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PONTIFíCIAUNIVERSIDADECATÓLICADESÃOPAULOPROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMTECNOLOGIASDAINTELIGÊNCIAEDESIGN
DIGITAL
LUCIANOLAURIPIRES
FELICIDADE,EMOÇÃOEHÁBITO:NOVASABORDAGENSDODESIGNDIGITALCOMFOCONOBEM-ESTARSUBJETIVO
DOUSUÁRIO
SÃOPAULO2017
1
LUCIANOLAURIPIRES
FELICIDADE,EMOÇÃOEHÁBITO:NOVASABORDAGENSDODESIGNDIGITALCOMFOCONOBEM-ESTARSUBJETIVO
DOUSUÁRIO
DissertaçãoapresentadaàBancaExaminadoradaPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo,comoexigênciaparcialparaobtençãodotítulodeMESTREemTecnologiasdaInteligênciaeDesignDigital,sobaorientaçãodoProf.Dr.SergioRoclawBasbaum
SÃOPAULO2017
2
LUCIANOLAURIPIRES
FELICIDADE,EMOÇÃOEHÁBITO:NOVASABORDAGENSDODESIGNDIGITALCOMFOCONOBEM-ESTARSUBJETIVO
DOUSUÁRIO
DissertaçãoapresentadaàBancaExaminadoradaPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo,comoexigênciaparcialparaobtençãodotítulodeMESTREemTecnologiasdaInteligênciaeDesignDigital,sobaorientaçãodoProf.Dr.SergioRoclawBasbaum
Bancaexaminadora:____________________________________________________________________________________________________________
SÃOPAULO2017
3
AlunobolsistadaCAPES/PROSUP,comapoiodaFUNDASPnoanoletivode2016.
4
AoDavi,minhafonteinesgotáveldefelicidade.
5
AGRADECIMENTOS
Àminhairmã,portodoocarinho.Aosmeuspais,pelaminhafelicidadegenética.AoCélioMonção,pelocompanheirismo.ÀMarianaBernaleVivianeMizuno,pelacompreensãoeincentivo.ÀEllenKiss,pelainspiração.
6
RESUMO
Estadissertaçãodemestradopretendedebater,deformaexploratória,opapeldo
designernaconstruçãodeexperiênciasdigitaisquepromovemobem-estarsubjetivodo
usuário.Lidacomahipótesedequeexisteumapreocupaçãocrescentenacomunidade
dedesignsobreoseupapelcomoáreadeatuação,causadapelaatualmaturidadedos
processos de design centrado no usuário e pelo surgimento de novas pesquisas
científicasnas áreasda infocognição,PsicologiaPositiva eEconomiaComportamental.
Consideraabordagensparalelascomoodesignemocionaleosmodelosdeconstrução
de hábito através do design. Justifica-se pela necessidade de evolução dos métodos
vigentesdedesign,nummomentoemqueousuárioencontra-secercadoporambientes
digitaisultradesenhadosequepriorizamfatoresdaexperiênciavoltadosàusabilidade
eaodesempenho,ao invésde fatoresquecontribuemparaaconstruçãoda felicidade.
ConcluiqueoexercíciodoDesignPositivo,umaabordagemdedesignparaobem-estar
subjetivo fundamentada nos conceitos da Psicologia Positiva e da eudaimonia de
Aristóteles, pode trazer uma importante evolução na prática do design digital. Ao
demonstrar que a busca do bem-estar subjetivo está vinculada a três componentes
principais (prazer, significado pessoal e virtude), esta abordagem apresenta um
framework consistente e diversas oportunidades de design para a felicidade,
provocandodiscussõesalémdacomunidadededesign.
Unitermos:designdigital,DesignPositivo,designemocional,hábito,eudaimonia
7
ABSTRACT
This work aims to discuss and investigate the role of the designer in the
constructionofdigitalexperiencesthatpromoteusersubjectivewell-being.Itdealswith
thehypothesisthatthereisgrowingconcerninthedesigncommunityoveritsroleinits
field of work. That is due to the current level of maturity of user-centered design
processes and due to new research covering infocognition, positive psychology and
behavioral economy. It considers parallel approaches, such as emotional design and
habit-building models through design. It is relevant due to the need to make evolve
currentdesignmethodsatatimewhenusersaresurroundedbyultra-designeddigital
environmentsthatprioritizeexperiencefactorsdedicatedtousabilityandperformance
instead of factors that contribute to the construction of happiness. It draws the
conclusion thatPositiveDesign, adesignapproach for subjectivewell-beinggrounded
on concepts of Positive Psychology and Aristotle’s eudaemonia, may present amajor
evolution in thedigitaldesignpractice.Bydemonstrating that thequest forsubjective
well-being is connected to three main components (pleasure, personal meaning and
virtue), this approach introduces a consistent framework and several design
opportunitiesforhappinesswhileleveragingdiscussionsbeyondthedesigncommunity.
Keywords:digitaldesign,positivedesign,emotionaldesign,habit,eudaemonia
8
LISTADEFIGURAS
Figura1-AProgressãodoValorEconômico......................................................................................15Figura2–OsQuatroDomíniosdaExperiência..................................................................................17Figura3–Frameworkinicialdaexperiência.......................................................................................19Figura4–Adinâmicadaexperiênciadeinteraçãoindividualesocial...................................22Figura5-ProcessodeDesignThinkingdaIDEO..............................................................................28Figura6-DuploDiamante..........................................................................................................................29Figura7-LoopdoHábito.............................................................................................................................40Figura8-ModelodoGancho......................................................................................................................42Figura9-ModelodeComportamento...................................................................................................43Figura10–Asseisfontesbásicasdeemoçõespositivasnasinteraçõeshomem-objeto 49Figura11–TipologiaGeraldas25EmoçõesPositivas...................................................................51Figura12–EscalaMultidimensionalcomasCategoriasdeEmoções.....................................52Figura13-ArodadasemoçõesdePlutchik........................................................................................55Figura14–ModeloCircumplexodeEmoções....................................................................................61Figura15–OPANAS(WATSONetal,1988,p.1070).....................................................................62Figura16–PEGCards-PositiveEmotionalGranularityCards....................................................67Figura17-PirâmidedeMaslow...............................................................................................................71Figura18–TeladoaplicativoTrackyourhappiness.......................................................................85Figura19–TeladoaplicativoMappiness.............................................................................................87Figura20-PirâmidedeHierarquiadasNecessidadesdoUsuário............................................96Figura21-MatrizdeDesignparaoSignificadoSimbólico............................................................99Figura22-ExemplodecartadoSIMToolkit......................................................................................101Figura23–Framework-DesignPositivo...........................................................................................102Figura24-“WhatistheClassificationofCharacterStrengthsandVirtues?”.....................105Figura25–CapturadateladopáginaoficialdoAppleWatch..................................................107Figura26–ImagemdoaplicativoGoodGuide...................................................................................108Figura27–ImagemdoInclusiveMicrosoftDesignManual.......................................................109
9
SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................11
1.1JUSTIFICATIVA...........................................................................................................................................11
1.2PROBLEMAS................................................................................................................................................11
1.3OBJETIVOETEMAS..................................................................................................................................12
1.4HIPÓTESESEMETODOLOGIADEPESQUISA...............................................................................12
2AERADAEXPERIÊNCIAEONOVOPAPELDODESIGNER........................................................14
2.1MODELOINICIALPARAENTENDIMENTODAEXPERIÊNCIA..............................................18
2.2INTERAÇÕESFLUENTES,COGNITIVASEEXPRESSIVAS........................................................20
2.3NOVOSHUMANOS,NOVASFORMASDEINTERAGIR...............................................................23
2.4AEVOLUÇÃODOPAPELDODESIGNER..........................................................................................26
2.5DESIGNTHINKING....................................................................................................................................27
3DESIGNDOHÁBITO.....................................................................................................................................31
3.1OSPAPÉISPERSUASIVOSDOSMARTPHONE...............................................................................31
3.2OHÁBITO.....................................................................................................................................................34
3.3ESTÍMULO-RESPOSTA............................................................................................................................35
3.4CONTEXTO-RESPOSTA...........................................................................................................................36
3.5DESENHANDOHÁBITOS........................................................................................................................40
4DESIGNEMOCIONAL...................................................................................................................................46
4.1EMOÇÕESPOSITIVASEEXPERIÊNCIA...........................................................................................47
4.2LÉXICOEMOCIONAL...............................................................................................................................50
4.3GRANULARIDADEEMOCIONAL.........................................................................................................52
4.4ARODADEEMOÇÕESDEPLUTCHIK..............................................................................................54
4.5INFORMÁTICAPESSOAL:RASTREANDOEMEDINDOEMOÇÕES.......................................56
4.6NOVASTECNOLOGIASDERECONHECIMENTOEMOCIONAL...............................................63
4.7AIMPORTÂNCIADOSAUTORRELATÓRIOS.................................................................................65
4.8PEGCARDS:UMAFERRAMENTAPARAODESIGNEMOCIONAL........................................67
4.9ESCALABILIDADEDAEXPERIÊNCIA...............................................................................................68
5FELICIDADE....................................................................................................................................................69
5.1APSICOLOGIAPOSITIVAEASABORDAGENSTEÓRICASACERCADAFELICIDADE..69
5.2FELICIDADEVIVENCIADAESATISFAÇÃOCOMAVIDA.........................................................75
5.3MEDINDOAFELICIDADE......................................................................................................................78
10
5.4MÉTRICASAVALIATIVAS/COGNITIVASDEFELICIDADE....................................................79
5.5MÉTRICASHEDÔNICASDEFELICIDADE.......................................................................................82
5.6TRACKYOURHAPPINESS–DEMATTKILLINGSWORTH........................................................84
5.7MAPPINESSEAFELICIDADENOTRABALHO..............................................................................86
5.8MÉTRICASEUDEMÔNICAS...................................................................................................................88
5.9ENTENDENDOAPSICOLOGIAPOSITIVA.......................................................................................90
6DESIGNPOSITIVO:DESENHANDOOBEM-ESTAR.........................................................................94
6.1AHIERARQUIADASNECESSIDADESDOUSUÁRIO...................................................................95
6.2POSITIVEDESIGN......................................................................................................................................97
6.3DESIGNPARAAFELICIDADEATRAVÉSDOSIGNIFICADOSIMBÓLICO...........................98
6.4FRAMEWORKPARAODESIGNPOSITIVO....................................................................................101
7CONCLUSÃO.................................................................................................................................................111
REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................114
11
1INTRODUÇÃO
“Nósnoscercamosdecoisasquenosfazemsentirbemmasseráqueelasestãonosfazendofelizes?”(POHLMEYER,2014)
Com esta frase, a pesquisadora Anna Pohlmeyer, do Delft Institute of Positive
Design,abriuasuapalestranoeventoUXWeekrealizadoem12deSetembrode2014
emSãoFrancisco,nosEstadosUnidos.Foiomeuprimeirocontatocomaabordagemdo
DesignPositivoeaquilomedeixoufascinadodesdeentão.Veiodeencontroàsminhas
inquietações sobre o sentido e o futuro do design da experiência do usuário, área de
conhecimentoquesetransformounaminhaprincipalatividadeprofissionalnosúltimos
20anos.Desdeentão,tenhoestudadoosconceitosfundamentaisdessanovaabordagem
e tentado adaptar algumas de suas ferramentas ao meu processo de design. Esta
dissertaçãodemestradoregistraaminhajornadadepesquisasobreoDesignPositivo,
mostrandotodasasconexõesdotemacomdisciplinasadjacentesefazendoumaanálise
dasprincipaisferramentasdisponíveisparaasuapráticanodesigndigital.
1.1Justificativa
Oobjetodeestudodo trabalhoéaevoluçãododesigndigital.Novaspesquisas
científicas nas áreas da infocognição, Psicologia Positiva e Economia Comportamental
trazempossibilidades teóricas para o design comodisciplina e práticas para o design
comoofício.
A importância de uma suplementação nos métodos vigentes de design ocorre
num momento em que o usuário encontra-se cercado por ambientes digitais ultra
desenhados e que priorizam fatores da experiência voltados à usabilidade e ao
desempenho. Estamos criando hábitos e transformando comportamentos individuais
muitas vezes discordantes de umameta comuma todos os usuários: a construção da
felicidade.
1.2Problemas
Comoodesignerpodeampliaroseuescopodeatuaçãoparacuidardequestões
maishumanasrelacionadasaousodedispositivosdigitais?
12
Quais conceitos, teoriasemetodologiaspodemapoiarumanovaabordagemde
designcomfoconafelicidadedousuário?
1.3Objetivoetemas
O objetivo da pesquisa é entender o papel do designer na construção de
experiências digitais que promovem o bem-estar subjetivo através da construção e
modificaçãodehábitos.
Dentreostemasaseremestudadosestão:
• DesignPositivo: abordagemdodesignque tem como focoodesenhode
experiências que promovem o bem-estar subjetivo. Novas disciplinas
científicas como a Economia Comportamental e a Psicologia Positiva
suportam a construção do Design Positivo e serão exploradas nesse
estudo
• Eudaimonia: a felicidade na visão de Aristóteles como inspiração para
novosframeworksdedesign
• Design emocional: abordagem que explora os conhecimentos da
neurociênciaedapsicologiadasemoções
• Persuasãoeconstruçãodehábitosemambientesdigitais
• Osobjetosvestíveiseamenteestendida
• Personalinformatics:bigdata,sensoreseohomemquantificado
1.4Hipótesesemetodologiadepesquisa
Aprincipalhipótesedestapesquisaéadequeexisteumapreocupaçãocrescente
na comunidade de design sobre o seu papel como área de atuação. A prática
amplamentedisseminadadodesigncentradonousuárioatingiuumaaltamaturidadeno
mercado digital provocando discussões sobre o propósito e a evolução do próprio
design.
Comometodologia, por se tratar de uma pesquisa exploratória, realizamos um
levantamento das publicações teórico-filosóficas para embasar a dimensão teórica do
13
trabalho. Em paralelo, realizamos uma investigação de métodos e técnicas de design
aplicadosporprofissionaisnomercadodigital.
14
2AERADAEXPERIÊNCIAEONOVOPAPELDODESIGNER
“Onovohomemnãoquerteroufazer,elequervivenciar.Eledesejaexperimentar,conhecere,sobretudo,desfrutar.”
(FLUSSER,2007)
Em nenhum outro momento da nossa história recente falamos tanto sobre a
experiência humana. Se antes era um assunto restrito a psicólogos e antropólogos, o
entendimentodaexperiênciapassouaserumaquestãodesumaimportânciaparaum
grande número de profissionais. De taxistas amédicos, todo o profissional que antes
entregava serviços passou a entregar experiências. Mesmo que a mudança tenha
acontecido de forma superficial e que, na verdade, o serviço ainda seja o foco da
operação, todos passaram a considerar aspectos mais humanos na sua oferta:
expectativas,emoções,frustrações,dores,segurança,medo,surpresa,etc.
Para os designers essa relação com o humano é um pouco diferente. O design
tradicionalmente explora os fatores humanos e foi um grande impulsionador da
chamada economia da experiência. A crescente adoção demétodos etnográficos pelo
design, tanto em estudos acadêmicos quanto nas empresas, permitiu que esses
profissionaispudessemseaprofundarnoentendimentodessesfatoresparaconduzirem
o desenvolvimento de produtos com uma abordagem mais ampla da experiência do
usuário. Além dos métodos de pesquisa adaptados da antropologia, conceitos da
sociologia edapsicologia comportamental foram trazidosparaapráticadodesignna
exploraçãoda forma, funçãoe conteúdodeprodutos.Novas ferramentasentraramno
cotidiano desses profissionais que precisam desconstruir desejos e sentimentos para
moldarsatisfaçãoeusabilidade:mapasdajornadadocliente,personas,cenários,mapas
de empatia ementais complementam ferramentas tradicionais como: lápis, borracha,
AutoCAD, Photoshop e Illustrator 1 . Novos cargos surgiram em resposta a essas
necessidadesespecíficasdomercado:designerdeexperiênciadousuário(UXdesigner),
pesquisador de experiência do usuário, designer de interação, designer de serviços
centradosnousuário,especialistaemfatoreshumanos,entreoutros.
Em agosto de 1998 a revista Harvard Business Review publicou um artigo
intitulado “Bem-vindosàEconomiadaExperiência”,queregistroupelaprimeiravezo
1AutoCAD,PhotoshopeIllustratorsãosoftwaresdecriaçãoemanipulaçãodeimagenscomumenteutilizadospordesignersearquitetos.
15
movimentodevalorizaçãodaexperiênciapelasáreasdenegóciosdasempresas.PineII
e Gilmore escreveram também um livro homônimo, onde traçam uma escala de
progressãohistóricadovaloreconômico.Aescalaseinicianaeconomiaagrária,focada
na extração de bens, sem uma necessidade de diferenciação competitiva entre os
membros da economia. Em seguida veio a economia industrial, com amanufatura de
produtos,edepoisaeconomiadeserviços,ondeaentregadeserviçoseraaatividade
econômica quemais gerava recursos. Hoje, a experiência do cliente está no cerne da
economia. O valor de uma empresa está em proporcionar experiências desejáveis e
memoráveisaosclientes.Nãobastaserumbem,umamercadoria,umserviço.Oproduto
demaior valor na nova economia é bastante intangível. Está na interação do usuário
comamarcaduranteasuajornadadedescobertaeuso.
Figura1-AProgressãodoValorEconômico2
A experiência, curiosamente, sempre foi a principal matéria prima de uma
indústria específica: a do entretenimento. Bem antes da economia da experiência ter
sido declarada, o cinema, o teatro e, de forma exemplar, os parques de diversões já
conseguiam orquestrar jornadas imersivas e atraentes para o seu público. Cada
momentodeinteraçãoemumparquedediversõeséestudadoedesenhadonosmínimos2TraduzidopeloautordePineIIeGilmore(1998).
16
detalhes para surpreender os visitantes. Desde a chegada no estacionamento até o
embarquenumaatração,todasasetapassãopreparadascomoumacena,comroteiros,
marcações e regras. Essemodo de pensar no atendimento ao cliente inspirou outros
setoresdomercadoareavaliaremoproduto finaldesuasempresas.Anovaeconomia
coloca suas lentes sobre o desejo humano e usa o design centrado no usuário para
viabilizaroseunovoproduto:aexperiência.
Cinco diretrizes são sugeridas para o desenho de experiência pelos autores do
artigo:
1. Tematizeaexperiência
2. Complete-acomtodososdetalhes
3. Harmonizeasimpressõescompontospositivos
4. Elimineospontosnegativos
5. Adicioneelementosmemoráveis
Para a nova economia, a memória da experiência é objetivo principal dos
investimentosderecursos:Umaexperiênciaocorrequandoumaempresautilizaintencionalmenteserviçoscomopalcoeprodutoscomoadereçosparaenvolverconsumidoresecriarumevento marcante. Bens são fungíveis, produtos são tangíveis, serviços sãointangíveiseexperiências,memoráveis(PINEIIeGILMORE,2016).
Experiênciassãomanifestaçõespessoais,internasdecadaindivíduo.Existemna
formadeemoções,expectativas,desejosepensamentos.Umanuncaéigualaoutra,pois
cada indivíduo apresenta uma predisposição e um estado emocional diferente ao
engajar-seemumajornadadeexperimentação.Osautorespropõemumdiagramacom
quatrodomínios como formade entender essas diferenças.Odiagrama é estruturado
com base em dois eixos relacionados à predisposição do consumidor: participação e
conexão:Uma forma para refletir a respeito das experiências é por meio de duasdimensões. A primeira delas corresponde à participação do consumidor. Emumadaspontasdoespectroestáaparticipaçãopassiva,naqualoconsumidornão influencia em nada a performance. Entre esses participantes estão, porexemplo, espectadores de uma sinfonia, que vivenciam o evento comoobservadores ou ouvintes. Na ponta oposta do espectro está a participaçãoativa, na qual o consumidor tem um papel fundamental na performance ouevento do qual emergirá a experiência. Entre eles estão os esquiadores, porexemplo.Asegundadasdimensõesdaexperiênciaestárelacionadaàconexãoourelaçãoambientalqueuneoconsumidoraoeventoouperformance.Emumapontadoespectrodaconexãoestáaabsorção,ea imersãoestánapontaoposta.Quemassiste ao Kentucky Derby da arquibancada principal consegue absorver o
17
evento que está acontecendo à sua frente e abaixo de si. Por outro lado, osespectadoresempénomesmoníveldapistaestãoimersosnasimagens,sonsecheiros que os circundam. Fazer anotações freneticamente durante umapalestrageramuitomaisabsorção (ouseja, émuitomaisenvolvente)que lerum livro-texto;assistiraum filmenocinemaemmeioaumaenormeplateia,com uma enorme tela e som estéreo é muito mais imersivo que assistir aomesmofilmeemvídeonasaladecasa(PINEIIeGILMORE,2016).
Figura2–OsQuatroDomíniosdaExperiência3
O diagrama proposto por Pine II e Gilmore (1998) revela quatro possíveis
categoriasdeexperiências,aquidenominadasdomínios:
1. Entretenimento: as experiências onde a participação do indivíduo é
passiva e sua conexão é assimilativa. Enquadram-se nessa categoria
atividadescomoassistirtelevisãoouiraumconcerto.
2. Educativas:caracterizam-seporumaparticipaçãomaisativadoindivíduo,
ainda que mantenham um distanciamento do evento. Exemplos de
atividadeseducativas:assistiraumaaula,fazerumcursodedança.
3. Escapistas:essasexperiênciaspodemsereducativasedivertidascomoas
categorias anteriores,mas trazem o indivíduo para dentro do evento. O
3TraduzidopeloautordePineIIeGilmore(1998).
18
mesmo fica imerso na experiência, como quando atua em uma peça de
teatro,tocauminstrumentooufazumaescalada.
4. Estéticas: são experiências de imersão em uma atividade ou ambiente,
massemqueoindivíduotenhaumaparticipaçãoativa.Comoumavisitaa
umagaleriadearte,umasessãodecinema3D.
A progressão do valor econômico, da extração de bens à encenação de
experiências, representa também a progressão do design. Assim como os objetos, as
experiênciasprecisamserdesenhadasparaatenderumanecessidadehumana.Precisam
de estrutura, forma e função. Dependem de um processo de pesquisa, desenho,
desenvolvimento e constante refinamento. Precisam contar uma história, criar uma
conexãoemocionalcomoconsumidor.
Osdesafiosdodesigndaexperiênciapassaramaserinvestigadosnasempresase
na academia.Umadas correntes filosóficasmais importantesparao entendimentoda
experiêncianouniversoacadêmicoéafenomenologia.Apesquisafenomenológicatem
umarelaçãodiretacomodesignpoisestudaaexperiênciaafetiva,estéticaeintencional
do homem e seu corpo nomundo. Explora amaneira como os instrumentos, objetos,
nossoambientefísicoesocialinfluenciamaexperiência,acogniçãoeapercepção.Essa
forma direta de pensar as interações do homem com o mundo e, principalmente, a
importânciada intençãonoprocessocognitivo, influenciouváriosestudosacadêmicos
acercadodesign.
2.1Modeloinicialparaentendimentodaexperiência
Um estudo importante para o entendimento da experiência como objeto de
designfoirealizadonamesmaépocaemqueomundocorporativodiscutiaaeconomia
da experiência. Duas pesquisadoras da Escola de Design da Universidade Carnegie
Mellon nos Estados Unidos, construíram um framework inicial para designers de
interaçãocombasenumateoriadaconsciênciaconhecidacomocogniçãoexperimental,
criadaporRichardCarlsonemlivrohomônimo:O ponto de vista da cognição experimental defende que os objetivos dedeterminada pessoa a qualquer momento afetam o conteúdo do que évivenciadoequaispossibilidadesdoambiente,dosartefatoseoutraspessoassetornammaisdestacados.O ineditismodasituaçãomoldarácomoousuário“sairá da história” e passará a ver e sentir algo que lhe é novo (FORLLIZZI eFORD,2000,p.421).
19
ApropostadaspesquisadorasForllizzieFord(2000),denominadaThebuilding
blocks of experience: an early framework for interaction designers, pretende criar uma
forma sistemática de se falar sobre a experiência, facilitando a discussão e o
entendimentodotemapelosdesigners.Começandopordefinirtrêsformasdesereferir
àela:experiência,umaexperiênciaeexperiênciacomohistória.
1. Experiência:a formamaissimples,caracterizadapelo fluxoconstantede
pensamentosqueacontecemnumperíododetempo.Podemosidentificar
esse tipo de experiência quando realizamos uma narração interna das
nossasações.
2. UmaExperiência: temum começo e um fim. Provoca emoções, ocasiona
mudançasnoindivíduo,influenciasuasatitudesecontexto.
3. Experiênciacomohistória:estárelacionadaànossacomunicação,ànossa
intenção de condensar, lembrar e compartilhar momentos. São aquelas
experiências mais memoráveis, que conseguimos articular em uma
conversacomoutraspessoas.
Figura3–Frameworkinicialdaexperiência4
Quatrocomponentessãoadicionadosaoframework,chamadosdedimensõesda
experiência:subconsciência,cognição,narrativaerelatodahistória(storytelling).
Experiências subconscientes são descritas como aquelas que não exigem a
atençãodoindivíduo,nãodemandamesforçocognitivo,acontecemdeformaautomática
oufluente.Sãoaçõesaprendidaseexecutadasdeformahabitual.
4TraduzidopeloautordeForllizzieFord(2000,p.421).
20
A dimensão da cognição representa as experiências que demandam a reflexão
sobre a ação: interações com novos sistemas, ambientes não familiares e tarefas que
exigematenção,deduçãoouresoluçãodeproblemas.Todoprimeiroacessodousuárioa
um produto ou sistema é uma experiência cognitiva, podendo ser desenhada para
proporcionaraprendizadoefacilitaroseuusohabitual.
Anarrativatraduzasexperiênciasqueforamformalizadasnamentedoindivíduo
após um esforço analítico. É a síntese através da linguagem, o discurso das ações e
percepções experimentadas. Todoprodutoofereceumanarrativadeuso ao indivíduo
pormeiodesuaspropriedadesepossibilidadesdeinteração.Oindivíduo,porsuavez,
usaoprodutode formapessoal, selecionandoaspropriedadesmaisadequadasaoseu
contexto, seu estado emocional e expectativas. Podemos dizer que o indivíduo, agora
usuário do produto, cria um roteiro único, uma história pessoal. A dimensão
denominadarelatodahistóriarepresentaoroteiroformalizadodaexperiênciadeuso,
carregadodesignificadopessoalecompartilhadocomoutrosindivíduos.
Apropostadoframeworképrovocarareflexãodosdesignersdeinteraçãosobre
asdimensõesdaexperiência.Comoumaexperiênciaeducativa,porexemplo,passada
dimensão cognitiva, onde o aluno se empenha em aprender uma tarefa, para uma
dimensão subconsciente, onde o aluno realiza a mesma tarefa de forma habitual,
automática. Ao observar essas transições pelas dimensões da experiência podemos
entender os requisitos para o design de interação. Quais são as técnicas ideais para
provocarmudanças na experiência a fimde torná-lamemorável, digna de um roteiro
pessoaldeuso.Afinal,esteéomovimentoquemaisinteressaaodesign:Épossívelentenderqueumbomprodutoéaquelequeofereceumanarrativaconsiderada boa ou memorável que envolverá o usuário, a qual ele irátransmitir para outras pessoas seja compartilhando o artefato, seja falandosobreele(FORLLIZZIeFORD,2000,p.422).
2.2Interaçõesfluentes,cognitivaseexpressivas
Alguns anos depois, Forlizzi J., uma das autoras do The building blocks of
experience: an early framework for interaction designers, evoluiu a abordagem do
framework em um estudo em parceria com outra pesquisadora, Battarbee K., da
Universidade de Arte e Design de Helsinki. A nova proposta mantém o foco nas
interaçõeshomem-objetocomoaprincipallentedeentendimentodaexperiênciapelos
designers.
21
Omodeloanteriorémodificadopara três formasde interaçãousuário-produto
(FORLLIZZIeBATTARBEE,2004):
1. Fluentes: antes chamadas de subconscientes, são as interações mais
automáticasehabituaisderivadasdeaprendizadosepráticasanteriores.
Nãocompetempelanossaatenção,liberandoofocoparaoutrosprocessos
cognitivos.
2. Cognitivas: são as interações que demandam foco no uso do produto.
Podem resultar em aprendizado, confusão ou erro, dependendo do
contextoedasreferênciasdousuário.
3. Expressivas: são as interações onde o usuário cria uma história sobre a
sua experiência com o produto. O produto é modificado, adaptado e
personalizadopelousuárioparaproporcionarummelhorencaixeàssuas
necessidades. Este esforço criativo espontâneo do usuário acontece
quandooproduto favorece este tipode interação.A consequência é um
vínculomaiorentreousuárioeoobjetodeinteração.
Comonomodeloinicial,aexperiênciaédivididaemtipos.Osdoisprimeirossão
os mesmos: experiência e uma experiência. No novo modelo o contexto social da
experiênciaévalorizadoeredefineoqueanteseraclassificadocomonarrativaerelato
da história (figura 4). Passamos a considerar um terceiro tipo de experiência
denominadocoexperiência.Acoexperiênciaéumaterceiraformadesefalarsobreexperiência.Elaenvolveaexperiênciadousuárioemcontextossociaiseacontecenamedidaemqueasexperiências são criadas conjuntamente ou compartilhadas com terceiros. Aspessoasconsiderarãoquevaleapenacompartilhardeterminadasexperiênciase as ‘melhorarão’ para os outros. As experiências compartilhadas permitemdiversas interpretações por parte das pessoas – podem considerá-lasprevisíveis e agradáveis ou surpreendentes e até mesmo fora da curva. Porexemplo, uma pessoa pode retribuir, rejeitar ou ignorar uma experiência.Portanto,aexpressãodossignificadoséestimulada–eosprópriossignificadossãoelaborados–pelacoexperiênciapormeiodainteraçãosocial(FORLLIZZIeBATTARBEE,2004,p.263).
Onovomodelomostra-semaisaderenteàatualidadedasexperiênciashumanas,
cadavezmaispermeadaspelatecnologia.Ossistemasdeinteraçãohumano-computador
sustentam e impulsionam a coexperiência ao disponibilizarem canais acessíveis de
comunicaçãoefacilitaremacriação,ediçãoecompartilhamentodeconteúdocomoutros
indivíduosatravésdarede.
