se elucidar os
aspectos fundamentais para que os seu valores viessem à tona.
Com o levantamento das informações adquiridas e fazendo uso das
técnicas acima explicitadas, três aspectos distintos se destacaram. O
primeiro corresponde aos critérios utilizados para a escolha das cidades-
sede; o segundo remete à influência do COI nos modelos urbanos e, por fim,
a análise da gestão pública no contexto dos megaeventos. O terceiro aspecto
diz respeito à questão das práticas de gestão que é aqui colocada sob
diversos aspectos com o intuito de fornecer um panorama mais amplo sobre
as diversas frentes de atuação exigidas para a realização de eventos de
grande envergadura.
Os capítulos que se seguem são estruturados da seguinte maneira:
No capítulo 1, problematizou-se, em linhas gerais, a teoria política do
desenvolvimento econômico e sua relação com as política públicas,
notadamente quanto ao seu modus operandi, isto é, a sua operacionalização.
Posteriormente, problematiza-se o conceito de cidade global como referência
a ser perseguida pelas grandes metrópoles. Nesse contexto, buscou-se
relacionar o atual estágio do capitalismo contemporâneo e seus impactos
sobre o ambiente urbano. É nessa conjuntura em se anuncia, ainda de forma
incipiente, a ideia de modelos de cidade.
O capítulo 2 está centrado na análise das políticas públicas e,
sobretudo, nas estratégias de intervenção urbana a partir de modelos
internacionais. A abordagem examina os megaeventos como agentes
propulsores de soluções modelares problematizando, nessa sequência, as
implicações da replicação e difusão de modelos preestabelecidos nas
políticas públicas.
Nessa continuidade, analisou-se as concepções referentes à
formulação de agenda política, baseando-se notadamente nos conceitos de
John Kingdon e, posteriormente, examinou-se a concepção de melhores
práticas (best practices) confrontando-a com o conceito de inovação e seus
efeitos nas políticas públicas.
Após a realização da análise teórico-conceitual examina-se a
experiência de Barcelona (Espanha) no período da realização dos Jogos
29
Olímpicos de 1992. Por se tornar uma referência internacional no que tange
as intervenções urbanas de grande magnitude, fortemente referendada na
literatura sobre megaeventos, a cidade catalã torna-se um paradigma no
campo do urbanismo.
Com o mesmo propósito, perscruta-se a cidade de Lisboa (Portugal)
por ter sediado a Exposição Mundial de 1998 (Expo’98), e analisa-se os
pontos de convergência e dissonância em relação aos aspectos teóricos
referentes ao processo de difusão de políticas públicas e seus impactos na
agenda política. A análise das experiências de Lisboa e Barcelona foram
permeadas por entrevistas realizadas com importantes atores envolvidos
direta e indiretamente na realização dos eventos em tela. As entrevistas
foram analisadas a partir das discussões teóricas cotejadas nas etapas
supracitadas.
O capítulo 3 se inicia analisando os megaeventos em sua distribuição
espacial, isto é, observando a frequência e as cidades por onde percorreu.
Posteriormente, verifica-se como os eventos de grande magnitude impactam
a configuração urbana por meio de políticas públicas direcionadas para a sua
realização. Dessa forma, analisa-se o mercado imobiliário identificado como
elemento indutor das intervenções urbanas e responsável, em larga medida,
por seus efeitos sociais.
Com a finalidade de aproximar a análise para uma situação concreta e
contemporânea, analisa-se a trajetória histórica da cidade do Rio de Janeiro
para conseguir o direito de sediar megaeventos de reconhecimento global,
notadamente os Jogos Olímpicos. Com o mesmo intuito, averigua-se o caso
do Porto Maravilha que tornou-se emblemático pelos conflitos políticos-
institucionais envolvendo a sociedade civil e os propósitos por trás da
realização de megaeventos no país. Em paralelo, analisa-se a questão
imobiliária por meio de indicadores e pela voz de uma importante
organização da sociedade civil, o RioOnWatch.
Por fim, analisou-se algumas fontes documentais (Report of the 2016
IOC e Olympic Charter) referente ao COI com o intuito de perceber o seu
posicionamento diante das diversas percepções existentes em relação ao
legado urbano preconizado pela organização.
