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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Danilo Fontenele Sampaio Cunha O Sentido do Direito e o Sentimento do Justo DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Danilo Fontenele Sampaio Cunha

O Sentido do Direito e o Sentimento do Justo

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Danilo Fontenele Sampaio Cunha

O Sentido do Direito e o Sentimento do Justo

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de Doutor em Direito, área de concentração

em Filosofia do Direito, sob a orientação da

Professora Doutora Márcia Cristina de Souza

Alvim.

SÃO PAULO

2015

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Banca Examinadora

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Resumo

O Sentido do Direito e o Sentimento do Justo

Danilo Fontenele Sampaio Cunha

Defende-se a ideia de que a compreensão do sentido do Direito deve ser feita com ênfase na

inclusividade discursiva e na superação dos paradigmas funcionalistas e utilitários, visando a

captar o sentido do Direito mediante a concepção do sentimento do justo. Nova visão de tal

fenômeno é sugerida, com utilização de metáfora criada com base na Teoria Quântica das

Cordas, enfatizando os caracteres mais íntimos do julgador e a tecedura de seus vínculos

sociais. Indica-se que o sentido do Direito é antecedido e composto por um sentimento do

justo que o precede e acompanha, aqui denotado na forma de tríplice hélice vibrátil, composta

de consciência, sensibilidade e interpretação das normas, bem como ativada pela vontade do

agente, constituída pela cultura, ética e interesses, e de acordo com sua liberdade e sonhos.

Propõe-se, com efeito, a redefinição de práticas judiciais, na busca da felicidade, liberdade e

igualdade, pela superação da mera racionalização das convicções do julgador ou das

orientações normativas, mediante a utilização do que se chama de tópica exlética, com o

objetivo de aproximar-se o mais possível do justo aplicável ao caso concreto. Sugere-se, ao

fim, a retomada da sensibilidade tópica e da poética na concepção dinâmica do sentimento do

justo como maneira de se alcançar a efetivação humana e humanitária do Direito.

Palavras-chave: Sentido do Direito. Sentimento do Justo. Tríplice Hélice Vibrátil. Efetivação.

Tópica. Poética.

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Abstract

The Sense of Law and Fair Sentiment

Danilo Sampaio Fontenele Cunha

It is argued that understanding the sense of law must be made with an emphasis on discursive

inclusiveness and overcome the functionalist paradigms and utilities, aiming to capture the

sense of the law through the sense of fair. New view of such phenomenon is suggested, using

metaphor created based on the quantum string theory, emphasizing the intimate character of

the judge and the weaving of their social bonds. It is stated that the sense of the law is

preceded and consists of a sense of fair that precedes and accompanies, presented here in the

form of vibrating triple helical helix composed of consciousness, sensitivity and interpretation

of the rules and activated by the agent's will constituted by the culture, ethics and interests,

according to their freedom and dreams. It is proposed, therefore, to redefine judicial practices

in the pursuit of happiness, freedom and equality, overcoming the mere rationalization of the

convictions of the judge or of normative guidelines through the use of what we call exlética

topical, with the objective of close as possible to the right applicable to the case. It is proposed

to finish the resumption of topical sensitivity and poetic in the dynamic conception of the

feeling of the fair as a way to reach to human and humane effectuation of the law.

Keywords: Meaning of law, Fair feeling, vibrating triple helical helix, effectuation,

Topical.Poetic.

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Aos meus doces Euwláudia e Gabriel, que com amor,

carinho e companheirismo criam clima propício para

tanta coisa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores que passaram pela minha vida acadêmica e a todos os

juízes federais e estaduais com quem mantive contato profissional. Cada um expressou

exemplos de perseverança, ética e vibração e me fizeram crer ser possível colaborar

para um mundo mais justo.

Agradeço, especialmente, à Professora Doutora Márcia Cristina de Souza Alvim que

com paciência e atenção, me conduziu neste ensaio.

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SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................................13

Parte I - O SENTIDO DO DIREITO - ENTRE MONÓLOGOS E

DIÁLOGOS.............................................................................................................................15

1-Superação dos monólogos do normativismo e

funcionalismo............................................................................................................................17

2- Normativismo e limitação do sentido do Direito................................................................23

3-Evitação do risco dos Pinóquios inversos- a tentação do autismo jurídico

autorreferente............................................................................................................................33

4- A oscilação resurgente do Direito Natural............................................................................49

5- O isolamento circular e o sentido desprovido de sentido.....................................................55

5.1- A percepção autocentrada do Direito....................................................................66

5.2- A gênese social do Direito.....................................................................................69

6-Resgate das esperanças na procura do

justo...........................................................................................................................................72

6.1- As percepções existenciais de Bruno Romano......................................................73

6.2- A natureza dual em Gustavo Zagrebelsky.............................................................78

6.3- Tecedura proximais com Gustav Radbruch, Rudolf Stammler, Karl Larenz,

Roscoe Pound, Alf Ross e Brian Z.Tamanaha..............................................................80

7- Abandono das ilusões do dualismo e adoção do sentimento do

justo...........................................................................................................................................95

7.1- O intrínseco justo natural.......................................................................................98

7.2- Por entre fragilidades e fortalecimentos..............................................................104

7.3- A preexistência em renascimento........................................................................106

7.4- Felicidade, liberdade e garantia da igualdade democrática.................................115

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8- O Sentido do Direito e suas influências na prática judicial................................................120

8.1- A aplicação das normas além da pretensa exatidão científica.............................121

8.2- Possibilidades de emancipação - Direito e seu sentido libertador em fertilização

integral cibernética- a auto cura emancipatória logoterápica.....................................126

8.3- Sensibilidade e Inteligência – decisão acerca do que

iluminar.......................................................................................................................128

8.4- Efetividade libertadora do sentido- a reconciliação possível...............................130

8.5- As funções da aplicação do Direito – revelação, aperfeiçoamento e

transcendência.............................................................................................................134

Parte II- O SENTIMENTO DO JUSTO.............................................................................140

1- Aproximações ao conceito de sentimento do

justo.........................................................................................................................................140

2-O sentimento do justo em evolução histórico-espacial........................................................146

2.1-O sentimento do justo e os reflexos transcendentes..............................................148

2.2- O sentimento do justo – fundamento e título.......................................................152

2.3- A influência de Hans-Georg Gadamer.................................................................155

3-O surgimento da tríplice hélice energética vibrátil..............................................................158

3.1- Dimensão do surgimento.....................................................................................161

3.1.1- A consciência........................................................................................162

3.1.1.1- Consciência e base neurobiológica........................................168

3.1.1.2- Consciência como psique.......................................................177

3.1.1.3- Consciência e Behaviorismo Radical.....................................186

3.1.1.4- Consciência como modo ou estado de ser dinâmico e seu

componente incorpóreo ou espiritual..................................................191

3.1.1.5- Consciência e suas dimensões fática, normativa, social e

humana................................................................................................199

3.1.2- A sensibilidade......................................................................................202

3.1.2.1- Os vínculos além dos jurídicos...............................................210

3.1.2.2- A afetividade..........................................................................212

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3.1.2.3- A empatia e a solidariedade – implicações processuais na

escuta e linguagem..............................................................................218

3.1.2.4-O amor e a compaixão...........................................................231

3.1.3- A interpretação......................................................................................241

3.1.3.1-Quando o interior afeta o exterior..........................................242

3.1.3.2-Compreensão, explicação e interpretação..............................249

3.1.3.3- Racionalidade e emoção........................................................255

3.1.3.4- Criatividade............................................................................258

3.2-Dimensão da aplicação.........................................................................................261

3.2.1- A vontade..............................................................................................264

3.2.1.1- As escolhas - ato de vontade e sensibilidade.........................267

3.2.1.2- Escolhas e legitimação...........................................................272

3.2.1.3- Escolhas políticas...................................................................274

3.2.1.4- Escolhas intersubjetivas.........................................................277

3.2.1.5- Escolhas e integrações sociais...............................................281

3.2.1.6- Escolhas e o (im) possível sem reservas................................284

3.2.2- A estrutura tríplice helicoidal vibrátil da vontade................................288

3.2.2.1-A cultura..................................................................................289

3.2.2.2- A ética.....................................................................................298

3.2.2.3- Os interesses e nossas sombras..............................................305

3.2.2.3.1- O Mercador de Veneza – é possível a farsa em nome

do justo?...................................................................................311

3.2.2.3.2- O Julgamento de Páris- entre suborno e

sedução....................................................................................313

3.2.2.3.3- Hémon e Tirésias na cura da razão........................315

3.2.3- O retorno a Ulpiano – o Jus como atividade e vontade.......................319

3.2.4- As mãos que dedilham..........................................................................321

3.2.4.1- Liberdade e independência do juiz.........................................328

3.2.4.1.1-Da independência estrutural....................................329

3.2.4.1.2- Independência interna.............................................329

3.2.4.1.3- Independência de convencimento............................331

3.2.4.1.4- A Independência dos juízes interessa a

todos?.......................................................................................333

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3.2.4.1.5- Independência e desvio de poder – o juiz

prevaricador............................................................................335

3.2.4.1.6- Independência significa Imunidade

(irresponsabilidade)?...............................................................338

3.2.4.1.7- Independência e controle – quem controla o

controlador e influências internas...........................................343

3.2.4.1.8-Independência e influências externas – o poder

político.....................................................................................350

3.2.4.1.9- Mitigações à independência dos Juízes- as decisões

vinculantes...............................................................................351

3.2.4.1.10- Independência processual relativa do juiz?..........360

3.2.4.1.11-Independência, orçamento e pessoal......................363

3.2.4.1.12- Independência, remuneração e reforma................366

3.2.4.1.13- Independência, imprensa, publicidade dos atos e

transparência...........................................................................367

3.2.4.1.14-Independência e Direitos Humanos.......................370

3.2.4.2- Da imparcialidade vs neutralidade........................................375

3.2.4.3- Sonhos e desejos.....................................................................379

4- Os efeitos da atividade do sentimento do justo.................................................................386

4.1- As diversas caixas de ressonância......................................................................388

4.2- A membrana dimensional do justo......................................................................390

4.3- A aceitabilidade legítima em Jünger Habemas...................................................392

5- Rupturas, artificialidades e esperanças.............................................................................394

5.1-Variações e anomalias – riscos sem imunidade....................................................396

5.2- Por entre certezas e dúvidas.................................................................................399

5.3- Margens de perspectivas e horizontes de possibilidades.....................................405

5.4- A espiritualidade pela compaixão- o cuidado e a responsabilidade....................410

5.5- Os prérrequisitos-servir por meio da sacralização e fé........................................417

5.6- Como se reconhece um justo?..............................................................................428

6- Sentimento do justo e vida jurisdicional prática.................................................................432

6.1- A teoria estruturante de Friedrich Müller............................................................433

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6.2- O sentimento constitucional de Pablo Lucas Verdú............................................436

6.3-A força normativa da Constituição de Konrad Hesse e a vontade do justo..........439

6.4- Peter Häberle e a abertura e cooperação como elementos do sentimento do

justo.............................................................................................................................444

7- Ações com segurança nas inseguranças decorrentes........................................................453

8- A preservação da sistematicidade.......................................................................................457

8.1- Direito e sistema..................................................................................................458

8.2- Tipos de sistema..................................................................................................460

8.2.1- Sistemas estáticos e sistemas dinâmicos...............................................460

8.2.2-Sistemas formais e materiais..................................................................463

8.2.3- Sistematicidade formal e suas insuficiências........................................464

8.2.4- Sistematicidade material e a aproximação do real...............................467

8.2.5- Sistemas lineares, circulares e em espiral............................................469

8.3- Uma sistematicidade específica para o direito e a complexidade de Edgar

Morin...........................................................................................................................470

9- O retorno sensível da tópica e da poética e suas importâncias na concepção dinâmica do

sentimento do justo.................................................................................................................476

9.1- Fundamentos da tópica no Direito.......................................................................476

9.1.1 A tópica de Aristóteles, Cícero e Theodor Viehweg...............................477

9.1.2- A tópica segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr........................................483

9.1.3- A tópica segundo Maria Helena Diniz..................................................486

9.1.4- Tópica, argumentação e decisão – a tópica exlética............................488

9.2- A poética em Giambattista Vico e o processo catársico......................................492

CONCLUSÃO........................................................................................................................501

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................507

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Introdução

A tese ora sob análise almeja apontar sugestões sobre a compreensão do sentido do

Direito, em seu encaminhamento por via de uma dimensão transdisciplinar de busca de

sentido humanista de um Direito sensível por intermédio de pessoas afetuosas, com ênfase na

inclusividade discursiva e na superação dos paradigmas funcionalistas e utilitários que

inundam o ambiente jurídico.

Esforça-se, pois, na compreensão da complexidade humana e de seus paradoxos e

contradições internas externalizadas no desenvolvimento dos papéis judiciais, visando a

captar o sentido do Direito através da concepção do sentimento do justo.

Nesse aspecto, desenvolvemos nova visão de tal fenômeno, com emprego de metáfora

criada com base na Teoria Quântica das Cordas, enfatizando os caracteres mais íntimos do

julgador e a tecedura de seus vínculos sociais.

Demonstramos, também, nosso modo de entender sobre o possível retorno prático de

um humanismo cuidadoso e respeitador, com seus traços de acolhimento, empatia e ternura

mesmo diante de uma sociedade tendente à desumanização. Propomos, com efeito, a

redefinição de práticas judiciais com suporte na percepção de que a verdadeira liberdade

democrática se inicia no respeito à pessoa e suas potencialidades e reflete-se no trato social

conjunto.

Para tanto, sugerimos novas perspectivas contemporâneas que as instituições oficiais

ligadas ao Poder Judiciário podem assumir, no desenvolvimento mais socialmente

responsável de seus papéis e atividades. Cremos que, com o incremento verdadeiramente

humano de tal realidade de convívio cotidiano marcado pela complexidade, possibilita-se a

definitiva consolidação democrática das estruturas sociais e culturais, agora marcadas pelo

mútuo reconhecimento, interação e solidariedade entre os sujeitos de Direito.

A proposta última é, pois, dar novo fundamento para o poder político jurisdicional e o

seu exercício institucional e social, qual seja, o de entendimento sensível e ético das

condições individuais de cidadania e sujeito de direito no cotidiano forense.

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Neste aspecto, indica-se que qualquer concepção e aplicação do sentido do Direito são

ao mesmo tempo antecedidas, compostas e mesmo superadas por um sentimento do justo que

as precede e acompanha.

Tal sentimento do justo é apresentado na forma que chamamos de tríplice hélice

vibrátil, bem como ativado pela vontade do agente, de acordo com sua liberdade e sonhos.

Sugere-se que referidas estruturas não estão desprovidas de constante confronto crítico

e atitudes revisionais, contando com o espaço público-político da sociedade civil para as

reverberações reflexas correspondentes.

Evidencia-se, pois, a busca da superação da mera racionalização das convicções do

julgador ou das orientações normativas, seguindo-se da implementação de constantes

atividades além da dialética e dialógica, mas sim mediante a utilização do que chamamos de

tópica exlética, com o objetivo de aproximar-se ininterruptamente o mais possível do justo

aplicável ao caso concreto; possibilita-se, ainda, que eventuais ajustes práticos decorrentes de

tais atividades mostrem-se próprios das melhores democracias e correspondam ao exercício

da própria cidadania republicana.

Enfatizamos, assim, que o justo não é algo a priori a ser descoberto, mas que o

processo interpretativo pressupõe a percepção humana dos diversos mundos e é efeito do

diálogo empático com as realidades particulares, no estabelecimento das especificidades e

características.

Propõe-se, ao fim, a retomada da sensibilidade tópica e da poética na concepção

dinâmica do sentimento do justo, com a clara visão de que em todo pesquisar não se pode

abrir mão do comprometimento com o refinamento ético e inspirador da vida prática, sob

pena de se criar apenas pensamentos sem adesão à plena dignidade do ser humano.

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PARTE I - O SENTIDO DO DIREITO - ENTRE MONÓLOGOS E DIÁLOGOS

Observa-se que os aspectos exteriores ao acesso à Justiça guardam intensa

proximidade com a acessibilidade ao Poder Judiciário propriamente dito, no que diz respeito a

proposituras de ações judiciais.

Percebe-se, facilmente, no entanto, que mera superação de eventuais obstáculos a tal

ingresso não é suficiente para a configuração de verdadeira e democrática possibilidade

concreta de Justiça.

Na realidade, o exato e profundo acesso à Justiça é induzido inicialmente com origem

no sentido adotado do Direito, aqui entendido como sua razão de ser, em conjugação com a

aplicação específica de sua substância no caso particular. Obviamente, partimos da ideia

primeira de que o sentido de qualquer concepção do Direito é ser justo e colaborar para uma

sociedade mais feliz.

Os pressupostos e mesmo crenças em tais eleições têm papel significativo na prática

jurídica e judicial.

Na verdade, é a conformação e exercício de tal sentido que identificará, orientará e fará

surgir as próprias condições de materialização das dimensões do Direito e da Justiça.

Ademais, é por via das opções cabíveis e correspondentes ao caso concreto, mormente no que

se refere às interpretações normativas e a intensidade da respectiva atuação judicial, que a

justiça se corporificará.

Como se sabe, as limitações e adesões normativas podem ter origens diversas, indo

desde a consagração formal de limites morais, ou mesmo religiosos, a concepções ideológicas

historicamente situadas.

Tais aspectos tornam a percepção do justo um exercício completo e conjunto das

escolhas pelo intérprete de qual sentido real deve ser conferido às expressões normativas,

aliado à prospecção da jurisprudência aplicada a casos assemelhados, atualização dos

sentimentos comunitários e compatibilidade com o caso concreto examinado. Tudo isso com

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as controvérsias e contradições humanas naturalmente existentes e dependente de como as

informações do mundo são percebidas e valoradas.

Observe-se que assumimos o posicionamento referente à amplitude de interpretações

das normas jurídicas, nos distanciando dos pensamentos singulares e percepções dogmáticas

destas. Assim o fazemos por entendermos que cada caso a ser examinado juridicamente detém

matizes individuais, exclusivas, vez que lida com pessoas e suas densas realidades.

Saber o sentido do Direito ou sua substância é, em outras palavras, verificar qual a

formulação desejável e ativa do Estado de Direito. Tal questionamento, evidentemente,

aglutina aspectos não apenas jurídicos, mas compartilha critérios de vários tons e ordens,

como especial destaque para conteúdos sociológicos, psicológicos, políticos e filosóficos.

Ressaltemos, pois, que saber o sentido do Direito não se reduz a meras especulações

acadêmicas1. Na realidade, apenas com a verificação humana socialmente comprometida dos

casos é que será possível dar-se uma resposta útil aos problemas alçados à importância de

conformação jurídica.

Os desfechos dos casos concretos dependem, além da consciência dos fatos e pessoas

envolvidos, das melhores interpretações das regras, convenções e mesmo expectativas, de

acordo com o sentido eleito do justo, contendo este reflexos do que se entende por justiça,

liberdade, igualdade, solidariedade, república, estado de direito e democracia, dentre outros

conceitos e princípios.

Verifique-se que ditas respostas ocorrem durante o compartilhamento de valores, ideais

políticos e atribuições de propósitos às práticas jurídicas complexas, malgarado as naturais

divergências quanto às suas dimensões e profundidades e suas influências no sentido do

Direito adotado.

1 Afonso Henriques de Lima Barreto utilizou a criação do que chamou de República dos Bruzundangas para

criticar as instituições de seu tempo, principalmente o bacharelismo, identificando os doutores como aqueles que

eram hábeis em imitar: “É sábio, na Bruzundanga, aquele que cita mais autores estrangeiros; e quanto mais de

país desconhecido, mais sábio é. Não é, como se podia crer, aquele que assimilou o saber anterior e concorre

para aumentá-lo com os seus trabalhos individuais. Não é esse o conceito de sábio que se tem em tal país. Sábio,

é aquele que escreve livros com as opiniões dos outros.” LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Os

Bruzundangas. Belo Horizonte: Garnier, 1998, p. 142.

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Cremos que, para tanto, há de se ir além do mero normativismo funcional para se

recobrar esperanças profundamente humanas na busca do justo.

1- Superação dos monólogos do normativismo e funcionalismo

Na verdade, lida-se cotidianamente com as palavras como se soubesse perfeitamente e

de maneira consensual os valores que nelas se encontram e as implicações daí decorrentes.

Age-se, no entanto, sem se aperceber que nem sempre (ou quase nunca) há um só e atemporal

conceito dos vocábulos, mas apenas noções ou tentativas de conhecimento e conceituação, de

acordo com as épocas e ideologias vigentes.

Cremos, portanto, que é imperioso discorrer algo a respeito da densidade do sentido do

Direito e seus iniciais desvios, além do modo de obtenção do conhecimento e a interação da

linguagem com as representações sociais e as questões de valor e de ideias, aqui entendidas as

referentes ao sentido propriamente dito do Direito e seus reflexos no trato do acesso

correspondente em uma perspectiva real da vida jurídica e judicial

Assim, o abrangente tema sentido do Direito e sentimento do justo enseja a

identificação inicial de algumas questões problemáticas em suas raízes, porque humanamente

densas e que necessitam ser aclaradas com o fito de melhor compreensão da matéria.

A dificuldade primeira ao se pretender discorrer sobre os modos de concretização do

sentido do Direito e o sentimento do justo dá-se, pois, justamente no fornecimento ou

escolhas de identidade a tais termos, aí incluídas as finalidades aceitas e os espíritos2

condutores e comunicantes.

Confirmamos que temos as duas expressões como ligadas intrínseca e

ontologicamente, de forma que entendemos não haver que se referir ao Direito sem Justiça e

2 A expressão "Espírito" aqui entendido de acordo com Antonio Castanheira Neves como "(...) a

intencionalidade totalizante dos princípios positivos do sistema do direito vigente, sendo estes em boa parte

resultado da assimilação jurídica de intenções ético-político-sociais dominantes no ethos social histórico da

concreta comunidade (...)". CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Digesta – escritos acerca do Direito, do

Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros, vol.3º (Direito hoje e com que sentido?), Coimbra:

Coimbra Editora, 2008, p.66.

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esta sem aquele3. Portanto, neste texto, ao mencionarmos um, entendemos implicitamente a

presença do não referido.

Na verdade, como bem diz Cláudio Souto4, chamar-se de Direito qualquer fenômeno

impositivo sem base ética é mais bem compreendido no enunciar da identidade entre lei e

poder, o que levaria à conclusão de que todo Estado seria Estado de Direito ante sua

inexorável base no poder.

Outra consequência de referido equívoco seria confundir legitimidade com legalidade,

igualando-se todo poder majoritário, mesmo que social, com poder legítimo,

independentemente de seu conteúdo5.

3 Registramos opiniões no sentido de que mesmo o direito ditatorial é direito. Sem dúvida um direito ruim,

ilegítimo e totalitário, mas ainda assim, direito. Ousamos discordar. Tais posicionamentos podem estar

inclinados a confundir direito como normas, o que cremos ser um entendimento parcial e positivista. 4 SOUTO, Cláudio, Ciência e Ética no Direito – uma alternativa de modernidade. Porto Alegre: Sérgio

Antônio Fabris Editor, 1992, p.7. 5 Nunca é demais recordar que não são raros os exemplos históricos que evidenciam que tanto as leis quanto a

própria Justiça como instituição por vezes curvam-se perante o poder duro e simples do arbítrio e quando o

fazem, utilizam-se dos joelhos vacilantes de seus agentes. Recorde-se, assim, das seções especiais de Justiça na

França durante a Segunda Guerra Mundial. Na época, após um atentado no metro de Barbés em 21 de agosto de

1941 (um jovem militante comunista Pierre Georges matou o aspirante da marinha alemã Moser), a ocupação

alemã reclamou imediata represália, tendo esta sido organizada pelos juristas colaboracionistas do regime de

Vichy. Assim, o Ministro do Interior francês, Pierre Pucheu, fez elaborar um tribunal de exceção que condenaria

réus com base em uma lei especificamente criada para condenar comunistas e anarquistas mesmo que

anteriormente julgados por ditos fatos. Tal lei de 22 de agosto de 1941, mas com data de 14 do mesmo mês, foi

publicada no Diário Oficial do dia 23 de agosto e possuía efeito retroativo. A mesma lei também previa que os

acusados tivessem advogados nomeados pelo Estado, as condenações não necessitavam de explicitação dos

motivos e as sentenças não possuíam possibilidade de apelação (art. 5 e 7). Alguns juízes franceses foram

“convocados” e nomeados pessoalmente pelo Ministro da Justiça, Joseph Barthélémy, para tal “missão”. A

primeira decisão de tal tribunal de exceção foi a condenação à morte de três comunistas (Émile Bastard,

Abraham Trzebruki e André Brechet) executados no dia 28 de agosto e uma condenação a trabalhos forçados

perpétuos (o jornalista comunista Lucien Sampaix, posteriormente fuzilado pelo regime nazista em 15 de

dezembro de 1941). O filme Seção Especial de Justiça, 1974, do Diretor Costas Bravas, que adaptou o livro

L'affaire de la section speciale, do historiador Hervé Villere, retrata bem o ocorrido. Referida lei era assim

redigida: 1°) Les Sections Spéciales auront autorité pour juger de toutes les menées communistes ou anarchistes.

Ces Sections siégeront en zone non occupée auprès des tribunaux militaires ou maritimes, et en zone occupée

auprès des Cours d'Appel. 2°) Les individus arrêtés en flagrant délit seront immédiatement jugés, sans

instruction préalable. A défaut de défenseur choisi par l'inculpé, un défenseur d'office sera immédiatement

désigné. 3°) Hors les cas de flagrants délits, la procédure sera instruite dans les huit jours. Aucune voie de

recours ne sera admise contre les ordonnances du juge d'instruction qui renverra directement l'affaire et le

prévenu devant la Section Spéciale qui statuera dans les deux jours de la réception du dossier. 4°) Une

procédure spéciale sera utilisée pour les jugements par contumace.

5°) Les jugements rendus par les Sections Spéciales ne sont susceptibles d'aucun appel, recours ou pourvoi. Ils

sont immédiatement exécutables. 6°) Les peines prononcées peuvent aller jusqu'à la peine de mort. Les

militaires ou fonctionnaires français reconnus coupables ne pourront être condamnés qu'au maximum de la

peine: la mort. 7°) Les dispositions habituelles du Code pénal ne sont pas applicables aux individus visés par

cette loi. Consulta ao Les archives contemporaines de la Justice, série Z4: Section spéciale de la cour d’appel de

Paris in http://www.archives-judiciaires.justice.gouv.fr/, acessado em 07 de setembro de 2013.

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19

Tal percepção equipara a Direito tudo aquilo que um grupo aceita como tal,

recorrendo-se a uma espécie de positivismo sociológico, há muito ultrapassado.

Sustentamos, portanto e inicialmente, que a legitimidade das normas não pode ser

entendida apenas como questão formal de reconhecimento estatal ou social, devendo também

o Poder Judiciário6 se manter constantemente disponível para proteção das liberdades em

geral e pronto para a análise profunda das relações Estado-Cidadão.

6 Verifica-se que, mesmo em tempos de regimes políticos não democráticos, o Estado continuou exercendo sua

jurisdição e desempenhando, mas sem maiores preocupações a respeito de sua legitimidade e da realidade

socioeconômica, suas três funções básicas: instrumental (de resolução de conflitos), política (como mecanismo

de controle social, reforçando estruturas de poder) e simbólica (na vertente de legitimar práticas e costumes

legalizados, delimitando as expectativas sociais dos padrões de equidade e justiça) Cf. SANTOS, Boaventura de

Sousa, Sociología Jurídica Crítica – para un nuevo sentido comum en el derecho, Madri: Editorial

Trotta|Ilsa, 2009, p.108. Na verdade, o exercício da jurisdição por parte do Estado em tais períodos mostrou-se

neutralizado em termos sociais mais profundos, simplesmente pela retirada dos casos ou matérias relevantes da

apreciação do Judiciário. Inibia-se facilmente, assim e em última instância, o exercício, pelo Judiciário, do poder

a si atribuído, sendo dito poder, em tais épocas, claramente mitigado e fragilizado. Neste aspecto o artigo 7º, § 4º

do Ato Institucional nº 01 de 04 de abril de 1964, que inaugurou a ditadura no Brasil que duraria mais de 20

anos, estabeleceu que o controle judicial das aposentadorias e reformas compulsórias editadas através de

processo sumário seria limitado à apreciação das formalidades extrínsecas, bem como seu art. 10º excluiu da

apreciação judicial qualquer ato de cassação dos direitos políticos e mandatos legislativos. O chamado Ato

Institucional nº 05, ou simplesmente AI-5, que vigorou de 13 de dezembro de 1968 a 31 de dezembro de 1978,

considerado o mais cruel dos atos institucionais da ditadura, além de cassar direitos políticos, suspendeu as

garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade de qualquer servidor público, inclusive os juízes,

desembargadores e ministros, e autorizou o Presidente da República a mediante decreto, demitir, remover,

aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas (art. 6º, § 1º). Tal ato também

autorizou o Presidente da República a decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido

ilicitamente no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de

economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis (art. 8º). O AI-5 também suspendeu a garantia de

habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a

economia popular (art. 10º), além de excluir de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo

com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos (art.11º). Em Portugal,

no mesmo sentir, não há como deixar de mencionar a colaboração de juízes aos regimes ditatoriais ao aceitarem

participar de tribunais evidentemente ilegítimos e parciais, como o caso dos Tribunais Plenários de Lisboa e

Porto do regime salazarista. Tais tribunais funcionaram de 20 de outubro de 1945 até a revolução de 1975 e eram

constituídos por três juízes qualificados, presididos por um juiz desembargador, todos escolhidos a dedo pelo

salazarismo. Durante quase três décadas, elevado número de juízes e agentes do Ministério Público e quadros da

Polícia Internacional e de Defesa do Estado ou PIDE mantiveram uma colaboração recíproca, desenvolvendo

sessões de julgamentos onde o contraditório, a ampla defesa e o papel dos advogados eram inexistentes. Os

processos decorriam sem qualquer assistência jurídica e os autos de declarações eram muitas vezes obtidos

através de espancamentos, violações, chantagens e outras torturas físicas e psicológicas. Ver ROSAS, Fernando,

Tribunais Políticos - Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a ditadura e o Estado

Novo. Lisboa: Editora Temas e Debates, 2009; CALDEIRA, Alfredo e ANDRINGA, Diana, Em Defesa de

Aquilino Ribeiro, Lisboa: Edições Terramar, 1998, CALDEIRA, Alfredo e ANDRINGA, Diana, Processo de

Quando os Lobos Uivam, Lisboa: Edições Terramar, 1979. Sobre memória política e democracia, ver

VASCONCELOS, Daniela Mateus de, Memória Política, Democracia e Accountability – algumas reflexões

teóricas- Oficina nº 330 do Centro de Estudos Socias – CES da Universidade de Coimbra, Outubro de 2009,

Coimbra- Portugal, disponível no site http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/330/330.pdf, acessado em 13 de

agosto de 2013.

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20

Neste aspecto, anota Antonio Castanheira Neves7 que lei injusta é toda norma legal

positiva que não realize ou não permita realizar concretamente a ideia de Direito. Não teriam,

portanto, qualquer caráter juridicamente vinculante por carecerem de validade e de

obrigatoriedade, como, por exemplo, leis que recusassem a dignidade de personalidade moral

de qualquer um, de grupo, classe ou raça. Em tais casos, indica o autor, a única atitude

legítima é a de recusar a sua aplicação e de decidir "contra legem".

A questão, portanto, e subjacente a tais posicionamentos, refere-se ao sentido do

Direito como sua razão de ser e modo de concretização, e nos propomos discorrer

inicialmente a respeito disto.

Não será, no entanto, desenvolvida qualquer tentativa de oferecer ideias, nem sequer

sínteses, sobre uma teoria de Justiça, evitando qualquer busca ambiciosa de eleger critérios e

princípios perfeitos, gerais e infalíveis sobre o assunto. Assim o fazemos porque nada humano

é perfeito, mas tão somente aperfeiçoável.

Na verdade, como bem diz Amartya Sen8, durante todas as épocas, estudiosos têm

tentado oferecer fundamentos intelectuais que propiciem que os sentimentos gerais e

particulares de injustiça sirvam para as análises das formas de promover a justiça sem que,

mesmo com sugestivos progressos e impulsos, se tenha chegado a consensos.

Assim, entendemos mais razoável a inicial preocupação em elucidar apenas o que

exatamente estamos discorrendo em termos de concretização quando se mencionam as

expressões sentido do Direito e sentimento do justo, na explicitação das significações

adotadas, estabelecendo relações e dependências contextuais e os limites das correspondentes

compreensões e possibilidades de formação e aplicação.

Ademais, partimos do pressuposto de que todas as questões jurídicas, aí incluídas as

de Filosofia Jurídica, devem sempre manter contato com as realidades empíricas vez que

problemas conceituais, normativos e reais possuem conexões e influência recíprocas.

7 CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Digesta – escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua

Metodologia e Outros, vol.1º (O papel do jurista no nosso tempo), Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p.45. 8 SEN, Amartya, La Idea de la Justicia, título original the Idea of Justice, tradução de Hernando Valencia Villa,

Madrid: Editora Taurus Pensamiento, 2009, p.37.

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Na verdade, não acreditamos ser possível tratar de Direito e Justiça apenas teorizando

abstratamente sobre o assunto, como se fosse possível nas quadras atuais ainda se alimentar a

ilusão de que a descoberta da verdade aplicável e justiça verificável no caso concreto

advenham, não do exame sensível e humano das normas, fatos, valores e pessoas envolvidas,

mas mediante pura lógica de deduções abstratas ou racionalizações técnicas/práticas.

Em oposição a tal posicionamento, como bem diz Antonio Castanheira Neves9, não

raras vezes, o Direito sofre ações tendentes a reduzi-lo a expediente meramente regulativo-

organizatório, como parte de uma estratégia política e projeto tecnológico. Submete-se o

Direito, nessas hipóteses, a um exclusivo funcionalismo-utilitarismo de oportunidade político-

social que lhe extrai os valores e fundamentos próprios e os substitui por fins e resultados.

Ademais, nesta perspectiva, a fundamentação cede à instrumentalização, a ordem (de

validade ou institucional) à planificação (programático-regulamentar) e a validade à eficácia

ou a eficiência10

, transmutando-o em mero objeto de consumo a satisfazer de forma

desvinculada às dinâmicas reivindicações sociais, ao mesmo tempo em que restringe seu

sentido à mera perspectiva tecnológica, aviltando-o a tal ponto de terem-se apenas muitas

normas, mas pouco Direito e Justiça.

Cremos, pois, que falar na realização do sentido do Direito e sentimento do justo

pressupõe abandonar ditas limitações e operar a recuperação do sentido do Direito em sua

perspectiva humanista e humanizante11

.

9 CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Digesta – escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua

Metodologia e Outros, Volumes 1º (O Direito como alternativa humana. Notas de reflexão sobre o

problema actual do Direito), Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p.294 e Digesta- vol.3º (Direito hoje e com

que sentido?), Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p.56. 10

Alexandre Morais da Rosa já alertou para a temeridade da hipertrofia do pensamento gerencial de eficiência

no âmbito do Judiciário ante o risco de transmutá-lo de instituição em empresa encarregada da solução de

conflitos atendendo a uma lógica pragmática do custo-benefício, com evidentes custos democráticos. Afirma o

autor que a adoção eficientista da magistratura ocasiona a perda das referências simbólicas e promoção de

decisões judiciais fixadas conforme parâmetros que atendam a uma lógica homogeneizante fornecida pelos

tribunais. Tais fatores, aliados à obrigatoriedade de preenchimento de inúmeros relatórios da gestão, sistemas de

monitoramento e justificativas do não atendimento de metas, poderão ocasionar, nas palavras do autor, mera

Gestão sem Jurisdição. ROSA, Alexandre Morais da, Franchising judicial ou de como a magistratura perdeu

a dignidade por seu trabalho, vivo? Disponível em http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2010/01/fmj-

texto-da-palestra.html, acessado em 04 de janeiro de 2013. 11

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Digesta – escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua

Metodologia e Outros, Volume 1º (O Direito como alternativa humana. Notas de reflexão sobre o problema

actual do Direito), Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p.297-299.

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Nesse modo de olhar, tomamos como base a desmistificação das certezas e seguranças

típicas da positivação dogmática e adotamos constante reflexão crítica a respeito das

propostas de uma Justiça mais à medida da complexidade dos homens e da (re)construção de

uma sociedade mais igualitária e livre, com base nos valores comunitária e solidariamente

percebidos e eticamente comprometidos.

Ademais, é necessário o aparecimento de uma ordenação das relações, só adquirindo

esta validade significativa mediante uma condição ética que atribua a cada homem a

qualidade de sujeitos uns perante os outros, concitando a humanidade para o reconhecimento

recíproco e para a corresponsabilidade.

Afirma Antonio Castanheira Neves12

que as condições essencialmente constitutivas do

Direito são a condição mundanal (intersubjetividade como fator essencial para a existência

humana) e a condição antropológico-existencial (contínua variação das intenções e

objetivações tanto individuais quanto sociais).

Assim, tratar de Direito é versar sobre pessoas e dizer que o problema atual do Direito

é radical significa ressaltar, como diz o mesmo autor13

, que este se revela humanamente

problemático e assim problemático na sua raiz.

Debater sobre o sentido do Direito corresponde, portanto, a manter contato com a

própria constituição do homem como homem-pessoa, ou seja, como "(...) o originário sujeito

de liberdade e de responsabilidade, capaz de amor e de pecado e, por isso, titular de dignidade

e de culpa14

, verificando-se a satisfação de suas potencialidades e a materialização dos ideais

de liberdade, igualdade e solidariedade.

Assim sendo, visando a adotar franca criticidade ao que comumente se impõe como

prática jurídica e judicial, entendemos conveniente expor algo a respeito de como a

materialização do sentido do Direito pode ser deficientemente percebida, antes de propormos

nossa representação de seu perfil concreto no caso específico.

12

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.14. 13

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.15-16. 14

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.14-15.

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Na verdade, é com base na autocrítica que, parafraseando Karl Marx15

, podemos

operar nossa franca confrontação conosco. Só assim sabemos que a visão de si mesmo é a

primeira confissão da sabedoria e que a capacidade de autoquestionamento corresponde ao

grau de maturidade dos pensamentos.

Abordaremos, pois e inicialmente, as percepções sobre o sentido do Direito que se

identificam com monólogos autorreferentes para, adiante, indicar hipótese de superação por

meio de diálogos transformadores.

Não é aqui proposta, entretanto, nenhuma análise detalhada das diversas concepções

teóricas, mas apenas a exposição de traços gerais que possibilitem algumas conclusões.

2-Normativismo e limitação do sentido do Direito

Pode-se dizer que as diversas compreensões sobre o Direito correspondem à variação e

distanciamento entre a compreensão social deste como forma de racionalização contextual e

histórica do sistema normativo e a compreensão particular, concreta e axiologicamente

normativa, do que se tem como juízo prático do homem-pessoa.

Como é cediço, a inicial problemática do Direito e da Justiça no Estado Liberal16

e a

linha de tendência que daí seguiu acabaram por confundi-los com a própria norma, ou mais

comumente identificar ambos com a expressão do poder mediante a norma, sem qualquer

indagação a respeito do conteúdo de um ou de outro em termos da tradução de valores.

As características básicas do normativismo17

são por demais conhecidas e apresentam-

15

MARX, Karl, Liberdade de Imprensa, sem indicação de título original, tradução de Cláudia Schilling e José

Fonseca, Porto Alegre: Editora Coleção L&PM Pocket, 1999. 16

Entendemos não caber maiores digressões a respeito do contexto histórico que presidiu o surgimento do

Estado Liberal, competindo apenas recordar que, superando as concepções do Estado Absolutista, a ordem

jurídica do Estado Liberal passou a garantir a segurança do indivíduo contra a ação do próprio Estado. Desta

forma, não havia poder legítimo fora dos quadros indicados pela ordem jurídica, ante a legalização e

constitucionalização do poder. A atuação do Estado torna-se, pois, previsível, por ser submetido às normas

criadas pelo próprio sistema. Aqui, não há necessidade de se apelar para qualquer ideal valorativo para se

reconhecer uma norma jurídica, bastando verificar sua origem de competência. Prega-se, assim, a neutralidade

axiológica do Direito e o Estado como legal-racional. 17

A ideia original do positivismo jurídico pode ser indicada como posicionamento epistemológico cujo princípio

é a separação rigorosa entre sujeito e objeto do conhecimento, com as precauções do sujeito não projetar no

objeto suas representações e valores. Com isso pretende expurgar do conhecimento do Direito toda consideração

política, moral ou filosófica (o Direito não é puro, mas sua ciência deve sê-lo). O fato é que tal posicionamento

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se como típicas da vertente que tenta expurgar do Direito elementos metajurídicos, conceitos

indeterminados e juízos de valor, limitando-o à formulação de proposições jurídicas,

cingindo-o às condições de validade e balizando-o no espaço das relações lógicas entre

conceitos de natureza formal18

.

Como se sabe, no entanto, o positivismo jurídico, assim como as adesões do Direito

Natural, não conheceram apenas uma versão, existindo intensos debates entre a historicidade

do direito versus codificação, a lógica e teoria da interpretação jurídica (juridische Auslegung)

versus criação judicial dos direitos, bem como diversas variedades de entendimento a respeito

do universo das razões e do domínio da vontade e ainda outros tantos no que concerne à

racionalização da vontade.

As diversas opiniões e contraposições divergem propriamente do objeto de nossa

pesquisa, daí não encontrarem aqui o local propício para maiores digressões19

. Assim, nos

limitaremos às posições mais gerais e básicas.

A originalidade do positivismo jurídico dá-se, portanto, ante sua contraposição ao

considera a validade de uma norma apenas por ter sido emanada da autoridade competente. Malgrado se

identificarem tradições positivas diversas como a idealista, a empirista e a analítica, tomaremos por base

principalmente as ideias de Hans Kelsen. KELSEN, Hans, Teoria Geral das Normas, trad. José Florentino

Duarte. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1986, Teoria Pura do Direito, título original Reine

Rechtslehre, 6ª edição, trad. João Baptista Machado. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003, O Problema da

Justiça, título original Das Problem der Gerechtigkeit, tradução de João Baptista Machado, 5ª edição, São Paulo:

Editora Martins Fontes, 2011 e O que é Justiça: a Justiça, o Direito e a Política no Espelho da Ciência,

tradução de Luís Carlos Borges, 3ª edição, 2ª tiragem, São Paulo: Martins Fontes, 2010. 18

Pode-se dizer, e aqui assumimos tal pressuposto indicado por Luis Fernando Barzotto, de que o positivismo

jurídico apresenta o mesmo ideal de segurança que ensejou o aparecimento do Estado Liberal. Assim, a

delimitação do jurídico sem a interferência de valorações éticas ou políticas faria com que as relações sociais não

fossem submetidas a subjetivismos dos juízos de valor (justiça) ou variações imponderáveis, trazendo

objetividade e previsibilidade na identificação do direito, agora visto como sistema normativo autônomo em

relação à moral e à política. BARZOTTO, Luis Fernando, O Positivismo jurídico Contemporâneo- uma

introdução a Kelsen, Ross e Hart, 2ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 18-19. 19

São diversas as abordagens contemporâneas a respeito do positivismo e inúmeros os posicionamentos sobre o

o subjetivismo da vontade e o objetivismo da razão e da ciência. Tudo isso ao lado da separação entre

consciência ética e verdade, consciência Moral e Direito, consciência ética como problema de conduta e

valoração na separação entre liberdade e natureza, poder como oriundo da liberdade e descentralização da

produção das normas jurídicas, monopólio da produção jurídica pelo Estado, as características da normatividade

do direito independentemente da normatividade de outras práticas sociais, regras de reconhecimento de uma

vontade instituidora como legítima (Kelsen), reconhecimento de que determinados atos de certas instituições

constituem atos criadores – constatação e aceitação de validade (Hart), direito como fato social e os conteúdos

das normas válidas e a separação entre moral e direito, a objetividade das fontes, incorporação e crenças e

valores da comunidade, conteúdos de valores morais empregados nas atividades dos tribunais, dentre várias

outras questões. Cfr. para maior aprofundamento, MARANHÃO, Juliano, Positivismo jurídico lógico-

inclusivo, São Paulo: Editora Marcial Pons, 2012 e POSTEMA, Gerald J., Legal Philosophy in the Twentieth

Century: The Common Law World, A Treatise of Legal Philosophy and General Jurisprudence,Volume

11, New York: Springer Dordrecht, 2011.

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jusnaturalismo, podendo o último ser resumido em linhas amplas no sentido da utilização da

ideia de justiça como critério de juridicidade (não é lei aquilo que não é justo, conceito ético

ou valorativo) e ao realismo, que identifica a eficácia como fator de toque do direito, ou seja,

só é direito aquilo que é eficazmente seguido em uma comunidade (conceito sociológico).

Conquanto saibamos que o positivismo se concretizará de acordo com as realidades

pátrias diversas, assumindo os valores de cada nação e a partir daí vários positivismos

poderem ser encontrados20

, Norberto Bobbio21

indica que as características fundamentais do

positivismo jurídico podem ser resumidas no modo de abordar o estudo do Direito.

Assim, segundo esse autor, o positivismo jurídico considera o Direito como um fato e

não como um valor, em tudo análogo aos fatos ou fenômenos do mundo natural.

Desta forma, o jurista deve estudar as normas, abstendo-se absolutamente de formular

juízos de valor, ou seja, para o juspositivismo, o termo “Direito” é absolutamente privado de

qualquer conotação valorativa ou ressonância emotiva.

No que diz respeito à teoria do Direito, esclarece Norberto Bobbio que o positivismo

jurídico define o Direito em função do elemento da coação, de onde deriva a teoria da

coatividade do Direito, pelo que as normas são feitas para valer por via da força.

No que concerne às fontes do Direito, a nascente positivista primeira é a legislação,

admitindo o costume secundum legem e eventualmente o praeter legem, mas sempre

repudiando o costume contra legem ou costume ab-rogativo, tendo o positivismo problemas

para explicar as fontes ditas “pressupostas” ou “aparentes” do Direito, como a equidade e a

natureza das coisas ou dos fatos, sem admitir aberturas para o Direito Natural.

No que se refere à teoria da norma jurídica, indica Norberto Bobbio que o positivismo

jurídico considera a norma como um comando, elaborando a teoria imperativista do Direito e

suas variações, estabelecendo os destinatários da norma.

20

MARQUES, Mário Reis. Grandes Linhas de Evolução do Pensamento e da Filosofia Jurídicas. título III,

cap. II, p. 219- 285. In: CUNHA, Paulo Ferreira da. (Coord.). Instituições de Direito. vol. I. Coimbra:

Almedina, 1998, p. 263. 21

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Trad. de Márcio Pugliesi,

Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 131-134.

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Sob o enfoque da teoria do ordenamento jurídico, considerado como o conjunto de

normas jurídicas vigentes numa sociedade, sustenta o positivismo jurídico duas teorias: a

teoria da coerência, ao esclarecer que na hipótese de no mesmo ordenamento jurídico

coexistirem simultaneamente duas normas antinômicas (contraditórias ou contrárias), está

implícito que uma das duas, ou ambas as normas, são inválidas, e a teoria da completude do

ordenamento jurídico, a qual afirma a inexistência de lacunas no Direito, cabendo ao juiz

extrair a regra de decisão explícita ou implícita do ordenamento para resolver qualquer caso

que lhe seja submetido.

Para o positivismo jurídico, o método da Ciência Jurídica, isto é, o problema da

interpretação, é resolvido com a teoria da interpretação mecanicista. Entende assim que na

atividade do jurista, deve prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do

Direito. A ideologia do positivismo jurídico revela-se claramente ligada à teoria da

obediência.

A tese normativista22

pretende, portanto, isolar o Direito como disciplina e como

prática social, com a determinação do campo jurídico desde a noção de validade

independentemente de valores (afastando-o, assim, da moral e da justiça) e pelo

estabelecimento da validade, e não da eficácia, como critério único de reconhecimento ou

determinação do seu ponto de partida e campo, dando-se, desta forma, seu insulamento da

política e do poder.

Observe-se, contudo, que, sendo o Direito algo produzido humanamente, há que se

admitir a existência e intervenção de um poder, sendo, no dizer de Norberto Bobbio, Direito e

poder as duas faces de uma mesma moeda. O que realmente interessa, no entanto, saber é nas

mãos de quem passa ou quem permanece com tal moeda.

Ocorre que o positivismo jurídico, mesmo identificando o poder meramente fático e o

poder jurídico produzido de acordo com as normas válidas, só reconhece o último como

relevante, identificando-o como sendo produzido por uma norma superior que impõe os

procedimentos para a produção dessas normas.

22

LOPES, José Reinaldo Lima, in Prefácio de BARZOTTO, Luis Fernando, O Positivismo jurídico

Contemporâneo- uma introdução a Kelsen, Ross e Hart, 2ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado

Editora, , 2007, sem indicação de página.

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Assim, o fundamento de validade de uma norma não é o poder (política ou arbítrio),

mas outra norma que constitui o poder, uma norma suprema que estrutura a autoprodução do

Direito23

.

Como já mencionado, tal entendimento retira do Direito todo resquício transcendente,

opondo-se às concepções jusnaturalistas, sejam elas de base natural, divina ou racional.

Fixando-se o método de análise das normas na analogia com as Ciências Naturais,

resume-se o positivismo na concepção descritiva24

e verificação de conexões funcionais de

seu objeto de estudo, de acordo com as mesmas características das Ciências Físico-

Matemáticas, Naturais e Sociais de rigorosa exclusão dos valores do campo científico,

resumindo a ciência em apenas juízos de fato25

.

Desta forma, para o normativismo, os fatos da natureza adquirem significação jurídica

com a valoração da norma positiva responsável pela estipulação do sentido, sendo este sentido

o que exclusivamente deve interessar ao jurista. Assim, não são os fatos humanamente

considerados nem percebidos, vez que é a significação jurídica a eles atribuída que importa.

O Direito seria, então, o sistema de normas que regula a conduta humana por meio dos

sentidos postos pela própria norma, podendo as condutas ser prescritas, permitidas ou

facultadas conforme tal autocorrespondência.

O questionamento principal de tal concepção não diz respeito aos valores26

propriamente compreendidos nas normas, mas na autorização da imposição destes27

.

23

BARZOTTO, Luis Fernando, O Positivismo jurídico Contemporâneo- uma introdução a Kelsen, Ross e

Hart, 2ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 21. 24

Cabe aqui a crítica de Arnaldo Vasconcelos a respeito. Na verdade, nenhuma teoria resume-se à apenas

descrever qualquer fato ou fenômeno, mas vai além dessa fase preambular, em momentos posteriores de

criatividade, em manifestação de índole preditiva ou prescritiva. VASCONCELOS, Arnaldo, Teoria Pura do

Direito: Repasse Crítico de seus Principais Fundamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 175. 25

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Trad. de Márcio Pugliesi,

Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 135. 26

Como se sabe, Hans Kelsen não negou a utilidade sociológica do Direito nem a existência de elementos éticos,

políticos ou mesmo psicológicos no interior deste, mas apenas não admitia que considerações teleológicas e

axiológicas fossem realizadas pela Ciência Jurídica. Preocupado com o possível sincretismo de métodos, indicou

tais abordagens aos campos da Sociologia jurídica, História do Direito e Filosofia da Justiça. Esclareceu assim

ser a Teoria Pura apenas um dos vários métodos científicos possíveis de aplicação no Direito, entendendo até

que ditos demais campos, juntos com a análise estrutural do Direito, são necessários para a compreensão

completa do fenômeno complexo do Direito. KELSEN, Hans. Direito, Estado e Justiça na Teoria Pura do

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28

Assim, a pertinência de uma norma a um determinado ordenamento jurídico é

verificada desde sua origem. Segundo tal concepção, o Direito regula a própria produção de

acordo com o ordenamento e determina quais as normas válidas.

Desta forma, por limitar-se a verificar as bordas de competência para imposição de

uma norma, qualquer interpretação pode ser admitida, só importando a própria norma que

atribui ao aplicador do Direito a competência de decidir a controvérsia (norma de

competência).

Portanto, o fundamento de validade de norma positiva é decorrente da forma de

criação, pelo que dita validade é entendida como possibilidade de ser aplicada e exigida ante

sua criação formal.

Nada se questiona, portanto, a respeito de sua legitimidade em si, nem a respeito dos

comportamentos das pessoas ou de seus ideais de justiça, mas apenas no que concerne à

competência de quem a criou e fundamenta. Consequentemente e como mencionado, a

validade de uma norma decorre de outra, que lhe dá fundamento e assim por diante.

Uma norma é, então, válida, porque outra superior lhe impõe observância.

Seguindo tal raciocínio chega-se a uma norma que fundamenta a validade de todas as

demais que lhe são inferiores.

Assim, idealizou Hans Kelsen28

a norma hipotética como pressuposição lógico-

transcendental que conferiria em última instância validade à Constituição simplesmente pelo

estabelecimento de seu caráter vinculante.

A validade das regras e instituições jurídicas seria aferível, pois não por quaisquer

Direito. In O que é Justiça: a Justiça, o Direito e a Política no Espelho da Ciência. 3ª edição, 2ª tiragem,Trad.

de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2010, pp. 291-292. 27

No dizer de Hans Kelsen, a Teoria Pura do Direito tem como seu princípio metodológico fundamental

conhecer o Direito Positivo em geral e não de uma ordem jurídica especial nem interpretação de normas jurídicas

particulares, nacionais ou internacionais, preocupando-se tão somente em conhecer o que é e como o Direito e

não como deve ser, afastando-se aí da política. KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. de

Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.1. 28

KELSEN, Hans, Teoria Geral das Normas. Trad. de José Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris, 1986, p.

39.

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29

parâmetros ou conteúdo de justiça ou valor, mas somente por meio do aspecto formal de

subordinação à regra fundamental.

Tal norma fundamental não seria posta por nenhum legislador, mas constituiria um

pressuposto derivado da própria ordem jurídica como modo de conferir unidade ao sistema.

Hans Kelsen não lhe atribuiu qualquer valor, mas tão-somente a função de

fundamentar a validade objetiva das normas. Registramos, no entanto, que em obra póstuma

intitulada Teoria Geral das Normas (1979), o autor reformulou a natureza da norma

fundamental que, de hipotética, passou a ser considerada uma ficção, embora ainda

permanecendo como fundamento de validade da ordem jurídica.

Percebemos, no entanto, permanecer artificial esse posicionamento, uma vez que o

simples deslocamento da vontade (hipótese) para o pensamento (ficção) não retira daí os

componentes subjetivo e metafísico cuja teoria tanto combatia.

Seguindo o raciocínio positivista, o valor da norma jurídica positivada limita-se ao

modo do dever-ser e não por um juízo do ser ou do valor (axiológico).