22
Figura4–Adinâmicadaexperiênciadeinteraçãoindividualesocial5
Quando um indivíduo interage com um produto, suas experiências fluemdinamicamente entre tipos de interação fluentes, cognitivos e expressivos àmedida que elas acontecem. A coexperiência é o processo de melhorarexperiênciasparaapercepçãodosoutros,quandoelassetornampartedeumprocessosocialdeinterpretaçãoquepodeinfluenciaroqueaexperiênciaviráarepresentarparacadapessoa(FORLLIZZIeBATTARBEE,2004,p.264).
OmodelodeForllizzieBattarbee(2004)permiteentenderarelaçãodiretaentre
o conceito de experiência, amplo e muitas vezes intangível, e as interações homem-
objeto. Surgiu num momento da história onde os designers precisavam criar novas
ferramentas de trabalho para atender às demandas de uma indústria tecnológica em
expansãoedeumaeconomiatotalmentevoltadaparaoconsumidordigital.
As interações do homem com o mundo passaram a ser intermediadas por
aparatosdigitais.Nãosomosmaisosmesmospoisnossaslimitaçõesdecorpoemente
foramredefinidasapósoacoplamentodatecnologiamóvelaonossocorpofísico.Nesse
contexto,queexperiênciasdevemosentregarparaessenovohumano?
5TraduzidopeloautordeForllizzieBattarbee(2004,p.264).
23
2.3Novoshumanos,novasformasdeinteragir
Em seu livroOmundo codificado, publicado em 2007, o filósofo Vilém Flusser
relataaevoluçãohistóricadasinteraçõeshomem-máquina.Numprimeiromomentoera
o homem cercado de suas ferramentas, numa economia baseada namanufatura e na
extraçãodebensdanatureza.ARevoluçãoIndustrialinverteuessarelação:oshomens
cercaramasmáquinas,foramatéasfábricasparaoperá-lasemlinhasdeprodução.Hoje,
graçasà interneteaosavançostecnológicosestamosnosacoplandoàsmáquinaspara
vivernummundoultraconectado.
Vivemosummomentoondeocontextotecnológicoinfluenciaemodificaanossa
forma de pensamento. Existe umamudança na forma de perceber omundo real por
conta do mundo virtual. Todos estão conectados. Tudo está conectado e é smart: o
celular,orelógio,osóculos,aroupa,acasa,acidade.Estamoscercadosdedispositivos
digitaisaltamentefuncionaiseminuciosamentedesenhados,queentregamexperiências
interativas cada vezmais inteligentes e íntimas. Os dispositivos transformam-nos em
pós-humanos, indivíduos integrados a sistemas de informação de forma contínua. A
nossa realidade não é mais a mesma, ela é aumentada. Nosso corpo se adapta e se
calibra aos dispositivos acoplados que, por sua vez, sentem o corpo e interpretam os
dadosrecebidospelossensores.
Ofascinanteconceitodocorpoedamenteestendidafoibastanteexploradopor
pesquisadoreseautoresdosmaisdiversosestilos.Deobrasdeficçãocientíficaaartigos
acadêmicos. Um dos principais trabalhos sobre o tema, de Andy Clark e David J.
Chalmers (2000), define a influência do meio-ambiente na condução dos processos
cognitivoscomoexternalismoativo.Nessescasos,oorganismohumanoestáconectadoaumaentidadeexternaemuma interação de duas vias criando um sistema em par que pode serinterpretado como um sistema cognitivo em si. Todos os componentes dessesistema representam um papel causal ativo e governam conjuntamente ocomportamentodamesma formaque a cogniçãonormalmente o faz.Quandoremovido o componente externo, a competência comportamental do sistemairá decair damesma formaque ocorreria se removêssemos parte do cérebro(CLARKeCHALMERS,2000,p.62).
A ideia de que a cognição é uma atividade do corpo tem sido enfatizada por
cientistascognitivosnosúltimosanos.ComoapontaDanielKahneman(2015,p.68),“A
cogniçãoécorporificada;vocêpensacomoseucorpo,nãoapenascomoseucérebro”.A
cognição se estende alémdo corpo, até os processos que ocorremnomundo à nossa
24
volta,atéosinstrumentosqueusamosparaapoiarasnossasatividadescognitivas.Papel
elápis,porexemplo,nãosãoapenasinstrumentosquefacilitamumatarefadedesenho;
elespodemservistoscomocomponentesdonossoprocessocognitivo.Umsmartphone
podesertãoessencialparaamemóriaquantooprópriohipocampo.Nossahabilidadede
locomoção pela cidade melhorou muito depois que incorporamos o GPS (The Global
PositioningSystem–SistemadePosicionamentoGlobal)ànossarotina.Aoinstalaresses
instrumentosnonossocotidianoestamostambémnosinstalandoneles.Podemosfazer
aquiumreferênciaàsinteraçõesfluentes,tratadasanteriormentenomodelodeForllizzi
eBattarbee(2004).Nossousoconstantededispositivoseinstrumentosanexosaocorpo
criaumaconexãocognitivaautomática,gerandohábitos.
Numainterpretaçãoextremadoconceitodamenteestendidapodemosimaginar
que tudo o que está na internet, está na mente do usuário. Uma vez acoplado a um
smartphone,o indivíduotemasuamemóriaestendidaatodososregistrosdisponíveis
narede,podendopouparesforçocognitivoparaoutrasatividadesmaisimportantes.
ParaAndyClarkeDavidJ.Chalmers(2000),alinguagemtemumpapelcentralna
extensãodonossocorpoementecognitivosnomundo.Éatravésdalinguagemquenos
comunicamoseestendemosonossoestadointernoaomundo:A linguagem parece ser uma das principais formas por meio da qual osprocessos cognitivos são estendidos para o mundo. Imagine um grupo depessoas realizandoumbrainstorming ao redordeumamesa, ouuma filósofaquepensamelhorpormeiodaescrita,desenvolvendosuasideiasàmedidaqueelasocorrem.Podeserquealinguagemtenhaevoluídotambémparapermitirtais extensões dos nossos recursos cognitivos dentro de sistemas em paresativos(CLARKeCHALMERS,2000,p.67).Alinguagem,nestaconcepção,nãoéumespelhodenossosestadosmentais,elaos complementa. Ela funciona como uma ferramenta cujo papel é estender acognição como os dispositivos embarcados não conseguem fazê-lo (CLARK eCHALMERS,2000,p.74).
Uma outra questão interessante na hipótese da mente estendida é a extensão
social da cognição. Como o estado mental das outras pessoas pode influenciar um
indivíduo? Num contexto de relações baseado em redes sociais, como a cognição
individualseestabelecemediantetantasinterações?E a cognição socialmente estendida? Osmeus estadosmentais poderiam serparcialmente constituídos pelos estados de outros pensadores? Não vemosmotivos pelos quais isso não aconteceria, a princípio (CLARK e CHALMERS,2000,p.72).
A cognição socialmente estendida sugere a ideia de uma mente universal
interligada pela tecnologia e expõe a vulnerabilidade do nosso sistema cognitivo.
25
Retornamos a um debate clássico relacionado à integração corpo-tecnologia: afinal, é
bom ou ruim? Está muito claro que o acoplamento do nosso corpo aos aparatos
tecnológicos facilita os nossos processos cognitivos, mas muitos debates surgem a
respeito dos limites saudáveis desse acoplamento. Estamos ficando dependentes?
Viciados?Quaisoslimiteséticos?Quaisoslimitescomerciais?
Não se trata de um debate simples, pois devemos considerar que existem
diferentestiposdeacoplamento.Algunsestruturais,outroscomplementares.Comoexatamentesomospareadoscomferramentas,tecnologiaseambientes?Ou seja, o processo cognitivo é, algumas vezes, constituído e, algumas vezes,apenas facilitado, dependendo da natureza do pareamento entre o corpo e oambiente. É importante notar que isso dependerá tanto dos diversos hábitoscorporais, da condição do corpo e da natureza das práticas corporaisenvolvidas,bemcomodaconformaçãoecondiçãodoambiente(GALLAGHER).
Odebatesefortalecequandovemosatecnologiaevoluindoehabitandocadavez
maisasnossasinteraçõescomomundo.Osdispositivosficamcadavezmaisíntimose
passam a sentir e interpretar o nosso corpo. Aplicativos conectados a sensores e
assistentes virtuais inteligentes sabemmais de nós do que qualquer outra pessoa já
soube,poisacessamnossosdadosdeformacontínuaeininterrupta.Osdadosextraídos
doindivíduosãoutilizadosparagerarumainterpretaçãobemcomoumarepresentação.
Olimiteentreoindivíduoeasuaextensãoficacadavezmaistênue.
O ambiente também afeta nossomodo de pensar e pode ser considerado uma
extensãodonosso corpo.Amaneira comodesenhamoso espaço físico e dispomos as
ferramentas ao nosso redor influenciam nossos processos cognitivos. Nossa
criatividade, aprendizado e resolução de problemas podem ser estimulados ou
prejudicados pelo ambiente. Dessa forma, assumimos diferentes papéis emdiferentes
espaços, com diferentes ferramentas. Somos mutantes, e isso é uma importante
característicaquenosfazhumanos.Agregamosobjetos,pessoas,animaisedispositivos
à nossa vida para evoluir. Talvez a nossa história de evolução esteja diretamente
atreladaaonossoacoplamentocomomeioambiente.Talvez haja outros casos em que a evolução viu vantagem em explorar apossibilidadedo ambiente estar no ciclo cognitivo.Nesse caso, o pareamentoexternoépartedopacoteverdadeiramentebásicodosrecursoscognitivosqueutilizamosparavivenciaromundo(CLARKeCHALMERS,2000,p.66).
Nesse contexto, onde o homem se funde com a tecnologia e tem novas
experiênciasdemundo,odesign temumpapeldecisivo.Ademandaporexperiências,
reais ou virtuais, meticulosamente desenhadas cresceu com contexto econômico e
26
tecnológico.Oqueoconsumidoresperadasgrandesmarcasnãoéapenasumproduto
bemdesenhado,masumasériede serviços surpreendentes juntoaele.O consumidor
passou a se denominar usuário, pois interage com a marca em múltiplos pontos de
contato,criaconexão,expectativaseumahistória.Odesignernãopodepensarapenas
noproduto,naformaefunção.Precisapensarnasinteraçõesdousuáriocomamarca.
Precisapensarnosaspectosemocionaisdaexperiência.Precisapensarna intençãodo
usuárioerefletirsobreasuaprópriaintençãocomodesigner.
2.4Aevoluçãodopapeldodesigner
Naúltimadécada,odesenhodaexperiênciadocliente,ouuserexperiencedesign
(UXdesign), emergiu rapidamente comoumnovoparadigmanodesign de interações
homem-computador (HCI – Human Computer Interaction). O UX design expande a
atuação focada em usabilidade e desempenho dos sistemas, puramente orientada a
tarefas, para uma atuação além do instrumental, que considera as emoções como
qualidades centrais da interação e enfatiza a experiência como um todo. OUX design
tem uma abordagem mais global das interações homem-computador pois busca a
construçãodeexperiênciasricasenãoapenasaresoluçãodeproblemas.Solucionaras
falhas de um produto pode resolver um problema imediato, mas não garante uma
experiênciarealmenteboa.EspecialmenterelevantenestecontextoéosurgimentodosFatoresHumanos,ouergonomia,adisciplinaquebuscaentendera interaçãoentrehumanoseatecnologia na qual a colaboração entre a psicologia e os designers levou aodesenvolvimento de diversas novas práticas para tornar as tecnologias maisseguras, eficientes e fáceis de seremutilizadas, otimizandode forma ampla odesempenhoeaprodutividade(...). “Fatores”,nestadisciplina, serelacionaàspropriedades físicas, cognitivas ou comportamentais dos indivíduos e gruposquepodeminfluenciaraqualidadedeumatecnologia.Porexemplo,imagineaspropriedades do nosso próprio corpo que precisam ser consideradas ao seprojetar uma cadeira confortável, ou as habilidades cognitivas que limitam aquantidade de informações que conseguimos absorver no curto prazo. Apesquisa nesta área de interface entre ciência comportamental, psicologia etecnologialevouaavançosfundamentaisnodesigndeequipamentos,sistemase métodos de trabalho de forma a aumentar o conforto, saúde, segurança,confiabilidadeeprodutividade.Elaexemplificacomoodesignpodesededicaràmelhoriadobem-estaredafuncionalidade(CALVOetal.,2016,p.2)
O indivíduopós-informacional, inseridonumcontextoultraconectado, temuma
relação íntima coma tecnologia.Apredominância e a grande adoçãodosdispositivos
móveis sãoosgrandes impulsionadoresdessaeramóvel.Paraumagrandeparcelada
populaçãoeconomicamenteativa,sãorarososmomentosemqueatecnologianãoesteja
presente ou acoplada ao corpo. Seja durante o trabalho, o tempo de lazer oumesmo
27
duranteosono,temosdispositivosemconstantevigília,observando-noserespondendo
aosnossoscomandos.
Umaexperiência fluídacoma tecnologiapressupõeummundoultradesenhado,
constantemente atualizado e disponível. Muitas empresas tradicionais, com seus
processos e burocracias, falham ao acompanhar o ritmo das demandas dessa nova
geraçãodeclientes.Alémdedomíniosobrenovastecnologiasecapacidadedeentrega
rápida, é fundamental o entendimento dos fatores humanos para o desenho da
experiência do cliente. O ofício do designer nesse contexto é essencial para a
transformaçãodaempresaaoestabelecerumanovaprioridadenoprocessoprodutivo:
oclienteprimeiro.
Deumacertaforma,aabordagemcentradanousuáriosempreestevenoDNAdo
design.Odomínio sobre osmateriais e sobre a tecnologia permitiramque o designer
pudesse, cada vez mais, focar seus esforços no entendimento do humano. Para isso,
criou métodos, processos e ferramentas. Escolas de design formalizaram essa
abordagem em disciplinas quemesclam conhecimentos da Psicologia, Antropologia e,
maisrecentemente,EconomiaComportamental.Todosprecisaramaprenderaformade
pensardodesigner.
2.5DesignThinking
No passado, os designers focavam apenas no desenvolvimento do produto – e
iammuito pouco além disso.Mais recentemente, passaram a aplicar os princípios do
design não só a produtos físicos mas também à experiência do consumidor, aos
processos de produção e interação e àsmelhorias que tornam produtos já existentes
mais atraentes ou funcionais. Tim Brown, sócio de um dos principais escritórios de
designdoValedoSilício,foiumdosprincipaispropagadoresdessemododepensardo
designer,denominadoDesignThinking.JuntocomDavidKelley,seusócioeprofessorda
escoladedesigndeStanford,aplicouumavisãodenegóciosaosconceitosacadêmicos
dedesigncentradonohumanoefezdaIdeo6umareferênciamundial.
6AIDEOéumadasprincipaisconsultoriasinternacionaisdeDesigndaexperiênciaedeinovação.Fundadaem1991emPaloAlto–CA,nosEstadosUnidos,hojepossuiescritóriosnasprincipaiscapitaisdomundo.
28
Figura5-ProcessodeDesignThinking7daIDEO
Desenhar com foco no usuário pressupõe começar por ele: falar com ele,
observar suasações,mergulharemseumundoeentender suasexpectativas,medose
motivações.Apalavra-chaveparaessaetapainicialéempatia,acapacidadepsicológica
de sentir o que sentiria o outro, tentar compreender sentimentos e emoções,
procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente o outro. Assim, o
pontodepartidadodesignersãoassuasdescobertasconcretasarespeitodousuário.
Para abstrair, analisar, categorizar e recolocar essas descobertas, os designers
contam com um arsenal demétodos de síntese e ideação. Eventualmente, chega-se a
umavisãoquepodeserformalizadaemprincípiosdedesignouemumaestratégia.
Parasairdoabstrato,odesignerprecisarealizarasuavisãoemoportunidades
concretas,quevenhamaatenderoseuusuário.Doconcretoaoabstratoedevoltaao
concreto.Esteéofluxobásicodopensamentododesigner(figura5).
VáriosmodelosgráficosforamcriadospararepresentaraabordagemdoDesign
Thinking. Um dos mais utilizados é o Duplo Diamante, criado por uma entidade
7AdaptadoetraduzidopeloautordoprocessodedesignthinkingdaIDEO,disponívelem:https://www.ideo.com/post/design-kit
29
internacional de design chamada Design Council8, que evidencia os estados mentais
convergentesedivergentesdoprocesso(figura6).
Como apresentado por Brown (2009) em seu livro ChangebyDesign, ao fazer
Design Thinking, nos movemos ao longo de quatro estados mentais. O pensamento
divergentegeraalternativasparaarealidadeatualeapresentamaisopções.Emseguida,
opensamentoconvergenteajudaaorganizarasopçõeseescolheroqueémelhor.Então,
vem análise e síntese. A análise detalha os padrões e a síntese identifica padrões
relevantes, à medida que eles são reorganizados. Mova-se ciclicamente avançando e
retornandoaolongodessesestadosparageraronovo,analisá-lo,selecioná-loe,então,
examiná-lonaprática–frequentementereiniciandotodoprocessodesdeoinício.
Figura6-DuploDiamante9
ODesignThinkingpassouaserutilizadoumprocessoobrigatórioemempresase
projetoscomcarátertecnológicoedeinovação.
Inovadores usam o Design Thinking para se mover ao longo de três fases
principais:durantea inspiração,elesvivenciamumproblemaouoportunidadequeos
colocaemação;duranteaideação,elesgerametestamideias;duranteaimplementação,
eles transpõema inovaçãodasaladeprojetosparaomercado.Emboracirculedentro
8ODesignCounciléumaentidadedeDesignreconhecidacomoumaautoridadeinternacionalnousodedesignestratégico.Fundadaem1944parademonstrarovalordodesignindustrialnaInglaterrapós-guerra,oDesignCouncilhojetrabalhaparamelhoraravidadaspessoasatravésdodesign.9TraduzidopeloautordowebsitedaDesignCouncil:http://www.designcouncil.org.uk/news-opinion/design-process-what-double-diamond
30
dessas fases, o Design Thinking opera dentro de uma estrutura com três limitações
sobrepostas:praticabilidade,ouoqueefetivamentepodeserrealizado;viabilidade,ouo
quepode ser executandodentrodo contextodenegócios; desejabilidade, ouoque as
pessoasdesejamouirãodesejar.
Comotempo,oUXDesignsedesdobrouemDesigndeServiços(ServiceDesign-
SD) e Design de Experiência do Consumidor (Customer Experience Design - CX),
variaçõesdamesmaabordagemsobreescoposdeprojetodiferentes.Paraosdesigners
de serviço (SD), por exemplo, é preciso aplicar o Design Thinking para construir não
apenas os pontos de contato com o usuário, mas também todos os sistemas que
suportamoserviçoqueentregaaexperiência.ParaosdesignersdeCX,atarefaseaplica
também aos pontos de contato além dos ambientes proprietários da empresa. Mas,
apesardatentativadediferenciação,sãodenominaçõesmuitosemelhantesequegeram
confusão dentro da própria comunidade de design. Émais fácil pensar numa grande
convergênciadeabordagens(UX,SD,CX).
Os UX designers provaram sua importância na entrega de experiências para o
novocontextoeconômico.Produtosfáceisdeusar,serviçoscativanteseinteraçõeslivres
de fricção são os subprodutos de experiências fluídas e prazerosas. Mas o designer
precisa continuar o seu processo de evolução aprofundando o seu entendimento dos
fatores comportamentais e emocionais do usuário. E,mais importante, analisar a sua
intenção. Somente através do alinhamento das intenções do designer e do usuário
teremosumapráticadedesignrealmentecentradanohumano.
Nospróximoscapítulosvamosexplorartrêslinhasdeestudoquetêminspiradoa
evoluçãodotrabalhodosdesignersdeUX:designdohábito,designemocionaleDesign
Positivo.
31
3DESIGNDOHÁBITO
3.1Ospapéispersuasivosdosmartphone
O futuro da persuasão émóvel. Eu acredito que os telefonesmóveis logo setornarão a plataforma mais importante para a mudança de comportamento.Dentrode15anos,nenhumoutromeio–TV,boca-a-boca,a rede–serámaiseficaz em mudar o que nós humanos acreditamos e o que fazemos. (FOGG,2007,p.05)
BJ Fogg, criador do Laboratório de Tecnologia Persuasiva da Universidade de
Stanford,escreveuestafrasenolivroMobilePersuasionem2007,exatamenteoanoem
que a Apple lançou seu primeiro iPhone e marcou o início da era de ouro dos
smartphones. Na época, as evidências do crescimento dessa nova plataforma de
interação apontavam para um futuro em que os usuários estariam intimamente
conectadosaosseusminicomputadorespessoaisportáteis,deformaquaseobsessiva.
De fato,estaprevisãode futuroseconcretizou.A interaçãohomem-smartphone
pode hoje ser comparada a um intenso relacionamento interpessoal, talvez o mais
duradouro de todos. A tecnologia móvel nos acompanha o tempo todo, em nossas
tarefasdiárias,lazer,descanso,decisõesedúvidas.Étestemunhaonipresentedasnossas
emoçõesecúmplicedenossasações.Etemnossoavalparaisso.
O cenário atual permite uma compreensão mais consistente dos três papéis
persuasivos relacionados aos smartphones descritos por Fogg (2007): o concierge, o
instrutoreobobodacorte.
1. Concierge: quando precisamos de informação ou orientação, buscamos
respostasnocelular.Ali seencontraomaior registrode informaçõesdo
mundo, condensado e disponível através de uma conexão à internet.
Desde saber o melhor e mais rápido caminho para casa até descobrir
instantaneamenteonomedamúsicaqueestátocandonorádio.Centenas
deaplicativos e serviços automatizadosde informaçãoestãodisponíveis
para que o papel do concierge virtual seja o mais eficiente possível. A
posturadousuárioéativaesódemandaumaaçãodeinput(digitaçãoou
voz) para que uma resposta precisa e personalizada do concierge seja
emitida.
32
2. Instrutor: quando precisamos de um estímulo para tomar uma ação, o
smartphone pode assumir o papel de um instrutor. De posse de dados
sobrenossa rotinae agendapessoal, o smartphone assumeumapostura
ativa, alertando-nos sobre compromissos importantes e controlando o
nossotempo.Nãohámaisdesculpaplausívelparaoesquecimentodeum
eventoimportante,sejaumareuniãodenegóciosouoaniversáriodeum
amigo. Aplicativos especialmente desenhados para explorar os sensores
embutidos no aparelho permitem que nosso comportamento seja
rastreado e interpretado. Os nossos movimentos são registrados e
classificadosempadrõesdeatividadefísicaerepouso.Comoinstrutor,o
celular pode agora nos incentivar a fazer exercícios ou dormir na hora
certa.Aposturadousuárioépassiva,eleesperaumestímuloqueesteja
intimamenteconectadoaoseucontexto,àssuasmetaspessoais.
3. Bobo da corte: quando queremos nos divertir, nos distrair com jogos e
informações engraçadas ou interagir com amigos em redes sociais o
smartphoneestáali,prontoparanosajudar.Àsvezesprocuramosobobo
da corteparanos livrardo tédio, outras vezespara aliviar a pressãoda
rotina ou preencher o tempo. A indústria de jogos para dispositivos
móveisencontrouumterrenofértilnessanovarealidadehiperconectada.
O smartphone representa uma janela para essa realidade paralela de
diversãoedesafiosconstruídospixelapixel.Umescapefácildecontextos
vaziosedesinteressantescomoquandoestamosemtrânsitoouesperando
na filadomercado.Osmartphone comobobodacorteassumeseupapel
persuasivomaisperigosoemaispotencialmenteviciante.
Anossarotinaestárepletademomentosvazios,quesãoosgatilhosmaiscomuns
paraousodocelular.Seja jogandoCandyCrush10ouconsultandoasúltimaspostagens
dosamigosnalinhadotempodoFacebook,respondemosautomaticamenteaosgatilhos
dotempolivreenosrendemosaumhábitodefugadaociosidade.Mas,porquetemos
essatendênciaafugirdaociosidade?ChristophTürckeemseulivroSociedadeExcitada,
publicado em 2010, relata a análise de Gunther Anders sobre o tempo livre dos
10CandyCrushéumjogolançadopelaempresadejogoseletrônicosKing,em2012.InicialmentedesenvolvidoparaFacebookeposteriormenteparaasdiversasplataformasdesmartphoneséumdosjogoscommaiorsucessonasredessociais.
33
americanosnosanos1950edecomoaociosidadesetransformouemalgonegativo.Em
resumo,estarocioso,emumasociedadecapitalista,representaumdesperdíciodaforça
detrabalho:O caso exemplar e mais extremo desse vazio moderno é dado pela força detrabalhodesocupada.Ésabidoqueantesdocapitalismoodesempregoeraumaocorrência esporádica. Ele só se tornou decisivo e uma ameaça à existênciaquandoamaioriadapopulação foiobrigada,paramelhoroupior,a levarsuaforçadetrabalhoaomercadoeaoferecê-laaosproprietáriosdosinstrumentosedascondiçõesdetrabalho.(TÜRCKE,2014,p.42)O medo da ociosidade foi descrito como “horror vacui”: “Seu trabalhoacostumou-otãodefinitivamenteaserocupado,ouseja,aserdependente,que,quandootrabalhoacaba,nãoconsegueestaràalturadatarefadeocuparasipróprio.(TÜRCKE,2014,p.43)
Com um smartphone ao alcance, somos capazes de gerar tarefas
instantaneamente, nos entreter e ocupar o tempo livre com interações ricas e
estimulantes.Oóciodeixadeserumaameaçaapartirdomomentoemqueestajanela
paraa realidadevirtualestáaberta.Umavezconectadosestamosagindo, interagindo,
criandosentidoparaaquelemomentovazioentreumcompromissoeoutro,entreum
assuntoeoutroouduranteumintervalocomercial.
Ainfluênciadaaltadisponibilidadedadistraçãomóvelnonossocomportamento
é brutal. Desde que a indústria cultural e os meios de comunicação de massa
estimularamaproduçãoeoconsumodeinformaçãodesenfreada,nuncaestivemostão
inquietos e ansiosos. As funções do emissor e do receptor, previamente estabelecidas
pela comunicação de massa, passaram por uma transformação irreversível com o
desenvolvimento tecnológico e a convergência da força produtiva em torno dos
computadores.Ele (o computador) já não tende a ser apenas um instrumento geral detrabalho, mas também a representar o entroncamento técnico, o ponto deencontrosocialeonevrálgicoindividual,emqueprocessamentoetransmissãode dados, televisão e telecomunicação, trabalho e atividade de tempo livre,concentração e distração, ser ‘bacana’ e ‘por fora’, observado e ignorado, semisturam até a indiferenciação. Baixar dados, enviá-los e recebê-los passa asignificaraatividadeporexcelência.Acompulsãoàocupaçãoéespecificadaemumacompulsãoàemissão.Ela transforma-se, entretanto, emuma formavitalde expressão. Emitir quer dizer tornar-se percebido: ser. Não emitir éequivalenteanãoser-nãoapenassentirohorrorvacuidaociosidade,massertomado da sensação de simplesmente não existir. Não mais apenas: ‘há umvácuoemmim’,porém‘souumvácuo’-deformaalguma‘aí’.(TÜRCKE,2014,p.44)
Não somos mais apenas receptores do conteúdo veiculado pelos meios de
comunicação.Somososautoresdonossopróprioentretenimento,assumindoa função
decuradoresedeemissoresdeconteúdo.Ainternetfacilitouaescolhaeaemissãoda
34
informação, disponibilizando ferramentas de fácil compartilhamento e publicação
imediatadeconteúdo.Oespectadorpodeagoratransformaracontemplaçãopassivaem
umainteração,umaoportunidadedeseposicionarperanteamensagememanipulá-la.
Basta“curtir”paraemitirumamensagemeseexpressarnomundo,simplesassim.
Não estamos apenas combatendo o “horror vacui”. Mas sim obcecados pela
otimizaçãodonossotemponomundo,procurandodarcontadetodaainformaçãoque
nos é dada. A tecnologia móvel possibilitou que desenvolvêssemos comportamentos
híbridos em resposta a essa inquietação motora e cognitiva. Tuitamos enquanto
assistimostelevisão,mandamose-mailenquantoouvimosumanovaplaylistdoSpotify,
pagamos contas online enquanto assistimos à aula. Temos essa percepção de que
podemosserindivíduosmultitarefa,semelhantesaosdispositivosqueusamos.Poressa
razão, incorporamos as funções dos aparelhos às nossas rotinas mais básicas,
transformando nossos hábitosmaismundanos emmomentos intensos de interação e
sentido.
3.2OHábito
Smartphones, conectados continuamente à rede e com suporte a aplicativos,
podemcriarhábitos fortes.Homemecomputadornuncaestiveramtãoconectados,de
forma tãopróxima.Este forte vínculo entreousuário eodispositivomóvel forneceo
substrato perfeito para amodificação e a criação de novos hábitos. Basta analisar as
centenasdeaplicativosdisponíveisnas lojasdeaplicativos(appstores)queprometem
ajudar o usuário em suasmetas pessoais através damudança comportamental. Como
fazermaisexercícios,perderpeso,aumentaraprodutividade,ofoco,dormirmelhorsão
exemplosdaspromessasmotivacionaisdas altas tecnologiasdisponíveisnasgôndolas
digitais.MaxOgles(2016)autordolivro“Boost:HowtoCreateHabitsUsingPsychology
andTechnology” criouumguia online com117 aplicativos para smartphones voltados
paraacriaçãodebonshábitospessoais.Osaplicativossãoagrupadosemtemascomo
inspiração, autoestima, metas, saúde, influência social, filantropia, entre outros. A
compilaçãodeOgles, lançadano finalde2014, representaaprodução tecnológicados
últimosanoseéumbomexemplodaatual importânciadocomérciodeaplicativosna
economia e nos negócios. Vivemos neste presente ultraconectado onde qualquer
problema real tem uma solução digital correspondente na forma de um aplicativo
35
encantadorefácildeusar.Aprobabilidadedeaderirmosaousodosaplicativoségrande
pois,defato,oapelodamudançadecomportamentooferecidapelosaplicativosémuito
atraente.Osindíciosdequenossoshábitossofremgrandeinfluênciadarelaçãohomem-
smartphone estão evidentes no nosso cotidiano. Já mudamos a forma de acordar,
transitar, fazer compras, pagar contas, ouvir música, fazer ginástica, conversar,
trabalhar,dormir.