30
Cabe dizer, por fim, que este estudo é exploratório e que os elementos
analisados permitem algumas considerações que poderão ser aprofundadas
por outros trabalhos.
Objetivo
Identificar se as intervenções urbanas para a realização de
megaeventos buscam reproduzir modelos predefinidos.
Objetivos Específicos:
1. Identificar elementos que caracterizam a replicação de modelos
urbanos no contexto de realização de megaeventos;
2. Apontar a forma de operação (modus operandi) que identifica a
influência dos megaeventos na gestão de políticas públicas;
3. Apontar os impactos sociais decorrentes de transformações urbanas
oriundas da realização dos megaeventos esportivos na cidade do Rio
de Janeiro.
Informações metodológicas
A cidade do Rio de Janeiro passou por profundas transformações
urbanas para atender às demandas necessárias para a realização da Copa
do Mundo FIFA (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016). Esse feito, somado ao
direito de realizar a Eco 92 e os Jogos Pan-americanos de 2007, revela a
especificidade na cidade carioca no que tange à realização de megaeventos.
As diversas tentativas de projetar a cidade no cenário internacional,
notadamente a partir da década de 1990, suscitaram propostas urbanísticas
que a vasta literatura sobre o tema define por agenda neoliberal. Esse
diagnóstico tornar-se-ia mais evidente no primeiro Plano Estratégico
apresentado em 1996, e posteriormente, na forma de gestão adotada pela
cidade no momento de sua escolha para a realização dos recentes
megaeventos.
31
Contudo, apesar do uso recorrente dessa terminologia, os trabalhos
analisados não apresentaram aprofundamento conceitual e teórico. Ademais,
a bibliografia referente a esta temática costuma enfocar os resultados, isto é,
concentram-se nos efeitos urbanos pós realização dos eventos. A abordagem
aqui suscitada buscou analisar a forma e o conteúdo de seu processo, ou
seja, práticas e políticas públicas urbanas que delineiam os objetivos a serem
alcançados.
Vale lembrar que as organizações internacionais envolvidas em
megaeventos, notadamente o COI, corresponde à uma organização não
governamental, mas que atua politicamente na medida em que as exigências
requeridas para a realização de eventos de grande envergadura podem
exercer influencia, e muitas vezes determinar, a forma e o conteúdo das
políticas públicas urbanas.
Nesse contexto, a necessidade de analisar as razões do significativo
aumento de megaeventos nos chamados países em desenvolvimento, no
circuito dos eventos de grande porte internacionais, antes circunscritos às
nações avançadas, torna-se premente.
O contexto, criado para a realização dos megaeventos, faz da cidade
do Rio de Janeiro um caso propício para a investigação, sobretudo quanto ao
conhecimento dos mecanismos de gestão impelidos à transformar as cidades
em nome do chamado legado urbano.
O trabalho teve como referência a investigação das transformações
urbanas na cidade de Barcelona – destacada como Modelo – no período em
que esta foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos em 1992; a cidade de
Lisboa, em função da Exposição Mundial de 1998 (Expo’98) e a cidade do
Rio de Janeiro, objeto deste estudo, em virtude de sua experiência recente
na realização da Copa do Mundo FIFA de Futebol e dos Jogos Olímpicos de
2016.
Por se tratar de momentos históricos distintos, o recorte temporal
desta pesquisa não permite linearidade. Essa situação impõe ao estudo uma
abordagem não comparativa do ponto de vista metodológico, contudo, as
similitudes identificadas ao longo desta pesquisa podem contribuir para uma
maior compreensão dos impactos de megaeventos em contextos urbanos
diversos.
32
Permitiu-se neste trabalho uma interpelação quando da análise da
cidade de Barcelona (Espanha). A cidade catalã surge como referência ao
tornar-se um paradigma na literatura. A partir do momento em que foi
escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 1992, a cidade passou por
profundas transformações urbanísticas que a tornaram referência de sucesso
no que tange a realização de megaeventos. O Modelo de Barcelona, assim
conhecido, é frequentemente utilizado como exemplo bem-sucedido de
intervenção urbanística por grande parte das agências internacionais de
desenvolvimento. Não obstante, a literatura crítica caracteriza este Modelo
por privilegiar exclusivamente os aspectos comerciais e turísticos definindo-o
como socialmente excludente e gentrificador.