Com efeito, anotam os normativistas o fato de ser da norma que decorre o valor,

esclarecendo que este juízo de valor não se confunde com um juízo de valor subjetivo, que

expressa a relação entre dois fatos reais, mas entre o fato e as normas jurídicas positivas. O

valor surgirá, pois, do cumprimento ou descumprimento da norma, transmutando-se esta no

próprio juízo de valor em si.

Segundo tal concepção e como bem adverte Antonio Castanheira Neves29

, a

autonomia do Direito se credenciaria perante dita racionalidade normativa prescrita, abstrata,

sistemática e lógica, imposta à realidade humano-social como capaz de resolver os problemas

jurídicos concretos, embora não tome conta da complexidade destes e reduza as soluções ao

raciocínio lógico-dedutivo de subsunção dos fatos à norma.

A partir daí, o justo normativo é considerado como correspondente ao tratamento

29

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.25-26.

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30

previsto na norma, passando a nortear as atividades dos magistrados, sem ser feito qualquer

questionamento a respeito do conteúdo das normas,muito menos sem que qualquer avaliação

sincera a respeito de ideias e concretudes materiais de liberdade e igualdade seja realizada30

.

A solução jurídica seria, assim, mera identificação normativa, apegando-se

intensamente a um formalismo indiferente aos conteúdos normativos materiais, concretos e

históricos mais amplos, mostrando-se apático à realidade fenomenologicamente humana,

concreta e exercitada.

Nesse sentido, a normatização técnico-racional na verdade dota o Direito e a Justiça da

dimensão única sem verticalidade ou transcendência31

, equivalendo à forma utilitária.

De acordo com tal vertente, ao admitir normas jurídicas com qualquer conteúdo e sem

nenhuma instância axiológica de validação, não podendo ser questionadas além de sua

origem32

, tal perspectiva tolera, permite ou mesmo autoriza a instauração de regimes

autoritários de qualquer tendência, satisfeitos que estariam tão somente com a formal

indicação das origens das normas, sejam estas e aquelas quais forem33

.

Obviamente, tal concepção afasta qualquer possibilidade legítima de resistência a

arbítrios e injustiças, colocando a realidade das relações à mercê de formalismos nada neutros,

além de facilitar a preponderância de qualquer matiz ideológico sob a aparência de

indiferença quanto aos fins do direito34

.

Resumindo-se à análise das instâncias de validade das normas jurídicas como fonte de

30

Como se sabe, a igualdade proposta pelo normativismo baseia-se na abstração das normas e a liberdade

limitada por estas, oferecendo-se pretensiosamente à artificialidade de uma neutralidade opaca e socialmente

indiferente. 31

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.16. 32

KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins

Fontes, 2000, p.242. 33

Paradoxalmente, o positivismo foi combatido pelo regime nazista, identificando a submissão dos juízes às leis

como um limite indevido ao poder do regime do Terceiro Reich. Tal apego à lei foi então rechaçado para

permitir a adoção das doutrinas jurídicas nacional-socialistas e fiel cumprimento dos desejos do Führer. 34

Ressalte-se, no entanto, que Hans Kelsen, um dos maiores teóricos da posição de superioridade do Direito em

relação ao poder, e defensor da democracia pluralista, nunca propôs nada parecido com arbítrio, não sendo sua a

responsabilidade por apropriações e deturpações de suas ideias. Na verdade, a questão da norma fundamental

serviu apenas para teoricamente completar o sistema proposto, mas representava, em última análise, a adesão ao

espírito do constitucionalismo como forma de neutralizar o abuso do poder. Cf.VIANELLO, Lorenzo Córdova,

Derecho y poder- Kelsen Y Schmitt frente a frente, Mexico: Fondo de Cultura Econômica, 2009.

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31

legitimidade, em desprezo ao conteúdo destas e às instâncias de valor, o normativismo situa o

Direito e a Justiça a serviço de qualquer um, amparando o descomprometimento do discurso e

prática jurídicos com o contexto social e a renúncia do jurista à sua responsabilidade social

axiológica35

.

Tal entendimento possui reflexos além da esfera de delimitação dos direitos materiais,

afetando profundamente também a área processual.

Percebe-se que, apesar de o formalismo normativo processual36

enfatizar

especialmente a delimitação dos poderes e deveres dos sujeitos em litígio judicial37

e revestir-

se de certa lógica operacional, peca tal percepção por uma supervalorização da forma na

verificação do material fático importante para a decisão da causa, limitando-se por vezes aos

conceitos de efetividade e segurança do processo em prejuízo da verdade real e socialmente

relevante para o caso concreto.

Na realidade, e como se sabe, o Direito Processual constitui meio de natureza pública

de enorme influência38

na realização do acesso ao Direito material, exibindo em seus métodos

lógicos todas as opções valorativas adotadas a respeito da administração da Justiça e sua

abertura aos demais saberes e agentes39

.

Assim, se a ordenação de fases e a disciplina dos atos não corresponderem ao objetivo

principal do processo que é a solução pacífica e justa dos conflitos, corre-se o risco de

desenvolver uma vez mais o apego desmedido às aparências e tecnicidade, esquecendo-se de

que toda norma, inclusive a processual, tem por finalidade a felicidade humana democrática e

35

LIMA, Martônio Mont’Alverne Barreto, SOARES, Ana Katarina Fonteles, NUNES, Andrine Oliveira,

Normativismo Formalista de Hans Kelsen: abordagem crítica, disponível em

http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/andrine_oliveira_nunes-1.pdf, acessado em 26 de

janeiro de 2013. 36

Observemos que não se pode confundir o caráter finalístico do Direito Processual (formas subordinadas ao

processo equânime com equilíbrio ideal entre as partes como maneira de realização da justiça material) com

mero funcionalismo de forma sem conteúdo. 37

O objetivo inicial é estabelecer a organização de tempo, lugar e forma necessários à atividade jurisdicional,

dotando os ritos de previsibilidade e as partes de garantias frente a possíveis arbitrariedades e parcialidades dos

órgãos julgadores. Tal ocorre ao mesmo tempo em que são controlados eventuais excessos das próprias partes. 38

Tratando-se de Direito Processual, destacam-se as exigências das regras jurídicas serem formuladas de

maneira simples, acessível e previsível, além do reforço das comuns previsões processuais constitucionais do

devido processo legal, com a proibição de juízos de exceção e o princípio do juiz natural, a paridade de armas, a

garantia do contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, a inadmissibilidade das

provas obtidas por meios ilícitos, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais e a recorribilidade. 39

Neste aspecto, ver OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro, Do formalismo no processo civil- proposta de um

formalismo-valorativo, 4ª edição, São Paulo: Saraiva, 2010.

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32

sensivelmente distribuída, aí se incluindo a garantia material igualitária, libertária e

libertadora dos direitos e a consequente paz.

Desejar-se entender a estruturação e organização do processo como desprovido de

valores e escolhas é querer desenvolver atitude no mínimo ingênua e irreal, ao mesmo tempo

em que se reforça a autonomia normativista "constituída e sustentada no sistema

autorreferente de sua abstrata racionalidade dogmática"40

.

O formalismo normativo, material ou processual, ao limitar o entendimento de ser o

Direito a normatividade convencionalmente posta e o processo como mera sequência de

atividades técnico-jurídicas, exclui de suas estruturas os valores que correspondem às reais

tensões de poder que interagem constantemente.

Ademais, esse posicionamento nega ao fenômeno jurídico sua natureza de elemento

cultural reflexo das vivências e das expectativas que singularizam determinada sociedade em

cada época, mormente pelas interações sociais, políticas e econômicas profundamente

humanas.

Confunde o normativismo o aspecto de segurança jurídica com o objetivo de

imobilismo social da ideologia da segurança, identificando Estado com ordem e lei com

justiça.

Rechaçando qualquer ideia de direito não estatal e toda queixa popular que não a

realizada por intermédio do legislador, fecha-se tal concepção ao diálogo, desprezando a

cooperação e assumindo o monismo da verdade aplicável.

Sabe-se que essa tentativa de isolar o Direito como disciplina e prática social,

afastando-o da Moral (ao entender a validade das normas independentemente dos valores) e

da política (validade, e não a eficácia, como critério de reconhecimento ou ponto inicial do

campo jurídico) fracassou, tendo a Moral e a Política permanecido ora como fundamentação

do dever de obedecer, ora pela relevância da eficácia para a existência jurídica das normas

40

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.29.

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33

ligar-se à facticidade do jurídico41

Mesmo conscientes da superação do formalismo, no entanto, há que se permanecer

atento às marés ideológicas limitadoras do sentido do Direito que, de quando em vez,

retornam, seja como ressacas de idealismos seja como causadoras de calmarias de

consciência, sempre a influenciar os navegantes.

3-Evitação do risco dos Pinóquios inversos- a tentação do autismo42

jurídico

autorreferente

O primeiro passo tendente a evitar a sedução do normativismo e a afastar suas

consequências é, cremos, a adoção de crescente atitude autocrítica, principalmente a respeito

de como o Direito e a Justiça podem evitar sofrer de, por assim dizer, um autoencantamento

narcísico.

Neste aspecto, cremos que atualmente, como disse Contardo Calligaris43

, há de se

pensar na dimensão psicológica como inextrincavelmente ligada à dimensão social, o que

evidencia a necessidade da abordagem transdisciplinar da compreensão das questões relativas

às condutas humanas e seus produtos sociais e institucionais.

41

LOPES, José Reinaldo de Lima, in Prefácio de BARZOTTO, Luis Fernando, O Positivismo

Contemporâneo- uma introdução a Kelsen, Ross e Hart, 2ª edição,Porto Alegre: Livraria do Advogado

editora, , 2007, sem indicação de página. 42

Malgrado ainda persistirem os debates sobre definições diagnósticas e etiologia, pode-se considerar, para este

texto, Autismo como sendo a ausência ou defeito no plano de comunicação e do reconhecimento sociais,

afetando-se a empatia e a capacidade imaginativa e/ou simbólica ante o fracasso da construção das redes

discursivas mediante a linguagem, impossibilitando tanto a interpretação do mundo quanto as formas de se fazer

interpretar. A expressão adotada pela Associação Psiquiátrica Americana é transtornos do espectro autista, que

envolve além do autismo propriamente dito (de Kanner), as síndromes de Asperger e a de Rett, transtornos

desintegrativos da infância e o invasivo do desenvolvimento sem outra especificação. Ver PINTO, Graziela

Costa, Doenças do Cérebro 2– Autismo. Revista Mente e Cérebro – Scientific American, São Paulo: Editoral

Duetto, 2010. 43

Diz Contardo Calligaris que "(...) A modernidade ocidental só tem problemas psicológicos (...) Aqui, o lugar e

a função preenchidos pela radição são ocupados por problemáticas subjetivas e, em última instância,

psicológicas. (...) Pois o foro íntimo , em uma cultura individualista, é o lugar (sofrido, inevitavelmente) onde se

decidem as realidades sociais. Do mesmo jeito, o antropólogo da modernidade alimenta uma ilusão: ele pode

achar que descreve a (movediça) realidade de fatos sociais. Na verdade, ele é um psicológo e um psicopatólogo,

pois o que ele descreve é uma sociedade onde a cada sujeito é incumbida a tarefa de sustentar ou criticar, aderir

ou rejeitar, se integrar ou se afastar, obedecer ou resistir. O fato social é, de antemão, um drama interno do

sujeito (...)". CALLIGARIS, Contardo, Crônicas do individualismo cotidiano, São Paulo: Editora Ática, 1996,

pp. 5-6.

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34

Nesse sentido e caso seja adotado o normativismo como fundamento, a constituição do

verdadeiro self jurídico e judicial pode ser frustrada dando origem a um self falso ou

adaptativo em conjunto com patologias narcísicas comuns na atualidade que rejeitam o

reconhecimento da alteridade e da solidariedade, afetando tais fatores inevitavelmente o

Direito e a Justiça.

Em franca licença metafórica de estilo e mesmo correndo o risco de realizarmos uma

grosseira caracterização, dizemos que o Direito ou sua identidade muitas vezes foi um

problema psicológico ou psicanalítico44

.

Adotando-se certa irreverência diante do tema, pode-se dizer que, tendo em vista sua

“vulnerabilidade psicológica, predisposição genética e estímulos socioculturais”, o Direito

tem, muitas vezes, oscilado entre o diagnóstico de bipolaridade, narcisismo, ou

comportamentos dissociativos, sem descartar-se a possibilidade de continuidade ou

superposição de tais transtornos em franca comorbidade deteriorante.

Como se sabe, o Direito convive intimamente com o saber, o poder e com as tramas

decorrentes da utilização do primeiro para se conseguir o segundo, além de muitas vezes

servir para a formação (ou deformação) pelo segundo, do primeiro.

Desse modo, é o Direito sujeito a excessos de um ou de outro, ou de suas interações.

Desde então, podem ser gerados transtornos patentes45

, estruturando-se o Direito com

fantasias de perfeição, pureza ideológica, isenção teórica e castidade de ideias na convivência

ansiosa com o poder.

44

Não assumimos aqui nenhuma divagação distópica, mas queremos apenas explicitar os mecanismos de poder

que se encontram subjacentes no Direito como práticas de controle social, evidenciando que suas características

de atuação variam conforme a adoção de seus vários sentidos ou identidades. 45

Diz Michel Foucault que o mito platônico de antinomia entre saber e poder começou a ser demolido por

Nietzsche, ao afirmar este que, por trás de todo saber, está em jogo uma luta de poder e que o poder político não

está ausente do saber, vez que é tramado com este. FOUCAULT, Michel, A verdade e as formas jurídicas,

título original: La verité et les formes juridiques, tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo

Jardim Morais, 3ª edição, 1ª reimpressão, Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003, p.51.

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35

Ao sucumbir aos impulsos de domínio a qualquer preço, típicos da paranoia do poder,

avilta-se o Direito pela emanação de perversões46

, tornando-se impermeável ao discurso e

anulando as possibilidades de se alcançar os objetivos de igualdade, liberdade e justiça.

Nesse ritmo, engendra-se até mesmo a espécie de ética da sobrevivência própria da

cultura do narcisismo47

.

Como se sabe, o narcisismo48

é comumente associado a patologia49

e o termo é mais

popularmente percebido como estado exagerado de amor primitivo por si mesmo, o que

constitui categoria de perversão, em uma relação imatura, autocentrada e erotizada, detida em

uma contemplação especular do idêntico e caracterizada pelo autocontentamento.

Outras características do narcisismo patológico dizem respeito à formação de uma

imagem grandiosa de si mesmo com exaltação da individualidade, apresentando sintomas de

ansiedade, exibicionismo, avidez por celebridade, poder e carisma, ao mesmo tempo em que

46

Perversões aqui entendidas como jogo de poder caracterizado como forma específica de lidar com as

autosseduções originárias, com flacidez da autocrítica e dinâmica ausente de vínculos com o outro, a não ser

servir este para a própria satisfação do carente de identidade. A busca perversa do objeto é realizada para

consumi-lo e, ante sua extinção, é iniciada nova e ávida busca, visando à gratificação ininterrupta e ao

preenchimento do vazio de si. Tudo isso se dá em público ante a necessidade do pervertido (ou perverso) ser

reconhecido pelo outro, reafirmando sua existência, mesmo que o outro seja sempre ignorado em sua

subjetividade. Na atualidade, vivemos sob a intensidade da lógica do consumo, podendo tal tendência descambar

para as relações serem marcadas pelo uso narcisista e a necessidade de controle sobre o outro como objeto, com

forte inclinação para contaminação da estrutura social e uso tanto na macropolítica como na aplicação pontual

das relações institucionais. 47

Ver sobre o narcisismo na sociedade, LASCH, Watson Christopher, A Cultura do Narcisismo- a vida

americana numa era de esperanças em declínio, título original Culture of Narcisism- American life in age of

diminishing expectations, tradução de Ernani Pavaneli, Rio de Janeiro: Editora Imago, 1983, além de, do mesmo

autor, O Mínimo Eu: sobrevivência psíquica em tempos difíceis, título original The minimal Self- psychic

survival in troubled times, tradução de João Roberto Martins Filho, 3ª edição, São Paulo: Editora Brasiliense,

1986, bem como SENNET, Richard, O declínio do homem público: as tiranias da intimidade, título original

The Fall os Public Man, tradução de Lygia Araújo Watanabe, São Paulo: Companhia das Letras, 1988. Ambos

identificam o narcisismo como defesa contra impulsos negativos e não apenas como amor próprio. Ver também

FROMM, Erich, La situación psicológica del hombre en el mundo moderno, in http://www.erich-

fromm.de/data/pdf/1967h-sp.pdf; Selfishness and Self-Love, in http://www.erich-fromm.de/data/pdf/1939b-

e.pdf, Freedom in the Work Situation, in http://www.erich-fromm.de/data/pdf/1939b-e.pdf, todos acessado em

09 de fevereiro de 2014. 48

Há quatro registros literários do mito de Narciso e, em torno destes, muitas variações: o poema Metamorfoses,

de Ovídio e a versão de Cânon, no século I, e dois relatos, um curto e um longo, de Pausânias, no século II. Ver,

para maior aprofundamento sobre o tema, UBINHA, Paulo de Tarso, CASSORLA, Rossevelt Moises Smeke,

Narciso, polimorfismo das versões e das interpretações psicanalísticas do mito, Revista Estudos de

Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica – PUC –Campinas, v. 20. nº 3, setembro-dezembro de 2003,

Campinas: PUC, 2003, pp.69-81. 49

O narcisismo pode ser entendido, no entanto, como um mecanismo protetor do psiquismo e integrador da

imagem corporal por dar-lhe dimensões, proporções e a possibilidade de uma identidade e não apenas em seu

aspecto patológico.

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36

vivencia profunda insegurança só superada quando vê o seu “eu” refletido nas atenções das

outras pessoas.

No vínculo narcisista, anota Melanie Klein50

, há uma identificação do ego com o

objeto idealizado interno, o que ocasiona a dissociação e a negação do objeto externo.

Ante a desintegração e dissociação do ego, a estrutura narcisista mostra-se instável.

Para Melanie Klein, o narcisista desenvolve uma agressividade em relação ao objeto, seja por

inveja, seja por ciúme, mostrando-se egoísta ao proteger os objetos externos e internos.

Jacques-Marie Émile Lacan51

entende que o narcisista se identifica com a imagem

ilusória de si e a busca dessa imagem acaba o estrutura em modelo de vínculos que operará

durante toda a vida, na procura incessante de ser o que deseja se tornar. A agressividade surge

do encontro entre a identificação narcisista com as fraturas a que a imagem idealizada está

submetida. Esclarece o autor que a identidade narcisista é formada pelo olhar do outro, se

constituindo a partir de fora.

O transtorno afetivo bipolar52

(desde agora TAB), também conhecido como transtorno

bipolar do humor (TBH) ou, antigamente, psicose maníaco depressiva (PMD), é uma doença

crônica, grave e com distribuição universal.

Caracterizado por oscilações ou mudanças cíclicas de humor (desde oscilações

normais, como nos estados de alegria e tristeza, até mudanças patológicas acentuadas e

diferentes do normal, como episódios de mania, hipomania, depressão e mistos), o TAB

acomete vasta quantidade de pessoas em todo o Mundo. Manifesta-se igualmente em

mulheres e homens sem causa inteiramente conhecida, embora se saiba que os fatores

genéticos e biológicos podem determinar como o indivíduo reage aos estressores psicológicos

e sociais.

50

Cf. BLEICHMAR, N.M e BLEICHMAR, C.L., A psicanálise depois de Freud: teoria e clínica. Porto

Alegre: Editora Artes Médicas, 1992. 51

Cf. UBINHA, Paulo de Tarso, CASSORLA, Rossevelt Moises Smeke, Narciso, polimorfismo das versões e

das interpretações psicanalíticas do mito, Revista Estudos de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica –

PUC –Campinas, v. 20. nº 3, setembro-dezembro de 2003, Campinas: PUC, pp.69-81 52

Conforme BALLONE, G.J - Transtorno Afetivo Bipolar, in PsiqWeb, disponível em www.psiqweb.med.br,

2005, acessado em 02 de fevereiro de 2013.

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37

O TAB evidencia-se pelas respostas emocionais não adequadas ou desproporcionais

aos estímulos externos (vivências), caracterizando-se pelas oscilações do humor ou alterações

afetivas, podendo iniciar sua manifestação na infância, geralmente com sintomas de

irritabilidade intensa, impulsividade e aparentes “tempestades afetivas”.

A fase de mania (eufórica) é caracterizada por humor excessivamente animado,

extrema irritabilidade e impaciência, otimismo e confiança exagerados, pouca capacidade de

julgamento e crenças irreais sobre as próprias capacidades ou poderes. Nessa fase, acredita o

sujeito acometido de tal transtorno possuir muitos dons ou poderes especiais e ser capaz de

desenvolver ideias grandiosas.

Na fase da depressão, o quadro mostra-se bastante complexo, repleto de sinais e

sintomas, tais como dificuldades de concentração e pensamentos de cunho negativo,

incapacidade de sentir alegria ou prazer, redução da energia, agitação psicomotora ou, ao

contrário, lentificação.

Ademais, podem ocorrer ideação suicida e/ou sintomas psicóticos, perda de interesse

ou prazer em atividades habitualmente interessantes, sentimentos de tristeza ou vazio,

sentimentos de falta de esperança, culpa excessiva ou pessimismo. Nessa fase, profissionais

com atividades acadêmicas ou intelectuais não conseguem mais executar suas tarefas.

Além disso, o paciente deprimido pode ser irritável, mal-humorado e com baixo limiar

de tolerância para frustração. A avaliação e o juízo crítico da realidade à sua volta são

seriamente comprometidos e variam entre estarem desde ligeiramente alteradas até

psicoticamente modificadas com pensamentos deliróides. A avaliação de si mesmo e dos

outros traz ideias que orbitam em torno do fracasso (presente e futuro), da ruína (própria e do

mundo), pessimismo, inferioridade, inutilidade, culpa (lamentações e remorsos),

autorrecriminação e mesmo uma série de ruminações de pensamentos intrusivos de medos

irracionais e preocupações excessivas (ansiedade e temores).

Tal espécie de auto-hipnose negativa paralisa psiquicamente o paciente e impede ou

dificulta seus processos de ideação (associações, evocações, síntese mental), com reflexos na

restrição de movimentos, lentificação do discurso, aumento do tempo de latência de resposta,

com tendência ao isolamento ou fuga da realidade que se exprime hostil.

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38

Se imaginássemos o Direito na sala de uma terapia de grupo, poderíamos com

frequência identificá-lo por oscilar entre considerações muito negativas e duvidosas sobre si

próprio, obcecado com sua identidade e aparência, roendo as unhas nervosamente enquanto se

contempla e aguarda o início das sessões para, em todas elas, projetar sua insegurança,

retomando perguntas ansiosas e aborrecedoras aos colegas sobre "Quem sou, Que imagem

devo passar, O que me diferencio de vocês" e o clássico adaptado, mas sempre recorrente,

"Espelho, espelho meu...existe alguém mais poderoso que eu?"53

.

Em sua fase de mania explícita imaginária e do alto de sua fantasiosa torre de

encastelamento, o Direito seria capaz de resolver todos os problemas humanos54

, passados,

atuais e futuros, desenvolveria previsões sobre quais comportamentos desejáveis, esboçaria

práticas a serem seguidas, determinaria rotinas, definiria hábitos e regularia todas as ações.

Nessa fase de euforia, o Direito negaria importância a todas as demais disciplinas,

fortalecendo sua imagem de exclusivo portador da onisciência e onipotência, com ligeiras

adesões a, por assim dizer, categorias epistemológicas eugênicas, na crença de que apenas ele,

o Direito, seria capaz de conhecer a realidade e a verdade.

No mesmo espectro, compactar-se-ia a visão de que a decadência do Direito teria por

grande causa sua mistura com outras ciências, levando ainda mais ao seu isolamento

narcísico.

Em tal isolamento o Direito-Narciso limitar-se-ia a mirar-se, em um misto de

exibicionismo-voyeurismo, encerrando-se em si mesmo e em suas obscuridades, permitindo-

se apenas desenvolver o espelhamento em relação às demais ordens de conhecimento,

admitindo exclusivamente o que lhe reflete e confirma.

53

Observe-se que, em geral, o ensino jurídico reforça tal experiência passiva de espelho ao incentivar a

autocontemplação acadêmica. Assim ocorre reproduzindo-se e valorizando-se a linguagem técnica exclusiva dos

iniciados, ao mesmo tempo em que a luz focada na dogmática reflete na forma e ofusca a realidade, admitindo

(quando o faz) que outros conhecimentos sejam utilizados apenas para conhecer o Direito, mas não para interagir

ou mesmo interferir em suas verdades e práticas. 54

"Para o alto e avante" é o bordão dito pelo Super-Homem antes de alçar voo. Criado nos anos 30, por Jerry

Siegel e Joe Shuster, na época da Grande Depressão, os poderes e as aventuras do Super-Homem representaram

uma forma do homem comum imaginar-se superando seus limites e fracassos e escapando de sua miséria, sendo

"Para o alto e avante" uma das melhores formas para representar isso. No caso do Direito, suas pretensões de

onisciência, onipresença e onipotência chegam realmente a aproximá-lo da fantasia.

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39

No mesmo exercício contínuo de fitar-se e contemplar-se, o Direito desenvolveria

transferências com os agentes de sua execução, ao vê-los magicamente como uma extensão

sua, capazes de adivinhar seus pensamentos e desejos, alinhados que estão com os mesmos

valores e ideais, desenvolvendo a intensa exigência que os agentes reconheçam e espelhem

seu ego grandioso.

Eremítico e arredio, mas pensando-se perfeito, o Direito apegar-se-ia cada vez mais à

sua ambiciosa pureza, bem como à pretensão de o seu sentido possuir características

permanentes e que não mudam com a educação, nem com a cultura e, tampouco com os

interesses econômicos ou políticos de cada grupo de pessoas ou região mundial.

O mito ou delírio da perfeição, como se sabe, torna-se invariavelmente uma busca

patológica pela não aceitação ou admissão da falibilidade.

Seguindo tal perspectiva doentia, o Direito, ao se exercitar e deparar em sua negação

idealizada ante inevitáveis imprecisões e hesitações, além de eventuais ineficiências sociais,

passaria a sofrer ainda maior abalo no referencial de si próprio, exatamente porque não

suportaria a consciência de sua vulnerabilidade e contradição.

A não aceitação de incompletude e falibilidade conduziria o Direito a não permissão

de sua natureza e origem humanas, recusando o pecado original do autoconhecimento, ao

mesmo tempo em que evitaria o nascimento da liberdade.

Na perplexidade de sua indeterminação e na negação de sua condição de falível, o

Direito procuraria proteger-se do rompimento da condição paradisíaca idealizada, arraigando-

se na luta obstinada pela perfeição como valor fundamental, passando a desenvolver delírios e

alucinações onde a realidade e a ilusão se misturariam em contornos nitidamente

patológicos55

.

55

O filme Cisne Negro (Direção de Darren Aronofsky, com Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel,

Barbara Hershey e Winona Ryder- 2011) é dedicado às imperfeições humanas e a busca obsessiva e destrutiva

pelo perfeccionismo com a completa exatidão e impecáveis atuações, evidenciando nossas representações

sombrias. Interessante registrar que, no filme, o espelho tem participação importante no questionamento e

confronto direto entre os lados puros e lúgubes da personagem principal (Nina).

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O Direito passaria, desta forma, a adotar uma posição de controle social-disciplinar56

ainda mais severo, determinando padrões de gostos e modelos de conduta que deveriam ser

seguidos pela massa social, criando um sistema de observação e domínio das ações

individuais.

Mesmo em surto, o Direito captaria, tal como Aldous Huxley57

, a ideia de que a

domesticação das singularidades, a supressão das liberdades pessoais, o nivelamento dos

indivíduos, o resfriamento das consciências mediante a repetição de ideais de ordem, a

obliteração de fatos, a racionalização das paixões e o enfraquecimento das resistências

criativas facilitam a eliminação de qualquer tentativa de dissensão, possibilitando a

continuidade, sem oposição, das manifestações de arbitrariedade estatal58

, comumente

expressas como a “segurança jurídica”, a “paz pública59” ou “ordem e progresso”

60.

Por outro lado, passada a fase eufórica e ante o desespero da impossibilidade de

alcançar a autofigura amada e espelhada e ingressando em fase depressiva, o Direito ver-se-ia

como incapaz de manter minimamente a democracia.

56

É certo que agora as fronteiras geográficas são percebidas sem limites frente à mundialização do capital,

fazendo com que o poder se torne difuso de acordo com o imperativo do consumo e controle a sociedade pela

ameaça de exclusão e eliminação dos que ousam se colocar fora dos domínios do mercado. Assim, o Direito, ao

agir em tal contexto, atuaria, como disse Giorgio Agamben, desbussolado com as metas de administrar, criando

medidas normativas, visando a exterminar as desmedidas resistentes, da mesma forma como o poder (biopoder,

na expressão de Michel Foucault) atua contemporaneamente, visando a controlar tanto a vida qualificada

politicamente (bios) quanto a vida nua (zoé, a vida fora da organização sociopolítica). AGAMBEN, Giorgio,

Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Título original: Homo sacer- Il potere sovrano e la nuda vita,

Belo Horizonte: Editora Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG, 2002. 57

HUXLEY, Aldous, Admirável Mundo Novo, título original Brave New World, tradução de LinoVallandro e

Vidal Serrano, Rio de Janeiro: Editora Globo, 2009. 58

No dizer de Foucault, poderíamos identificar essa atividade como típicas do Panoptismo que, pela vigilância,

controle e correção caracterizaria as relações de poder atuais. A vigilância dos indivíduos não restaria apenas nos

limites da legalidade e dos atos cometidos, mas atingiria o que se é, não o que se faz, mas o que se pode fazer

estando todos submetidos a uma grande pirâmide de olhos. FOUCAULT, Michel, A verdade e as formas

jurídicas, título original La verité et les formes juridiques, tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e

Eduardo Jardim Morais, 3ª edição, 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003, p. 103 e sgts. 59

Qualquer dúvida a respeito de tais possibilidades pode ser facilmente dissipada pela análise dos fenômenos

políticos do século XX. 60

Fazemos aqui referência ao lema nacional brasileiro utilizado na bandeira nacional idealizado por R.Teixeira

Mendes. A expressão é a forma abreviada do positivismo de Augusto Comte de "O Amor por princípio e a

Ordem por base; o Progresso por fim" (no original : L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour

but.). O sentido de realização dos ideais republicanos como a busca de condições sociais básicas, com respeito

aos seres humanos, salários dignos e o melhoramento do País em termos materiais, intelectuais e,

principalmente, morais chegou a ser desvirtuado pelo regime ditatorial no período de 1964 a 1985, quando se

confundiu ordem com ausência de crítica e progresso com concentração de renda. Talvez se a palavra Amor não

tivesse sido suprimida, as possibilidades sociais e ideológicas fossem outras.

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Mostrando-se apático ou impotente perante aos abusos do Estado contra o cidadão, o

Direito optaria por deitar-se com a confortável máscara da ordem e a morna manta da

segurança para não ter que se levantar e verificar o que está acontecendo. Sua fuga de tal

sofrimento dar-se-ia por meio da fantasia da libertação pelo alívio da indiferença.

Apegado a tal leniência, fadado à demora de resposta aos atos sociais e conformado

com a própria ausência de resistência ao arbítrio, acabaria o Direito por fortalecer os métodos

tradicionais de controle social.

Agindo em tal comorbidade edipiana61

com o poder oficial, contribuiria o Direito

omissivamente com os mecanismos de atração das pessoas para a órbita estatal de inclusão e

normalização. Cooperaria, portanto, na sedução dos indivíduos para submetê-los a um modo

específico e limitado de socialização, fornecendo-lhes as identidades comportamentais

desejadas e fixando-lhes os papéis sociais autorizados, sem possibilidade de dissensão,

excluindo-os, consequentemente, dos círculos outros de livre pensar e agir.

Passaria o Direito, em tal quadrante, a transformar juízes e tribunais em Pinóquios ao

contrário, ou seja, de crianças criativas, imaginativas, com espírito de aprendizagem,

liberdade, curiosidade inventiva e sensibilidade fecunda, os transformaria em bonecos de

madeira, facilmente manipuláveis e sem qualquer consciência grilídea falante agora

emudecida.

Pode ser, ainda, que, em algum dia da terapia em grupo, o Direito manifestasse formas

mais brandas dos sintomas, como a hipomania, modos mais suaves de estado de humor

elevado e expansivo.

Poderia ainda vivenciar a ocorrência de episódios mistos, com alternância, em um

mesmo dia, entre depressão e mania; ou talvez desenvolvesse transtornos ciclotímicos

(ciclotimia), em que haveria uma alteração crônica e flutuante do humor, marcada por

61

Comorbidade edipiana aqui entendida como o conjunto de sequelas comportamentais, principalmente no que

diz respeito a, por assim dizer, realidade profana do incesto entre o Direito e o poder oficial estatal, no desejo

edipiano de redução do triângulo (Sociedade- Estado-Direito) em uma díade (Direito-Estado), com a maldição

daí decorrente. Em tais circunstâncias, identificamos poder com opressão no sentido do Direito deixar de ouvir a

Sociedade e fixar-se nos desejos do Estado.

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numerosos períodos com sintomas maníacos e outros tantos com sintomas depressivos, que se

alternariam, também variando em quantidade e intensidade.

Tais circunstâncias provocariam facilmente a confusão com a natureza do seu jeito de

ser, agora tida como marcada pela instabilidade do humor.

Tal vivência patológica não possuiria, por óbvio, qualquer prognóstico positivo nem

para o Direito nem para ninguém, afetando-se fortemente a Democracia, a Liberdade, a

Igualdade e a Justiça.

Na mesma perspectiva enfermiça, outras circunstâncias poderiam ainda afetar o

sentido/identidade do Direito, como a oscilação destoante entre o sentido/identidade

idealizado e a prática/realidade vivenciada.

Assim, podemos imaginar, na mesma alegoria, o Direito em meio ao seu sofrimento

em busca de um sentido/identidade e sem consciência de seus comportamentos patológicos,

como que atingido por uma realidade tão forte e dura que o impossibilitasse de lidar de

maneira saudável e firme com o poder da decisão e condução das ações.

Não conseguiria o Direito, nestas condições, nem enfrentar dita realidade nem a ela se

opor62

. Agiria assim, seja por sua fragilidade psíquica ou maturidade débil, seja por

impotência material, seja por evitar ter que assumir a responsabilidade de negação do que

62

Recorde-se o personagem Inspetor Javert, de Os Miseráveis, de Victor Hugo, e seu suicídio após ser vencido

pela rebelião íntima que reconheceu a bondade de Jean Valjean e acatou a existência de outras dimensões que

não a fé cega e dogmática da ordem até então reverenciada. Disse o autor:"(...) Javert sofria as singulares dores

de uma consciência subitamente operada da catarata. Via o que lhe repugnava ver. Sentia-se vazio, inútil,

deslocado da sua vida passada, destituído, dissolvido. A autoridade morrera nele. Já não tinha razão de ser. (...)

Ser o granito e duvidar! Ser a estátua do castigo fundida no molde da lei, e, de súbito, dar fé de um não sei quê

de absurdo e indócil por baixo do peito de bronze, que quase parecia um coração! Chegar a ponto de pagar o

bem com o bem, posto que, até então, reputasse aquele bem como o mal! Ser cão de guarda e não morder! Ser

gelo e não derreter! Ser tenaz e torna-se mão! Sentir abrirem-se-lhe de repente os dedos, largar a presa! Coisa

medonha! (...) Ser obrigado a confessar que a infalibilidade não é infalível, que pode haver erro no dogma, que

um código não prevê tudo, que a sociedade não é perfeita, que a autoridade é complicada de hesitação, que pode

dar-se um abalo no imutável, que os juízes são homens, que a lei pode enganar-se, que os tribunais podem errar!

Ver uma fenda na imensa vidraça azul do firmamento!(...)". HUGO, Victor, Os Miseráveis, in Obras de Vitor

Hugo, Volume II, Porto: Lello & Irmãos- Editores, 1969, p.1191/1192.

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imaginava ser (ou que poderia ser) bem como por medo de verificar que está só, velho e perto

da morte63

, além de estar sendo superado por outras maneiras de alcançar a Justiça.

Em tais circunstâncias, o Direito também poderia desenvolver uma atitude de

dissociação defensiva64

.

Desta forma, atravessando conflito interno, intenso e insuportável, o Direito poderia

passar por um processo inconsciente de dissociação.

Poderia passar a separar (dissociação) conhecimento, informações ou sentimentos

incompatíveis ou inaceitáveis oriundos do pensamento (realidade) consciente e a denotar um

sentimento de distanciamento ou estranhamento de si, como se estivesse apenas assistindo a si

próprio em um sonho ou filme, aliado a certa anestesia sensorial, com ausência de resposta

afetiva e sensação de não ter o controle das próprias ações, incluindo a fala.

Em dita situação, mesmo consciente de que algo errado se passa consigo, inclusive

com a percepção de sintomas depressivos, de ansiedade e mesmo perturbação do sentido do

tempo, com a sensação diferente e irreal do mundo, não conseguiria o Direito superar tais

circunstâncias patológicas.

Sentiria ele como que sua personalidade estivesse sendo sugada, só deixando o vazio

íntimo, o que o levaria a isolar-se ainda mais na busca solitária e obsessiva de uma causa para

tais sintomas, chegando mesmo a pretensiosamente realizar o próprio diagnóstico.

Tal percepção, obviamente, seria limitada pela falta de significância afetiva

vivenciada, levando-o ainda mais ao distanciamento da realidade e crescente inibição

emocional e demasiada introspecção.

Em tais conjunturas, o Direito poderia manifestar-se não com sintomas bem definidos,

mas apenas com insatisfações difusas e vagas, como se a vida já não tivesse finalidade,

63

Sabe-se que, ao contrário da alegoria proposta, para algumas pessoas o medo desaparece na velhice, e a

proximidade da morte e a percepção de que não há mais nada a perder, fazem com que se diga o que sempre se

quis. 64

A forma mais conhecida das dissociações é o transtorno dissociativo de identidade, conhecido antigamente

como transtorno de múltiplas personalidades.

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descrevendo sentimentos de vazio e existência fútil, com incapacidade de progredir e

episódios cada vez mais frequentes de depressão. Então, desenvolveria atitudes mórbidas

ainda mais complexas.

Ademais, não se descarta analogicamente a possibilidade da ocorrência do chamado

fenômeno kindling65

, o que proporcionaria permanentes mudanças comportamentais do

Direito.

O fenômeno kindling alude à ideia de que se uma pessoa portadora de transtorno

permanecer sem tratamento imediato inicial e por certo período, pode sofrer o

desencadeamento de crises sem a necessidade de fatores externos, tornando-se ainda

resistente aos medicamentos e ensejando maiores dificuldades em tratamentos futuros.

Indica-se, com efeito, que o paciente se comporte com seriedade e sinceridade,

procurando auxílio terapêutico sem interrupção e discorrendo sobre sua vivência, evitando

elementos reconhecidamente potencializadores dos transtornos.

Fazendo paralelo com o Direito e sua reação às tentativas de amesquinhamento de sua

função social protetora dos arbítrios estatais e garantidora de liberdades e igualdade social de

oportunidades, pode-se imaginar, assim, que caso o próprio Direito não reagisse de forma

imediata, clara e efetiva contra as primeiras ações de redução ou controle de seu papel

democrático, as próximas investidas doentias, sejam estas do Estado ou de particulares

desejosos de manipulá-lo, seriam cada vez mais fáceis e frequentes.

Caso tais circunstâncias malsãs continuassem, em pouco tempo a personalidade antes

sadia e produtiva entraria em crise de identidade, desenvolvendo os distúrbios já expostos,

65

O termo kindling remonta à ideia de que para colocar fogo em um tronco numa lareira pela primeira vez são

necessários vários fatores em conjugação, mas o processo se torna mais fácil se utilizados pequenos pedaços de

madeira –gravetos ou kindling - em torno do tronco. Com o passar do tempo, não são mais necessários fatores

externos para o desencadeamento de transtornos, ocorrendo estes em frequência espontânea crescente caso não

ocorra intervenção terapêutica, tornando-se recorrente e resistente ao tratamento. Aponta-se, portanto, a

indicação de tratamento intensivo logo após a detecção do primeiro episódio para evitar a sensibilização cerebral

aos medicamentos. A expressão foi utilizada por Graham Goddard, em 1967, e o Dr. Robert M. Poste, do

Instituto Nacional de Saúde Mental (E.U.A.), foi o primeiro a aplicar o modelo de kindling à desordem bipolar

(NARSAD). Ver PURSE, Marcia, The "Kindling" Model in Bipolar Disorder in About.com Health's

Disease and Condition content is reviewed by the Medical Review Board disponível em

http://bipolar.about.com/cs/brainchemistry, acessado em 09 de fevereiro de 2013.

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podendo até mesmo assumir definitivamente uma personalidade enfraquecida e precária que

padece de sintomas debilitantes e degenerativos.

Fizemos questão de descrever ditos sintomas com o intuito de facilitar a percepção que

muitas vezes o Direito, por via de seus agentes, se comporta de forma enfermiça e que os

transtornos descritos podem ser apontados como características mórbidas do normativismo.

Na verdade, por seu formalismo excessivo, o normativismo inibe o desenvolvimento

de uma sociedade crítica e autônoma, reduzindo artificialmente66

o espectro dos direitos

materiais ao diminuir a participação democrática das pessoas e reduzir-se o exercício da

cidadania.

De igual forma, ao não valorizar as pessoas vivamente, ao não perceber as

circunstâncias complexas do caso concreto nem levar em consideração as realidades humanas

envolvidas e a necessidade de atualização social das interpretações, afasta o normativismo o

Direito e a Justiça da realidade, fixando-os na autoilusão narcísica.

Ademais, por ser o sujeito do conhecimento evidentemente uma pessoa e sendo certo

que o conhecimento é realizado por via de realização recíproca de influências, restam

evidentes ampla valoração subjetiva e ausência de neutralidade67

ou desinteresse em qualquer

atividade humana.

Desta forma, sendo o Direito e a Justiça frutos de atividade humana e de experiências

vivas, inevitavelmente se revestem das mesmas características de estarem em constante

formação e abertos às situações concretas nem sempre apreendidas ou traduzidas em normas.

Cremos que apenas após nos livrar da maldição espontânea do autoencantamento,

partindo da verificação de que as normas são condicionadas por juízos de valor e admitindo

que estes servem para responderem pela justiça do Direito aplicado,visando à felicidade

comum, é que poderemos, posteriormente, fixar as atenções no caso concreto em exame. Só

com tal base real e sensível poderemos atentar para suas particularidades, características e

66

Sabe-se que regimes autoritários se muniram de hermetismo de linguagem e excessos de formalismo

justamente com o fito de impedir o acesso à jurisdição. 67

BELTRÁN, Jordi Ferrer, MORESO, José Juan, PAPAYANNIS, Diego M. (Eds). Neutralidad y teoria Del

Derecho, Madrid: Marcial Pons, 2012.

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influências, com o intuito de melhor adaptar e acomodar as normas gerais ao caso específico.

Obviamente não defendemos a adoção de nenhum informalismo arbitrário, mas apenas

salientamos a necessidade de sempre ser procurada a ideal mediação entre o caráter abstrato

do sistema e as exigências das hipóteses singulares e concretas.

Tudo isso denota evidente consciência da incompletude, não apenas da norma, mas

também do Direito em si e das pessoas.

Necessitamos, pois, nos valer de outros saberes e do diálogo com experiências

externas como maneira de temperar-se a vida dos códigos com os elementos incertos e

inconstantes da vida real, adicionando seus componentes fáticos acidentais e elementos

particulares, bem como acrescentando as decorrentes implicações éticas, políticas e sociais

contextuais e não uniformes.

Na verdade, a própria dinâmica do mundo o torna um mundo de oportunidades em

permanente (re)construção, na vivência de uma realidade que se equilibra entre o passado

determinado e o futuro de possibilidades sempre atualizado, podendo-se exaltar os processos

de interação e experiências como maneiras de aquisição do conhecimento.

Neste aspecto o Direito, por mostrar-se como resultado da atividade do conhecimento,

do poder e das escolhas, é expresso como hipótese de ação transformadora, capaz de

restabelecer o equilíbrio rompido por uma situação de perplexidade institucional ou social.

Ocorre que tal lógica não compreende apenas a capacidade de identificação das

dificuldades ou a descoberta e utilização dos dados e conhecimentos em curso, aliada à

criação de solução, mesmo que provisória68

. É que o Direito é uma atividade viva e em

decurso de permanentes reajustamentos e incompletudes, o que inclui, inevitavelmente, a

percepção e atuação dos seus agentes sobre o seu meio e este sobre aquele.

68

Dewey indicava a produção provisória do conhecimento como “assertibilidade garantida” (warranted

assertibiity). DEWEY, John, Logic, The Theory of Inquiry, conforme TEIXEIRA, Anísio, ROCHA E SILVA,

Maurício, Diálogo sobre a lógica do conhecimento, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p.95.

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Por não agir por si, necessita o Direito de que seus agentes atuem em defesa da

elaboração de sua identidade/sentido, mesmo na inconstância do homem, do seu meio e do

sentido da vida. Tal atuação dá sentido ao Direito, além de sua linguagem69

, em processo

perene de autocorreção através do pensar, vivenciar e sentir dos seus agentes.

Ditos processos ocorrem em uma cultura repleta de sistemas de sinais, significações,

símbolos, instituições, tradições, crenças e sentimentos que os impregna e transforma em

constante e necessária integração social humana capaz de restabelecer o equilíbrio entre o que

o Direito pensa ser, o que é e o que deseja se tornar.

Uma das formas de inclusão social do Direito pode dar-se, pois, pela superação de sua

morbidez egocêntrica e passa pela aceitação de sua necessidade de perceber70

o outro.

Para perceber há necessidade de se conviver com as pessoas e com outras disciplinas,

com a urgência do restabelecimento dos vínculos afetivos e acolhimento do outro tido não

mais como o diferente, mas como próximo. E apenas a proximidade causa intimidade,

circunstância essencial para a compreensão.

Assim, o inverso do conjunto de doenças71

causador dos distúrbios pode dar-se pelo

retorno do Direito ao verdadeiramente humano, no reconhecimento da alteridade, empatia e

solidariedade72

.

69

Registre-se o fato de que, malgrado a linguagem poder ser considerada a representação simbólica da realidade,

esta só pode ser realmente (re) presentada se for (re)vivida e não apenas presumida ou imaginada, daí a

importância crucial para o justo das normas e decisões judiciais guardarem intensa proximidade com a realidade

social e cultural em que estão inseridas. 70

Preferimos o termo perceber em lugar de compreender. É que compreender pode ser entendido como exercício

racional, enquanto perceber aqui utilizado implica o equilíbrio razão-emoção. Assim, percebemos os outros não

apenas pelos nossos sentidos, mas pelos nossos sentimentos. 71

Edgar Morin indica como patologia contemporânea do pensamento a hipersimplificação que não deixa ver a

complexidade do real, o idealismo que oculta a realidade, o doutrinarismo e dogmatismo que fecham a teoria

nela mesma, encapsulando-a, e na racionalização que não reconhece o irracionalizável. MORIN, Edgar,

Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe, tradução de Eliane

Lisboa, 3ª edição, 2007, Porto Alegre: Editora Sulina, p.15. 72

Observe-se que, em vez de defesas de ditaduras militares, oposições às democracias, omissões ante a

exploração humana, bem como ocupações militares em nome da liberdade e tantas outras ações que confirmam

ódios e atraem e fomentam o terrorismo, a solidariedade pode ser o caminho de superação das diferenças e

redenção dos pecados políticos americanos. Neste aspecto, registra-se a carta aberta ao Presidente Bill Clinton do

Bispo Robert Bowman que fora piloto de caças militares no Vietnã, intitulada "Truth is, we're terrorized because

we're hated". BOWMAN, Robert, Truth is, we're terrorized because we're hated, carta aberta de 08 de

outubro de 1998 ao Presidente Bill Clinton, publicada no National Catholic Reporter;10/02/98, Vol. 34 Issue 42,

p17, disponível em http://www.islandnet.com/plethora/wtc/bowman.html, acessado em 13 de setembro de 2013.

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Para tanto, há que direcionar a informação fonte de poder para informação criadora de

cidadania73

, com as consequentes críticas74

ao modelo econômico e social hegemônico,

produtor e reprodutor da desigualdade.

Ademais, o desempenho jurídico e judicial nessa acepção há que ser diária,

eliminando-se cotidianamente todas as formas de opressão e violação de Direitos, de maneira

a gerar uma cultura de escuta, acolhimento, cuidado e solidariedade por parte de seus sujeitos

e agentes75

.

73

Podemos pontuar como exercícios de uma cidadania contemporânea com características específicas de não

vinculação a partidos políticos, sindicatos ou mesmo a movimentos sociais estruturados, as recentes

manifestações populares brasileiras convocadas principalmente através da internet, como as ações dos operários

da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia (17 de março de 2011). Notícias a respeito em

http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/03/17/canteiro-de-obras-da-hidreletrica-de-jirau-tem-nova-rebeliao-

de-trabalhadores-924030073.asp, acessado em 30 de junho de 2013. Ou o motim de 470 bombeiros cariocas em

04 de junho de 2013, que contou com posterior anistia. Notícias disponíveis em

http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/03/17/canteiro-de-obras-da-hidreletrica-de-jirau-tem-nova-rebeliao-

de-trabalhadores-924030073.asp, acessado em 30 de junho de 2013. Ou a marcha da liberdade em18 de junho de

2011 em vários Estados que inicialmente começou defendendo a liberação da maconha, mas depois passou a

envolver a defesa conjunta de diversos temas não necessariamente correlacionados. Informações disponíveis em

http://www.marchadaliberdade.org/, acessado em 30 de junho de 2013. Ou mesmo a marcha para Jesus,

movimento evangélico que ocorre em todo o Brasil. Informações disponíveis em

http://www.marchaparajesus.com.br/, acessado em 30 de junho de 2013. Ou ainda as já anuais Paradas Gays ou

em defesa da diversidade sexual em 26 de junho de 2013 em vários Estados. Informações em

http://www.paradasp.org.br/, acessado em 30 de junho de 2013. Registrem-se ainda os chamados "flashmob", ou

seja, manifestações-relâmpago em ambientes previamente selecionados, como shoppings, ambientes acadêmicos

ou eventos políticos, onde normalmente a criatividade e o bom humor são a tônica dos protestos. Observe-se

ainda que as manifestações citadas foram presenciais, sendo certo que existem inúmeras outras mediante a

utilização das redes sociais mas que da mesma forma mobilizam milhares de pessoas em demonstrações

populares sem hierarquia que permita identificar lideranças. Manifestações semelhantes que discutem as diversas

formas de inclusão social ocorrem atualmente no mundo inteiro, com instantânea superação das barreiras

territoriais, mesmo que as motivações contextuais sejam diferentes. Não é de todo arriscado poder-se adiantar

que novos sistemas de representações sem intermediários estão surgindo, dentre eles o chamado ativismo on line.

Nas primeiras semanas de junho de 2013, vários movimentos de composição heterogênea e apartidária, com

diversos matizes que incluíam protestos contra aumento da tarifa de ônibus, manifestação contra a corrupção,

apoio à liberdade de expressão e de várias outras ordens eclodiram nas principais capitais brasileiras.

Inicialmente reprimida com violência pela Polícia Militar, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, o

movimento obteve amplo apoio popular, conseguindo a mobilização do Congresso Nacional para votação de

várias matérias em benefício da cidadania e garantia da atuação do Ministério Público (rejeição da chamada PEC

37). Ver http://g1.globo.com/, acessado em notícia em 19 de junho de 2013. 74

Registre-se, ainda, que a figura do manifestante (The Protester) foi reconhecida pela revista Times como a

pessoa do ano de 2011, estabelecendo-se três categorias principais: 1- os insurrectos da Primavera Árabe que

pedem mudança de regime, 2- os indignados europeus, desempregados e/ou ameaçados pela crise econômica e

3- os manifestantes americanos do movimento Ocupe Wall Street, contrários às desigualdades e o capital

financeiro. Cfr. http://www.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,2101745_2102132,00.html,

acessado em 29 de dezembro de 2013. Registramos, ainda, que as manifestações recuperam a ideia fundante da

democracia de que as ações cidadãs, mesmo aparentemente individuais e isoladas, podem acarretar adesões e

mudanças coletivas. A nova sensibilidade social que aparenta se consolidar indica podermos nos referir ao

surgimento de formas de revolução ou pelo menos oposição, agora caracterizadas pela imediatez, velocidade de

informações e descoberta da importância da subjetividade relacional. 75

Podemos citar como exemplo simples de resgate social da solidariedade e ativação da cidadania a chamada

“multa moral”. Na cidade de Itatiba, interior de São Paulo-Brasil, quem escapa da fiscalização do trânsito e

estaciona irregularmente em local destinado a deficientes e a pessoas com mobilidade reduzida, pode levar uma

“multa moral” de qualquer pessoa do povo. Na verdade, nada é cobrado e o infrator recebe apenas uma

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Agindo assim e apostando na autonomia e cidadania de todos, agiria o Direito como

verdadeiro agente de reinserções sociais.

No entanto, para a conquista de um sentido social, há o Direito de continuar superando

suas tentações autistas e seduções utilitaristas.

Tal dinâmica ainda se encontra em exercício, valendo a pena registrar, mesmo que em

apertada síntese, como os movimentos tendentes à recuperação das dimensões humanas mais

profundas do Direito começaram no pós-guerra de 1945, pelo reavivamento das ideias do

Direito Natural.

4- A oscilação resurgente do Direito Natural

Conquanto as várias possibilidades de conformação das doutrinas jusnaturalistas e sua

apresentação histórica, Norberto Bobbio76

coliga dois critérios para suas identificações.

Assim, uma doutrina é tida como jusnaturalista quando, a saber: 1- admite o Direito

Natural como Direito e 2- afirma a superioridade do Direito Natural frente ao Direito Positivo,

associando tais características à unidade substancial da inspiração primeira77

, qual seja, a de

impor limites ao poder do Estado.

O pós-guerra na metade do século XX trouxe a possibilidade de renascimento da ideia

do Direito Natural, com vários ciclos de fortalecimento e enfraquecimento, retorno, revisões e

novas leituras, malgrado logo depois revelar seu enfraquecimento.

O pensamento jurídico mundial, especialmente o europeu, diante das dramáticas

revelações das ideologias irracionais do Terceiro Reich e da conivente entrega da legislação

nazista com a cumplicidade dos doutrinadores, juristas e juízes germânicos, desenvolveu

advertência impressa em que se pede a não repetição da conduta e propõe-se a reflexão sobre o ato. Notícia

disponível em http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/?hashId=itatiba-tem-multa-moral-para-os-motoristas-

infratores-04029A3472CC991327&mediaId=9133945, acessado em 09 de fevereiro de 2013. 76

BOBBIO, Noberto. Locke e o Direito Natural, título original Locke e il diritto naturale, tradução de Sérgio

Bath, Brasília: Editora UnB, 1997, p.45. 77

Norberto Bobbio identifica o Direito Natural não como uma moral, mas como uma teoria da Moral, ou seja,

um conjunto de argumentos elaborados sistematicamente com o objetivo de dar a uma moral, qualquer que seja

seu conteúdo, uma justificação racional apta ao convencimento. BOBBIO, Noberto. Locke e o Direito Natural,

ob. cit. p.58-65.