Osmartphonepreencheotempo,eliminaaespera,transformaobanal,distraia
mente. Pode ser o melhor instrumento motivacional já construído pelo homem, tão
próximoe íntimoqueé capazde influenciaro comportamentodo indivíduode forma
persistente.Éaplataformaperfeitaparaaconstruçãodehábitosvirtuososoudenovose
perigososvícios.
3.3Estímulo-resposta
Apesquisacientíficaacercadoshábitoshumanosexistedesdeo finaldoséculo
XIX, quando a psicologia se propôs a estudar as manifestações da mente, os
comportamentos passíveis de observação em condições laboratoriais controladas. O
behaviorismo explorou pela primeira vez o processo estímulo-resposta através do
condicionamento. Pavlov, em seu clássico experimento com cães, provou o poder dos
estímuloscondicionadosemsuscitarreflexoscomportamentaisemanimais.Maistarde,
no início do século XX, John B. Watson estudou o processo estímulo-resposta em
humanos e provou que as emoções humanas também eram suscetíveis ao
condicionamento clássico. B. F. Skinner, já por volta dos anos 1950, evoluiu a teoria
behavioristaafirmandoqueumcomportamentoéaprendidoapartirdosresultadosdas
açõesdoindivíduo.Paraele,asconsequênciasdeumaaçãoerammaisimportantespara
a formaçãodo comportamentodoquequalquerestímuloanteriora ela. Sua teoriado
condicionamentooperanteedoreforçopositivotrazluzparaoentendimentodohábito
comoumcomportamentorepetido.
Sob a ótica do behaviorismo, faz sentido pensar sobre os dispositivos móveis
como uma grande máquina de hábitos. O processo estímulo-resposta, nessa relação
homem-dispositivo,podeservistosobdoisângulos:quandoosmartphoneéoestímulo
e quando ele é a resposta. Na primeira abordagem, o dispositivo é responsável por
provocar a nossa ação estando ali, disponível, conectado, obedecendo às nossas pré-
36
programaçõeseentregandochamadas,notificaçõesealertas.Nasegundaabordagem,o
acesso ao dispositivo móvel é a resposta automática da nossa mente mediante um
contexto específico, como quando, instantaneamente, tiramos o celular do bolso ao
entrarnoônibus.
Charles Duhigg em seu livro O Poder do Hábito publicado em 2012 relata as
pesquisasrealizadasnosanos1990nodepartamentodeCiênciasCerebraiseCognitivas
doMassachusettsInstituteofTechnologyacercadohábito.Nocomeçodosanos1990,ospesquisadoresdoMITcomeçaramacogitarqueos gânglios basais talvez pudessem ser essenciais para os hábitos também.Notaramqueanimaiscomlesõesnosgângliosbasaisderepentecomeçavamaterproblemascomtarefascomoaprenderaatravessarlabirintosoumemorizarcomoabrirrecipientesdecomida.Decidiramfazerexperimentosusandonovasmicrotecnologias que lhes permitiam observar, nos mínimos detalhes, o queestava acontecendo dentro da cabeça de cada rato enquanto ele realizavadezenasderotinas(DUHIGG,2012,p.31).
Oexperimentoconsistiaem instalarsensorescerebraisemratosesoltá-losem
labirintosemformadeT,comumchocolateemumadaspontas.Aleituradosdadosdos
sensorespermitiulocalizarnosgângliosbasaisasprincipaisatividadesrelacionadasao
processamento da tarefa. Nas primeiras vezes que o rato percorria o labirinto, seus
gângliosbasais trabalhavam intensamente,procurandoentender todasas informações
novas.Depoisdemuitasrepetições,oratopareciarealizaratarefadeformaautomática,
sempensar.Porémessainternalização-correrreto,dobraràesquerda,comerochocolate-dependia dos gânglios basais, como as sondas cerebrais indicavam. Essaminúscula e primitiva estrutura neurológica parecia assumir o comandoconformeoratocorriacadavezmaisdepressaeseucérebro trabalhavacadavez menos. Os gânglios basais eram essenciais para recordar padrões e agircombaseneles(DUHIGG,2012,p.33).
Oestudocomratospossibilitoulocalizarasdiferentesatividadesrelacionadasao
processoestímulo-respostaeajudounoentendimentodoshábitoscomoumaformado
cérebro preservar esforço mental. Toda rotina passível de automação pode ser
incorporada a um hábito em prol da eficiência, liberando energiamental para outras
atividadesmaisimportantesemenosconhecidas.
3.4Contexto-resposta
Uma abordagem mais recente do estudo do hábito, presente no trabalho de
Wendy Wood e David T. Neal intitulado A New Look at Habits and the Habit-Goal
Interfacepublicadoem2007,propõequeoshábitospodemprovocarefeitospositivose
37
negativos no nosso comportamento. Segundo essa abordagem, os hábitos são
necessários,poisnospermitemexecutarmúltiplas tarefas automaticamente, aprender
trabalhos mais complexos e garantir o desempenho das nossas ações através da
economiaderecursoscognitivos.Poroutrolado,onossocomportamentopodesetornar
excessivamentesubmissoa fatoreseestímulosexternos,enfraquecendoanossabusca
pormetasepropósitospessoais.Hábitossãodisposiçõesaprendidasdeserepetirrespostasanteriores.Elessãoacionados por elementos do contexto que covariaram frequentemente comdesempenhopassado, incluindo locaisdedesempenho, açõesprecedentesemumasequênciaepessoasparticulares.As pessoas formam hábitos na medida que codificam esses padrões decontexto-resposta na memória processual. Uma vez formada, a respostahabitualvemaserpreparadaouativadapelapercepçãodepistasnocontextodaperformance.Esteprocessopodeseriniciadoaoseentrarnocenárioondeohábitoégeralmentedesempenhado,aosecompletararespostaquegeralmenteoprecedeouaoseencontrarumapessoaquegeralmenteestápresente(WOODeNEAL,2007,p.845).
Oestudoressaltaopapeldocontextoetambémpropõequeosobjetivospessoais
exercem uma grande influência na construção dos hábitos. Os hábitos são o
comportamento residual de uma busca passada por um objetivo; a repetição do
comportamentonumdeterminadocontextofazcomqueohábitoseconsolide.
Como intuitode entender a naturezapersuasivados smartphones e o seu alto
potencial na formação de hábitos, um grupo de pesquisadores do HIIT (Instituto de
TecnologiadaInformaçãodeHelsinki),daUniversidadeAalto,analisouosdadosdetrês
estudos sobre o uso de smartphone entre 2005 e 2010 (OULASVIRTA et al. 2012).
Inicialmente, o trabalho dos pesquisadores propõe uma diferenciação entre
comportamentos frequentes e hábitos: o segundo é um subconjunto do primeiro. Em
uma das pesquisas, foram analisados os registros de uso dos smartphones para
identificaraduraçãodasinteraçõesedasconsultasrealizadaspor136participantesem
seus dispositivos móveis. Depois de várias análises dos dados disponíveis, onde os
pesquisadores tentaram explorar sequências frequentes de interação no telefone, os
resultadosconvergiramparaumcomportamentomuitosimples:ohábitodechecagem.Para recapitular a principal descoberta, os dados fornecem evidências daformação de hábito no uso de smartphones, principalmente atribuídos àcapacidade de prover acesso rápido a recompensas como sociabilização emrede, comunicação e notícias. Hábitos de checagem são comportamentosautomatizados quandoo dispositivo é rapidamente acessadopara verificaçãodateladerepousooudeconteúdos informativosemumaplicativoespecífico.Esteshábitossãoprovocadospordiferentesdeixasexternasaodispositivo,taiscomo situações e estados emocionais. Os comportamentos automatizadoslevam os usuários,muito rapidamente, a diferentes telas que fornecem valor
38
informativo ou recompensas. Essas recompensas ajudam os usuários aevitarem o tédio e lidarem com a falta de estímulos em situações cotidianas,assim como os faz cientes de eventos interessantes e redes sociais.(OULASVIRTAetal,2012,p.107).
Mais adiante no estudo, o hábito de checagem é identificado como porta de
entrada para outros comportamentos frequentes no uso de aplicativos. Os usuários
começam acessando conteúdos dinâmicos ou aplicativos de entretenimento de forma
habitual, estimulados por um contexto, e acabam desempenhando outras ações na
sequência.Oacessoaoconteúdopelossmartphonesérápidoeo tempode interaçãoé
relativamente menor que o dispendido em computadores, o que torna os hábitos
relacionados ao smartphone breves e pervasivos. As recompensas relacionadas ao
hábitodechecagemsãodivididasemtrêscategorias:
1. Informacionais: através de conteúdo informativo, não interativo, que o
usuáriopodeapenasconsultar,semmodificar.
2. Interacionais: conteúdo interativo, passível de interferência do usuário.
O melhor exemplo é a interação social através de aplicativos/redes
sociais.
3. Consciência (awareness): corresponde à vontade de controlar as
mudanças da realidade, através da checagem constante de caixas de
mensagensoudestatusdepresençadeoutrosusuários.
O hábito de checagem tornou-se um comportamento quase universal,
provocando várias reflexões e estudos acerca de sua nocividade. Em uma pesquisa
realizadaem2015peloInstitutoGallupnosEstadosUnidos,envolvendomaisde15.000
entrevistados,cercadametadedosdonosdesmartphoneschecaramosseusdispositivos
váriasvezesporhora,incluindo11%quealegaramumhábitodechecagemempoucos
minutos e 41%quedisseram ter umhábito de checagemde algumas vezes por hora.
Outros 20% dos americanos afirmam verificar seus telefones uma vez a cada hora,
deixando 28% dos respondentes que afirmaram checar com menos frequência
(NEWPORT, 2015). Segundodadosdeumaoutrapesquisa, publicadapela consultoria
Kleiner,Perkins,CaufieldeByersem2013,osamericanoschecamseussmartphones150
vezes por dia, em média (KPCB, 2013). Será que nossa relação com os dispositivos
móveis está se tornando uma obsessão? Até que ponto nossa qualidade de vida é
afetada?
39
As pequenas intrusões e interrupções cotidianas causadas pelos dispositivos
tecnológicosganharamo títulode technoference emumrecenteestudoconduzidopor
Sarah Coyne, professora de Psychology of Popular Media Culture na Universidade
Brigham Young (MCDANIEL e COYNE, 2014). A principal descoberta da pesquisadora
apontaas interrupçõesrápidasefrequentes,característicasdanossainteraçãocomos
dispositivos móveis, como possíveis interferências negativas nos relacionamentos
românticos.Aopermitirqueatecnologiainterfiraouinterrompaconversas,atividadeseotempo com parceiros românticos, mesmo quando não intencional ou porbrevesmomentos, os indivíduos podem estar enviandomensagens implícitassobreoqueelesmaisvalorizam,levandoaoconflitoearesultadosnegativosnavidapessoalenosrelacionamentos.(MCDANIEleCOYNE,2014,p.12).
Omau uso e o uso excessivo da tecnologia vêm sendo relacionados também a
malefíciosparaasaúde,umacondiçãocomumentereferidacomotecnopatologia.Dentro
dessa categoria, algumas pesquisas médicas investigaram o impacto fisiológico das
nossas atividades cotidianas com os dispositivos. Um estudo publicado no Surgical
TechnologyInternationalXXV,alertouparaoimpactogeradonacolunacervicaldevido
àinclinaçãoinadequadadacabeçaquandovisualizamosateladodispositivo.Desgastee
degeneração precoce da coluna cervical são apontados como consequências do uso
frequentededispositivosmóveisnumaposturainadequada(HANSRAJ,2014).
O termo tech neck foi criado por dermatologistas para descrever um tipo
específicoderuganapele,logoacimadaclavícula,causadapelainclinaçãofrequentedo
pescoçoaoolharparaateladeumdispositivoportátil.
A Síndrome da Vibração Fantasma (Phantom Vibration Syndrom), também
conhecidacomoringxiety (ansiedadedo toque),éum fenômenorecenteecomumente
referido em artigos sobre o uso frequente de smartphones. Trata-se da percepção
enganosadequeocelularestávibrandoquandonaverdadenãoestá.Emumdospoucos
estudos específicos sobre o assunto, realizado por Amrita Deb e publicado na Asia-
Pacific Psychiatry em 2015, sugere-se que a antecipação de um telefonema ou
mensagem leva o córtex cerebral a interpretar mal outros estímulos sensoriais (tais
como contrações musculares, pressão do vestuário, vibrações sonoras), assumindo
comoumavibraçãodotelefone(DEB,2015).Aconexãodestefenômenocomsintomas
de ansiedade e depressão é relatada em uma pesquisa realizada com estagiários de
medicina do Chang Gung Memorial Hospital, publicada no Journal of Psychiatric
40
Research (YH et al., 2013). Estagiários que relataram a experiência da síndrome de
vibraçãofantasmadeformaseveraapresentaramtambémmaiorestaxasdeansiedade
subjetivaesomáticaededepressãosomática.
Se por um lado a relação homem-smartphone parece condicionada a uma
interdependência doentia, por outro podemos observar abordagensmais positivas de
usufruto dasmicrotecnologias. O entendimento de como os hábitos são gerados e de
como é possível controlá-los passou a ser um tema recorrente na academia, nas
discussõessobreterapiasmotivacionaisenacomunidadededesign.
3.5Desenhandohábitos
CharlesDuhigg,emOPoderdoHábito,relatasuaextensapesquisasobreohábito
em diversas esferas. Desde os processos neurofisiológicos envolvidos na esfera
individualatéosprocessoseregrasgeradosemempresasenasociedade influenciada
porhábitos.Todasasmanifestaçõesdohábitosãoformalizadasnoqueeledenominouo
LoopdoHábito.
Figura7-LoopdoHábito11
Primeiroháumadeixa,umestímuloquemandaseucérebroentraremmodoautomático,eindicaqualhábitoeledeveusar.Depoisháarotina,quepodeserfísica, mental ou emocional. Finalmente, há uma recompensa, que ajuda seucérebro a saber se vale a penamemorizar este loop específico para o futuro.(DUHIGG,2012,p.36)Ao longo do tempo, este loop – deixa, rotina, recompensa; deixa, rotina,recompensa–setornacadavezmaisautomático.Adeixaearecompensavãoseentrelaçandoatéquesurjaumpoderososensodeantecipaçãoedesejo.Porfim,sejanumlaboratóriogeladodoMITounagaragemdasuacasa,umhábitonasce.(DUHIGG,2012,p.37)
11IlustraçãodesenvolvidapeloautorbaseadaemDuhigg(2012).
41
A repetiçãodo loop gera umanseio, que retroalimenta o loop. Anseios comuns
pordistração,aceitação,alívio,diversãoeinformaçãoseriam,portanto,omotordoLoop
doHábito.Paramodificarumhábito,oautorpropõeumaregradeouro,queconsisteem
manteramesmadeixaerecompensa,masinserirumanovarotina.Váriashistóriasreais
contadasduranteolivroexemplificamaregradeouro,comoaquedescreveosistema
deencontrosdosAlcoólatrasAnônimos.‘Há um elemento hedonista no álcool’, disse Ulf Mueller, um neurologistaalemão que estudou a atividade cerebral entre alcoólatras. ‘Mas as pessoastambém usam o álcool porque querem esquecer alguma coisa ou satisfazeroutros anseios, e esses anseios por alívio acontecem em partes do cérebrototalmentediferentesdoanseioporprazerfísico’.(DUHIGG,2012,p.89)Para oferecer aos alcoólatras asmesmas recompensasqueobtêmnumbar, oA.A.montouumsistemade encontros e companheirismoque se esforçaparaoferecertantafuga,distraçãoecatarsequantoumporredesexta-feiraànoite.(DUHIGG,2012,p.89)
NirEyaléprofessordeNegócioseDesignnaUniversidadedeStanfordeautordo
livroHookedpublicadoem2014,umgrandesucessonacomunidadededesigndigital.O
autor é hoje considerado o guru da construção de hábitos no mundo dos negócios
digitais, pois dedicou sua pesquisa acadêmica ao entendimento dos hábitos quase
compulsivosgeradosporredessociaiseaplicativos.Suapesquisaexpõeoutrafórmula
para a criação de hábitos nos ambientes digitais, que ele denominou de Modelo do
Gancho.
O Modelo do Gancho descreve como criar produtos que fidelizam o usuário,
atravésdehábitosqueseconsolidamnasinteraçõesemambientesvirtuais.Aplicativos
queapresentamumelevadoengajamentodeusuários,comooFacebookeoInstagram,
seapoiamnessemodelo.AsemelhançacomoLoopdoHábitodeDuhiggéevidente,mas
omodelopropostoporEyalexploracommaisdetalhesadinâmicadeumaexperiência
engajadora em ambientes digitais. OModelo doGancho é composto por quatro fases:
gatilho,ação,recompensavariáveleinvestimento.
42
Figura8-ModelodoGancho12
OGatilhoéoatuadordocomportamento–aveladeigniçãonomotor.Gatilhospodemserdedois tipos: externos e internos. Produtos formadoresdehábitocomeçampor alertar osusuários comgatilhos externos, comoume-mail, umlinkdeumwebsite,ouumíconedeaplicativonotelefone.(...)Aopercorrerogancho sucessivas vezes, os usuários começam a formar associações comgatilhos internos, que se vinculam a comportamentos e emoções existentes.(EYAL,2014,p.7)
Seguindo o gatilho vem a ação, um comportamento desempenhado em
antecipaçãoaumarecompensa,comoocliqueemumafotoexibidanatimelinepessoal
do usuário. O que distingue o Modelo do Gancho de outros loops de feedback é
justamentearecompensavariável,arespostaimprevisívelesurpreendenteaumaação.A pesquisa mostra que os níveis do neurotransmissor dopamina se elevamquandoocérebroestáesperandoumarecompensa. Introduziravariabilidademultiplicaoefeito,criandoumestadodefoco,quesuprimeasáreasdocérebroassociadas com o julgamento e a razão aomesmo tempo que ativa as partesassociadascomavontadeeodesejo(EYAL,2014,p.8).A última fase doModelo do Gancho é onde o usuário desempenha um certotrabalho. A fase de investimento aumenta as chances do usuário fazer outrapassagem pelo ciclo de gancho no futuro. O investimento ocorre quando ousuário coloca algo dentro do produto de serviço, como por exemplo tempo,dados,esforço,capitalsocialoudinheiro(EYAL,2014,p.9).
OModelodoGanchotemumpotencialadmiráveldepromoverhábitossaudáveis
mas na prática, não émuito usado com tal fim.Nir Eyal, ao popularizar oModelo do
Gancho no mercado tecnológico, advertiu sobre as consequências do seu uso mal
intencionado. É possível utilizar gatilhos emocionais negativos para promover12TraduzidopeloautordomodelopropostoporEyal(2014,p.06).
43
resultados positivos mas esses são geralmente medidos na forma visualização de
páginas, número de visitas, taxas de cliques ou outras métricas de conversão
relacionadasaolucro.Omodelodenegóciosvigente,quepromoveexperiênciasfocadas
em conversão e dependentes da propaganda, dificilmente prioriza os resultados
pessoaispositivos.
DentrodoLaboratóriodeTecnologiaPersuasivadaUniversidadedeStanford,o
professorB.J.Foggformalizououtromodelorelativamentesimplesparaentenderoque
aciona o comportamento humano. Fogg (2007) afirma que existem três ingredientes
necessáriosparainiciartodoequalquercomportamento(Behavior).Sãoeles:
1. Motivaçãosuficiente(Motivation);
2. Habilidadederealizaraaçãodesejada(Ability);
3. Umgatilhoparaativarocomportamento(Trigger).
Figura9-ModelodeComportamento13
O Modelo de Comportamento de Fogg é representado pela fórmula B = MAT,
postulando que um determinado comportamento só ocorre quando motivação,
habilidadeeumgatilhoestãopresentesaomesmotempoeemníveissuficientes.
13TraduzidopeloautordomodelodecomportamentoapresentadonowebsiteBjFogg'sBehaviorModel(2016).Disponívelem:<http://www.behaviormodel.org/>.Acessoem:10jul.2017.
44
GraçasàsimplicidadedosmodelosdeEyaledeFogg,somadaà importânciado
tema para a nova economia digital, cada vez mais designers e estrategistas estão
adotandometodologias abrangentes de design, na tentativa de construir experiências
engajadorasemoldarnovoshábitos.Empreendedoresestudamohábitonatentativade
ganharmaisdinheirocomosseusprodutosdigitais.Timesdeprojeto trabalhamduro
paracativarousuárioeroubaroseutempo.Eacabamcriandovícios.
Émuitocomumquestionarmosousofrequentedatecnologia,principalmentea
tecnologiamóvel.Vícioedependênciasãopalavrasqueentramnaturalmentenanossa
narrativadeusodiáriodesmartphones.Sãopalavrasfortesmaselascaptamalatência
dosnossossentimentoscomrelaçãoàtecnologia.Partedessesentimentovemdanossa
perda de foco. Somos constantemente interrompidos por alertas, mensagens, sinais
sonoroseligações.Pesquisasrecentesacercadafelicidadeprovamquequantomaisnos
distanciamosdomomentoreal,menosfelizessomos.Pesquisas sobre felicidade mostram que, quanto mais nos afastamos domomento,menosfelizesnostornamos.Parecenãoimportarmuitoseatarefaéagradávelounão,apenasqueestejamosfocadosnela.Nossaexperiênciacomatecnologia parece remover esse foco – ou direcioná-lo equivocadamente. Ovício,especialmentequandosetemasensaçãodeperdadecontrole,fazparteda narrativa interna sobre tecnologia que repetimos para nós mesmos eespalhamosaosquatroventos(PAVLISCAK,2017).
Estamos cada vez mais habituados aos nossos smartphones e à realidade
hiperconectada que nos proporcionam. Nunca tivemos um objeto tão conectado ao
nossocorpo,deformatãopersistente.Apercepçãododispositivocomoobjetoacoplado
aocorpocriaumvínculosistêmico,umasemidependênciapsicológicaqueéclaramente
percebida quando, por alguma razão, somos privados do dispositivo. Sentimos a
ausência do objeto como a ausência ou deficiência de um recurso cognitivo. Nossa
memória fica limitada na ausência do aplicativo de busca do Google. Nossa atenção
muda,nãoconseguimosexecutarmúltiplastarefas.Ovínculosefazpercebidoquaseque
fisicamente.
Merleau-Ponty(2011)faladessaapropriaçãodosobjetospelocorpoemseulivro
Fenomenologia da Percepção, e explora a vulnerabilidade dos limites físicos dessa
relaçãohomem-dispositivo:Habituar-seaumchapéu,aumautomóvelouaumabengalaéinstalar-senelesou, inversamente, fazê-los participar do caráter volumoso de nosso corpopróprio.Ohábitoexprimeopoderquetemosdedilatarnossosernomundooude mudar de existência anexando a nós novos instrumentos (MERLEAU-PONTY,2011,p199).
45
Ainda segundo Merleau-Ponty, o hábito não seria nem conhecimento, nem
automatismo.Seriaumsaberfísico,palpável,queestánocorpoeseentregaaoesforço
dessecorpo,incapazdeserexplicadodeformaobjetiva.(MERLEAU-PONTY,2011)Naverdade,todohábitoéaomesmotempomotoreperceptivo,porque,comodissemos, reside, entre a percepção explícita e o movimento efetivo, nestafunção fundamental que delimita ao mesmo tempo nosso campo de visão enossocampodeação.Aexploraçãodosobjetoscomumabengala,quehápoucoapresentávamoscomoumexemplodehábitomotor,tambéméumexemplodehábito perceptivo. Quando a bengala se torna um instrumento familiar, omundodosobjetostáteisrecuaenãomaiscomeçanaepidermedamão,masnaextremidadedabengala(MERLEAU-PONTY,2011,p.210).
Os smartphones, como objetos propagadores de hábitos acoplados ao corpo,
expandemanossapercepçãodomundoeanossamente.Osavançosdananotecnologia
e dos objetos vestíveis apontam novas formas de acoplamento, mais orgânicas e
distribuídas em sistemas de funções isoladas. As interfaces digitais darão lugar a
microssensoreseaumaexperiênciamaisfluídacomatecnologia.
O produto da nova economia é a experiência. Assim, como na economia de
mercado,ondealeidaofertaeprocuradátantoespaçoparaprodutossaudáveisquanto
para os nocivos, o novo mercado digital está repleto de produtos com atributos
discordantes.Soluçõesqueestimulamapráticadeexercíciosconcorremcom jogosde
alto potencial persuasivo. Felizmente as ferramentas de persuasão e as técnicas de
gamification14estão disponíveis para todos os participantes ativos da nova economia.
Hábitos virtuosos podem ser estimulados assim como comportamentos obsessivos.
Ainda que às vezes aturdido pela tecnologia e pelo fascínio comomeio, a escolha da
experiênciaésempredoindivíduodepossedeseusdispositivos.
Talvez a discussão sobre o hábito não seja totalmente apropriada quando
falamos de tecnologia e felicidade. Hábitos ajudam a moldar o nosso dia-a-dia mas
podemtambémnosacomodaremumarotinamonótonaesempropósito.Algunsbons
hábitos comoapráticade esportes e o exercícioda gratidãodiária, podemcontribuir
paraobem-estarmasnãonecessariamentetrazemfelicidade,queestámaisrelacionada
ao aprendizado, criatividade e propósito, temas que exploraremos mais adiante ao
tratarmosdefelicidadeebem-estarsubjetivo.Aquestãoparaodesignerdeexperiências
éjustamenteaintençãoportrásdoseuprojeto.
14GamificationouGamificaçãoéaaplicaçãointegradademecanismoselógicasorigináriasdejogosemplataformasdeinteraçãodigitalcomowebsites,aplicativosesistemas.
46
4DESIGNEMOCIONAL
Muitojásefalousobreaimportânciadasemoçõesdousuárionasinteraçõescom
produtoseambientesconstruídospelodesign.Aemoçãoéumelementodeterminante
na experiência humana, pois influencia a percepção, cognição, comunicação,
aprendizagem e até nossos processos racionais de tomada de decisão. Junto com a
cognição, o estudo da emoção aplicada ao design ganhou mais adeptos na era da
experiênciadevidoàpropagaçãododesign centradonousuário.Para as empresasda
economiadigitalpassouaser indispensávelentendero impactoqueseusaplicativose
sistemascausamnousuáriofinal.
Cognição e emoção se complementam e se contagiam no nosso processo de
percepçãodomundo.DonNorman,emseulivrode2004,Emotionaldesign:Whywelove
(orhate)everydaythings,exploraexaustivamenteessarelação.Emoçõessãoparte inseparávelenecessáriadacognição.Tudooquefazemos,tudo o que pensamos, tudo é tocado pelas emoções – e grande parte delas ésubconsciente. Consequentemente, nossas emoções mudam nossa forma depensareservemdeguiasconstantesparaoscomportamentosadequados,nosafastandodoqueéruimenosaproximandodoqueébom(NORMAN,200415,KindleLocations144-146).
Elementosgráficosdedesigncomocores, imagens, formasefotografiassempre
foram considerados recursos hedônicos potentes, utilizados para proporcionar apelo
emocional, senso estético e impressões positivas às experiências. Mesmo que já
houvesse um reconhecimento da importância das emoções na interpretação da
experiência, só recentementeapesquisa científica começoua transcenderos aspectos
utilitários e puramente gráficos dodesign e passou a considerar outros elementosdo
designafetivodeumaformaempírica.
Com o Design Thinking vimos novas disciplinas direcionadas ao estudo do
humanosedestacaremnaacademiaenos laboratóriosdedesign.Alémdematérias já
consolidadas como Arquitetura de Informação, Usabilidade e Interação Homem
15Citaçãodeconteúdoeme-book.OKindleéumaplataformapaaaquisiçãoeleituradee-books(livrosdigitais).Ose-books,diferentementedasversõesimpressasdasobras,nãoseguemumapaginaçãofixaadaptando-sedeacordoàtelaeasopçõesdeleituradousuário.OKindleutilizaumsistemadeposicionamento(location)quepermiteaoleitorirdiretamenteaopontodotextoinformado.Aslocationsindependemdostamanhosdetipogradiaetela,oquefazcomquesejamefetivasnabuscadeconteúdonoe-book.Frisa-sequediferentesediçõesimpressastambémnãopossuemcorrespondênciaexataentrepáginas.Portanto,aslocationstornamaacessibilidadeainformaçãomaisacuradaumavezquesediferenciamdofuncionamentodapaginaçãoimpressa.
47
Computador (HCI - Human Computer Interaction), os novos cursos de design
incorporaram disciplinas como Psicologia da Interação, Economia Comportamental,
Antropologia e uma série de outras relacionadas ao funcionamento do cérebro e das
emoções.Estaampliaçãodoescopodeestudorefleteaampliaçãodoescopodeatuação
dosdesignersnasempresasdanovaeconomia.Nãobastaserfácildeusar.Assoluções
queafetamasemoçõeshumanas,enãoapenasatendemnecessidadeseresolvemerros,
têm, comprovadamente, um potencial muito maior de conquista e de conversão de
usuáriosemclientesfiéis.Acogniçãointerpretaomundomelhorandooentendimentoeoconhecimento.O afeto, que inclui emoção, é um sistema para julgar o que é bom ou ruim,seguroouperigoso.Elefazjulgamentosdevalorparamelhorarasobrevivência(NORMAN,2004,KindleLocations301-302).
Noentanto,aindústriatecnológicaaindatemdificuldadesemtrabalharaemoção
de forma estruturada nos seus processos de desenvolvimento de produtos. E isso se
deve,emgrandeparte,àdificuldadedemensuraçãoeentendimentodasemoções.Neste
capítulovamosexploraralgumasfrentesdeestudoqueapoiamotrabalhododesigner
nessasduastarefasessenciais:oentendimentoeamensuraçãodasemoções.
4.1Emoçõespositivaseexperiência
Ao se utilizar tecnologias complexas, as emoções positivas diminuem aansiedade da utilização e contribuem para a experiência do conforto dautilização e para a usabilidade de uma forma geral. Ou seja, os produtos queevocamemoçõespositivassãomaisfrequentementecompradoseutilizados,eémaisagradávelutilizá-los.Portanto,éindiscutivelmentemaisvaliosoprojetarprodutosqueevoquememoçõespositivas–produtosquefaçamseususuáriossesentirembem(DESMET,2012,p.1).