A experiência de Barcelona vem sendo difundida, não apenas por
seus idealizadores, arquitetos e urbanistas que se tornaram mundialmente
conhecidos, como também por agências internacionais que encontram no
modelo catalão uma referência a ser seguida.
A difusão de políticas públicas, mais especificamente a replicação de
modelos de gestão urbana, tem sido assunto recorrente nos países
periféricos propensos à aceitação de experiências oriundas de realidades
economicamente avançadas. A reconfiguração urbana constitui apenas o
resultado último dos processos transformadores. Daí a necessidade de
perscrutar as fases que a antecedem, notadamente sua ideologia e seus
mecanismos operacionais. Essa temática constitui ainda uma lacuna na
compreensão dos megaeventos em nível global. Para maior entendimento do
Modelo de Barcelona, entrevistou-se técnicos e especialistas envolvidos em
sua idealização e implementação.
Na direção oposta, a cidade Lisboa surge como um contraexemplo no
que tange a realização de megaeventos. Apesar da existência de muitas
críticas, notadamente quanto ao volume de recursos empenhados, a Expo’98
ocorreu em uma vasta área (cerca de 330 hectares) de uma zona pouco
habitada da cidade. Apesar disso, o projeto rendeu muitas contestações,
sobretudo por atender demandas estruturais sem necessidade eminente e
por privilegiar práticas empresariais de gestão.
No entanto, o contraponto da Expo’98 parece residir no fato de que a
cidade ganhou novas áreas públicas. O Parque das Nações tornou-se um
33
novo espaço na cidade lusitana. A construção do Parque Expo é visto como
uma experiência exitosa: o evento contou com a representação de mais de
160 países, um recorde de participação em exposições mundiais até então.
Cerca de 12 milhões de pessoas dos cinco continentes se dirigiram ao país.
Por essa e outras razões, a experiência de Lisboa merece ser destacada.
Desse modo, a experiência portuguesa distingue-se, ainda que de
forma controversa, por salvaguardar o domínio público e o uso comunitário
do espaço na realização de um megaevento internacional. Trata-se,
indubitavelmente, de um exemplo alternativo de intervenção urbana visando
a recuperação e revalorização de áreas marginalizadas, degradadas e
monofuncionais para o interesse público. Daí a importância dos profissionais
entrevistados para esta pesquisa.
Levantamento Bibliográfico
Com o intuito de analisar as transformações urbanas decorrentes dos
megaeventos, notadamente os J.O., analisou-se considerável bibliografia
referente aos diversos impactos urbanos, econômicos e sociais. A ampla
discussão a respeito do tema permitiu referendar a literatura relativa ao
pensamento econômico liberal, bem como o seu antitético, a bibliografia
latino-americana nacional desenvolvimentista.
Com o objetivo de perscrutar o modus operandi do COI frente aos
governos locais, analisou-se a bibliografia referente à difusão de políticas
públicas. Esse viés foi escolhido por entender, com base na literatura
pertinente aos megaeventos, que a replicação de modelos urbanos ocorre
pari passu à realização de eventos internacionais de grande magnitude.
Por fim, analisou-se os efeitos das intervenções urbanas nas cidades
de Barcelona, Lisboa e, sobretudo, no Rio de Janeiro. Para cumprir com os
objetivos propostos, analisa-se aqui as referências bibliográficas específicas
aos megaeventos, mais especificamente, aquela relacionada à cidade do Rio
de Janeiro.
Análise de fontes documentais
34
Diversas fontes documentais referente à temática megaevento foram
analisadas. Embora o objetivo do presente estudo não seja analisar
diretamente o aspecto esportivo, fontes documentais oficiais foram
consultadas. Documentos como o Report of the 2016 IOC Evaluation
Commission e Olympic Charter foram minuciosamente analisados com o
intuito de caracterizar a forma de atuação do COI, bem como os seus
reflexos no ambiente urbano e na gestão pública.