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reflexões a respeito do positivismo legalista e da existência de valores acima do sistema

jurídico vigente.

Podem ser identificadas várias correntes de tais pensamentos neojusnaturalistas78

,

tendo todas o traço comum de buscar algo superior e constante no Direito ou além dele, que

se possa contrapor às possíveis injustiças da norma e às arbitrariedades do Estado.

O paradoxal e inusitado é que os componentes do sistema judicial alemão, cuja

composição continuou praticamente íntegra mesmo após iniciais julgamentos dos que

participaram efetivamente dos tribunais de exceção, passaram imediatamente a exortar o

retorno ao Direito Natural.

Assim, reafirmaram os juízes recém-retirados do sistema nazista que acima de todas as

leis de um governo democrático existe um sistema jurídico superior, uma ordem de valor

preexistente e vinculante, fonte de onde todas as leis adquirem sua força vinculante interna79

.

Na verdade, o raciocínio continuou o mesmo, só que abandonando a justificação da

vontade do Führer para passarem às pressas para a idealização de padrões suprapositivos que

submetiam até mesmo a Constituição80

.

Os argumentos apresentados surpreendentemente continuaram muito assemelhados

aos utilizados no período nazista de véspera, qual seja a captação dos critérios de julgamento

mediante um sentimento de certeza interno e por via de um exercício sincero da razão por

78

Da mesma forma que não cabe a esta pesquisa maiores aprofundamentos a respeito das diversas correntes

contemporâneas sobre o positivismo, assim também não nos aprofundaremos sobre as mais recentes abordagens

referentes ao Direito Natural. Neste aspecto, Arthur Kaufmann identifica várias correntes, tais como o

neopositivismo (H.U.Evers), o funcionalismo (Niklas Luhmann, entre outros), teoria fenomenológica (Edmund

Husserl), estruturas lógico-objetivas (Hans Welsel) e o neo hegelianismo (Julius Binder), além das correntes

formais (teoria analítica, teoria das normas, lógica jurídica, tópica, retórica), entre outras. KAUFMANN, A.;

HASSEMER, W. (Orgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas,tradução

de Marcos Keel. Lisboa: Fundação Gulbenkian 2002, p. 126-133. Para uma visão geral a respeito, ver SICHES,

Luis Recasens, Jusnaturalismos actuales comparados, Madrid: Universidad de Madrid,1970. 79

WEINKAUFF, Herman, presidente da Corte Suprema Federal, in Der Naturrechtsgedanke in der

Rechtsprechung des Bundesgerichtshofes em: W. Maihifer (Edit): Naturrecht oder Rechtspositivismus,

1962, p.557, citado por MÜLLER, Ingo, Los Juristas del Horror – la “Justicia” de Hitler: el passado que

Alemania no puede dejar atras, Título original Furchtbare Juristen: Die unbewaltigte Vergangenheit unserer

Justiz, tradução de Carlos Armando Figueredo, Bogotá: Libreria Jurídica, 2009, p.318. 80

Entscheidungen des Bundesgerichtshof in Zivilsachen Amtliche Sammlung –BGHZ (Coleção oficial das

Decisões da Corte Suprema Federal em matéria civil) 11,Suplemento 34, citado por MÜLLER, Ingo, ob. cit.

p.319

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parte de um juiz com mentalidade jurídica e com experiência, além de um grau relativamente

amplo de intuição confiável81

.

Percebemos facilmente que a vagueza e amplitude de tais termos permitiram a defesa

de valores estáticos e tradicionais, ao mesmo tempo em que não representaram qualquer

oposição à continuidade de interpretações judiciais de acordo com as preferências e adesões

ideológicas dos julgadores cooptados pelo nazismo82

.

A doutrina seguiu a mesma senda, e de acordo com Antonio Castanheira Neves83

a

tentativa de restauração no pensamento jurídico alemão do Jusnaturalismo, ainda que agora

menos com fundamento ontológico ou ontológico-antropológico do que axiológico, teve por

base o Neojusnaturalismo reconhecedor de referido “direito supralegal” além do posto.

Tal configuração levaria ao sentido fundamental da justiça e se haveria de designar

pela expressão secular de “Direito Natural”. Afirmava-se ainda que nos casos extremos de

violação pela lei positiva de tal Direito Natural supra legal, haveria como considerar aquela

como não direito e, portanto, sem validade.

Nessa corrente restaurativa, recorda Antonio Castanheira Neves, que Cabral de

Moncada84

indicava um Direito Natural não mais cosmológico, nem antropológico, tampouco

teológico, nem racionalista, mas simplesmente um Direito Natural axiológico fundado na

própria essência objetiva dos valores. Segundo o autor, tal conteúdo axiológico ou ético-

material constitutivo do Direito viria de uma pré-dada ordem de valores e possibilitaria que a

reflexão filosófica jurídica retornasse ao seu sentido “edificante” e não apenas

intencionalmente regulativo.

81

WEINKAUFF, Herman, presidente da Corte Suprema Federal, in Der Naturrechtsgedanke in der

Rechtsprechung des Bundesgerichtshofes em : W. Maihifer (Edit): Naturrecht oder Rechtspositivismus,

1962, nota 20, citado por MÜLLER, Ingo, ob. cit. p.319 82

Ver MÜLLER, Ingo. Ob. cit. principalmente Terceira Parte, La Continuación – p.286-416. 83

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, A Crise Actual da Filosofia do Direito no contexto da crise global da

Filosofia – tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação- Coimbra: Coimbra Editora, 2003,

p.37-38. 84

MONCADA, Cabral de, O Problema do Direito Natural o e sa e to o te por eo- orac o de

sapiência proferida na abertura solene da Universidade, no dia 17 de outubro de 1949, in Estudos

Filosóficos e Históricos, II, 268, citado por CASTANHEIRA NEVES, Antonio, ob. cit. p.38, nota 32.

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52

Voltou-se, na mesma época, ao entendimento da possibilidade de se encontrar a

“natureza das coisas” como forma de combate ao positivismo e modo de identificar nessa

mesma natureza uma fonte e critério materialmente decisivos para as soluções normativo-

jurídicas85

. Tal natureza se manifestaria concretamente e revelaria seu sentido teleológico-

normativo.

Registre-se, no entanto, o fato de que, por tal direito considerado natural não se

fundamentar na justiça na norma, mas na natureza corpórea das coisas ou anímica do homem,

sendo estas, apesar de mutáveis, constantes, por períodos consideráveis, há sempre boa

margem de inúmeras possibilidades de configuração, manifestação e percepção.

Seguindo a exposição de Antonio Castanheira Neves, a terceira perspectiva, mesmo

sem intenção restauracionista do Direito Natural, afirmou-se no existencialismo jurídico.

Conquanto as profundas diferenças entre vários autores86

, partem as percepções

existencialistas basicamente do entendimento de que a existência precede a essência.

Nesta concepção, a ênfase é concentrada na pessoa, entendendo que os pensamentos,

ações, sentimentos e vivências do ser humano surgem no mundo e só depois é que são

definidos. O indivíduo é, portanto, o único responsável em por significado à sua vida e a vivê-

la sinceramente, no que pesem as angústias e dúvidas.

O existencialismo jurídico seguiu, em apertada síntese e de acordo com Antonio

Castanheira Neves, duas orientações87

. A primeira com base nas ideias de Martin Heidegger

que via na existência (Dasein) finitude e temporalidade do homem como ser-no-mundo, o

sentido próprio do ser humano e fundamento para a explicitação da base do Direito. A

segunda seguiu as perspectivas88

de Jean-Paul Sartre e Karl Jaspers, reforçando a dimensão da

85

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, ob. cit. p.39. 86

Mário Curtis Giodani entende que em Soren Kierkegaard predomina a angústia do ser; em Martin Heidegger,

a miséria do ser; em Karl Jaspers, a náusea do ser; em Jean Paul Sartre, a liberdade do ser; em Merleau-Ponty, a

linguagem do ser; em Albert Camus, o ser-e-a morte; em Gabriel Marcel, a esperança do ser; e, finalmente, em

Friedrich Nietzsche, o ser histórico. GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao existencialismo. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1976, p. 6 87

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, ob. cit. p.40. 88

Sabe-se que toda redução por simplificação, de correntes tão complexas e repletas de divergências internas,

encontra inevitavelmente graus de incompletude e insatisfação, mas cremos estarmos sendo suficientemente

objetivos ante as pretensões do presente trabalho. Ademais, maiores aprofundamentos podem ser recolhidos nas

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historicidade da existência humana, sendo a juridicidade produto de tal projeto histórico-

social do homem sobre si.

O Direito Natural de tais percepções afasta-se do sentido clássico e tradicional para ser

compreendido como resultado dialético das condições humano-sociais funcionalmente

concretas de acordo com as decisões a respeito das possibilidades da própria humanidade.

Antonio Castanheira Neves esclarece que, cedo, tal panorama de recuperação do

Direito Natural feneceu, proliferando reflexões filosóficas dispersas, sem orientação definida

e cogitações fragmentárias sobre o Direito.

Indica o autor que as perspectivas do Jusnaturalismo de matriz axiológica e a de

sentido existencialista mostraram-se nitidamente incompatíveis, contribuindo a última para

solapar a primeira. Refere-se ainda Antonio Castanheira Neves ao fato de que a perspectiva a

respeito da natureza das coisas não corresponde ao contexto cultural da época.

O Direito Natural revelou-se então de modo excessivamente plurissignificativo,

ostentando grave ambiguidade imprópria às incertezas vivenciadas no segundo pós-Guerra.

Ao lado de tais constatações, aponta o autor89

a concorrência de outras razões de tal

fracasso. Indica inicialmente que contra o absoluto dogmático que essas correntes tentavam

impingir, expressão de axiologia material na intencionalidade normativa, impunha-se o forte

pluralismo de sociedades do pós-guerra, sincronizado com a radicalidade de uma razão

crítica, tudo se convertendo em céptico relativismo.

Por outro lado, tomou força a crítica de que a natureza das coisas possuía uma visão

ahistórica, o que lhe retirava a base de sustentação. Ademais, foi combatida a ideia de uma

normatividade material universal, sendo também repudiada a feição normativista

jusnaturalista.

obras de Soren Kierkegaard, Edmund Husserl, Friedrich Nietzche, Martin Heidegger, Karl Jaspers, Jean-Paul

Sarte, Maurice Merlau-Ponty e Gabriel Marcel. 89

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, ob. cit. p.41-48.

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Diz Antonio Castanheira Neves que a tentativa de fazer coincidir o Direito Natural

concreto com o Direito Natural histórico, compreendendo o absoluto axiológico em termos

apenas formais, com pressupostos e valores permanentes sem acabada determinação

normativa (Direito Natural formal) a exigir concretização em conteúdos materiais de

determinação histórica, resultou em um Direito Natural de conteúdo historicamente variável.

Assim, a admissão de tal historicidade cultural da práxis relacional como projeção

temporal da humanidade, subtrai o essencialismo metafísico-ontológico ou onto-

antropológico do Direito Natural, negando-lhe as fundações.

Ainda explicitando os motivos do não êxito das ideias neojusnaturalistas, ressalta

Antonio Castanheira Neves que a índole da normatividade do Direito Natural, traduzida no

entendimento em termos de uma abstratividade a priori universalidade intencional, com

valores e princípios previamente fixados antes de sua concreta realização entra em conflito

com a ideia da polarização do Direito não mais apenas na norma, mas, sobretudo, na decisão

judicativa.

Tentaram conciliar essa objeção com a ideia de um Direito Natural concreto, expresso

em três versões.

A inicial corresponde ao antigo Direito Natural histórico, que admitia uma normativa

realização histórica-socialmente condicionada em que os valores e princípios invariantes

encontrassem sua concretização jurídica.

A segunda corrente não mais reproduzia o dualismo Direito Positivo e Direito Natural

para entender o Direito uno, histórico-socialmente constituído e vigente ante a assimilação

dos fundamentos axiológico-cultural, ético-humano ou crítico-racional. Na verdade, tal

corrente não mais distinguiu o Direito do que se considera Direito Positivo e "(...) a abandonar

a tensão-diferenciação objetiva da intencionalidade axiológico-normativa que sempre foi

essencialmente implicada na ideia de ‘direito natural"90

.

90

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, ob. cit. p.46.

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A terceira vertente tentou recuperar o sentido clássico romano do termo, afirmando

que o Direito Natural seria concreto porque seria o justo natural que a razão jurídico-natural

revelaria na ordem e natureza das coisas. O justo natural seria assim contrário ao justo

convencional, embora não concebido como imutável e superior, mas como modalidade de ius

revelada no conhecimento das coisas humano-sociais reais ou naturais.

Adverte Antonio Castanheira Neves que por entender o Direito como correspondente

às exigências da natureza, da equidade e da justiça, tal concepção atribui um sentido

jurisprudencial ao Direito Natural, em nada o diferenciando do Direito jurisprudencialmente

manifestado.

A grande abrangência dos diversos significados possíveis do Direito Natural, aliada à

percepção da contingência histórica dos valores e princípios decorrentes, na integração

dialética de fatores histórico-culturais-sociais com a subjetividade, desestimulou sua efetiva

adesão como fonte para verificar a criação e a aplicação prática das normas.

Tal panorama de fracasso no segundo pós-guerra, da restauração das ideias

jusnaturalistas, não tardou por favorecer que o positivismo jurídico voltasse à tona na

tentativa de dominação antifilosófica do pensamento jurídico. Identificamos a tendência

contemporânea nesse sentido mediante o funcionalismo e análise econômica do Direito.

5- O isolamento circular e o sentido desprovido de sentido

A Modernidade é havida como sinônimo de evolução técnica e demonstra, conforme

Zygmunt Bauman91

, seu esforço racional de ordenar o mundo, a vida e o ser humano, na

busca de uma lógica universal.

Esta razão, conjugada com previsibilidade dos eventos e modos de intervenção em

tudo e ao mesmo tempo, enseja uma atividade de transformação, criação e destruição, na ânsia

do progresso da humanidade rumo à empenhada perfeição.

91

BAUMAN, Zygmunt, Modernidade e Ambivalência, título original Modernity and Ambivalence, tradução

de Marcus Penchel, Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1999.

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Dita Modernidade consagrou, é corrente afirmar, a noção da pessoa como esteio da

sociedade liberal, com reflexos claros no culto às personalidades e na substituição das regras e

valores de convivência previamente estabelecidos por uma nova e hedonista valorização do

egoísmo utilitário.

Tal proceder deu origem, no dizer de Watson Christopher Lasch92

e, como vimos, a

uma espécie de narcisismo patológico que envolve elementos de insatisfação vaga, difusa e

permanente.

Tais comportamentos são caracterizados pela falta de empatia, comportamento

manipulativo, fantasias de grandeza, culto do “eu” e fórmulas comuns de autorreferência e são

paradoxalmente vivenciados por uma pluralidade de pessoas isoladas, o que faz aparecer nova

concepção de multidões, agora formadas por pessoas cada vez solitárias com suas específicas

reivindicações e psicologia própria, tudo diverso da realidade prevista por Gustave le Bon93

.

Acentua Cristovam Buarque94

, em termos sociais amplos, que, de 1960 a 1990,

fracassaram os militares na América Latina e o socialismo no Leste europeu, tendo o

capitalismo continuado a adaptar-se, mas também sem apresentar uma resposta satisfatória.

Ademais, o mundo descobriu os limites do crescimento e o vazio da civilização

industrial, sendo que, ao lado do aprofundamento das desigualdades sociais,

independentemente das fronteiras nacionais, os riscos da ciência e da tecnologia95

mostraram-

se evidentes.

92

LASCH, Watson Christopher, A Cultura do Narcisismo- a vida americana numa era de esperanças em

declínio, título original Culture of Narcisism- American life in age of diminishing expectations, tradução de

Ernani Pavaneli, Rio de Janeiro: Editora Imago, 1983 93

LE BON, Gustave, Psicologia das Multidões, título original Psychologie des Foules, tradução de Mariana

Sérvulo da Cunha, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008. 94

BUARQUE, Cristovam, A Revolução na esquerda e a invenção do Brasil, São Paulo: Editora Paz e Terra,

1992, p.16. 95

Dentre os inúmeros questionamentos a respeito dos possíveis efeitos futuros das mais recentes tecnologias,

pode-se exemplificar a possibilidade de responsabilidade civil do Estado perante os riscos para o meio ambiente

oriundos do sequestro geológico do carbono. Tal processo consiste na captura do dióxido de carbono nas

indústrias (comumente indústrias de produção de metais e cimento e fornecedoras de energia), transporte e

injeção como gás ou como líquido em um depósito subterrâneo a cerca de um quilômetro da superfície,

fechamento do depósito e monitoramento por centenas de anos. Detalhamento, ver CARVALHO, Lucas de

Lima, A responsabilidade civil do estado brasileiro perante os riscos para o meio-ambiente do sequestro

geológico do carbono. Coimbra: Revista CEDOUA, Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do

Urbanismo e d Ambiente. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nº 25, Ano XIII -1-10,abril de

2011, pp.41-53.

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Pode-se até dizer que os antigos partidos políticos revolucionários se acomodaram e

deixaram as utopias morrerem. No mesmo rumo, diz Cristovam Buarque96

, os partidos novos

já nascem sem utopias, dormem sem sonhos e são prisioneiros cansados dos sistemas dentro

dos quais vivem e lutam.

Os problemas sociais não solucionados, inclusive os da igualdade e liberdade, fazem

como que o final do século XX e o começo do século XXI evidenciem que todos os sistemas

sociais fracassaram, convivendo além das crises ecológicas97

e do sistema financeiro, com

insatisfação existencial, desemprego crônico e ampliação da distância social.

Essa percepção, no entanto, realista, não é atualmente acompanhada por linhas de

ações visando mudanças das contradições, quedando-se mais comumente na perplexidade, na

melancolia e no ceticismo, levando as pessoas ao desalento inativo e ao pessimismo

paralisante, conduzindo-os até mesmo ao amesquinhamento individualista.

Com isso, mesmo mantendo certa unidade mental, os indivíduos não mais

desenvolvem pensamentos e sentimentos exclusivamente no mesmo sentido comum, uma vez

que guardam intenso egoísmo e subjetividade. A personalidade individual permanece, pois,

conscientemente dominadora, permitindo apenas a existência compartilhada com a alma

coletiva.

O Direito, de igual forma, não conseguiu fugir da força gravitacional de tal realidade.

Uma vez tragado por tais influências, viu-se movimentar-se pendularmente em direção

à submissão às explicações positivistas, agora com feições funcionalistas, com grande

influência do formalismo, e imerso nas pretensões autopoiéticas98

dos sistemas com intensa

centralização em si mesmo.

96

BUARQUE, Cristovam, ob.cit.p.16. 97

Observe-se que até os adeptos mais fundamentalistas do senso comum ecologista deixam de criticar

claramente o modelo capitalista de consumo, levando mesmo a noção de desenvolvimento sustentável a

patamares de matriz neoliberal. 98

As ideias originais da autopoiesis são de MATURANA, Humberto/VARELA, Francisco, De Máquinas y

Seres vivos, Santiago: Editorial Universitária, 1973. Trataremos mais adiante do tema.

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As forças atrativas dos raciocínios funcionalistas-utilitários são tão estranhamente

ativas que a movimentação pendular das maneiras de se alcançar a concretização do sentido

do Direito assume comportamento ainda mais bizarro.

Assim, o que parece ocorrer atualmente com quem estabelece ligações com tais tipos

de percepção é verificar que, em vez da conhecida ideia do movimento pêndulo comum de

deixar-se um ponto para lançar-se ao ponto oposto, permanece-se em círculo inerte; ou seja,

quando seria esperável que o modo de se alcançar o sentido do Direito, saindo da extremidade

conceitual do Direito Natural, seguisse diretamente para a extremidade oposta marcado pelo

normativismo e funcionalismo, alcança-se apenas o que podemos chamar de isolamento

circular sistêmico.

Desta forma, o pêndulo não mais oscila horizontalmente de um polo a outro, mas

queda-se em circular entre dois pontos não mais constituídos de ideias antagônicas, mas agora

aperfeiçoados em uma só identidade.

Nessa imagem, o pêndulo positivista passa a oscilar, circular e ininterruptamente, entre

o funcionalismo e sua conotação política-prática-operacional, sendo tais pontos atrativos

espelhados em suas simetrias e aparências.

Pode-se, pois, considerar o funcionalismo como a confusão e absolutização de uma

das dimensões práticas do Direito com sua essência ou sentido, uma vez que considera o

Direito como mero instrumento a serviço de finalidades externas que o utilizam de maneira

condicionante e modo transformador a ditos propósitos.

O Direito seria para o funcionalismo o responsável por dar forma, aparência social e

concretude às estratégias político-sociais escolhidas, sendo a decisão judicial também

condicionada por tais objetivos e limitar-se-ia a servilmente se comportar em tal perspectiva.

O funcionalismo invoca a racionalidade finalística e mostra-se mobilizado pelas

expectativas condicionantes de validade objetiva conforme os resultados e efeitos das ações,

desprezando a racionalidade axiológica com base em valores intrinsecamente aceitos, a

incidência de princípios referenciais ou qualquer sentido ético independente do resultado.

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59

Os fins99

tornam-se, portanto, o norte de toda ação, sendo esta agora meramente

técnica.

Neste modo de entender, o referencial para todas as condutas pessoais e institucionais

é avaliado pela utilidade, funcionalidade e eficiência, sem qualquer exortação às categorias do

bem, do justo e da validade axiológica material100

.

Segundo tal entendimento101

, a racionalidade finalística, fundada no entendimento do

comportamento humano de acordo com o benefício ou prejuízo à utilidade pretendida,

prepondera sobre a racionalidade axiológica. A última, baseada em princípios ou regras de

retidão e justeza, é agora subjugada ante o caráter dominador imediato, cepticamente

desenraizado e indiferentemente prático da conveniência e serventia.

Retorna-se, com efeito, à fé iluminista da razão-ciência e às ilusões da razão moderna,

com a equivocada equivalência entre o aprimoramento tecnológico e o progresso, com as

promessas já há muito desfeitas da capacidade humana de controlar isoladamente seu destino

e ser fonte única de sua felicidade.

As consequências de tal entendimento refletem-se, como diz Antonio Castanheira

Neves102

, na libertação do político, no pragmatismo filosófico, no utilitarismo social e, ainda

mais gravemente, no abandono da ética, com a adoção de uma lógica exclusiva de direitos

99

Huberto Rohden esclarece que, em sânscrito, existe a palavra "falasanga" que significa mania de resultados,

afirmando que toda pessoa que sofre dessa mania só trabalha visando a algum resultado tangível. Assim,

somente a pessoa capaz de semear o bem sem nenhuma segunda intenção ou retribuição seria totalmente liberta

das tiranias do ego, bastando-lhe a consciência de ter cumprido o seu dever de autorrealização ou

aperfeiçoamento da sua substância divina. ROHDEN, Huberto, Sabedoria das Parábolas, 5ª reimpressão, São

Paulo: Martin Claret, 2009, p.82-83. 100

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.35. 101

Parte tal entendimento da diferenciação do que se chamou de racionalismo crítico do racionalismo clássico. O

último, nas palavras de Bronze, procurava um fundamento universal e irreversível que garantisse a certeza e a

verdade das soluções propostas para os problemas de qualquer espécie (não só teorético-cognitivos, mas também

éticos, filosóficos-jurídicos etc.), enquanto o racionalismo crítico se opõe à ideia que se possa fundamentar tudo

em termos de irrefutabilidade. BRONZE, Fernando José. A Metodonomologia Entre a Semelhança e a

Diferença - reflexão problematizante dos pólos da radical matriz analógica do discurso jurídico. Boletim

da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 3, Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1994. Tal

perspectiva é adotada por Karl Popper, ao sustentar que toda teoria deve passar por um juízo de refutação e

falsificação com o objetivo de se chegar à melhor das soluções possíveis, mesmo que provisórias. POPPER, Karl

R., En Busca de un Mundo Mejor. trad. Jorge Vigil Rubio. Barcelona: Editora Paidós, 1996. 102

CASTANHEIRA NEVES,Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.36 e 38.

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60

individuais (mais propriamente interesses) e consagração do Estado como responsável pela

satisfação econômico-social.

Digamos uma vez mais: segundo o funcionalismo, modifica-se a identidade material

substancial do Direito para resumi-lo à função prática103

conforme a variação das estruturas

organizatórias de uma programação estratégica de fins controláveis pelos efeitos.

Assim, no dizer de Antonio Castanheira Neves104

, a prática se transforma em técnica e

a fundamentação cede à instrumentalização. A razão objetivo-material resigna-se à razão

instrumental formal. A ordem de validade ou institucional renuncia em favor da planificação

programático-regulamentar. A validade à eficácia ou a eficiência e os valores são substituídos

pelos fins.

O funcionalismo jurídico, ao entender que as normas legislativas e judiciais devem

guardar relação com os objetivos determinados a serem implementados, faz com que

aceitações daquelas dependam da correspondência de seus efeitos com os fins primeiros105

.

A pergunta feita pelo funcionalismo, portanto, não é apenas "o que o Direito é"

independente de sua operacionalidade, mas "para que e a quem serve", incrustado que fica

103

Observe-se que não negamos que o Direito normatizado tenha uma função prática, mas apenas criticamos a

redução do Direito a tal propósito técnico. Assim, são relevantes e possuem forte impacto na realidade e nas

práticas judiciais as previsões da Constituição Brasileira (CF) a respeito da função social da cidade e da

propriedade (CF art. 5º, inc.XXIII, art. 170, inc. III, art. 182, §2º, 184, 185, §único e 186), também explicitada

no art.1228 § 1º do Código Civil brasileiro; no entanto, saber exatamente o que significa dita função social vai

além do posto, necessitando que pressupostos valorativos externos ao Direito sejam recepcionados no caso

concreto. 104

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.39. 105

Antonio Castanheira Neves fala que o funcionalismo jurídico oferece modalidades diferentes, no caso o

funcionalismo político, tendo o Direito função e objetivo político conforme fundamentos e critérios também

políticos, com evidente politização do direito e dos juristas, com correspondente assunção de compromissos e

militâncias ideológicas e políticas de maneira clara; o funcionalismo social, nas suas duas submodalidades,

tecnológico estrito e econômico, caracteriza-se pela pretensa neutralidade tecnológica e "consequencialismo"

social, tendo o Direito e o pensamento jurídico como elaboração social estratégico-finalística do projeto

prescritivo aceito; neste viés, a função judicial teria apenas sentido estratégico na mesma direção pretendida e

seria considerada justa pela coincidência com a planificação social adotada. Em tal modelo, o juiz seria livre o

bastante para adoção dinâmica das soluções alternativas mais adequadas à conservação e promoção dos fins e

interesses sociais; o funcionalismo econômico, expresso na análise econômica do Direito ou pela Law and

Economics, liga-se às estruturas de mercado com o utilitarismo daí decorrente e submete o Direito às análises e

critérios de custo-benefício típicos das perspectivas de eficiência econômica, abandonando de vez qualquer

valoração axiológica de justiça; e o funcionalismo sistêmico que vê no Direito apenas um subsistema social com

função única e seletiva de absorção dos conflitos, autorreferente, de acordo com sua estrutura invariante e

consoante o código binário lícito/ilícito, legal/ilegal. CASTANHEIRA NEVES, Antônio, O Direito hoje e com

que sentido? O problema actual da autonomia do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.41-46.

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61

com a concepção fixa de ser o Direito um instrumento, seja este puramente jurídico-político,

jurídico-tecnologia sociológica, jurídico-administração social, jurídico-economia ou

autorreferente de um funcionalismo formal e processualisticamente sistêmico106

.

As soluções jurídicas oferecidas seriam assim apenas respostas incertas e hipóteses

possíveis diante da utilidade planejada pela tecnologia social107

.

Em qualquer das proposições, o Direito obedeceria aos papéis funcionais previamente

selecionados e de acordo com a estrutura desejada, levando a soluções meramente técnicas

estabilizantes108

e mesmo a práticas inumanas109

direcionadas conforme os interesses

prevalentes.

106

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.47-48. 107

Malgrado não termos espaço para aprofundar a questão, podemos exemplificar como decorrentes de tal

percepção os entendimentos a respeito de estarem os direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos

pelo Estado condicionados à decisão discricionária governamental e dos parlamentos, por via dos limites dos

orçamentos públicos (e não apenas ao que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade, ao que

não atenta contra a natureza das coisas ou investe contra questões fáticas ou temporais irreversíveis). Na

verdade, a teoria da reserva do possível desenvolvida na Alemanha sobre a interpretação dos direitos sociais não

pode ser trasladada para realidades sociais e culturais diversas sem as devidas adaptações, mormente quanto se

trata de países com alto grau de exclusão social e num quadro de ausência de políticas públicas de cunho social.

Assim, não se pode esquecer de que os direitos fundamentais nos países em desenvolvimento e em crise têm uma

extensão maior do que nas nações ricas e necessidade mais intensa de proteção e garantia. Agir de forma

contrária é, uma vez mais, privilegiar o normativismo, agora diminuído e agravado por simples questões

orçamentárias, e facilmente negar plena eficácia e efetividade aos direitos sociais e aos direitos fundamentais,

possibilitando que o Estado se esquive facilmente de promover o padrão mínimo social para uma existência

digna. Observe-se que apesar do Judiciário não poder pretender substituir o Executivo nas opções políticas, deve

ser intransigente no acerto das condutas públicas quanto à efetivação dos direitos fundamentais. No mesmo

sentido, se expressa Ingo Wolfgang Sarlet, ao afirmar que não obstante caber ao Legislativo e Executivo, a

princípio, a deliberação da destinação dos recursos orçamentários, essa competência não é absoluta, pois adstrita

às normas constitucionais, notadamente àquelas definidoras de direitos fundamentais sociais que exigem

prioridade na distribuição desses recursos, considerados indispensáveis para a realização das prestações materiais

que constituem o objeto desses direitos. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª

ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 299.). Observe-se ainda que na crise econômica

atual, mesmo países desenvolvidos podem ver-se diante de tal questionamento, principalmente nos casos de

necessidade de adesão às condições ditadas pela tecnocracia de órgãos internacionais de financiamento ou pela

União Europeia. Talvez nessas hipóteses seja evidenciado que matérias orçamentárias não podem ser encaradas

como meras questões técnicas formais, e sim como verdadeiras condições de soberania, dignidade social e

justiça. 108

Conqyanto o contexto situar-se no século XVI, numa era marcada pela Reforma Protestante e a difusão da

imprensa, mas anterior à separação do Direito e da Religião, há que se recordar do julgamento inquisitorial do

moleiro Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, cidadão de Montereale, zona italiana do Friuli. Foi o

moleiro acusado de herege por disseminar sua especial interpretação cosmológica e julgado duas vezes. Em 1584

foi condenado à prisão perpétua, sendo que após dois anos tal pena foi convertida a usar um hábito com uma

cruz. Em 1598, por ter continuado a pregar suas ideias, foi condenado, torturado e morto na fogueira.

Interessante é perceber que o caso apresenta a discussão a respeito da relação (e tensão) entre as culturas popular

e erudita, com as recorrentes tentativas de prevalência da segunda sobre a primeira, além da complexidade e

circularidade das culturas. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro

perseguido pela Inquisição, título original Il formaggio e i vermi: Il cosmo di un mugnaio del '500. Tradução de

Maria Betânia Amoroso. 6ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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62

Outra vertente do funcionalismo, fortemente ligada ao funcionalismo jurídico político,

defende a teoria do Direito alternativo e o uso alternativo do Direito.

O ponto de partida de tais raciocínios baseia-se no entendimento de que o Direito

seria, essencial e sinteticamente, instrumento político, sendo confundido com o Direito

Positivo estatal condicionado pelas forças economicamente dominantes e representando os

interesses específicos de tal classe, comprometido que está com o dito sistema ideológico de

dominação.

Nesta perspectiva, dever-se-ia, pois, adotar outro Direito, "alternativo" aquele oficial,

agora representante dos anseios da classe oprimida e, nesses termos, poder-se-ia engendrar

completa e nova estrutura político-social igualitária110

.

Paradoxalmente, a finalidade desse novo Direito continuaria claramente manifestação

política, mas agora ao lado das chamadas classes oprimidas, devendo juristas e juízes

compartilharem tais compromissos finalísticos-políticos.

Obviamente, tal concepção confunde as ideias de política e político.

O político, como bem diz Plínio Melgaré111

, apresenta nuclearmente um sentido

amplo, uma intencionalidade não excludente, integralizadora, direcionado para a vivência da

comunidade humana, relacionando-se com a integrante e humana coexistência comunitária.

Por outro lado, a palavra política indica circunstâncias ideológicas específicas e

objetivos estratégicos materializados por práticas de poder normalmente partidarizado, com

opções correspondentes a tais marcos112

.

109

Recordemos a advertência de J. M. Coetzee no sentido de que um magistrado que cumpre sua rotina de

funcionário, seguindo acriticamente a ordem normativa que não questiona, pode perceber-se como integrante

silencioso de práticas abusivas. COETZEE, J. M. À Espera dos Bárbaros, título original Waintig for the

Barbarians, São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 110

MELGARÉ, Plínio, A Autonomia do Direito: apontamentos acerca do funcionalismo jurídico, disponível

em http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/1935?show=full, acessado em 11 de junho de 2013. 111

MELGARÉ, Plínio, A Autonomia do Direito: apontamentos acerca do funcionalismo jurídico, disponível

em http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/1935?show=full, acessado em 11 de junho de 2013. 112

Política aqui também considerada, nas palavras de Milton Santos, como arte de pensar as mudanças e criar as

condições de torná-las efetivas. SANTOS, Milton, Por uma outra globalização – do pensamento único à

consciência universal, 20ª edição, Rio de Janeiro: Editora Record, 2011, p.14.

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Observe-se que, apesar de ambos, Direito e política, guardarem conteúdo axiológico,

cremos que não há que se confundir o fato da essência do Direito decorrer do político com

sustentar-se que o mesmo decorre da Política.

É que o critério de validade do Direito exige comprometimento axiológico com o

modo de realizar a igualdade, liberdade e solidariedade humana da maneira mais ampla

contextualmente possível, enquanto a política circunscreve-se com projetos de poder.

Assim, as decisões jurisdicionais observam o político por intermédio do Direito, uma

vez que, preocupadas com a justeza concretizada no caso específico, e não a Política, que se

atém a uma opção programática que, por sua vez, atende a uma teleologia correspondente.

Ademais, o poder político de produzir normas não pode ser confundido com o de

produzir direitos ou realizar justiça, uma vez que estes são bem maiores do que aquele.

Uma das questões subjacentes daí advindas é a respeito de saber-se existente, para

cada caso concreto, apenas uma solução correta ou aplicável.

Conforme tal entendimento, os princípios estruturariam a decisão única a ser tomada,

sendo a solução referente à Constituição e correspondente às regras do Direito e aos

precedentes adotados, expressada pela fundamentação racional, malgrado não se saber qual

decisão será adotada. O fato é que, após sua adoção, a solução seria submetida à verificação

de adequação ao problema manifestado.

Embora o respeito por tal posicionamento, ousamos discordar em parte.

Na verdade, mesmo aceitando a ideia de que os princípios constitucionais devem

embasar as reflexões a respeito de qual decisão ser tomada113

, notamos que caso ocorra

limitação a tanto, opera-se nova redução do sentido do Direito, agora abatido à conformação

dos princípios constitucionais, como se pudesse afirmar que "Só a Constituição salva".

113

Diz Willis Santiago Guerra Filho que os princípios constitucionais, dotados de validade positiva e de

dimensão ética e política, devem ser entendidos como indicadores de uma opção pelo favorecimento de

determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica, apontando a direção que se deve seguir,

principalmente na ausência de regra específica ou nos eventuais conflitos normativos. GUERRA FILHO, Willis

Santiago, Ensaios de Teoria Constitucional, Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do

Ceará, 1989, p.8.

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Limitando-se ao que está normativamente posto, mesmo que tal norma seja

constitucional, retorna-se, conquanto toda a boa vontade de se dotar o Direito de maior

abrangência interpretativa e prática, ao positivismo, agora principiologicamente positivado.

Percebe-se, ainda, que a adoção acrítica e não axiológica dos princípios

constitucionais como a fonte de toda valoração e aplicação jurídica, pode autorizar raciocínios

ameaçadores à existência justa da sociedade.

Neste aspecto, defende Willis Santiago Guerra Filho114

a constante aplicação do

princípio da proporcionalidade, mas mesmo assim com as graduações e nos limites de sua não

superexpansão, ou seja, há que se examinar a adequação, exigibilidade e proporcionalidade

em face dos fatos e hipóteses a serem considerados, garantindo-se ainda maior abertura à

participação de representantes de vários pontos de vista a respeito da questão a ser decidida,

mas pressupondo a existência de valores estabelecidos positivamente em normas do

ordenamento jurídico.

Concordamos com a solução apresentada pelo doutrinador cearense, mas ousamos ir

um pouco além.

É que com tal atitude de conformar-se com a simples existência de princípios

constitucionalmente elencados, mesmo que proporcionalmente aplicados, acaba-se por

autorizar que estes sejam de qualquer matiz, uma vez que bastam ser tidos como princípios e

estarem previstos na Constituição.

Assim, tomando-se um raciocínio tendente à absurdez, mas humanamente possível,

poder-se-ia pensar em autorização à segregação racial ou qualquer forma de dominação étnica

ou de minorias ou ainda controle eugênico estatal, bastando para isso que tais previsões

fossem de ordem principiológica constitucional.

114

GUERRA FILHO, Willis Santiago, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, São Paulo: Instituto

Brasileiro de Direito Constitucional/Celso Bastos Editor, 1999, p.80/81.

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Observe-se que se fossemos nos deter apenas ao âmago de uma Constituição, sem nos

referir a princípios outros, mesmo ausentes de positivação, mas dotados da seiva humana115

,

seríamos conduzidos à logicidade positivista clássica e a solução técnica seria dada, ou seja, o

experto jurídico apontaria que naquela Constituição e nas práticas jurídicas admitidas,

conforme aquele ordenamento, não haveria conflito algum.

Parece-nos claro que tal posicionamento e solução já se encontram ultrapassados e que

em tais hipóteses se verifica a insuficiência prática de se chegar a uma solução justa ao se

pregar a ponderação como a resposta a ser adotada nas situações de eventuais conflitos

principiológicos.

Na realidade, se fôssemos adotar a definição de Hermenêutica do Direito apenas como

processo de reconstrução do Direito aplicável ao caso, à luz do padrão constitucional e por via

de um procedimento argumentativo, racionalmente controlável116

, estaria-se amesquinhando o

diálogo e o poder de criação do Direito no caso concreto, limitando-o à mera afirmação de um

sentido já posto, identificável e aplicável, sem qualquer possibilidade de superação e

crescimento do sentimento do justo.

Neste raciocínio, é claramente perceptível que se o conteúdo dos princípios

constitucionais for discriminatório, redutor ou segregador, não há ponderação ou

tergiversação labiríntica argumentativa capaz de fazer surgir daí um resultado justo. É

evidente, que de tais ponderações injustas, só surgirão resultados com as mesmas

características axiológicas e práticas ao mesmo tempo discriminatórias, redutoras e

segregadoras.

Cedo se percebe, pois, que a concepção funcionalista valoriza, sobretudo, os

resultados que produz ou os efeitos potenciais que oferece a determinado programa e valores.

115

Exprime Willis Santiago Guerra Filho que os direitos fundamentais são “(...) manifestações positivas do

direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, enquanto os direitos humanos são pautas ético-

políiticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deoticamente diversa daquelea em que se situam as normas

jurídicas, especialmente aquelas de direito interno”. GUERRA FILHO, Willis Santiago, Direitos fundamentais,

processo e princípio da proporcionalidade, in GUERRA FILHO, Willis Santiago (Coordenador) Dos Direitos

Humanos aos Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 1997, pp.11-30, p.12. 116

PEREIRA, Rodolfo Viana, Hermenêutica filosófica e constitucional, 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006,

p.164.

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Tal proceder privilegia todos os riscos de não apenas limitar o sentido do Direito a

meras conformações utilitaristas e de eficiência, em que os objetivos prevalecem sobre os

meios, mas principalmente, desatendem ao conteúdo de suas ações e valores sociais de

comportamento.

Como bem diz Antonio Castanheira Neves117

, a ideia de ser o Direito simples

regulador funcional de uma sociedade individualista e sem valores, preocupada apenas com

liberdades e direitos subjetivos sem deveres, transmutando-se em mero instrumento

ideológico-político ou novo expediente normativo-tecnológico de intenção tão só estratégico-

socialmente programático-planificadora e regulamentar, mediocriza seu potencial

transformador, conformando-o na depreciativa função de irradiar jogos de poder e de

interesses, sejam esses políticos, tecnológicos-econômicos ou de qualquer outra ordem.

Tais circunstâncias reforçaram a ideia equivocada de que a vitalidade do Direito

provém da autonomia autorreferente e da constância das relações entre os seus elementos

constitutivos, animando a imagem de ser organização autorreferencial “no sentido de que sua

ordem interna é gerada a partir da interação dos seus próprios elementos e autorreprodutiva no

sentido de que tais elementos são produzidos a partir dessa mesma rede de interação circular e

recursiva”118

.

5.1- A percepção autocentrada do Direito

Mesmo não sendo o caso de, nos limites deste trabalho, procedermos a qualquer

reconstrução do pensamento de Niklas Luhmann, podemos indicar, de modo aproximativo,

algumas ideias fundamentais de seu posicionamento a respeito da análise do Direito em sua

complexa e abstrata sociedade diferenciada funcionalmente.

Niklas Luhmann119

pretendeu aplicar tal percepção autocentrada a toda esfera social,

observando a sociedade como sistema composto por vários subsistemas e de comunicações

117

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.11. 118

ANTUNES, José Engrácia, prefácio do livro de TEUBNER, Gunter, O Direito como sistema autopoiético,

título original Recht als autopoietisches system, tradução e prefácio de José Engrácia Antunes, Lisboa: Fundação

Caloustre Gulbekian, 1989, p.III. 119

LUHMMAN, Niklas, Sociologia del riesgo, México: Universidad Iberoamericana/ Universidad de

Guadalajara, 1992.

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67

que se reproduzem numa rede recursiva estruturalmente invariante e autorreferente, passando

a ser entendida como formada por subsistemas funcionais diversos e sem preponderância, mas

em interação interna (Direito, Política, Economia etc.).

O sistema autopoiético120

de Niklas Luhmann caracteriza-se por ter base de

funcionamento no interior do sistema autorreferente, com seus elementos produzindo-se e

reproduzindo-se mediante o sistema e sem qualquer influência externa. Nesse rumo, as

funções do sistema jurídico seriam as de garantir as expectativas normativas com o

cumprimento das leis, contratos e decisões judiciais.

Celso Fernandes Campilongo121

esclarece que Niklas Luhmann, ao tentar recriar a

teoria social e dos demais sistemas parciais, opta por uma racionalidade do sistema e entende

que o Direito promove dita “generalização congruente de expectativas normativas”.

Assim, para Niklas Luhmann o ordenamento jurídico subsiste independentemente de

eventos individuais, preservando, no entanto, alta sensibilidade para as expectativas

estruturadas normativamente.

Para o autor, ser congruente significa mostrar-se seguro nas dimensões temporal

(mediante a positivação), social (segurança contra o dissenso, tratada pela institucionalização

de procedimentos) e material (segurança contra as incoerências e contradições com

documentos, instituições, programas e valores que fixem o sentido da generalização).

Entende-se por “expectativas normativas” aquelas que resistem aos fatos, sendo que nem

todas estão positivadas, institucionalizadas e formuladas em termos de programas decisionais.

A complexidade social seria assim reduzida e dividida em diversos subsistemas,

ligados aos seus correspondentes setores sociais. O Direito seria tido, pois, como mero

regulador de conflitos sociais, servindo aos demais sistemas parciais com decisões úteis aos

seus objetivos, sem referências a qualquer elemento axiológico.

120

Gunter Teubner apresenta as características dos sistemas autopoiéticos como: 1. Autoprodução de todos os

componentes do sistema. 2. Automanutenção dos ciclos de auto-produção através de uma articulação

hipercíclica, e 3. Autodescrição como regulação da auto-reprodução. TEUBNER, Gunter, O Direito como

sistema autopoiético, título original Recht als autopoietisches system, tradução e prefácio de José Engrácia

Antunes, Lisboa: Fundação Caloustre Gulbekian, 1989. 121

CAMPILONGO, Celso Fernandes, Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial, São Paulo: Max Limonad,

2002, p.20-21.

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Tal atuação seria implementada por meio de estruturas resistentes ao ambiente e que

viabilizassem generalizações de procedimentos. Assim, inicialmente, ocorreria a tradução das

questões mostradas em termos de legalidade e ilegalidade e, posteriormente, se faria a

operação posterior de dupla seletividade: a de formalização de escolhas legislativas ou

contratuais e verificação da constitucionalidade e legalidade.

O funcionalismo sistêmico vinculado à regulação programática do sistema global da

sociedade teria, assim, o Direito como subsistema instrumental responsável pela redução da

complexidade, mecanismo de seleção e estabilização de expectativas, garantindo a

legitimidade das decisões políticas materializadas nas normas. Em tais limites o sistema

jurídico ofereceria decisões úteis aos demais sistemas, confirmando o previsto pelo sistema

político.

Desta forma, para a Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos, o Direito seria um

desses subsistemas sociais, fechado em si e assumindo sua determinação por um processo de

autodeterminação binária. Portanto, ele mesmo definiria o que é e o que não é Direito,

operando de maneira autônoma e excludente em relação a outros subsistemas, malgrado as

trocas comunicativas entre ditos sistemas e entre estes e o meio.

Ainda segundo tal concepção, a Justiça seria alcançada, pois, e nas palavras de Celso

Fernandes Campilongo122

, não com referência a valores suprapositivos, éticos ou meta-

jurídicos, mas apenas pela consistência adequada do processo decisório incutido no próprio

sistema autorreferencial organizado com base num código comunicativo específico123

(lícito/ilícito) que implementa programas condicionais (do tipo se/então) e desempenha

função infungível (generalização congruente de expectativas normativas). Referida

infungibilidade é que caracterizaria a complexidade interna e torna o Direito autônomo.

Apesar de Niklas Luhmann admitir que o Direito tenha variados pontos de contato

com a Política e a Moral, preocupava-se o autor com a fixação pelo sistema jurídico de seu

próprio código (direito/não direito), insistindo em que a adoção operacional dos códigos da

122

CAMPILONGO, Celso Fernandes, ob.cit. p.22. 123

O código binário da Moral seria bem/mal; da Ciência: verdade/falsidade; da Política: governo/oposição e do

Direito: direito/não direito.

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Política, da Ciência, Economia ou da Moral ocasionaria a perda de suas referências internas.

Desta forma, o autor identifica e reduz o sistema jurídico ao aspecto da legalidade.

5.2- A gênese social do Direito

Embora Niklas Luhmann negue que tal posicionamento traria a submissão do Direito

ao Poder, é inegável que o transforma em mera técnica regulamentadora dos conflitos sem

fundamentação valorativa, subordinado apenas à adequação prática conforme as finalidades

políticas anteriormente tratadas124

.

Evidencia-se, facilmente, a noção de que a compreensão da teoria da autopoiética125

ligada aos fenômenos sociais e jurídicos foi simplificada, ocasionando demasiada

generalização das expectativas sistêmicas126

do comportamento humano, como se falibilidade,

imprevisibilidade, mutabilidade e criatividade humanas não superassem qualquer eventual

lógica, realidade ou aparente condicionamento.

Ademais, essa teoria, mesmo admitindo os conflitos e dissensos, aparentemente ignora

que os sistemas jurídicos e seus aplicadores são necessariamente abertos às questões sociais,

políticas e mesmo individuais de cada caso concreto, valendo-se não apenas do código

direito/não direito, mas principalmente da compreensão do justo/injusto para as conclusões e

correspondentes aplicações.

124

Afirma Willis Santiago Guerra Filho que "(...) como a ordem jurídica não é somente uma realidade, um Sein,

mas é também uma idealidade, um Sollen, entendemos que a teoria do sistema jurídico autopoiético fornece uma

importante contribuição acerca das possibilidades do Direito, na periferia da sociedade mundial (pós moderna),

ou seja, acerca de como ela poderia - e como não deveria - ser. Isso pode levar a um uso crítico- no sentido de

normativo, prescritivo - desse tipo de estudo sócio-jurídico, com pretensões, prioritariamente, descritivas."

GUERRA FILHO, Willis Santiago, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, São Paulo: Instituto

Brasileiro de Direito Constitucional/Celso Bastos Editor, 1999, p.82, nota 84. 125

Segundo a teoria biológica da autopoiese, todo ser vivo se torna autônomo por imposição biológica. Desse

modo, o ser vivo não é apenas produto das pressões externas, mas carrega consigo o ímpeto do aprendizado com

a comunidade e com o ambiente de forma a, dentro em pouco, deixar sua inicial incapacidade e adaptar-se

criativamente às vicissitudes da vida. O ser humano, por sua vez, também guarda a mesma relação com o

externo, ou seja, além de receber o mundo como ele se mostra, é capaz de nele interferir, em atividade proativa

de criar sua própria vida. 126

Na verdade, até mesmo o pensamento sistêmico indica que os sistemas vivos não podem ser compreendidos

pelo exame de suas partes, vez que estas não possuem propriedades intrínsecas, só podendo ser compreendidas

no contexto do todo maior. Assim, no dizer de Fritjof Capra, todo pensamento sistêmico é contextual e, por

considerar o meio ambiente, todo pensamento sistêmico é pensamento ambientalista. Não há, pois, partes, sendo

o que assim denominados apenas um padrão numa teia inseparável de rede de relações. CAPRA, Fritjof, A Teia

da Vida – uma nova compreensão científica dos sistemas vivos, titulo original The Web of Life- a new

scientific understanding of living system, tradução de Newton Roberval Eichemberg, 4ª edição, São Paulo:

Editora Cultrix, 1999, p.46-47.

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Observemos, ainda, que a compreensão do que seja justo/injusto é fundamentada na

análise de várias outras dicotomias e fatores, principalmente nos aspectos humanos concretos

e delimitados do caso examinado.

No mesmo sentir, há que se recordar de que os fatos ou atos considerados jurídicos

inicialmente ocorreram na sociedade e esta é que os elegeu à posição de receberem a

regulação formal do Estado por via das leis e do Poder Judiciário.

Assim, nada é verdadeiramente criado pelo Direito, nem mesmo o que é ou não

Direito. Tudo é originado da sociedade e o Direito é aquilo por ela reconhecido como passível

de ser jurídico.

Na verdade, o Direito apenas traduz em sua linguagem e ritos o que a sociedade disse

para fazê-lo, na eterna busca da felicidade, seja em quais bases esta possa parecer ser possível.

Assim, cremos que tudo o que é feito socialmente visa à consecução de maior bem-

estar das pessoas, sendo certo que a extensão da participação em tal condição, a intensidade,

abrangência, períodos, termos, exigências, contrapartidas, deveres correspondentes e uma

infinidade de condicionamentos e limitações correspondentes são escolhas e valorizações

realizadas pela sociedade e não pelo Direito. Este, insistimos, aparece como modo mais firme

de regulação dos modos de se usufruir de tais opções, imantando certas condutas do caráter de

obrigatoriedade, bem como indicando as formas aceitas e estabelecendo os limites de atuação

para se atingirem tais propósitos.

Se o Direito fosse capaz de criar algo do nada, teríamos conceitos e institutos

totalmente desprovidos de correspondência social e, portanto, inúteis. Uma vez posto, o

sistema jurídico pode desenvolver sua especificação lógica de distinção, mas tal estrutura

continua plenamente modificável pela vontade social e não por qualquer ilusória gênese

interna do Direito.

Igualmente, se verifica, na realidade prática, que, operando de maneira inversa, o

sistema jurídico pode influenciar o sistema político. Por conseguinte, não é raro que decisões

dos tribunais antecipem a modificação da legislação, passando esta a incorporar os valores

empíricos vivenciados por determinada sociedade e reconhecidos livremente por seus juízes.

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Frise-se, ademais, que no que se refere à obrigação de decidir por meio da valoração

de opções disponíveis, é claro que estas em geral já estão normativamente postas, mas em

muitas ocasiões são criadas pelos próprios magistrados, seja desde hipóteses levantadas pelas

partes, seja por identificação por via da própria cognição e sensibilidade do julgador.

Esse fator reforça a percepção da criação judicial prática do Direito, o que colabora

para evidenciar o fato de que, apesar de o sistema político guardar intensa proximidade com o

sistema jurídico, as ideias a respeito de eventual hierarquia entre ditos sistemas são facilmente

dissolvíveis.

Ademais, cremos que a obrigação de decidir não fecha o sistema jurídico em si

mesmo127

, porquanto não é suficiente que a decisão seja apenas comunicada às partes ou que

permaneça com efeitos entre elas.

Na realidade, a decisão jurídica e jurisdicional é comunicada à sociedade e necessita

ser inicialmente respeitada e cumprida no mundo real. Dizemos “inicialmente respeitada e

cumprida”, tendo em vista a possibilidade de recurso bem como de posterior modificação de

entendimento pelo próprio prolator da decisão128

ante os efeitos de adesão ou repulsa

comunitária e repercussões de reações eventualmente ocorridas e primeiramente não

perceptíveis.

Ressalte-se o fato de que, nas relações humanas, não é possível se eliminarem as

diferenças ontológicas dos aspectos cognitivos, sociais, emocionais e valorativos das pessoas

envolvidas, nem neutralizar a percepção destes a respeito dos elementos jurídicos que

influenciam diretamente no processo de significação dos fatos129

, nem muito menos eleger

uma ou outra compreensão como sempre exclusivamente prevalente.

Cremos, assim, que a significação conjunta e em constante comunicação é que

constituirá a versão aproximada da verdade e do justo correspondente e aplicável ao caso

127

Em sentido contrário, cfr. CAMPILONGO, Celso Fernandes, ob.cit. p.163. 128

Tais modificações podem ocorrer quase em tempo real nas hipóteses de liminares ou antecipações de tutela

em casos com intensa repercussão social. Na hipótese do julgador já ter se manifestado sobre o mérito, tais

repercussões sociais podem influenciá-lo em casos semelhantes futuros ou aos seus colegas. 129

Recorde-se, por exemplo, McEWAN, Ian, Reparação, título original Atonement, tradução de Paulo

Henriques Britto, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, adaptado para o cinema com o nome de Desejo e

Reparação, 2007, dirigido por Joe Wrigh, onde interpretações equivocadas da realidade levam a consequências e

prejuízos irreparáveis.

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concreto, dentre as inúmeras variedades possíveis, tudo sendo sempre mutável e

aprofundável.