Aemoçãoestánocoraçãodequalquerexperiênciahumanaeéumcomponente
essencial nas interações e na experiência do usuário com a tecnologia. Um estudo de
Forlizzi eBattarbee (2004) apontou três principais frentes teóricas sobre a emoção e
seu papel na experiência. Tratam da nossa disposição a agir, da valência positiva ou
negativa dessa disposição e dos fatores biológicos relacionados ao nosso estado
emocional.Podemosatéfazerumaleituramaisfuncionaldasemoçõeseseusaspectos
psicológicos,comoapontadonoestudo:Dopontodevistadapsicologia,aemoçãopossuitrêsfunçõesbásicas:moldarnossosplanoseintenções,organizarosprocedimentosrelacionadosaosplanoseavaliarosresultados.Dopontodevistadodesign,aemoçãomoldaa lacunaqueexisteentrepessoaseprodutosnomundo.Aemoçãoafetaa formacomoplanejamosinteragircomprodutos,comoefetivamenteinteragimoscomeles,enossaspercepçõeseresultadosquecircundamtaisinterações.Aemoçãoserve
48
de fonte para o entendimento e comunicação sobre nossa experiência(FORLIZZIeBATTARBEE,2004,p264).
Asemoçõesinfluenciamtodaajornadadousuário:antes,duranteedepoisdeum
eventointerativocomumprodutoousistema.Abuscaporemoçõespositivasemtudoo
que fazemos e experimentamos está no nosso DNA, está programado no nosso
comportamentopadrão.Essamesmabuscaéumgrandecombustívelparaotrabalhode
designdeexperiências.Por que deveríamos investir tempo e energia especificando emoções-alvo ouintenções emocionais nos processos de design? A principal razão é que já sedemonstrou que diferentes emoções possuem diferentes efeitos sobre ocomportamento.Deacordocomateoria“ampliareconstruir”(...),asemoçõespositivassãocaracterizadasporefeitosdistintoseespecíficos:aalegriacriaanecessidade de brincar e ser lúdico no sentido mais amplo das acepções,incluindo não apenas a ludicidade física e social, mas também a ludicidadeintelectualeartística(...).Afascinaçãocriaanecessidadedeexplorar,queestávoltada a aumentar o conhecimento do alvo de interesse (...). A satisfaçãopermitequeindivíduosapreciemoestadoatualdesuasvidaseseussucessosrecentes (...). Espera-se que tais efeitos comportamentais gerais tambéminfluenciemasinteraçõesentrehumanoseprodutos(DESMET,2012,p.13).
As emoções positivas têm uma comprovada habilidade de motivar as nossas
ações no mundo. Agimos e interagimos por que queremos sentir prazer, fascínio,
contentamento e satisfação. Somos atraídos por objetos que prometem nos oferecer
prazer,poraplicativosquenostrazemcontentamentoouambientesqueproporcionam
bem-estar.Apossibilidadedecriaremoçõespositivasatravésdodesignse tornouum
dosgrandesdesafiosdaeradaexperiência,ondeasinteraçõesdousuáriocomomundo
acontecemporintermédiodeaparatosdigitaiscadavezmaisinteligentes.
PieterA.Desmet,doutoremPsicologiaPositivanaUniversidadedeTecnologiade
DelftnaHolandaéumadasprincipaisreferênciasnomeioacadêmicoquandooassunto
édesignemocional.Emumadesuaspesquisas, foramlevantados729estudosdecaso
de interaçõeshomem-objetoemocionalmentepositivas.Combasenesses casos, foram
definidasasseisprincipaisfontesdeemoçõespositivasnasinteraçõeshomem-objeto:o
objetoemsi,osignificadodoobjeto,ainteraçãocomoobjeto,aatividadefacilitadapor
estainteração,nósmesmoseosoutrosenvolvidosnainteração.Cadaumdessesfatores
evocaemoçõesnousuárioepodemservistascomooportunidadesdedesign.
49
Figura10–Asseisfontesbásicasdeemoçõespositivasnasinteraçõeshomem-objeto16
As seis fontes básicas apontadas no artigo de Desmet ajudam o designer a
compreender as possibilidades da sua atuação num projeto. Se emoções positivas
podem ser evocadas tanto por características materiais do produto quanto por seus
aspectos subjetivos, devemos rever os métodos tradicionais de design para abraçar
todasessaspossibilidadesedeterminarnovaslinhasdeatuação.Naeradaexperiência
osprodutosnãosãomaiscoisasisoladas,queentregaminteraçõescomcomeço,meioe
fim. Sãoparte integrantedeumecossistemade interações reais e virtuais. Por isso, a
jornadadeinteraçõesdecadausuáriocomumprodutodedesignémaiscomplexa.Uma
mesmaexperiênciajamaisserávivenciadaduasvezespoisapredisposiçãoemocionalde
cada usuário é diferente ao embarcar nela. Um mesmo usuário também terá
experiências diferentes com um produto pois o seu contexto de uso muda a cada
momento,lugarepredisposiçãoemocional.
Visualizar as possíveis fontes de emoções positivas é um bom começo para o
design com foco na emoção.Mas o estudo das emoções humanas e sua influência no
designdeUXesbarranumdesafioaindamaiorrelacionadoàlinguagemeàclassificação
dasemoções.Afinal,comocadaumentendeefalasobreasemoçõesémuitoparticular.
Além de divergências semânticas (o que uma pessoa entende por simpatia não é o
mesmoqueoutra) temosque considerardivergênciasdevocabulário.Aspessoas têm
níveisdiferentesdedomíniosobrealínguaesobreoléxicodisponívelparaexpressaras
16TraduzidopeloautordomodelodecomportamentoapresentadoporDesmet(2012,p.11).
50
suasemoções.Enquantoalgumaspessoassabemexpressarumsentimentodebem-estar
apenascomapalavrafeliz,outraspodemsermaisespecíficaseusarempalavrascomo
êxtaseoueuforia.As tipologias emocionais existentes incluem desde opções simples e concisasatélistasexaustivasdecentenasdepalavras.Taldicotomiapodeserexplicadapeloconceitode ‘conhecimentoemocional’.Talconhecimentoéutilizadopelaspessoasparainterpretarsuasprópriasreaçõesemocionaiseaquelasdeoutros,para prever emoções e para compartilhar e falar sobre reações emocionaissobreeventospassadosepresentes(DESMET,2012,p.02).
ApesquisadeDesmetaprofundaaquestãodoconhecimentoemocionalepropõe
umléxicobásicoparaserutilizadocomoferramentanodesigndeexperiências.
4.2Léxicoemocional
Um minucioso estudo de linguagem liderado por Pieter M. A. Desmet tornou
viável a discussão sobre emoções positivas no processo de design pois possibilitou a
criaçãoumconsensolinguísticoesemânticoentreusuáriosedesigners.Oestudopartiu
de um amplo levantamento linguístico das palavras e expressões relacionadas a
emoções positivas, em várias línguas. A partir dessa pesquisa, os pesquisadores
realizaramumasínteseechegarama25 tiposdeemoçõesessenciais,agrupadasem9
categorias.(figura11)Oléxicoemocionaldegrandepartedaslínguasmodernascontémcentenasdenomes de emoções (...), e insinuar que todas elas são meras variações dasemoções básicas marginaliza a riqueza de nosso repertório emocional(DESMET,2012,p.4).
SegundoDesmet,cadaemoçãobásicaenglobaváriasoutrasemoções.Prazer,por
exemplo, é uma emoçãobásica que engloba outras diferentes emoções comoorgulho,
satisfação, alívio e inspiração. Amor é uma emoção básica que engloba simpatia,
admiração,gentileza,desejoerespeito.Algumaspessoaspodemclaramente identificá-
las como emoções diferentes, com condições, sentimentos e manifestações
comportamentaisdistintas.Outrasnãopossuemumdomínioda línguasuficientepara
fazer essas distinções. É justamente nesse desalinhamento de conhecimento que a
propostadoléxicoemocionalpodeajudar.
51
Figura11–TipologiaGeraldas25EmoçõesPositivas17
As25emoçõesbásicasforamagrupadasemnovecategorias:Prazer,Gratificação,
Empatia, Afeto, Aspiração, Otimismo, Confiança e Animação. Essas categorias foram
criadasatravésdeumapesquisacomrespondentesqueavaliaramasimilaridadeentre
paresdeemoção.Apósaavaliaçãodosparticipantesdapesquisa,as25emoçõesbásicas
esuasemoçõescomponentesforamrepresentadasnummodelográficobidimensional,
ondepodemosveressasrelaçõesdesimilaridadeeproximidade(figura12).
17TraduzidopeloautorapartirdatabeladeTipologiaGeraldas25EmoçõesPositivasapresentadaemDesmet(2012,p.4).
52
Figura12–EscalaMultidimensionalcomasCategoriasdeEmoções18
4.3Granularidadeemocional
Algumaspessoastêmmaisciênciadasdiferençasentreasemoçõeseconseguem
articular melhor seu estado emocional do que outras. Essa diferença é denominada
granularidadeemocional:acapacidadedeumindivíduoeminterpretarearticularcom
precisãooseupróprioestadoemocional,bemcomoodeoutraspessoas.Esteconceito
foi apresentadopor Lindquist eBarrett (2016), no artigoEmotionalComplexity, como
umaspectoqueconferecomplexidadeaoentendimentodasemoções.Os indivíduos que são emocionalmente granulares utilizam adjetivos paradescrever emoções, tais como ‘triste’, ‘satisfeito’, ‘irritado’, ‘amedrontado’,‘alegre’ etc., para representar experiências discreta e qualitativamentediferentes. As pessoas com menores níveis de granularidade utilizam essasmesmas palavras de forma menos precisa para representar estados afetivosmais globais, mais amplos, tais como prazer/desprazer, excitação/calma(LINDQUISTeBARRET,2016,p.6).
18TraduzidopeloautorapartirdaEscalaMultidimensionalcomasCategoriasdeEmoçõesapresentadaemDesmet(2012,p.6).
53
Paraumdeterminadoevento,porexemplo,umindivíduocomaltagranularidade
emocionalpoderiadizerqueestásesentindomuitofascinadoeinspirado,enquantoum
indivíduocombaixagranularidadediriaapenasqueestásesentindobem.Porsetratar
de uma abordagem investigativa sobre a percepção das emoções, baseada em relatos
pessoais,agranularidadeemocionalaindanãopodeservalidadacientificamente.Nãose
pode verificar de forma objetiva se um estado emocional relatado por um indivíduo
realmente ocorreu durante a experiência. No entanto, o conceito vai de encontro à
propostadoléxicoemocionaldeDesmete,decertaforma,éresolvidoporele.
Acomplexidadeemocionalvaialémdagranularidadeemocional.Háumagrande
diferença de entendimento e expressão entre emoções positivas e negativas. Na
comparação,percebe-sequeasnuancesentreemoçõespositivassãomuitomaissutis,às
vezes difíceis de serem observadas em gestos ou expressões corporais. É quase
impossível distinguir entre um sentimento de alívio, relaxamento ou satisfação, por
exemplo. Sem que o indivíduo articule o que sente em palavras, essas três emoções
podemserinterpretadasapenaspelasuavalênciapositiva.Emsetratandodavalência
oposta, as emoções negativas provocam uma maior propensão à ação, quando
comparadasàsemoçõespositivas.Estudosevidenciandoessadiferençasãodescritosno
trabalhodeYoonetal.(2014).Comparadas às emoções negativas, as diferenças entre as emoções positivastendem a sermais sutis. Um estudo de Ekman [2003] sobre emoções e suasrelações comas expressões faciaisdemonstrouqueas emoçõespositivasnãosão facilmente diferenciadas entre si, dado que grande parte das emoçõespositivasresultamemumsorriso.“Damesmaforma,atendênciaàação,outrocomponentedaexperiênciaemocional,émenosdistintodasemoçõespositivasquedasaçõesnegativas(...)”.Poroutrolado,podemosidentificarfacilmenteasdiferençasentreasemoçõesnegativas,taiscomoódiooutristeza,observando-seasmanifestaçõescomportamentais.Issopressupõequeadistinçãoentreasnuances das emoções positivas exige um entendimento profundo dosmultifacetados aspectos das experiências emocionais. (YOON et al, 2014, p.644)
Numa visão superficial as diferenças entre as emoções positivas e negativas
parecerem óbvias. Se nos sentimos bem, a emoção é positiva; se nos sentimosmal, a
emoçãoénegativa.Noentanto,umestudodeAverill (DESMET,2012)demostrouque
essadistinçãonãoésimplesediretacomoimaginamos.Devemosconsideraraomenos
duasvariáveisadicionaisparafazeressadistinção:O primeiro é o comportamento que é estimulado pela emoção: estecomportamento é avaliado positiva ou negativamente? Smug (presunção) eSchadenfreude (prazer comadorde terceiros) sãoexemplosdeemoçõesquesão prazerosas mas também carregam uma conotação negativa devido aoscomportamentosassociadosquesãoavaliadoscomodesfavoráveis.Asegunda
54
variável é a consequência da emoção, que pode ser positiva ou negativa. Acompaixão, por exemplo, pode não ser prazerosa, mas é frequentementeconsiderada positiva, pois as consequências de se compartilhar um peso sãoconsideradaspositivas.Outroexemploéacoragem.Emborasejasuscitadaemuma situação avaliada como negativa (por exemplo, perigo), a coragemfrequentemente é vista como uma emoção positiva, poismuitas vezes leva aresultadospositivos.Parafiltrarasemoçõesnegativassemexcluirasemoçõesquepossuemelementospositivos,oseguintecritériofoiestabelecido:emoçõesforam incluídas quando acompanhadas de sentimentos agradáveis e/oucomportamentofavorávele/ouconsequênciaspositivas(DESMET,2012,p.03).
4.4ArodadeemoçõesdePlutchik
Umoutro trabalho de classificação das emoções que se tornou uma referência
paraestudantesdepsicologiae,maisrecentemente,designerséaRodadeEmoçõesde
Plutchik.RobertPlutchikfoiumpesquisadorimportanteparaestudodapsicologiadas
emoções,deixandocomolegadoasuateoriadeemoçãopsicoevolutiva.Naconcepçãodo
autor,asemoçõesbásicassãoumtraçodonossodesenvolvimentoevolutivoearesposta
acadaemoçãoestárelacionadaaosnossosinstintosdesobrevivência.
A teoria psicoevolutiva das emoções de Plutchik possui dez postulados
(PLUTCHIK,2003).Asaber:
1. Oconceitodeemoçãoéaplicávela todososníveisevolutivoseseaplica
tantoaoshumanoscomoaosanimais.
2. Asemoçõestêmumahistóriaevolutivaedesenvolveramváriasformasde
expressãonasvariadasespécies.
3. Emoções cumprem um papel adaptativo ao auxiliar os organismos a
lidaremcomosproblemaschaveapresentadospelomeioambiente.
4. Adespeitodasdiferentesformasdeexpressãodasemoçõesnasdiferentes
espécies,existemalgunspadrõesquepodemseridentificados.
5. Existeumpequenonúmerodeemoçõesbásicasouprimárias.
6. Todas as outras emoções são misturas ou estados derivativos das
emoçõesprimárias.
7. Emoções primárias são construções hipotéticas ou estados idealizados
quesópodemserinferidospormeiodediversasevidências.
8. Emoções primárias podem ser conceitualizadas na forma de oposições
polares.
9. Todasasemoçõesvariamemseugraudesimilaridadeentresi.
55
10. Todas as emoções variam em seu grau de intensidade ou nível de
surgimento.
A partir dos postulados e da sua teoria psicoevolutiva, Plutchik desenvolveu a
Roda de Emoções com o objetivo de ajudar no entendimento e classificação das
emoções. A roda é construída com base em oito emoções primárias: irritação, medo,
tristeza,nojo,surpresa,antecipação,confiançaealegria.Omodelovisualtemaformade
umaflor,comcírculosepétalasusadaspararepresentarasimilaridadeeaintensidade
das emoções. Emoções similares estão dispostas de forma adjacente, numa mesma
pétala,representandointensidadesdiferentes(êxtase,alegria,serenidade),enquantoas
opostasestãoempétalasdiametralmenteopostas(antecipaçãoxsurpresa).
Figura13-ArodadasemoçõesdePlutchik19
19TraduzidopeloautorapartirdasilustraçãoesdePLUTCHIK(2003,capa).
56
O trabalho de Plutchik tornou-se umadas referênciamais conhecidas sobre as
nuances emocionais do homem, sendo amplamente utilizado em projetos de design,
inteligência artificial e robótica. Por sua simplicidade e forma gráfica atraente, é um
conteúdo comum dos cursos básicos de psicologia, marketing e design. Para os
designers, a roda funciona comoumapaletade cores comaqual épossível combinar
diferentes emoçõesprimárias e gerardiferentes respostas emocionais, comdiferentes
intensidades. Trata-se de um modelo de fácil entendimento que possibilita várias
aplicações durante as etapas do design. Em entrevistas com usuários, por exemplo, é
possível atrelar cores/emoções às interações relatadas, ajudando nomapeamento da
jornada emocional do indivíduo. Em sessões de ideação e prototipagem é possível
utilizaromodelopara indicar asmetas emocionaispara cada etapada experiência.O
fatorlúdicoeatraentedomodelosãograndesfacilitadoresparaasuaadoção.
4.5Informáticapessoal:rastreandoemedindoemoções
Entenderetrabalharasemoçõespassouasertambémumobjetivodaindústria
tecnológica.Graçasàpopularizaçãodosdispositivosmóveisedosobjetosvestíveis,uma
nova cultura de dados pessoais se estabeleceu: ficoumuitomais fácil rastrear ações,
medir reações e fazer avaliações com base em dados pessoais. Isso trouxe também
novaspossibilidadesparaamediçãoeentendimentodasemoções.
No passado a única forma de se entender hábitos pessoais como consumo,
práticas esportivas, qualidade do sono e alimentação era através de métodos
quantitativosdeanálisededados,realizadoscombaseemregistrosmanuais,cálculose
abstrações gráficas. Tais métodos de autorrastreamento sempre demandaram muito
rigor técnico e muita disciplina dos participantes. Agora, a maior parte da coleta de
dadospodeserautomatizadacomousodesensores,enquantooregistroeanálisepode
ser delegado para um sistema ou um aplicativoweb. Não estamos falando apenas de
rastreare identificarhábitos.Aspossibilidadesdeaplicaçãodessas tecnologiasparaa
mediçãoecompreensãodasemoçõessãotambémumagrandepromessa.
A ubiquidade dos dispositivos móveis motivou um novo comportamento nos
usuários: a busca pelo autoconhecimento através da tecnologia. Este movimento
tecnológico-comportamental tem sido chamado de o ser quantificado ou informática
pessoal e consiste no registro e uso de dados pessoais por meio de sensores,
57
rastreadores e diários digitais. O argumento aqui é o viver por meio de números:
quantificarparaentendereentãomelhoraraspectosdavidapessoal.
A informática pessoal se tornou uma tendência dominante na cultura digital.
Cada vez mais pessoas buscam informações sobre si mesmas em seus aplicativos e
dispositivos. Esse comportamentopode servir vários propósitos, desde os atrelados a
metaspessoais,comoperdadepeso,aumentodeatividadefísicaoucontroledegastos,
até os provocados por mera curiosidade. Vários pesquisadores nas áreas
comportamentais e tecnológicas fizeram estudos sobre a informática pessoal
recentemente. Vamos explorar aqui as pesquisas relacionadas ao uso da informática
pessoalparaentendimentoemensuraçãodasemoçõesedobem-estar.
JohnRooksby,MattiasRost,AlistairMorrisoneMatthewChalmersexploraramo
usoderastreadorespessoaisassociadosàsaúdeebem-estar,emseuartigo intitulado
PersonalTrackingasLivedInformatics:Diversas abordagens podem ser adotadas para acompanhar tal domínio.Acelerômetrossãoutilizadosfrequentementeparasemediromovimentoesãotipicamente incorporadosemdispositivos, taiscomopedômetrosemonitoresde sono. O rastreamento por localização também é utilizado amplamente,especialmenteparademonitorarexercícioscomocorridaeciclismo,nosquaisas pessoas se locomovem geograficamente. Tais sistemas baseados emsensores podem coletar informações sem que o usuário precise se envolverativamente nisso. Diversos pedômetros são projetados para ficarconstantemente ligados, o usuário apenas precisa lembrar de carregar odispositivo. Outros monitores requerem envolvimento ativo, tais comomonitores de alimentos emedicamentos, que requerem que o usuário insiradados manualmente. Isso pode ser trabalhoso, e muitos dos monitores queobtémêxito buscam tornarmais fácil a entradadedados – por exemplo, pormeio da leitura de códigos de barras. Alguns monitores também estãocomeçando amudar domonitoramento ativo para omonitoramento passivo.Por exemplo, as balanças inteligentes, transmitem informações viacomunicaçãosemfiosparaumcomputador.Ossmartwatches(porexemplo,oGarmin)conseguemmonitorarapulsação(ROOKSBYetal,2014,p.1164).
No atual cenário tecnológico, os aparatosmóveis de rastreamento e análise de
dadossedesenvolvemeseproliferamemaltavelocidade.Masdoistiposdedispositivos
sãopredominantesemtermosdealcance:osobjetosvestíveiseossmartphones.
• Objetos vestíveis:dispositivos eletrônicos inteligentes, commicrossensores e
controles que podem ser usados como acessórios ou implantados no corpo. Os mais
popularesvestíveiscomobjetivosderastreamentosãoossmartwatches(AppleWatch,
Galaxy Gear entre outros) e os fitness trackers, ou rastreadores de atividades físicas
(Jawbone,Garmin,TomTomentreoutros).Estessãotambémosprincipaisexemplosda
58
Internetdascoisas,objetosquecapturam,interpretametrocamdadospelainternetsem
anecessidadedeintervençãohumana.
• Smartphones: Aplicativos também exercem funções de rastreamento e
tratamento de dados dos usuários. Alguns funcionam interligados a objetos vestíveis,
outros funcionam de forma independente, utilizando os diversos sensores do
dispositivo, como o acelerômetro, giroscópio, bússola, pedômetro e câmera, para
capturareregistrarasaçõesdoindivíduo.
Alémdestesdispositivosmóveis,ouniversodosjogoseletrônicosimpulsionoua
tecnologia de sensores e leitores corporais no intuito de proporcionar experiências
imersivas. Todos os principais fabricantes de jogos adotaram sensores em suas
plataformasecontinuamnumabuscaconstantedeinovação.NintendoWii,XboxKinect
e Playstation Move são os exemplos mais importantes. Graças a esses avanços
tecnológicos é possível que jogos de ginástica, yoga e dança ofereçam uma série de
informações pessoais como quantidade de calorias gasta, desempenho e performance
rítmica. Os Exergames são uma plataforma mista de exercícios físicos e jogos, que
capturamdados comopeso, altura,movimento e temperaturado corpopara entregar
entretenimentoimersivodeúltimageração.Oobjetivoécolocaroindivíduodentrodo
jogo.
Além dos diferentes dispositivos de rastreamento e análise de dados, John
Rooksby, Mattias Rost, Alistair Morrison, Matthew Chalmers (ROOKSBY et al, 2014)
descrevememseuestudocincotiposdiferentesdeautorrastreamento.Monitorespodemserutilizadosdediversas formas.Notamosdiversas formas(que podem se sobrepor) de utilização desses equipamentos:monitoramentodiretivo, documental, diagnóstico, busca de recompensas e monitoramentofetichizado.Monitoramento diretivo: a maioria dos monitoramentos era orientada porobjetivos. Muitos participantes buscavam perder ou manter o peso, entãoestabeleciamumobjetivooulimite(geralmentequeimaouconsumocalórico).Outros participantes seguiam um programa de treinamento e, portanto, seesforçavam para atingir os objetivos definidos por tal programa. Algumasvezes, o objetivo seria recebido pelo próprio monitor, a maior parte dospedômetros,porexemplo,sugereobjetivosadequados.Monitoramento documental: uma outra forma comum para utilização demonitores pode ser chamada de monitoramento documental. Neste tipo, osparticipantes estavammais interessados em documentar suas atividades emvezdealterá-las.Monitoramentodiagnóstico:acapacidadedediagnosticare,atémesmo,evitarumaenfermidadegravepormeiodaanálisededadoséumadasgrandesideiasnodiscursodoQuantifiedSelf.Busca de recompensas: monitoramento para obter pontuação ou registrarconquistas.
59
Monitoramentofetichizado:estetipoacontecedevidoauminteressemaispuroem gadgets e tecnologia. Os usuários do Nike Fuelband, por exemplo,percebiam isso como sendo tecnologias “cool” (ou “iradas”) ou “pretty” (ou“bacanas”).
UmtrabalhoconduzidoporDanielA.Epstein,AnPing, JamesFogartyeSeanA.
Munson(EPSTEINetal.,2015)pesquisouousodeautorrastreadoresetrouxeumnovo
modelodeinformáticapessoallevantandoaquestãodainfluênciadosdadoscoletados
pelosdispositivosnoshábitosenarotinadosusuários.Estanovavisãolevaonomede
livedinformatics.Nesseestudo,baseadonoacompanhamentocontínuodeumgrupode
indivíduos, foram identificados três classes demotivações para o autorrastreamento:
mudança comportamental, instrumentação e curiosidade. Cadamotivação esclarece a
formacomoosusuáriosselecionam,usamefalhamnousodeseusdispositivos.Objetivos de mudança comportamental: trabalhos anteriores já descreveramcomo os objetivos de mudança comportamental podem motivar pessoas acomeçar o monitoramento. As ferramentas pessoais de informática apoiamobjetivosdeprogramadeprincípioseníveisnacategorizaçãodeobjetivosdePoder. Objetivos de programas de níveis são relativamente abstratos, e osprincípios orientadores ideais são aqueles que buscam obter objetivos, taiscomo“ficaremmelhorforma”,“termaiscontrolesobresuasprópriasfinanças”,e outras noventa e duas. Os objetivos de programa são mais específicos eimplementáveis(porexemplo,“saindodoburacodasdívidas”,outros).Objetivos de monitoramento instrumental: nós definimos o monitoramentoinstrumental como sendo o monitoramento sem o objetivo de mudançacomportamental.Oobjetivoéregistrarumcomportamentoespecífico,talcomoir a um local específico ou assistir a determinado filme. Os monitores delocalização frequentemente fornecem instrumentos para obter benefíciossociais.Curiosidade: muitas pessoas decidem fazer o monitoramento sem qualquertipo de objetivo comportamental, mas por pura curiosidade sobre como elepossaserouoferecer.
Opredomíniodeumaououtramotivaçãodeautorrastreamentovariadeacordo
como assunto.Metas demudançade comportamento são apontadas no estudo como
razões comuns para rastreamento de atividade física e controle financeiro. Metas
instrumentais foram apontadas como principais motivadoras de rastreamento de
localização.Acuriosidadefoiobservadanostrêsdomíniosmasfoimaismencionadapor
rastreadoresdelocalização.
Apesar de toda a tecnologia disponível ainda há muita controvérsia sobre os
métodoseletrônicosde rastreamentoe identificaçãoemocional.Muitosacreditamque
precisamos perguntar para as pessoas sobre os seus sentimentos para medir e
interpretar suas emoções. Só através dos relatos pessoais seria possível extrair
informaçõesválidassobreaemoçãodousuário.
60
Emcontrapartida,vemosqueapesquisatecnológicavoltadaparaadetecçãoda
emoção avançou consideravelmentede sua fase experimental para a realidade.Novos
sensores conectados ininterruptamente com a rede permitem registrar e tratar um
volumededadosantesinimaginável.Dispomosdemuitomaisdadossobrenósmesmos
emuitomaiscapacidadedeanálise.Noentanto,mesmoquenossosdispositivossejam
testemunhasdenossasaçõese saibammuito sobrenós, aindanãosabemosuficiente
sobreoquedefatosentimos.EsteparadoxoéaquestãochaveparaoDesignEmocional
naatualidade.
Paracontextualizaronossoestudo,vamosretomarumaabordagemdemedição
dasemoçõesbaseadanohumordaspessoas.Ahistóriateminícionosanos80,quando
psicólogos começaram a usar um modelo bidimensional para descrever e medir o
humor dos seus pacientes. O artigo principal que deu origem a essa abordagem se
chamaUmModeloCircumplexodaEmoção,deJamesA.Russell,publicadopeloJournalof
Personality and Social Psychology em 1980. Para Russell (POSNER et al., 2005),
devemospensar o nosso espaço emocional comoumagrade comduasdimensões: no
eixoX está avalência positiva ounegativa (agradável/desagradável), no eixoY está a
estimulação ouatividade.Distribuídas em formade círculo ao redordessesdois eixos
estariamtodasasvariaçõesdossentimentoshumanos(figura14).
Quando as pessoas falam sobre suas experiências emocionais, conseguem
facilmente descrever sentimentos de valência (prazer ou desprazer) e estimulação
(sonolênciaouexcitação).EstaéumavantagemdomodelodeRussell.Osrelatosprópriosdeexperiênciapodemserdetalhadosaindamaisnaspartesintegrantes, usem elas palavras para descrever emoções de forma altamentegranular, ou não. Tais componentes são a valência (prazer-desprazer) e, emmenorproporção,aestimulação(ativação-desativação).Valênciaeestimulaçãosão normalmente definidas como propriedades dimensionais da experiência(BARRET,2006,p.25).
Outro aspecto favorável deste modelo é que se adapta a diferentes
granularidades de humor. Seja commuitos tipos de sentimento ou poucos, o formato
circumplexo e os dois eixos sempre estarão presentes. Pode-se, com ele, conduzir
pesquisas mais abrangentes sobre a valência dos sentimentos versus o grau de
estimulação, ou explorar nuancesmais específicas do humor do indivíduo. Omodelo
circumplexoéumaboaferramentadetrabalhoparapsicólogos,quetêmaoportunidade
de interagir com seus pacientes e questioná-los sobre o humor de forma direta e
simples.Comoestáoseuhumor?eComoestáoseuníveldeexcitação?sãoasperguntas
61
iniciaisparaoentendimentodasemoçõescombasenomodelocircumplexo.Tambémse
tornou uma referência para o estudo do design emocional ao colocar em ummodelo
quasematemáticoossentimentoscapturadosnosautorrelatóriosdeusuários.