Analisa-se, dessa forma, as seguintes fontes documentais:
- Relatórios e documentos oficiais das instituições e organizações
envolvidas na realização dos megaeventos, inclusive organizações da
sociedade civil;
- Publicações, websites e periódicos (oficiais e extra oficiais);
- Projetos, plantas e materiais fotográficos.
Entrevistas em profundidade
Entrevistas em profundidade foram realizadas com técnicos
responsáveis pela implementação de políticas públicas das três cidades
analisadas: Rio de Janeiro, Barcelona e Lisboa. As entrevistas foram
importantes para entender, sobretudo na visão do gestor público, o papel e o
peso de sediar eventos internacionais de tamanha magnitude e visibilidade.
As entrevistas foram realizadas pessoalmente levando em
consideração suas vantagens em relação a outras formas de abordagem que
possivelmente dificultam o aprofundamento do conteúdo. Além disso, os
depoimentos coletados contribuíram para uma visão pouco explicitada na
análise de documentos. No mais, como não houve a necessidade de grande
quantidade de entrevistas, esta alternativa foi possível de se realizar.
Destacam-se alguns benefícios das entrevistas face a face:
1) respostas mais precisas permitindo maior conforto e liberdade de
expressão. O contato visual é um fator importante; 2) permissão de respostas
mais abertas e ao mesmo tempo de forma mais aprofundada; 3) maior
efetividade em assuntos complexos. Neste caso, como se trata de um tema
muitas vezes controverso, a liberdade e naturalidade de uma entrevista face
a face são importantes; 4) respostas mais elaboradas. Estudos demonstram
35
que as pesquisa por telefone levam a respostas menos reflexivas; 5)
resultados mais precisos pois a entrevista por telefone é mais cansativa do
que a entrevista pessoal; 6) as entrevistas face a face permitem
clareamentos inusitados que costumam surgir (GUBRIUM e HOLSTEIN,
2003).
36
CAPÍTULO I
37
1. ASPECTOS DO URBANISMO BRASILEIRO
1.1 Práxis da gestão pública urbana
Nos países de capitalismo tardio, como na América Latina, o processo
de urbanização engendrou, ao longo do tempo, distorções estruturais difíceis
de serem interpretadas a partir de teorias e conceitos generalistas. O
hibridismo de tais realidades implicam o desafio crítico desse quadro
conceitual como consequência do falso universalismo do desenvolvimento
econômico orientado pela teoria neoclássica12 e difundido sob a égide da
globalização.
A análise das questões envolvendo os aspectos qualitativos do
conceito de desenvolvimento, levando em consideração as relações de poder
que atuam no espaço urbano, ganha importância na medida em que os
instrumentos de gestão democrática entram em conflito com interesses
diversos que se apoiam nos princípios de mercado, isto é, pautados na
ideologia do liberalismo econômico como estratégia de desenvolvimento.
Existe uma óbvia disseminação das regras de mercado, como a privatização dos mercados imobiliários em países ex-comunistas, por exemplo. As transições de bairro decorrentes são acompanhadas, ou mesmo, por vezes, lideradas, por um neoliberalismo expansionista nas políticas públicas que muitas vezes acentua as divisões sociais entre os agentes gentrificadores e a população deslocada. (ATKINSON; BRIDGE, 2005, p. 2, tradução
nossa)13.
12O pensamento econômico (neo)clássico baseia-se na concepção da autorregulação do
mercado. Fracois Quesnay, John Stuart Mill, Adam Smith, David Ricardo, entre outros autores consolidam a doutrina liberal como leis naturais e imutáveis. Nesse sentido, apenas com a ausência das intervenções do Estado se poderia alcançar o máximo lucro com o mínimo esforço (SANDRONI, 2008). 13There is the obvious spread of market discipline, such as the privatisation of housing
markets in ex-communist countries for example. The neighbourhood transitions that result are accompanied, or indeed sometimes led by, an expansionist neo-liberalism in public policy that often accentuates the social divisions between gentrifiers and the displaced.
38
Como bem destacaram Atkinson e Bridge, a expansão do mercado
imobiliário ocorre de forma atrelada às políticas públicas. A característica
neoliberal a que se referem os autores consiste em sua forma gentrificadora
de atuação, isto é, substituindo a população original por uma de novo perfil
social, nitidamente mais abastada.