Observamos, portanto e como anteriormente adiantado, que dita elaboração

autorreflexiva sistêmica, com ênfase na perspectiva funcional e operativa, se adéqua apenas

superficialmente à explicação inicial do sistema jurídico estatal e da dogmática normativa

posta.

Portanto, ao deixar de lado o componente básico do contexto jurídico que é o ser

humano em ditos sistemas e suas correspondentes características de falibilidade,

imprevisibilidade, mutabilidade, criatividade e necessária convivência, o raciocínio

funcionalista sistêmico mostra-se vivamente insuficiente para uma verdadeira e autêntica

compreensão dos Direitos, instituições e práticas jurídicas cotidianas.

Cremos que a superação de tais propostas funcionalistas como as únicas existentes e o

descarte do pensamento finalístico redutor das pessoas e do Direito impõe-se para a

conformação de um verdadeiro Estado de Direito de base real e humanamente democrática.

6- Resgate das esperanças na procura do justo

Apresentaremos posteriormente nosso posicionamento a respeito do que entendemos

como aplicável em termos de superação da dicotomia Direito Positivo e Direito Natural com a

consagração do Estado democrático do Direito por via de melhor interpretação aplicável ao

caso concreto. Daremos, assim, ênfase ao que chamamos de sentimento do justo.

Antes disso, entretanto, entendemos por bem mostrar como os pensamentos de alguns

autores nos influenciaram. Registramos que os posicionamentos de Antonio Castanheira

Neves foram expostos ao longo dos tópicos anteriores e são recordados durante todo o texto,

pelo que remetemos o leitor ao já exposto.

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6.1- As percepções existenciais de Bruno Romano

Posiciona-se Bruno Romano, no que diz respeito à análise do Direito, na exaltação da

pessoa humana como valor e foco de valores, considerando-os como centro das instituições

jurídicas.

Para o Professor da Universidade de Roma La Sapienza, o Direito tem em sua gênese

fenomenológica a relação intersubjetiva de reconhecimento recíproco, incondicional e

universal.

Entende o autor ser na esfera do espírito que se conjugam os termos fundamentais

distintos Eu-Tu e Eu-Isso bubberianos130

, pelo que ditos alicerces antecedem e acompanham a

consciência, entendida esta como consciência e responsabilidade.

Assim, manifestando seu espírito pela palavra, conserva e revela o Direito seu sentido,

mediante diálogos da modalidade Eu e Tu próprios da afetividade da existência, em típica

superação da relação Eu-Isso, peculiares às operações sistêmico-funcionais131

.

O apego do autor à defesa do valor humano o situa como ferrenho crítico das correntes

funcionalistas do Direito, dirigindo suas reprochas à prevalência das normas sobre o sentido

existencial do Direito.

130

BUBER, Martin, Eu e Tu, título original: Ich und Du, tradução de Newton Aquiles Von Zuben, 6ª edição, São

Paulo: Editora Centauro, 2003; Ver também do mesmo autor, Do Diálogo e do Dialógico, título original Das

Dialosgiche Prinzip, tradução de Marta Ekstein de Souza Queiroz e Regina Weinberg, 1ª edição, 2ª reimpressão,

São Paulo: Perspectiva, 2009; Between Man and Man, sem indicação de título original, traduzido por Ronald

Gregor-Smith, London: Routledge, 2002. 131

Nas relações, diz Martin Buber (ob.cit), pode o homem ter basicamente duas atitudes distintas face ao mundo

ou diante do ser, traduzidas pelas palavras-princípio EU-TU e EU-ISSO. A primeira caracteriza-se como atitude

de encontro entre dois parceiros na reciprocidade e na confirmação mútua; a segunda como experiência e

utilização objetivante. Para Buber, o TU ou a relação são originários. O TU se apresenta ao EU como sua

condição de existência, já que não há EU em si, independente. Em outros termos, o si-mesmo não é substância,

mas relação, ou seja, o EU se torna EU em virtude do TU. Desta forma, para Buber o homem individualidade

não existe. Não há, pois, possibilidade do homem sozinho, uma vez que sempre é o homem com o outro, em

papéis complementares. O homem só é homem quando em relação ou, no mesmo sentido, o homem só ganha

plena condição humana quando se relaciona, e tal relacionamento dá-se, como dito, por meio do diálogo e

compartilhamento de representações próprias das pessoas.Neste aspecto, não existe, por exemplo, professor sem

aluno, médico sem paciente, mãe sem filho. Em igual sentir é comum a afirmação "Na falta do que não sou, não

sou", representando a formação da identidade pela comparação das pessoas com as demais. Observemos,

contudo, que as linguagens e comunicações utilizadas nas relações precisam ser afetivamente significativas para

os usuários e não apenas meros instrumentos ou técnicas. Reconhecemos, assim, a potencialidade humanizante

intrínseca em todos, mas dependente de ativação pelas relações afetivas. Cremos ainda que tal ativação não está

sujeita apenas à primeira infância, permanecendo sua significação por toda a vida.

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Assinala Bruno Romano que o espírito se manifesta no homem como liberdade,

traduzida em consciência da relação aberta ao mundo e na viva expressão e responsável

comunicação relacional.

Expressando-se como verdadeiro humanista, é coerente o autor ao indicar a

continuidade dos espaços mentais abertos para sempre se poder interpretar de outro modo,

alargando o caminho existencial das próprias instituições e expandindo-se o próprio viver.

Pode-se dizer, portanto, que a existencialidade do Direito é, na verdade, meta

existencialidade, vez que não conformada apenas ao que é, mas também guiada pelo que pode

vir a ser. Tal vir-a-ser, por seu turno, se realiza no espaço dialógico que se dá na relação entre

comunicar e escutar desenvolvida por vezes entre pessoas de mundos e convicções diversas.

Ao adotar-se tal fluxo vivo da vida cotidiana e ao afastar-se do mero caminho

funcional, recupera-se a capacidade de abertura para as indagações e surpresas, características

infantis que merecem ser preservadas, estimuladas e exercitadas por todos que querem

permanecer autenticamente humanizados.

Referida humanização constante indica a inserção da responsabilidade de não se deixar

levar por ondas de manipulação técnica como componente do exercício jurídico.

Neste aspecto, aproxima-se Bruno Romano de Paul Ricoeur132

, ao acentuar o último

que se é certo que o Estado deve sempre reconhecer e tratar o homem como ser racional e

livre, respeitando sua singularidade, cabe também ao homem que se reconhece como portador

de direitos, o empenho de conhecer as obrigações normativas às quais se encontra vinculado

em relação a outrem.

Na realidade, a capacidade de interpretar conscientemente a realidade comum e para

poder suplantar as obviedades funcionais e demais tipologias efêmeras de mercado, sugere

Bruno Romano o compromisso com a manutenção da disposição de transcendência,

abominando qualquer sugestão de agirmos como máquinas funcionais, seja em relação a nós

mesmos, seja principalmente em desconsideração dos demais.

132

RICOEUR, Paul, Percurso do reconhecimento, título original Parcours de la reconnaisance – Trois études,

tradução de Nicolás Nyimi Campanário, São Paulo: Edições Loyola, 2006, p.211.

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Tal pacto existencial institucional e mesmo pessoal proporciona a ampliação

axiológica normativa dos direitos, tanto na expansão da enumeração dos direitos subjetivos

como no plano de atribuição e extensão desses direitos a novas categorias de pessoas ou

grupos133

.

Para Bruno Romano134

, a interpretação é muito mais do que mera explicação científica

dos fenômenos observados, mas aproxima-se da arte como obra estética de interpretação

criativa com suporte na discussividade comunicativa e de acordo com a orientação assumida

em busca da essência e do fazer possível em uma vida de liberdade.

Com base nas convicções do autor, pode-se dizer, pois, que o Direito é um misto de

Arte e Ciência135

, pois possui as características compartilhadas de conduzir à liberdade e à

emancipação, transitando entre a necessidade do ser e a possibilidade do encanto.

No próprio sentido, compartilhando com a música a necessidade de alento vital do

intérprete para ser concretamente concebido, o Direito, ao mesmo tempo em que imprime na

realidade processual resoluções e efeitos duradouros, não finaliza definitivamente qualquer

assunto, deixa-o em aberto para a continuidade do diálogo.

A atitude desejada e instigada a ser assumida por qualquer intérprete é, pois, de fuga

da fixidez de suas convicções, estimulando-se a constância da capacidade crítica e a

permanência comunicativa entre pathos, logos e nomos, vínculos discussivos também

ocorrentes no jurídico.

Entende o autor que, por meio da latente, progressiva e inesgotável busca pela

verdade, mediante a sinceridade das relações intersubjetivas de reconhecimento recíproco,

incondicionado e universal, é possível afastar os conceitos funcionais e evitar violações do

Direito.

133

RICOEUR, Paul, Percurso do reconhecimento, ob.cit.p.213. 134

ROMANO, Bruno, Filosofía Del Derecho y la cuestión Del espíritu, título original Filosofia Del Diritto e la

questione dello spiritto, tradução de Abelardo Rivera Llano, Bogotá: Grupo Editorial Ibañez, 2007, p. 29. 135

Ver ROMANO, Bruno, Il giurista è uno zólogo metropolitano? (a partire de una tesi di Derida), Torino:

G. Giappichelli, 2007.

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O jurídico, na concepção de Bruno Romano, absorve as relações de reconhecimento

humano e democrático, pelo que o conteúdo das normas que violam dito reconhecimento e

legalizam a exclusão é nitidamente antijurídico.

Enfatiza o autor, pois, a necessidade de que cada relação seja transformada em

verdadeiro encontro e manifestação do espírito dos envolvidos, possibilitando-se a iluminação

da consciência por via do próprio reencontro do Eu na vivência e visão compartilhada do

outro.

Superando a leitura superficial do jurídico e emancipando-se dos condicionamentos

funcionais, o intérprete permite-se libertar do mundo das aparências que escondem a verdade

e imiscuir-se nas dimensões propriamente humanas.

Com isso, o espírito136

retoma sua vitalidade nas relações de respeito mútuo e sensível

e mantém seu sentido existencial elevado e ao mesmo tempo humanamente útil e também

relevante.

Acentua Bruno Romano137

que a instituição do Direito, isto é, o trânsito da dimensão

jurídica ao Direito Positivo, não é simplesmente um processo técnico-científico, mas, ao

contrário, deriva da relação dialógica que se cria entre as pessoas que constituem a

comunidade.

Dessa feita, pode-se dizer que tal encadeamento é recorrente e recíproco, porquanto,

uma vez instituído, o Direito conecta seus limites aos comportamentos futuros, de maneira a

nutrir as relações posteriores. Estas, por sua vez, integrarão o novo patamar de interação

comunitária, apto a influenciar novas transições e assim por diante, em diálogo perene.

Podemos concluir com o autor que as normas jurídicas iniciam sua gênese na

percepção afetiva de certos comportamentos serem os mais justos e desejados pela e para a

comunidade, percepção esta derivada das relações intersubjetivas de reconhecimento

inclusivo e respeito às alteridades. A partir daí, tais percepções enveredam na racionalidade ao

136

Pode-se dizer que o espírito é aqui concebido na perspectiva de ser decorrente da consciência dos aspectos

relacionais, suas qualidades e implicações. ROMANO, Bruno, Filosofía Del Derecho y la cuestión Del

espíritu, ob. cit.p.66. 137

ROMANO, Bruno, Filosofía Del Derecho y la cuestión Del espíritu, ob. cit.p.104.

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serem expressas pela linguagem e oficialmente adotadas para, posteriormente, retornarem ao

emocional, ao serem ditas normas interpretadas no caso concreto, em comparação ao desejo

do justo que a fundamenta.

A dinâmica normativa pode ser entendida, pois, no fluxo emoção-razão-emoção e tem

como raiz a percepção comunitária do justo e não as formas de forças, sejam estas físicas,

econômicas ou de potências funcionais.

Observe-se que existe outra fase de percepção a ocorrer após ser a decisão judicial

publicada. Assim, agora em espectro mais estreito, ao tomarem conhecimento do que foi

decidido no caso concreto e que as afeta diretamente, as partes passarão pelo mesmo processo

de emoção- razão-emoção, seja concordando ou não com a resolução do feito.

Registremos que, mesmo com a tomada de decisão, a dinâmica normativa continua em

exercício, agora pelo diálogo que deve persistir desde a reação comunitária a respeito da

solução adotada.

No mesmo sentir, a lógica jurídica não encontra fundamentos em simples nexos

causais nem se resume a relações de lógica formal entre as normas, mas, por outro, deriva e se

projeta nas percepções de reconhecimento do outro e na busca da indispensável e indisponível

justiça.

O saber jurídico, assim, mantém intensas ligações com o saber filosófico, ao

destacarem-se ambos de qualquer certeza objetiva e ao abominarem conhecimentos

negociáveis e funcionalmente convenientes. Aproximam-se, pois, dos conceitos de saber

existencial baseados no sentido humano que emergem das relações e acercam-se do próprio

sentido da vida em coexistência respeitosa e igualitária. Desta maneira, os conceitos de

liberdade e responsabilidade são núcleos essenciais comuns de ambos os saberes.

O que nos parece também relevante ressaltar, para o que estamos discorrendo, é o fato

de o autor indicar que todas as variações de comportamento são baseadas em opções que

orientam tanto os indivíduos quanto as instituições, aí também influenciando o próprio

sentido e a existência do Direito.

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Anota Bruno Romano138

que, no âmbito de tal perspectiva, é urgente que a formação

do jurista conserve intensiva posição crítica ante a hipertrofia normativa e o fundamentalismo

funcional. Indica o autor que devemos dirigir nossos olhares ao direito do homem, assumindo

a pluralidade de sujeitos de direito e a insuficiência das fórmulas estritamente técnicas para

modelar as dimensões da justiça.

Deste modo, podemos dizer que o intérprete, no caso concreto, é capaz de aproximar

ou distanciar as relações normativas de uma, por assim dizer, “Tu ificação” ou “Isso ificação”

buberiana, isto é, interpretar os enunciados, pessoas, fatos e valores de maneira a favorecer o

tratamento igualitário e humano ou considerar as pessoas e tratá-las como meras coisas.

6.2- A natureza dual em Gustavo Zagrebelsky

Gustavo Zagrebelsky139

indica a ideia de um direito da realidade com dupla natureza,

qual seja, um direito com alma dual nos juízos jurídicos, com a incorporação nas apreciações

normativas dos resultados das experiências judiciais de acordo com valores a serem

preservados.

Tal constatação confirma que longe de se resumir a meras aplicações de fórmulas

legislativas, cultiva-se abertamente a percepção de que a autêntica atividade judicial comporta

a análise material do que está sendo decidido no caso concreto, sendo esta uma das formas

responsáveis de se homenagear a cultura de seu tempo.

Assinala o autor que a integração dos vários pontos de vista, internos e externos,

teóricos e práticos, é necessária para manter-se o equilíbrio essencial no Direito, esclarecendo

que o Direito apenas com uma natureza, seja esta formalista ou essencialista, pode ser

desvirtuado em mera arma de arbítrio e instrumento de domínio.

Concordamos com Gustavo Zagrebelsky quanto à variação de argumentos conforme

os interesses em atividade e a utilização histórica, seja do positivismo, seja do jusnaturalismo,

138

ROMANO, Bruno, Filosofía Del Derecho y la cuestión Del espíritu, ob. cit.p. 112 e 122. 139

ZAGREBELSKY, Gustavo, La legge e la sua giustizia: Tre capitoli di giustizia costituzionale , Bologna:

Società editrice il Mulino, 2012.

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como maneira de justificação, cobertura ou mesmo falsificação de opções ideológicas,

circunstancial e historicamente situadas.

Desta forma e no entendimento do autor, o Direito sendo encarado como portador de

natureza dual, composto da possibilidade de força estatal e crenças ou expectativa de justiça,

evitaria o retorno cíclico das tensões entre Direito Positivo e Direito Natural, ao mesmo tempo

em que impediria que as propostas de prevalência da natureza simples, seja esta formal ou

substancial, ameaçassem a sociedade.

Diz Gustavo Zagrebelsky que é por entre o equilíbrio dinâmico das intensidades e

excessos e a impotência e defeitos que a possibilidade de força e as expectativas de justiça

elaboram o cotidiano jurídico e judicial, sendo ao mesmo tempo construtor e construção da

mesma cultura jurídica.

Na perspectiva do autor, o pluralismo e as diferenças fazem com que a sociedade seja

um espaço aberto a negociações e embates, sendo certo que não se pode mais conceber como

real a vitória ou preponderância de apenas uma das forças políticas, econômicas ou culturais.

A realidade se aproxima, pois, mais da hipótese de acomodações e convivências

acordadas entre elas em um sistema aberto mais ou menos protegido contra exclusivismos140

,

de forma a garantir a sobrevivência de cada força social141

.

Desta maneira, reconhecendo a própria matriz pluralista, tanto as sociedades como as

constituições democráticas são compostas por orientações múltiplas das forças, ideias e

movimentos políticos e sociais.

A conciliação entre o constitucionalismo e a democracia indica, pois, o estimulo da

renovação constante de sua legitimidade por via do comprometimento com a tolerância e a

igualdade.

140

No mesmo sentir ELY, John, Democracy and Distrust- A Theory of Judicial Review. Cambridge: Harvard

University Press, 1980. 141

ZAGREBELSKY, Gustavo, La Giustizia Costituzionale, Bologna: Il Mulino, 1988, p. 27-28

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Isto sucede inicialmente pela atuação do Poder Legislativo, assegurando-se a inclusão

e participação democrática dos grupos minoritários nos processos políticos142

, mas

materializa-se pela garantia jurisdicional da acomodação dos valores fundamentais da

comunidade, como forma de ativação de sensibilidades.

6.3-Teceduras proximais com Gustav Radbruch, Rudolf Stammler, Karl Larenz, Roscoe

Pound, Alf Ross e Brian Z.Tamanaha

Malgrado a ideia do sentimento do justo encontrar-se em qualquer pensamento, e

mesmo não sendo aqui o lugar para procedermos ao recenseamento das diversas linhas de

pensamento em tal sentido, entendemos pertinente referenciar alguns posicionamentos

aproximados do nosso sentir a respeito.

Na realidade, a noção do sentimento do justo é tão largamente entendida que permite

fazer ombrear autores com disposições aparentemente díspares em outras dimensões.

Desta forma, a composição da tríplice hélice energética vibrátil proposta e a seguir

exposta, sem dúvida, aproxima-se parcialmente, e em alguns casos, superando aparentes

contrastes, com o que foi dito por Gustav Radbruch, Rudolf Stammler, Karl Larenz, Roscoe

Pound, Alf Ross e, mais recentemente, Brian Z. Tamanaha.

Cremos que não cabem aqui considerações mais pormenorizadas sobre os

entendimentos e teorias de cada um dos mencionados, pois pretendemos realizar apenas a

tecedura entre o que se abeiram tais autores quanto à aplicação concreta das normas.

Supomos, de saída, que, de uma forma ou de outra, todos indicam a integração real

entre o formalismo positivo e a sensibilidade pessoal do jurista a nutrir as interpretações e

aplicações normativas, mesmo que sejam apontados riscos ou inseguranças quanto a isto.

142

Ver HABERMAS, Jürgen , A inclusão do outro – estudos de teoria política, título original: Die

Einbeziehung dês Anderen – Studien zur politischen Theorie, Tradução de George Sperber et al, São Paulo:

Edições Loyola, 2004.

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Como se sabe, Gustav Radbruch143

tentou estabelecer parâmetros de resolução para os

conflitos entre a segurança jurídica decorrente da aplicação do Direito posto e a justiça, que

estaria em plano supralegal, de índole jusnaturalista.

A chamada “fórmula de Gustav Radbruch” indica que o conflito144

entre a justiça e a

segurança (rectius, certeza) jurídica pode ser adequadamente resolvido pelos seguintes

critérios: 1) o Direito Positivo, baseado na legislação e no poder estatal, tem aplicação

preferencial, mesmo quando seu conteúdo for injusto e não for benéfico às pessoas e; 2) a

justiça prevalecerá sobre a lei se esta se revelar insuportavelmente injusta, a tal ponto que se

mostre uma norma injusta, continente de um Direito injusto.

O valor justiça, ligado ao Direito Natural, seria então o fator de correção radbruchiano

para o Direito Positivo.

Disse o autor que a mera vigência da lei apenas fundamenta o poder, mas nunca o

dever, pois este só pode se fundar em um valor inerente à lei. Assim, junto a ela, estão dois

outros valores - a adequação aos fins e a justiça. Desta forma, apenas o Direito justo é o que

produz segurança jurídica e que aspira à justiça.

Admite o autor ser impossível traçar uma linha definida entre os casos de leis

arbitrárias e leis válidas, mas pode-se perceber, claramente, quando não se pretende jamais

alcançar a justiça145

.

Por sua vez, a expressão "Direito Justo" procede de um livro de Rudolf Stammler146

,

indicando o autor que seria este um Direito estabelecido com certas características

143

RADBRUSCH, Gustav, Injustiça legal e direito supralegal, título original Gesetzlicher Unrecht und

übergesetzliches Recht de 1946, constante de O Homem no Direito, seleção de conferências e artigos sobre

questões fundamentais do Direito, tradução e introdução de Jacy de Sousa Mendonça, sem data, disponível em

http://www.valorjustica.com.br/ohomemnodireito.pdf, acessado em 12 de julho de 2013. 144

Afirma Gustav Radbruch que, quando ocorrer o conflito ente uma lei positiva de conteúdo discutível e um

direito justo, mas não consubstanciado em lei, dá-se, na verdade, um conflito da justiça aparente com a

verdadeira justiça, e "(...) pode ser solucionado aceitando-se que o Direito Positivo assegurado pela promulgação

e pela força seja preeminente mesmo quando seu conteúdo seja injusto e inadequado aos fins objetivados, a

menos que o conflito entre lei positiva e justiça seja de tal forma insuportável que a lei, por sua injustiça, deva

ceder à justiça". RADBRUSCH, Gustav, ob. cit. p.65. 145

Podemos dizer que Robert Alexy buscou reconduzir a fórmula de Rabruch à teoria dos direitos fundamentais.

RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz, A fórmula de Radbruch e o risco do subjetivismo, disponível em

http://www.conjur.com.br/2012-jul-11/direito-comparado-formula-radbruch-risco-subjetivismo, acessado em 12

de julho de 2013.

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particulares, ou seja, parte do Direito Positivo vigente em certo contexto histórico e social,

mas nem todo ele e sim apenas aquele possuidor de certas peculiaridades.

Neste passo, ao indicar Rudolf Stammler a existência de um Direito Positivo justo,

admite também a existência de outro Direito, também positivo, mas injusto, seja este total ou

parcialmente contrário às ideias de justiça.

A correspondência do Direito Positivo ao Direito justo dar-se-ia, assim, na correlação

com as ideias orientadoras, indicações metódicas ou princípios padrões aceitos como

pressupostos e, portanto, deduzíveis e verificáveis em cada caso concreto.

Rudolf Stammler queria encontrar uma via intermediária do Direito Natural válido

atemporalmente e invariável em todos os espaços com o positivismo, admitindo um Direito

Natural com alteração de conteúdo (Naturrecht mit wechselnden Inhalte).

Perceba-se que o autor não afirma que o Direito justo, correspondente à ideia de

Direito, seja encontrado fora deste, mas enfatiza justamente sua continuidade como Direito

Positivo justificado em sua pretensão de ser obedecido.

O autor realça a consciência como ponto de partida, sendo aquela percebida como

atitude integral do homem perante si mesmo e ante a realidade em que se situa, cabendo optar

entre contemplar a realidade ou interagir com esta, visando a determinados fins.

De qualquer maneira, toda atividade humana é sempre um querer, uma expressão do

"wollen". Assim, ao optar por determinados valores e fins, regulamos as condutas e

subordinamos os meios a tais propósitos.

As normas são, pois, portadoras do desejo do compartilhamento do caráter axiológico

eleito, com pretensão vinculatória e cumprimento espontâneo, dispondo de meios

sancionatórios à sua inobservância.

146

STAMMLER, Rudolf, Die Lehre Von dem richtigen Recht, Berlin : J. Guttentag, 1902, disponível em

http://openlibrary.org/books/OL6529577M/Die_Lehre_von_dem_richtigen_rechte, acessado em 01 de junho de

2013.

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Desta forma, para Rudolf Stammler, todo Direito estabelecido é um ensaio de Direito

justo, possuidor de um impulso ou potência neste sentido de assim se tornar na prática.

Tal energia serviria, assim, como forma de preencher as lacunas da lei e integrar os

valores e princípios no caso concreto.

Observa-se a aproximação de tais ideias com justificações que envolvem

inevitavelmente relações de poder e interesses nas regulações tidas como justas e que devem

ser seguidas. Consequentemente há que se admitir o "querer" como elemento decisório,

estando explícito ou não nas argumentações ou justificações e representando ideologias ou

utopias, ou mesmo ambas.

E tal querer é, obviamente, humano e, portanto, varia ante as anteriores e

contemporâneas percepções da realidade, assimilações dos valores, vivências culturais,

interações sociais e integrações íntimas, mesmo psicológicas, intuitivas e espirituais do

agente, tudo a conformar a consciência e opções decisórias.

Um dos arremates cabíveis a tais colocações dá-se no sentido de que o conhecimento

exato, com precisão absoluta e geral do que seja justo, é impossível ante as variáveis

dimensões de ética, consciência, responsabilidade e culpa envolvidas.

O que é admissível, pois, é uma aproximação experiencial firmada simultaneamente

em outras vivências valorativas anteriores, bem como em necessidades e interesses atuais e

em ideais de um mundo futuro mais aceitável.

Desta forma, pode-se dizer que as estruturas lógicas normativas são compostas

também por elementos éticos na unidade histórica das experiências jurídicas147

.

Afirma Karl Larenz148

que o Direito seria não absolutamente, mas sim relativamente

justo, ou seja, por via de regras de Direito relativamente justas há que se entender aquelas que

em certas condições dadas e em relação ao momento histórico específico satisfazem o critério

147

Neste sentido, REALE, Miguel, Filosofia do direito. 20 ed., 8ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2010, p.296. 148

LARENZ, Karl, Derecho Justo- fundamentos de ética jurídica, título original Richtiges Recht. Grundzüge

einer Rechtsethik, tradução e apresentação de Luis Díez-Picazo, Madri: Civitas, 2001, p.28.

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do justo. Em contrapartida, seriam injustas as regras e instituições que não se enquadrem com

ditos critérios ou que já não correspondessem a estes.

Podemos, assim, apreender a ideia de que também inexistiria o Direito injusto total,

podendo transmutar-se em justo conforme as circunstâncias históricas, sociais e pessoais

específicas das pessoas envolvidas e as possibilidades, tudo, insista-se, de acordo com as

variâncias subjetivas de percepção das partes e do próprio agente intérprete e aplicador.

Registremos ainda, a noção de que, dependendo da evolução do conhecimento técnico

de outras áreas disponível ao tempo da interpretação e aplicação normativa, a decisão tida

como justa pode passar a ser entendida como injusta, ou vice-versa.

Desta forma, questões sobre o meio ambiente, financiamento habitacional, casamento,

adoção e novas formas de família, tratamentos com utilização de células-tronco, reprodução

assistida post-mortem e direitos de herança e mesmo percepções sobre a possibilidade do local

do crime ser considerado como dinâmico (e não mais estático) ante as inovações tecnológicas

de comunicação, trazem modificações no entendimento do desejável e aplicável.

Tal realidade observa Karl Larenz149

, é própria da realidade jurídica, pois o Direito só

pode seguir as mudanças sociais a certa distância temporal, cabendo ao legislador ditar leis

nem para a eternidade nem para um dia, mas para um futuro previsível.

Desta forma, sempre haverá certo descompasso das normas vigentes em relação ao

esperado como justo, e os ordenamentos de todos os tempos sempre conterão alguma norma

injusta.

Acrescenta o autor, da mesma forma que Rudolf Stammler, que, para justificar sua

pretensão de validez, é suficiente que o ordenamento como um todo esteja a caminho até o

justo, embora admita a negação da obrigatoriedade de normas que tragam injustiças crassas

evidentes ou contrariem princípios constitucionais.

149

LARENZ, Karl, ob. cit. p.29 e 30.

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Karl Larenz150

deixa claro que, nas hipóteses em que há várias soluções possíveis,

sendo todas justas de acordo com os limites do defensável, cabe ao legislador eleger a que

entender mais geral e aplicável, embora sempre persistam opiniões sobre qual delas seria a

preferível.

Defende o autor a ideia de que, na medida em que o Direito caminha para ser o Direito

justo, sua pretensão de validez deve permitir a inserção dos princípios do Direito justo e que

estes possam se manifestar. Entende, pois, que uma vez positivados os princípios, passam

estes a fazer parte do Direito Positivo.

Assim, uma vez que os princípios do Direito Positivo são utilizados como causas de

justificação de uma regulação, possuem a presunção de que são princípios do Direito justo.

Observe-se que o autor fala em presunção e não em certeza, porquanto nem todos os

princípios de um Direito Positivo são princípios de um Direito justo. Na verdade, se assim

fosse, não haveria como se utilizar dos princípios para distinguir se um Direito Positivo está

ou não em direção ao justo.

Karl Larenz151

indica, ademais, que os princípios do Direito justo são determinações

mais detalhadas em seu conteúdo de tal ideia do Direito, no que se refere às possíveis

regulações e se encontram no ponto médio entre a ideia do Direito e as regulações concretas

do Direito Positivo.

Adota o autor a expressão “ideia do Direito” como sua última causa de justificação ou

fim primeiro, apresentando-se como ponto de referência interno de todo ele.

Conquanto admita a dificuldade a respeito de se identificar o conteúdo de tal

expressão, indica Karl Larenz152

como correspondente à manutenção da paz jurídica e à

realização da justiça, mesmo também admitindo que tais fórmulas igualmente possam ostentar

vacilações de significados conforme se leve em conta esta ou aquela cultura.

150

LARENZ, Karl, ob. cit.p.31. 151

LARENZ, Karl, ob. cit. p.39. 152

LARENZ, Karl, ob. cit.p.41-54.

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Ressalta o autor o papel da confiança necessária que há que se desenvolver e manter

nos tribunais e na consequente segurança jurídica, aí compreendida como a certeza que se

pode contar com regras de Direito e sua igual aplicação e em determinados pressupostos

criados ou qualificados pelo Direito, bem como com os direitos adquiridos e sua proteção

perante as cortes153

.

Com relação à justiça, esclarece o autor que a noção do tratamento igualitário, com

aplicação das mesmas regras a todos os casos assemelhados, ou seja, o apego formal à mera

igualdade de tratamento na lei ou perante ela, não exprime garantia alguma da justiça, mas

apenas de identidade de procedimentos e limites.

Assim, defende Karl Larenz154

, há que se admitir a conveniência de modificações de

tratamento ante as relações vitais que são reguladas, sempre se tomando em conta o equilíbrio

e a moderação (ponderação) como forma de perceber-se que os interesses legítimos das partes

devem levar em conta as dimensões de respeito mútuo. Observa, ainda, que a paz jurídica e a

justiça estão entre si em uma relação de constante dialética, condicionando-se reciprocamente.

Consequentemente, há de se buscar em dito Direito Positivo os princípios aplicáveis

no caso concreto que tendam para o justo, embora tais princípios possam receber distintos

modos de concreção conforme as circunstâncias social, históricas e pessoalmente vivenciadas.

Na verdade, ante o grau de indeterminação do sentido total e alcance dos princípios, só

podem estes ser compreendidos quando se tenha privilegiado alguma de suas concreções

vitalizadas em condutas humanamente palpitantes155

. Assim, as utilizações práticas dos

princípios são certamente inacabadas e não representam o esgotamento das possibilidades de

verificação.

Em outro turno, verifica-se que não existe uma teoria claramente identificável que

justifique o procedimento jurídico e judicial como meramente formalista.

153

LARENZ, Karl, ob. cit.p.45-46. 154

LARENZ, Karl, ob. cit.p.51e 55-66. 155

LARENZ, Karl, ob. cit.p.36.

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O tema dominante na época de um dos mais eloquentes seguidores do chamado

realismo jurídico, Roscoe Pound156

, ao contrário da imagem-padrão da identidade formalista,

era a incerteza preocupante das leis oriundas da explosão da legislação conservadora e a

proliferação de precedentes inconsistentes.

Desta forma, o histórico livro de Roscoe Pound, Mechanical Jurisprudence (1908)157

,

referia-se à prática dos juízes dedicarem-se marcadamente aos precedentes sem verificar as

consequências práticas.

O autor afirmou, assim, que a simples lógica dos precedentes era insuficiente para

resolver os problemas judicializados, trazendo em oposição o que identificou como theory of

sociological jurisprudence, onde pregava a utilização de princípios comuns e constantes

(taught legal tradition). Roscoe Pound deixou claro que a adaptação dos princípios e doutrinas

às condições humanas serve para governar, em vez de ser adotada como primazia irreal.

Roscoe Pound acreditava que a utilização de tal sabedoria prática seria capaz de

ocasionar significativas mudanças sociais, ressaltando que os juízes possuem responsabilidade

no que diz respeito às consequências de suas decisões e compromisso com o desenvolvimento

social.

Na aula The Foundation of Law158

, o autor esclarece ser tarefa de todos exigir que os

juristas, legisladores, administradores e intérpretes tomem continuamente em consideração os

fatos sociais, estabelecendo elementos práticos para tanto.

Assim, devem ser pesquisados os efeitos sociais atuais das normas e da própria

doutrina com o fito de serem tais estudos utilizados na elaboração legislativa e levados em

conta dos momentos decisórios. Ademais, indicou que se deve verificar a vida das normas em

sua rotina operacional para torná-las e conservá-las efetivas.

156

Roscoe Pound criticava impetuosamente a limitação do ensino jurídico aos textos legais e a tendência de

confusão do ensino do Direito como Ciência Política e a aproximação da Justiça como mero reflexo das políticas

estatais. POUND, Roscoe, Justice According to Law (1914). The Mid-West Quarterly, (1913-1918). Paper 6,

disponível em http://digitalcommons.unl.edu/midwestqtrly/6, acessado em 13 de fevereiro de 2013. 157

POUND, Roscoe, Mechanical Jurisprudence (1918) disponível em http://www.general-

books.net/search.cfm?start=10&q=Roscoe Pound, acessado em 15 de fevereiro de 2013. 158

POUND, Roscoe, The Foundation of Law, disponível em http://www.aulawreview.org/pdfs/10/10-

2/pound.pdf , acessado em 13 de fevereiro de 2013.

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Percebe-se que Roscoe Pound159

reconhecia a existência e necessidade da estabilidade

e elementos tradicionais legais e defendia o argumento de que as normas legais eram os

parâmetros principais para decisões dos tribunais. Assim, não as renegava, mas apenas não as

concebia como repositórios de preceitos morais e verdades filosóficas intemporais. Indicava,

pois, a necessidade de mantê-las estáveis e equilibradas com base no mundo real

contemporâneo às suas aplicações.

De igual modo, recomendava que estudos psicológicos dos processos judiciais,

administrativos, legislativos e processuais, bem como estudos filosóficos dos ideais e

características do realismo passado, fossem adaptados não como finalidades, mas como partes

importantes do processo de decisão.

Adverte Roscoe Pound para o fato de que o reconhecimento da importância da

aplicação individualizada dos preceitos legais, visando a soluções razoáveis e justas dos casos

singulares, muitas vezes foi sacrificado na tentativa de trazer uma impossível e completa

segurança da aplicação, alertando para a noção de que a origem legislativa se caracteriza por

disputas partidárias nem sempre coordenadas ou continuadas visando ao bem comum, daí

resultarem apenas parcialmente aplicáveis.

Desta forma, Roscoe Pound defendia a existência de uma base bem mais ampla do que

o mero formalismo a fundamentar as normas, aí se encontrando devidamente conjugadas

Ética, Ciência Política, Economia, Metafísica, Psicologia e Sociologia, todas envoltas por

amplos caracteres de uma filosofia social, mas sem desprezar ou ignorar ditas normas.

Tal conjunto de percepções possibilitaria a compreensão das pessoas com as demais,

mesmo que em um ideal de existência momentaneamente concebido e aproximando-se da

identificação da norma com preceitos filosóficos.

Roscoe Pound160

dizia claramente que o real perigo de a administração da justiça atuar

apenas com base na lei é a sua tímida resistência à melhoria racional e sua obstinada

persistência em caminhos jurídicos que se tornaram impossíveis ante a heterogeneidade dos

159

POUND, Roscoe, The Ideal Element in Law, originalmente publicado por Calcutá: University of Calcutá

Press, 1958, recentemente republicado em Indianápolis: Liberty Fund, 2011. 160

POUND, Roscoe, The Spirit of the Common Law (1921). College of Law, Faculty Publications. Paper 1,

disponível em http://digitalcommons.unl.edu/lawfacpub/1, acessado em 13 de fevereiro de 2013.

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tempos em que se vive, o que evidencia atitudes desencontradas em relação ao gênio de

nossas instituições jurídicas e políticas. Ademais, afirmava que quando o advogado se recusa

a agir de forma inteligente, a alternativa do leigo é a aplicação ignorante do rolo compressor

legislativo.

O raciocínio realista do direito de Alf Ross161

é baseado em sua vertente de caráter

empirista e na reconstituição dos fenômenos jurídicos como eles são em sua exterioridade,

ressaltando a abordagem baseada na apreciação e adesão do experenciado.

O Autor dinamarquês rejeita as correntes de inspiração metafísica, fazendo

preponderar as proposições que reflitam a realidade dos fatos que possam ser verificadas pela

lógica e pela experiência.

Assim, ao propugnar a adoção do princípio da verificação como base do conhecimento

científico, reafirma que as proposições, mesmo jurídicas, dependem de sua observação,

verificação e contrastação no exame sensível, partindo da averiguação de que as diretivas

propostas causaram nos destinatários o correspondente sentimento de obrigatoriedade.

Entende, pois, que o único Direito que pode ser estudado com segurança é o Direito

aplicado de modo objetivo, afastando-se das concepções idealistas, sejam estas axiológicas ou

formalistas162

.

Assim, o Direito a ser analisado é aquele que tem efetividade social em sua

movimentação fática, sensível e empírica, sem necessidade de se recorrer a princípios morais,

racionais ou ideológicos.

Apesar de o autor se expressar claramente a respeito de seu completo afastamento do

pensamento metafísico, e de fazer grande esforço no sentido de apartar-se de qualquer

161

ROSS, Alf, Direito e Justiça, título original Om Ret og Retfoerdighed, tradução inglesa On Law and Justice,

tradução de Margaret Dutton e para o português Edson Bini, 2ª edição, São Paulo: Edipro, 2007. 162

Alf Ross entende que os idealistas propugnam a ideia de validez basicamente com dois fundamentos: os

idealistas axiológicos entendem que a ideia de Direito está vinculada substancialmente à ideia de justiça, sendo

tal critério o observável para justificar o Direito Positivo; os idealistas formalistas, como Hans Kelsen, que

apesar de rejeitarem na compreensão científica as ideias de conteúdo ético da norma, apontam para fenômenos

formais (e não naturais) de verificação de validade, adotando a regressão à norma fundante como requisito da

validez. ROSS, Alf, Direito e Justiça, ob. cit. p.11.

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elemento emotivo de convencimento, abre e deixa fendidos flancos que, apesar de

fragilizarem seu posicionamento, o tornam mais aceitável.

Explicamos melhor. Ao realçar a figura humana do juiz como destinatário da norma e

instituição realizadora desta no tratamento empírico do Direito, o autor o posiciona aberto à

influência de elementos extranormativos em tal justificação do exercício da força (sanções

jurídicas).

Na verdade, o posicionamento de Alf Ross abriga a percepção que a atividade do

magistrado não indica apenas adesão aos conteúdos de caráter abstrato e diretivos das normas,

vez que admite que estas funcionam como esquemas racionais de interpretação e, dentro de

certos limites, indicam as decisões prováveis. Assim, sempre dependem do que o juiz vai

entender como socialmente obrigatório na realidade prática de adesões verificadas.

Desta forma, ao estabelecer a vigência da norma em sua forma também dual, ou seja, a

efetividade real da norma estabelecida pela observação externa e o modo como a norma é

vivida como motivadora das condutas, admite a correspondência da validade/vigência163

com

a concretude real do sentimento da obrigatoriedade.

Assim, na visão de Alf Ross a validade/vigência dependeria do ajuste realizado pelo

magistrado do texto da norma com a realidade social, tudo a depender da percepção do

próprio magistrado, delimitando o exercício da força socialmente aceitável e obrigatório. As

normas jurídicas seriam, pois, normas sociais elevadas à condição de serem interpretadas

juridicamente pela vontade social que assim indicou.

Cremos que mesmo resumindo o Direito como fenômeno social determinado pela

aplicação feita pelos tribunais e seu fundamento de vigência como correspondente ao

sentimento de obrigatoriedade social, fazendo preponderar a relação entre o conteúdo ideal

normativo e a realidade social, rejeitando a consciência individual como fator para tanto, há

163

O autor diferencia validade/vigência da simples existência. Assim, uma norma pode existir e nunca ser

aplicada ante a ausência do sentimento de obrigatoriedade. Desta forma, seria existente, mas não válida ou

mesmo vigente em termos reais. No que diz respeito às normas válidas e vigentes socialmente, mas não

formalizadas juridicamente, pode-se dizer que não seriam normas jurídicas, mas apenas sociais. ROSS, Alf,

Direito e Justiça, ob. cit.

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de se ponderar que tal sentimento de obrigatoriedade pode ser derivado do que chamamos de

sentimento do justo.

Na verdade, pode-se afirmar que a realidade, mesmo a empírica, não pode ser

confundida como mera existência, mas sim entendida a primeira como realidade dialética e

sobretudo dialógica, onde o sentimento de obrigatoriedade é constituído socialmente e

fundado em elementos culturais, éticos, emocionais e mesmo religiosos ou místicos, sejam

estes individuais ou compartilhados.

Nesta senda, recupera-se o ponto de vista da substancialidade ética da percepção do

Direito, com base em elementos abstratos de valoração pré-positivados ou sequer

formalmente previstos, mas que fazem parte do arcabouço genético-axiológico-emotivo-

cultural das decisões práticas. Podemos condensar tais percepções em momentos de

concretização do sentido do justo normativo com o sentido do justo socialmente aceito como

aplicável ao caso em exame164

.

Compreendemos, assim, que tal concepção se admite aberta a princípios gerais

culturalmente aceitos, defendidos e exercitados, que representam a conexão material do

sentido do justo das normas.

É fortalecida, pois e ainda mais, a percepção de que o sentido do justo não é lógico no

sentido aristotélico, mas valorativo e fundado em conceitos normativos formais tornados

164

Registre-se a decisão denegatória da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal na 7ª Vara

Federal Cível de São Paulo com o objetivo de retirar a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de

Real.Segundo a juíza Diana Brunstein não compete ao Judiciário, e sim ao Legislativo ou Executivo, definir se

esta inscrição pode ou não estar cunhada nas cédulas de Real, vez que em si não fere nenhum direito individual

ou coletivo ou impõe determinada conduta. Recordou a magistrada que a tradição católica no Brasil foi

considerada por mais de 300 anos a religião oficial, deu nome a muitas cidades, instituiu feriados oficiais e

delineou culturamente o país, sendo certo que “(...) apesar de não existir uma religião oficial, o Cristo Redentor

é símbolo do país e o Natal é comemorado com decorações pagas pelas prefeituras na grande maioria das

cidades” e que “(...) Acolher essa pretensão seria admitir que o Poder Judiciário também pudesse abolir feriados

nacionais religiosos já comemorados de longa data, determinar a modificação do nome de cidades, proibir a

decoração de natal em espaços públicos e impedir a manutenção de reconhecidos símbolos nacionais de cunho

religioso com dinheiro público”. O argumento do Parquet no sentido de proteger a liberdade religiosa de todos os

cidadãos, inclusive de quem não tem religião, e que o Brasil optou por ser um Estado laico não ganhou espaço

ante a percepção de que apesar do Estado brasileiro não ser confessional, não repudia a fé e ampara o valor

religioso facilitando a prática de atos de fé professada pela população, além de adotar feriados religiosos,

considerando que a expressão questionada caracteriza manifestação histórico-cultural genérica e abstratamente

considerada. Ação Civil Pública Proc.nº 0019890-16.2012.403.6100 7ª Vara Federal Cível de São Paulo. Autor:

Ministério Público Federal. Réu: União Federal e Banco Central do Brasil. Assistente: Casa da Moeda do Brasil

Texto da decisão disponível em http://s.conjur.com.br/dl/deus-seja-louvado-justica-federal.pdf, acessado em 26

de julho de 2013.

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vivos e visíveis em sua aplicação, de acordo com as unidades axioteleológicas aceitas

socialmente como indicadas ao caso concreto e não em pendores exclusivamente filosófico-

especulativos.

Contemporaneamente Brian Z. Tamanaha165

indica a artificialidade e não

correspondência doutrinária e fática a respeito da divisão entre juízes formalistas, que

aplicariam as normas mediante um raciocínio lógico mecânico, e os realistas, que decidiriam

de acordo com preferências pessoais e por palpites, passando a constituir posteriormente a

análise legal que as justifiquem.

Segundo o autor, não é detectável nenhuma defesa específica a respeito do

formalismo, encontrando-se na doutrina vasta bibliografia contra dito formalismo, mas nada a

favor.

Em igual rumo, Oliver Wendell Holmes166

, Roscoe Pound e Benjamin N Cardozo167

que demonstraram claramente que o modo de julgar não corresponde a qualquer ato mecânico

e impessoal, estando repleto de conteúdo valorativo pessoal do magistrado, nunca defenderam

o desapego total da normatividade posta, mas tão somente sua adaptação ao caso concreto.

A pseudo antítese formalistas versus realistas estimulou a concepção dos primeiros

serem os vilões da Jurisprudência contemporânea, uma vez que culpados por se manterem

vinculados a regras contrárias ao bom senso e manipulados ao bel-prazer das ideologias

dominantes, enquanto os juízes realistas apareceram como pioneiros preocupados com a

dominância malévola da lei, rebeldes contra qualquer tipo de estrutura que condicione ou

limite o julgador e capacitados com suas franquezas e pragmatismo a lançarem luzes

purificadoras contra a era obscura que os antecedera.

165

TAMANAHA, Brian Z. Beyond The Formalist-Realist Divide- the role of politics in judging, New Jersey:

Princeton University Press, 2010. 166

HOLMES, Oliver Wendell, La senda Del Derecho, tradução de E.A. Ruso, Editora Abeledo-Perrot, Buenos

Aires, 1975, conforme SEBASTIÀ, César Arjona- estudo preliminar e tradução, Los votos Discrepantes Del

Juez O.W. Holmes, tradução da edição The Dissenting Opinions of Mr. Justice Holmes, editada por Alfred Lief,

Tha vanguard Press, New York, 1929, Madrid: Editora Iustel, 2006, p.23 e 80 167

CARDOZO, Benjamin N., The Nature Of The Judicial Process (1921), New Haven: Yale University Press,

disponível em http://archive.org/details/natureofthejudic008454mbp, acessado em 15 de fevereiro de 2013.

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Na verdade, acentua Brian Z. Tamanaha, que tal moldura quase que partidariamente

concebida e fundamentalisticamente exercida nunca existiu, com ressalva de períodos de

exceção como o nazismo em que Direito e Poder se confundiram.

Observemos que, em exceções históricas desse tipo, passaram a legislação e seu modo

de aplicação a ser identificados mais como arbítrio do que Direito propriamente dito.

Desta maneira, nunca houve, ao contrário do que há anos se prega, uma escola ou uma

teoria do formalismo, com obras escritas claramente a favor de tal concepção. O que sempre

ocorreu foram obras contra tais posicionamentos, o que preencheu o imaginário teórico a

respeito.

Brian Z. Tamanaha exprime, então, o que chamou de realismo balanceado, como

possuidor de dois aspectos conjuntamente aplicáveis – um aspecto cético (ou pragmático) e a

regra-limite.

Tais aspectos referem-se à tomada de consciência das falhas, limitações e abertura do

Direito aos demais componentes da ambiência social, bem como as percepções que os juízes

fazem escolhas168

e daí poderem manipular precedentes e normas jurídicas, ante a possível

influência de seus pontos de vista políticos, posicionamentos morais e seus preconceitos

pessoais (aspecto cético) no sentido selecionado.

Não obstante tais condições de consciência cética (pragmática) a respeito da aplicação

das normas, estas ainda funcionam, ou seja, os juízes acatam e aplicam as leis, existindo

fatores relacionados a práticas sociais e institucionais que restringem a juízes e o fazem

geralmente adotar previsíveis decisões legalmente consistentes (o aspecto da regra-limite).

Tais posicionamentos também recordam o pensamento de Benjamin N. Cardozo169

a

respeito de serem ocasionais e relativamente raros os campos em que o julgamento judicial

168

Embora discorramos adiante a respeito de escolhas, há que desde logo admitir que como toda decisão se faz

entre opções (até porque se assim não fosse e não houvesse alternativa a ser escolhida, não seria decisão) e o juiz

não pode deixar de decidir, pelo que chegamos à conclusão de que julgar implica valorar as opções disponíveis,

bem como muitas vezes interpretar a ambiguidade e vagueza das normas, valer-se de entendimentos anteriores e

acessar as fontes do Direito, o que reforça a percepção da criação judicial do Direito. 169

CARDOZO, Benjamin N., The Nature Of The Judicial Process (1921), New Haven: Yale University Press,

disponível em http://archive.org/details/natureofthejudic008454mbp, acessado em 15 de fevereiro de 2013.

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percorre sem estar vinculado a princípios fixos. Acentua o autor que na maioria das vezes não

ocorre nenhuma obscuridade quanto às normas, precedentes, moral e costumes, nem se

verifica qualquer colisão entre eles, pelo que o julgador atua na conformidade normativa

indicada sem maiores dificuldades interpretativas.

Assim, entende Brian Z. Tamanaha que os aspectos céticos (pragmáticos) e regra-

limite balanciam as atividades jurisdicionais, não as afastando totalmente dos limites legais,

mas ao mesmo tempo a estes não as condicionando exclusivamente nem impedindo outras

influências170

.

Adverte o autor para a noção de que o aspecto da regra-limite de julgar pode funcionar

não obstante os desafios do aspecto indutor do ceticismo, mas tal conquista faz parte de um

contínuar nunca perfeitamente realizado ou garantido.

Reconhece Brian Z. Tamanaha a inevitabilidade de várias influências políticas nos

atos de julgamento, mas também identifica o papel apropriado e limites de tais influências.

Percebe-se, e o próprio Brian Z. Tamanaha admite, que o reconhecimento da

existência de tal realismo balanceado não vai resolver o debate a respeito de como julgar, mas

apenas evidenciar a fragilidade da dicotomia formalismo-realismo.

Desta maneira o realismo equilibrado é adequado apenas no aspecto de remeter o

problema decisório a um equilíbrio entre os aspectos indutores de julgar e os aspectos ligados

às normas.

Resta, pois, saber se existem componentes comuns às decisões.

É o que pretendemos a seguir.

170

Podemos inclusive afirmar que Posner se revelar um adepto do realismo balanceado, repetindo o que os juízes

dizem há séculos a respeito de julgarem levando em conta não apenas a letra da lei, mas sua finalidade e os

efeitos produzidos concretamente, malgrado as críticas ácidas a respeito dos comportamentos dos magistrados.

POSNER, Richard A., How judges think, Cambrigde: Harvard University Press, 2008 e POSNER, Richard A.,

Para além do Direito, título original Overcoming Law, tradução de Evandro Ferreira e Silva, São Paulo: Editora

WMF Martins Fontes, 2009, principalmente na Parte Um, 3- O que os juízes maximizam? p.116-154.

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95

7-Abandono das ilusões do dualismo e adoção do sentimento do justo

Podemos concluir que a dinâmica da ultrapassagem do apego ao normativismo às

tentativas de retorno exclusivo ao Direito Natural, bem como o regresso contemporâneo ao

funcionalismo são identificáveis como meros saltos de uma ilusão a outra, no reforço do mito

de um suposto dualismo extremista e aferro a um falso problema da pretensa e exclusiva

racionalidade.

Na verdade, as atitudes reducionistas tendentes a expurgar zonas de contatos e pontos

de convergência entre os variados matizes próprios das situações humanas fazem-nos lembrar

a ilustração de Jacques-Marie Émile Lacan171

a respeito da alienação sempre ocorrente nas

chamadas escolhas forçadas.

Como se sabe, Jacques-Marie Émile Lacan indica a escolha forçada como aquela na

qual o sujeito é colocado em uma situação de fragilidade no que diz respeito à sua autonomia

e diminuição de seu livre arbítrio. Assim, ao realizar uma escolha, perde-se inevitavelmente

outra, o que confirma a noção de que toda escolha é necessariamente perdedora.

O autor utilizou o exemplo do assaltante que nos mandaria decidir: a bolsa ou a vida.

Em termos de bom senso, ninguém escolheria a bolsa, mas mesmo se assim o fizesse, parece

garantido que após tirar nossa vida, o bandido levasse também a bolsa. Por outro lado, se

escolhêssemos a vida, também não existe garantia de que nossa vida fosse preservada.

Tencionamos realçar é o fato de que quando nos colocam em uma encruzilhada, onde

temos que escolher entre duas supostas opções, geralmente estamos apenas reforçando uma

ficção entre duas escolhas quando na verdade existem inúmeras outras, inclusive com a

conjugação das duas iniciais opções com as demais assemelhadas.

171

LACAN, Jacques, Seminário 11-Os quatro conceitos básicos de Psicanálise (1964), título original Les

quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse (S XI), tradução de M D Magno, 2ª edição, Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 1998, p.201.

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96

Cremos, na verdade, não ser possível adotar única e exclusivamente qualquer que seja

o modo de percepção e aplicação do Direito, da mesma forma que não é possível perfilhar

uma exclusiva abordagem terapêutica perante um paciente172

.

Não há, pois, que se forçar a escolha doutrinária dicotômica entre positivismo e

jusnaturalismo, muito menos se aceitar que os efeitos da aproximação com aspectos de uma

opção resultem no total afastamento e rejeição de feições da abdicada.

Entendemos, como mencionado, que questões a este respeito possuem intrinsecamente

relacionadas convicções dinâmicas pertinentes às relações entre Direito e Poder, e desde logo

adiantamos ser possível a existência e convivência entre justiça e liberdade, justiça e

segurança jurídica, justiça, liberdade, igualdade e segurança jurídica e uma infinidade de

interações.

As relações entre Direito e Poder são comuns na Filosofia do Direito, recorrentes na

história e periódicas no pensamento jurídico, pelo que a discussão a respeito do sentido do

Direito na verdade guarda inerente conexão com as ideias de subordinação do Direito ao

Poder ou do Poder ao Direito, com reflexos no entendimento alusivo ao vértice do poder

soberano.