Figura14–ModeloCircumplexodeEmoções20
É de se imaginarqueomodelodeRussell tenha levantado controvérsias entre
psicólogoseestudantesdocomportamentohumano.Forçaroregistrodohumoraum
modelo bipolar, bidimensional, onde os polos não sãonecessariamente opostos, é um
risco.Umdosprincipaisargumentoscontraomodelocircumplexoéodapossibilidade
dos indivíduossentirememoçõesopostasaomesmotempo.Omodelonãodeveriaser
tãoexatoassim,éprecisosermaisflexível.
Explorandoestaideiadequeemoçõespositivasenegativaspodemcoexistirem
ummesmo contexto, DavidWatson, Lee Anna Clark e Auke Tellegen publicaram em
1988umartigoapresentandooPANAS(PositiveandNegativeAffectSchedule–Escalade
EmoçãoPositivaeNegativa),umametodologiadeestudodasemoçõesque registrae
trata separadamente as emoções de valências discordantes. Para os pesquisadores, é20TraduzidopeloautorapartirdoModeloCircumplexodeEmoçõesapresentadoemPOSNERetal.(2005,p.21).
62
possível sentir-se bem emal aomesmo tempo, e esses sentimentos variam de forma
independente.
AescalaPANASconsisteemumalistade20diferentesemoções(10positivase
10negativas)quesãoclassificadaspelousuárioemumaescalade5pontos,sendo1o
valorcorrespondenteaausênciadaemoçãoe5àpresençaextrema.
Figura15–OPANAS(WATSONetal,1988,p.1070)
Alémdaescaladevalores,umaoutravariávelaplicadaaoPANASéo tempo.O
questionáriopodeseradaptadoparadiferentesinstruçõesdetempo:desdeomomento
atualatéperíodosmaislongosdetempo.
As conclusões da aplicação do PANAS, em várias circunstâncias diferentes,
mostraramqueosdadoscoletadostraziamfortesevidênciasdebipolaridade.Emoções
consideradasopostasapresentaramfortescorrelaçõesesuadisposiçãoemeixosouno
circumplexo não eram exatas. A oposição entre felicidade e tristeza não é tão clara
assim;abipolaridadeemocionalexiste.Apresentamos informações sobre o desenvolvimento de escalas simples paramedir as duas dimensões primárias do humor – Efeito Positivo e Negativo.Enquanto as escalas existentes são pouco confiáveis, possuem propriedadesconvergentes ou discriminantes ruins ou são excessivamente extensas, essasescalas de 10 itens são consistentes internamente e possuem excelentes
63
correlações convergentes e discriminantes com as medidas mais longas dosfatores subjacentes do humor. Elas também demonstram estabilidadeadequada ao longo de um período de dois meses. Quando utilizadas cominstruçõesdecurtoprazo,porexemplo, ‘agoramesmo’ou ‘hoje’,sãosensíveisàsflutuaçõesdohumorexibindoestabilidadedetraçosquandoasinstruçõesdelongo-prazo são utilizadas, por exemplo, ‘no ano passado’ ou ‘normalmente’(WATSONetal,1988,p.1069).
As emoções já são um tema corriqueiro nos ambientes digitais. As reações
emocionais em forma de emojis (representações gráficas simplificadas), integradas às
redes sociais e aplicativos de troca demensagens, formam o nosso novo vocabulário
emocional deveras simplificado mas, ao menos, consistente e universal. Através dos
emojis, milhões de pessoas estão se habituando a expressar seus sentimentos
instantaneamente na forma de símbolos. A linguagem visual certamente facilita a
identificaçãodaemoção,alémdeseramaisadequadaaomeiodigital.Umcontextode
uso tão massificado como esse nos faz pensar em possíveis ferramentas de design
emocionalbaseadasemsímboloscomoosemojis.
Contudo, complexidade emocional e emojis parecem ser dois assuntos
mutuamente excludentes. Caricaturas exageradas, desenhadas em cores primárias,
dificilmente serão capazes de expressar pequenas mudanças de humor ou estados
mentaismais serenos.O exagero faz parte da narrativamelodramática e divertida do
uso dos emojis, que se enquadram perfeitamente à brevidade das interações nos
dispositivos móveis. Além do uso como forma de feedback de postagens em redes
sociais, os emojis viraram um padrão de interação para interfaces de avaliação de
serviçosdigitais.Nessecontexto,normalmenteaparecemjuntoaumaescalasimplesde
satisfação, normalmente de 5 pontos, exemplo: odiei, não gostei, indiferente, gostei,
adorei. A identificação com os emojis torna a avaliação mais automática e breve,
ajudandoaengajarmaisusuáriosnessaetapadeavaliação.
Certamente existem oportunidades não exploradas para o uso de emojis em
etapasdeentendimento,sínteseeideaçãodesoluçõesdigitais.Devemosacompanharde
pertoaevoluçãodesseformatocomoumalinguagemuniversaldeemoções.
4.6Novastecnologiasdereconhecimentoemocional
As tecnologias de detecção de emoção, também conhecidas como computação
emocional, se utilizam de microssensores e dispositivos de leitura para capturar
expressões faciais, tom de voz, temperatura e linguagem corporal entre outras pistas
64
físicas para inferir estados emocionais do indivíduo. Incorporadas a smartphones,
assistentespessoaisouvestíveis,essastecnologiasestãocrescendoemprecisãotécnica
e capacidade de análise, graças ao avanço de outras frentes correlatas como a
inteligênciaartificialeananotecnologia.
Pamela Pavliscak adiantou nos primeiros capítulos do seu livro Designing for
Happiness, ainda sem data de lançamento, que existem cinco tipos principais de
tecnologiasdedetecçãodeemoção:1.Aanálise textual identifica frequência, arranjoe, algumasvezes,o contextodaspalavraseasmapeiaparaumacategoriaemocional.2. O reconhecimento de voz identifica padrões no tom de voz, ritmo eintensidadedavozhumana.3.Oreconhecimentofacial identificaasexpressões combasenascincoaseteemoçõesuniversaisdePaulEkmanquesetornamóbviaspelaexpressãofacial.4.Osdadosbiométricosmedembatimentocardíaco,olhar,pressãosanguínea,temperatura da pele ou outros sinais físicos e os traduz em categoriasemocionais.5. No autorrelatório, as pessoas relatam como se sentemde diversas formas,incluindoperguntas,classificaçãodeintensidadeouexpressãodeemoçõespormeiodeimagensoumúsicas.Oautorrelatórionãoéexatamenteumaavaliaçãodasemoções,masaindaénecessária,poisasemoçõesnãosãoumsinalfísico,mas sim uma avaliação cognitiva (PAVLISCAK, 2017, Kindle Locations 894-897).
Estudos onde são combinados diversos tipos de tecnologia de detecção de
emoção chegam a resultadosmais elaborados e detalhados sobre o estado emocional
dos indivíduos.AconsultoriamPath, fundadaporElliottHedmandoMITMediaLab,é
pioneira na combinação de sensores de stress com técnicas mais tradicionais de
pesquisa de observação. A proposta da mPath é desvendar os pequenos momentos
emocionais, quase imperceptíveis, que caracterizam as nossas reações a produtos e
experiências.Seumaempresafabricantedeeletrodomésticosresolvetestarumdeseus
produtos, por exemplo, os sensores podem ajudar a identificar precisamente em que
momentodainteraçãoousuárioficoufrustradocomodesigndoproduto.Osdadosdos
sensores são mapeados junto com os outros registros de observação e engajamento,
fornecendoumainterpretaçãomaisricadoimpactoemocionalprovocadopeloproduto.Baseado na condutividade da pele. Alguém que seja estimuladopsicologicamente (por exemplo, estressado ou excitado) irá começar a suar.Tais variações sutis na transpiração afetam a condutividade elétrica da pele.Avalieacondutividadeevocêconseguirámonitoraraexcitação(VANHEMERT,2014).
65
Astecnologiasbaseadasapenasemsensoresdereaçõesperiféricasdocorpotêm
comoprincipaldesafioregistrarasnuancesdasemoções.Issoporqueonossocorpofoi
programado para responder de uma forma específica aos estímulos, acionando os
nervosperiféricosapenasemcontextosemocionaisextremos,ignorandoasnuances:“As respostas do sistema nervoso periférico configuram condições de risco edesafio(...),efeitopositivoversusnegativo(...),masnãodistingueminequívocaeconsistentementeascategoriasdeemoções,taiscomoódio,tristezaemedo.Evidências do comportamento facial mostram os mesmos resultados. Amedição eletromiográfica facial se coordena em torno do efeito positivo ounegativo (...), intensidade ou efeito (...), em vez de categorias de emoçõesdistintas”(BARRETT,2006,p.23)
A dificuldade de detecção e interpretação detalhada é ainda maior para as
emoções de valência positiva, como apontado por Pamela Pavliscak. Uma das razões
para isso é a predominância de pesquisas sobre emoções negativas na área da
psicologia:Contrariamenteàsemoçõesnegativas,asemoçõespositivassãorelativamenteindiferenciadas: alegria, diversão e serenidade não são facilmentediferenciáveisentresiemtermosdeexpressãofacial,jáquetodaselasresultamem um sorriso. Devido às diferenças sutis entre as emoções positivas, osconjuntosdeemoçõesbásicasmaiscomumenteutilizadosincluemumamenorquantidade de emoções positivas que negativas. Portanto, a pesquisa sobreemoções na psicologia foca predominantemente nas emoções negativas. Omesmo pode se aplicar à detecção das emoções (PAVLISCAK, 2017, KindleLocations1026-1029).
Nãohádúvidasdequeessastecnologiasparaoentendimentodasemoçõesvão
ajudarnoprocessodedesign,levandoaexperiênciasmaisinteligentesemaishumanas.
Masistonãodeveacontecerdeimediato.Sentimentos são complicados, desesperadoramente misturados com aidentidade, experiência e contexto. Sem contar as emoçõesmisturadas comapercepçãoecogniçãosensorialecomportamentos.Oreconhecimentodascincoexpressõesfaciaiscanônicasnãoiránostornarmaissensíveiscomonumpassedemágica.Porém,astecnologiasdedetecçãodeemoçõespodemnosinspirarareconsiderar odesign emocional pornos fornecermais informações sobre asemoções(PAVLISCAK,2017,KindleLocations1102-1105).
Aoquetudoindica,apróximaondadastecnologiasdedetecçãodeemoçõesirá
provocarumaabordagemmaisdetalhadaesensívelàsnuancesdosnossossentimentos.
4.7Aimportânciadosautorrelatórios
Todas as evidências disponíveis, quando analisadas em conjunto, sugerem que
nãoexisteumaformaclaraeobjetivadesemediraexperiênciadaemoção.Aindanão
estamos prontos para estabelecer uma medida única, ou um conjunto padrão de
parâmetros,quepossamindicarquandoumapessoaestásesentindotriste,alegre,com
66
raivaoumedo.Comovimos,astecnologiasdedetecçãoaindanãosãocapazesdelidar
comas nuances de emoções, o que torna o entendimento raso. Podemos identificar a
valência da comoção de um indivíduo (prazer ou desprazer) mas ainda é impossível
determinarquaissãoassensaçõesquecompõemesseestadoemocional.Em suma, cientistaspodemconseguir avaliar o estado afetivodeumapessoa(prazer e desprazer, por exemplo), de formasmais indiretas (...) ou objetivas(pormeiodafaceoudocorpo,porexemplo).Porém,taisaferiçõesnãopodemserutilizadasparaseavaliarossentimentosdeódio,tristezaoumedo.Orelatoverbal,mesmocomtodasassuasfalhas,podeserumadasúnicasformasdeseavaliar a experiência da emoção. Caso desejemos saber se uma pessoa estásentindo determinada emoção, devemos perguntar a ela (BARRETT, 2006, p.24).
Novamenteesbarramosnaquestãodagranularidadeemocional.Parausardados
provindos de relatos sobre emoções, é importante considerar as diferenças de
vocabulário dos indivíduos, o seu contexto cultural e, principalmente, o humor no
momentodorelato.Indivíduos de baixa granularidade emocional reportam suas experiências emtermosglobais.Elesutilizamrótulosemocionaisdiscretos,taiscomo‘irritado’,‘triste’ etc., para representar apenas os aspectosmais gerais de seus estadosinternos(geralmenteprazeredesprazer). (...)Maiscomumente,os indivíduosdebaixa granularidade emocional utilizampalavras relacionadas às emoções,tais como ‘feliz’ e ‘animado’ para transmitir a ideia de ‘agradável’, e palavrascomo‘triste’e‘irritado’paratransmitiraideiade‘desagradável’.(...)Indivíduosde alta granularidade reportam suas experiências de forma mais precisautilizando palavras mais diferenciadas e utilizando rótulos emocionaisdiscretos de forma a capturar o distanciamento entre os significados dostermos. (...) O fato de que as pessoas possuem diferentes granularidadesemocionaisindicaquenemtodomundosabeadiferençaentreossentimentosdetristeza,ódio,culpaetc.(BARRETT,2006,p.25).
Aparentemente, todos os humanos conseguem distinguir entre um sentimento
positivoeumnegativo,entreprazeredesprazer.Tambémnãoédifícildistinguirentre
os níveis de estimulação. Ao menos essas duas variáveis, valência e estimulação (ou
ativação) podem ser usadas como base para os autorrelatórios. As variações surgem
quando lidamos com indivíduos de maior granularidade emocional, que conseguem
expressarcommaisprecisãosuasexperiênciasemocionais.
67
4.8PEGcards:umaferramentaparaodesignemocional
Figura16–PEGCards-PositiveEmotionalGranularityCards21
As PEG Cards (Positive Emotional Granularity Cards – Cartas de Granularidade
EmocionalPositiva)sãoumaferramentadedesign,desenvolvidapeloDelftInstitutefor
Positive Design na Holanda, que tem como objetivo ajudar nos processos de design
focadosnaemoção.Umconjuntode25cartasrepresentativasdas25emoçõespositivas
mapeadas por Desmet ajudam o designer a compreender e explorar as nuances das
emoções em atividades de design. O conteúdo das cartas é composto por definições,
condições,ocorrênciaserepresentaçõesgráficasdecadaemoção.Ascartaspodemser
utilizadas tanto na pesquisa quanto na prática de design como uma ferramenta de
comunicação ou uma fonte de inspiração. A recomendação geral do projeto das PEG
Cardsindicatrêsformasdeaplicaçãonoprocessodedesign:
1. entenderasnuancesdasemoçõespositivas
2. determinaraintençãoemocionaldeumproduto
3. facilitaracriatividadenaetapadeconceituaçãododesign
AsPEGCards sãoa instrumentalizaçãodoestudodas25emoçõesdeDesmete
permitemqueasemoçõessejamreconhecidaseendereçadasnoprocessodedesign.A
propostadascartaspartedeumconceitobásicodeusabilidadequeafirmaseroesforço
cognitivodoreconhecimentomenorqueodamemória.Ouseja,émaisfácilreconhecer
21(YOONeJEONG,2013)
68
umaemoçãoespecífica,comoauxíliodascartas,quetentarnomearessamesmaemoção
apartirdamemória.
4.9Escalabilidadedaexperiência
Nummundo onde as experiências são o produtomais importante das grandes
indústrias,é importanteentendercomoasemoçõesevocadasnasmicrointeraçõesdos
clientespodemafetarasatisfaçãogeral.Vimosqueaciênciaeosvárioslaboratóriosde
tecnologiatêmdedicadotempoedinheironodesenvolvimentodesensoresemétodos
dedetecçãoeclassificaçãodasemoções.Entendemosqueexperiênciaseemoçõesnão
sãoeventosisolados.Sãointerligados,frutodeumconjuntodepequenasinterações.A
EscalabilidadedaExperiência é aquantidade infinitadepequenas interaçõesusuário-
produtoesuasrespostasemocionaisquefomentamexperiênciasmaiores.Nos sistemas interativos, o desafio é entender as influências das pequenasexperiênciaserespostasemocionaissobreaspessoas,bemcomoavisãogeral.Cadainteraçãocomoprodutoemumaexperiênciapodesercaracterizadaporuma resposta emocional efêmera, pode ser confirmada por uma expressãoemocional ou humor específico, e é arquivada namemória como um aspectoespecífico de uma experiência. A escalabilidade da experiência também serelaciona à forma comoas experiênciasde cadaumem relação aosprodutospodemmudaraolongodotempo(FORLLIZZIeBATTARBEE,2004,p.265).
Desenharaexperiênciaécuidardosmúltiplospontosdecontatodousuáriocom
o sistema ou produto. Escalar a experiência significa fazer reverberar as reações
emocionaispositivasdecadainteraçãoemumaexperiênciamaior,demaiorsignificado
para o usuário. Como vimos, entender e desenhar para as emoções não é uma tarefa
confortável para a indústria tecnológica. Mas é uma crescente preocupação, que vem
fomentando diversos estudos e avançosmetodológicos. O design emocional tem essa
função genuína de construir emoções positivas e minimizar as negativas através do
design.Essa tarefa,emescala,permitequeodesignalmejeobjetivosaindamaiores:o
designparaafelicidade.
69
5FELICIDADE
Antesdeexplorarmososrecentesesforçosdodesignnaconstruçãodafelicidade,
faremos um levantamento das teorias sobre felicidade e bem-estar que mais
influenciaramessaabordagem.Oobjetivodesteestudonãoéfazerumtratadosobrea
felicidade,tarefaquasequeimpossívelparaumregistrodemestrado,massim,pincelar
asopiniões,estudosetrabalhoscientíficosnasáreasdaFilosofia,PsicologiaeEconomia
Comportamental que mais influenciaram o design recentemente. Comecemos pela
filosofiadeAristóteles.
Aristóteles tinha um conceito da felicidade como um fim por si só, o objetivo
máximodabuscadohomemduranteasuavida.Algoque,naturalmente,almejamose
quenoséfundamentalparaasdecisõesquetomamos,paraasescolhasquefazemos.Aristóteles fazda felicidade“aatividadedaalmadirigidapelavirtude”, istoé,pelo exercício da virtude, e não da simples posse. (JAPIASSÚ eMARCONDES,1991,p.96)
Trata-se de uma abordagem mais ampla e mais inclusiva, pois extrapolava a
noção utilitarista da felicidade relacionada simplesmente às sensações de prazer. A
noçãodeAristótelesparaa felicidadeganhouonomedeeudaimonia que significaum
estado de prosperidade da alma, pressupondo um engajamento físico, emocional e
intelectualcomomundo.Sóatravésdoexercíciodavirtudeépossívelatingiropotencial
pleno de realização de cada um. A felicidade aristotélica está relacionada ao que o
indivíduofazdesiedesuavida;éumaexpressãodavirtude,aconsequêncianaturalde
sefazeroquevaleapenaserfeito.
5.1APsicologiaPositivaeasabordagensteóricasacercadafelicidade
Muitas teorias acerca da felicidade foram propostas desde os conceitos de
Aristóteles.Napsicologiaumaabordagemrecentetrazafelicidadecomoprincipalfoco
deestudoseterapias.APsicologiaPositivaconseguiumudaraformacomopsicólogose
terapeutastratamseuspacientes,ajudando-osaprosperaremsuasvidasenãoapenas
tratandodistúrbiospsicológicos.O termo ‘Psicologia Positiva’ foi utilizado pela primeira vez em 1954 porAbrahamMaslowno capítulodeum livronoqual elenotouquea ‘ciênciadapsicologiatevemuitomaisêxitodoladonegativoquedoladopositivo.Elanosreveloumuitomaissobreasdeficiências,malesepecadosdohomemquesuaspotencialidades, virtudes, aspirações realizáveis, ou sua estatura psicológicacompleta. É como se a psicologia se restringisse voluntariamente a apenas
70
metadedesuajurisdiçãolegal,àparteobscuraemaismesquinha”(...).Maisde40 anos mais tarde, Martin Seligman reintroduziu o termo e declarou que apsicologiaestavaapenas “parcialmentedesenvolvida”equeprecisavaprestarmais atençãoao ladobomdaspessoas.Empouco tempo, gruposdepesquisasurgiramem todosos cantosdosEstadosUnidos,deFiladélfia aWashington,passandoporLincoln,Colúmbia,echegandoatéemlocaisremotoscomoGrandCaymaneAkumal.ApromessadessanovavertentedaPsicologiaPositivaeramuitoclara:utilizandoasmesmastécnicaseferramentasqueexplicamnossasfraquezas, previnem e tratam doenças, poderíamos melhorar nossoentendimento acerca dos nossos pontos fortes e promover o bem-estar(SNYDEReLOPEZ(eds.),2009,p.3).
NoartigoSubjectiveWell-Being:TheScienceofHappinessandLifeSatisfaction,Ed
Diener, ShigehiroOishi e Richard E. Lucas apresentam três grupos de teorias sobre a
felicidadequeresumemmuitobemasdiferenteslentesdeestudodaPsicologiaPositiva:
(1)teoriasdenecessidadesemetas;(2)teoriasdeprocessoouatividade;e(3)teorias
depredisposiçãogenéticaoudepersonalidade.
(1)Teoriasdenecessidadeemetas
O primeiro grupo de teorias tem como ideia central a felicidade através da
satisfaçãodenecessidadesbiológicasepsicológicasedareduçãodasdores.Oprincípio
doprazerdeFreud,ondeodesejopelagratificaçãoimediatamotivaoindivíduoabuscar
oprazereevitarador,éaprincipalrepresentaçãodesseteoria.
Abraham Maslow também registrou seu entendimento sobre a motivação
humananummodeloque ficoubemconhecidonasescolasdemarketing, chamadode
Hierarquia de Necessidades Humanas. De acordo com a visão de Maslow, as
necessidades humanas podem ser dispostas em uma pirâmide, onde as necessidades
básicas ficam na base (como comida e abrigo) e as mais elevadas ficam no topo. As
pessoas são naturalmente motivadas a satisfazer as necessidades básicas antes de
subiremparapatamaresdenecessidadesmaiselevadascomoautoestimaourealização
pessoal.
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Figura17-PirâmidedeMaslow22
(2)Teoriasdeprocesso/atividade
Segundoessegrupodeteorias,oengajamentodoindivíduoemumaatividadeou
em um processo é capaz de proporcionar felicidade. Um dos representantes mais
notáveis dessa teoria é Csikszentmihalyi, psicólogo e autor de vários livros sobre o
conceito de flow, um estadomental de alta performance individual, altamente focado.
Csikszentmihalyi (2008) sugerequeaspessoas sãomais felizesquandoestão imersas
em atividades interessantes que sejam compatíveis as suas habilidades pessoais. Ele
chamouesteestadomentaldeengajamentocomumaatividadedeflow,argumentando
que as pessoas que experimentam este estado com frequência tendem a ser muito
felizes.
Diz-se que um indivíduo entra em estado de flow quando suas maiores
competênciassãoempregadasparacumprirasmissõesmaisdesafiadorasquesurgem
emsuavida.
22INTERACTIONDESIGNFOUNDATION(2016)
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Aspessoasquevivenciamflowodescrevemcomo‘umestadodeconcentraçãosemesforçonecessário tãoprofundoqueseperdeasensaçãodetempo,desimesmo,deseusprópriosproblemas”,esuasdescriçõesdealegriaemtalestadosãotãoconvincentesqueCsikszentmihalyiodescreveucomouma“experiênciaperfeita’(KAHENEMAN,2015,p.40).
Oconceitodeflowtornou-seumpilarimportanteparaaatualpesquisacientífica
acerca da felicidade, influenciando disciplinas análogas em outras áreas como a
Economiaeoprópriodesign.
Dentrodestegrupodeteoriasdeprocesso/atividadeestãotambémaspesquisas
quefalamdaimportânciadotrabalhoorientadoametasparaafelicidade.Aqueles que pesquisaram sobre objetivos (...) concordam que ter objetivosimportantes e progredir em relação ao seu atingimento são indicadoresconfiáveisdebem-estare,portanto,as teoriasdosobjetivospodemcombinaros elementos de satisfação de necessidades e atividades prazerosas paraexplicarobem-estarsubjetivo(SNYDEReLOPEZ(eds),2009,p.189).
O estado de imersão sem esforço descrito por Csikszentmihalyi pode explicar
tambémarelaçãodiretaentreaatençãoeafelicidade.Estaéumadasteoriasexplorada
pelo professor de Ciências Comportamentais da London School of Economics, Paul
Dolan, em seu livroHappiness byDesign. Dentre os processos cognitivos, a atenção é
apontadacomoaresponsáveldiretapelobem-estarsubjetivodaspessoas.Aatençãoé
umprocessoprodutivocapazdeconverterestímulosemfelicidade.O processo de produção da felicidade é, portanto, como alocamos a atenção.Aquilo que contribui para nossa felicidade está dentro dos mais diversosestímulos que competem por nossa atenção. Eles então são convertidos emfelicidadepormeiodaatençãoquededicamosaeles.Ofoconaatençãoéo“eloperdido”nacadeiadasentradasesaídas.Osmesmoseventosecircunstânciasna vida podem afetar mais ou menos nossa felicidade dependendo daquantidadedeatençãoquededicamosaeles.Duaspessoasquesãoparecidasemmuitossentidospodemficarfelizespordiferentesmotivos,dependendodecomoconvertemsuasentradasemsaídasdefelicidade(DOLAN,2015,p.46).
Esta aproximação entre atenção e felicidade traz consigo uma notável
simplificação do processo individual da busca pela felicidade. Torna hipoteticamente
viável,paraqualquer indivíduo, transformara rotinaemumaplataformaparaobem-
estarsubjetivo.Seafelicidadeédeterminadapelaalocaçãodaatenção,osegredoestaria
nadisciplinaenocontroledanossaconcentração.Noentanto,nãotemostotalcontrole
dosnossosprocessoscognitivos,muitomenosdoquenoschamaaatenção.Aocontrário
doqueseimagina,nãosomoscapazesdeprestaratençãoadoiseventossimultâneos.A
atenção é um recurso limitado e pode ora ser comandada conscientemente pelo
indivíduo,oraserrequisitadaporeventosexternos,interrompendoofoco.
73
(3)Teoriasdepredisposiçãogenéticaedepersonalidade
Um terceiro grupo de teorias argumenta que fatores genéticos e traços de
personalidade são determinantes para a felicidade. Alguns estudos que relacionam a
personalidade do indivíduo ao seu grau de bem-estar encontram evidências nas
característicascomportamentaisdosindivíduos.Quandoseexaminamasinfluênciasdapersonalidademaisdetalhadamente,ostraços que são mais consistentemente ligados ao bem-estar subjetivo são aextroversãoeoneuroticismo(...). Emespecial,háuma facetadaextroversão(emoçõespositivas)eumadoneuroticismo(depressão)queexplicammelhoras diferenças individuais na satisfação na vida que os traços globais daextroversãoeneuroticismodeummodogeral(SNYDEReLOPEZ(eds.),2009,p.189-190).
SonjaLyubomirsky,professoradoDepartamentodePsicologiadaUniversidade
da Califórnia, é uma das principais pesquisadoras da felicidade sob o viés da
predisposiçãogenética.EmseulivroTheHowofHappiness,afelicidadeédefinidacomo
aexperiênciadealegria,contentamentooubem-estarpositivocombinadaaosentimento
de que se leva uma vida boa, repleta de sentido e que vale a pena (LYUBOMIRSKY,
2016). Apesar da clara referência ao conceito de eudaimonia de Aristóteles, o livro
exploraasevidênciascientíficasqueembasamateoriadapredisposiçãogenéticaparaa
felicidade.SegundooargumentodeLyubomirsky,aconstruçãodafelicidadeédefinida
portrêscomponentesdepesosdistintos.
A predisposição genética seria responsável por 50% da felicidade de cada
indivíduo.Nossoníveldebem-estarmantém-serelativamenteomesmoduranteanossa
vida,determinadoporaspectoshereditárioseportraçosprematurosdepersonalidade.
Apenas10%daconstruçãodafelicidadeestarianascircunstâncias,noseventos
não voluntários da vida do indivíduo. Situação financeira, estado de saúde e bens
materiaissãoexemplosdessascircunstâncias.
Os40%restantesseriamcompostospelasatividades intencionaisdo indivíduo,
suasescolhas,suasexperiênciasvoluntáriaseseucomportamentoconsciente.Atuando
nestafatia,odesignpodeinfluenciaraconstruçãodafelicidadeatravésdeexperiências
que encantem, forneçam prazer e propósito. É neste contexto que as marcas se
desdobram para conseguir a atenção dos seus potenciais clientes e engajá-los em
experiênciasencantadoras.Omaiordesafiodedesignestá, justamente,nasustentação
doprazerporlongosperíodosdetempo.
74
O conceito da adaptação hedônica, derivado das teorias de predisposição
genética,apoia-senaideiadequecadaindivíduopossuiumnívelbásicodefelicidade.As
pessoas,demaneirageral, tendemaconservarem-senessenívelconstante,apesardos
eventosedocontextodesuasvidas.Umenigmaclássiconapesquisadobem-estarsubjetivoenvolveas limitaçõesdos efeitos hedonistas de longo-prazo nos resultados que são amplamentedesejados ou temidos por antecipação e evocam emoções intensas quandoocorrem(...).Emumapesquisarecenteutilizandodadoslongitudinais,Oswalde Powdthavee (2005) descobriram que a satisfação média com a vida decaiapós o surgimento de uma deficiência moderada, mas se recuperacompletamente aos níveis anteriores à deficiência dentro de dois anos. Esseprocesso é conhecido por adaptação ou habituação. Oswald e Powdthaveeacreditam que tal adaptação também acontecemas é incompleta no caso dedeficiências graves. Outros eventos, tais como casamento e luto também têmefeitos de curto-prazo consideráveis sobre a alegria e satisfação com a vida,porém, tais efeitos são geralmente temporários (...). Descobertas como essasnos remetem à ideia de um poderoso processo de adaptação hedonista queeventualmente retorna as pessoas a um ponto pré-determinado por suaspersonalidades(KRUEGER(ed.),2009,p.17).