O aprimoramento dos instrumentos de gestão pública tal como o
Estatuto das Cidades, o Plano Diretor, entre tantos outros, demonstram a
possibilidade da gestão democrática para a reversão do degradado ambiente
urbano de grande parte das cidades brasileiras. Contudo, a disputa
assimétrica pela apropriação do espaço urbano faz das políticas públicas, no
mais das vezes, instrumento de representação dos interesses de grupos
dominantes.
Assim sendo, o aparelho administrativo passa a desempenhar,
contraditoriamente, papel fundamental na preservação da atual estrutura de
poder. A reprodução dessa práxis que configura o desenvolvimento urbano
brasileiro é também perceptível nas regiões afastadas onde se concentram
as populações sem acesso e direito à cidade. Savage e colaboradores
(2003), Lees e colaboradores (2007), bem como Harvey (2008), destacam a
transformação cultural decorrente do fortalecimento das práticas neoliberais
sobre as cidades pós-industriais. Segundo os autores, o paulatino
enfraquecimento das políticas de bem-estar social (Welfare State),
notadamente nos países de economias centrais, está diretamente
relacionado à redução da carga tributária, à transferência das
responsabilidades públicas à iniciativa privada e, consequentemente, à
redução dos gastos públicos como um todo.
Amparada pela ideologia do pensamento econômico neoclássico, isto
é, pela crença de que o desenvolvimento social ocorre como consequência
espontânea do crescimento do nível de atividade econômica14, a atual práxis
14 Segundo Celso Furtado, “[...] o processo de desenvolvimento dos países atualmente
subdesenvolvidos não pode alcançar espontaneamente seu ritmo ótimo. A tendência a aumentar a propensão a consumir, resultante das disparidades internacionais de renda real, determina redução progressiva no ritmo do crescimento espontâneo dos países que ficaram atrasados no processo de desenvolvimento” (FURTADO, 1952, p. 328). Assim sendo, as estratégias econômicas inspiradas nos países de economias avançadas – (neo)liberais – não podem responder às necessidades de países economicamente atrasados mas com realidades sociais complexas; caso do Brasil. Bresser-Pereira (1977) irá aprofundar essa
39
do desenvolvimento tende a permanecer socialmente excludente na medida
em que as grandes cidades segregam suas populações por critério de renda.
Além disso, a tecnocracia incorporada à critérios para a implementação de
políticas públicas, sobretudo aquelas pautadas na concepção do custo-
benefício, isto é, voltadas exclusivamente ao retorno quantitativo dos
investimentos, inclina-se ao atendimento dos interesses do mercado.
O debate sobre a gestão de políticas públicas buscando examinar seu
modus operandi apontou avanços, limites e desafios no que tange à adoção
de modelos forâneos em realidades distintas. Desenvolvida originalmente no
contexto inglês e norte-americano, o gerencialismo constitui uma resposta às
novas características flexíveis do capitalismo moderno (HARVEY, 2013).
Essa forma de gestão passou a ser incorporada na América Latina na medida
em que se fortalecia a reestruturação produtiva em escala planetária
(BAGGULEY, 1991).
Essa prática, orientada por forças internacionais, demonstrou forte
incompatibilidade à realidade brasileira, notadamente no período de sua
implementação marcado pela criação do Ministério da Reforma do Estado
(MARE). A chamada nova administração pública se distingue da
administração pública burocrática notadamente por seu caráter gerencialista,
isto é, pautado na profissionalização e no uso de boas práticas do setor
privado (BRESSER-PEREIRA, 1996). Como será analisado mais adiante, as
boas práticas gerenciais (best practices) nem sempre se identificam com os
interesses do conjunto da coletividade.
Essa problemática, suscitada no contexto de realização de
megaeventos, demonstrou, uma vez mais, as prioridades mercantis em
detrimento dos interesses sociais. Nesse sentido, os esforços passam a se
concentrar na reestruturação do espaço urbano voltado aos interesses do
grande empresariado, notadamente aqueles ligados ao mercado imobiliário,
que vislumbram novas oportunidades de investimentos.