Podemos dizer, pois, que a sempre existente polifonia a respeito de como concretizar o

sentido do Direito, assim como o contemporâneo sublinhamento dos discursos sobre a

Modernidade e Pós-Modernidade, representam na verdade meras tentativas de narrativas

totalizantes de um projeto de mundo que se caracteriza pela imposição de determinado

modelo de organização social que se pretende objetiva e apartidariamente válido.

Vê-se, pois, que cada narrativa do Poder produz seu discurso fundante e justificador

do sentido que entende pertinente para ser projetado no mundo e nas relações, propondo

172

Como bem diz Contardo Calligaris ao referir-se ao terapeuta, o primeiro compromisso sempre é com as

pessoas que confiam em você e trazem para o consultório uma queixa que pede para ser escutada e resolvida,

devendo-se prestar o melhor serviço possível sem a preocupação de pertencer ou reproduzir exclusivamente um

método ou ferramenta terapêutica. Adverte ainda o autor que uma prática e uma disciplina têm seus dias

contados se perderem o rumo de sua utilidade social para se preocuparem apenas com sua reprodução.

CALLIGARIS, Contardo, Cartas a um jovem terapeuta – reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e

curiosos, 11ª tiragem, Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2008, p.97-98.

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97

modos específicos de se atribuir significado e a legitimidade às práticas defendidas e inspirar

novos conceitos e estimular exercícios.

Dado que intrinsecamente relacionado com o exercício do Poder político organizado

formal e normativamente, o campo jurídico está, assim, sob intensa influência da

multiplicidade de forças políticas, ideológicas, sociais, históricas e mesmo individuais, bem

como sujeito ao vigor das disputas correspondentes.

Desta forma, enquanto Hans Kelsen considerava o Direito como o principal

instrumento de organização e de controle da força173

, outros, como Carl Schmitt174

, concebem

o Direito como o produto da capacidade de decisão de quem tem o poder.

Qualquer das vertentes, com seus graus e intensidades de adesão, exercem diretamente

influência na concepção geral das relações jurídicas entre o Estado e os cidadãos sem, no

entanto, conseguir se impor hegemonicamente sem lacunas.

Nesse sentir, entendemos que qualquer raciocínio que esbarre no positivismo, mesmo

que este seja principiológico, na medida em que indica base única e oficial de validez do

Direito e correspondente fundamento para os julgamentos e alcance de sua finalidade e

sentido, fortalece o normativismo e robustece o poder estatal, nem sempre legítimos e

democráticos.

Assim, ainda que os termos normativos utilizados sejam propositalmente ambíguos e

de interpretação ampla, a aparentemente possibilitar adequação social contemporânea dos

entendimentos a respeito das questões levadas a julgamento, não cremos que tal critério seja

satisfatório.

De igual maneira, mesmo por se dizer apegado à natureza, seja esta humana, social ou

mesmo dialógica, os empenhos jusnaturalistas para isentá-los de qualquer contatos com a

173

Observe-se que, referente à Justiça, Hans Kelsen propôs delimitar o Direito no que diz respeito ao valor, mas

não eliminar toda e qualquer consideração ética do Direito. O autor sustentava apenas que a valoração ética do

Direito não é função da Ciência Jurídica. Cfr. LOSANO, Mario. Introdução. In: KELSEN, Hans O Problema

da Justiça, título original Das Problem der Gerechtigkeit, tradução de João Baptista Machado, 5ª edição, São

Paulo: Editora Martins Fontes, 2011, p. XIV. 174

SCHMITT, Carl, O Guardião da Constituição, título original Der Hüter der Verfassung, tradução de

Geraldo de Carvalho, Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007.

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historicidade e a ambiência das pessoas, e mesmo com o Direito Positivo titularizado, são

incapazes de adquirir o condão de não se verem contraditória e paradoxalmente imprecisos,

arbitrários e verdadeiramente irreais.

7.1- O intrínseco justo natural

Javier Hervada175

desenvolve raciocínio interessante a respeito do Direito Natural e

Direito Positivo em termos de fundamentação e título a ser posto em prática.

Segundo o autor, só se pode falar em justiça se for esclarecida a fonte de Direito a que

se refere, ou seja, partindo da ideia de que justiça é dar a cada um o que é seu, há que se saber

o que é meu e seu para podermos verificar na hipótese concreta, se for o caso, quem está com

o que de alguém.

Desta forma, a justiça só ocorre após dita definição inicial, não se podendo falar de

justiça sem que haja um título sobre uma coisa. Um ato de justiça pressupõe, portanto, um

Direito constituído com anterioridade.

A justiça é, assim e, nessa concepção, a virtude de cumprir e respeitar o Direito e não a

de criá-lo. A justiça, por ser benefício das relações sociais, exige sempre alteridade e atividade

subjetiva, reclamando, pois, sujeitos diretamente interessados em atividades habituais

tendentes a cumprir as leis, sejam estas naturais ou positivas.

Esclarece o autor176

que, ao se falar em Direito justo ou injusto, na verdade, se está

fazendo uma comparação entre o Direito Positivo e um direito anterior e preexistente, sendo

este desde a Antiguidade chamado de Direito Natural. Desta forma, o que chamamos ordem

de justiça, exigências de justiça ou normas de justiça correspondem ao Direito Natural. O que

preexiste ao Direito Positivo é, portanto, o Direito Natural e não a justiça.

175

HERVADA, Javier, Crítica Introdutória ao Direito Natural, título original Introducción Critica al Derecho

Natural, tradução de Joana Ferreira da Silva, Porto: Rés-Editora Ltda, 1990. 176

HERVADA, Javier, Crítica Introdutória ao Direito Natural, ob.cit. p.24.

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99

Observe-se que, sendo a justiça decorrente da conformidade com o Direito, esta pode

ser tida como conforme o Direito Positivo e este em correspondência com o Direito Natural.

Assim, na verdade, a justiça do Direito Positivo pode estar em relação com o Direito Natural.

Registremos ainda a ideia de que, se o Direito Positivo é posto, o Direito Natural é

pressuposto e proposto perante a liberdade do homem, mas exigível ante sua dignidade

inerente. A proposição é primordialmente de fundamentação axiológica, sendo que ocorre

simultaneamente a titulação quando se refere a direitos inerentes à pessoa humana.

Há, pois, nas palavras de Javier Hervada177

, os direitos naturais originários e os

subsequentes.

Segundo o autor, o Direito Natural originário, constante e perene, diz respeito à

própria existência humana, independentemente de reconhecimento formal normativo,

representando valores inerentes à pessoa. Os direitos naturais subsequentes são aqueles que,

com base na natureza humana, dimanam de situações criadas pelas pessoas, sendo assim

dotados de maior variabilidade.

Assim, exemplifica o autor, tanto o direito à vida como os seus derivados, o de

medicar-se e preservar-se, são direitos originários. A legítima defesa, por sua vez, é um

direito subsequente, pois exige a ocorrência de situações humanas específicas.

Percebe-se, com efeito, a multiplicidade dos direitos naturais subsequentes, de acordo

com a quadra histórica vivenciada e os fatores de condicionamento ao seu reconhecimento e

implementação.

Nota-se, também, que é ampla a possibilidade de evolução, acréscimo e extensão dos

Direitos naturais subsequentes, conforme a própria dinâmica cultural e mesmo

desenvolvimento tecnológico a suscitar vivências e relações inusitadas.

Queremos reafirmar é que o Direito Positivo convencionalmente colocado à

disposição dos sujeitos por meio de normas formais ou costumeiras conhecidas e em vigor,

177

HERVADA, Javier, Crítica Introdutória ao Direito Natural, ob.cit. p.84.

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100

normalmente significa a segurança operacional dos ideais de uma sociedade eleitos a

receberem especial proteção do Estado.

Tais ideais são pressupostos, propostos e identificáveis como fundamentos das

existências normativas positivas e são relacionados aos elementos de valor e dignidade

humanos do Direito Natural.

Observe-se, no entanto, que nada há a garantir que determinado povo não se afirme

respeitador de uma espécie de Direito Natural, francamente em oposição às concepções gerais

dos demais povos.

Assim, por exemplo, nada impede que adeptos da supremacia ariana preguem que as

normas regentes de suas relações refletem a justiça universal e de origem divina que os

diferencia dos demais habitantes do mundo.

Evidentemente, não se pode verdadeiramente identificar tais concepções como algo a

ser levado a sério, mas apenas como uma espécie, ao mesmo tempo, cínica e petulante de

apropriação e distorção dos conceitos.

Tal exemplo esclarece que não há como negar a existência de Direito Positivo afastado

dos valores e dignidade humanos. Daí decorre que procurar segurança humanamente

relevante em uma justiça baseada apenas no que a norma afirma é uma tentativa nitidamente

limitada e tendente à aceitação de arbítrios. Frise-se que tais casos não negam a existência de

um Direito Natural protetor, mas apenas atestam o afastamento ocorrido.

A real abrangência das concepções de Direito Natural privilegia a todos os povos, sem

qualquer restrição discriminatória ou preferencial, devendo ser afastado qualquer arremedo

teórico que se distancie de tal entendimento.

Tudo o que escrevemos até agora foi a respeito da fundamentação do Direito.

Como dissemos, no que diz respeito à titulação do Direito Natural original, basta a

própria existência humana, para atuarem, em um só conjunto, a fundamentação e o título do

assegurado em decorrência da própria vida.

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A titulação do Direito Positivo refere-se, por sua vez, aos fatos e atos ocorrentes na

vida normal dos sujeitos.

Assim, embora se possa falar em abstrato a respeito do Direito de herança, este só

surge concretamente com a existência do filho de um pai que faleceu com bens livres.

Tal questão parece simples, mas a complexidade dos fatos da vida por vezes exige

muito mais do jurista do que a mera constatação da ocorrência de algo, determinando maior

grau de percepção.

Observe-se, ainda, que uma coisa é falarmos da existência do Direito Natural como

ideais propostos, antecedentes e fundantes do Direito Positivo, e outra é discorrermos a

respeito do conteúdo de tal Direito Natural.

Por enquanto estamos nos referindo apenas a respeito de sua existência, mas já

adiantamos que o conteúdo, principalmente dos Direitos naturais subsequentes, guarda intensa

relação com a historicidade e a ambiência dos sujeitos e, como também já mencionado, nada

garante que seja isento de distorções.

De onde surgiu o Direito Natural é questão clássica da Filosofia do Direito e até hoje

não exibe unanimidade.

Entendemos que a solução de sua pressuposição inerente à dimensão humana não

deixa de refletir ideias metafísicas de conteúdo religioso ou místico.

Sermos dotados de certos atributos da divindade ou possíveis caracteres do mesmo

pai, com tendências fecundas e inventivas inatas e inclinações ao aperfeiçoamento constante,

à imagem e semelhança do Criador, sem dúvida indicam a aceitação da transcendência inicial

de todos.

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102

Por outro lado, pode-se conceber o Direito Natural como exclusivamente criação

humana, fruto de nossa necessidade de segurança e estabilidade, como denuncia Hans

Kelsen178

.

Neste aspecto, adverte Gustavo Zagrebelsky179

que nada mais sedutor do que, ante

situações de verificação de leis injustas, se contraponha uma lei objetiva da natureza que

ninguém pode corromper nem nada é capaz de alterar, apta e disposta a garantir certezas

éticas eternas.

Ocorre, indica o autor, que a concepção do conteúdo de tais normas não é terreno de

consenso, mas das disputas ideológicas mais do que acirradas.

Assim, a própria ideia do que seja a natureza bem como a, por assim dizer, natureza da

natureza jaz controversa. Desta forma, para alguns, a natureza é obra de Deus e a todos

favorece, merecendo ser preservada tal como é ou da maneira como é percebida, defendendo-

a de toda a corrupção humana. Para outros, é fruto do diabo e de matriz maléfica, pelo que é

nosso dever fazer tudo para domá-la e modificá-la.

O conteúdo do Direito Natural guarda, pois, as mesmas polêmicas.

Os cristãos percebem o reino da igualdade e da dignidade humana. Outros, como

Aristóteles, entendiam ser a escravidão conforme a natureza. Alguns o confundem com as

normas de sobrevivência do mais forte. Poucos defendem como aplicáveis socialmente a má

compreensão da teoria da evolução darwinista em que apenas os mais aptos180

devem ser

protegidos de forma a poderem superar as naturais modificações do mundo e os fluxos

normais da vida, dentre vários outros exemplos.

178

KELSEN, Hans, O Problema da Justiça, título original Das Problem der Gerechtigkeit, tradução de João

Baptista Machado, 5ª edição, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2011. 179

ZAGREBELSKY, Gustavo, Contra la ética de la verdad, título original Conta l’ética della veritá, tradução

de Álvaro Núñez Vaquero, Madri: Editorial Trotta, 2010, p.90 180

Verifique-se o opúsculo nazista Du und dein Volk ( Tu e teu povo -1940) dirigidos à juventude ariana a

respeito do extermínio dos deficientes (Vernichtung der MiBratenen) e defesa do que se entendia por raça pura

(der verfallenden Rassen), surpreendentemente ainda disponível on line em http://nsl-archiv.com/Buecher/Bis-

1945/Schrey,%20Kurt%20-

%20Du%20und%20dein%20Volk%20(um%201938,%2051%20S.,%20Scan,%20Fraktur).pdf, acessado em 16

de fevereiro de 2013.

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Conclui Gustavo Zagrebelsky que tantos direitos naturais serão verificáveis quanto os

sistemas de pensamento e visões de mundo, sendo frequentemente diferentes e antitéticos, no

que se identifica com as críticas de Hans Kelsen181

e com o pensamento de Norberto

Bobbio182

a respeito de ter sido o jusnaturalismo utilizado para defender morais opostas.

Daí finalizar Gustavo Zagrebelsky dizendo que, tais Direitos não possuem origem na

natureza, mas propriamente na cultura, sendo esta constituída do que entendemos por

humanidade, religião, crenças e civilidade183

.

Com base em tal percepção, podemos dizer que o Direito dito natural não seria

correspondente a alguma suposta essência meramente existencial das pessoas, mas sim, mero

Direito Cultural.

Talvez no que diga respeito aos direitos naturais subsequentes, tal afirmação seja mais

tranquila, persistindo a dúvida a respeito da procedência, divina ou cultural, na delimitação do

que sejam os direitos naturais originais.

Observe-se que, mesmo se concordando que o conteúdo dos Direitos Naturais

originais corresponda à própria dimensão humana, como o direito à vida, liberdade,

igualdade, educação, saúde, família e trabalho, dependendo das opções valorativas realizadas,

um Direito Natural inicialmente concebido como original pode ser tido como subquente e,

portanto, diminuído conforme a situação histórica vivenciada.

Assim, normalmente, a liberdade é considerada Direito Natural original e assegura-se

sua aplicação a todos, bastando a condição de ser humano.

Ocorre que, em outra quadra histórica, a liberdade pode ter sido considerada Direito

Natural subsequente, derivado da condição especial, como a de origem ou raça e, portanto,

181

KELSEN, Hans, O Problema da Justiça, título original Das Problem der Gerechtigkeit, tradução de João

Baptista Machado, 5ª edição, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2011. 182

BOBBIO, Norberto, Locke e o Direito Natural, título original Locke e il Diritto Naturale, tradução de Sérgio

Bath, Brasília: Editora UnB, 1997p. 62. 183

ZAGREBELSKY, Gustavo, Contra la ética de la verdad, título original Conta l’ética della veritá, tradução

de Álvaro Núñez Vaquero, Madrid: Editorial Trotta, 2010, p.91-92.

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sujeita às limitações de percepção de um povo em determinado ambiente, admitindo-se,

assim, a escravidão184

.

Desta maneira, mesmo em tal significação, se encontram as constantes disputas entre

Direito e Poder, sendo certo que o segundo pode se valer do primeiro como forma de alcançar

falsa legitimidade de atuação e defender limitações abusivas e desvirtuantes das qualidades e

faculdades humanas.

7.2- Por entre fragilidades e fortalecimentos

A fragilidade dos direitos naturais e a aparente precariedade de sua aplicação, vez que

sujeito a burlas e más compreensões, volta a evidenciar concretamente que nem mesmo as

ideias mais elevadas estão isentas de percorrerem os continentes sociais e humanos.

Percebemos que qualquer adesão acrítica, ferrenha e privativa, a conceitos e

valorações apriorísticos que se pretendam universais e perenes, afirmados por quem possui a

pretensão de colocar seus apegos à frente e ao elevado de toda norma e Constituição, esconde

os conflitos de sua determinação.

Agindo assim, olvida-se a historicidade do mundo e renegam-se as peculiaridades das

sociedades, além de renunciar-se à influência constante do pluralmente vivido e sentido

culturalmente por todos.

Tal posição também rejeita a relevância das normas eleitas e postas, ao mesmo tempo

em que recusa a presença as características pessoais e intimas de cada caso que envolve em

uma só estação as partes, advogados e juiz, sonhos, desejos, interesses, versões, direitos e

expectativas.

Desta maneira, torna-se ainda mais evidente que para os direitos inerentes à pessoa

humana deixarem seus contornos idealizados e afirmarem-se sem peias na realidade concreta

necessita-se do eterno compromisso dos agentes e sujeitos na sua elaboração quotidiana. Tal

184

Observe-se que apesar de certos direitos serem considerados como inerentes à condição humana, verifica-se

na história que por inúmeras vezes até mesmo o direito à vida e à liberdade foram negados a diversas categorias,

como estrangeiros, mulheres, tribos rivais e povos inimigos.

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ocorre na ativação constantemente da crítica e incremento de verificações contínuas do que é

sugerido como aceitável.

Observa-se, no entanto e paradoxalmente, a existência paralela da continuidade da

fragilidade humana em todas as manifestações, inclusive institucionais e sua capacidade de

desdobramento e superação.

Ressalte-se, ainda, que na definição do justo aplicável, igualmente não nos atrai a

aceitação privada das teorias da argumentação como modelos totalizantes de racionalidade

crítica.

É que muitas vezes nos parecem representar meras tentativas de reunificação de

discursos jurídicos vacilantes e incapazes de lidar com todos os problemas humanos e sociais

submetidos a exame. Em outras ocasiões, nos sugerem meras aparências de reflexões

científicas que maceram métodos ou técnicas interpretativas até se tornarem eficientes

veículos de representação imaginária do papel do Direito na sociedade.

Cremos que tal ocorre por meio de processos de ocultamento das relações subjacentes

entre os interesses em questão e as decisões correspondentes, valendo-se da apresentação de

diretrizes como que oriundas de pensamento jurídico, mas que representam apenas opções

valorativas ou estratégicas que aparentemente legitimam certas práticas e patamares de

cidadania. Tais comportamentos lhes conferem suposto estatuto de cientificidade quando, na

verdade, só subexistem como álibis retóricos para suprir a falta de integridade e coerência no

fundamento da decisão.

Referidas sistematizações nos parecem ainda meras reduções explicativas das opções

realizadas, sem, no entanto, propiciarem incursões satisfatórias a respeito de como tais

escolhas foram identificadas e selecionadas, deixando de lado fatores que entendemos

essenciais para a compreensão do sentido do Direito e da Justiça.

Assim, concordamos com Norberto Bobbio185

no sentido de que o Direito Natural não

é uma moral, mas um modo de dar fundamento à moral. Agir em forma de teoria da moral é

185

BOBBIO, Norberto, Locke e o Direito Natural, título original Locke e il diritto naturale, tradução de Sérgio

Bath, Brasília: Editora UnB, 1997p. 58-65.

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compor um conjunto de argumentos elaborados sistematicamente com o objetivo de dar a uma

moral uma justificação racional apta ao convencimento. E é isso que a ideia de Direito

Natural realiza: fundamenta com argumentos próprios a razão do Poder se submeter ao

Direito.

Só percebemos tal conclusão, no entanto, como suficiente para a definição do sentido

e conteúdo do Direito colocado em prática se, também como Norberto Bobbio186

, chegarmos

à conclusão de que só se pode fundamentar ou justificar um juízo de valor apelando-se para

outro juízo de valor. E concluirmos que o conteúdo moral a que se chega pela teoria do

Direito Natural, qual seja a eterna existência de garantias de proteção jurídica do indivíduo

contra a força, seja esta particular ou organizada do Poder Estatal, com franca limitação do

poder soberano é, então, cultural e não essencial.

7.3- A preexistência em renascimento

Podemos visualizar a ideia de que o Direito preexistente ao Direito Positivo é, por

assim dizer, um dos aspectos do inconsciente coletivo histórico, social e culturalmente

situado, mas em constante evolução e ininterrupta interação, a envolver os fatos e agentes e a

situacionalmente os influenciar de maneira particular.

Como se sabe, o conceito de Inconsciente Coletivo foi criado pelo psicólogo suíço

Carl Gustav Jung, ao ampliar o conceito de inconsciente.

Segundo o autor, temos na nossa alma uma grande região que é governada por tudo o

que não temos consciência, mas existe em nós (o escondido, o recalcado, o esquecido) e nos

influencia nos comportamentos, sentimentos e pensamentos (inconsciente187

pessoal).

Ademais, também somos influenciados por tudo o que a humanidade como um todo já viveu

(inconsciente coletivo e seus arquétipos).

186

BOBBIO, Norberto, Locke e o Direito Natural, ob. Cit. p.62-63. 187

António R. Damásio fala de inconsciente genômico como sendo as instruções contidas no nosso genoma que

governam a construção do organismo com as características distintas dos fenótipos tanto no corpo como no

cérebro e que também auxiliam no funcionamento do organismo, indicando nossas preferências espontâneas,

apresentando-se como uma das forças ocultas com que convivemos. DAMÁSIO, António R. E o cérebro criou

o homem. Título original Self comes to mind: constructing the conscious brain, tradução de Laura Teixeira

Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.338-339.

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107

Diz Carl Gustav Jung188

:

(…) o inconsciente contém, não só componentes de ordem pessoal,

mas também impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas

ou arquétipos. Já propus a hipótese de que o inconsciente, em seus

níveis mais profundos, possui conteúdos coletivos em estado

relativamente ativo, por isso o designei inconsciente coletivo.

Tal rede de arquétipos aceitos ostenta, por sua vez, ampla gama de possibilidades de

ressignificação pessoal do que seria justo, mas sempre partindo de certo conjunto de ideais

sobre o próprio justo ante acontecimentos reais189

.

Carl Gustav Jung190

também desenvolveu uma reaproximação do conceito alquímico

de “anima mundi” por via da expressão “unus mundus”, para sugerir que cada estrato da

existência está intimamente ligado com os outros, estando todos submetidos à coordenação de

um plano supraordenado e transcendente que coordena as partes separadas.

Assim, “Unus Mundus” (mundo uno) é transcendental porque vai além do conhecido e

supera a divisão cartesiana de mente e corpo, assim como as nossas categorias humanas de

espaço, tempo e causalidade. Tal conceito pode ser compreendido como o mundo potencial e

extratemporal dotado de todas as pré condições que determinam a forma do fenômeno

empírico, tanto psíquico quanto físico.

Para os gnósticos, o conceito de "unus mundus" é expresso mediante termo pleroma,

que representa a plenitude do divino ou do mundo invisível.

188

JUNG, Carl Gustav, Estudos sobre Psicologia Analítica, Petrópolis: Editora Vozes, 1978,p. 127. 189

Assim, em termos de conteúdos morais e valorativos mais ou menos comuns em uma sociedade, sempre

ocorrem suas ressignificações pessoais como que seguindo a mesma senda de nossos genes. Neste aspecto,

sabemos que, apesar de o material genético ser igual em todas as células do nosso corpo, os genes contidos nele

se expressam de maneiras diferentes a depender do tecido ao qual a célula pertence. Pode-se dizer, portanto, que

os genes são idênticos, mas a expressão gênica é específica para cada tecido. ZATZ, M.; PASSOS-BUENO, M.

R. Células-tronco: informações gerais. Disponível em http://genoma.ib.usp.br/celulastronco/infogerais.php.

Acesso em: 19 de março de 2014. 190

JUNG, C. G. (1955/1956). A conjunção. In: _____. Mysterium Coniunctionis. Petrópolis: Vozes, 1990. p.

210-312. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 14/2).

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108

Esclarece June Singer191

que para os gnósticos o dualismo deve se referir a uma

divisão no seio da Plenitude com o Não manifesto (pleroma), adquirindo forma e ocorrendo a

criação. Desta maneira, apenas quando o Não manifesto (o mundo invisível, a ordem

implicada) ingressa no mundo da forma, começa a se manifestar, podendo se falar na

separação entre o mundo visível e o invisível.

Carl Gustav Jung utilizou tal dicção como aproximação do “unus mundus” de maneira

também conexa ao que David Bohn192

definiu como ordem implicada da realidade.

Para o Físico, ao que chamamos realidade do mundo fenomênico (Ordem Explícita,

universo espaçotemporal em que vivemos) subjaz uma Ordem Implícita (universo não

manifestado).

Assim, o que se manifesta é a expressão de uma ordem subjacente, sendo o universo

um todo indivisível que flui constantemente. Para David Bohn, a ordem tradicional da Física

de teor clássico, baseada na distribuição dos eventos no espaço e tempo (“ordem explícita” ou

“desdobrada”), não seria a ordem fundamental, sendo esta verdadeiramente a ordem mais

profunda, a partir da qual se explicitariam o espaço e o tempo (“ordem implicada ou

envolvida” ou “implicate order”). Desta maneira, duas partículas emaranhadas teriam uma

ligação ou dependência mútua que seria anterior ao espaço-tempo.

Superando o materialismo mecanicista, que tende a ver o mundo como constituído de

matéria, sugere o autor que a ontologia básica é na verdade provida de movimento, ou seja,

adotando uma filosofia de processo, entende David Bohn que é o fluxo, a constante mudança,

que propicia condições para emergirem estruturas dinâmicas relativamente invariantes.

O autor também conclui que há de se ter em consideração a consciência e a realidade

como não separadas uma da outra e a visão geral de mundo constitui-se de um movimento

global de pensamento que solicita um processo infindável de desenvolvimento, evolução e

191

SINGER, June. A mulher moderna em busca da alma: guia junguiano do mundo visível e do mundo

invisível. Título original The modern woman in search of soul, tradução de Maria Silvia Mourão Netto, São

Paulo: Paulus, 2002, p. 163. 192

BOHM, David, Totalidade e a Ordem implicada, título original Wholeness and the Implicate Order,

tradução de Mauro de Campos Silva, São Paulo: Editora Cultrix, 1992.

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109

desdobramento com o fito de que todas as atividades estejam em harmonia como partes do

processo universal que é o fundamento de toda a existência193

.

Esclarece David Bohm194

que:

(...) Eu desenvolvi a noção de ordem explicada (realidade manifesta) e

de ordem implicada. A característica essencial foi de que todo o

universo está de algum modo presente em tudo e que cada coisa está

associada ao todo. A partir dessa proposição, conclui-se que de

alguma maneira e em algum nível tudo está associado ou pressupõe

tudo, mas de forma que sob condições típicas da experiência ordinária,

há uma considerável independência relativa entre as coisas. O

propósito básico é então o de que a relação de associação não é

meramente passiva ou superficial. Ao contrário, é ativa e essencial

para o que cada coisa é. Como consequência, cada coisa está

internamente relacionada com o todo, e consequentemente, a tudo

mais. (...) A ordem explicada, que domina a experiência ordinária (...),

portanto aparece como subsistindo por si mesma. Mas, na realidade,

ela não pode ser entendida adequadamente sem considerá-la em seu

enraizamento na realidade primária da ordem implicada.

Indica o autor que a realidade manifesta está sustentada em uma totalidade de fluxo

desconhecido e indefinível, mas que é a base de todas as coisas e do próprio processo de

pensamento.

Há de admitir que suas ideias também se aproximam fortemente das ideações de

Baruch Spinoza195, para quem matéria, vida e consciência são algumas “projeções” de uma

193

Aproxima-se de tal percepção de Amit Goswami. GOSWAMI, Amit, O Universo autoconsciente- Como a

consciência cria o mundo material, título original The self-aware universe- how the consciousness create the

material world, tradução de Ruy Jungmann, 2ª edição, São Paulo: Editora Aleph, 2008. 194

BOHM, David, Totalidade e a Ordem implicada, ob.cit. p. 273. 195

Em seu livro Ética, principalmente Primeira Parte- Deus, proposições 6 – Uma substância não pode ser

produzida por outra substância, 7- À natureza de uma substância pertence o existir, e 8- Toda substância é

necessariamente infinita. SPINOZA, Baruch, Ética, tradução de Tomaz Tadeu, edição bilíngue – Latim-

Português, 3ª edição, Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p.18-19.

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110

totalidade multidimensional única, e da teoria holográfica do cérebro do neurologista Karl

Pribram196

.

Para Karl Pribman, uma nova informação sensorial, ao ser recebida pelo cérebro, não

tem como se armazenar, pelo que interage e interfere com toda a memória e experiência do

organismo.

Segundo o autor, referidas "experiências passadas" agem como um quadro de

referência para os novos estímulos, que se mesclam com ditas informações em curso e passam

a fazer parte dele para analisar novos dados.

Indica Karl Pribman que tais informações estão espalhadas por todo o cérebro, com

densidades variadas para distintas características, localizadas em variadas áreas específicas,

sendo possível a comparação com um holograma, pois a informação estará sempre

armazenada em todos as campos cerebrais, apenas com algumas zonas mais intensamente

aperfeiçoadas.

Sugere o autor que, da mesma forma que um bebê começa a vida com um quadro de

referência fraco, mas a cada momento sucessivo, a interferência cognitiva acontece e se

fortalece pela exposição e repetição das experiências. Assim também, somos todos.

Com efeito, as interferências chamadas momento-a-momento conjugadas com as

momento-mais-a-soma-das-experiências acontecem neste sistema. Nossa consciência é, pois,

fruto de relações associativas, o que pode esclarecer por que um pensamento pode levar a

outro.

Percebe-se que David Bohm e Carl Gustav Jung ultrapassaram os limites do que pode

ser tocado e apreendido pelos sentidos para admitirem a possibilidade da interconexão e

íntima afetação de os fatores da vida. Assim, pode-se aceitar o fato de que tudo e todos somos

afetados constantemente, aí incluindo-se, por questões físicas e metafísicas, matéria e

pensamento, razão e emoção.

196

PRIBRAM, Karl H, RAMÍREZ, J. Martin. Cerebro, mente y holograma, Madrid: Editorial Alhambra, 1980.

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111

Assim, da mesma forma que o universo e todos seus componentes formariam um só

núcleo total, onde as expressões de vida (realidade manifesta) representam a realidade

subjacente (ordem implicada, realidade potencial, “unus mundus” ou pleroma) que as embasa,

podemos admitir a hipótese de que nossos conceitos, valores e percepções remontam às

categorias e elementos prévios ao consciente, essenciais à sua expressão manifesta.

Reafirmamos que a tendência em se admitir um Direito Natural como parte ou

componente de tal realidade subjacente sempre existiu e aqui o tomamos como fruto

consciente ou inconsciente de nossa cultura.

Esclarecemos, portanto, que a possível preexistência de uma realidade normativa

subjacente ao Direito Positivo é na verdade o conjunto de nossos conceitos, valores e

manifestações a respeito do justo, formando nosso sistema de crenças.

Há que se acolher, no entanto, a persistência do mistério que envolve os componentes

das potências das expressões da vida na qual todos estamos imersos, aí incluído o fluxo de

energia desconhecido e indefinível e a inércia de um movimento contínuo de mudança que lhe

é inerente e que encerra sempre novas probabilidades de concretizações.

Pode-se, desde já, adiantar, mesmo que de forma limitada, que a previsão de

possibilidades de materialização jurídica é integrada não apenas pelo que se encontra previsto

nas normas, mas também pelo desejo (vontade) de efetiva concreção de seus pressupostos

admitidos, valorados e aceitos, em conformidade com as referências que possuímos e

ressignificamos a cada momento, como veremos com detalhes adiante.

Tal posicionamento nos remete à teoria das esferas da justiça, de Michael Walzer, para

quem as diferenças e os pluralismos devem ser tratados com tolerância para possibilitar a

coexistência pacífica de grupos de pessoas com histórias, culturas e identidades diferentes.

Argumenta o autor que o melhor arranjo político para alcançar este fim e, assim,

sustentar os direitos humanos, precisa basear-se na “história e cultura do povo”197

. Assim, a

busca por um princípio universal de justiça é inócua, sustentando que a justiça é a criação de

197

WALZER, Michael. Da tolerância, título original On Toleration, São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 09.

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112

uma comunidade198

política determinada em um momento apurado e a interpretação deve ser

realizada a partir da comunidade199

.

Michael Walzer indica que a concepção liberal de justiça distributiva ocasiona a

prevalência de certo tipo de valores no âmbito da política e da moral, os quais poderiam se

sobrepor às pretensões e aos valores das pessoas que deles não compartilhassem, o que

ocasionaria a anulação das minorias ou de maiorias subordinadas e dominadas por quem

monopolizasse ou dominasse um determinado bem social200

.

Defende o autor, assim, a ideia de que toda teoria da justiça (e uma prática do justo,

acrescentamos) tenha por base os pilares da igualdade complexa (onde a situação de alguém

em determinada esfera não pode se estender além dela, não havendo nem exclusividade nem

predominância) e a consequente autonomia distributiva conforme critérios particulares, com a

garantia de igualdade de oportunidades de acordo com o contexto histórico, cultural e social

da comunidade201

, esclarecendo que tal autonomia é também relativa ante o significado social

atribuído e aos valores compartilhados.

Defende Michael Walzer o argumento de que não há critério único para distribuição de

bens sociais202

, seja este mérito, classificação, hereditariedade, amizade, necessidade, livre

intercâmbio, lealdade política ou sequer decisão democrática, ante a coexistência de valores e

eleições dos diversos grupos concorrentes, as preferências das ideologias predominantes e a

influência das configurações políticas, tudo a caracterizar uma determinada sociedade e sua

cultura.

198

Como se sabe, para os comunitaristas, não há como se estabelecer uma teoria de justiça fundamentada em

princípios imparciais e universais, vez que o mundo é composto por pessoas profundamente envolvidas em sua

história e cultura, não havendo como cogitar-se em seres privados de suas personalidades e concepções

particulares acerca da vida digna. Assim, entendem que o reconhecimento da multiplicidade de identidades

sociais e culturas étnicas da sociedade contemporânea, bem como o acatamento das especificidades de cada

ambiente social indicam caminhos seguros para a justiça, pluralismo e valores comunitários. 199

MILLER, David; WALZER, Michael (Comp.). Pluralismo, justicia e igualdad. Título original Pluralism,

Justice and Equality, Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1997, p. 10. 200

WALZER, Michael. Esferas da justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade, título original Spheres

of Justice, tradução de Jussara Simões, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 04. 201

WALZER, Michael. Esferas da justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade, ob. cit.p. 06. 202

Pode-se exemplificar dentre a diversidade dos bens sociais nas sociedades liberais contemporâneas a

segurança e o bem-estar social, dinheiro e mercadorias, cargos públicos, empregos, lazer, educação,

reconhecimento (estima, honras públicas etc) e poder político.

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Acrescenta o autor que a medida básica para a participação comunitária é a pertença,

ou seja, quem, por exemplo, não pertence a nenhuma comunidade não terá acesso a bens

coletivamente distribuídos, como a segurança e o bem-estar.

Percebe-se, com efeito, que as decisões políticas estão diretamente permeadas por

diversas posições morais, assim como a moral acha-se permeada pelas decisões políticas203

,

cabendo ao Estado promover uma intervenção moderadora, de maneira a impedir o

predomínio das preferências de certos grupos de pessoas, esclarecendo-se que assim o faz

muitas vezes por meio do Poder Judiciário quando decide sobre questões de segurança, saúde,

educação, moradia, emprego e ascensão a cargos públicos, e ao utilizar distintos critérios de

distribuição desses bens.

Ocorre que justamente por levar em consideração essa complexidade de fatores,

visando a alcançar a realidade da pluralidade humana, a escolha dos princípios que regulam

esse sistema distributivo deve considerar o particularismo de cada comunidade com

fundamento em suas características históricas e culturais, o que torna a tarefa do intérprete e

aplicador do Direito ainda mais difícil no que diz respeito ao significado social de cada

bem204

.

Na verdade, podemos acentuar que, ao contrário do que a mítica jurídica aprecia, a

vivência forense, principalmente no que se refere às questões decisórias, não é composta de

certezas e seguranças, mas de processos, movimentos e possibilidades, sobressaindo-se com

muito maior intensidade os fluxos e conexões entre percepções do justo de acordo com as

pessoas e suas circunstâncias do que com base em ideias dogmáticas sobre substâncias,

formas, delimitações e estados.

Observe-se ainda, como bem diz Norberto Bobbio, que a conclusão a respeito dos

limites do Estado perante o cidadão não é exclusividade do jusnaturalismo, mas também do

utilitarismo, do positivismo evolucionista, do socialismo pluralista e do idealismo kantiano205

.

203

WALZER, Michael. Esferas da justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade, ob.cit.p. 18. 204

Michael Walzer identifica os bens sociais a serem distribuídos em segurança e bem-estar social, dinheiro e

mercadorias, trabalho, educação, reconhecimento e poder político. Pode-se dizer que a principal colaboração do

autor dá-se no resgate do espaço público e da cada vez maior participação das pessoas na vida política da

comunidade, com a predominância do respeito da tradição cultural como maneira de elaboração da verdadeira

cidadania, democracia e realização da justiça social. 205

BOBBIO, Norberto, Locke e o Direito Natural, ob. Cit. p.71.

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Tal constatação reforça a percepção de ser o chamado Direito Natural não apenas um

conjunto de normas ou valores observável sistematicamente como habitualmente se imagina,

mas também se conforma como teoria que fundamenta e manifesta a supremacia da condição

de ser livre perante o poder estatal, o que leva à constatação de que as pessoas e suas virtudes

cidadãs merecem ser protegidas e exercitadas antes da satisfação de qualquer interesse

econômico ou projeto partidário.

O que realmente permanece renascendo, pois, é propriamente o desejo humano e

necessidade democrática da garantia da felicidade como realização das potencialidades e da

supremacia da liberdade ante a opressão ou ameaça desta. E tal se dá pelo restabelecimento

constante da peleja a favor da igualdade real e no prélio pela verdadeira paz que vai além da

oposição à guerra, mas significa a paz na paz206

, tudo na direção da consecução da felicidade

compartilhada e socialmente responsável.

Cremos ser possível, mesmo reconhecendo as diferenças nas diversas camadas de

interesses, percepções, disposições e inclinações de todos, a sugestão de um critério tendente

a privilegiar as tensões existentes entre Direito e Poder e refletir nossas convicções a respeito.

Tal critério para ser relevante deve possibilitar a convivência e o diálogo na

diversidade de pontos de vista e sensibilidades, além de admitir e ressaltar as características

humanas sempre ocorrentes em qualquer verificação, reforçando-se a ideia de ser parte da

natureza humana a constante e interminável busca pelo melhor.

Concebemos, assim, o sentido do Direito e da Justiça, aqui entendido como sua razão

de ser, como a colaboração no plano na “(...) realização da felicidade humana, na

manifestação integrada da liberdade e garantia da igualdade democrática socialmente

ponderada”207

, ajudando a desenvolver relações sociais equilibradas pelo senso de tratamento

206

Assim afirmamos ante a constatação histórica de que o término de uma guerra, seja esta física ou econômica,

externa ou interna, não significa paz, mas apenas cessação de atividade bélica. Isso porque quando acaba uma

guerra (ou após interrupção de um evento natural como furacão, terremoto ou tsunami, ou após uma crise

econômica), permanecem a fome, a miséria, o desemprego, as doenças, a orfandade, a viuvez, o abandono, a dor

e muitas vezes a injustiça. Paz na paz e ser verdadeiramente livre significa, assim, o restabelecimento da

cidadania, assegurando-se a existência digna e o exercício de todas as potencialidades humanas, com todos os

direitos e esperanças daí decorrentes. 207

Embora não identifiquemos o termo “ponderação” como isento de questionamentos, dizemos “igualdade

democrática socialmente ponderada” no sentido de que a mera igualdade formal é insuficiente para assegurar a

justiça, necessitando-se de entendimento de referida igualdade como correspondente ao caso concreto e de

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equânime de todos, mediante mecanismos normativos e práticos protetores e garantidores,

decisões socialmente sensíveis e ações judiciais humanamente responsáveis.

7.4- A Felicidade, liberdade e garantia da igualdade democrática

Enfatizamos que para nós e de acordo com nossa estrutura de crenças, o sentido do

Direito e da Justiça a influenciar o sentimento do justo é identificável como a colaboração, no

plano jurídico, na realização da felicidade humana, na manifestação integrada da liberdade e

garantia da igualdade democrática socialmente ponderada, pois nem o Direito nem a Justiça

podem ser responsáveis pela realização integral208

de tais propósitos, sendo apenas

coadjuvantes em tal continuum de aperfeiçoamento social.

Observe-se que tal entendimento se afasta do mero funcionalismo, adotando

claramente a racionalidade, a sensibilidade e a intencionalidade com base em valores

intrinsecamente aceitos e os princípios referenciais ou sentido ético como condicionadores das

ações e resultados. Obviamente, dita concepção não tem proximidade ou identificação com

qualquer tipo de programação estratégica de fins controláveis pelos efeitos.

Explicitamos, desde já, que tal concepção não é inédita, uma vez que em todos os

povos, em todas as épocas e independentemente de suas diversas conformações políticas, o

Direito209

e a Justiça foram elaborados e vivenciados com o fim ou sob o pretexto de trazer

maior felicidade, liberdade e tratamento comum, mesmo admitindo-se que ditos conceitos

sejam também naturalmente amplos e dispersos210

.

acordo com as características específicas das pessoas envolvidas, sem qualquer restrição discriminatória ou

preferencial, mas como maneira a dotar as pessoas das mesmas oportunidades de tratamento igualitário. 208

Sabe-se muito bem, e como disse Sigmund Freud, que a aspiração da felicidade comanda o funcionamento do

aparelho psíquico, mas tal programa irrealizável em sua completude, ante as ameaças de sofrimento do próprio

corpo, destinado à ruína e à dissolução, do mundo externo e suas ameaças e os problemas das relações com os

demais seres humanos (FREUD, Sigmund, O mal-estar da cultura, título original Das Unbehagen in der

Kultur, tradução de Renato Zwick, Porto Alegre: L &PM Editores, 2011, p.64-65); no entanto, é óbvio que não

nos é possível renunciar aos esforços de tentar realizar tal projeto de alguma maneira ou ao menos nos aproximar

o mais possível de sua última versão admitida. 209

Talvez possa ser afirmado que o Direito, a lógica e a linguagem sejam instrumentos qualificados por sua

origem e finalidade humanas na busca da felicidade. 210

Percebe-se que o proposto lembra em termos políticos os dizeres revolucionários franceses de liberdade,

igualdade e fraternidade, mas aqui tomamos o conteúdo de modo ainda mais afetivo. Disse Allan Kardec: “A

liberdade é filha da fraternidade e da igualdade. Os homens que vivam como irmãos, com direitos iguais,

animados do sentimento de benevolência recíproca, praticarão entre si a justiça, não procurarão causar danos uns

aos outros e nada, por conseguinte, terão que temer uns dos outros. A liberdade nenhum perigo oferecerá, porque

ninguém pensará em abusar dela em prejuízo de seus semelhantes (...)” – KARDEC, Allan – Obras Póstumas,

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É certo que provavelmente a pergunta mais remota e a busca mais ancestral da

humanidade girem justamente a respeito de como ser feliz. O tema é absolutamente cotidiano,

mas admitimos ser ainda estranho aos ritos acadêmicos, ainda mais se tratando da área

jurídica.

Na verdade, a Filosofia211

sempre foi tradicionalmente incumbida de procurar

responder a tal propósito, indicando que, por meio do amor pela sabedoria e pelas vias

alcançadas pelo saber e ser autêntico212

percorreríamos o caminho da felicidade213

. O Direito

como norma também possui o mesmo propósito, mas mecanismos distintos.

Todos sabemos o que é felicidade214

da mesma forma que sabemos e/ou sentimos o

que é sabedoria, saúde, doença, justiça ou injustiça, ou seja, não há verdadeiramente

tradução de Guillon Ribeiro, Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, s/d, p.287-292, disponível em

http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/139.pdf, acessado em 01 de janeiro de 2015. 211

Recorde-se a imaginação de Platão para a origem de nossas ansiedades, insatisfações, desassossegos e

agitações como sendo a busca da felicidade. Assim, no diálogo com Protágoras, apresenta uma versão da origem

das coisas qual seja, a que Zeus incumbiu Prometeu e este transferiu para seu irmão gêmeo Epimeteu, a tarefa de

distribuir um estoque de qualidades entre os animais. Ocorre que Epimeteu distribuiu todas e se esqueceu do

homem, e Prometeu conseguiu assegurar que o homem seria o inventor de sua natureza, tendo que fazer tudo por

si o que os deuses tinham feito pelos outros. Possuímos, assim, a responsabilidade de sermos criadores de nossa

história e destino, daí sermos incansavelmente inquietos e eternamente incompletos, necessitando sempre de agir

com justiça, sensatez e na piedade. PLATÃO, Diálogos de Platão – Protágoras, disponível em

http://pt.scribd.com/doc/249783712/Platao-Protagoras-pdf, acessado em 17 de fevereiro de 2015. 212

Sêneca afirma várias características de uma pessoa e vida feliz. Aduz, assim, que a pessoa para ser feliz, em

primeiro lugar, a mente deve estar sã e em plena posse de suas faculdades; em segundo lugar, ser forte e ardente,

magnânimo e paciente, adaptável às circunstâncias, cuidar sem angústia do corpo e daquilo que lhe pertence,

atento às outras coisas que servem para a vida, sem admirar-se de nada, além de usar os dons e da fortuna, sem

ser escrava deles (p.95). Assevera que a felicidade consiste em desenvolvermos uma alma livre, sem medo e

constante, inacessível ao temor e à ganância, para quem o único bem é a dignidade e o único mal é a

desonestidade, sendo o restante um conjunto de coisas que não acrescentam nem retiram nada à felicidade da

vida (p.97). Afirma ainda que seremos felizes se não nos deixarmos corromper nem dominar pelas coisas

exteriores, estando preparados e confiantes em nossos espíritos para o que o destino nos enviar, não desejando

nem temendo nada e tendo por fundamento a cultivo das virtudes em ações simples e seguras (p.98-100).

SÊNECA, Da tranquilidade da alma, precedido de Da Vida retirada e seguido de Da felicidade, título

original De otio, de tranquilitate animi e De vita beata, traduzido do latim por Lúcia Sá Rebello e Ellen Itanajara

Neves Vranas, Porto Alegre: L&PM Editores, 2009. 213

Para aprofundamento, ver, por exemplo, BARTOLINI, Stefano, Manifesto per la Felicità – Come passare

dalla società Del bem-avere a quella Del bem-essere, Roma: Donzelli Editore, 2010; BOSH, Philippe van den,

A Filosofia e a Felicidade, título original La Philosophie et Le Bonheur, tradução de Maria Ermantina Galvão,

São Paulo: Martins Fontes, 1998; RUSSELL, Bertrand, A conquista da felicidade, título original The conquest

of happiness, tradução de Luiz Guerra, Rio de Janeiro: Ediouro, 2003; DEMO, Pedro, Dialética da Felicidade

– olhar sociológico pós-moderno, Vol.I, 2ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2002. 214

Registramos que além de não ser objeto da presente pesquisa, não há como ser definitivo e consistente em

qualquer tentativa de conceituar a felicidade ou apresentar critérios satisfatórios de sua realização inquestionável,

até porque, como diz Demo, o conhecimento formal não substitui a prática da felicidade nem vice-versa (DEMO,

Pedro, Dialética da Felicidade – olhar sociológico pós-moderno, Vol.I, 2ª edição, Petrópolis:Editora Vozes,

2002, p.13). Apenas de maneira exemplificativa, podemos citar que Aristóteles entendia que a felicidade se

identifica com as atividades de viver bem e o fazer o bem, no exercício das virtudes (Aristóteles, Ética a

Nicômacos, tradução de Mário da Gama Kury, 3ª edição, Brasília: Editora UnB, 1992). Em sua Retórica, chegou

a relacionar uma lista de bens internos e externos indispensáveis à felicidade, na verdade conceitos que não

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117

necessidade de uma definição única e universal do que seja felicidade, até porque esta varia

de pessoa para pessoa.

Podemos verificar, no entanto, no presente contexto que a essência da felicidade215

reside na obtenção das satisfações possíveis (Immanuel Kant) por via de realização das

potencialidades216

individuais e sociais, de forma duradoura e segura, estável e permanente,

visando sempre à evolução.

Daí que a felicidade se encontra intrinsecamente ligada à liberdade e à igualdade

democrática, ou seja, a primeira ideia que surge é na direção de que só podemos nos

escaparam de intensa subjetividade, tais como bom berço, muitos amigos, bons amigos, riqueza, saúde, beleza,

força, grande estatura, capacidade atlética, fama, honra, boa sorte e virtude (Aristóteles – Obras Completas,

Retórica, Volume VII, Tomo I, Coordenação de Antônio Pedro Mesquita, Tradução e notas de Manuel

Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena, Lisboa:Imprensa Nacional-Casa da

Moeda - Portugal, 2005, p.109-112). Diógenes entendia que a felicidade correspondia ao autodomínio e

liberdade espiritual (ONFRAY, Michel, Cinismos- retrato de los filósofos lhamados perros, título original

Cynisme. Portrait Du philosophe em chien, tradução de Alcira Bixio, Buenos Aires: Paidós, 2002), assim como

Sêneca e Epicteto falavam sobre o domínio de si mesmo (SÊNECA, Aprendendo a viver- Cartas a Lucílio,

título original Epistulae morales ad Lucilium, tradução de Lúcia Sá Rebello e Ellen Itanajara Neves Vranas,

Porto Alegre: L& PM Pocket, 2010, p.37 e EPICTETO, A Arte de Viver – o manual clássico da virtude,

felicidade e eficácia - uma nova interpretação de Sharon Lebell, tradução de Maria Luiza Newlands, 4ª

edição, Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2000, p.87). Sócrates afirmava que a felicidade é encontrada na ética,

moral, verdade, liberdade e quando se tem conhecimento de si mesmo e desapego em relação às coisas materiais

(GOTTLIEB, Anthony, Sócrates – o mártir da Filosofia- título original Socrates – Philosophy’s Martyr,

tradução de Irely Fernandes Franco, São Paulo: Editora UNESP,1999). Sabe-se da oposição kantiana a respeito

da importância da felicidade como critério válido para qualquer lei prática, ante depender do transitório

sentimento de prazer e desprazer de cada agente comparado com a satisfação de seus desejos (KANT, Immanuel,

Metafísica dos Costumes, título original Die Metaphysik der Sitten, tradução de José Lamego, Lisboa:

Fundação Caloustre Gulbenkian, 2005, p.21/22, 215); no entanto, Immanuel Kant também considerou que o fim

do Homem é a procura da felicidade pelo cumprimento do dever com o próximo, sendo as ações nesse sentido de

benevolência e beneficência dotadas de larga margem de concretude, mesmo imperfeitas (ob.cit.p.291, 385, 295,

388, 298, 390, 303 e 393). De qualquer forma, pode-se redirecionar a procura da felicidade não mais como uma

realização pessoal de desejos próprios, mas como alcançada pelo compartilhamento de esforços na realização da

felicidade das outras pessoas. A felicidade individual seria obtida, pois, pela felicidade do outro. A realização

pessoal seria verificada na medida em que colaboramos para a realização dos outros. A nossa elevação seria

alcançada por meio do trabalho para melhorar a vida dos outros. Esse é o caminho indicado por diversas

religiões e pode ser tido como um modo ingênuo e idealizado de vida; no entanto, nada mais seguro do que

verificar na prática a vida das pessoas que assim agem. Nessas ocasiões, aprendemos muito pela mera

contemplação da paz interior emanada por tantos anjos anônimos que vivem na Terra. 215

Apesar de não se saber a origem propriamente dita da expressão atribuída ao engenheiro aeronáutico Kelly

Johnson (1910- 1990), mas anteriormente já utilizado por Leonardo Da Vinci, podemos usar a respeito da

felicidade o chamado “princípio Kiss”, como axioma a ser levado em conta na sua procura, ou seja, “keep it

simple, stupid”. Valoriza-se, assim, a simplicidade e não apego exagerado a nada de material e exterior como

maneira de se viver. 216

Diz Buber que cada um deve saber por qual caminho seu coração anseia e essa rota deve ser escolhida com

toda a disposição. Ademais, cada homem traz algo de novo ao mundo e é nossa obrigação realizarmos nossas

particularidades neste Mundo. Diz o autor que essa tarefa principal é a concretização única e específica de nossas

potencialidades, iniciando o percurso por meio de um trabalho coerente realizado com a alma unificada e

terminando com o mundo compartilhado, após tanto quantos forem necessários os retornos. BUBER, Martin, O

caminho do homem segundo o ensinamento chassídico, título original Der Weg des Menschen, tradução de

Cláudia Abeling, São Paulo: Realizações Editora, 2011.

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considerar verdadeiramente livres se podemos formal e materialmente desenvolver nossa

personalidade mediante o exercício de todos os talentos, inclinações e aptidões. Frise-se,

ainda, que tais garantias e condições ao mesmo tempo essenciais e existenciais devem ser

vivenciadas democraticamente por e com todos.

Tomando por base a percepção de que o Direito é uma forma de saber relacional,

concluimos facilmente que este deve nos conduzir à felicidade compartilhada em harmonia

(justiça) e de forma segura (garantias), na constância do aperfeiçoamento evolutivo histórico.

Acreditamos que tal deve se dar de maneira democrática, mediante o diálogo sensível e

afetivo, por via de constante formação ambivalente217

.

Assim, mesmo aceitando certa superficialidade nesse discurso, podemos dizer que a

conjugação felicidade, liberdade e igualdade acata ser entendida, para os limites das

argumentações a seguir explicitadas, como o compartilhamento comunal e recíproco da

realização das potencialidades particulares do cidadão, no exercício de suas características e

identidade, com o fito de propiciar, a um só tempo, a evolução particular e social.

Frisamos o fato de que não aceitamos como viável apenas a felicidade ou liberdade de

cunho individual, daí termos enfatizado o compartilhamento solidário das realizações

particulares. Desta forma, além dos aspectos individuais de felicidade e liberdade, estas só

realmente se materializam em todas suas dimensões quando, além dos aspectos individuais

assegurados, também a felicidade e a liberdade coletivas são contempladas nos mesmos

matizes.

Portanto, faz parte de nossa felicidade e liberdade individuais participar da felicidade e

liberdade sociais, mediante o exercício de deveres histórica e culturalmente dispostos,

axiologicamente valorados e socialmente solicitados, podendo estar constitucionalmente

previstos, ou não.

Em suma, felicidade, liberdade e igualdade verdadeiras são apenas as vividas com o

outro feliz e livre, proquanto a infelicidade e a limitação de alguém afeta nossas parcelas de

217

Aqui dizemos “ambivalente” porque, como diz Zygmunt Bauman, na medida da conquista e formalização, a

felicidade se desformaliza. BAUMAN, Zygmunt , Modernidade e Ambivalência, título original Modernity and

Ambivalence, tradução de Marcus Penchel, Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1999.