Aadaptaçãohedônica funcionacomoumacalibragemautomáticada felicidade,
ajustando nossos sentimentos e sensações aos parâmetros básicos determinados pela
nossa genética e personalidade. Este fenômeno, observado e registrado em vários
estudoscientíficossobreobem-estarsubjetivo,fazcomquenosadaptemosaosaltose
baixosdavida.Naprática,oquenostrazfelicidadeagoranãotraráamesmafelicidade
nofuturo.Assimcomooquenosfazsofreragoranãoteráomesmoimpactonegativono
futuro.Pesquisas sobre a alegria nos mostram que adaptamos nossas expectativasrapidamente de forma a nos habituarmos ao que nos alegrava no passado.Existemenorpossibilidadedenoscansarmosdosaspectosdeumaexperiênciaqueapenasvivenciamosumavez,taiscomocriarumaconta,quandoumanovafuncionalidadeéintroduzidaouquandoumaaçãoécompletadapelaprimeiravez.Portanto,aprimeiravezquelemosalgointeressante,provavelmenteserádivertido.Dapróximavez,provavelmentenemtanto(PAVLISCAK,2017,KindleLocations738-741).
Asimplicaçõesdesseconceitoparaodesignsãocruciais.Principalmenteparao
design digital. Atualmente, metabolizamos nossos produtos tecnológicos tão
rapidamentequeafelicidadeproporcionadanãosesustentapormuitotempo.Abusca
pelapróximaversãomelhoradadaquiloque jápossuímosnosmantémemmovimento
nessaesteirahedônica,embuscaconstantepeloprazer.Cadanovaaquisiçãotraznovas
promessas de felicidade e nos mantém nesta busca incessante. O ritmo rápido da
indústria tecnológica nos encoraja a olhar para o futuro, para a próxima grande
inovação,ao invésdenosencorajaraapreciaroque jápossuímos.Aesteirahedônica
75
alimenta um ciclo vicioso de antecipação, consumo desenfreado, obsolescência
programadaedescarte.
Durantemuitotempoacreditou-sequeaadaptaçãohedônicaaconteciadeforma
semelhante para eventos de ganho ou de perda de felicidade. Descobertas recentes
apontam para uma revisão desta teoria, afirmando que as pessoas não se adaptam a
mudançasdrásticasdevidadamesmaformaqueeventosnegativosmenosintensos.DesdeofamosotrabalhodepesquisadeCoateseJanoff-Bulmanquecomparouganhadores da loteria com pacientes com lesão na medula espinhal, muitaspessoaspassaramaacreditarqueossereshumanospodemseadaptaraosmaisdiversoseventosnavida(eefetivamenteofazem),equetaiseventosnãotêmum efeito de longo prazo considerável no bem-estar das pessoas. Entretanto,maisrecentemente,talinterpretaçãofoiquestionada(...).Projetoslongitudinaisem grande escala revelaram que as pessoas não se adaptam às mudançasdrásticas nas circunstâncias da vida, tais como se tornar deficiente (...),divorciado (...) ou desempregado (...). Em especial, muitos dessesdesventurados indivíduos que passaram por tais mudanças radicais em suasvidasnãoretornaramaosníveisdefelicidadeanterioresaofatoe,portanto,oconceitodeum“pontodeajuste”nãodeveserconsideradocomofixo(SNYDEReLOPEZ(eds.),2009,p.190).
5.2Felicidadevivenciadaesatisfaçãocomavida
A Psicologia contemporânea reconhece uma variedade de indicadores de
felicidade.Doistiposdeindicadoressecontrapõemesecomplementamnosestudosde
felicidade. De um lado estão os dados capturados sistematicamente durante uma
experiência,dooutroestãoosrelatospessoaissobreaexperiênciaapóssuaocorrência.
Estas duas formas de semedir a felicidade constituemdois conceitos importantes na
teoriadobem-estarsubjetivo:afelicidadevivenciadaeafelicidadereportada.Nossainterpretaçãodaestruturadobem-estarsubjetivoseconcentraemdoisfatores qualitativamente distintos que contribuem ambos para o Bem-EstarSubjetivo.Oprimeirodelesestárelacionadoàformacomoaspessoasencaramavida,oqueserefletenossentimentospositivosenegativosqueacompanhamsuas atividades diárias. Nos referimos a este componente como ‘felicidadevivenciada’, ou amédia de umadimensão de experiência subjetiva reportadaem tempo real sobre um período extenso. O segundo componente estárelacionadoà formacomoaspessoasavaliamsuasvidas.Normalmente, ele éavaliadocommediçõesdesatisfação,taiscomo“Considerandoasuavidacomoumtodo,qualseuníveldesatisfaçãocomasuaprópriavidaatualmente?”Hámuitas formas para se mensurar tais componentes do Bem-Estar Subjetivo,masentendemosquedescrevemaspectossobrepostos–porémdistintos–davidadecadaum(SCHWARZeCLORE1983)”(KRUEGER(ed.),2009,p.16).
Fazerumaavaliação individualdavida,edoníveldesatisfaçãocomela,éuma
tarefadifícilde julgamento.Somosaltamente influenciadospor fatores comoohumor
domomento,o contexto, as açõesprévias, local, tempo.As respostasdeum indivíduo
para a perguntaVocêé feliz? podemmudar dependendo de todos esses fatores. Além
76
disso, somos imperfeitos ao fazer julgamentos baseados na razão. Nosso cérebro
trabalhanummodelomentalbaseadoemheurísticas,regrasqueagilizamaresoluçãode
problemasediminuemoesforçocognitivo.Numaoperaçãoanalíticacomoesta,ondeé
necessáriorecuperarvárioseventos importantesdavidaeponderá-losnuma linhado
tempo,o cérebrovai automaticamenteprocurarporatalhospara trazerumaresposta
rápida.Avaliar a própria vida como um todo pode ser uma decisão extremamentecomplicada(...).Damesmaformaqueacontececomoutrasdecisõesdifíceis,aavaliaçãodaprópriavidaaconteceporheurísticaconsultiva–asrespostasquevêm à mente em primeiro lugar (...). Demonstrações experimentais depreparação e efeitos contextuais fornecem evidências do papel de taisheurísticas nos relatórios de satisfação com a vida (...). Duas das perguntasheurísticasquesãoutilizadassão: ‘Oquantoeusouumapessoasortuda?’e ‘Oquanto eu me sinto bem?’. A primeira delas envolve uma comparação dascircunstâncias individuais com parâmetros convencionais ou pessoais,enquanto a segunda direciona a atenção para a experiência emocional maisrecente. Pesquisas indicam que, por exemplo, a satisfação com a vida que éreportada é maior em dias ensolarados que em dias chuvosos de formaconsistente com a influência do clima sobre os humores temporários daspessoas.Seosindivíduossãoquestionadosespecificamentesobreotempoemprimeirolugar,elestendemanotarqueseussentimentosatuaistalvezapenasreflitam uma influência temporária, o que elimina o efeito do clima nasatisfaçãocomavidaqueéreportada.(KRUEGER(ed.),2009,p.16)
Então,comopodemosavaliaremedirumaexperiência?Qualamelhorformade
acessaraspercepçõesdoindivíduosobreasuaprópriavidasemcairnasarmadilhasdos
vieses cognitivos? Daniel Kahneman, em seu livroRápido eDevagar: Duas Formas de
Pensar, exploraoconceitodaUtilidadedaExperiênciacomosendoumamétrica ideal,
capazdeindicarosníveisdeprazeroudorqueumindivíduoexperimentaduranteum
evento.Comoautilidadevivenciadapodesermensurada?Comodeveríamosrespondera perguntas, tais como ‘O quanto Helen sofreu durante o procedimentomédico?’ ou ‘Quanta alegria ela obteve passando 20 minutos na praia?’ Oeconomista francêsFrancisEdgeworthespeculoua respeitodesseassuntonoséculo 19 e propôs a ideia de um ‘hedonímetro’, que seria um instrumentoimagináriosemelhanteaosdispositivosutilizadosnasestaçõesmeteorológicaspara medir os níveis de prazer ou dor que um indivíduo vivencia emdeterminadomomento(KAHENEMAN,2015,p.378).
Aideiadohedonímetroéumautopiaparaqualquerdesignerdeexperiência.Ter
registrostãogranularessobreassensaçõesdoindivíduoemumaexperiência,se fosse
possível, seria tambémumgrandedesafio. Seria possível resolver todos os pontos de
dorapontadospelohedonímetro?Comoumaequipededesignconseguiriadarcontade
múltiplas experiências e usuários? Além disso, a proposta do hedonímetro ainda não
possuiumafundaçãotecnológicaqueasustente.Talvezasnovastecnologiasmóveise
vestíveistragamsoluçõesviabilizandoasuaconstrução.Jávimosmuitosavançosnesse
77
sentido, principalmente com os smartwatches repletos de sensores capazes demedir
pequenas alterações fisiológicas e gerar interpretações contextualizadas. Sem dúvida,
estamosmaispróximosdoquenuncademedirautilidadedaexperiênciaededesenhar
soluçõesmaisfluídas,livresdefricçãoedirecionadasaoestímulodoprazer.
Além do hedonímetro, a Utilidade da Experiência pode ser medida através de
outrométodo,sistematicamenteoposto:aavaliaçãoretrospectiva.Paraseavaliaruma
experiência, segundo este método, é necessário resgatar a memória da experiência
depoisde terminada.Desta forma, estaríamos acessandoapercepção final dousuário
sobre a experiência e não todos os pontos de interação conforme elas acontecem. A
avaliaçãoretrospectivarespeitadoisviesescognitivos importantesquando falamosde
experiência:aregradopico-fimeanegligênciacomaduração.Regradopico-fim(peak-endrule):a classificaçãoretrospectivaglobal foibemprevistapelamédiadoníveldedorrelatadonopiormomentodaexperiênciaeemseufim.Negligência com duração (duration neglect): a duração do procedimento nãoexerceuomenorefeitonasavaliaçõesdedortotal(KAHENEMAN,2015,p.474).
Paraonossocérebroenviesado,oníveldesatisfaçãodeumaexperiênciapassada
éamédiadopiorníveldedorpercebidaedoseunívelaofinaldaexperiência.Ouseja,
nãofazmuitosentidogastaresforçosdedesignpararesolvertodosospontosdedorde
uma experiência. Resolvendo apenas o momento mais crítico e, entregando uma
interaçãofinalmuitoboa,estaremosalimentandoumaboamemóriadessaexperiência.
Daniel Kahneman apresenta essas duas abordagens na formade dois eus: o eu
experiencial (aquele que vive a experiência) e o eu recordativo (aquele que usa a
lembrança).Oeuexperiencial(experiencingself)éoquerespondeàpergunta:‘Estádoendoagora?’. O eu recordativo (remembering self) é o que responde à pergunta:‘Comofoiisso,notodo?’(KAHENEMAN,2015,p.476).
De fato, as memórias são tudo o que levamos das experiências vivenciadas e
constituem a nossa principal perspectiva quando tentamos avaliar a nossa vida como
umtodo.Estamosconstantementecriandoearmazenandohistóriasdanossavida,não
nosimportandocomaduraçãodosacontecimentos,mascomsuarelevânciaeimpacto.
Este é o trabalho do eu recordativo, compor histórias memoráveis e guardá-las para
referênciafutura.Háumainconsistência incorporadaaodesigndanossasmentes.Temos fortespreferências acerca da duração de nossas experiências de dor e prazer.Queremosqueadorsejabreveequeoprazerdure.Masnossamemória,umafunçãodoSistema1,evoluiupararepresentaromomentomaisintensodeum
78
episódiodedorouprazer(opico)eassensaçõesquandooepisódioestavaemseu final. Umamemória que negligencie a duração não terá utilidade para anossa preferência por longos prazeres e sofrimentos curtos (KAHENEMAN,2015,p.480).
Na nossa ingênua concepção, temos controle racional das escolhas e nossos
processos cognitivos são pautados pela lógica.Nossas avaliações de satisfação geral e
bem-estar subjetivo também estariam embasadas por argumentos racionais. Mas, se
consideramosessasduasrepresentaçõesdoeuetodososviesescognitivos,percebemos
queoeurecordativoexerceumainfluênciamuitomaiornonossocomportamentoena
formacomoavaliamosasexperiências.Confundiraexperiênciacomsualembrançaéumailusãocognitivaconvincente–eéasubstituiçãoquenosfazacreditarqueumaexperiênciapassadapodeserarruinada.Oeuexperencialnãotemvoz.Oeurecordativoàsvezesestáerrado,maséelequeficadeolhonoplacaregovernaoqueaprendemoscomavida–eéelequemtomaasdecisões.Oqueaprendemoscomopassadoémaximizarasqualidadesdenossasfuturaslembranças,nãonecessariamentedanossafuturaexperiência.Essaéatiraniadoeurecordativo(KAHENEMAN,2015,p.476).
5.3Medindoafelicidade
Comomedimosafelicidade,afinaldecontas?Estaéumaquestãocadavezmais
presente na pauta de projetos de design da experiência. A superação de disciplinas
tradicionais do design de interação, como arquitetura de informação e usabilidade,
permitiuqueumpalcofosseconstruídoparanovasfrentesemetodologiasdetrabalho.
O foco continua sendo o usuário,mas agora podemos explorarmais os seus aspectos
cognitivos e emocionais. Quando se fala em felicidade como objetivo de design, como
algo possível de ser desenhado, ainda vemos resistência e um certo desconforto.
Entenderafelicidadeatravésdepesquisaseentrevistascomusuáriosaindapareceuma
abordagem incompleta. Mesmo havendo vários métodos válidos de pesquisa que se
apoiam em relatórios pessoais, os resultados não parecem totalmente confiáveis. As
pessoasnemsempresabemarticularoquesentemoupensam.Poroutro lado,vemos
nascermuitasnovastecnologiasvoltadasparaamediçãoeinterpretaçãodassensações
humanas. Já é possível usar imagens de ressonância magnética para medir o fluxo
sanguíneonocérebro.Ouusareletromiografiaparamonitoraraatividadeelétricados
músculos da face reconhecendo pistas da emoção do indivíduo. Essasmétricas quase
biológicastambémnãosesustentamisoladamenteparaquestõesdefelicidadeedesign.
Osdoisgruposdedadosdevemsercorrelacionados.
79
A felicidade sempre foi um assunto polêmico na academia e no mundo dos
negócios,masasnovasabordagensparao registroe interpretaçãoda felicidadeestão
mais e mais sofisticadas. Os dois eus, recordativo e experiencial, precisam ser
considerados no processo de design. Ambos precisam ser observados para que
possamos entender as sensações momento a momento juntamente com a percepção
finaldaexperiência.
EmumartigodenominadoVocêéfelizenquantotrabalha?doisespecialistasem
Economia Comportamental, Alex Bryson e George MacKerron (2006), agrupam os
métodos de mensuração da felicidade em três grandes categorias: avaliativa (ou
cognitiva),naqualaspessoassãoprovocadasa fazeravaliaçõesglobaisdesuasvidas;
hedônica (ou afetiva) na qual as pessoas avaliam seus sentimentos de prazer ou
desprazermomentoamomento;eaeudemônicaqueregistraapercepçãodaspessoas
sobrepropósito,sentido,recompensaeosentimentodequeavidavaleapena.(BRYSON
eMACKERRON,2016).Vamosdetalharcadaumadessascategorias.
5.4Métricasavaliativas/cognitivasdefelicidade
A maior parte dos estudos realizados sobre o bem-estar subjetivo,
principalmentenaPsicologiaenaEconomiaComportamental,sãoestudosbaseadosem
métricas avaliativas. O tirano eu recordativo classifica as experiências com base na
memóriadelas,fazendooquefoidenominadoporKahnemaneKruger(2006,p.6)como
avaliaçãoretrospectivaglobal.Entretanto,osjulgamentosglobaisdasatisfaçãocomavidanãocorrespondemfidedignamenteaohumormédioouaonívelmédiodesatisfaçãovivenciadosaolongo de diversos momentos ou domínios porque tais julgamentosprovavelmenteserãoinfluenciadospelohumoratualdapessoa,suascrençasarespeito da felicidade e a facilidade de obtenção de informações negativas epositivas (...). Portanto, as informações obtidas a partir de aferições globaisprovavelmenteserãocomplementadasporformasadicionaisdeavaliaçãocombase na memória, em relatórios dos informantes e amostras da experiência.(SNYDEReLOPEZ(eds.),2009,p.188).
Como levantado por Kahneman, o estadomental domomento presente ganha
umadimensãoenormequandoaspessoassãoquestionadassobreoquantosãofelizes.
Atendênciaéfazermosumaavaliaçãoretrospectivamuitopositivadavidaseestamos
de bom humor naquele momento. E não tão boa se algo desagradável aconteceu
momentosantes.
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Bom humor e otimismo são grandes influenciadores do bem estar, pois
favorecem uma visão mais positiva das coisas. Muitos estudos tratam dessa
predisposiçãopositivacomumtermodifícildetraduzirparaoportuguês:positiveaffect.
A tradução literal seria emoção positiva mas o conceito é mais específico. Affect é a
experiência da emoção ou do sentimento. Positive Affect refere-se à experiência
subjetivadobomhumor,doprazer,dointeresseedaatenção.Éprovadocientificamente
queopositiveaffectéumgrandefacilitadordafelicidade,promovendoacriatividade,a
intuiçãoeaautoestima.Étambémumótimomotordeatividadessociaisedeprocessos
cognitivosmaiscomplexos.Umaquantidadecrescentementemaiorde trabalhosdepesquisa indicaqueopositive affect suave (sentimentos de felicidade) induzida de forma sutil ecomum que pode ocorrer frequentemente na vida cotidiana facilita diversoscomportamentossociaisimportanteseprocessosdepensamento.Porexemplo,os trabalhosdas últimasduasdécadasmostraramque opositiveaffect leva aumamaiorcriatividade(...),melhoresprocessosdenegociaçãoeresultados(...)e mais flexibilidade, profundidade e abertura nas formas de se pensar eresolver problemas (...). Tudo isso se soma às pesquisas anteriores quemostram que o positive affect promove a generosidade e a responsabilidadesocialnas interaçõesinterpessoais(...).A literaturaindicaque,namaiorpartedascircunstâncias,aspessoasquesesentemfelizessãomaissuscetíveisafazeroquequerem,queremfazeroqueésocialmenteresponsável,útileprecisaserfeito,gostammaisdoquefazem,sãomaismotivadasaatingirosseusobjetivos,sãomais abertas à informação e pensammais claramente (SNYDER e LOPEZ(eds.),2009,p.503-504).Uma parte considerável dos trabalhos de pesquisa nas últimas três décadasdocumentouoimpactodopositiveaffectsobreainteraçãosocial–porexemplo,ajudaegenerosidade(...)(SNYDEReLOPEZ(eds.),2009,p.504)Uma quantidade substancial de obras sustenta a conclusão de que o positiveaffect promove a flexibilidade no pensar. (SNYDER e LOPEZ (eds.), 2009, p.505)
Aconclusãodessesedeoutrosestudoséqueopositiveaffectéumcombustível
paraacriatividade,paraainovaçãoeparaprocessoscognitivosmaisflexíveis.Tantoas
tarefasindividuaiscomoasinteraçõessociaisficammaisfáceiseprazerosas.
Aprincipalexplicaçãoparaesseefeitotransbordantedobomhumornosnossos
processoscognitivosvemdaneuropsicologia.Umadashipóteseséqueadopamina,um
conhecidoneurotransmissor,sejaamediadoradessaatuaçãodasemoçõespositivasnos
processoscognitivos.Essahipótesesugerequeopositiveaffectpodeafetarsobretudoastarefasquesãocontroladaspelasregiõesdocérebroquecontémreceptoresdedopamina.Consequentemente,essasugestãopodenoslevaraformasmaisespecíficasdese definir os tipos de tarefas que possam ou não ser facilitadas pelo positiveaffect(SNYDEReLOPEZ(eds.),2009,p.514).
81
Essa e outras hipóteses tentam conectar o humor e opositiveaffect às funções
cerebrais. Ainda temos muito trabalho pela frente para fazer essas relações
neuropsicológicas com mais segurança. A presença ou ausência de um componente
químiconocérebrocertamenteafetanossobem-estar,assimcomováriosoutrosfatores
externos ao nosso corpo. Nosso comportamento, objetivos pessoais e predisposição
genéticasãopeças importantesnaconstruçãodonossohumor. Issosignificaqueuma
visão reducionista talvez não seja apropriada. Ao invés disso, devemos incorporar
conhecimentosedescobertasalémdaneurociênciaedagenética.
Um dos métodos mais relevantes para a medição da felicidade que evoluiu a
partir das métricas avaliativas, é o DRM (Day Reconstruction Method – Método de
ReconstruçãodoDia).CriadoporDanielKahneman,ométodoavalia comoaspessoas
passam o tempo e como experimentam as atividades e configurações de suas vidas,
combinando uma série de indicadores. No DRM, os participantes são convidados a
reconstruírem de forma sistemática suas atividades e experiências do dia anterior. O
instrumento original do DRM é um questionário desenhado para reduzir os vieses
cognitivos comumente encontrados em avaliações baseadas em relatórios pessoais.
Durante o preenchimento, os indivíduos são inicialmente orientados a dividirem as
experiênciasdavésperaemepisódiosquesão,emseguida,classificadosemescalasde
emoção/sentimentos.
Memórias viram relatos e, logo a seguir, episódios. Através desse processo é
possívelobservarasatividadesquesedestacaramnaavaliaçãogeraldoindivíduosobre
odiaanterioretratá-lasdeformaestruturada,ponderandootempodecadaumacom
os sentimentos envolvidos.Asperguntas ainda exploramquestões específicas sobre o
humordoparticipantenomomentodopreenchimento e sobre a satisfação geral dele
com a vida. Todas essas diferentes formas de acessar a percepção de bem-estar do
indivíduoetodoohistóricodeaplicaçãocientíficadoquestionáriofazemdoDRMuma
importanteferramentaparaoentendimentodafelicidade.
Embora os métodos de avaliação global de felicidade baseados em relatórios
sejam mais suscetíveis aos vieses cognitivos, eles oferecem informações importantes
sobreoprocessodeconstruçãodevaloreseobjetivosdevida.Aavaliaçãoretrospectiva
defelicidade,baseadanamemóriadeexperiênciaspassadas,éumimportantesubstrato
82
paraasdecisõesfuturasdoindivíduo.Éesseresumoqueelaboramosdavida,cheiode
imperfeições,queconseguimosacessardeformanaturalequemoveasnossasdecisões.
5.5Métricashedônicasdefelicidade
Nestacategoria,osmétodosdemediçãodafelicidadebaseiam-seeminformações
sobre o nível de prazer/desprazer do indivíduo em tempo real. Dois nomes
contribuíramparaodesenvolvimentodessesmétodos:FlügeleCsikszentmihalyi.No começo do século 20, os estudos empíricos do bem-estar subjetivocomeçaramaganhar forma. Jáem1925,Flugelestudavaoshumorespedindoparaaspessoasregistraremseuseventosemocionaiseentãoresumindosuasreaçõesemocionaisaolongodessesmomentos.OstrabalhosdeFlugelforamospioneirosnasabordagensmodernasdeamostragemdeexperiênciaparamedirobem-estarsubjetivoonlinenocotidianodaspessoas(SNYDEReLOPEZ(eds.),2009,p.187).
Considerandotodososviesescognitivoseaforteinfluênciadamemórianonosso
discurso sobre felicidade e satisfação com a vida, apresentado anteriormente, não é
indicado classificar o bem-estar apenas com relatos pessoais. Uma abordagem mais
científica levaria em consideração amostras de emoções conforme ocorrem em cada
eventodaexperiência,duranteumperíododetempo.Denovovoltamosaoconceitodo
hedonímetro.OExperienceSamplingMethod(ESM),tambémconhecidocomoEcological
MomentaryAssessment(EMA),éumametodologiadepesquisaondeosparticipantessão
convidados a interromper suas atividades em momentos específicos para fazerem
anotações sobre aquela experiência em tempo real (agora, não depois; aqui, não em
qualquer lugar). Ao contrário do DRM, que questiona os participantes sobre seus
sentimentos em eventos da véspera – um procedimento dependente da memória e
suscetível a distorções – este método busca respostas instantâneas, em tempo real,
sobresentimentoseemoçõesidentificadosnumaexperiência.
O ESM foi desenvolvido por Csikszentmihalyi e Larson na década de 70. Foi
aplicado pela primeira vez por Csikszentmihalyi e seus colegas na Universidade de
Chicago,utilizando,naépoca,pagerscontroladosporrádioparaalertarosparticipantes
sobreomomentodopreenchimentodapesquisa.Cadaparticipanterecebeuumdiário
onde fez anotações orientadas pelas interceptações do pesquisador. Outra forma de
anotaçãoéatravésdequestionáriospré-confeccionadosedistribuídosaosparticipantes,
contendo escalas psicométricas, perguntas abertas e formulários para a avaliação das
condições psicológicas do participante naquele lugar e momento. Atualmente, com a
83
grandeadoçãodosdispositivosmóveis,essemétodotemsebeneficiadoenormemente.
Smartphones são dispositivos que podem transmitir gatilhos via mensagens
instantâneas, apresentar as questões em uma interface gráfica (ou conversacional),
registrarahoraeolocaldarespostaeenviaropacotededadosinstantaneamentepara
opesquisador.
Ométodoécomumenteutilizadoparareunirrespostasdepessoasdurantesuas
atividadesdiárias,repetidamente.Alémdereduzirasdistorçõesdecorrentesdousoda
memóriaparaavaliaçãodaexperiência,oESMtambémreduzaquantidadenecessária
deinteraçõescomopesquisadorduranteacoletadosdados,minimizandoainfluência
dapresençadestenaqualidadedapesquisa.O método de amostragem de experiência, também chamado de avaliaçãomomentânea ecológica (ou ESM na sigla em inglês) é ummétodo comum decoleta de dados. O ESM defende as avaliações in situ (na própria situação),ecologicamente válidas (se aproximando da situação de vida real que estásendo estudada) e ao longo de vários dias, portanto, é adequado para serutilizadonasmaisvariadasaplicaçõesparacomputadorparaosmaisvariadostiposdeambienteecontextos.Nosúltimosanos,oESMvemsendoutilizadoemdiversosprojetosdepesquisaparaentendero comportamentodousuárionocampoecomoformadeseavaliarosmaisdiversossistemasdecomputadores(HSIEHetal.,2008,p.164).
Um estudo conduzido por pesquisadores do Human Computer Interaction
Institute, da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, defende a aplicação do
ESM combinada com feedbacks visuais, na forma de infográficos, para aumentar a
adesãoeoengajamentodosparticipantes.Nosso estudo de campo demonstrou que o feedback aumenta os índices decompliance em 23%. Além disso, dar feedback sobre um tipo de dado dentretudo o que é coletado no estudo é suficiente paramelhorar a compliance detodos os dados, portanto, o tempo de desenvolvimento não é aumentadoconsideravelmente. Acreditamos que ES+feedback podem ser utilizados paramelhorar a participação nas avaliações das mais variadas tecnologiascomputacionais(HSIEHetal.,2008,p.167).
Um outro estudo recente, conduzido por pesquisadores de diversos institutos
ligadosàtecnologiaepsicologiadainteração,investigouaaplicaçãodoESMatravésde
smartwatchesesmartphones.Descobrimos que, de um modo geral, os telefones que foram comumenteutilizados para ESM receberam pontuações mais positivas em termos defacilidade de interação, potencial de uso futuro e exatidão percebida dosrelatórios. (...)OWatch recebeumais pontuaçõespositivasnosmais diversosfatores de usabilidade e superou ligeiramente o desempenho do telefone emtermosde confortododispositivo. Entretanto, o tamanho limitadoda tela doWatchpodeinfluenciarousocompletodealgunstiposdeescalasderesposta(HERNANDEZetal.,2016).
84
OmétodoESM,baseadonasamostrasdeexperiência,éconsideradoumdosmais
confiáveis na investigação da felicidade pois consegue informações do indivíduo no
exatomomentodesuasatividadesdiárias.Asinterceptaçõesemtemporealconseguem
extrairdosparticipantesrelatossobreseuspensamentos,sentimentoseaçõesnaquele
momento.Antesdaexpansãodeusodossmartphones,oESMeraummétodolimitadoa
pequenasamostrasdeparticipantes,peloaltocustodeexecuçãoeindisponibilidadede
uma tecnologia de grande alcance. Hoje, é possível utilizar telefones celulares como
dispositivosgatilho,aumentandoconsideravelmenteopotencialdealcancedométodo.
Há várias iniciativas no meio digital, principalmente no formato de aplicativos para
smartphones,baseadasnomodelodoESMpararastreareentenderafelicidade.Vamos
aquifalardeduasexemplares:osaplicativosTrackyourhappinesseMappiness.
5.6TRACKYOURHAPPINESS–deMattKillingsworth
TrackYourHappinessouRastreieasuaFelicidade éumprojetoquese inicioua
partirdatesededoutoradodeMattKillingsworth,naUniversidadedeHarvard.Trata-se
deumaplicativowebparasmartphonesqueenviade3a5mensagensdetextoparao
usuárioduranteodia,emhoráriosaleatórios,comumasériedequestões.Coisascomo
“Quãofelizvocêestáagora?”, “Oquevocêestáfazendo?”, “Vocêtemquefazeroqueestá
fazendo?”, “Onde você está?”, “Você está falando ou interagindo com alguém?”, etc. As
perguntas seguem uma sequência lógica e são condicionalmente interligadas. Dessa
forma,sevocêdizqueestáinteragindocomalguém,logoemseguidavemumapergunta
sobre“comquantaspessoasvocêestáinteragindo?”,paraaprofundaroentendimentodo
contexto.
O projeto Track your happiness investiga a hipótese da felicidade estar
relacionadaaoteordanossaexperiênciamomentoamomento.Oqueestamosfazendo,
comquem,noqueestamospensandosãofatoresquetêmgrandeinfluênciaemnossas
vidas. Eventos que, até então, eram quase impossíveis de serem monitorados
cientificamente.O formatoaplicativowebpermitequeuma imensabasederelatosde
pensamentos,sentimentoseações,deumgrandenúmerodepessoas,sejacoletadaem
temporealedeformalongitudinal.
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Figura18–TeladoaplicativoTrackyourhappiness23
Após algum tempo de uso do aplicativo, os participantes têm acesso a um
relatório analítico sobre os eventos reportados e a sua relação com a felicidade. A
síntesedessegrandevolumededadospessoaisfazcomqueorelatóriosejaumaótima
ferramenta de autoconhecimento, mantendo o usuário engajado no uso do aplicativo
porumlongoperíodo.