Ocorre que, em cidades com elevada concentração de renda, o
perímetro urbano costuma aglutinar as mais diversas classes sociais,
sobretudo em suas regiões centrais onde áreas degradadas se misturam com
questão ao analisar a realidade brasileira em seu livro: Estado e subdesenvolvimento industrializado.
40
espaços modernizados. De forma geral, são zonas beneficiadas por
infraestrutura de transporte público, o que contribui para a concentração das
mais diversas formas de atividade econômica. Esse conjunto de
características costuma tornar as regiões centrais objeto de disputa entre os
diversos estratos sociais que compõem o ambiente urbano.
Molotch (1976) já destacava o passivo social das intervenções que
intentam transformar a ordem urbana como forma de intensificar os fluxos de
capitais. Essa concepção, base do pensamento econômico neoclássico,
tende a beneficiar parcela circunscrita da população, o que contribui para
agravar problemas estruturais preexistentes, uma vez que conduz à
concentração social e espacial da renda.
Tendências emergentes tendem a enervar as máquinas de crescimento da localidade. A primeira é a crescente suspeita de que em muitas áreas, em muitos momentos históricos, o crescimento beneficia apenas uma pequena proporção de moradores locais. Crescimento quase sempre traz consigo os problemas óbvios de aumento da poluição do ar, da água, congestionamento de tráfego e sobretaxação de amenidades naturais (MOLOTCH, 1976, p. 318 – Tradução livre).
De fato, a ideia de transformar as grandes cidades em “máquinas de
crescimento” está relacionada ao conceito de mercantilização do espaço
urbano. Segundo Harvey (2005), os investimentos que se mostraram
rentáveis em determinado momento histórico exigem novas inversões para
torná-los novamente lucrativos.
Tais investimentos, especialmente quando são do tipo especulativo, invariavelmente requem novas ondas de investimento se a primeira onda se provou rentável [...] Assim, há um elemento de causa circular e cumulativa em funcionamento na dinâmica dos investimentos na área metropolitana [...] Eis o que frequentemente são máquinas de crescimento urbano em todas as partes: a orquestração da dinâmica do processo de investimento e a provisão de investimentos públicos chave, no lugar e tempos certos, para fomentar o êxito na competição interurbana e inter-regional. (HARVEY, 2005, p. 231).
É nesse contexto que os megaeventos surgem como uma janela de
oportunidades para uma nova rodada de mercantilização da cidades que tem
na elitização do espaço urbano, bem como a gentrificação, como
consequência eminente (SANTOS JUNIOR, 2015). A instauração de
reformas urbanas, fundamentadas por supostas necessidades estabelecidas
41
por padrões contemporâneos de riqueza, parecem justificar toda sorte de
intervenções urbanísticas. No entanto, a tipologia das reformas urbanas
requeridas para o sucesso de eventos de grande magnitude, alcança apenas
uma pequena fração da sociedade. Assim, a reestruturação do espaço
acontece de forma a privilegiar, quase que exclusivamente, a classe
empresarial. Sánchez (2010) denomina esse processo de empresariamento
da cidade.
No receituário imposto para o atendimento das demandas
ocasionadas pelos megaeventos realizados no Brasil, notadamente o evento
FIFA e os J.O., não havia menção a qualquer tipo de participação social
difusa ou local. Esse fato não apenas ignora qualquer tipo de gestão
democrática como também corrobora para o desrespeito às leis fundamentais
do direito urbano estabelecido no país.
A participação da sociedade na elaboração em todas as fases que
envolvem as políticas públicas, da agenda à avaliação, notadamente a partir
do Estatuto da Cidade15, proposto na Constituição de 1988, constitui uma das
diretrizes gerais da política urbana nacional. A participação social, garantida
pela Constituição, é imprescindível para uma gestão verdadeiramente
democrática, pois permite à sociedade atuar diretamente na realidade a qual
pertence apontando novas demandas e soluções para o enfrentamento de
problemas muitas vezes ignorados pelo poder público.
O Plano Diretor Municipal (PDM), respaldado pela Lei Federal do
Estatuto de Cidades, visa a promoção e garantia de uma administração
pública democrática por meio do uso de instrumentos de gestão que buscam,
entre outras coisas, o desenvolvimento e o ordenamento do espaço urbano
fazendo respeitar o seu caráter social, notadamente aquele relacionando à
função social da cidade e da propriedade urbana.