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felicidade e liberdade, e, em senso contrário, fazendo os outros felizes ou tornando-os livres,

também nos acrescentamos.

Também faz parte da nossa felicidade e liberdade a capacidade de compartilhamento

desta por intermédio da colaboração para o desenvolvimento das potencialidades das demais

pessoas e no respeito dos direitos e garantias de todos, em reciprocidade solidária, afetiva e

igualitária218

.

Observemos, no entanto, que a felicidade e a liberdade ou suas buscas219

, não implicam

ausência de embates ou contrariedades, sendo certo que, no dizer de Zygmunt Bauman220

,

provoca uma crescente desestabilização nas redes de vínculos inter-humanos e seus ambientes

sociais, além de afetar os esforços humanos de autoidentificação.

Ademais, entendemos que, nos limites jurídicos que nos propomos analisar, felicidade,

liberdade e igualdade democráticas só ocorrem quando o justo é realizado. E este sucede na

concretização das decisões conforme o sentimento correspondente do agente que analisa os

fatos, as normas, os valores e as pessoas, de acordo com o sentido do Direito assumido

democraticamente.

O desejável é que tal sentimento guarde consonância com o sentido do Direito eleito,

mas admitimos que podem ocorrer discrepâncias, distanciamentos e diferenças de

profundidade entre o idealizado e o efetivamente praticado.

Cremos, pois, que a razão de ser do Direito na direção de concretização da felicidade

social é mais bem percebida por meio do que mais humano nos caracteriza e fundamenta, qual

218

Nesse sentido Bertrand Russel acentua que a felicidade indica que nossas paixões e interesses devem se

dirigir para o exterior e para o outro e não para nós mesmos nos cárceres de nosso egoísmo, afirmando que toda

infelicidade se baseia em algum tipo de desintegração ou falta de integração, assim ocorrendo quando as pessoas

e a sociedade não estão unidas pela força de interesses e afetos. RUSSELL, Bertrand, A Conquista da

felicidade, título original The conquest of happiness, tradução de Luiz Guerra, Rio de Janeiro: Ediouro, 2003,

p.210. 219

Pascal afirmava que todas as pessoas buscam a felicidade e a vontade nunca dará o último passo em outra

direção, até mesmo as pessoas que se dirigem à forca. PASCAL, Blaise em Pascal's Pensées, Nova York, E.P.

Dutton, 1958, p.113, pensamentos n.º 425, disponível em http://www.gutenberg.org/files/18269/18269-0.txt,

acessado em 21 de fevereiro de 2013. 220

BAUMAN, Zygmunt, A arte da vida, título original The Art of Life, tradução de Carlos Alberto Medeiros,

Editora Zahar, Rio de Janeiro-RJ- Brasil, 2009,p.44 9.

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seja, o empenho pela destinação e aplicação social das normas jurídicas conforme o

sentimento do justo.

É a partir de tais hipóteses que desenvolveremos os raciocínios a seguir. Antes disso,

porém, entendemos relevantes breves comentários sobre as influências práticas do sentido do

Direito.

8- O sentido do Direito e suas influências na prática judicial

Compreende-se facilmente que as escolhas dos níveis, graus e intensidades relativas à

função social das normas impregna a prática jurídica, aí compreendido desde a eleição dos

princípios e ideação que fundam as regulações, até as camadas de interpretação adotadas, as

percepções realizadas, as provas admitidas e a adoção da solução ao mesmo tempo defensável

normativa e eticamente, na sua aplicabilidade no caso concreto.

Sabe-se, ainda, que a maneira como os agentes se debruçam sobre a realidade social,

interagindo com problemas nas relações humanas e analisando a normatividade colocada à

disposição para a regulação jurídica dos acontecimentos é caracteristicamente ornada com os

matizes próprios da percepção humana dos problemas também humanos, nada se

aproximando de resoluções ideais perante a uma humanidade perfeita ou angelical.

Cremos que o Direito possui a finalidade precípua de colaborador na consecução da

felicidade, liberdade e igualdade e o faz, nos limites jurídicos que lhe são característicos, por

intermédio da libertação e pacificação social. Assim, revela-se adequado ou não às suas

funções de acordo com a conformação da tarefa complexa de colaborar na aferição do justo

no caso vivamente humano.

Ocorre que, para tal objetivo, não há como o agente encarregado de dizer qual o direito

aplicado conforme o sentido da justiça eleito se conformar apenas com uma pretensa

cientificidade clássica do Direito.

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8.1- A aplicação das normas além da pretensa exatidão científica

Uma das comuns indagações recorrentes sobre o tema diz respeito à cientificidade ou

não do Direito.

Os questionamentos mais corriqueiros dizem respeito à dificuldade de serem

verificados no Direito os mesmos requisitos das demais ciências, como leis gerais verificáveis

e reproduzíveis, com os correspondentes comportamentos previsíveis e passíveis de

mensuração.

Verifica-se, inicialmente, que não podem ser confundidos os critérios científicos

aplicados às Ciências Exatas com os típicos e exclusivos das Ciências Humanas e Sociais.

Desta forma, não se pode delimitar o que é ciência com base em um só critério de

aferição de resultados, registros de ocorrências ou cálculos, medidas ou contagem de eventos.

Na verdade, não se pode tomar um método científico específico utilizado para determinados

domínios como o único a imantar as demais atividades de pesquisa com o caráter de

científico, abandonando-se outros métodos diferenciados221

.

Diferente aspecto diz respeito à pretensa neutralidade científica, que não seria

encontrável no domínio do Direito.

Mesmo que existam inúmeras noções, conceitos e interpretações sobre o que é, ou

deveria ser, o Direito, de acordo com as ideologias ou abordagens, o que representaria ser

outra dificuldade de caracterização da cientificidade do estudo da matéria, há que ponderar no

fato de não se poder atribuir neutralidade a qualquer ciência.

Na realidade, não se pode fielmente acreditar que os cientistas se mostrem total e

socialmente indiferentes ao que ocorre no mundo durante suas pesquisas, nem que sejam

apáticos ante suas descobertas, ou, por outra, que permaneçam apenas como meros relatores

do visto, pesado e medido, não sendo afetados por nada nem afetando os resultados com suas

interpretações e apreciações.

221

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 9

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Cremos que a neutralidade entendida como não valoração é humanamente impossível

e, mesmo que um juiz fosse totalmente alienado da realidade, ainda assim, não seria neutro

exatamente por demonstrar sua passividade omissiva em relação às opções ideológicas

eleitas222

.

Verifica-se que já na escolha do tipo de problema a ser pesquisado se revelam as

opções ideológicas do cientista e suas correspondentes valorações sociais conjugadas com

suas eleições íntimas.

Talvez um exemplo esclareça melhor sobre o que estamos discorrendo, senão

vejamos.

Imaginem-se dois cientistas da área de Química. O primeiro escolhe pesquisar qual

elemento químico pode incrementar a absorção de lítio nos tratamentos antidepressivos,

enquanto o segundo prefere investigar uma nova fórmula de esmalte mais duradouro para as

unhas femininas.

Ambos estão pesquisando cientificamente elementos químicos, mas evidentemente o

primeiro se preocupa com as questões sociais, enquanto o segundo se aproxima bem mais de

assuntos comerciais, sendo claramente perceptíveis as opções nada neutras que tomaram.

Poder-se-ia, porém, objetar que é possível entender a neutralidade apenas com relação

ao comportamento do cientista durante as investigações, abstraindo-se o conteúdo ideológico

destas.

Da mesma forma, no entanto, também tal neutralidade não é encontrada na

conformação ideal que se pretende.

Sabe-se muito bem, e a história é repleta de exemplos, que os dados científicos

encontrados podem ser interpretados ou mesmo manipulados de boa ou má-fé, conforme os

222

Afirma Roberto Lyra Filho que “De toda sorte, a neutralidade é apenas um disfarce: ali se esconde o

conservador encabulado, que não ousa dizer o que mais lhe apetece (ou será que apê-deésse?). O que importa

não é ser neutro (se ninguém o é) ou engajado (já que todos são): é achar o engajamento certo e defendê-lo, sem

frouxidão, nem sectarismo”. LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar Direito, hoje? Brasília: NAIR, 1984, p.

9.

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interesses subjacentes, ou até inconscientes do pesquisador. Assim, a neutralidade no

comportamento do cientista também é de ser descartada.

Perceba-se, ademais, que, em se tratando de análise de comportamentos humanos e da

realidade social, tal afirmada neutralidade se mostra de todo inverificável por outro fator.

É que todos nós além de estarmos inseridos no próprio objeto de conhecimento, vez

que imersos no mundo das relações jurídicas, dirigimos o conhecimento para outro sujeito de

conhecimento e não para um objeto inerte e que não interage com o pesquisador.

Constata-se, com efeito, que as Ciências Sociais possuem não apenas objetos de

análise diferentes dos demais ramos científicos, mas detêm peculiaridades diversas da

inatividade típica dos primeiros, ou seja, os objetos de análise das Ciências Sociais não são

brutos ou inertes, mas móveis, interativos e humanamente pensantes, o que acrescenta ainda

mais especificidade ao Direito.

Compreende-se, ainda mais, que não existe um conceito único do que seja ciência,

nem um método exclusivo e definitivo de utilização.

Assim, podemos dizer que a realidade comporta tantos métodos e bases teóricas de

verificação e previsão quanto sejam as necessárias para se tentar conhecer a realidade e

revelar a versão mais próxima do que seja a verdade.

Frise-se que, quando falamos em “versão mais próxima da verdade”, queremos

enfatizar o enquadramento mais contemporâneo de ciência. Na realidade, o pensamento

científico hodiernamente considerado supera a antiga pretensão de certeza, objetividade,

exatidão e elaboração de leis gerais a respeito de eventos observáveis e repetíveis, típicas do

racionalismo e o positivismo já ultrapassados, para aceitar a dúvida, a incerteza e as

aproximações do que realmente pode ser a realidade como critério a ser seguido.

Desta forma, não mais se considera a ciência como declaratória da verdade, mas sim

como mera apresentadora das versões até agora entendidas como sendo a realidade. De tal

maneira, abandonando dogmas e revisitando saberes, a ciência mostra-se aberta a constantes

retificações e aprimoramentos, sendo esta uma de suas principais e vivas características.

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Percebe-se, pois, que, ao delimitar um aspecto da realidade e desenvolver meios

teóricos referentes à ordenação das relações humanas, ao mesmo tempo em que verifica e

interpreta as normas postas e analisa os comportamentos daí decorrentes, realizando previsões

do que poderia ser mais útil para a sociedade e na forma menos gravosa para todos, o jurista

realiza ciência.

Observe-se, ademais, que, apesar de existentes, a coerência metodológica, a

sistematização e a relação lógica entre as ideias em conjunto com os pressupostos e objeto de

estudo da ciência do Direito, as propriedades inerentes às Ciências Sociais indicam ampla

variedade de escolhas e multiplicidade de opções referentes a que pontos de vista, ângulos de

verificação, matizes, profundidades e densidades, o estudo do Direito será conduzido. Tais

características correspondem às singularidades próprias do trato humano, e colaboram para a

distinção das demais ciências.

Da mesma forma que o cientista das áreas exatas nunca conseguirá exaurir seus

objetos de estudo nem atingir o esgotamento das possibilidades de aprofundamento das

pesquisas, o agente do Direito também se vê ante a impossibilidade de dar por concluídas as

indagações a respeito de todos os aspectos do comportamento humano em relação com a

realidade sempre cambiante. Assim, tanto as teorias quanto as conclusões possuem as tintas

do incerto, provisório e retificável.

Por outro lado, no estudo e na aplicação prática do Direito, o agente também

desenvolve contestações e críticas a respeito da conexão e correspondência entre as leis postas

e a real eficácia e importância social contemporânea de suas aplicações, podendo indicar

necessidades de atualizações normativas e incrementos de interpretações.

Tal investigação social caracteriza-se, pois, por perceber a aparente fragilidade das

certezas como sua verdadeira potência. É que, ciente da necessidade de constante

aprimoramento teórico e revisitação das convicções, assume o cientista do Direito a tendência

inercial ao constante progresso, na tentativa fiel de correspondência com os ideais de

realização de maior justiça e equanimidade nas relações, daí revisitar suas avaliações e

julgamentos.

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Ressalte-se, ainda, que o pensamento e a atuação científicos nas Ciências Sociais

também assumem seus próprios métodos e sistematizações, mas de acordo com caracteres

particulares do meio e das relações humanas. Neste aspecto, esclarece Maria Helena Diniz

que a Ciência Humana é explicativa e compreensiva à medida que reconhece a conduta

humana, contando com método próprio que a valida de acordo com as valorações das

condutas223

.

Pode-se, enfim, dizer, nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr224

, que a Ciência do

Direito é normativa, descritiva e interpretativa, possuindo importância como reflexão

sistemática e orientada metodologicamente para propiciar critérios de maior segurança na

interpretação e aplicação das normas.

Trataremos mais adiante sobre a ação por entre as poucas certezas e inevitáveis

dúvidas, mas podemos adiantar que apesar de atualmente se incentivar cada vez mais, no

dizer de Anderson Pereira225

, a certeza sobre tudo, e ser cada vez mais frequente a valorização

do pragmatismo imediato e a produção de rápidas “verdades” e exercitáveis “certezas”,

mesmo precárias ou frágeis, negando-se a admissão insuportável da angústia da dúvida,

reafirmamos nossa crença de que, ao contrário de tais incentivos sociais atuais, deve-se por

em evidência nos processos de escolha, a possibilidade da dúvida, com seus desvios, passos

em falso, defeitos e riscos.

Como expressamos e aqui insistimos, com a aceitação de tal fragilidade, é que

podemos realizar a fortaleza da procura constante pelo socialmente necessário, aceitável e

democraticamente almejado, além de situar o julgador sempre aberto à admissão dos

equívocos e reformulação dos entendimentos iniciais.

223

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito: introdução à teoria geral do

Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica, 24 ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p.35. 224

FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. Ob.cit. p. 12 225

PEREIRA, Anderson, Os afetos que os afetam – da teoria dos humores gregos ao Prozac contemporâneo,

Revista Filosofia, nº 22, março de 2010, São Paulo: Editora Escala Educacional, 2010, p. 33-36.

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8.2- Possibilidades de emancipação - Direito e seu sentido libertador226

em fertilização

integral cibernética227

- a autocura emancipatória logoterápica228

Cremos que a pergunta fundamental a ser respondida é essencialmente a quem serve o

Direito, mas não na perspectiva funcionalista, mas na concepção democrática de sua gênese e

aplicação.

Com origem na resposta obtida é que identificamos se os mecanismos adotados

correspondem ao sentido deste, possibilitando-se maiores considerações sobre a realidade e

seu correspondente alinhamento ou afastamento de tal percepção.

Evidentemente, a questão do direcionamento, comprometimento e vinculação do

Direito pode ser respondida, como já esboçado, por diversos matizes e mesmo de forma

sincera ou disfarçada, real ou idealizada, saudável ou reveladora de distúrbios, concreta ou

supersticiosa, portadora de sonhos libertadores ou de maneira tímida em suas pretensões,

dentre outras indicações. Tudo isso conforme o apego e uso que se faça das potencialidades

do Direito e de seus agentes, bem como de acordo com as relações de poder adotadas.

Discorrer-se, pois, a respeito de como o sentido do Direito se concretiza é reconhecer,

basicamente, mas em torno de tons diversos, a possibilidade de ativação de suas

características libertadoras em fertilização integral cibernética ativas ou em repouso.

Na primeira hipótese, o sentido do Direito pode se encontrar em constante atualização

conforme a dinâmica dos contatos e utilizações “de” e “com” outras disciplinas, bem como

em relação com sua capacidade de autoestabilização por meio de mecanismos de retroação e

226

Utilizamos o termo “libertador” como ligado à recuperação das potencialidades da humanidade pela busca

consciente, ativa e eficiente de novos patamares de convivência democrática socialmente responsável pela

percepção dos homens e do mundo em que e com que estão. 227

A palavra “cibernética” deriva do grego Κυβερνήτης significa condutor, governador, piloto e é aqui utilizada

no sentido da capacidade de estabilização por mecanismos de retroação, retroalimentação e autocontrole, ou

seja, o sentido das coisas só é efetivo e útil se nos baseamos em informações adequadas da sociedade

provenientes do processo de comunicação dinâmico e as utilizamos para revisar, adaptar ou superar nossos

hábitos, valores e conceitos, e suas correspondentes finalidades e usos. WIENER, Norbert. Cibernética e

sociedade: o uso humano de seres humanos. Título original: The human use of human beings: cybernetics and

society, São Paulo: Editora Cultrix, 1968. 228

Pode-se traduzir literalmente o termo “logoterapia” criado por Viktor E.Frankl, como a terapia ou cura pelo

sentido, aqui empregado na dimensão de que tal busca autêntica e livre de sentido humano para o Direito pode

ensejar a autorrecuperação e a ressurreição social. FRANKL, Viktor E. Um sentido para a vida- Psicoterapia e

Humanismo, título original The Unheard Cry for Meaning- Psychoterapy and Humanism , tradução de Victor

Hugo Silveira Lapenta, Aparecida: Editora Santuário, 1989.

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retroalimentação provenientes das relações sociais e características individuais de todos os

envolvidos -inclusive juízes- além de exercitar autocontrole específico, de acordo com as

ressignificações de hábitos, valores e conceitos, em diálogo de prática libertadora em relação

à realidade porventura cerceadora da compreensão mais ampla da cidadania.

Por outro lado, pode o sentido do Direito se encolher de acordo com as circunstâncias

sociais, políticas e institucionais intimidadoras e opressivas específicas, aceitando a

inexistência, estagnação ou baixa intensidade de tais atributos.

Podemos adotar, na primeira hipótese, assumindo a vertente humanizante do Direito, a

designação de sentido próprio ou nítido do Direito. Na segunda, é reconhecido o sentido

impróprio oculto, dissimulado ou simplesmente em sentido desviado conforme a explicitação

ou não de tais propósitos.

Dizemos explicitação ou não dos propósitos do sentido impróprio, oculto ou

dissimulado do Direito pelo fato de reconhecermos práticas políticas que, sob o manto da

legalidade e arguída justiça, servem apenas para perpetuação das desigualdades sociais,

operando descaradamente e sem pudor.

É certo, porém, que, em uma hipótese ou outra, o sentido do Direito será sempre

intermediado por seus agentes.

Compreende-se, com efeito, que o sentido do Direito variará229

conforme as relações

de poder vivenciadas230

e de acordo com os valores (ideologia e sensibilidade) adotados pelos

sujeitos envoltos em situações humanas, intersubjetivas e contextuais.

Cremos que tal direcionamento do sentido dá-se inicialmente não apenas pela

elaboração dos textos normativos e expressões jurídicas, nem somente pela atribuição de

significações a eles, mas também pelas formas de percepção dos fatos postos em causa, dos

229

Podemos dizer que o sentido do Direito não é nem apenas socialista ou capitalista, mas pluralista. 230

Neste aspecto Friedrich Nietzsche afirmava que o poder dá o primeiro direito, e não há direito que no fundo

não seja arrogância, usurpação e violência. Malgrado não haver como confundir-se Direito com norma, é certo

que as leis refletem as relações sociais e, com isso, podem espelhar as relações de poder vivenciadas. Ver

NIETZSCHE, Friedrich, Obras Incompletas, seleção de textos de Gérard Lebrun, tradução e notas de Rubens

Rodrigues Torres Filho, Coleção Os Pensadores, São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, p.14.

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comportamentos das pessoas envolvidas e do contexto vivenciado pelas mesmas, aí incluídos

os magistrados.

Desde a primeira limitação pode seguir-se a realização da fertilização de tais

percepções por meio do diálogo fecundo com disciplinas, realidades e pessoas, com

acréscimo da utilização de conhecimentos e dados integrais, possibilitando a ocorrência de

ressignificações contextuais e sua aplicabilidade.

Tal fenômeno só ocorrerá ante o discernimento de que o Direito deve servir para unir e

trabalhar, conversar e aprender, e não para ser exibido em salões ou academias. Não se

descarta, assim, a possibilidade de sua estagnação pelo isolamento e atitudes de soberba

científica.

8.3- Sensibilidade e inteligência – decisão acerca do que iluminar

Assegura, com propriedade, Rubem Alves231

que a inteligência é um poder sem

discriminação moral, desconhecendo o bem e o mal. Deve a inteligência ser, portanto, serva e

discípula da sabedoria. E, caminhando com esta, deve a inteligência deixar-se ser coberta com

a poeira dos pés de seu mestre232

.

Ressalta ainda o autor233

que as inteligências são como as lâmpadas, ou seja, não

possuem o poder de decidir o que iluminar e apenas iluminam o que lhes mandam. Desta

forma, podem existir lâmpadas de 150 watts que iluminam apenas esgotos e cemitérios,

enquanto outras, mais modestas, iluminam rostos de crianças e jardins. A inteligência, assim,

pode estar a serviço da morte ou da vida.

As inteligências servem, afinal, para iluminar e, por isso, valem pelas cenas que

iluminam e não pelo mero poder de iluminar. A escolha do objeto a ser iluminado, no entanto,

não é assunto da inteligência. É coisa do coração. Desta forma, diz Rubem Alves: se o

231

ALVES, Rubem, A Pedagogia dos Caracóis, Campinas: Verus Editora, 2010, p.86/88. 232

A referência é do conselho rabínico que diz “cubra-se com a poeira dos pés de seu mestre”, isto é, ande

próximo ao seu mestre, preste atenção no que ele diz e faz, aprenda o que ele ensina, fale o que ele fala, perdoe

como ele perdoa, viva os conceitos que ele vive. Para assimilarmos a sabedoria, devemos estar sempre perto

dela. 233

ALVES, Rubem, As lâmpadas e a inteligência, in ALVES, Rubem, Palavras para desatar nós, Campinas:

Editora Papirus, 2011, p.22-23.

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coração tem gostos suínos, a inteligência iluminará chiqueiros, porcos e lavagem. Se o

coração gosta de crianças e jardins, a inteligência iluminará sorrisos e flores.

Vale ressaltar que agir conforme o coração orienta não nos exime dos disparates e

equívocos. No mesmo sentir, a sabedoria não é garantia da felicidade.

É claro que, mesmo os sábios, continuam sentindo dores, mas pelo menos sabem como

sofrer pelas razões certas234

.

É também correto admitir que, inevitavelmente, cometemos inúmeras falhas, mas isto

é imensamente melhor do que fazer tudo correto mas pelas razões erradas.

O que na verdade interessa, e é possível obter, não é a perfeição de nossas

performances, estádio terreno humanamente inalcançável, mas o aperfeiçoamento constante

da integridade de nossas fontes decisórias235

.

Pode-se, desde já, concluir, pois, que o importante não é treinar o cérebro ou o

raciocínio, mas educar o coração. É este que conduz nossos sentidos e decisões, começando

pelos nossos olhos236

. Não apenas os carnais e sim também com os olhos emocionais e

espirituais que devem ser guiados a perceber o densamente humano.

234

ALVES, Rubem, Tranquilize-se, in ALVES, Rubem, Palavras para desatar nós, Campinas: Editora

Papirus, 2011, p.32-36. 235

“(...) Cantarei a lealdade e a justiça. A ti, Senhor, cantarei louvores!

Seguirei o caminho da integridade; quando virás ao meu encontro? Em minha casa viverei de coração íntegro”

(Salmos 101:1-2) 236

Bem disse Alberto Caeiro:

Não Basta

Não basta abrir a janela

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego

Para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.

Há só cada um de nós, como uma cave.

Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;

E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,

Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

http://www.fpessoa.com.ar/poesias.asp?Poesia=155&Voltar=livros.asp%3FLivro=poemas_inconjuntos%26Volt

ar=heteronimos.asp?Heteronimo=alberto_caeiro, acessado em 17 de janeiro de 2013.

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130

O que importa, assim, não é a força da argumentação, a sedução da eloquência, a

sofisticação do linguajar ou o patamar acadêmico dos tópicos utilizados. O que é relevante

não é o apego à exatidão gramatical de textos, nem o charme, carisma, influência ou

capacidade de atemorização ou reverência do interlocutor.

O que é verdadeiramente relevante é o que o Direito ilumina, revela, faz saltar aos

olhos, denuncia, confessa, divulga, publica, define, implementa, protege e resguarda. E tais

aspectos provêm dos valores que os fundamentam e do sentimento do justo que o impregna,

materializando-se conforme a vontade do agente e de suas escolhas237

.

8.4- Efetividade libertadora do sentido- a reconciliação possível

A aferição dos mecanismos utilizados para a concretização do sentido felicidade,

liberdade e igualdade não é suficiente para suas efetividades238

.

Assim, como adiantamos, não basta saber o conteúdo do sentido, nem conhecer o que

o motiva a apresentar-se e agir no mundo humano real ou o que produz nas pessoas a

aceitação de tal versão como o sentido aplicável no caso concreto. É imprescindível verificar-

se se tudo desejado e idealizado realmente corresponde à implementação realizada.

Deste modo, além de saber-se qual sentido do Direito se está elegendo, bem como sua

intensidade e a motivação de tal opção, há que se verificar quais os fenômenos sociais,

individuais ou institucionais dão movimento e põem em ação efetiva o sentido adotado, quem

animará tal marcha, quais são suas influências particulares, como e onde se dará tal circulação

e se o que foi aplicado corresponde a tais expectativas e projeções.

237

Afirma Amit Goswami, que o sujeito é aquele que escolhe . Não é “Cogito, ergo sum”, como dizia Descartes,

mas “Opto, ergo sum”. GOSWAMI, Amit, REED, Richard E., GOSWAMI, Maggie, O Universo

autoconsciente – como a ciência cria o mundo material, título original The self-aware universe, tradução de ,

Ruy Jungmann, São Paulo: Editgora Aleph, 2ª edição, 5ª reimpressão, 2013.p.133. 238

Efetividade é aqui entendida com base na distinção de Marcelo Neves a respeito de efetividade e de eficácia.

Para o autor, eficácia diz respeito à realização do ‘programa condicional’, ou seja, à concreção do vínculo ‘se-

então’, abstrata e hipoteticamente previsto na normal legal, isto é, observância, aplicação, execução, uso.

Efetividade refere-se à implementação do ‘programa finalístico’ que orientou a atividade legislativa, isto é, à

concretização do ‘meio-fim’ que decorre, abstratamente, do texto legal. NEVES, Marcelo, A

constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.47-48.

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131

A efetividade do sentido produzido importará, na prática concreta do caso, na

verificação se o sentido decorrente é o desejável e exigível conforme o contexto particular,

jurídico e político a que está inserido, na realização da compatibilidade entre o idealizado e o

realizado.

Toda e qualquer significação está ligada, assim, a algum contexto do diálogo humano

em que a significação de uma expressão normativa, e posteriormente judicial, é suscitada,

questionada e afirmada.

Explicita Martin Heidegger239

que todo ato de perguntar (Fragen) além de deter sua

orientação inicial, compreende sobre o que se pergunta (Gefragtes), bem como esclarece que

se pergunta a algo e de refere a aquilo que é interrogado (Befragtes) e o que se deve descobrir

(Erfragtes) com a pergunta. Nas palavras de Jonathan Rée240

, para Martin Heidegger, toda

pergunta compreende sua orientação inicial, seu “perguntado-sobre”, seu “perguntado a” e seu

“perguntado-para”.

Para se entender bem as perguntas, no entanto, há que se saber de onde elas provém,

ou seja, quem é o perguntador, até porque a resposta pode ter significados diversos conforme

as expectativas e interesses de quem realiza as indagações.

Na verdade, as perguntas não aparecem do nada, mas possuem autores que indagam e

estes, por sua vez, também possuem motivos para questionar. Desta forma, aparecem as

perguntas em contexto específico que exigem respostas significativamente aplicáveis e

satisfatórias tanto para quem indaga quanto para quem responde.

Portanto, é intuitivo o fato de que perguntas sobre o que é humanamente justo para a

situação específica auferem ainda maior significação e complexidade ante as contribuições

pessoais dos vários sujeitos e agentes241

.

239

HEIDEGGER, Martin, Ser e tempo, título original Sein und Zeit, tradução de Márcia Sá Cavalcante

Schuback, 4ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2009.p.30. 240

RÉE, Jonathan, Heidegger- história e verdade em Ser e tempo, título original Heidegger. History and Truth

in Being and Time, Tradução de José Oscar de Almeida Marques e Karen Volobuef, São Paulo: Editora UNESP,

1999, p.14. 241

Afirma Michel Foucault que “(...) Eu gostaria de dizer, antes de mais nada, qual foi o objetivo do meu

trabalho nos últimos anos. Não foi analisar o fenômeno do poder nem elaborar os fundamentos de tal análise.

Meu objetivo lidou com três modos de subjetivação que transformaram os seres humanos em sujeitos – o saber,

o poder e a ética – (...) Assim, não é o poder, mas o sujeito, que constitui o tema geral de minha pesquisa. (...)

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Pode-se afirmar, nesse percurso, que o sentido do Direito é alcançado pela conjugação

de atividades e circunstâncias diversas.

Assim, se interpretam as normas em conjunto com a questão fático-jurídica a ser

resolvida, bem como se leva em conta a realidade social que a envolve e tomam-se em relevo

as pessoas242

que a vivenciam.

Tal realidade opera com a luz dos condicionamentos, interesses, valores e desejos dos

sujeitos materializadores do sentido do Direito para o caso concreto, com todas as

circunstâncias pessoais, subjetivas, factuais, sociais e institucionais.

Agindo assim, mantém-se a visão do futuro que está por vir, ao mesmo tempo em que

se procura superar a historicidade inicial posta em exame, na tentativa constante de entender o

próximo por nosso intermédio, mesmo que envoltos na viagem paradoxal das nossas

frequentes e angustiantes incompreensões.

Rapidamente me apercebi que, se o sujeito humano é apanhado nas relações de produção e nas relações de

sentido, ele é igualmente apanhado nas relações de poder de uma grande complexidade (...). FOUCAULT,

Michel. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, H. RABINOW, P. Michel Foucault: Uma trajetória filosófica

para além do estruturalismo e da Hermenêutica. Título original Michel Foucault, "Deux essais sur le sujet et

le pouvoir", in Hubert Freyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault. Un parcours philosophique, Paris: Gallimard,

1984, pp. 297-321, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 231-249, disponível em

http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/biblio.html, acessado em 03 de maio de 2013. 242

Exemplo prático da constante aproximação do Direito com a realidade de cada povo e das particularidades

das situações vividas cotidianamente diz respeito à novel inclusão do artigo 1.240-A no Código Civil brasileiro.

Até recentemente, não havia nenhuma penalidade patrimonial específica para quem praticasse o chamado

“abandono de lar”, sendo tal circunstância utilizada apenas para ser delimitado o início da na contagem do prazo

então exigido para a decretação da separação e do divórcio das partes, bem como para indicar o momento a partir

do qual os bens deixavam de se comunicar e que os deveres conjugais ou decorrentes da união estável deixavam

de ser exigidos; no entanto, o novo artigo 1.240-A no Código Civil instituiu nova modalidade de usucapião,

afirmando que “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com

exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade

divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,

adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Ou seja, a

nova disposição do Código Civil dispõe que aquele que deixar o imóvel que servia de residência à família, após

dois anos perderá o direito de propriedade sobre o bem em favor do outro que permaneceu no imóvel, desde que

não tenha contra a circunstância se insurgido e que o bem seja urbano, tenha menos de 250m2 e seja o único da

parte que nele continuou a residir com exclusividade. Observe-se que tal disposição implicará necessário exame

dos motivos ou o modo como a entidade familiar chegou ao fim (infidelidade, agressão física ou moral,

abandono etc.), pois o rompimento fático do casal pode ter se dado por situações caracterizadas pela vontade

viciada. Observe-se que não são raras as hipóteses em que a esposa/companheira é forçada a abandonar o lar por

não mais suportar o tratamento agressivo do marido/companheiro a si e aos filhos, não sendo justo que com tal

medida de proteção esteja sujeita ao risco de perder o seu direito de propriedade sobre o bem, caso não consiga

comprovar que sua saída do imóvel foi legítima. Prevê-se, assim, a possibilidade do Judiciário vir a ser acionado

a verificar, de modo talvez invasivo, a intimidade do casal. Observe-se que evidentemente sem qualquer intenção

a este respeito, a nova regra pode incentivar a continuidade da violência doméstica, vez que não é de todo

despropositado pensar-se que muitos preferirão continuar a viver as agruras da convivência sob o mesmo teto a

assumir a chance de perder seu único patrimônio.

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Observemos, ainda, que se pode, depois ou durante tais atividades de

interpretação/aplicação das normas, produzirem-se, por assim dizer, “insights psicanalíticos”

e o Direito libertar-se do isolamento e cegueira narcísicos, livreando-se das barreiras bipolares

e das restrições e implicações dissociativas.

O Direito é capaz, a partir daí e guardando conexão com os agentes envolvidos, de

apresentar-se e comportar-se de modo mais real, sincero, sensível e positivamente

emancipador.

Esse posicionamento evita que as deformações dos sistemas sociais com as exclusões

inerentes se traduzam também em exclusões jurídicas e judiciais.

Fomenta-se, com efeito, a ideia de que a verdade aparente seja fruto da exegese social

e não apenas da interpretação de textos, na certeza de que é direito inalienável da

manifestação de cidadania poder-se ter acesso a um processo não apenas honesto e justo em

suas conformações técnicas, mas também marcadamente humano em sua substância.

Opta-se, neste ensaio, por discorrer sobre o sentido do Direito e as formas de sua

materialização conforme tais características críticas, ativadoras, modificadoras e libertadoras

da realidade ante o entendimento de que o Direito e seus agentes243

devem constantemente se

inclinar às tendências sempre ampliantes da democracia republicana e da cidadania plena.

Assim, aludir-se ao sentido do Direito sob os aspectos de felicidade, liberdade e

igualdade, remonta à ideia do pensar uma realidade para a qual se direcionem os esforços

sociais e institucionais, alforriando as pessoas da realidade social opressiva ou limitadora

porventura existente.

Possibilita-se, ao se adotar essa perspectiva, a efetivação de todas as potencialidades

humanizantes e promove-se, mediante a resistência ao arbítrio e à indiferença ou omissão

estatal, a própria cura de sentido do Direito.

243

Como será visto, pretendemos a superação da ideia do sujeito individualista, competitivo e egoísta que

despreza os sentimentos e olivida o próprio crescimento afetivo ao apegar-se ao que entende como razão.

Pretendemos, pois, adotar a percepção de sujeito humanista que constitui sua subjetividade pela interiorização de

relações solidárias.

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Por meio da condição indispensável de contínua autorreflexão crítica, defende-se o

Direito da noite das consciências e do luto de seu isolamento, ao mesmo tempo em que se

resguarda de suas sombras murmurantes e do seu silêncio ameaçador, protegendo-se das

trevas de seu passado e da escuridão de sua ausência.

Reconcilia-se, assim, o Direito com sua capacidade libertadora e renova-se conforme

as necessidades e valores sociais, ao mesmo tempo em que se mostra transparente a todos.

Tal realidade não é idealizada de maneira ilusória ou fictícia. Cremos ser possível a

atuação constante dos cidadãos na prevenção e correção de eventuais desvios da prática social

relativos ao acesso ao Direito e à Justiça.

Para tanto, são necessários mecanismos democráticos de transparência, confiança,

cuidado e de responsabilidade.

É também imprescindível saber-se quais os fatores que influenciam a percepção do

justo e a tomada de decisão pelos juízes e o que fazer com tais informações.

8.5- As funções da aplicação do Direito – revelação, aperfeiçoamento e transcendência

Como visto, o estudo e aplicação do sentido do Direito são, ou devem ser,

condicionados inicialmente por seus conteúdos-fins - felicidade, liberdade e igualdade-

considerados estes em sua ampla gama de conceitos, mas sempre tendo por base as relações

humanas concretas e as características próprias que imantam todo o universo jurídico, em

especial, o caso examinado.

Referido conteúdo/finalidade pode ser analisado conforme o ângulo de verificação

escolhido e de acordo com as profundidades eleitas e densidades selecionadas, daí decorrendo

métodos próprios e correspondentes, nem sempre de maneira coerente e sistemática.

Pode-se dizer também que todo agente aplicador do Direito, na medida de suas

características e peculiaridades, aspira a atingir as versões mais aproximadas do que sejam a

verdade, felicidade, liberdade e igualdade pretendidas. Para tanto, se utiliza de enunciados

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descritivos e age mediante critérios e instrumentos jurídicos normativos, visando a transmitir

uma das verificações possíveis e aplicáveis da realidade ao caso concreto.

Percebe-se, enfim, que o problema central da aplicação do sentido do Direito não é

tão-somente questionar-se eternamente sobre a verdade ou falsidade de seus enunciados, mas

facilitar, incrementar e favorecer a decidibilidade.

Desta maneira e nas palavras de Maria Helena Diniz244

, ao buscar as decisões

fundamentáveis da norma jurídica vigente, o cientista do Direito enuncia respostas ou versões,

aptas a demonstrar que uma dada decisão pode ser sustentada na norma examinada e que

representa a melhor forma de resolver o problema relacional humano jurisdicionado com a

menor perturbação social possível.

Pode-se dizer que, por meio de formulações teórico-praticas e lógico-sistemáticas, o

estudo significativo do Direito possui as funções de dar coerência, sistematização e a função

hermenêutica, visando a permitir, capacitar e aprimorar a decidibilidade. Assim, o agente que

o aplica às normas em dita perspectiva atua em conformidade com tal espectro.

Observe-se que, na primeira aproximação, a decidibilidade não pode ser confundida

com a adoção de decisões exclusivamente corretas, mas apenas com a consecução de decisões

juridicamente admissíveis.

Buscando os critérios juridicamente possíveis da decidibilidade, o agente do Direito

evidencia uma larga escala de heranças ambíguas e estímulos intensos, diluídos entre a

replicação da idealização da humanidade ou no avesso de tal fantasia.

Assim agindo, o aplicador do Direito indica possíveis ocultações da realidade social,

realizadas pela constante implementação de ordenação, subordinação e sanção dos que ousam

discordar dos contornos e paradigmas estabelecidos normativamente, sendo impulsionado a

desvelar as contraditórias opções realizadas, ao mesmo tempo em que torna visíveis as

referências ideológicas e influências obtidas pelas representações sociais adotadas.

244

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito: introdução à teoria geral do

Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica, 24 ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p.213.

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136

Em tal medida, ao desnudar os valores aceitos e postos em prática por uma sociedade

e, portanto, a própria identidade, podemos dizer que a prática jurídica tem função reveladora

da sociedade.

Em outra vertente, optamos por ampliar o conceito de decidibilidade, adotando

maneira mais ampla e socialmente responsável.

Deste modo, o agente do Direito, ao indicar, mediante reflexão sistemática e

orientação metodológica específica, as soluções jurídicas cabíveis, serve de orientação à

opção mais justa no caso específico, facilitando o conhecimento, aplicação e divulgação das

noções contemporâneas do justo.

Insistamos neste ponto: nenhum agente do Direito está limitado a reproduzir bases e

critérios técnicos preestabelecidos, nem adstrito a fornecer métodos antecipadamente

ordenados para as decisões, pois também acrescenta nelas os fundamentos humanos

interpretativos para a solução mais justa possível, tomando-se por apoio os valores social e

temporalmente vivenciados, mesmo que assim percebidos em sua interpretação particular.

Portanto, o sentido do Direito vivenciado no caso concreto procura deter a capacidade

de revelar os pressupostos filosóficos, sociais e axiológicos a serem seguidos para se atingir

uma sociedade mais equânime e conforme os valores constitucionais eleitos, imantando as

ações dos juristas em suas buscas de efetivação concreta do justo idealizado.

Assim, além das funções de dar coerência, sistematização e interpretação às normas

aplicáveis, se pode dizer que o Direito, por meio de seus aplicadores diretos, possui função

social de aperfeiçoamento da realidade.

Superando as análises de mera proteção do interesse individual e visando à

compreensão das necessidades coletivas e democráticas, os agentes do Direito podem indicar

na conformação prática de cada caso os caminhos para tal realização social dos direitos,

adotando típica função pedagógica a divulgação dos princípios constitucionais, além da

implementação do desejado pelo legislador primeiro, influenciando decisões futuras.

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Percebemos, ademais, que, como resultado de referida função pedagógica, encontra-se

a absorção, pelos juristas e aplicadores das normas, dos valores e propósitos constitucionais.

Essa constatação indica a superação inicial do pensamento corrente na direção das decisões

judiciais representarem apenas efeitos entre as partes processuais.

Na verdade, a implementação dos preceitos constitucionais indica reflexos sociais seja

nos aspectos preventivos de novas máculas, seja no desencadeamento de efeitos, por assim

dizer, transgeracionais.

Assim, por exemplo, a influência de uma decisão judicial que acata a interpretação

ampliadora dos propósitos das normas legais de maneira favorável à implantação de um

benefício previdenciário, tendo levado em conta o papel social da seguridade social, a

dignidade da pessoa humana e o princípio da confiança administrativa, não se reduz apenas a

tal caso específico.

É que, além de referida atuação afetar outras decisões futuras em casos análogos,

recebe o retorno social mediante reflexos inerciais de inúmeras outras relações daí

decorrentes.

Esclarecemos melhor. Como se sabe, e é frequentemente difundido, a sentença faz lei

entre as partes. Estamos ressaltando é que a decisão judicial não afeta apenas as partes ou

relações processualmente envolvidas, mas vai bem mais além, espargindo seus efeitos em

pessoas e relações outras e diversas, podendo ser até futuras e sequer imaginadas inicialmente.

Assim, no exemplo dado, a decisão que determinou a implantação de benefício

previdenciário não afeta apenas o segurado que passará a receber o recurso, mas atinge sua

família atual que disporá de mais renda, bem como, quem sabe, os netos e bisnetos do inicial

beneficiário que podem sequer conhecê-lo.

Tal ocorre, pois poderá o inicial favorecido dar melhores condições de vida e estudo

aos seus filhos, e estes, por terem os destinos alterados pelo benefício recebido pelo pai,

poderão, por sua vez e no futuro, trabalhar em profissões mais bem remuneradas, permitindo

que seus filhos, netos do favorecido, alcancem patamares de desenvolvimento humanos

sequer imaginados quando da instituição primeira do benefício.

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Percebemos facilmente, pois, que o favorecimento social da decidibilidade alcança

territórios e distâncias sequer inicialmente concebidos, ultrapassando o propósito existencial

primitivo.

Assim, somos autorizado a dizer que os agentes do Direito exercem também funções

de transcendência de realidades.

Concluimos, pois, que a aplicação do sentido do Direito pode se fazer por métodos

científicos, contando com coerência metodológica, sistematização e relação lógica e

valorativa entre as ideias em conjunto com os pressupostos e seu objeto de estudo. Isso

ocorre, no entanto, em termos verdadeiramente democráticos apenas se houver a intensa

marca de se procurar na interpretação da normatividade posta a melhor decisão para o caso

concreto de acordo com a humanidade inerente às relações jurídicas.

Ademais, verifica-se que o sentido do Direito aqui proposto como sendo a consecução

da felicidade, liberdade e igualdade é verdadeiramente aferido na verificação da concretização

das funções de facilitar, incrementar e favorecer a superação do tecnicismo e formalismo,

sempre visando a uma sociedade mais justa e o fazendo por meio da decidibilidade de seus

agentes, com base na doutrina e normatividade, em uma prática jurídica comprometida com

ideais democráticos e republicanos que influencia diversos campos da vida social.

Tal decidibilidade é mediada pelas funções hermenêuticas direcionadas às normas,

fatos, valores e pessoas, pelo fornecimento de coerência e sistematização, em processo de

revelação da sociedade e com características pedagógicas e de aperfeiçoamento e

transcendência de realidades.

Para tanto, o sentimento do justo há que ser constantemente exercitado em conjugação

com o sentido do Direito.

Apresentaremos adiante nossa concepção a respeito dos componentes do sentimento

do justo e como estes interagem em sua conformação sempre em atividade.

Exporemos, também, o que entendemos como a dinâmica envolvendo o sentimento do

justo e o componente de vontade.

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Apesar, porém, de já termos explicitado nossas convicções a respeito do sentido do

Direito, a exposição a seguir não guarda necessariamente qualquer relação com tal hipótese

inicial, podendo sua dinâmica corresponder a qualquer vertente, ou seja, o sentimento do justo

acompanha o conteúdo eleito do sentido do Direito, mas propomos que sua gênese seja a

mesma, independente do conteúdo deste último.

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PARTE II - O SENTIMENTO DO JUSTO

Sabemos que qualquer resultado de pesquisas tem que ser necessariamente

experenciado, vez que, como bem diz Francesco Alfieri245

, o lugar onde as investigações são

postas à prova é o mundo e é nele que devemos verificar se as propostas e hipóteses se

aproximam da realidade e se a “roupa que costuramos” teoricamente é aderente à pessoa

concreta com a pele que a envolve.

Pressupomos, logicamente, que todas as experiências surgem em um mundo

previamente existente, com suas características e limites, pelo que as hipóteses elaboradas se

contornam em tal parâmetro real.

Assim, submetemos à apreciação nossas proposições a respeito de como o sentimento

do justo surge e influencia a vida jurídica e jurisdicional, entendendo-as como aptas a

enfrentar as provas práticas.

1- Aproximações ao conceito de sentimento do justo

Tentaremos agora formular, ainda que de modo introdutório e superficial, o que

entendemos como sentimento do justo e sua composição dinâmica, em uma de suas inúmeras

possibilidades de compreensão.

António R. Damásio246

entende relevante distinguir emoção de sentimentos

emocionais, fornecendo uma explicação à luz da neurobiologia atual. Assim, acentua que as

emoções são programas de ações complexos e em grande parte engendrados pela evolução,

sendo complementadas por um programa cognitivo, ou seja, constituem ações acompanhadas

de ideias e certos modos de pensar. Para o autor, os sentimentos emocionais são as percepções

compostas daquilo que ocorre em nosso corpo e na nossa mente quando uma emoção está em

curso, ou seja, percepções de nosso estado de humor durante esse mesmo lapso.

245

ALFIERI, Francesco, Pessoa humana e singularidade em Edith Stein, uma nova fundação da

antropologia filosófica, Organização e Tradução Clio Francesca Tricarico, São Paulo: Perspectiva, 2014, p.08. 246

DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Título original Self comes to mind: constructing the

conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.141-143.

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Entendemos dispensável para este texto tal distinção ou qualquer outra, pois ao se falar

sobre sentimento do justo, cremos ser suficientemente claro que tratamos de algo além do

mero raciocínio ou das interações sinápticas ou qualquer explicação fisiológica, isentando-nos

de qualquer prejuízo se aceitarmos a compreensão, para os presentes limites, da fusão entre

tais conceitos, tratando-os indistintamente.

Assim, optamos por falar em sentimento do justo e não em emoção do justo, por nos

parecer mais apropriado e pelo fato de o primeiro restar consagrado historicamente nas

decisões judiciais.

Há de se registrar que a ideia do sentimento do justo não é nova e a preocupação pelas

bases ou matizes emocionais na percepção do justo é constante em todos os tempos247

e

povos248

.

Vislumbramos, pois, que qualquer tentativa de enumeração dos autores249

que já

trataram do tema nos levaria a profundidades e extensões não necessárias para este trabalho.

Esclarecemos que também tomamos as expressões sentimento jurídico e sentimento do

justo como equivalentes, embora a primeira possa aproximar-se bem mais da percepções de

247

Assim, podemos, pois, identificar desde Aristóteles (Política) a diferenciação entre homens e animais baseada

na capacidade de identificação do sentimento do justo e do injusto, e no Direito Romano a adequação normativa

ao que é natural e ajustada à realidade pelos critérios gerais de “aequum bonum, fides e iuris praecepta” que

caracterizam a busca da justiça. 248

Como diz Pablo Verdú, o caráter emocional e afetivo do sentimento jurídico faz com que ele mantenha

interelações com outras figuras mais ou menos afins, sendo identificado na língua alemã o emprego de vários

termos por vezes tidos como sinônimos e por outras com pequenas diferenças. Assim, tem-se a consciência

jurídica (Rechtsbewusstsein), a consciência jurídica popular (Volksrechtsbewusstsein), o instinto jurídico

(Rechtsnstinkt), e o instinto e/ou estímulo jurídicos (Rechtstrieb), além de outros termos que equiparam o

sentido do Direito e do justo com o sentimento jurídico (Rechtsgefühl), dentre eles Rechtssinn,

Gerechtigkeitssinn, Rechtsgewissen, Rechtssgesinnung e Rechtsempfimden . VERDÚ, Pablo Lucas, O

sentimento constitucional – aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração

política, título original El sentimiento constitucional: aproximación el estúdio Del sentir constitucional como

modo de integración política, tradução de Agassiz Almeida Filho, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. 249

Luis Recasens Siches faz um apanhado de vários autores com ideias no mesmo rumo, como São Tomás de

Aquino, Hugo Grocio, Immanuel Kant, David Hume, Schopenhauer, Loening, Leonard Nelson, Henrich Maier,

Scheuerle, Josef Esser, Edmond Cahn, Bodenheimer, Lon Fuller, Arnold Brecht, Max Scheler, dentre outros,

SICHES, Luis Recasens, Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y lógica de lo razonable, México:

Fondo de Cultura Econômica, Universidad Autonoma de México, 1971, p. 115-142, disponível em

http://search.4shared.com/postDownload/YPd4x1kh/Luis_Recasns_Siches_-_Experien.html, acessado em 01 de

junho de 2013. Pode-se ainda citar em vertentes aproximadas Baruch Spinoza, Rousseau, Shaftesbury, Adam

Smith, Schleiermacher, dentre outros e mais proximamente BAGOLINI, Luigi em Visioni della giustizia e

senso comune, Bologna: Mulino, 1968 e Giustizia e Società, Roma: Dino Editora, 1982 e COING, Helmut em

seu Elementos fundamentais da Filosofia do Direito, titulo original Grundzüge der Rechsphilophie, tradução

de Elisete Antoniuk, Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002, dentre outros.

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caráter democrático nacional e a segunda fomentar identificações com anseios de justiça

propriamente dita.

Neste aspecto, assume Juan Iglesias250

que já no Direito Romano o "Jus" está unido a

“aequitas” como os sentimentos e instintos morais se encontram arraigados na consciência

coletiva. Assim, diz o autor, o Direito está embasado em princípios e estes, por sua vez, em

um mundo de crenças, sentimentos, impulsos, necessidades políticas, econômicas e de índoles

diversas, por vezes transformados no jurídico-positivo, mas sempre a influenciar a

concretização do justo.

Por sua vez, Rudolf von Ihering já indicava ser o sentimento jurídico o fomentador da

luta pelo próprio Direito, aí entendido também como percepção do justo e a necessidade do

Direito.

Afirmava o autor251

que a dor que a ofensa ao Direito provoca no homem revela a

forte reação psicológica do sentimento de justiça, sendo claro que não é o raciocínio, mas o

sentimento que pode nos dar a compreensão total do Direito. A consciência do Direito e a

convicção jurídica são, pois, abstrações científicas, residindo a força do Direito no

sentimento, tal qual a força do amor.

Assim, é o sentimento de justiça que é o único fator verdadeiramente capaz de resolver

experimentalmente as lesões jurídicas no que diz respeito à condução da solução mais justa

percebida para o caso concreto. Observemos que dita solução pode ser obtida informalmente

ou mediante composições jurídicas e/ou judiciais, mas sempre com base no que sentimos por

justo.

Obviamente não defendemos o desapego da normatividade ou qualquer forma de

alternatividade ou alargamento excessivo das aplicações de entendimentos particulares sobre

o que deveria ser previsto oficialmente como regulador dos conflitos, mas apenas indicando a

inevitabilidade de nosso comportamento psíquico/prático/julgador seguir o que sentimos

250

IGLESIAS, Juan, Espiritu Del Derecho Romano, Madrid: Universidad Complutense, Faculdad de Derecho,

1980, pp.83/84. 251

IHERING, Rudolf von, A Luta pelo Direito, título original Der Kampf ums Recht, tradução de Pietro

Nassetti, São Paulo: Martin Claret, 2003, p.55.

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como aplicável nas questões antagonicamente vivenciadas. A interpretação da base normativa

aplicável segue necessariamente, pois, tal itinerário humano.

Neste sentido, há de se observar que Rudolf von Ihering252

nunca sustentou a criação

do Direito à margem do Estado, mas apenas percebeu a necessidade de sustentar o Direito não

apenas por conceitos formais ou apriorísticos, mas também com base em princípios materiais

que se identifiquem com as necessidades, fins, interesses e valores sociais. Desta forma,

Direito, Moral e costumes não são inatos, nem provêm de uma razão atemporal, mas são

conquistados por meio da experiência e oriundos de intercâmbios culturais253

.

Observa, contudo, que, apesar do sentimento jurídico depender dos fatos reais, guarda

contato inicial com o processo de sua gênese que nutrimos interiormente bem como com o

ambiente que vivemos254

.

Afirma Rudolf von Ihering 255

que o conteúdo das verdades jurídicas e éticas é um

produto histórico e as necessidades práticas conduzem ao estabelecimento dos sentimentos

jurídicos. Estes, por sua vez, asseguram a antecipação dos enunciados e instituições jurídicas

e adiantamento das normas éticas, resultados todos da interação social.

Desta maneira, tal sentimento social comum médio de justiça verificado num caso

prático pode se abstrair e elevar-se acima da realidade histórica ao generalizar-se e conduzir

outras hipóteses de convivência concreta, embalado com a pulsão de conservação social dos

padrões éticos eleitos, materializado nas leis, na Moral e nos costumes e efetivamente

implementado pelo Estado.

Uma vez mais existe a ideia de o inerente à condição humana ser elaboração histórica

e cultural nos contornos de uma espécie de inconsciente jurídico coletivo.

252

IHERING, Rudolf von, Sobre El nacimiento Del sentimiento jurídico, título original über die Entstehung

des Rechtsgefühles, Madrid: Editorial Trotta, 2008. 253

Afirma o autor que até mesmo nos animais o instinto é fruto da história das próprias experiências individuais

e das espécies. IHERING, Rudolf von, Sobre El nacimiento Del sentimiento jurídico, ob. cit. p.47 e 51. 254

IHERING, Rudolf von, Sobre El nacimiento Del sentimiento jurídico, ob.cit. p.59-61. 255

IHERING, Rudolf von, Sobre El nacimiento Del sentimiento jurídico, ob. cit. p.39-42.

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Luis Recasens Siches256

indica várias acepções do sentimento do justo, tais como: a)

um sentimento de respeito para com a ordem estabelecida; b) um sentimento de

reconhecimento e respeito perante a integridade física das pessoas, bens e esferas de ação com

relação ao próximo; c) a indicação emocional em relação ao que deve ser algum problema de

regulação da convivência e da cooperação inter-humana; d) reação emocional contra ações,

normas e decisões injustas.