Além de valor para os usuários, oTrack yourHappiness contribuiu com dados
muito importantes para a pesquisa sobre a felicidade. Em Julho de 2013, Matt
Killingsworth escreveu um artigo para a revista Greater Good Magazine fazendo um
balançodoestudo.Apresentouumresultadorevelador,baseadonaanálisededadosde
mais de 650.000 relatos, envolvendo cerca de 15.000 pessoas de idades, renda, nível
educacionaleestadocivilvariados,emmais80países.Nos resultados que descreverei, focarei nas respostas que as pessoas derampara três perguntas. A primeira delas era sobre felicidade: ‘Como você sesente?’emumaescalade‘muitomal’até‘muitobem’.Asegunda,umaperguntasobre atividade: ‘O que você está fazendo?’ e uma lista de 22 atividadesincluindo ‘comendo’, ‘trabalhando’ e ‘assistindoTV’. A terceira, umaperguntasobrementes divagadoras: ‘Você está pensando sobre alguma coisa além doque está fazendo agora?’ As pessoas poderiam responder ‘não’ (ou seja,estavam focadas apenas na atividade atual) ou ‘sim’ (estavam pensando emmais alguma coisa). Tambémperguntamos se o assunto de tais pensamentosera agradável, neutro ou desagradável. Qualquer ‘sim’ para essas perguntasseriaoquechamamosde‘mentesdivagadoras’(KILLINGSWORTH,2013)
23Telacapturadaem17/07/2017doaplicativo“TrackYourHappiness”,paraiPhones
86
Nocomeço,asmentesdaspessoasdivagavamfrequentemente,não importaoqueestivessemfazendo,issoocorreuem46,9%dasamostraseempelomenos30%dasamostrasfeitasdurantequalqueratividade–exceto“fazendoamor”.Em segundo lugar, a regressão multinível revelou que as pessoas estavammenos felizes quando suasmentes estavam divagando emais felizes quandonão estavam divagando [declive (b) = –8,79, P < 0,001], e isso se mostrouverdadeiroemtodasasatividades,incluindoasmenosagradáveis.Em terceiro lugar, a coisa na qual as pessoas estavam pensando semostrouuma melhor previsão de sua felicidade do que a atividade que estavamexecutando.Anaturezadasatividadesdaspessoasexplicou4,6%dasvariaçõesintrapessoaise3,2%dasvariaçõesinterpessoaisnafelicidade,masadivagaçãoda mente explicou 10,8% da variação intrapessoal e 17,7% da variaçãointerpessoalnafelicidade(KILLINGSWORTHeGILBERT,2010)
Aconclusãodoestudomostraagrandeinfluênciadamentenonossobem-estar
subjetivo.Umamentedispersa empensamentos é umamente infeliz. A habilidadede
anteciparacontecimentos,depensar sobreoquenãoestáacontecendo, apesarde ser
umaincrívelevoluçãocognitivadohomem,trazumcustoemocionalalto.
Seamentedispersafereonossobemestarsubjetivo,porquenãotransformara
buscapelofocoemumdesafiodedesign?
5.7MAPPINESSeafelicidadenotrabalho
Um outro aplicativo para smartphones, denominado Mappiness, baseia-se no
métodoESMde amostrasde experiênciaparamapear a felicidade comumadinâmica
semelhante: indivíduos que baixaram o aplicativo recebem alertas randômicos
chamados dings convidando-os a responder uma pequena pesquisa. A pesquisa pede
umaautoavaliaçãocombaseemtrêsdimensõesdebem-estar:felicidade,relaxamentoe
despertamento. A avaliação é feita numa interação simples com sliders entre dois
extremos:DemodonenhumeExtremamente.
Numasegundaetapadoquestionário,oindivíduorespondeperguntassobresuas
atividadesnomomentoeoseucontexto. Juntoaorelatofornecidopeloparticipante,o
sistemacapturadadosdegeolocalização,horaexatadoenviodoalerta,atrasoentreo
alertaearespostaaoquestionárioeahoradoenviodoquestionário.
Osusuáriosengajadosdoaplicativotêmacesso,apósdeterminadotempodeuso,
a um relatório comuma visão global sobre os sentimentos reportados e os contextos
quepossivelmenteosinfluenciaram.
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Figura19–TeladoaplicativoMappiness24
ParaospesquisadoresGeorgeMacKerroneSusanaMourato,daLondonSchoolof
Economics,desenvolvedoresdoprojeto,asdescobertasvãoalémdoâmbitopessoal.O
Mappinesstrouxeinformaçõesvaliosasparaentendermosarelaçãoentreotrabalhoea
felicidade.Concluímosqueotrabalhoremuneradoestápiorcolocadoquequaisquerumadas outras 39 atividades individuais que as pessoas executam – exceto ficardoentedecama.Permanecemoscomaquestãorelativaàrazãopelaqualotrabalhopareceterum efeito tão adverso no bem-estar momentâneo individual. Sabemos quepartedarespostaestárelacionadaàansiedadenotrabalho.Mesmoquandoaspessoas são positivas sobre o trabalho remunerado ao refletir sobre osignificadoevalordesuasvidas,oenvolvimentocomo trabalhoremuneradosempre tem um custo pessoal em termos de pressão e estresse enfrentadosduranteotrabalho.(...) o trabalho continua a ser correlacionadonegativamente coma felicidade,mesmo quando está associado a outras atividades agradáveis. Em segundolugar,mesmoquandoseestácondicionadoaossentimentosderelaxamento,otrabalhocontinuaserassociadonegativamentecomobem-estarmomentâneo.Em vez disso, parece que o trabalho em si está negativamente associado aobem-estarhedonista,deformaquepreferíamosestarfazendooutrascoisas.Emoutraspalavras,otrabalhorealmenteéumadesutilidade,comooseconomistasvemdefendendotradicionalmente(BRYSONeMACKERRON,2016,p.124).
OestudoconduzidoatravésdoMappinessconfrontaosdoismétodosdepesquisa
de felicidade que abordamos aqui: uma avaliação retrospectiva/reflexiva sobre o
trabalho e outra baseada em amostras de experiência momento a momento. A
comparaçãorevelaresultadosdiscordantessobreapercepçãodefelicidadenotrabalho
epodese transformaremum interessantedesafiodedesign: comoutilizarosvalores
24TeladoaplicativoparasmartphoneMappiness,capturadaem17/07/2017-http://www.mappiness.org.uk/
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positivosrelacionadosaotrabalhoparatransformararotinadoempregoemalgomais
prazeroso?
5.8Métricaseudemônicas
Oterceirogrupodemétricasdefelicidadebaseia-senoconceitodeeudaimonia,
deAristóteles.Osmétodosdepesquisadessegrupoprocuramregistrarapercepçãodas
pessoas sobre propósito, sentido, recompensa e o sentimento de que “a vida vale a
pena”.
Um dos mais importantes estudos sobre felicidade realizados no mundo, o
Gallup-HealthwaysWell-BeingIndex,partedaabordagemeudemônicaparaentendera
felicidadedosnorte-americanos.
Desde 2008, o Gallup, conhecido instituto de pesquisas norte-americano, faz
ligaçõestelefônicasdiáriasparacercade1000adultosresidentesnosEstadosUnidosa
fimdeentenderaspectosdesuasvidascomostatusemocional,satisfaçãonotrabalho,
hábitosalimentares,doenças,níveldestressentreoutros indicadoresdequalidadede
vida. Trata-se de um esforço notório para medir os componentes do bem-estar
subjetivo,daboavida,calculadosedivulgadosatravésdoGallup-HealthwaysWell-Being
Index.NavisãodoGallup,bem-estaréumconceitoquecapturaaspectosimportantesda
experiência e dos sentimentos das pessoas no seu dia-a-dia – em outras palavras,
envolvemaisdoquesaúdefísicaouindicadoreseconômicos(RATHeHARTER,2011).Bem-estar consiste na combinação de nosso amor pelo que fazemosdiariamente, a qualidade de nossos relacionamentos, a segurança de nossasfinanças, a vitalidade de nossa saúde física e o orgulho que temos pelo quecontribuímos às nossas comunidades. E omais importante, trata-se de comoessescincoelementosinteragementresi.(RATHeHARTER,2011,p.17).
OGallup-HealthwaysWell-BeingIndexéconsideradohojeoíndicedebem-estar
subjetivomaiscomprovado,maduroecompletonomundo.Ametodologiadepesquisa
adotadapeloGallupsebaseiaemumaperspectivapsicológicadobem-estarsubjetivoe
no método de amostras da experiência (Experience Sampling Method) para medir a
satisfaçãodepessoascomsuasvidas.
Dentre os cinco elementos essenciais para o bem-estar subjetivo, o mais
importanteéochamadoBem-estarProfissional.Aspessoasnormalmentesubestimamainfluenciadesuacarreiraemseubem-estargeral.MasoBem-estarProfissionalé indiscutivelmenteomaisessencialdos cincoelementos. Sevocênão tiveraoportunidadede fazer regularmente
89
algodequegoste–mesmoquesejamaisumapaixãoouinteressedoquealgoque lhe paguem para fazer -, a probabilidade de que tenha um bem-estarelevado em outras áreas diminuirá rapidamente. (RATH e HARTER, 2011, p.27).
O Bem-estar Social, segundo elemento explorado pelo Gallup, discute a
importância dos nossos relacionamentos interpessoais para o humor e a felicidade
individual.De acordo com um estudo de Harvard, nosso bem-estar depende de toda anossa rede. Essa pesquisa, que se baseou em um estudo longitudinal paramaioresdetrinaanoscommaisde12milpessoasintegrantesdeumamesmarede interligada,descobriuqueasuaprobabilidadedeser felizaumenta15%seumaconexãodiretaemsuaredesocialestiverfeliz(RATHeHARTER,2011,p.47).ConformeopesquisadordeHarvard,NicholasChristakis,resumiu:“Aspessoasestãoinseridasemredessociaiseasaúdeeobem-estardeumapessoaafetaasaúdeeobem-estardeoutras…Afelicidadehumananãoésomentedaalçadadeindivíduosisolados(RATHeHARTER,2011,p.48).
Obem-estarfinanceironãoédiretamenteproporcionalàquantidadededinheiro
de um indivíduo. Se utilizado apenas como shopping terapia, para aquisição de bens
materiaisembenefíciopróprio,garanteapenasumganhotemporáriodefelicidade.Odinheiropodeaumentarafelicidadenocurtoprazo,dando-nosmaiscontrolesobre como gastamos o nosso tempo, quer isso signifique uma viagemmaiscurtaparaotrabalho,maistempoemcasacomafamíliaouumtemposocialamaiscomosamigos.(RATHeHARTER,2011,p.65).Mas,seusarmosnossodinheiroparacomprarexperiênciasagradáveis,temosobenefíciodeficarmosansiososcomoevento,daexperiênciareale,emalgunscasos,dedécadasdeboaslembranças.(RATHeHARTER,2011,p.67).
O Bem-estar Físico depende de nossas escolhas relacionadas ao nosso corpo
físico. A forma como cuidamos de nossa saúde através de atividade física e hábitos
alimentares.Edecomoadiamosasatisfaçãomomentâneaemproldeobjetivosdelongo
prazo.
OBem-estarnaComunidadeestá relacionadoao sentimentodepertencimento,
segurançaecomprometimentoaumgrupoouorganizaçãocomunitária.
O Gallup Well-Being Index mostra toda a complexidade de uma pesquisa
estruturada, rigorosa e abrangente sobre a felicidade. Mais próximo do que seria
necessárioparaaferirtodososaspectoslevantadospelateoriadeAristóteles.
Numcenárioideal,amediçãodobemestarsubjetivodaspessoasaconteceriade
forma abrangente e fluída. As amostras de experiências seriam registradas sem
interrupções,paraquenãohouvessemdistorçõesnosdadosprovocadosporpequenas
variações de humor. Para as experiências cognitivas e expressivas é importante que
90
também seja feita uma análise de relatos pós-eventos, respeitando a forma como os
indivíduosarticulamsobreamemóriadosfatos.
Durante este trabalho, temos usado os termos felicidade e bem-estar subjetivo
com a mesma intenção. Mas precisamos aqui fazer a devida distinção entre os dois
conceitos, seguindo a abordagem da Psicologia Positiva apresentada porMartin E. P.
Seligman.
5.9EntendendoaPsicologiaPositiva
“Obem-estaréumaconstrução,eafelicidadeéumacoisa”(SELIGMAN,2011,p.14).
Como falamos anteriormente, a Psicologia Positiva é um contraponto à
abordagem da psicologia tradicional focada em diagnosticar e tratar os distúrbios
psicológicos.Elasepreocupacomaconstruçãodobem-estarsubjetivodoindivíduo.Um
dos nomes mais proeminentes da Psicologia Positiva é Martin E. P. Seligman, que
escreveuumtratadosobreobem-estarsubjetivonoseulivroFlourish:AVisionaryNew
UnderstandingofHappinessandWell-being.IssoédiametralmenteopostoaosconhecimentosqueSigmundFreudtrouxedoMonteSinai:queasaúdementaléapenasaausênciadedoençasmentais.Freudera um seguidor do filósofo Arthur Schopenhauer (1788– 1860). Ambosacreditavam que a felicidade é uma ilusão, e que, na melhor das hipóteses,podemosesperarmanternossadesgraçaesofrimentoemníveismínimos.Quenãohajadúvidasacercadisto:apsicoterapiatradicionalnãofoiconcebidaparaproduzirobem-estar,elafoiconcebidaparalimitarosofrimento–oque,porsisó,jáéumatarefabemambiciosa(SELIGMAN,211,p.183).
Para explorarmoso conceitodebem-estar que vamosdesenvolvernopróximo
capítulo,énecessárioantesresgatarateoriadaFelicidadeAutêntica,tambémpostulada
porSeligman,quedeuorigemàatualabordagemdaPsicologiaPositiva.
A visãoda felicidade comouma coisa, explicadapelo nível de satisfação coma
vida, é o princípio da teoria da Felicidade Autêntica. Segundo esta teoria, três
componentes seriam responsáveis por determinar a felicidade: emoções positivas,
engajamentoepropósitonavida.O indivíduopossuindomaisdesses trêspilares será
maisfeliz.
Para a Psicologia Positiva, o bem-estar subjetivo não pode ser reduzido a uma
coisa. É uma construção, formadapor vários elementosmensuráveis, coisas reais que
contribuemparaobem-estar,masnãoodefinem.
91
O bem-estar é exatamente como ‘o clima’ ou como ‘a felicidade’ em suaestrutura: não há uma forma única de ser definido peremptoriamente (emjargão, ‘definir peremptoriamente’ é chamado de ‘operacionalizar’), masdiversos fatorescontribuempara isso.Sãooselementosdobem-estar,ecadaumdeleséumfatormensurável(SELIGMAN,211,p.15)
A discussão principal da Psicologia Positiva, portanto, é a construção do bem-
estar subjetivo, não apenas o entendimento da felicidade como produto da satisfação
com a vida. Dado esse propósito, dois elementos foram adicionados ao composto da
Felicidade Autêntica, somando 5 elementos determinantes do bem-estar: emoções
positivas, engajamento, relacionamentos positivos, propósito e realização. Em inglês
essescincoelementos formamasiglaPERMA-Positiveemotions,Engagement,Positive
Relationships,Meaning,Achievement.
Positive Emotion - Emoções positivas: sensações positivas que amamos sentir
comocalor,prazer,conforto,êxtase,saciedade,etc.Sentimentosbons,avidaagradável.
Asemoçõessãoumaparte importantedesteedeoutrosmodelosde felicidade,
pois são as que nos afetam num nível mais profundo. Emoções positivas podem ser
reflexos do passado na forma de satisfação, orgulho, contentamento ou serenidade.
Podem ser parte domomento presente na forma de prazeres sensoriais ou conforto.
Podem estar projetadas no futuro na forma de esperança, otimismo, confiança e
convicção.
Engagement - Engajamento: a experiência que temos ao estar completamente
absortosnuma tarefa.O chamadoestadode flow, definidoporCsikszentmihalyi como
um estado de consciência onde o indivíduo se funde com o objeto. Quando estamos
fazendo algo que amamos, seja jogar um videogame, praticar esportes ou tocar um
instrumento,oflowfazcomqueotempopassesempercebermos,podemosatéesquecer
denósmesmos.Emoçãopositivaeengajamentosãoduascategoriasdateoriadobem-estarnasquaistodososfatoressãomedidosapenassubjetivamente.Sendoumelementohedonista (ou relacionado ao prazer), a emoção positiva inclui todas asvariáveis comuns do bem-estar subjetivo: prazer, êxtase, conforto, calor etc.Entretanto, é importante considerar que pensamento e sentimentonormalmente estão ausentes durante o estado de flow, e apenasposteriormente costumamos dizer frases, tais como “Que divertido!” ou “Quemaravilhoso!”. Emborao estado subjetivoparaoprazer estejanopresente, oestadosubjetivoparaoengajamentoestáapenasemretrospectiva(SELIGMAN,211,p.17).
Meaning–Propósito:asensaçãodepertenceraumpropósitomaior,deservira
umacausaemqueacreditamos.Sentimentosdecumprimentoeorgulho.
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Accomplishment –Realização:aconquistapelaconquista.Obuscapelosucesso,
pela vitória e pelamaestria por si só, semuma razãodeterminante, é tida comouma
forma de impulsionar o bem-estar. Sucesso, realização pessoal no trabalho, no
relacionamento,nasnossaspaixõesecomunidadessãotodoscombustíveisparaobem-
estar.
Positive Relationships – Relacionamentos Positivos: uma vida social vibrante e
variada, com amigos e pessoas de confiança. Grandes amizades, até para a sabedoria
popular,sãoomelhorantidepressivo.
A importância das conexões interpessoais aparece no cerne de vários estudos
sobrebem-estar.Relacionamentosdequalidadecontribuem,defato,paraumavidamais
saudável e feliz. A internet e os dispositivosmóveis criaram uma plataforma perfeita
para o desenvolvimento de relações humanas, aproximando pessoas e fortalecendo
laçosquepoderiamsermenosprezadosemoutroscontextos.
Umestudorealizadoem2015porRobertKrau,professordoHuman-Computer
InteractionInstitute,CarnegieMellonUniversityeacientistadedadosMoiraBurke,do
Facebook, revelou que o uso diário da internet só traz um ganho de bem-estar
comprovadoquandoassociadoainteraçõescompessoaspróximas(amigoseparentes).
Aanálisecombinoudadosdetrêspesquisasquemediramapoiosocial,depressão
eoutrosaspectosdobem-estarpsicológicocomcontagensagregadasdeatividadesno
Facebook.ArelaçãoentreautilizaçãodoFacebookeobem-estardependeramdecomoaspessoas utilizaram o site e com quem se comunicaram. (...) recebercomunicaçãodirigidae individualizadaapartirdeum interlocutorúnico, taiscomo mensagens privadas, posts no mural ou comentários recebidos decontatos próximos estava associado aos avançosno suporte social percebido,bem como na felicidade, saúde autorreportada, depressão, solidão, influêncianegativaeestresse(todosps<0,05).Ao contrário da comunicação com contatos próximos, a comunicação comcontatos mais distantes, bem como ler conteúdos, tais como atualizações destatus que foram transmitidos para um públicomais amplo (ou transmitir opróprio conteúdo) não estava associado a tais avanços no bem-estar. Alémdisso,aassociaçãoentreacomunicaçãoindividualizadacomuminterlocutoreobem-estareramaisforteparacomunicaçõesmaissubstantivas(porexemplo,comentários escritos) em relação a outras comunicações mais estilizadas debaixoesforço(comoumacurtidanoFacebook,porexemplo).Em termos de conclusões substantivas, as pesquisas revisadas aqui sãoconsistentes com a hipótese de que a comunicação online com amigos oufamiliares próximos pode ter efeitos benéficos no bem-estar psicológicoconformeindicamasreduçõesemíndicesdedepressão,solidãoeestresse,eoaumento na percepção de suporte social, humor e satisfação com a vida. Poroutro lado, muitos outros usos da internet, incluindo sua utilização para
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informação,entretenimentoecomunicaçãoonlinecomcontatosmaisdistantesnãoparecemterasmesmasassociaçõespositivascomobem-estarpsicológico(KRAUTeBURK,2015,p.99)
A Psicologia Positiva busca elementos científicos mensuráveis nesse rico
conjuntodevariáveisparadesvendaranaturezarealdobem-estar.Oobjetivofinalestá
relacionado ao aumento do bem-estar do indivíduo e ao conceito de prosperidade
pessoal. Para Seligman, a prosperidade, ou flourishing, refere-se ao funcionamento
humanoperfeito,vivendoavidaemseupotencialmáximo.Englobaodesenvolvimento
pessoal(autofocado)eumavidavirtuosaemproldasociedade(focadanooutro).Sera
melhorpessoapossível.
Éhoradeolharparaodesign comoum facilitadordaprosperidadehumana.A
abordagemvigentedodesigndaexperiênciaempenha-seemtrabalhardeformaefetiva
asemoçõesnajornadadousuário.Odesignemocionalaindatendemuitoaohedonismo,
aobenefícioatravésdoprazeredasatisfação.Maséinsuficiente.Atecnologiafazparte
detudooquefazemos,oquenospossibilitainfluenciar,atravésdodesigntecnológico,a
vidadeformamaisabrangente.Precisamosbuscarumequilíbrioentreohedonismoea
eudaimonia.Precisamosprovocaraprosperidadehumana.
94
6DESIGNPOSITIVO:DESENHANDOOBEM-ESTAR
Arelaçãoentreatecnologiaeobem-estarpassaaterumproporçãomaiornos
últimosanos.Algunsprofissionaisquetrabalhamcomtecnologiacomeçamaconsiderar
obem-estardousuáriocomoumpré-requisitodeprojeto.Tantoosestúdiosquantoas
escolasdedesign têmprocuradoadotarabordagensmaishumanistas,voltadasparao
aprimoramentodoserhumanoedasociedade.Entendemosessamudançadefococomo
umaevoluçãodopróprioprocessodedesigncentradonousuário.
Apesardisso,aindaestamosmuitopreocupadosemresolverasdoresdocliente,
emoferecersoluçõesdigitais fáceisdeusar,produtivas,atraentesecomaltopotencial
decriarhábitos.Naverdade,nuncadesenhamosa tecnologia tendoemmenteobem-
estar de forma mais ampla. Já é hora de dedicarmos mais esforços na felicidade da
pessoadooutroladodainterface.Nãoapenascomousuáriosdatecnologia,mascomo
indivíduos vivendo vidas complexas, em busca de saúde, conquistas e bons
relacionamentos. Não apenas como pessoas em busca de posses e trabalho, mas em
buscadetransformação.Apráticadodesigndaexperiênciadousuário(UXDesign)eas
disciplinasdeHumanComputerInteraction (HCI) já atingiramumgraudematuridade
quepedeporumaevolução:odesenhoparaafelicidade.
Umdosprimeirostrabalhosteóricosatratarotemacomconsideráveladesãoda
comunidade de design foi o apresentado por Don Norman em seu livro Emotional
Design, de 2004. Segundo Norman, as pessoas produzem respostas emocionais aos
estímulos que recebem do mundo de acordo com três níveis de processamento de
informação no cérebro: visceral, comportamental e reflexivo. Esses três níveis são
correspondentesàprópriafisiologiadocérebrohumanoeseuentendimentocrianovas
oportunidadesdepromoçãodafelicidadeatravésdodesign.Quantomaisníveis forem
afetados,maisbemsucedidoseráodesenho.
Paracadaníveldeprocessamentodeinformaçãoexistemrequisitosdiferentes.
O nível visceral é associado ao impacto inicial do design e às nossas reações
automáticas, que acontecem de forma inata e instintiva. As respostas desse nível são
fruto do nosso processamento mental mais primitivo e, por isso, são comuns à raça
humana sendo identificadas em várias pessoas e culturas diferentes. O impulso de
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rejeitar saboresamargos,preferir cores saturadasouoptarpor formas simétricas são
todosexemplosdereaçõesdonívelvisceral.Onívelvisceraléanterioràconsciênciaeaopensamento.Équandoaaparênciaimporta, quando a primeira impressão é formada. O design visceral estárelacionadoaoimpactoinicialdeumproduto,àsuaaparência,aoseutouchandfeel(NORMAN,2004,KindleLocations523-525).
Onívelcomportamentalcorrespondeàexperiênciadeengajamentocomoobjeto,
seu funcionamento, as sensações provocadas durante a interação e as trocas entre
objetoeusuário.O nível comportamental está relacionado ao uso, à experiência comdeterminado produto. Porém, a própria experiência possui diversas facetas:função, desempenho e usabilidade. A função de um produto especifica quaisatividades ele suporta, o que se espera que ele faça. Se as funções foreminadequadas ou desinteressantes, o produto então terá pouco valor. Odesempenhodescrevecomoumprodutosesainasfuncionalidadesdesejadas–seodesempenhoforinadequado,oprodutoiráfalhar.Ausabilidadedescreveafacilidadecomaqualousuáriodeumdeterminadoprodutoconsegueentendercomoelefuncionaecomofazê-lofuncionar(NORMAN,2004,KindleLocations528-532).
Onívelreflexivoéarepresentaçãodoprodutoqueseformanamentedousuário.
Refere-se ao propósito do produto, à mensagem expressa por ele e à forma como é
percebido pelo usuário. Respostas reflexivas são provocadas pelo valor simbólico do
design,graçasàelaboraçãodeumamentecomplexaeevoluída.Aconsciênciaeosmaisaltosníveisdesentimento,emoçãoecogniçãoresidemapenas no nível reflexivo. É apenas nele que o impacto total de ambos, opensamento e as emoções, pode ser vivenciado. Nos níveis mais baixos,viscerais e comportamentais, há apenas influência,mas sem interpretaçãoouconsciência. Interpretação, entendimento e razão vêm do nível reflexivo(NORMAN,2004,KindleLocations534-537).
Oprimeirodesafioparaodesenhodafelicidadeseria,portanto,provocarreações
positivasnostrêsníveisapontadosporNorman.Entregarumaexperiênciadeproduto
prazerosa,fluída,fácilecheiadepropósito.
6.1Ahierarquiadasnecessidadesdousuário
Inspirado na hierarquia das necessidades de AbrahamMaslow, AarronWalter,
emseu livroDesigningforEmotion(2011),propõeumahierarquiadenecessidadesdo
usuário.TambémnapropostaporWalter,asnecessidadessuperioresdousuário(como
prazeredeleite,no topodapirâmide) sópodemser conquistadasdepoisqueasmais
fundamentaisforemsupridas(comofuncionalidadeeusabilidade).
96
Figura20-PirâmidedeHierarquiadasNecessidadesdoUsuário25
Alógicadapirâmideésimples:qualquerproduto,realoudigital,deve,antesde
maisnada,satisfazerumanecessidadeeserútil.Senãoexistirumaqualidadefuncional,
asqualidadesestéticasdeumprodutonãoserãoapreciadasdaformaadequada.Ouseja,
umbeloaplicativoquenãosejafuncional,quenãoapresenteumautilidadeclara,nãoirá
satisfazerasnecessidadesbásicasdousuário.
OpróximoníveldaescaladeWalterdizrespeitoàconfiabilidade.Umainterface
de produto que seja útilmas que não execute suas funções da forma esperada não é
confiávelefrustraráseususuários.
Em seguida, a interface deve ser fácil de usar e de aprender. Deve facilitar a
descobertadetodasasfunçõesdoobjeto.Sóquandoumprodutoéfuncional,confiávele
fácildeusaréqueosusuáriospoderãoperceberosaspectospositivosdaexperiência
relacionadosaoprazer,àestéticaeàemoção.
Segundo o modelo hierárquico de Walter, à primeira vista, uma experiência
prazerosa estaria no topo da hierarquia de necessidades do usuário, sendo a última
prioridadeemumcronogramadeprojeto.Oproblemadessavisãovemdaideiadeque
precisamoscomeçaradesenharpelabasee,progressivamente,atingirotopo.Primeiro
oprodutoprecisaterumaboarazãoparaexistir.Depois,precisaserconfiávelefácilde
usar. Ao final de todos esses esforços, o designer pode se ocupar dos detalhes que
25TraduzidopeloautorapartirdaPirâmidedeHierarquiadasNecessidadesdoUsuárioapresentadaporWalter(2011,p.06)
97
surpreenderãoousuário:acabamentosgráficosdainterface,asmicrointerações,efeitos
de animação, etc. Essa visão progressiva e encadeada do processo de design, tende a
colocarodesignemocionalnomomento finaldoprojeto,quando,naverdade,deveria
serapreocupaçãoinicial.
Outra interpretação permite considerar dois tipos de prazer: superficial e
profundo.
O prazer superficial é local e contextualizado. É provocado por elementos
isolados da interface como por exemplo belas imagens, microinterações, animações,
respostas táteis, comandos gestuais, efeitos de som, etc. São aspectos perceptíveis da
experiênciaque,sebemdesenhados,produzemsensaçõesmomentâneasdeprazer.
O prazer profundo é holístico e ocorre quando todas as camadas das
necessidadesdousuáriosãoatendidas.Estárelacionadoaoestadodefloweébemmais
difícil de conseguir. Depende de um processo centrado no usuário e de constantes
iterações de produto. Usuários que experimentam um estado de prazer profundo
estarãomaisaptosarecomendaroprodutoouserviçoàoutrapessoa.
Priorizaroprazersuperficialpodeparecerocaminhomaisfácilerápidodedar
prazeraousuário.Masosusuáriosseadaptamrapidamenteaonovoeàquiloquelhes
proporciona prazer repetidamente. É a adaptação hedônica funcionando. Os detalhes
encantadores de uma experiência perdem o apelo com o passar do tempo. O prazer,
comoobjetivoisoladododesign,temprazodevalidade.
6.2PositiveDesign
Amaioria de nós provavelmente concorda que viver uma vida feliz, repleta de
realizaçõeséumdesejodetodos.Enãofaltamevidênciasnaliteraturacientíficadeque
pessoas felizes são mais saudáveis, ativas, sociáveis, altruístas, possuem
relacionamentosmais fortes,sãomaiscriativaseprodutivasemseustrabalhos.Então,
por que não transformar essa busca no objetivo principal do design? Por que não
desenharparaafelicidade?