As normas e diretrizes estabelecidas no Plano Diretor são obrigatórias,
portanto, devem ser cumpridas pelo poder público e também por toda a
15 Lei No 10.257, DE 10 de Julho de 2001: “Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei,
denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que
regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar
dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” Acessado em 15/12/2014. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
42
sociedade, tendo em vista o desenvolvimento sustentável em seus múltiplos
aspectos. A ordenação e o desenvolvimento planejado das funções sociais
das cidades e da propriedade em benefício do bem-estar coletivo conjugados
com o equilíbrio ambiental e sustentável, podem ser concretizados apenas a
partir de uma gestão democrática em que participação dos atores sociais dão
legitimidade a toda e qualquer estratégia de planejamento e desenvolvimento
que se venha implementar. Daí a importância do Conselho das Cidades16
como instrumento de gestão que garante a participação popular - através de
seus delegados eleitos e de gestores públicos – em torno de temas
relevantes que levem em consideração as particularidades locais. Entre
outros objetivos, o Conselho busca sensibilizar e mobilizar a sociedade para
o estabelecimento de agendas, planos e metas de ação para as questões
urbanas, além de promover a interlocução entre autoridades e gestores
públicos com representantes de entidades representativas.
Contudo, Villaça destaca, sem ilusões, a realidade da participação
social na gestão pública brasileira:
Não existe “a população”. O que existe são classes sociais ou setores ou grupos da população. A classe dominante sempre participou seja dos planos diretores seja dos planos e leis de zoneamento. Quem nunca participou foram – e continuam sendo – as classes dominadas, ou seja, a maioria. Até agora foram essas classes as grandes ausentes. Portanto, quando se fala em Plano Diretor Participativo, como sendo uma novidade e se referindo aos planos diretores do presente, essa ênfase na “participação” só pode ser referir à maioria dominada, já que a minoria dominante sempre participou, embora raramente de forma ostensiva (VILLAÇA, 2005, p. 49).
O Plano Diretor constitui instrumento obrigatório para municípios com
mais de vinte mil habitantes e também para aqueles que integram regiões
16“Art. 1o. O Conselho das Cidades - ConCidades, órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministério das Cidades, tem por finalidade estudar e propor as diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, bem como acompanhar e avaliar a sua execução, conforme dispõe a Lei N o. 10.257, de 10 de Julho de 2001 – Estatuto da Cidade. Art. 2o. O ConCidades é responsável por propor as diretrizes gerais para a formulação e implementação da Política nacional de Desenvolvimento Urbano, em consonância com as resoluções aprovadas pela Conferência Nacional das Cidades.” - Acessado em 15/12/2014 .Disponível em: http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosCidades/ArquivosPDF/Publicacoes/Decretos/decreto-5790-2006.pdf
http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosCidades/ArquivosPDF/Publicacoes/Decretos/decreto-5790-2006.pdfhttp://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosCidades/ArquivosPDF/Publicacoes/Decretos/decreto-5790-2006.pdf
43
metropolitanas de grande densidade populacional. Os municípios devem
cumprir o prazo de cinco anos - a partir da promulgação da Lei em 2006 -
para atender a obrigação constitucional de elaboração de PD, fixado pelo
artigo 50 do Estatuto da Cidade, promovendo revisões e ajustes a cada
decênio. Ademais, os municípios estão obrigados a elaborar planos diretores
para que o poder público atue de forma legítima no enfrentamento de
problemas próprios de ambientes urbanos complexos, tais como: a
ociosidade da propriedade urbana, (re)ocupação especial de interesse
turístico, áreas de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
Nesse sentido, o Plano Diretor constitui instrumento fundamental da
gestão pública brasileira. Contudo, sua apropriação por parte das elites que
visam a exploração da mais-valia fundiária, notadamente pelo rentismo,
minam as possibilidades de transformar as cidades brasileiras na direção da
construção de um ambiente urbano democrático.
Nossa sociedade está encharcada da ideia generalizada de que o Plano Diretor (n