Todos esses sentimentos que conduzem componentes valorativos e em especial de

estimação ética, diz o autor, desempenham algum papel, em geral relevante, na gestação,

desenvolvimento e aplicação do Direito.

Podemos, pois, nos aproximar, na vertente jurídica e judicial, de uma identificação do

sentimento do justo com a da sensação emocional-racional derivada do diálogo comunitário e

da consciência afetiva oriunda e conjugada com a realidade jurídica257

proximamente

experenciada do agente encarregado de dizer qual o direito aplicado conforme o sentido

eleito.

O sentimento do justo representa, assim, a integração dos mundos externo (cognitivo,

público e normativo, ai incluído a doutrina e a jurisprudência), interno (emocional, privado e

cultural) e secreto (inconsciente que entra em contato com o que se pode chamar de

inconsciente jurídico coletivo) do indivíduo com os demais mundos das pessoas e as

experiências vividas (aspecto fático, ambiental/relacional e temporal) reciprocamente

influentes258

.

256

SICHES, Luis Recasens, Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y lógica de lo razonable, México:

Fondo de Cultura Econômica, Universidad Autonoma de México, 1971, p. 111, disponível em

http://search.4shared.com/postDownload/YPd4x1kh/Luis_Recasns_Siches_-_Experien.html, acessado em 01 de

junho de 2013. 257

Registramos a ideia de que a consciência jurídica, no sentido de conhecimento das normas existentes e de

conteúdo racionalizado, parece-nos insuficiente para a real e profunda percepção do que é justo, necessitando-se,

assim, do componente afetivo inerente e extraído do caso concreto e de pessoas reais envolvidas, como será

desenvolvido adiante. 258

Pode-se ter uma representação dos mundos externo, interno e secreto no mesmo indivíduo no filme Instinto

Secreto, do diretor Bruce A. Evans (2007, título original Mr.Brooks). No caso, Earl Brooks (Kevin Costner) é

um executivo de sucesso e filantropo generoso (mundo externo), mas ao mesmo tempo um marido grosseiro e

pai negligente (mundo interno) e um serial killer, através de seu alter ego (mundo secreto). A obra Strange Case

of Dr Jekyll and Mr Hyde (ou O médico e o monstro) de Robert Louis Stevenson, publicada originalmente em

1886, também pode ser considerada como uma representação da convivência de nossas luzes e sombras internas.

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E se justo é tudo aquilo que se harmoniza à justiça e se esta é, conforme visto, o que

corresponde ao Direito preexistente ao Direito Positivo como forma de inconsciente coletivo

histórico, social e culturalmente localizado a envolver situacionalmente os fatos, normas,

valores e agentes, podemos concluir que o sentimento do justo surge por um lado como

previsão de possibilidades de materialização jurídica e, por outra parte, como desejo (vontade)

de efetiva concreção de tais pressupostos.

Desta forma, podemos garantir que o dever-ser e o ser conjugam-se na prática do

sentimento do justo, ante a concretização do primeiro na conversão da prática jurisdicional.

Na nossa concepção, Direito Natural e sentimento do justo guardam intensa

proximidade, mas não chegam a ser exatamente as facetas de uma mesma realidade dual. É

que dito sentimento do justo não é tido como preexistente sob o prisma cultural como o

primeiro em sua concepção tradicional, e sim constituído no caso concreto, malgrado o ser de

acordo com as intenções e finalidades antecipadas.

Entendemos, pois, que o sentimento do justo é constituinte essencial para todas as

formas de vida do Direito aplicado. Há que se deixar claro que o mesmo não é construído com

base em ingênuas emocionalidades, quimeras românticas ou ideais meramente supostos, mas

composto por três aspectos essenciais do mesmo fenômeno experiencial humano259

, conforme

explicaremos a seguir.

Esclareçamos uma vez mais, que, ao falarmos em experiência humana aí estão

compreendidos não apenas os acontecimentos externos da convivência, mas também os

aspectos de maturação, desenvolvimento e atuação perceptiva interior dos agentes, aí

envolvidos os conjuntos de várias influências oriundas das atividades cognitivas,

culturais/relacionais e emocionais das pessoas.

259

Sabe-se que Hans Kelsen foi totalmente contrário às concepções a respeito do que chamou de sentimento

jurídico, tecendo a respeito de tal conceito as mesmas críticas que endereçou à imprecisão dos conceitos, ao

conteúdo vazio que identifica em tais colocações e inerentes variações pessoais. KELSEN, Hans, O Problema

da Justiça, título original Das Problem der Gerechtigkeit, tradução de João Baptista Machado, 5ª edição, São

Paulo: Editora Martins Fontes, 2011, p.94-99; no entanto, o que propomos traz elementos de criação do Direito

no caso concreto, não se identificando totalmente com o questionado por Kelsen.

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2-O sentimento do justo em evolução histórico-espacial

Chamamos agora a atenção para algumas questões históricas quase elementares, mas

que guardam relação e fortalecem o raciocínio proposto.

Recordamos, pois, que o Direito privado em sua maior parte tem origem nos casos

concretos, significando respostas ditadas para eventos litigiosos materialmente ocorridos,

distanciando-se da atividade política do Estado.

Tais soluções serviram para casos futuros, adquirindo assim caracteres de abstração e

generalização.

O Direito formado casuisticamente, no entanto, não foi capaz de resolver várias

questões, tendo a norma formalmente estatuída pelo Estado surgido260

como evolução de tais

posicionamentos. Observa-se, porém, que, mesmo possuindo caráter geral, a norma estatal

ainda é fortemente marcada pelo decisionismo e reproduz costumes e práticas.

Pode-se dizer que, apenas com o surgimento do Estado-Providência, a legislação

passou a ser encarada como instrumento a ser utilizado pelo Poder Público no sentido de

atingir o bem comum, antecipando-se este às situações litigiosas, dispondo não apenas como

resolvê-las, mas também como evitá-las.

A decisão do justo migrou, desde então, do ato de decisão do julgador para o

planejamento social por parte da autoridade estatal. Embora conserve o juiz a competência

para resolver os casos concretos, passou a não mais limitar-se ao ordenado pelos direitos e

costumes recebidos do passado ou derivados da prática profissional, mas a seguir a orientação

normativa formal.

Observa-se, pois e como já há muito é aceito, que mesmo após tais concepções

tomarem corpo, restou patente que a imaginação e criatividade do legislador permaneceram

260

Relembremos a obra legislativa de Justiniano denominada posteriormente como Corpus Juris Civiles (Corpo

de Direito Civil), designação essa que é hoje universalmente adotada, composta de quatro partes: Institutas

(manual escolar), Digesto ou Pandectas (compilação dos iura), Código (compilação das leges) e Novelas

(reunião das constituições promulgadas depois de 535 por Justiniano).

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insuficientes para regular o dinamismo dos fatos sociais, mormente nas hipóteses imprevistas

ou em relações processuais não comuns.

Há de se ponderar, no entanto, que as normas nunca foram desprovidas de sentido nem

puderam ou podem ser ignoradas como inexistentes. Assim e, por exemplo, não se pode

descartar o sentido comum de termos como permitido ou proibido e onde esteja previsto um

deles não é razoável que se possa entender o contrário.

Desta maneira, embora se saiba que os comandos jurídicos sempre guardem em

alguma medida a indeterminação própria das criações humanas, não se pode admitir a total

discricionariedade de sentidos por parte do juiz ao ponto de descaracterizar o desejo de

segurança261

, estabilidade e previsibilidade dos comportamentos almejados normativamente.

Portanto, mesmo se admitindo a possibilidade de que as decisões judiciais, de uma

forma ou de outra, se afastarem ou expressamente contrariarem a inicial interpretação tida

como corrente, há que se aspirar por soluções presumivelmente cognoscíveis, admissíveis e

prováveis ante as situações concretas. Precisamos, porém, recordar, que, não obstante a norma

crie expectativas a este respeito, sua validade e eficácia são verdadeiramente provisórias, a

depender da confirmação concreta do sentido como sentimento do justo a ser realizada pelo

Poder Judiciário no caso prático em exame.

Cremos que agindo na integração humana possível entre norma e sentimento do justo,

simultaneamente verificamos que não é aconselhável uma liberdade sem medidas e que as

margens formais não se mostram assim tão sufocadamente limitantes quanto parecem ser.

Ademais, os horizontes de possibilidades de interpretação não podem derivar para o astral,

mantendo-se, obrigatoriamente, amplos, mas verdadeiramente terrenos.

Destarte, sempre continuou nos casos judicializados forte influência das soluções

encontradas na vida prática. Desta forma, seja no sistema codificado, seja no sistema de

261

Observe-se que mesmo a Teoria Pura do Direito entende a segurança como um mito, pois só pode existir

certo controle e, portanto, segurança em relação aos atos de conhecimento, e não aos atos de vontade. Daí por

que o ato de vontade por meio do qual se conclui o processo decisório não pode ser avaliado conforme critérios

de erro ou acerto. Para possibilitar essa verificação, seria necessária a adoção de uma moral absoluta que fosse

parâmetro para todos, e não apenas para quem formula o juízo, pelo que segundo tal posicionamento uma

decisão pode ser apenas conforme a lei ou contrária a ela, mas não certa ou errada. Não concordamos com tal

entendimento, pois as decisões, evidentemente, podem se distanciar dos valores e finalidades sociais e humanos

e serem obviamente equivocadas.

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precedentes, mostra-se permanente o poder criador do juiz a serviço da justiça. Insistamos, em

entanto, na ideia de que tal criatividade deve inicialmente partir das bordas oficiais de

posicionamentos normativos, sejam estes formalmente previstos ou adotados previamente.

Acreditamos, pois, que a norma funciona como ponto de partida e indicativo das

margens de desenvolvimento da dinâmica jurisdicional, sem, contudo, se apresentar como

inexpugnavelmente limitadora de horizontes ou cerceadora de possibilidades de

interpretações.

Assim ocorre ante as próprias características de argumentação e associação do

pensamento e sentimento humanos que superam a mera racionalização.

Em suma, é a realidade vivenciada dos tribunais que produz e define o conteúdo e

sentido das normas. Tal ocorrência, no entanto, apenas indica a dinâmica jurisdicional, não

sendo capaz de fazerem desaparecer os problemas característicos da tensão entre Poder e

Direito, nem revelar com segurança qual o prognóstico das decisões judiciais.

As decisões jurisdicionais não se mostram, pois, como resultado de operações lógicas

de subsunção, mas como produto da dinâmica dialógica entre o que sabemos, conhecemos,

sentimos e percebemos das próprias normas, dos fatos, valores e pessoas envolvidas nos casos

práticos historicamente expressos à apreciação e que demandam soluções concretas.

Podemos dizer, enfim, que quando um magistrado vai além da norma posta, alargando

suas dimensões ante as exigências de justiça no caso concreto e conforme o sentimento do

justo cultivado, não está verdadeiramente criando o Direito, mas apenas reconhecendo

especificamente o título primeiro a ser aplicado de acordo com o Direito Natural de conteúdo

social e histórico e que porventura o Direito Positivo tenha olvidado de operacionalizar.

2.1-O sentimento do justo e os reflexos transcendentes

O sentimento do justo não se conforma, pois, em ser apenas mero espelho passivo e

nada mágico da sociedade, mas se expressa também como dotado da capacidade de refletir

não apenas o que existe, mas de mostrar, sugerir e capacitar o existente em outras dimensões

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mais profundas e mesmo desconhecidas de quem se põe à sua frente e permite-se ser

olhado262

.

Observemos que, toda vez que nos olhamos no espelho, devemos ter em conta a ideia

de que as dimensões vão além da mera ótica. Assim, verifica-se metaforicamente a

possibilidade de se ter pelo menos quatro imagens: o reflexo propriamente dito de quem se

coloca à frente do espelho, a imagem que o sujeito pensa idealmente existir, a imagem que

uma terceira pessoa observa tanto de quem se coloca em teste quando da imagem refletida e a

visão que a imagem dentro do espelho tem de nós.

Percebemos que, assim também, ocorre quanto ao Direito. As dimensões que este

exercita não comportam, portanto, apenas as imagens correspondentes ao que o Direito é, mas

também indicam o que este pode ser.

Desta maneira, basta para os fins pretendidos neste trabalho entendermos o sentimento

do justo como o exercício de percepção e processo de verificação, antes, durante e após o

estádio decisório, se o que vai, está sendo ou foi decidido se reveste das qualificações

propícias a aprimorar as convivências, facilitar a realização das potencialidades humanas e

dotar a todos da igualdade, liberdade e solidariedades reais.

Encontra-se também na dicção do justo a atividade ambiciosa de por vezes projetar na

sociedade a imagem ampliada de suas possibilidades, traçado os contornos das mudanças

sociais necessárias e possíveis, acompanhados dos meios jurídicos pertinentes.

Nessa etapa, volta o Direito a se aproximar do político e a assumir uma atitude

propositiva.

Como escrevemos, acreditamos que tudo o exposto se dá por meio do diálogo sensível

da consciência do agente e de sua percepção a respeito das repercussões sociais advindas das

decisões possíveis, mediante a análise e conjugação social da normatividade posta.

262

Disse Lêdo Ivo (IVO, Lêdo, Diante do espelho. Poesia Completa, Rio de Janeiro: Topbooks, 2004:938):

Espelho, espelho meu

Haverá alguém no mundo

Mais diferente de mim

Do que eu?

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Podemos dizer, em simplificação, que o sentimento do justo se identifica mais com

uma atitude perante os problemas reais e as questões que pugnam por uma solução do que se

aproxima com qualquer teoria idealizada ou proposta conceitual do que seja o sentido do

Direito.

Claro que tal tentativa não é liberta de intenso subjetivismo, mas nada

verdadeiramente assim o é no mundo humano.

De igual maneira, esse entendimento indica certo conteúdo funcional do Direito.

Tal conclusão é também correta, pois como expressamos antes, o sentido de algo

corresponde à sua razão de ser.

Cremos, ainda, e aqui é defendido, que nos casos jurídicos e judiciais concretos a

fundamentação do sentido do Direito não pára em sua mera correspondência com os

princípios positivados263

mesmo que constitucionalmente, mas segue em busca da solução

humanamente correspondente e específica para o caso e que pode servir de paradigma para

outros, mediante o exercício de tal sentimento do justo.

Insistamos nesse ponto: saber o que significa sentimento do justo264

é o desafio último

e mistério a ser decifrado em cada caso e não significa necessariamente nem o senso comum,

263

Observemos que a nona emenda da Constituição dos EUA já afirmava que a enumeração na Constituição de

certos direitos não pode ser interpretada como limite ou negação a outros direitos possuídos pelo povo

(Amendment IX- The enumeration in the Constitution, of certain rights shall not be construed to deny or

disparange others retained by the people). O parágrafo 2º do art. 5º da Constituição Federal brasileira

expressamente afirma que § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte. A Constituição Portuguesa é clara em seu artigo 16º, ao afirmar o âmbito e

sentido dos direitos fundamentais: Artigo 16.º

Âmbito e sentido dos direitos fundamentais - 1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não

excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional. 2. Os preceitos

constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia

com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. 264

Apontamos aqui o dinamismo da construção de tal percepção, em sua aplicação ao caso concreto, com todas

suas circunstâncias e contingências, sejam estas relativas enfaticamente aos fatos, normas, agentes ou sujeitos,

mas sempre em conjunto com as demais. Neste aspecto, Clifford Geertz identifica as sensibilidades jurídicas

como necessariamente abstratas por se referirem a um complexo de caracterizações e suposições baseadas em

princípios também abstratos oriundos do saber local e apresentados em significados emanados do campo

jurídico-legal, conforme o(s) conceito(s) de justiça específico(s) e o(s) sentido(s) de direitos particular(es)

adotados em cada caso e cultura. GEERTZ, Clifford. O Saber Local- novos ensaios em antropologia

interpretativa, título original Local Knowledge, tradução de Vera Mello Joscelyne, 4ª edição, Petrópolis:

Editora Vozes, 2001, capitulo 8- O saber local: fatos e leis em perspectiva comparativa, pp.249-356, p.325.

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nem o sentido obtido pelo consenso ou mesmo as adesões populares, até porque cada um

destes pode também ser dogmático, discriminatório ou defender absurdos.

Notemos uma vez mais que não estamos firmando critérios em pseudoevidências

metafísicas que alimentaram o jusnaturalismo originário, nem nos apegando a opções próprias

do relativismo extremo. De igual forma, não nos fixamos apenas na normatividade posta, no

que pese dela partirmos na direção de novas paisagens.

Metaforicamente, é possível dizer que iniciamos a jornada de aplicação do sentimento

do justo com um mapa inicial conhecido das normas265

, mas utilizando-nos da bússola da

sensibilidade que nos guiará além das dimensões estreitas da normatividade e no território

humano cujas paisagens estão sempre em modificação dinâmica.

Assim, nas jornadas decisionais, constantemente, somos conduzidos a realidades

humanas e multimundanas sempre desconhecidas. Partimos de um território e chegamos a

outro, superando fronteiras. Atravessamos extensões individuais dos fatos e as dimensões

íntimas e sensíveis das partes na especificidade do caso concreto. Iniciamos com as normas e

atingimos a Justiça.

Na verdade, como adiantado e em resumo, é possível dizer que não é válido afastar da

realidade jurídica e jurisdicional pontos básicos de manifestação humana, nem negar os

limites do entendimento pessoal do que seja aplicável nem certa relatividade no caso

concreto.

Assim, a solução jurídica a ser encontrada e suas peculiaridades racionais, emocionais

e associativas devem ser ligadas à verificação da correspondência da interpretação da norma

posta com o sentimento/percepção/aceitação de ser a solução oficialmente apresentada

contemplativa do que se entende aceitável socialmente por justo266

.

265

Vale a lembrança de que o mapa traçado pelas normas não corresponde ao verdadeiro território do mundo

vivo, mas apenas o representa parcialmente. 266

Piero Calamandrei ressaltou que, em matéria judiciária, o teto pode ser construído antes das paredes, o que

não significa que as decisões sejam arbitrárias, mas apenas que, no julgar, a intuição e o sentimento muitas vezes

têm muito mais aplicação do que pode parecer. Assim, muitas vezes o juiz se desdobra a conceber a posteriori os

argumentos que sustentem as conclusões sugeridas antecipadamente pelo sentimento, sua sensibilidade moral e

pela intuição intima que se chama senso de justiça. CALAMANDREI, Piero, Eles, os Juízes vistos por um

advogado¸título original Elogio dei Giudici scritto da um avocato, tradução de Eduardo Brandão, São Paulo:

Martins Fontes, 2000, p.177 e 178.

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Não resta dúvida de que tal entendimento põe em relevo a tarefa prática dos juristas,

mas há de se admitir que são estes, com base na doutrina e em casos anteriores, que

impulsionam o Direito à concretização social efetiva.

2.2- O sentimento do justo – fundamento e título

Retomando as ideias de Javier Hervada, podemos resumir tudo o que foi dito no

seguinte argumento simplificado: não aplicamos nem interessa saber se aplicamos o Direito

Positivo ou o Direito Natural, embora seja o último o fundamento e o primeiro o título inicial

de toda exigência de justiça. O que realmente importa é fazermos justiça, estabelecida esta na

prática dinâmica do sentimento do justo.

É, pois, o sentimento do justo a única esfera de aplicação real do pressuposto

natural/original e do historicamente posto normativamente, buscando no Direito Natural o seu

fundamento e na constituição fenomênica tríplice helicoidal humana seu real princípio, como

será visto adiante.

Assim, se o Direito Positivo não privilegiar o interessado e este verificar que existe no

Direito Natural fundamento para sua pretensão, persiste sua legitimidade de expor

judicialmente o que entende por aplicável, desenvolvendo seu sentimento do justo e

apresentando-o à verificação oficial, requerendo proteção e exercício.

Caso o sentimento do justo exposto seja reconhecido como existente e aplicável no

caso concreto, constituirá aquele ao mesmo tempo o fundamento da proteção judicial

implementada e o título a ser executado. Tal ocorre seja substituindo a deficiência do título

positivo porventura existente, seja por complementação das ausências de previsões

normativas, preenchimento das lacunas ou integralização dos sentidos das normas

materialmente aplicáveis.

Em palavras mais simples: não se aplica nem o Direito Natural nem o Direito Positivo,

mas a terceira categoria oriunda da interpretação das normas, fatos, valores e pessoas

envolvidas no caso concreto.

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Temos, assim, o Direito Aplicado como fruto de tais interações, possuindo

normalmente o Direito Natural como fundamento e o Direito Positivo como título original,

mas sujeito a complementações e integrações pela dinâmica construtiva do sentimento do

justo.

Insistimos na noção de que, caso inexista Direito Positivo que titularize o que o

sentimento do justo entendeu como aplicável, mas existir o Direito Natural que fundamente o

encontrado, dito sentimento do justo substitui o título ausente ou defeituoso para o caso

concreto, ou o integraliza ou mesmo o (re)constitui. Desta maneira, o sentimento do justo

integraliza ou institui o título exigível e sua aplicação concreta materializa o justo desejado.

Evidentemente tal concepção não é isenta as disputas, antagonismos, subterfúgios,

interpretações tendenciosas, conclusões propositalmente parciais, expressão de interesses

egoísticos e finalidades individualistas. É evidente que tudo ocorrente no mundo feito por

pessoas guarda nossa natureza e não podemos evitar a nossa própria humanidade.

Verificamos, assim, que dar a cada um o que é seu, na concepção de Justiça adotada

por Javier Hervada, é muito mais do que mera correspondência dos acontecimentos fáticos

com as hipóteses normativas formalmente expressas.

Assim, se o que é relevante para a vida real é a existência viva e vivificante das

esperanças, sonhos e projetos de um mundo socialmente mais equitativo, na garantia de que o

destino das pessoas seja mais igualitário em oportunidades, fomentando-se o futuro libertário

das condições iniciais porventura limitantes, bem como garante do desenvolvimento das

potencialidades pessoais, é necessário muito mais do que o mero Direito, seja este posto ou

pressuposto, para se realizar a justiça.

É que a virtude da justiça, caso se minimize a corresponder ao Direito de dar a cada

um o que é seu, numa percepção meramente formal e exata, mostra-se francamente

insuficiente para o bom trato das relações humanas e do bem comum.

Na realidade, convivem ao lado da justiça outros deveres e virtudes, como

solidariedade, compaixão, misericórdia, compreensão, moderação e tantas outras que

necessariamente devem ser conjugadas para a formação do sentimento do justo.

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Destaca, pois, Javier Hervada267

que a equidade é a justiça matizada por outras

virtudes, e o equitativo é o resultado de harmonizar os deveres de justiça com outros deveres.

Assim, a equidade modera o dever da justiça e acomoda o Direito em consideração às

peculiaridades do caso concreto, favorecendo a humanidade nas relações sociais.

O jurista desenvolve, assim e a um só tempo, a arte do justo e do equitativo.

O sentimento do justo aproxima-se, com efeito, de tal concepção, uma vez que as

circunstâncias que envolvem os fatos e as pessoas são sempre analisadas. Ressaltemos, no

entanto, o componente particular de apreciação por parte de cada agente do Direito e suas

individuais variações e intensidades, não havendo, portanto, somente uma exclusiva

percepção do justo e do equitativo.

Observemos, ademais, que o sentimento do justo proposto não se identifica totalmente

com a equidade, pois nem sempre é possível entender como aplicáveis fórmulas de

compensações, adaptações ou suspensões de exigibilidade de direitos.

Frisamos, ainda, que em algumas hipóteses, o sentimento do justo pode operar

negando ou cancelando o Direito posto ante a constatação do último estar lesionando outros

direitos, como em contratações que reduzam o trabalhador a condições análogas às de

escravo, juros extorsivos em financiamentos, fornecimento excessivo de crédito sem

esclarecimento sobre o impacto econômico na vida do tomador, exclusões contratuais

unilaterais de responsabilidade, discriminações isentas de motivação plausível268

, enorme

vantagem pessoal ou econômica de um dos contratantes, em suma, em qualquer relação que

despreze e torne vulnerável alguma pessoa em sua dignidade sem fundamentação social

exigível.

Existe tal atuação revigorante do sentimento do justo a ponto de negar o Direito posto,

admitindo a elaboração da já indicada da tríplice hélice combinante da sensibilidade,

consciência e verificação da normatividade ordinária constitucionalmente disponível para a

267

HERVADA, Javier, Crítica Introdutória ao Direito Natural, ob.cit. p.59. 268

Cfr. MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio de Igualdade, 4ª Edição, São

Paulo: Editora Malheiros, 2005.

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interpretação doutrinária e jurisprudencial ligadas ao caso estudado de acordo com os ideais

propostos em sua conformação social, histórico, ambiental e cultural.

Defendemos, pois, a ideia de que a concepção do Direito aplicável não é

exclusivamente fruto da razão nem do Direito Positivo ou Natural, mas da interação

complexa, histórica, social e cultural da razão, sensibilidade, consciência e vontade do agente

do Direito, com necessária utilização simultânea de critérios naturais e positivos269

, todos

ligados por uma espiritualidade que estimula e conduz suas produções.

Não nos parece suficiente postular a existência do sentimento do justo, pelo que

passaremos, em sequência, a explicitar o modo como percebemos ser possível dar-se sua

constituição, no que chamamos de tríplice hélice energética vibrátil.

Inicialmente exporemos a primeira visão do fenômeno, com características mais

isoladas, e, posteriormente apresentaremos a segunda visão, claramente mais integrativa e

complexa. Antes disso, porém, devemos ressaltar a influência de Hans-Georg Gadamer em tal

representação.

2.3- A influência de Hans-Georg Gadamer

Sabemos que as versões da verdade são constantemente reveladas e novamente

veladas, isto é, na medida em que se compreende um nível do ser, percebem-se outros níveis e

que estes voltam a se encontrar em completo mistério e, à medida da evolução de nossos

conhecimentos, os níveis que anteriormente considerávamos profundos tornam-se, com a

absorção dos níveis anteriores, laminares e passam a servir de base para a geração de novas

chances de percepção.

Nesse sentido, Hans-Georg Gadamer270

identifica na historicidade do homem a

influencia de sua compreensão, na constatação de ser impossível nossa desvinculação total

dos costumes, tradições e anteriores “verdades”, aceitando-se que nossos níveis de

consciência são determinados pelos diversos matizes, principalmente as pré-compreensões.

269

No mesmo sentido, HERVADA, Javier, Crítica Introdutória ao Direito Natural, ob.cit. p.74-75. 270

GADAMER, Hans-Georg, Verdade e Método I – traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica,

título original Wahrheit und methode, tradução de Flávio Paulo Meurer, nova revisão da tradução por Enio Paulo

Giachini, 10ª edição, Petrópolis: Vozes, 2008.

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Hans-Georg Gadamer explica que só compreendemos a partir de nossos pré-conceitos,

isto é, só buscamos uma maior profundidade de sentido partindo de um nível anteriormente

conquistado e que, mal ou bem, nos condiciona a investigação, mesmo que não tenhamos

consciência plena de tal vinculação.

Tal subjetividade representa e reflete o contexto geral em que o sujeito se encontra e,

sendo o sujeito vinculado à história, não há como negar a própria historicidade e

individualidade da compreensão.

A ideia aqui é da circularidade da compreensão e do sentimento, que afeta tanto os

métodos como as maneiras de interpretarem-se os fatos, normas, valores e as pessoas

envolvidas no caso concreto.

Hans-Georg Gadamer esclarece que o processo de interpretação é criativo, envolvendo

o que denominou Wirkungsgeschichte (História-efectual), que compreende o conhecimento da

situação hermenêutica especial e do “horizonte” que a caracteriza, a relação dialógica entre

intérprete e texto e a abertura à tradição, identificando a história efectual como o

‘conhecimento hermenêutico’, pelo fato de articular simultaneamente o conhecimento da

história e a história, nos limites do que foi considerado importante conhecer.

O conceito de verdade ou de compreensão para Hans-Georg Gadamer baseia-se, pois,

na admissão da inexistência de verdades ou compreensões puras, únicas e absolutas, mas

apenas históricas e, portanto, mutáveis e mutantes.

Tal conclusão nos induz à maior abertura de consciência para a aceitação de novos

entendimentos, culturas e reformulações de conceitos, sendo também de Hans-Georg

Gadamer o entendimento de que a compreensão é interpretação, sendo que toda interpretação

(pensamento) é desenvolvida através da linguagem e esta é também influenciada

historicamente.

Assim, de acordo com a hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, a escrita surge como

forma de acesso do pretérito e maneira de tornar o passado presente através de

recontextualizações, pelo que o texto passa a ter vida própria, aberto que está a uma infinidade

de leituras.

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Portanto, a escrita possibilita que o leitor participe do que foi anotado em uma

profundidade maior, vez que cada leitor extrairá do texto a sua própria compreensão baseado

em seus conceitos anteriores, mas com a possibilidade de redimensionamento e superação do

antes aceito; assim, a composição passada torna-se idéia presente, com a contextualização dos

conceitos e possibilidade do surgimento de nova verdade ante o diálogo fecundo desenvolvido

entre todos os envolvidos.

Hans-Georg Gadamer também explicitou o chamado horizonte da compreensão,

assinalando que cada conhecimento tem o seu horizonte, assim como cada intérprete deseja

alcançar o seu.

Adverte o autor que não devemos cultivar um horizonte fechado, chamando a atenção

para a desejada “fusão de horizontes” ocorrente quando da compreensão, ou seja, o nosso

horizonte está em constante formação, englobando e superando fronteiras antes aparentemente

definitivas e se realiza mediante um diálogo hermenêutico que funde o horizonte do intérprete

com o horizonte daquele que é interpretado. E do interrelacionamento do horizonte próprio do

intérprete com o alheio nasce um novo de interesse geral.

A interpretação é, pois, para Hans-Georg Gadamer, não mero processo reprodutivo,

mas sim ação produtiva ante a atualização do texto pelo intérprete de acordo com as

circunstâncias do momento.

Inova também o autor por sugerir outro tipo de fusão, agora entre compreensão,

interpretação e aplicação.

Para o autor, a sequência interpretação-compreensão-aplicação não representa a

realidade, vez que, para o filósofo, sempre se interpreta com base em uma compreensão (pré-

compreensão), e sendo a interpretação a explicitação da compreensão, a aplicação também

integra tal ato de compreender.

Todo esse processo de construção de conhecimento ou sentido, como adiantado, forma

o que Hans-Georg Gadamer chamou de círculo hermenêutico e outros estudiosos

identificaram como melhor representado através da chamada espiral hermenêutico, ou seja, o

horizonte do intérprete é sempre renovado de maneira ininterrupta e inesgotável, pelo que os

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pré-conceitos retornam ao intérprete já modificados, o que enseja nova transformação da

compreensão do intérprete e assim por diante.

Tal entendimento influenciou nosso pensamento e nos fez seguros que, no caso

específico dos juristas, deve o profissional de Direito, principalmente o juiz, estar atento às

várias dimensões de suas decisões, além de consciente da necessidade de ampliação dos seus

horizontes de compreensão e sensibilidade. Para tanto, necessita o juiz estar alerta aos valores

envolvidos e prevalentes na situação histórica em se encontra, bem como ser sabedor do seu

verdadeiro papel em uma sociedade em evolução.

3-O surgimento da tríplice hélice energética vibrátil

De acordo com o já exposto, cremos ser concorde a existência do sentimento do justo

e que este é utilizado na formação de nossas decisões, com especial ênfase para os

questionamentos jurídicos e judiciais.

A visão proposta intenta expor uma das conjecturadas formas de sua gênese, sem

descartarmos a possibilidade de termos ido longe demais nessas suposições, pois é certo

estarmos distantes de dominar as particularidades de nossa vida psíquica.

Destacamos a apresentação com a articulação de vários componentes hipotéticos e

como forma de trocas e influências de energias, partindo do entendimento de que, como

elemento necessário à convivência social, não deixa o sentimento do justo de deter a mesma

carga interior existencial.

Visualizamos a representação do sentimento do justo como estruturado em uma

tríplice hélice composta de fatores dispostos em direções contrárias, não antagônicas, mas

complementares, integrando a mesma espinha dorsal fenomênica de aspectos

inseparavelmente influenciantes.

Observemos que, ao nosso ver, existem diferenças entre afirmar que uma estrutura é

composta de três elementos e asserir que é tríplice.

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A primeira afirmação marca a existência de três elementos, sem referência às suas

interações, justamente o contrário da imagem dinâmica que propomos.

Assim, ao dizermos que a estrutura é tríplice, indicamos sua composição por três

aspectos que se desenvolvem autonomamente no primeiro momento, mas que interagem e

coinfluenciam constantemente.

Observemos, desde já, que a representação que propomos solicita maior grau de

abstração e visualização, vez que quando falamos em estrutura tríplice imaginamos os

componentes em posições espaciais diversas do mero plano de duas dimensões, mas sim

ocupando os vértices de uma estrutura em três dimensões espaciais.

Desta feita, propomos a feição da estruturação tríplice do sentimento do justo como

sendo a disposição interativa dos elementos da consciência, sensibilidade e a interpretação da

normatividade ordinária e constitucionalmente disponível, como que dispostos em uma hélice

de DNA.

Diz-se hélice porque além de cada elemento ser visualizado como a armação de um

DNA, sua estrutura se mostra torcida em seus componentes porque dinâmica em sua criação,

desenvolvimento e vibração, além dos elementos constitutivos operarem constante revisitação

de suas percepções e conclusões em movimentos espirais ascendentes.

Afirmar-se que a estrutura proposta também é helicoidal não representa qualquer

pleonasmo, mas significa que os três elementos surgem individualmente como hélices e

desenvolvem-se lado a lado em formação singular em seu primeiro momento, mas nunca em

alinhamento estático, e sim em disposições verdadeiramente dinâmicas e em influência mútua

como veremos.

Concebemos tal forma ante a necessária evidência da constante e recíproca interação e

cointegração de ditas hélices individuais.

Cremos que, se assim não fosse explicitado, poder-se-ia pensar que as três hélices

poderiam estar representadas, por exemplo, em posições transversais, perpendiculares, em

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linha ou mesmo sem integração e em direções opostas quando, na verdade, as imaginamos em

interação tridimensional.

Assim, a base para o surgimento do sentimento do justo é, pois, o fenômeno (ou

experiência, como prefere Miguel Reale), tendo-se este como fato ocorrido no mundo ou

imaginado, sendo claro que o sentimento do justo pode surgir mesmo na análise teórica das

hipóteses.

Portanto, é com suporte nos fatos concretos ou em análise de hipóteses, que o

sentimento do justo surge pelo aparecimento preferencialmente simultâneo de cada uma das

hélices de tal tríplice estrutura helicoidal.

Uma das primeiras indagações a respeito pode ser onde tal sentimento do justo surge,

ou seja, basicamente se na mente racional ou na sede de nossas emoções. Trataremos desse

tópico adiante, ao falarmos de consciência, sendo que, por enquanto, nos limitaremos a

descrever a hipótese escolhida para a visualização do fenômeno.

Adiantemos que, caso qualquer dos componentes não se desenvolva (consciência,

sensibilidade271

e a interpretação da normatividade ordinária e constitucionalmente

disponível), o sentimento do justo se mostra inacabado. A ausência de qualquer de suas partes

constitutivas pode, pois, caracterizar outros fenômenos, mas não o sentimento do justo.

Desta forma, na hipótese de ser possível o surgimento isolado de cada um dos três

componentes, pode-se pensar que, caso diante de um fato no mundo se desenvolver apenas a

consciência, mas não a sensibilidade e a normatividade, estaremos perante mera informação

social.

Caso brote apenas a sensibilidade, e nenhum dos outros, estaremos com a mera

representação das emoções comuns sobre referido acontecimento. Na possibilidade de apenas

existir a interpretação da normatividade diante de um fato, estaremos próximos apenas da

simplória dicção positivista.

271

Aqui não tratamos, por óbvio, da sensibilidade como qualidade sensorial externa apreendida pela consciência

corpórea, mas da sensibilidade como exercício da moralidade por via das emoções e sentimentos

correspondentes.

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Supondo-se agora que os componentes surjam em pares, também não teremos o

sentimento do justo aperfeiçoado.

Assim, se aparecerem a consciência e a sensibilidade, mas não a interpretação

normativa, estaremos perante simples opiniões sobre o justo.

Na conjectura de surgirem a sensibilidade e a interpretação normativa,

desacompanhadas da consciência, experenciaremos pulsões a respeito do justo com ausência

de noções a respeito da repercussão social prática de referido entendimento.

Outra hipótese é o surgimento apenas da consciência e da interpretação normativa,

mas sem qualquer sensibilidade, o que poderíamos identificar como ocorrência provida da

tecnicidade fria e desumana em proximidade com os artefatos funcionalistas do Direito.

Podemos pensar na necessidade não apenas dos três componentes indicados para a

caracterização do sentimento do justo, mas também na indispensabilidade de eles guardarem

as mesmas proporções, extensões, calibres e densidades.

Cremos que tal visualização seria o ideal, pressupondo, assim, o equilíbrio das três

vertentes de composição, o que garantiria, pelo menos aparentemente, a harmonia entre eles.

Desde logo, podemos adiantar que nem sempre assim advém, indicando a prática que moldes,

ritmos e energias diferenciadas entre ditos elementos ocorrem, a depender do agente

propriamente dito, sendo que tais diferenciações não serão aqui estudadas.

3.1- Dimensão do surgimento

Acreditamos que, para as atuais linhas introdutórias, basta-nos apresentar a mais

simples das hipóteses, ou seja, que os três componentes indicados da consciência,

sensibilidade e interpretação da normatividade surjam simultaneamente para o

intérprete/aplicador do Direito, com suporte no fato ocorrido ou imaginado no mundo e

desenvolvam também ao mesmo tempo, além de responderem de forma equivalente aos

mesmos estímulos, crescendo proporcional e harmonicamente, atingindo todos o mesmo

patamar de desenvolvimento, após comum período de tempo compartilhado.

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É de excelente tom, desde já, adiantar que as metáforas e comparações com cordas e

membranas a seguir expostas têm por base as ideias de Brian Greene272

e Edward Witten273

, e

mesmo tais autores admitem a existência de dimensões que ainda permanecem em mistério

para a ciência.

No mesmo rumo, acolhemos que assim também aqui é percebido ao tentarmos

teorizar a respeito de onde consciência, sensibilidade e a capacidade de interpretação da

normatividade exatamente provêm e a origem da carga de energia que possuem.

Na realidade não conseguimos alcançar respostas ou hipóteses a respeito do

surgimento de tais energias que não adentrem searas ainda mais exotéricas. De qualquer

maneira, ao final, tentaremos retomar este tópico ao falarmos da espiritualidade que envolve

todo o fenômeno.

Assim, com tais precauções, continuamos.

Tomando por base os indicativos ideais já mencionados, visualizamos o fenômeno

dinâmico do surgimento do sentimento do justo como caracterizado pela inicial e simultânea

aparição das hélices da consciência, sensibilidade e interpretação da normatividade diante do

fato a ser analisado.

3.1.1- A consciência

A primeira hélice ou lâmina torcida da estrutura proposta, a consciência, começa a ser

formada pela percepção derivada da realidade proximamente compreensível, experenciada e

dialogada também no caso concreto.

A consciência é aqui dimensionada como sendo, a um só tempo, consciência fática274

,

normativa, social e humana, sendo também consideradas gradações variáveis de pessoa para

pessoa.

272

GREENE, Brian, O Universo Elegante: Supercordas, Dimensões Ocultas, e a Busca pela Teoria Final,

título original: The Elegant Universe: Superstrings, Hidden Dimensions, and the Quest for the Ultimate Theory,

São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 273

WITTEN, Edward, Magic, Mystery, and Matrix, e Universe on a String, disponíveis em

http://www.sns.ias.edu/~witten/, página pessoal, acessado em 16 de julho de 2013. 274

Como se sabe o senso comum extraiu da mentalidade positivista o jargão “contra fatos não há argumento”,

mas saber qual o sentido deste fato é o que interessa, o que já consiste num argumento.

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Podemos dizer que consciência pressupõe a inicial percepção dos diversos mundos,

com seus amplos fatores de influência e contextos particulares correspondentes a cada

situação e pessoas envolvidas, no que se pode identificar como as características de ser a

consciência informativa e integrada.

Evidentemente, perceber algo não é simplesmente enxergar um acontecimento ou

ouvir um relato, mas indica justamente captar275

a realidade além dos sentidos276

, movendo-se

também nos mistérios277

das associações278

, emoções279

e intuições280

.

275

Não entraremos na discussão a respeito da possibilidade de algum dia as máquinas apresentarem certo tipo de

consciência similar à humana, embora o campo da inteligência artificial se debata com o assunto desde as

indagações de Alan Turing. Recorde-se que em 1950, na revista filosófica Mind, Alan Turing publicou um artigo

(TURING, A.M. Computing machinery and intelligence. Mind, 59, 1950, 433-460, disponível em

http://www.loebner.net/Prizef/TuringArticle.html, acessado em 26 de dezembro de 2014), quando apresentou o

hoje conhecido por Teste de Turing. Com este experimento pretendia-se descobrir se uma máquina pode ou

não ser distinguida de um humano ao ser questionada. Os resultados atuais indicam ser possível um computador

programado para agir como humano enganar seus interlocutores, mas não por muito tempo. Estudos apontam, no

entanto, para a possibilidade de construção de uma consciência artificial próxima à humana, mas sem todos seus

elementos. Ver KOCH, Christof & TONONI, Giulio, Can machines be conscious? In IEE Spectrum, vol. 45, nº

06, junho de 2008, págs. 54-59, disponível em http://spectrum.ieee.org/biomedical/imaging/can-machines-be-

conscious, acessado em 26 de dezembro de 2014, e TEIXEIRA, João de Fernandes, A mente pós-evoluída – a

filosofia da menta no universo do silício. Petrópolis: Editora Vozes, 2010. 276

Ver STEURMAN, Emília, Os Limites da Razão- Habermas, Lyotard, Melanie Klein e a Racionalidade,

título original The Bouds of Reason, tradução de Julio Castañon, Rio de Janeiro: Imago, 2003. 277

Observemos que as percepções, ou estímulos subliminares, são estudadas como forma de influenciar nossas

decisões, registrando-se uma das primeiras experiências ditas como realizadas, mas posteriormente desmentida, é

narrada pelo publicitário James Vicary em 1957 que, durante uma projeção do filme Férias de amor (Picnic,

dirigido por Joshua Logan e estrelado por Kim Novak e William Holden) em um drive-in teria exibido, em

velocidade muito alta e sem que o público percebesse, uma mensagem na tela “Coma pipoca e beba Coca-cola”,

verificando-se um aumento de 20% do consumo do refrigerante em 60% de pipoca. Em 2007, o psicoterapeuta

Jim Brackin realizou experiência similar em um congresso de marketing em Istambul, mas não foi possível

chegar a conclusões comprovadas. Embora se soubesse empiricamente que estímulos não captados

conscientemente provocam reação que pode ser medida no cérebro, principalmente se tais estímulos forem

emocionais e de acordo com o tempo de exibição e as atividades das pessoas no momento de tal estímulo, é

ainda precipitado falar de manipulação profunda dos nossos julgamentos e decisões. UHLHAAS, Christof,

Mensagens subliminares, in Consciência, edição especial Mente e Cérebro, nº 46, São Paulo: Ediouro Duetto

Editorial Ltda, 2014, p.62-69, p.63 e 65. Registre-se, no entanto, o experimento das psicólogas Sabine Sczesny e

Dagmar Sahlberg, da Universidade de Berna, que demonstraram que o olfato também pode nos levar a fazer

escolhas. Na experiência, candidatos a emprego eram mais bem selecionados para cargos executivos e de

responsabilidade, se usassem perfume masculino, consideração raramente percebida conscientemente por parte

dos recrutadores. SCZESNY, S., & STAHLBERG, D. The influence of gender-stereotyped perfumes on

leadership attribution in European Journal of Social Psychology (2002), 32, 1-14, disponível em

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ejsp.123/abstract, acessado em 27 de dezembro de 2014. 278

Experimentos do chamado efeito priming (ativação por meio de um estímulo de determinadas constelações de

representações mentais associadas, tornando mais acessível ao indivíduo essas representações e outras que

estejam associadas a elas) também seguem a mesma direção inconclusiva, pelo menos no que diz respeito a

tomadas de decisão além de experimentos linguisticos e das escolhas do dia a dia. Para maior aprofundamento,

ver HERBE, Wray, On Second Thought: Outsmarting Your Mind's Hard-Wired Habits, New York: Crown

Publishers, 2010. Registre-se que tais aspectos estão sendo utilizados, ao nosso ver de maneira precipitada, como

maneira de justificar a inclusão no nosso sistema jurídico processual penal do modelo americano de juiz de

instrução e juiz do processo, onde apenas o primeiro guardaria contato com as medidas investigatórias anteriores

à denúncia. Segundo tal entendimento superficial, o juiz que tem contato com qualquer ato anterior ao processo

propriamente dito, tais como a simples leitura do auto de prisão em flagrante ou autorização de busca e

apreensão, já desenvolve determinada antecipação de sentido negativo, o que macula sua imparcialidade.

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Entendemos que a percepção de algo ou alguém tem inicial ligação concreta e

imediata com o que enaltecemos e dedicamos nossas atenções nas circunstâncias especiais em

que vivemos, sendo que tal elevação não é exclusivamente valorativa-moral, mas também

lógica e até mesmo operativa281

.

No mesmo rumo, as dimensões de tais percepções guardam relação com nossas

eleições íntimas anteriores, sejam estas produzidas pelo mundo em nós e/ou por nós no

mundo, apresentando-se como claramente particulares e indissociáveis das características

profundamente humanas e individuais de cada um.

Parece-nos, pois, que como percebemos uma situação, ou seja, conforme o significado

que lhe atribuímos, vamos determinar o que pensamos e como nos sentimos com relação a

ela. Por sua vez, nossos pensamentos e sentimentos nos levam a determinar o que captamos

como a realidade, influenciando nosso comportamento.

Tanto os pensamentos quanto os sentimentos, acreditamos, seguem um esquema

constituído de crenças, ideias e experiências que organizam e classificam as informações que

recebemos com o fito de possibilitar respostas rápidas e comportamentos correspondentes.

Perceber é, pois, sempre acompanhado de um sistema de crenças a respeito do que é

importante.

Desta forma, notamos o fenômeno, aí incluídos os fatos, as normas e os valores

socialmente escolhidos como preponderantes e as dimensões e complexidades das pessoas

envolvidas no contexto específico de verificação, conforme os filtros valorativos pessoais que

Observe-se que obviamente não há como confundir nossos típicos mecanismos de associação utilizados em

processos comuns de escolha (hábitos) nem como comparar nossas familiaridades ou experiências (como os

treinamentos automáticos de pilotos de aeronaves), com julgamentos. Ademais, ninguém é tão sugestionável

assim, muito menos os magistrados, acostumados a lidar com a insinceridade humana, possuem mecanismos de

proteção racional tão frágeis como se imagina. 279

Considera-se que o nível mais sofisticado da consciência dá-se com a percepção das próprias emoções. 280

Ver BAZARIAN, Jacob, Intuição Heurística – uma análise científica da intuição criadora, São Paulo:

Editora Alfa-Omega, 3ª edição, 1986. 281

Estamos aqui querendo realçar é que existem muitas normas que não possuem, pelo menos de forma clara e

atingível ao primeiro olhar, componentes morais ou éticos explícitos, como as referentes aos prazos processuais,

por exemplo; no entanto, até estas necessitam de maior consciência por parte do intérprete ou juiz dos fatores

concretos que caracterizam o caso posto em análise, sendo razoável pensar-se em maior elasticidade de referidos

prazos nos processos mais complexos ou diante do descompasso técnico porventura existente entre as partes e/ou

seus defensores ao ponto de desequilibrar a relação processual.

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utilizamos e de acordo com as limitações e deficiências inerentes a nós mesmos e existentes

nas circunstâncias de investigação; tudo isso sem prejuízo das constantes e ininterruptas

interações e renovações próprias de nossa natureza mutável e adaptável282

.

Não é apenas isso, porém. Cremos que nosso modo de perceber também pode indicar a

procura de nosso reflexo no que vemos, conjugando a exteriorização dos valores e afetos

assumidos com nossas sombras escondidas atribuídas ao alheio.

Observemos que, se apenas percebermos nosso mundo, ensimesmados em nossas

individuais e particulares existências aparentes e manifestas, teremos muita dificuldade em

apreender tanto os estranhos mundos que coabitam conosco como depararemos muitos

entraves para perceber os matizes mais íntimos das pessoas e de suas realidades. No mesmo

sentido, ao ignorar nossas obscuridades e ângulos, deixamos de alcançar as esquinas, cores e

matizes dos outros.

Perceber é, pois, também se esforçar para observar, reconhecer, identificar,

diferenciar, compreender e sentir cada fenômeno com suas circunstâncias exclusivas e

correspondentes interações típicas.

Podemos indicar que, em tal percepção, inclui-se o que já aconteceu e motivou o atual

momento, o que está acontecendo e suas consequências imediatas, o que deveria estar

ocorrendo em relação às potencialidades democráticas e libertárias asseguradas humana e

normativamente, além das possibilidades de desdobramentos futuros, refletindo e atribuindo

uma carga valorativa a tudo colhido.

282

Walter J. Freeman indica que no nível neurológico, a percepção depende da atividade simultânea e

cooperativa de milhões de neurônios espalhados por todas as circunvoluções do córtex, em uma atividade

cerebral ainda possuidora de origem oculta, visando a responder de maneira flexível às solicitações do mundo

externo e de gerar novos tipos de atividade, incluída a concepção de novas ideias. FREEMAN, Walter J. A

physiological hypothesis of perception, Perspectives in Biology and Medicine, Summer, 1981, págs. 560-592,

disponível em http://sulcus.berkeley.edu/freemanwww/manuscripts/IC1/81.html, acessado em 26 de dezembro

de 2014 e SKARDA, Christine A. & FREEMAN, Walter J., How brains make chaos in order to make sense

of the world, Behavioral and brain sciences (1987)10,161–195, disponível em

http://sulcus.berkeley.edu/freemanwww/manuscripts/IC8/87.html, acessado em 26 de dezembro de 2014.

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Tal processo ocorre, como já explicitado, com todas as inseguranças humanas

características, confirmando-se nossas propriedades de falibilidade, imprevisibilidade,

mutabilidade e adaptabilidade283

.

Com suporte na percepção, podemos afirmar que a consciência é elaborada como um

estado dinâmico, ao mesmo tempo orgânico, mental, emocional e relacional, em que o

indivíduo conhece sua existência, além de seus sonhos e fantasias, bem como reconhece e

avalia a ocorrência do mundo circundante e seus componentes, aí incluídos objetos, pessoas,

seres, relações, eventos e importâncias, em constante interação e valoração sentimental, não

havendo, pois, consciência sem percepção e sentimento284

.

Desde o tal primeiro patamar de consciência, o indivíduo segue em reelaboração

constante no tempo correspondente de sua vida.

No que se refere à consciência ligada aos fenômenos jurídicos, cremos que na mesma

medida em que verificamos inicialmente a existência de um fenômeno de tal natureza,

operamos uma inicial aproximação, ao mesmo tempo racional e afetiva, para, logo após,

vivenciarmos (ou devermos vivenciar) simultaneamente um distanciamento crítico valorativo.

Ademais, identificamos retornos à verificação da impressão inicial, promovendo o

fluxo contínuo de produção e elaboração íntima do que confirmamos, negamos ou propomos

de nós, nossos valores e expectativas em relação às condutas exteriores para, enfim, tomar a

decisão de sobrestar temporalmente tal fenômeno visando à operacionalidade prática do que

percebemos em termos de julgamento e/ou decisão.

O tema merece outro acréscimo relevante.

283

Melanie Joy fala a respeito do entorpecimento psíquico quando nos vemos em situações em que nossos

valores estão em confronto com nossos comportamentos, indicando que os mecanismos utilizados para tanto

incluem o ato de negar, o ato de evitar, a rotinização, a justificação, a objetivação, a desindividualização, a

dicotomização, a racionalização e a dissociação. JOY, Melanie, Por que amamos cachorros, comemos porcos

e vestimos vacas – uma introdução ao carnismo, título original Why we Love Dogs, eat Pigs ans Wear Cows,

tradição de Mário Molina, São Paulo: Editora Cultix, 2013, p.23. 284

É esta a conclusão de António R.Damásio, DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Título

original Self comes to mind: constructing the conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo:

Companhia das Letras, 2011, p.297.

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167

Parece-nos que desenvolver consciência, mais do que perceber, envolve a crítica da

realidade histórica localmente situada, procurando-se analisar suas causas, circunstâncias e

efeitos, visando a concluir pela melhor solução para o impasse vivenciado. A consciência é,

pois, atitude ativa285

e não passiva.

Saber como exatamente se faz ou define a consciência é tarefa ainda inacabada, mas

podemos realizar certa aproximação de seu significado mais humano, mesmo que de forma

estreita e resumida, na maneira que entendemos suficiente para aqui ser empregada.

Assim, sem prejuízo de outras abordagens286

, entendemos por bem colocar em

evidência, mesmo que em apertada visualização, as ideias da consciência a partir da base

neurobiológica, a consciência como psique de Carl Gustav Jung287

e a colaboração de Burrhus

Frederic Skinner, para, em seguida, apresentarmos nossa concepção de consciência288

como

modo ou estado de ser dinâmico e seu componente incorpóreo.

285

Interessante é registrar que a cabala indica que a consciência cria a realidade. Abstraindo os aspectos

religiosos, há que se admitir que na verdade a realidade particular é fruto de consciência e comporta-se conforme

tais bordas, ou seja, não há como viver sem ser de acordo com a própria percepção que se tem do mundo.

Evidentemente todos podem ampliar a consciência e perceber melhor amanhã em comparação com a percepção

de hoje. 286

Talvez uma das mais interessantes abordagens atuais sobre mente e consciência seja a de Daniel Dennet.

Segundo João Fernandes Teixeira, o autor defende que nossas mentes são apenas uma interpretação do que

ocorre nos nossos cérebros e se manifesta na forma de comportamentos e, como sistemas intencionais, as mentes

estão, ao mesmo tempo, na natureza e nos olhos do observador, em um sistema complexo que faz interagir as

intenções, crenças, desejos e outros elementos da psicologia cotidiana tanto do observador quanto do observado,

de maneira que torne possível desenvolver uma capacidade de antecipação da experiência futura. Para o autor, a

consciência é nossa capacidade de elaborar narrativas acerca do que está acontecendo em nossas mentes (ou

cérebros), não havendo um local cerebral específico dela, mas sim um modelo descentralizado. Defende, ainda,

que o cérebro produz muitas versões a partir de um único estímulo, sendo algumas versões sobre percepções,

emoções, sensações e sentimentos adotados e outras descartadas, esclarecendo que o aparente fluxo de

consciência não é serial, mas a junção de fragmentos de narrativas em uma narrativa coerente, mesmo que

momentânea. Assim, a escolha é, na verdade, seleção por consequências, como um processo de seleção natural

intracerebral que tem como fatores, além da estimulação sensorial, a linguagem e cultura. Estas são expressas

por uma rede memes (unidades de informação) e constituem a ligação de nossa mente com as práticas

comunitárias nas quais o sujeito consciente está inserido, o que se aproxima dos arquétipos da psicologia

junguiana. TEIXEIRA, João de Fernandes, A mente segundo Dennett, São Paulo: Perspectiva, 2008. Ver

também DENNETT, Daniel C.- Consciousness Explained , New York: Back Bay Books,1992 e Intuition

Pumps and Other Tools for Thinking, New York, Norton Paperback, 2013. 287

JUNG, C. G, A Natureza da Psique, tradução de Mateus Ramalho Rocha, 8ª edição, Petrópolis: Editora

Vozes, 8ª edição, 2011 (Obras Completas de C. G. Jung, v. VIII/2). 288

GARDNER, Howard, A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva, título original The

Mind’s New Science: a History of Cognitive Revolution, tradução de Cláudia Malbergier Caon, 3ª edição, São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo- Edusp, 2003.