O Design Thinking avançou de forma surpreendente dentro da indústria
tecnológica com sua abordagem de resolução de problemas com foco no usuário. Os
novos designers saíram à caça de fricções e dores do cliente nas interações com
98
produtos,seguindoanobremissãodedesenharexperiências fluídase fáceis.Umrisco
que corremos com uma abordagem tão orientada a problemas é, justamente,
desacostumarosusuáriosàsfricções,removermomentosdeaprendizado,tolerânciaou
autoanálise. Estamos criando usuários impacientes e mais exigentes em relação aos
serviços.Emescala,podemosestarcriandopessoassemresiliênciaeinaptasalidarcom
mudanças. O que é totalmente contraditório à busca pela felicidade que todos
compartilhamos.
6.3Designparaafelicidadeatravésdosignificadosimbólico
Comoexploramosnocapítuloanterior,a teoriadobem-estarsubjetivo,queéa
base da Psicologia Positiva desenvolvida por Seligman, afirma que o homem deve
almejar mais do que a satisfação com a vida. A felicidade do indivíduo está no seu
funcionamento otimizado, no aproveitamento total do seu potencial e no seu
desenvolvimento como ser humano. Essa perspectiva é condizente com a visão
eudemônicadafelicidade,orientadaàvirtudeeaoutrosvalorespositivos.
Oscincoelementosquepromovemobem-estarsegundoaPsicologiaPositiva–
emoções positivas, engajamento, relacionamentos positivos, significado e realização –
sãoconsideradosmetasdevidaporsisó.Sãoobjetosdebuscapessoal, independentes
unsdosoutros, cadaumcapazde incrementarobem-estar subjetivo. Umaconclusão
prática para o design é que cada elemento pode ser trabalhado separadamente na
tentativadesecriarexperiênciasqueapoiemafelicidadedohomem.
OdesignparaoSignificadoSimbólicoéumaabordagemdedesignderivadados
cincoelementosdaPsicologiaPositivaquedefinediferentes funçõesparaodesignna
construçãoda felicidade.Elepode seruma fonte direta,um símbolo, um facilitador ou
umapoioparaafelicidade.Cadaumadasfunçõespodeserrelacionadaaoselementosdo
bem-estarsubjetivodefinidospelaPsicologiaPositiva(PERMA),formandoumamatriz:
99
Figura21-MatrizdeDesignparaoSignificadoSimbólico26
Alguns produtos podem ser uma fonte direta de prazer. Além disso, alguns
produtos podem afetar indiretamente nosso bem-estar por facilitarem experiências e
atividades positivas. Ou por apoiarem um comportamento virtuoso, de grande
significado. Efeitos positivos podem também ser causados por representações
simbólicasrelacionadasaoproduto.O significado do produto pode ser tanto concreto quanto simbólico (...).Produtos possuem determinadas funções e possibilidades específicas quepermite que usuários os categorizem, utilizem e divulguem. Nesse sentido, osignificado do produto é normalmente entendido e compartilhado. Por outrolado, o significado simbólico de um produto emana dos filtros individuais eculturais que transferem uma conotação para um produto, seu uso edivulgação.Osignificadosimbólicoquedescrevemosnesteartigose refereàsabstrações que fazem sentido individualmente (por exemplo, lembranças,conquistasedesejos).Taissignificadossimbólicosdãoaosprodutosassociadosa qualidade de ter valor e relevância consideráveis para seu proprietário(CASAIS,M.etal.2016,p.581)
Produtos com fortes significados simbólicos têm o potencial de concretizar as
intenções do usuário, lembrá-lo de seus sonhos e manter vivas as suas conquistas,
contribuindo para a felicidade. A abordagemdo significado simbólico tenta explicar a
forte influênciadosbensmateriaisna felicidadedosusuários.Temosqueextrapolara
visão clássica da função x forma e procurar as evidências emocionais atribuídas aos
objetos.Seráqueosobjetosquecompramosequehojenoscercamnos fazemde fato
felizes? A riqueza e os bens materiais afetam o nosso bem-estar da forma como
acreditamos?As pesquisas anteriores sobre a felicidade sugeriram que, de forma geral, osbens materiais têm um impacto limitado no bem-estar subjetivo, pois aspessoas tendem a se adaptar rapidamente aos produtos, o que pode resultar
26TraduzidopeloautordaMatrizdeDesignparaoPropósitoSimbólicodePOHLMEYER(2001,p.11).
100
em um efeito de adaptação hedonista (...). Entretanto, alguns bens com fortecargasimbólicapodemdesafiartaispremissas(...),especialmentequandotaisbensprolongamepermitemo reconsumodedeterminadasexperiências (porexemplo,souvenires)(CASAIS,M.etal.2016a,p.581).
Bensdeconsumopodemservistoscomorecursosparaafelicidade,masnãopelo
valor material do objeto, mas sim pelo valor das ações possibilitadas por eles. Um
smartphone, por exemplo, oferece uma fonte inesgotável de ferramentas para
entretenimento, trabalho e relacionamento. Atividades que podem ter alto significado
simbólicoaoestimularemaalegria,aorientaçãopessoaleatéavirtude.“Trabalhos anteriores de pesquisa forneceram evidências sobre a conexãoentre produtos e felicidade e identificaram seis significados simbólicosrelacionadosàfelicidadeemprodutos(CASAIS,MUGGEeDESMET,2016)combase nas determinantes do bem estar psicológico de Ryff (1989).” A saber,relações positivas com outras pessoas, crescimento pessoal, sentido na vida,domínioambiental,autonomiaeautoaceitação(CASAIS,M.etal.2016b,p.02).
Alguns bens materiais carregados de significado simbólico podem contribuir
para a felicidade do indivíduo. Trazem memórias pessoais positivas, histórias de
conquistaesonhos.Sãoobjetosâncoraqueajudamnaconstruçãoenacomunicaçãode
nossa identidadepessoal,denossosvaloresedenossashistórias.Por seremaspectos
tãopessoaisedependentesdocontexto, ficadifícil trabalhá-losnoprocessodedesign.
Precisamos de umametodologia para trabalhar o significado simbólico dos produtos
comodesignersdeexperiência.
Com esse desafio em mãos, Desmet se juntou a Casais e Mugge, duas outras
pesquisadoras da Industrial Design Engineering, Delft University of Technology, para
sintetizarem significados simbólicos relacionados à felicidade. A partir dessa síntese,
desenvolveram16direçõesdedesigncomoreferênciasparaodesignparaafelicidadee
criaramoSIMToolkit(DesignwithSymbolicMeaningforUserHappiness).
O SIM Toolkit é uma caixa de ferramentas de design, criada a partir dos 6
princípiosedas16direções,capazdetrazerparaapráticaosconceitosdosignificado
simbólico.Produzidana formadecartaseumwebsite,a ferramentaajudaacolocara
emoçãoeafelicidadenasváriasetapasdodesigncentradonousuário.
101
Figura22-ExemplodecartadoSIMToolkit27
Todaaquestãodosignificadosimbólicoéapenaspartedeumframeworkmais
completo para o design da felicidade, denominado Design Positivo, e desenvolvido
tambémporpesquisadoresdaDelftUniversity,naHolanda.
6.4FrameworkparaoDesignPositivo
O Design Positivo é orientado por possibilidades e vai além da abordagemtradicionalvoltadaaosproblemas.Emvezdisso,elesededicaàsoportunidadesparamelhorarobem-estardosindivíduosedasociedade.DesmetePohlmeyer(2013)propuseramummodeloquedescreveos trêsprincipais componentesdoDesignPositivo:designparaoprazer,designparaavirtudeedesignparaosignificadopessoal.Osautoresdefendemque todoseles são fundamentaisnosuporte ao design com impacto positivo nas vidas das pessoas, oferecendodiferentesoportunidadesdefoco(CASAIS,M.etal.2016b,p.01).
Baseada também na Psicologia Positiva, a abordagem do Design Positivo tem
como objetivo central apoiar a prosperidade humana. Cada componente deste
frameworkrepresentaum ingredientededesignparaa felicidadeeacombinaçãodos
trêsingredientespromoveaprosperidadehumana.As iniciativas de Design Positivo buscam deliberadamente melhorar o bem-estar subjetivo das pessoas e, portanto,melhorar o apreço por suas vidas deforma duradoura. É importante notar que tal objetivo é a razão principal eexplícita no início de um processo de Design Positivo, sua raison-d’être (ou
27Imagemretiradade(CASAIS,M.etal.2016,p.14).
102
razão de existir) é determinada por seu efeito no bem-estar subjetivo(POHLMEYEReDESMET,2013,p.07).
Figura23–Framework-DesignPositivo28
Os vértices do triângulo da figura acima representam os três ingredientes do
Design Positivo: design para o prazer, design para significado pessoal e design para
virtude. Cada ingrediente isolado tem o potencial de estimular o bem-estar subjetivo
masoDesignPositivoestánaintersecçãodostrês.Énesteponto,ondeaexperiênciaé
completaemprazer,significadoevirtude,ondeoindivíduoprospera.(1)DesignparaoprazerOprimeiro ingredienteestárelacionadoàfelicidadequeemanadaapreciaçãodomomento,porexemplo,obem-estar subjetivoqueéobtidopela somadosprazeresmomentâneosdealguém.Ofocoestánoaquienoagora,napresençada influência positiva na ausência de influência negativa: estar relaxado, sedivertir, estar livre de problemas. Os produtos podem evocar sentimentospositivos (maximizando o prazer e o conforto) ou reduzindo sentimentosnegativos(minimizandoadoreodesconforto).Odesigntambémpodeserumafontediretadeprazer(porexemplo,apreciarosfinosdetalhesdeumabolsadecouro feitaàmão)ou facilitaratividadesagradáveis (porexemplo,aproveitarumdiaemaltomar,oqueéfacilitadoporumveleiro)(POHLMEYEReDESMET,2013,p.08).
28FrameworktraduzidopeloautordePOHLMEYEReDESMET(2013,p.07)
103
(2)DesignparaosignificadopessoalOsegundoingredienteestárelacionadoàfelicidadequeemanadeumsensodesignificadopessoal.Ofoconãoestánoefeitomomentâneo,masnosobjetivoseaspirações (de longo oumédio prazo), tais como se formar em alguma coisa,construir uma casa na árvore, ter um palácio ou correr uma maratona. Osignificado pessoal também pode derivar da consciência das conquistaspassadas ou de um senso natural de progresso na direção de um objetivofuturo. Com isso emmente, os produtos podem ser recursos que as pessoasutilizam para atingir tais objetivos. Por exemplo, os instrumentos musicaispermitemquemúsicosdesenvolvamseutalento,enquantotênisdecorridadãosuporteaodesenvolvimentoda técnicadecorrida individualdeumatleta.Osprodutos também podem lembrar usuários de seus objetivos atuais, (...) ousimbolizaro atingimentodeobjetivospassados (porexemplo,um termostatoqueeconomizaenergiasimbolizandooatingimentodoestilodevidaecológico).(3)DesignparaavirtudeOterceiroingredienteestárelacionadoàfelicidadequeéo(sub)produtodeumcomportamento virtuoso.Nesteponto, a questão se elevaparaonívelmoral:“Eu estou me comportando de forma honrada?” A simples pergunta em siimplica em uma distinção normativa entre o que é bom (por exemplo, odesenvolvimentodecapacidades,oaltruísmo)eoqueéruim(porexemplo,aperdadadignidade,oprazersádico)independentementedoquenosdáprazeroudas coisaspelasquais lutamos. Ele sebaseianaproposiçãodequeháummodo ideal de comportamento ou um senso de excelência ou perfeição quedeve nortear as pessoas, o caminho da vida virtuosa. A virtude é um valorhumanoidealizadoqueéoperacionalizadodediversasformas.(POHLMEYEReDESMET,2013,p.09).
Umexemplo clássicodeDesignPositivoéo instrumentomusical. Imagineuma
guitarra:tocá-lapodeproporcionarprazerparaummúsicotreinado,aomesmotempo
quepromoveapercepçãodesignificadopessoal,atreladaaodomíniodatécnica.Tocar
um instrumento também é um exercício de autoexpressão e de apreciação da beleza,
quesãovirtudesrelacionadasàmúsica.
OutrosobjetospodemconterostrêsingredientesdoDesignPositivo,mesmoque
sem intenção. Talvez tenham sido concebidos com apenas um dos ingredientes em
menteeacabaramgerandocomportamentospositivoscompassardotempo.Outenham
passado por repetitivos processos de melhoria para chegar numa versão final mais
aderente às necessidades do cliente e, consequentemente, mais importante para ele.
Podemosnosinspirarnessesobjetosparacriarsoluçõesdigitaisquetragamosmesmos
valores para a vida do usuário. O que diferencia a abordagem do Design Positivo de
outras iniciativasemétodosdedesignemgeraléo focoexplícitonodesenvolvimento
humano. A intenção de promover a prosperidade do indivíduo surge com a própria
necessidadededesign.
Outrasabordagensdodesignqueexploramosneste trabalho, comoosmodelos
de persuasãode Fogg e deEyal, o design emocional deNorman, entre outras, podem
104
também ser plataformas doDesignPositivo.Quandouma abordagemé utilizada para
criar hábitos ou estimular comportamentos que promovam o bem-estar de forma
intencional,elatambéméDesignPositivo.
Semdúvidaocomponentedatríademaisdifícildesertrabalhadoéavirtude,um
conceitoexploradopelafilosofiadesdePlatão,queaconsideravaumaqualidadeinatado
indivíduo,impossíveldeserensinada.ParaaéticadeAristóteles,avirtudeéoopostodo
vícioepode,sim,seradquiridaatravésdeumhábito:Avirtudeéumadisposiçãoadquiridavoluntariamente,consistindo,emrelaçãoanós,emumamedida,definidapelarazãoconformeaconsultadeumhomemqueagerefletidamente.Elaconsistenamedida justaentredoisextremos,umpeloexcessooutropelafalta.(ÉticaaNicômano,6).(JAPIASSÚeMARCONDES,1991,p.243)
Nafilosofiamoderna,avirtudeadquiriuumsentidomoral,sendorelacionadaà
vontadedoindivíduoderealizarobem.“Avirtudeéaforçaderesoluçãoqueohomem
revelanarealizaçãodeseudever”(Kant)(JAPIASSÚeMARCONDES,1991).Nessalinha
depensamento,algumasvirtudes jásãodefinidascomoformasespecíficasdessa força
deresolução,dessadisposiçãoparaobem.
Para o Design Positivo, as virtudes têm um valor moral que transcende o
indivíduoeatingeobemcomum:Virtudes são qualidades consideradas moralmente boas e inerentementevaliosas. São consideradas como promotoras do bem individual e coletivo,vistascomoalgoquecontribuiparaobem-estar,mesmoquenãoodesejemosoumesmoqueobtenhamosprazerdele(POHLMEYEReDESMET,2013,p.13).
Martin Seligman conduziu um amplo estudo das virtudes através de um
levantamentodereferênciasecitaçõespresentesnaliteraturadasprincipaisreligiõese
tradições filosóficas. Para surpresa de Seligman e Dr. Christopher Peterson, um
especialista no estudo do otimismo, seis virtudes foram encontradas de forma
consistenteeduradouraemmuitasculturas.Seligman (2002) propôs três critérios para definir uma virtude: deve servalorizada por quase todas as culturas, deve ser valorizada por si só (nãoapenas comoummeioparaatingirum fim)edeve sermaleável.Ele tambémpropôsseisvirtudesprincipais,todasasquaissãoreconhecidasnasprincipaisreligiões e tradições culturais: sabedoria e conhecimento; coragem; amor ehumanidade; justiça; moderação; espiritualidade e transcendência(POHLMEYEReDESMET,2013,p.13).
Para explorar as virtudes de uma forma estruturada e mais científica, os
profissionaisdaPsicologiaPositivafocamaatençãonoquechamamdeforçasdecaráter
adquiridas através das virtudes. São evidências comportamentais e de conduta
observáveisatravésdemétodosdepesquisaeinvestigação.
105
Figura24-“WhatistheClassificationofCharacterStrengthsandVirtues?”29
Incluir a virtude como um componente do Design Positivo alimenta um certo
julgamento moral do que seria considerado bom design. A princípio, qualquer
experiênciadedesignqueentregueprazerousignificadopessoalpodeserconsiderada
promotora do bem-estar. No entanto, nenhuma virtude pode ser negligenciada nesse
processo.Nos últimos anos, diversas abordagens voltadas ao aspecto comportamentalutilizando design e tecnologia para estimular pessoas a serem virtuosas (...)foram introduzidas. Um exemplo delas é a arquitetura da escolha (ou nudgetheory, no inglês), um conceito baseado na distinção entre dois sistemas depensamento humano: o sistema automático, que é rápido e instintivo, e oreflexivo, que é deliberado e consciente. De acordo com a arquitetura daescolha, as decisões automáticas de um indivíduo podem ganhar um“empurrãozinho”(ouumnudge)alterando-seoambientenoqualtaisdecisõessão tomadas (...). (...) Em seu livro sobre a arquitetura da escolha, Thaler eSunstein (2008) tipificam o “empurrãozinho” como um “paternalismolibertário”, pois busca estimular melhores escolhas sem forçar as pessoas afazê-lo (por exemplo, elas ainda sim poderão escolher um lanche menossaudável)(POHLMEYEReDESMET,2013,p.09).
A busca pela felicidade, o foco em metas de alto significado pessoal e a vida
virtuosasão,aprincípio,fatoresintrínsecosàexistênciahumana.ApropostadoDesign
Positivo é facilitar e motivar esses comportamentos através de fatores externos,
construídos pelo design. Para isso, devemos desenhar experiências que sejam
orientadas a possibilidades e não simplesmente orientadas a problemas. Experiências
que apoiem o equilíbrio, que sejam adaptáveis ao indivíduo, que promovam o seu
envolvimentoativoeduradouro.
29Extraídodehttps://positivepsychologyprogram.com/classification-character-strengths-virtues/
106
Muitasiniciativaspodemserencontradasnaslojasdeaplicativosparacelulares
que entregam experiências aderentes aos princípios do Design Positivo. Uma das
categoriasdeappsmaisengajadasnodesenvolvimentohumanoéadeSaúdeeGinástica
(HealthandFitness). A prática de exercícios físicos, quando rotineira, é uma fonte de
prazer incomparável,assimcomoumaatividadedealtosignificadopessoal.Somadoa
isso, os aplicativos trazem funcionalidadesde criação e compartilhamentodemetas e
resultados que elevam a experiência a um nível social, gerando mais engajamento e
incentivando atitudes virtuosas como persistência, bondade, sentimento de time e
autocontrole. Os dispositivos móveis são excelentes plataformas motivacionais de
mudança de hábitos relacionados à saúde. Um dos primeiros experimentos a utilizar
telefonescelularescomoferramentasmotivacionaisdemudançadehábitosfoirealizado
por um grupo de pesquisadores da Universidade de Washington e do Instituto Intel
Research de Seattle. O estudo salienta a importância do apoio social e do feedback
constante sobre a performance do indivíduo durante a sua jornada de mudança
comportamental.Acreditamosque,defendendo-seaativaçãocognitivapersistentedosobjetivosde saúde, estimulando-se diversos comportamentos saudáveis relevantes,focando-senospadrõesdeatividadedelongoprazoefacilitando-seosuportesocialcomoumopcional(enãooseumotivadorprimário),ossistemaspodemser desenvolvidos de forma a efetivamente motivarem a mudançacomportamentaledaremsuporteaolocaleàoportunidadenaqualaspessoastomarãodecisõesqueafetarãosuasaúde.(KLASNJAetal.,2009,p.338)
OsvideogamessãooutraplataformadegrandepotencialparaoDesignPositivo.
DesdeacriaçãodoNintendoWii,osegmentodejogosqueestimulamatividadesfísicas
ganhou espaço na preferência dos jogadores. A última febre mundial no mundo dos
jogosparasmartphones,oPokémonGo,éconsideradopormuitosomaioraplicativode
exercícios físicos da história. Tudo porque consegue transformar uma atividade física
simples (andar na rua) em uma experiência altamente impactante, atraente, cheia de
desafioserecompensas.
Osobjetosvestíveis,intimamenteligadosaonossocorpoeconectadosàredede
forma ininterrupta, tornam-se também potentes objetos de Design Positivo. Seus
sensores reconhecem padrões fisiológicos, interpretam nossas interações e revelam
informaçõessobrenossoshábitosquetemopotencialdemudarnossocomportamento
para um estilo de vidamais saudável. Uma das interfaces chave do AppleWatch é o
aplicativodeAtividades, representadapor círculosdedesempenhoquemonitoramas
atividades físicas do usuário durante o dia e estimulam atividadesmotoras. Segundo
107
TimCook,CEOdaApple,numeventomundialdaempresaem2105,muitosusuáriosdo
Apple Watch dizem que preencher os círculos de atividade se tornou uma obsessão
pessoal.
Figura25–CapturadateladopáginaoficialdoAppleWatch30
Outra categoria de aplicativos bem intencionados e condizentes com os
princípios do Design Positivo é a do consumo consciente. Através de análises de
especialistasedeconteúdosproduzidospelosprópriosusuários,essesserviçosajudam
o consumidor a realizar escolhas certas de produtos, respeitando critérios pré-
determinados por ele como uso de ingredientes saudáveis, impacto social e impacto
ambiental.
30CapturadateladapáginaoficialdoAppleWatch,disponívelem<https://support.apple.com/pt-br/HT204517>Acessoem:10jul.2017.
108
Figura26–ImagemdoaplicativoGoodGuide31
AMicrosoftrecentementedivulgouseusesforçoscorporativosparaainclusãode
usuários com necessidades especiais em suas plataformas, numa ação que foi
consideradaumaevoluçãoradicaldoDesignThinking.Sobabandeiradodesignparaa
diversidade,aempresadefendeaadoçãodeprincípiosinclusivosevirtuososdedesign
como forma de expandir seu alcance, sob a máxima “Resolva para um, estenda para
muitos”.Mais do que abrir nossos produtos e experiências para mais pessoas comoutras habilidades, o designpara a inclusão também reflete como as pessoasrealmentesão.Todososhumanosestãoemcrescimento,mudançaeadaptaçãoaomundoaoseuredor todososdias.Queremosquenossosprojetosreflitamtaldiversidade.Todasasnossasdecisõesdeprojetopodemaumentaroureduzirasbarreirasparaparticipaçãodasociedade.Énossaresponsabilidadecoletivareduzir taisbarreiraspormeiodeprodutos, serviços, ambienteseexperiências inclusivas(MICROSOFT)
31ImagemcapturadadoaplicativoGoodGuide.GoodGuideéumaplicativoquecolocanasmãosdoconsumidorumaclassificaçãodebensdeconsumodeacordocomtrêscritérios:saúde,impactoambientalesocialDisponívelem:<http://ecowarriorprincess.net/2016/03/5-apps-online-tools-for-conscious-shopping/>Acessoem:10jul.2017.
109
Aformadeendereçarumassuntotãodelicadoquantooacessoàtecnologiapor
pessoas comdeficiências é semdúvidasumaatitudenobreda empresa, que tem sido
reconhecida pela comunidade de design no mundo todo. O próprio conceito de
deficiência foi redefinido para significar uma inabilidade temporária, uma interação
humanaincompatível.Oônusdequalquerexperiênciaruimpassaaserdoprovedorda
solução, não do usuário, independente do seu contexto. Além da livre divulgação dos
princípiosdedesigninclusivo,aMicrosoftcriouferramentasetécnicasespecíficaspara
otrabalhodosdesignersdeexperiência.
Figura27–ImagemdoInclusiveMicrosoftDesignManual32
OMicrosoftDesignToolkitécompostoporummanualeumconjuntodecartões
deatividadesquepodemserintegradosaqualquerprocessodedesignpré-existente.
Se a tecnologia é um meio importante para a busca da felicidade, expandir o
acessoàelaéuma formadepromoverobem-estarnumâmbito social.No individual,
percebemosatecnologiacomoparteintegraldenossasvidase,cadavezmais,donosso
corpoementeexpandidos.Obem-estarsubjetivoestánaexperiênciadatecnologiaque
nospossibilitaaprender,comunicar,socializar,prosperareaproveitaravida.
ODesignPositivoécertamenteumaabordagemmaismaduradodesign,frutoda
buscadosprópriosdesignersporformasdeinfluenciaravidadaspessoasdemaneira
mais contundente. Cada dia mais ferramentas e métodos surgem para ajudar nesse
desafio de design. Precisamos usar nossa imensa capacidade de comunicação para
32ImagemdomanualdesenvolvidopelaMicrosoft,oInclusiveMicrosoftDesign,p.54.
110
propagar e testar essas ferramentas nos mais diversos projetos. É a única forma de
disseminar essamentalidade pelas áreas parceiras do design até que todo projeto de
designsejaumprojetoparaafelicidadedoindivíduo.
111
7CONCLUSÃO
Desenhar para a felicidade, de certa forma, sempre foi um dos objetivos
intrínsecos do design. O que o Design Positivo propõe é a priorização intencional do
bem-estar subjetivo nos projetos de design. É treinar aindamais o olhar do designer
paraumajornadaqueécomumatodoequalquerusuário:abuscapelafelicidade.
Omomentoéoportuno.Naúltimadécadaosdesignersevoluíramseuescopoea
sua visão sobre a função do design. Passaram a olhar além da ergonomia e da
usabilidade de uma interface para buscar os aspectos mais humanos da experiência.
Possuemhojeumaoportunidadelatentedeconstruirexperiênciasmaishumanasericas
emsignificadoatravésdatecnologia.
Muitas iniciativas já podem ser identificadas na comunidade de design que
buscam discutir e capacitar uma nova geração de profissionais para os desafios
relacionadosaoDesignPositivo.Écomumpalestras,workshopseartigossobreotema
seremapresentadosnasprincipaisconferênciaseencontrosdedesignpelomundo.Às
vezes sob o título deDesignEmocional, outras vezes sob o chapéu FatoresHumanos,
assuntoscomocognição,percepção,psicologiadainteração,EconomiaComportamental,
PsicologiaPositivaefelicidadesãotratadoseexercitadospordesignersnesseseventos.
Nas universidades e institutos de pesquisa também encontramos pesquisadores e
teóricos da experiência trabalhando para embasar e gerar evidências sobre novos
métodos, ferramentas e plataformas tecnológicas envolvidas no Design Positivo.
Contudo, a aplicaçãoprática emprojetos reais aindaprecisa demais incentivos para
ganharescala.Poucasiniciativasdenegóciocolocamodesenvolvimentohumanocomo
prioridadededesign.
Mesmoemumaeconomiaversadaemdesenharparafatorescomosatisfaçãodo
clienteeprazer,aprodutividadeaindapredominacomométricadesucessodassoluções
de design. De fato é mais fácil analisar dados como “tempo na tarefa” e “número de
erros” em uma jornada do que levantar as emoções e o impacto no bem-estar do
indivíduo.Estamoshabituadosaavaliarasexperiênciasusandocomobaseosatributos
deperformanceeprodutividade.Aeconomiadaexperiênciaaindaestásustentadaem
métricasquantitativasquerefletemomodelodenegóciostradicional,comsuastaxasde
conversão,eficiênciae satisfaçãodocliente.Por issoadiscussãosobreosmétodosde
112
medição das emoções e da felicidade é tão importante para o avanço da abordagem
positiva.
Temos uma preocupação genuína com o nosso próprio bem-estar e com o de
pessoasdonossoconvívio,parenteseamigos.Outraformadeavançarcomaabordagem
doDesignPositivoéjustamentesalientaressapreocupaçãocomumcomafelicidadenas
conversas que temos com áreas parceiras do design, principalmente com os
desenvolvedores e engenheiros de softwares. A prática constante da empatia com o
cliente, institucionalizada nas empresas por meio do design thinking, fez com que
profissionais de outras áreas também se envolvessem com os fatores humanos que
movemoprocessodedesigncentradonousuário.Aculturadasstartups,quejánascem
extremamente focadas no usuário, também colocou os fatores humanos no cerne das
discussões tecnológicas. Novas abordagens de disciplinas tradicionais surgiram nas
escolas de administração, como o Neurobusiness e o Neuromarketing, trazendo a
neurociência para a sala de aula e para reuniões que antes só discutiam orçamentos,
cronogramas, P&L, ROI, etc. Temos parceiros e um terreno fértil para defender uma
abordagemaindamaishumananosprojetosdedesign.
Duas vertentes da ciência da computação surgiram recentemente com
abordagens semelhantes ao Design Emocional e ao Design Positivo. A Computação
Emocional (AffectiveComputing) é uma áreade concentraçãoque combinadisciplinas
como engenharia, ciência da computação, psicologia, ciências cognitivas, neurociência,
sociologia, design e ética para explorar de forma colaborativa as experiências
emocionais na interação entre o homem e os aparatos tecnológicos. A Computação
Positiva (Positive Computing) bebe das mesmas fontes e compartilha os mesmos
objetivos com o Design Positivo: entender as oportunidades existentes no uso da
tecnologiaparafacilitareelevaraprosperidadehumana.Avitóriadodigitalsobreoreal
e a crescente competitividade no meio digital provocaram uma aproximação maior
entreoDesigneatecnologia,quese formalizouemmétodoseprocessosdeprodução
comooLeaneoAgile.Os limitesdeatuaçãodeumoudeoutro ficarammais tênues,
colaborando para times mais colaborativos em prol da produtividade. O que vemos
surgir agora, com a Computação Emocional e a Positiva, é uma admirável união de
intenções.Designe tecnologia têmopotencialdedesvendaromundoamorfoequase
113
inquantificáveldafelicidadehumanapara,enfim,influenciarocompetitivomercadode
soluçõesdigitais.
A promessa da felicidade vende. Muito. De várias formas: terapias, livros,
músicas,medicamentos,objetose,numaescalacrescente,interfacesdigitaisinterativas.
O sucesso do tema nomercado digital é reflexo dos avanços conquistados nomundo
acadêmicoenosêxitosdaabordagemdedesigncentradoousuário.Háumgranderisco
do tema ser tratado com superficialidade, como uma estratégia de maximização de
lucros,oqueétotalmentediscordantedaprópriaconcepçãodafelicidade.Afelicidadeé
um fim em simesmo e não ummeio para se atingir lucro, status, poder ou qualquer
outracoisa.UmdosingredientesdomodelopropostopeloDesignPositivo,avirtude,é
capaz de proteger a integridade do modelo de possíveis interpretações rasas e
aplicações enviesadas. Como salientamos antes, o bem-estar pode ser estimulado por
cada uma das dimensões do Design Positivo: design para o prazer, design para o
significadopessoaledesignparaavirtude.Aprosperidadehumana,queéamáximado
DesignPositivo,sóocorrenainterseçãodastrêsdimensões.
114
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