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168

A principal intenção é explicitar a dinâmica dos elementos da consciência e a forma de

conjugação destes além dos ambientes interno e externo das pessoas289

.

3.1.1.1- Consciência e base neurobiológica

As indagações a respeito de como a cadeia de processos mentais resulta da atividade

cerebral não são novas e a consciência pode receber uma abordagem puramente

neurobiológica.

António R. Damásio é um dos que confiam numa explicação biológica da mente

consciente e que esta é capaz de responder aos dilemas daí decorrentes, mesmo admitindo a

existência de inúmeros fenômenos cuja compreensão ainda é incompleta290

e acautelando-se

ao afirmar que tudo pensado sobre o assunto é sujeito a críticas.

Em seus livros específicos sobre o tema291

, e aqui assumimos a mera redução

explanatória da complexidade das hipóteses apresentadas por ele, o autor defende a ideia de

que a mente particular e pessoal é na realidade biológica, esclarecendo que os requisitos

elementares292

da consciência são a vigília, a mente e o eu. A primeira é a condição corporal

propriamente dita, a segunda pode ser entendida como o processamento das informações e o

eu é composto do protosself, o self central e o self autobiográfico.

Segundo o autor, o protosself é o mapa das disposições corporais e corresponde a uma

representação neural simples, como encarregado de verificar o corpo e sua temperatura. O self

central se encontra em um nível intermediário e produz o conhecimento imediato do aqui e

agora, ou seja, é o resultado da interação do protosself com a exterioridade, formando

representações internas que interagem com as disposições iniciais, ensejando novas

289

Desafio ainda maior seria saber se é possível a existência de uma ligação entre uma consciência imediata e

individual e uma consciência social e geral, e, assim havendo, tentar identificar em quais bases tais consciências

se comunicariam e influenciariam, mas entendemos que tal tópico ultrapassa em muito a esta pesquisa. 290

Prevê o autor que apenas por volta de 2050 o conhecimento sobre fenômenos biológicos terá eliminado a

separação entre corpo-cérebro, corpo-mente e cérebro-mente. DAMÁSIO, António R. Como o cérebro cria a

mente, in Consciência, edição especial Mente e Cérebro, nº 46, São Paulo: Ediouro Duetto Editorial Ltda, 2014,

p.14-22, p.21. 291

DAMÁSIO, António R., O mistério da consciência- Do corpo e das emoções ao conhecimento de si.

Título original: The feeling of what happens- Body and emotion in the making of consciousness, tradução de

Laura Teixeira Motta, 3ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 292

DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Título original Self comes to mind: constructing the

conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.201.

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representações, tais como sensações de fome, tristeza ou frio. O self autobiográfico é a

camada superior e representa a relação dessa interação registrada na experiência vivida,

permitindo-nos avaliar nossos impulsos racionalmente, regular nossos sentimentos e nos

comportar de acordo com as metas desejadas.

Em suma, para o autor293

, o protosself, com seus sentimentos primordiais, e o self

central constituem o “eu material”. O self autobiográfico, cujas instâncias superiores

englobam todos os aspectos da pessoal social de um indivíduo, constitui um “eu social” e um

“eu espiritual”, afirmando, em resumo estreito, que a consciência humana normal corresponde

a um processo mental em que atuam todos os níveis do self.

Defende o Pesquisador português a ideia de que tudo ocorre com base neuronal e que

a consciência não possui um local cerebral específico294

para a ocorrência de tais processos

nem pode existir com base em algum mecanismo isolado, mas comporta-se global e

fluidamente em vários locais do cérebro e em constante interação de seus mecanismos,

regiões e estruturas.

Assim, o cérebro utiliza sistemas distintos para variados tipos de aprendizagem, como,

por exemplo, os gânglios basais e o cerebelo para a aquisição de habilidades, o hipocampo

para o aprendizado de características de entidades como as pessoas, lugares ou

acontecimentos e sistemas cerebrais multicomponentes, localizadas em grandes espaços

cerebrais conhecidos como vórtices, são utilizados para as memórias de longo prazo.

Assinala, ainda, que a consciência engloba as contribuições fundamentais do tronco

cerebral e do conjunto de imagens criadas a partir da cooperação do córtex cerebral e

estruturas subcorticais, visando à administração e à preservação eficaz da vida, tudo em

constante interação, só interrompida pelo sono, anestesia, por disfunção cerebral ou morte295

.

293

DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Título original Self comes to mind: constructing the

conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.39. 294

Experimentos com anestesia têm sido feitos no intuito de tentar localizar a sede da consciência, mas, no

entanto, sem resultados definitivos. Ver KOCH, Christof, ara ‘desligar’ o cérebro, in Consciência, edição

especial Mente e Cérebro, nº 46, São Paulo: Ediouro Duetto Editorial Ltda, 2014, p.76-82. 295

DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Ob. cit. p.41.

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170

Ademais, confirma com base nos estudos de Eric R. Kandel296

e Timothy P. Tully, que

os fatos recém-aprendidos são consolidados na memória de acordo com processos sinápticos

no plano de neurônios e moléculas, necessitando de síntese de proteínas novas que contam

com o encaixe de genes específicos nos neurônios encarregados de manter a memória

consolidada297

.

Acrescenta António R.Damásio que as células cerebrais representam entidades ou

acontecimentos que ocorrem com a pessoa, sendo tal representação diretamente relacionada

ao organismo e indiretamente com tudo aquilo com que o organismo interage, de modo a

administrar o organismo, elaborando os equilíbrios químicos de acordo com a necessidade de

sobrevivência.

Assim, defende claramente a noção de que o “senso do eu” é encontrado nos

dispositivos cerebrais que representam, momento a momento, a continuidade do mesmo

organismo individual, ao mesmo tempo em que desenvolve novas representações,

aumentando o grau de consciência e o nível de autopercepção.

Para o autor, o corpo é o alicerce da mente consciente, e o protosself comporta os

sentimentos primordiais e as imagens correspondentes. Esclarece que tais imagens, ou filme

no cérebro, servem como metáfora para a composição integral das diversas imagens sensoriais

(visuais, auditivas, táteis, olfativas e outras) que constituem a mente.

Assegura o autor que foi a capacidade homeostásica298

cerebral, aí incluídas as

atividades básicas não conscientes integradas à homeostase sociocultural, que possibilitou e

possibilita a sobrevivência e a constante evolução, acreditando que os desenvolvimentos

culturais ao longo do tempo levaram a alterações do genoma, sendo a complexidade

atualmente encontrada fruto de tal curso dialético existencial evolutivo de organização e

complexidade.

296

KANDEL, Eric R. Em busca da memória, o nascimento de uma nova ciência da mente, título original In

search of memory: The emergence of a new science of mind, tradução de Rejane Rubino, São Paulo: Companhia

das Letras, 2009. 297

DAMÁSIO, António R., Como o cérebro cria a mente, in Consciência, edição especial Mente e Cérebro, nº

46, São Paulo: Ediouro Duetto Editorial Ltda, 2014, p.14-22, p.18. 298

Entende-se por homeostasia ou homeostase a propriedade de um sistema aberto regular seu ambiente interno,

de modo a manter uma condição estável mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por

mecanismos de regulação interrelacionados.

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Também compartilhando o entendimento de que a consciência possui base molecular

biológica, Eric R. Kandel299

esclarece que o ambiente interage com os genes e os neurônios

para provocar aprendizados e comportamentos, dedicando-se o autor a pesquisar a Biologia

molecular dos processos mentais mais simples.

Enfatiza Eric R. Kandel que a memória é um dos aspectos mais notáveis do

comportamento humano e que nos possibilita resolver os problemas diários mediante a

evocação de vários fatos ao mesmo tempo, fornecendo dados do passado que nos auxiliam a

elucidar os dilemas atuais, proporcionando a continuidade da vida, ou seja, é possível afirmar

que a memória é a própria consciência300

. Assim, somos o resultado do que aprendemos e

lembramos, aí incluindo eventos prazerosos e traumáticos.

Acentua ainda, o autor que é a memória que nos fornece identidade individual,

pontificando que sem aquela perdemos nossa consciência, como nas hipóteses da doença de

Alzheimer e as perdas de memória relacionadas à idade, bem como sua deficiência pode

contribuir para a esquizofrenia, a depressão e os estados de ansiedade.

Acrescenta ainda que é a memória a possibilitar a transmissão da cultura, sendo certo

que a capacidade de aprendizagem dos seres humanos e sua memória cresceram ao longo de

sua evolução por meio da aprendizagem compartilhada e comportamento adaptativo.

Defende o autor a ideia que, a cada evento de que o cérebro participa, muda um pouco

e que a biologia molecular da cognição nos permite explorar no plano molecular o modo

como pensamos, sentimos, aprendemos e lembramos.

Garante, ainda, que as pesquisas sugeririam que não apenas o corpo, mas também a

mente e as moléculas específicas dos processos mentais mais complexos, como a consciência

299

KANDEL, Eric R.: Em Busca Da Memória: O Nascimento De Uma Nova Ciência Da Mente. Título

original In Search of Memory: The Emergence of a New Science of Mind, Tradução de Rejane Rubino. São

Paulo: Companhia das Letras, 2009. 300

No mesmo sentido, o filósofo Louis Lavelle indica que só existimos na nossa memória. A memória é,

portanto, a substância do eu, através da retenção do tempo. Assim, somos o que nos tornamos na vida através dos

valores que incorporamos, as escolhas feitas, as preferências e vivências. Sem memória, até o futuro,

considerado como a memória antecipada, desapareceria. LAVELLE, Louis, A presença total e outros ensaios,

título original La presence totale, tradução de Carlos Nougué, São Paulo: É Realizações, 2012 e A consciência

de si, título original La conscience de soi, tradução de Lara Christina de Malimpensa, São Paulo: É Realizações,

2012.

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que temos de nós mesmos e dos outros, e a consciência do passado e do futuro, evoluíram de

nossos ancestrais animais.

Além disso, postula a noção de que a consciência é um processo biológico que será um

dia explicado em termos de vias de sinalização molecular utilizadas por populações de células

nervosas em interação, ousando afirmar a desconcertante hipótese de que a mente e a

espiritualidade humanas se originam num órgão físico, o cérebro.

Toda a explicação do funcionamento cerebral, mesmo na contextura molecular, apesar

da importância e significação das descobertas, parece-nos insuficiente para a verdadeira

compreensão de tal parcela da constituição do sentimento do justo.

O próprio António R. Damásio 301

admite que a consciência é mais do que uma mente

organizada sob a influência de um organismo vivo e atuante e são os sentimentos que

permitem identificar o que é relevante e até mesmo o conteúdo que pertence ao eu e o que

não, funcionando os sentimentos como marcadores somáticos responsáveis pela construção da

mente consciente e a subjetividade.

Assim, para o Autor português, o passo decisivo para a consciência é a apropriação

das imagens cerebrais pela pessoa em suas dimensões sociais e espirituais, ou seja, a

subjetividade definida pelo sentimento que caracteriza realmente a consciência.

A ênfase que António R. Damásio e os adeptos da base neurobiológica da consciência

fornecem, no entanto, é no sentido de entender que apenas com origem em algo conhecido

biologicamente pelo cérebro é que a consciência se forma por meio da subjetividade posterior,

esta moldada individualmente pela cultura e demais aspectos sociológicos e psicológicos. Os

dois aspectos básicos de tais hipóteses são um físico e um relativo à experiência.

Ora, parece-nos evidente que a consciência de qualquer ser vivo só pode ser

inicialmente considerada apenas desde uma base orgânica, seja qual for a complexidade da

vida em análise. Tratando-se de humanos, resta evidente que pressupõe o corpo, o sistema

301

DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Título original Self comes to mind: constructing the

conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.22-23.

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nervoso e a sua intersecção, bem como da sua estrutura, funcionamento e ligação com

distintos comportamentos psicológicos e sociais de natureza, cognitiva, afetiva e volitiva.

Parece-nos, pois, ser possível desenvolver a hipótese de que tudo o que ocorre com os

seres afeta não apenas seu comportamento por via da incorporação do saber consequencial das

experiências vividas, mas produzem modificações até mesmo seu comportamento biológico e

molecular, preparando a espécie, no plano de evolução, para interações mais bem sucedidas.

Admitimos que tais adaptações ao longo do tempo possam ter o condão de modificar

as estruturas materiais, biológicas e químicas do funcionamento corporal de tais indivíduos302

,

aí incluindo seus porventura existentes cérebros303

. Aceitamos a ideia de que o homem possui

a capacidade de se reconhecer e pensar sobre si, demonstrando consciência sobre a

consciência e que tal característica é inexistente ou rara em outras espécies304

.

302

Recentes estudos indicam que ao longo do tempo o sistema imunológico humano evoluiu em resposta a

doenças infecciosas, como foi o caso da peste negra que deixou marcas no genoma humano. Ver LAAYOUNI,

Hafid, OOSTING, Marije, LUISI, Pierre, IOANA, Mihai, THELMA, B. K., WIJMENGA, Cisca, JOOSTEN,

Leo A. B., BERTRANPETIT Jaume e NETEA, Mihai G., Convergent evolution in European and Rroma

populatiomns reveals pressure exerted by plague on Toll-like receptors, da Universidade de Radboud, na

Holanda, disponível em http://www.pnas.org/content/111/7/2668.abstract, acessado em 02 de janeiro de 2015. 303

Como se sabe, a repetição dos estímulos fortalecem as sinapses e os neurônios envolvidos sofrem

transformações tróficas que fazem com que as conexões sinápticas entre os mesmos seja ainda mais reforçadas, o

que é conhecido como Lei de Hebb. O professor canadense Donald Olding Hebb esclareceu já em 1949 que em

todos os processos cerebrais, cada neurônio tem uma importância muito pequena, sendo que só o conjunto dos

milhões de neurônios, distribuídos por todo o cérebro (cell ensemble, neural ensemble, ou conjunto neuronal), é

que verdadeiramente define qualquer que seja a função neural que se queira estudar ou definir. HEBB, Donald

Olding, The Organization of Behavior: a neuropsychological theory. Nova York: John Wiley, 1949. Assim,

quando um subconjunto qualquer dos neurônios do agrupamento recebe um estímulo conhecido, o conjunto todo

é ativado rapidamente por via da intensa e veloz difusão das atividades das sinapses já previamente reforçadas.

FREEMAN, Walter J. A physiological hypothesis of perception. Perspectives in Biology and Medicine,

Summer, 1981, págs. 560-592, disponível em http://sulcus.berkeley.edu/freemanwww/manuscripts/IC1/81.html,

acessado em 26 de dezembro de 2014. 304

Malgrado não haver evidências dos primatas terem consciência da própria consciência, não são raros os casos

em que demonstram comportamentos significativamente próximos aos dos humanos, inclusive no que diz

respeito a altruísmo, solidariedade, atos heroicos e mesmo consciência clara a respeito da diversidade das

espécies e o complexo sistema de proteção de seus membros.Ver, por exemplo, o caso em que um macaco-

rhesus salvou um companheiro que levou um choque e caiu na linha ferroviária

(http://tvuol.uol.com.br/video/macaco-salva-outro-que-caiu-nos-trilhos-ao-levar-um-choque-

04028C9C3370C4995326, acessado em 12 de janeiro de 2015) e o caso de um menino de três anos que caiu no

habitat dos gorilas no zoológico Brookfield, em Chicago, em 1996, e a gorila Binti Jua não só o amparou, como

protegeu dos demais gorilas e o levou até local onde os tratadores o resgataram

(http://www.anda.jor.br/05/06/2013/uma-gorila-ficou-famosa-ao-salvar-um-menino-de-tres-anos-em-chigago-

eua, acessado em 12 de janeiro de 2015). Recentemente, a Justiça Argentina concedeu habeas corpus a Sandra,

uma fêmea de orangotango, que vive no zoológico de Buenos Aires, para que seja libertada em um santuário

para animais, reconhecendo a orangotango como “sujeito não humano”, privado ilegalmente de sua liberdade

(http://www.dw.de/orangotango-ganha-habeas-corpus-na-argentina/a-18147033, acessado em 12 de janeiro de

2015). Interessante é registrar que os bonobos formam uma sociedade matriarcal, com as coalizões femininas

comandando os machos e a convivência pacífica encontrada por meio de estratégias sexuais envolvendo macho-

fêmea, fêmea-fêmea, macho-macho, fêmea adulta-macho juvenil, macho adulto-fêmea juvenil, macho adulto-

macho juvenil e os juvenis entre eles. VARELA, Dráuzio, Macacos, São Paulo: Publifolha, 2000.

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Cremos, no entanto, que mesmo as estruturas orgânicas mais simples que não possuem

cérebro, possuem consciência, na hipótese desta ser compreendida no sentido de atividade que

visa a administrar e preservar a vida305

, e queremos crer que em seus processos adaptativos

tais estruturas tiveram que modificar seus componentes biológicos e atividades químicas para

se amoldarem às necessidades ambientais.

Afirmamos ser difícil, no entanto, compreendermos que a consequência seja a própria

causa, ou seja, parecem-nos mais aceitável o fato de que as modificações biológicas e

químicas sejam efeitos da consciência e não suas causas, malgrado as implicações correlatas

também existam, como explicamos a seguir.

Em outras palavras ainda mais simples, confessamos nossa dificuldade de entender

que os sentimentos e valorações sejam gerados em base orgânica, parecendo-nos mais

razoável cogitar na hipótese de que aqueles ensejaram modificações biológicas e químicas,

mesmo no plano molecular.

Assim, como se sabe mesmo intuitivamente e por exemplo, se sentimos medo de algo,

valorando o evento como danoso ou perigoso, nosso cérebro realmente comanda toda a série

de descargas neuronais, químicas, energéticas, hormonais e musculares, dentre outros efeitos

orgânicos e comportamentais e psicológicos necessários à preservação da vida.

Suscitamos, pois, a hipótese de que, com o evoluir, tal medo, de tão frequentemente

ativar nossos corpos e marcar nossas percepções, venha a influenciar maior produção deste ou

daquele componente orgânico, aí incluindo até mesmo maior desenvolvimento muscular,

maior acuidade visual, incremento da sensibilidade tátil, ampliação da audição, acréscimo de

melhor percepção empática etc, tudo interligado com expansão do raciocínio e da memória

em correlação.

Desta forma, podemos acreditar que tais circunstâncias colaborem no plano

evolucional para o desenvolvimento cerebral, bem como nos parece razoável afirmar que o

cérebro, uma vez tornado complexo, volte a influenciar as percepções que o tornaram mais

305

António R. Damásio exemplifica o comportamento do nematódeo C. elegans, que possui apenas 302

neurônios e portanto um cérebro desprovido de mente digna desse nome, como prova que antes da consciência,

os parâmetros químicos influenciam os comportamentos. DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem,

ob. cit. p.78.

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enriquecido, em um movimento espiral ascendente de adaptação e evolução, possibilitando a

criação de soluções novas, mais rápidas e eficazes para os problemas da vida.

Observemos que o próprio António R. Damásio 306

admite que a mente consciente dos

humanos, combinada com a memória, raciocínio e linguagem, engendra os instrumentos da

cultura e possibilita novos modos de homeostase nas esferas da sociedade e da cultura, sendo

os sistemas judiciais, as organizações econômicas e políticas, a Arte, a Medicina e a

tecnologia exemplos da busca deliberada de determinado bem-estar.

Segundo nossa sugestão, não seria o cérebro o verdadeiro criador da consciência,

sendo esta a real responsável pela gênese daquele desde a interação ambiental e sociocultural,

revelando, influenciando e até mesmo condicionando inicialmente nossos valores, sejam estes

biológicos ou de convivência.

Em suma, cremos ser aceitável a ideia de que o processo de percepção do que é bom e

útil para o nosso corpo e vida tenha primordialmente uma base biológica no sentido de bem-

estar e prazer na existência, mas não consideramos tal fenômeno como consciência, mas sim

como instinto, ou uma protoconsciência, se desejarem.

Assim, se é certo que os humanos temos nosso cérebro totalmente formado apenas

desde determinada idade, também podemos afirmar que nossa consciência real só terá

existência completa com as experiências concretas de vida. E quanto maiores estimulação e

interação, mais cedo e rápido o cérebro biológico traça suas sinapses e a consciência continua

influenciando e também se densificando com maior diversidade e fluidez.

Ademais, não há como afiançar que a consciência se resuma a processos moleculares e

parâmetros químicos, parecendo-nos correto dizer que mesmo a compreensão minuciosa da

construção neural da mente consciente não elucida a vontade de viver oculta em cada célula,

nem nosso desejo, valoração e busca do belo e do justo, visando a conteúdo mais complexo de

felicidade compartilhada.

306

DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Título original Self comes to mind: constructing the

conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.43.

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As concepções da consciência com base neurobiológica firmam-se, na verdade de

forma fechada de totalidade material imanente no que entendem como realidade evolutiva e

explicações sobre estruturas e funções, levando em conta o modo como o cérebro realiza

certas tarefas, com especificação dos mecanismos neurais apropriados e esclarecendo como

ocorrem a complexidade e a organização da matéria física, biológica, neurológica, celular,

corporal.

Assim o fazem, no entanto, sem conseguir explicar as razões além da hipótese da

evolução, bem como não admitem a possibilidade de algo superior, transcendente e externo à

dialética da evolução como impulsionadora desta e da consciência.

Permanecem ainda sem resposta, por exemplo, as indagações a respeito das causas de

determinados assuntos chamarem atenção de alguns, merecendo cuidado e dedicação,

enquanto para outros transparecem como temas insuficientes, ensejando apenas indiferença,

mormente no que diz respeito a problemas sociais.

A explicação da consciência com base neurobiológica, também, nada esclarece sobre o

conteúdo da consciência no que diz respeito à qualidade valorada dos modos de viver e

conviver.

As hipóteses levantadas também nada se referem a respeito da possível existência de

melhor maneira de a consciência ser formada, nem teorizam a respeito de como sucedeu as

diferenças, graus ou intensidades de subjetividade.

De igual forma, também não se pronunciam sobre a possibilidade de transformação,

modificação e plasticidade das consciências e os fatores porventura importantes para tanto.

Outrossim, preferem não se pronunciar sobre os conteúdos voláteis da consciência, no que diz

respeito aos desejos, sonhos e paixões.

Ademais, as indagações sobre o que nos faz realmente humanos em termos

transcendentais, nem quais são os aspectos internos do pensamento e da percepção e porque

devemos, ou não, nos preocupar com os outros também permanecem sem qualquer toque307

.

307

António R. Damásio propõe que os avanços culturais decorem de uma espécie de impulso homeostático

inerente, afirmando que a elaboração das leis e regras morais e o desenvolvimento dos sistemas de justiça

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As questões humanas mais inquietantes não são, pois, respondidas pelas hipóteses

neurobiológicas. Talvez uma explicação mais ousada possa oferecer algum rumo a tais

demandas.

3.1.1.2- Consciência como psique308

Carl Gustav Jung adverte inicialmente para a noção de que não se pode enquadrar a

psique (consciência) em definições comuns, identificando-a como processo energético e

experiência, evitando definir sua substância309

.

Tal energia psíquica foi definida pelo autor como libido, mas não unicamente de

conteúdo sexual. Resultado que é dos movimentos e interações dos conteúdos psíquicos do

indivíduo, compreendeu-a como equivalente a valor psicológico. Dito valor psicológico310

é

correspondente aos afetos associados aos elementos da experiência, variando conforme o

agrado que as coisas ou fenômenos nos trazem.

Observe-se que Carl Gustav Jung atribuiu tal energia como associada a vários

conteúdos denominados de opostos, sendo estes as qualidades extremas de um determinado

estado (como claro e escuro, masculino e feminino) que funcionariam como indutores do

fluxo inerente à energia psíquica, responsáveis por sua intensidade e direcionamento,

constituem uma resposta à detecção de desequilíbrios causados por comportamentos sociais que põem os

indivíduos e o grupo em risco. DAMÁSIO, António, R., E o cérebro criou o homem. Título original Self comes

to mind: constructing the conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras,

2011,p. 355. Ora, com todo o respeito a esse autor por inúmeras vezes aqui referenciado, tal perspectiva nos

parece excessivamente otimista e até mesmo ingênua quanto à natureza humana, esquecendo-se dos interesses

egoísticos, depravações, desvios e sombras tão próprios de todos. Pode-se até aceitar que as leis e a justiça são

elaboradas e previstas com a finalidade de manutenção de certa ordem, mas dizer isso nada elucida sobre o

conteúdo e abrangência desta ordem, sendo insuficiente para motivar-nos a aderir a tais comportamentos. 308

Utilizamos fortemente a pesquisa elaborada por Luís Gustavo Vechi em sua tese apresentada ao Instituto de

Psicologia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Psicologia, A Psicologia

Analítica de Carl Gustav Jung no estudo de instituição: uma proposta teórico-metodológica, disponível em

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-09062008-152737/pt-br.php, acessado em 20 de março

de 2014. 309

JUNG, C. G. (1945). A fenomenologia do espírito no conto de fadas. In: _____. Os arquétipos e o

inconsciente coletivo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 205-247. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 9/1),

principalmente § 384. 310

JUNG, C. G. (1935). Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis: Vozes, 1989. (Obras Completas de

C. G. Jung, v. 8/1), p. 30, § 23

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178

entendendo-se dita energia como experiências associativas e processos relacionais

constantemente vivenciados311

.

Assim, o outro e o desconhecido passam a ser elementos formadores da apreensão que

o sujeito tem de si e da realidade, uma vez que o movimento psíquico compõe-se de

constantes percepções, verificações e comparações dos opostos e suas intensidades com o que

já é conhecido, e recebem as valorações particulares e circunstanciais.

Propõe o autor que para podermos compreender a atividade de percepção e a psique

como processo, havemos de ter em conta três níveis psíquicos nos quais foram incluídos

desde a superfície consciente até o inconsciente coletivo.

Diz Carl Gustav Jung312

que: “(...) em primeiro lugar (...) a consciência, depois o

assim chamado inconsciente pessoal, e finalmente um segmento de tamanho indefinido do

inconsciente coletivo, cujos arquétipos são comuns a toda humanidade.”

Entende o autor que o inconsciente coletivo formado é a origem da energia psíquica313

,

representando sua condição ou base, enquanto os arquétipos314

que o formam são a fonte de

tal energia315

, tudo a constituir a experiência e a percepção que o sujeito tem da realidade.

Observe-se que, em virtude da possibilidade de variações de intensidade, os opostos

inseridos nos arquétipos autorizam que referida energia adote determinados padrões de

combinações de ditos opostos, alterando de vigor. A hipótese levantada é, justamente, todos

nós herdarmos da humanidade a que estamos inseridos certos modelos de configuração da

energia a nos influenciar ou mesmo condicionar a apreensão da realidade316

.

311

JUNG, C. G. (1946). Considerações teóricas sobre a natureza do psíquico. In: _____. A Natureza da

Psique, tradução de Mateus Ramalho Rocha, 8ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 8ª edição, 2011 (Obras

Completas de C. G. Jung, v. VIII/2), 1991. p. 99-171. 312

JUNG, C. G. (1950). O simbolismo da mandala. In: _____. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2. ed.

Petrópolis: Vozes, 2002. p. 349-381. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 9/1), principalmente p.353, § 634. 313

JUNG, C. G. (1951). Aion: estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1982.

(Obras Completas de C. G. Jung, v. 9/2). p. 5, §: 12. 314

Para a teoria junguiana dos arquétipos, há uma camada mais profunda do inconsciente na qual habitam nossas

potencialidades fundamentais, como formas e padrões (mas não conteúdo, que sofre cariações ambientais e

históricas) sedimentados pelas experiências vividas pela humanidade. 315

JUNG, C. G. (1917/1943), Psicologia do inconsciente. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1989.(Obras Completas de

C. G. Jung, v.7/1),p. 135. 316

JUNG, C. G. (1921). Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 6),

p.422,§ 841.

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Relevante a ressaltar é que o autor atribui aos arquétipos a possibilidade de agirem

como uma espécie de filtro a direcionar as percepções individuais do mundo conforme certos

padrões de apreensão, direcionando o percebido para o feixe de opções pessoais adaptado

individualmente para, só aí, serem realmente perceptíveis317

.

Assim, postulou o autor a existência de tipos de percepção da realidade conforme a

probabilidade de regularidade de repetição de padrões318

que surgiram anteriores à

consciência e com a própria vida319

, malgrado admitir que tal questão seja metafísica e não

comportar resposta definitiva320

.

Para dita atividade dos arquétipos atribuiu Carl Gustav Jung o termo “constelação” e

por “complexo” a delimitação afetiva ambiental e biográfica do indivíduo em seu

funcionamento psíquico.

Assim, diz o autor321

, o conteúdo afetivamente acentuado (complexo) é constituído de

um elemento central e de um grande número de associações secundariamente consteladas, ou

seja, nas associações dá-se inicialmente um fato determinado pela experiência relacionado

com o ambiente e depois um fator inato que compõe o indivíduo determinado por sua

disposição arquetípica.

Afirma o autor, ainda, que cada ato de percepção de um novo conteúdo utilizará as

qualidades e características que pareçam mais relevantes ao conteúdo subjetivo, com exclusão

do que pode ser considerado, pelo menos para aquele momento, como irrelevante. Assere Carl

Gustav Jung que, “ (...) O que é relevante ou irrelevante será decidido pela constelação ou

combinação prévia dos conteúdos (...)322

.

317

VON FRANZ, M. L. V. Number and time. Evanston: Northwestern University Press, 1974, p. 155. 318

JUNG, C. G. (1936). O conceito de inconsciente coletivo. In: _____. Os arquétipos e o inconsciente

coletivo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 51-63.. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 9/1). p. 58,§ 99. 319

JUNG, C. G. (1942/1948). Tentativa de interpretação psicológica do dogma da Trindade. In: _____.

Psicologia da religião ocidental e oriental. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 107-202. (Obras Completas de C. G. Jung,

v. 11), p. 148, § 223. 320

JUNG, C. G. (1938/1954). Aspectos psicológicos do arquétipo materno. In: _____. Os arquétipos e o

inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 85-116. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 9/1), p. 108, §:

187. 321

JUNG, C. G, A Natureza da Psique, tradução de Mateus Ramalho Rocha, 8ª edição, Petrópolis: Editora

Vozes, 8ª edição, 2011 (Obras Completas de C. G. Jung, v. VIII/2. 322

JUNG, C. G. (1921). Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 6). p.

395, 396, §: 768, 769.

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Ao resultado da conjugação da atividade espontânea do inconsciente e da situação

momentânea da consciência, Carl Gustav Jung atribuiu o nome de símbolo323

. A psique,

então, cria símbolos para possibilitar que a energia arquetípica se expresse no plano pessoal.

Em suma, pode-se dizer que, segundo Carl Gustav Jung, o plano arquétipo representa

a experiência psíquica potencial de percepção enquanto a experiência psíquica concreta e

vivida se manifesta no complexo que, por sua vez, tem como núcleo um arquétipo em

atividade constelar e se expressa por meio de símbolos. O símbolo é, assim, tanto o resultado

do processo de diferenciação entre o inicialmente percebido, filtrado e admitido, como o

registro empírico dos padrões de percepção circunstancial do sujeito, contendo os valores

admitidos.

É, portanto, o processo de simbolização, condição para a consciência, pois esta é

marcada pela diferenciação e relação entre o que é percebido como relevante e o que

possuímos antecipadamente.

Podemos asseverar, portanto, que um símbolo só nos é consciente enquanto estiver

relacionado com nossa história de vida324

, sendo certo que Carl Gustav Jung também afirmou

que “(...) o ego (...) (é) formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e

existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória.” 325

Percebe-se, pois, como a natureza da consciência é limitada à pequena parcela da

experiência psíquica que utiliza ínfimos nacos do inconsciente326

e ainda assim de maneira

323

JUNG, C. G. (1921). Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 6), p.

418, §: 829. 324

JUNG, C. G. (1921). Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 6), p.

406, §: 796 325

JUNG, C. G. (1935). Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis: Vozes, 1989. (Obras Completas de

C. G. Jung, v. 8/1) p. 7, §: 18. 326

Como se sabe, mesmo antes de Sigmund Freud, já se admitia a existência de hábitos irreflexivos ou saberes

inconsequentes a refletirem algo contido no nosso interior. O mérito de Sigmund Freud foi criar um método de

acessar tal inconsciente e dar-lhe utilidade mais visível, iniciando-se pela percepção dos desejos. O inconsciente

freudiano não é apenas a inconsciência, no sentido de não consciência, ou no senso de outra consciência, mas um

sistema de armazenamento e organização de nossas memórias, desejos e experiências que por vezes queremos

esquecer ou que sequer queremos saber ou enfrentar, mas que precisa ser cuidado, ouvido e decifrado em sua

linguagem simbólica e metafórica emitida por meio de imagens.

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adaptada, lacunosa ou mesmo olvidada (esquecimento ou repressão dos conteúdos utilizados,

mas que já desapareceram da consciência e que formam o inconsciente pessoal327

).

Observe-se, porém, que, sendo um processo, havemos de ter em conta o fato de que a

consciência também guarda a potencialidade de nunca parar de se movimentar e se ampliar

continuamente.

Na verdade, é evidente que a consciência está sempre em contínua expansão. Tal

processo pode variar de pessoa para pessoa, conforme as intensidades e diferenciações de

exposições, contatos e (auto) críticas a que se submete empiricamente bem como ao modo de

recepção de tais experiências (individuação). Assim se dá porque a construção arquetípica,

seja pessoal ou coletiva, também pode ser entendida como ininterrupta e constante.

Pode-se afirmar, enfim e com base em Carl Gustav Jung, que sempre há a

possibilidade de variadas percepções para o sujeito, expandindo-se e reformulando-se o

processo psíquico (arquétipo, complexo e consciência) conforme as experiências pessoais,

além de ser possível substituir suas referências psicológicas.

É importante realçar a ideia de que apesar da ciência ainda não ter chegado a uma

conclusão razoável sobre a complexidade dos processos cerebrais, estima-se que a

consciência ocupa apenas uma parcela pequena do cérebro e todo o resto é controlado pelo

inconsciente.

Experiências da Neurociência moderna admitem que nosso cérebro seja abastecido

constantemente pelos sentidos e pelas reações provocadas por eles, armazenando tudo como

experiências a serem acessadas quando necessário independentemente dos próprios sentidos.

A hipótese é, pois, que o inconsciente assume a maior parte dos eventos nos quais não

precisamos selecionar nada conscientemente, como, por exemplo, falar e ler, traduzindo tudo

em imagens, palavras e ideias328

.

327

JUNG, C. G. (1936). O conceito de inconsciente coletivo. In: _____. Os arquétipos e o inconsciente

coletivo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 51-63. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 9/1), p. 53, §: 88.

328

Nas palavras de Amit Goswami, o inconsciente é aquilo para o qual há consciência, mas não há percepção.

GOSWAMI, Amit, REED, Richard E., GOSWAMI, Maggie, O Universo autoconsciente – como a ciência cria

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182

Assim, por exemplo, a leitura deste texto ativa automaticamente o inconsciente que

transforma os símbolos gráficos em ideias transmitidas para a consciência do leitor.

O que se chama atualmente como novo inconsciente329

, apesar de resvalar para o

reducionismo da abordagem puramente neurológica do inconsciente, chega a admitir que este

possa ser um amplificador de emoções e fonte de muitas aflições humanas ante a

interpretação de coisas negativas e o responsável por injustiças de comportamento.

As experiências de Eric R. Kandel330

indicam que mesmo sem total consciência do que

se está percebendo nosso cérebro indica atividade e reconhecimento perante imagens

negativas, assim como as experiências de Robert Rosenthal331

ainda nos anos de 1960

confirmam que nosso comportamento não está imune às distorções induzidas pelo

inconsciente.

Acentua o autor que se não podemos controlar o inconsciente pelo menos podemos

evitar ou minorar suas influências no entendimento de que é possível utilizar sua plasticidade

para influenciá-lo, principalmente no que diz respeito à memória não declarativa332

.

Recordemo-nos de que no processo de acesso e retenção de memória, a primeira

questão é relativa à aquisição, que consiste na entrada de um evento qualquer nos sistemas

neurais e seleção dos aspectos mais relevantes para a cognição.

Tais dados ficam armazenados inicialmente pelo tempo correspondente à importância

que damos a eles, sendo certo que o processo de retenção e disponibilidade varia com o passar

do tempo e de acordo com a relevância dada por nós a eles. Daí podermos esquecer alguns

aspectos dos fatos ou até mesmo todos eles.

o mundo material, título original The self-aware universe, tradução de , Ruy Jungmann , São Paulo:Editgora

Aleph, 2ª edição, 5ª reimpressão, 2013.p.135. 329

HASSIN, Ran R., ULEMAN,James S., BARGH, John A. The New Unconscious. New York: Oxford

University Press, 2006. 330

KANDEL, Eric R.: Em Busca Da Memória: O Nascimento De Uma Nova Ciência Da Mente. Título

original In Search of Memory: The Emergence of a New Science of Mind, Tradução de Rejane Rubino. São

Paulo: Companhia das Letras, 2009. 331

ROSENTHAL, Robert, JACOBSON, Lenore, Pygmalion in the Classroom: Teacher Expectation and

upil’s I tellectual Develop e t, UK: Crown House Publishing, 2003. 332

Como se sabe, tem-se que a Memória Declarativa (ou explícita) é a memória para fatos e eventos que

podemos evocar por meio de palavras, por exemplo, lembrança de datas, fatos históricos, números de telefone

etc. Memória não declarativa é aquela que não precisa ser verbalizada (declarada) e ligada a procedimentos e

habilidades, como dirigir, dar um nó de gravata etc.

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Indica George Speling333

que a informação crua e sensorial é submetida

imediatamente à decisão de transferência para o próximo depósito de memória para ser

analisada ou direcionada para o esquecimento. O esquecimento funciona, provavelmente,

como mecanismo de prevenção de sobrecarga nos sistemas cerebrais dedicados à

memorização, também agindo como filtragem de apenas os aspectos mais relevantes das

informações.

Resta saber que tipo de atividades cerebrais ou emocionais são realizadas e com base

em que a importância das captações sensoriais é aferida, principalmente no que se refere à

percepção de um fato humano.

Malgrado serem utilizados outros termos, podemos perceber que os estudos sobre

memória se aproximam fortemente do que indicava Carl Gustav Jung.

Assim, podemos dizer que as informações que passarão para o segundo nível de

armazenamento devem corresponder às tarefas ou metas que buscamos realizar naquele

momento (nossos valores, em outras palavras), de acordo com o reconhecimento de prévio

padrão sensorial (consciente ou inconsciente).

Por sua vez, o depósito de memória de longo prazo, ou depósito secundário, consiste

em informação que temos permanentemente disponível.

Nossa habilidade de lembrar eventos e relacioná-los exige a combinação de no mínimo

a memória declarativa (ou explicita), requerendo participação consciente e envolvendo o

hipocampo e o lobo temporal, bem como a memória implícita, a qual não requer participação

consciente, utilizando estruturas não corticais.

Por outro lado, sabe-se que para ensinar uma nova habilidade ao próprio inconsciente

é preciso treinar (ou ensaiar). Observe-se, contudo, que, quando se afirma que a exposição do

inconsciente a uma mesma prática se torna mais fácil ante a acessibilidade instantânea das

333

SPERLING, George (1960). The information available in brief visual presentations. Psychological

Monographs, 74, 1-29, disponível em

http://aris.ss.uci.edu/HIPLab/staff/sperling/PDFs/Sperling_PsychMonogr_1960.pdf, acessado em 14 de abril de

2014.

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habilidades incorporadas, não se está garantindo que tais disposições sejam sempre positivas e

construtivas.

Nessa vertente, podemos especular se tal forma de aprendizado também está ligada às

emoções e comportamentos, e até mesmo às práticas virtuosas.

No nosso patamar de interesses aqui tratados, resta saber se um juiz intensamente

submetido a uma rotina de audiências forma inconscientemente um banco de dados decisórios

de padrão correspondente à maioria dos casos examinados e se, consequentemente, os

utilizará desde a seleção inicial de novas experiências e escolha dos aspectos entendidos como

relevantes, derivando para até mesmo a adequação da decisão a ser tomada para o caso

concreto, tudo de acordo com ditos padrões já estabelecidos.

Exemplificamos, trazendo à análise os casos que envolvem Direito de Família ou

feitos criminais, onde os juízes do mundo inteiro, independentemente da cultura específica,

são submetidos a intensiva carga emocional.

Vislumbremos a ideia de que magistrados desta seara se encontram imersos,

diariamente e durante anos, em intensos debates que vão além do jurídico, envolvendo, dentre

outros, aspectos sociológicos, culturais e psíquicos. Dia após dia esses juízes travam contato

com as sombras mais densas da natureza humana, em que muitas vezes o egoísmo, o

individualismo, a ausência de empatia e inconsequência afiam suas garras na carne e nos

destino de outras pessoas.

Cremos ser intuitivo o fato de que ditos magistrados, com o tempo, realizam e

utilizam, consciente ou inconscientemente334

, seus particulares bancos de impressões e dados

decisórios, sejam estes justos ou injustos, corretos ou incorretos, duros ou suaves.

334

António R. Damásio é otimista quanto a isso, ao acentuar que nossos registros emocionais nos auxiliam como

atalhos do inconsciente cognitivo, acreditando que as experiências emocionais prévias funcionam

vantajosamente como marcadores de opções; no entanto, logo adiante o autor recomenda a reflexão e

reavaliação, verificação dos dados e reconsideração na tomada de decisões. DAMÁSIO, António R. E o cérebro

criou o homem. Título original Self comes to mind: constructing the conscious brain, tradução de Laura

Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.334-335 e 337. Registre-se, por óbvio, a possibilidade

de nossas emoções não guardarem comunicação, pertinência ou adequação com as peculiaridades dos fatos,

pessoas, normas e valores analisados no presente.

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O risco maior para o qual que atentamos reside em que, diante de um caso que não se

harmoniza a nenhum desses padrões, ou apesar de corresponder em sua maior parte aos casos

anteriores, possua uma ou outra característica específica merecedora de análise e que pode

significar uma pena mais branda ou até mesmo a absolvição, seja tal caso enquadrado no

padrão conhecido simplesmente porque o inconsciente do juiz não se deu ao trabalho de

despertar para tal nova hipótese de experiência.

Se o risco de uma injustiça é, portanto, grande, caso o magistrado não esteja atento à

necessária ampliação de sua consciência, imagine-se então o que pode ocorrer nos casos que

envolvem questões internacionais que abranjam valores e prioridades não usuais ou em que o

juiz tenha diante de si um estrangeiro e sua carga cultural diversa e estereótipo negativo para a

cultura e psique do magistrado.

As hipóteses levantadas trazem a lume a importância tanto de o juiz estar informado

da possibilidade de tal influência inconsciente bem como da urgência de modificarmos

fortemente seu grau de exposição a novos eventos, culturas, modos de vida, percepções de

valores e comportamentos, com o intuito de expandir seus padrões deliberativos.

Cremos que havemos de pensar em uma forma de fazer que os repertórios de decisões

sempre se mantenham em alargamento e os magistrados permaneçam constantemente

receptivos a novas sensibilidades, visando a ampliar as dimensões possíveis do julgar cada

caso com as especificidades singulares que lhe são próprias.

Tais sugestões passam, por óbvio, em modificações concretas na rotina do magistrado,

esperando-se comportamentos mais próximos das realidades postas a julgamento, não mais se

conformando na análise meramente intelectual de autos, sejam estes físicos ou virtuais.

Propõe-se e espera-se, por exemplo, que, ao analisar uma causa ambiental, o juiz, além

de estudar o caso, analisar os relatórios e debruçar-se sobre os laudos periciais, fisicamente se

desloque à área atingida, converse informalmente com os moradores locais, sinta em seu

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corpo o vento, cheire o ar, perceba a temperatura e permita-se novas sensações para tentar

perceber a gravidade335

do caso além de suas pré-instaladas certezas336

.

Cremos que, assim agindo, podemos pensar em uma atividade jurisdicional mais

vigorosamente comprometida com a realidade agora totalmente compreendida em sua

humana tonicidade, expandindo-se a consciência com o vigor e elastério necessário para

fazer, ou se aproximar, da mais verdadeira justiça.

3.1.1.3- Consciência e Behaviorismo Radical

O behaviorismo metodológico aproxima-se do positivismo ou do operacionalismo

lógico, na medida em que volta sua atenção aos antecedentes genéticos e ambientais e tenta

prever ou controlar os comportamentos por meio da observação e da manipulação dos

acontecimentos públicos antecedentes.

Admite, no entanto, a existência dos fatos mentais, a despeito de excluí-los de

consideração ante a não possibilidade de estudo objetivo e concordância acerca de sua

validade.

O behaviorismo radical337

abraça linha diferente.

Adotando certo tipo de equilíbrio entre o mentalismo338

e o behaviorismo

metodológico, admite tal vertente a possibilidade de auto-observação ou do

autoconhecimento, mas questiona a natureza do que é sentido ou observado.

335

A mesma sugestão pode ser ampliada para as próprias partes, como, por exemplo, levando-se um ex-prefeito,

acusado de desvio de verbas, para visitar a comunidade carente a que inicialmente eram destinadas os recursos e

ver de perto as consequências de suas ações. 336

É claro que já existe a previsão processual de inspeção judicial, que consiste na percepção sensorial direta do

juiz sobre qualidades ou circunstâncias corpóreas de pessoas ou coisas relacionadas com a lide (art. 440 e

seguintes do Código de Processo Civil), mas propomos é que os magistrados se ensejem enriquecer seus

repertórios decisionais o máximo possível, agindo criativamente em tal desiderato. 337

O Behaviorismo Radical, também conhecido como skinneriano, é assim chamado por diferenciar-se como

proposta filosófica da análise de comportamento e projeto de pesquisa em oposição ao chamado behaviorismo

metodológico. Pode-se dizer que tal corrente de pensamento foi inaugurada em 1945, com a publicação por

Burrhus Frederic Skinner, do livro The Operational Analysis of Psychological Terms, em que o autor se opõe às

correntes internalistas do comportamentalismo. SKINNER, Burrhus Frederic The Operational Analysis of

Psychological Terms in Behavioral and Brain Sciences, Volume 7,/ Issue 04, December 1984, pp 547- 553,

disponível em http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=6715836, acessado

em 21 de julho de 2015

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Desta forma, tal posição defende o entendimento de que o sentido introspectivamente

observado não é nenhum mundo imaterial da consciência, da mente ou da vida mental, nem

causa de comportamento, mas produtos colaterais da história genética e ambiental da pessoa,

fazendo parte do próprio corpo do observador.

As objeções de Burrhus Frederic Skinner339

ao mentalismo dão-se pelo fato de o autor

entender que tal abordagem não tem base empírica verificável, sendo os termos

“processamento de informação”, “memória”, e mesmo “consciência” dependentes de

particulares representações internas do mundo e, portanto, incabíveis de pesquisas

controladas.

Ademais, entende o autor que tal vertente não oferece explicações sobre o

comportamento sem lidar com a presença suspeita dos agentes internos340

, além de sustentar o

dualismo entre o mental e o físico.

Segundo tal posição, os eventos mentais podem ser tidos como uma variável

interveniente entre o ambiente e o comportamento, havendo desta forma uma relação causal

entre ambos.

338

A natureza mentalista da explicação dos comportamentos é adotada por Burrhus Frederic Skinner em três

vertentes: a primeira tem o mentalismo como eventos de natureza “mental” ou “psíquica e afirma, em linhas

gerais, que o mentalismo consistiria na atribuição das causas do comportamento aos eventos internos mentais

que não possuiriam bases físicas; na segunda vertente (fisiológica) identifica o autor o mentalismo como

concentração excessiva da atribuição das causas do comportamento aos eventos internos fisiológicos, sem levar

em conta os determinantes ambientais do comportamento. A terceira vertente (mentalismo conceitual) diz

respeito a eventos conceituais com ausência de base real independente, ou seja, os eventos conceituais seriam

criados da observação do comportamento para justamente explicar o comportamento que fundamentou a sua

criação, sendo tais eventos conceituais desprovidos de qualquer fonte autônoma de existência, sendo totalmente

inferidos ou deduzidos dos eventos comportamentais. CARVALHO NETO, Marcus Bentes de, TOURINHO,

Emmanuel Zagury , ZILIO, Diego e STRAPASSON, Bruno Ângelo. (2012). B. F. Skinner e o mentalismo:

uma análise histórico-conceitual (1931-1959). Memorandum,22, 13-39, disponível em

http://www.academia.edu/870313/B._F._Skinner_e_o_mentalismo_uma_analise_historico-conceitual_1931-

1959_acessado em 25 de março de 2014. 339

SKINNER, Burrhus Frederic, The Operational Analysis of Psychological Terms in Behavioral and Brain

Sciences, Volume 7,/ Issue 04, December 1984, pp 547- 553, disponível em

http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=6715836, acessado em 21 de julho

de 2015. 340

O autor afirmava que se a nossa porta de acesso ao mundo é a representação do mundo feita pelos sentidos,

para sabermos que temos tal representação (e não a representação da representação da representação “ad

infinitum”), o mentalismo cria a necessidade da ideação de um homúnculo ou agente interno que simbolize essa

porta de acesso final. Tal suposição, por sua vez, traz outras, como atribuir a tal homúnculo propriedades além

das suas idealizadas propriedades naturais. Daí, tal raciocínio levaria a uma ilusão explicativa acerca do seu

papel causal sobre o comportamento.

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188

Em outra linha argumentativa mais radical, para Burrhus Frederic Skinner os eventos

mentais são efeitos colaterais das causas do comportamento e não as causas deste, ou seja, as

causas dos comportamentos estão nas relações entre contingências que constituem tanto a

história filogenética quanto ontogenética341

da pessoa342

.

Assim, o behaviorismo radical entende ser a consciência a capacidade de descrever o

que se está fazendo, de forma verbal, manifesta ou encoberta, bem como guarda contato com

o controle do comportamento via regras, sendo estes os aspectos caracterizadores do homem.

O diferencial apresentado é que, apesar de não negar a existência de processos

mentais, entende improdutivo procurar nessas variáveis a motivação das atitudes humanas e

considerar as intenções ou propósitos e a própria moralidade.

Na verdade, tal corrente comportamentalista foi desenvolvida como proposta de

reflexão sobre o comportamento humano e não como área de pesquisa experimental e

empírica.

Em suma, postulada por Burrhus Frederic Skinner, a proposta avalia o comportamento

sem dependência de qualquer subestrutura metafísica, buscando compreender questões

humanas, como comportamento, liberdade e cultura dentro do modelo de seleção por

consequências e o termo radical associa-se ao fato e as técnicas descritas não apelarem para

estados mentais como causa iniciadora do comportamento, os tendo como estádio inicial do

próprio comportamento.

Para os adeptos de tal perspectiva, as distintas explicações sobre o comportamento

humano deveriam ser resolvidas na base de evidências refutáveis, e não por meio de

especulações. Nesta concepção, os estados mentais são considerados parte da resposta emitida

e e não causa autônoma ou mental do comportamento.

341

Ontogênese diz respeito à elaboração da pessoa ao longo do curso de vida, enquanto filogenética se refere a

caracteres físicos biológicos herdados. 342

Na verdade cremos que a análise do comportamento deve considerar sempre três níveis de análise: (1)

filogenético, (2) ontogenético e (3) cultural; ou seja, para se falar em comportamento, há que se ter em mente a

história evolutiva da espécie, os aprendizados do organismo em sua vida e as particularidades da cultura em que

está inserido. Assim também se pronunciam os adeptos da Psicologia do Desenvolvimento Evolucionista – PDE,

ao se oporem a dicotomias e determinismos e por considerarem o desenvolvimento como um fenômeno não

linear, mas como processo de mudança progressiva que ocorre com base nas interações estabelecidas dentro de

um contexto, sendo que tais interações envolvem fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais.

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189

Desta forma e em linhas gerais, a análise do comportamento pode ser estudada de

acordo com a história de condicionamento do indivíduo e a apresentação ou retirada de

estímulos ambientais.

Esclarece o próprio Burrhus Frederic Skinner343

que, na medida em que os

componentes genéticos e o ambiente possam ser alterados, o comportamento pode ser

modificado. No mesmo rumo, nosso conhecimento do controle do meio ambiente torna

possível examinar o efeito do mundo dentro da pele e a natureza do autoconhecimento, bem

como interpretar uma ampla gama de expressões mentalistas.

O comportamento é entendido, pois, como a interação do organismo com o ambiente,

em um envolver de agir, pensar e sentir. Comportar-me corresponde, pois, a qualquer ação

minha, como caminhar, conversar e interagir, da mesma forma que meus pensamentos e

minhas angústias, mesmo momentâneas, formam meu comportamento, diferenciando-se

apenas no que diz respeito aos graus de acessibilidade do observador externo e da própria

pessoa que se comporta. Desta forma, não há divisão entre mente e corpo.

Assim, a sugestão teórica avalia o comportamento (cogntivo, emocional e motor) sem

dependência de qualquer subestrutura metafísica344

, buscando compreender questões

humanas, como comportamento, liberdade e cultura dentro do contexto e de acordo com os

acontecimentos em que tais comportamentos ocorrem de modo a operarem o que foi chamado

de princípios do condicionamento operante (estímulo discriminativo a aumentar a

probabilidade de ocorrência de uma resposta, seguido de um estimulo reforçador – positivo ou

negativo) e o modelo de seleção por consequências (paradigma de condicionamento não

linear e estatístico diverso do paradigma linear e reflexo corrente à época). Seriam tais fatores

os explicativos do comportamento.

Tal vertente da Psicologia entende que ambos (linguagem e consciência) são produtos

da seleção pela consequência, nos níveis do condicionamento operante e da seleção de

culturas. As variáveis que determinam o comportamento são, pois, ambientais e que

343

SKINNER, B.F. Sobre o Behaviorismo, título original About Behaviorism, tradução de Maria da Penha

Villalobos, São Paulo: Editora Cultrix, 9ª edição, 2004,p.19. 344

Para Skinner o ser humano é uma entidade única e uniforme, negando a ideia da separação de corpo e mente

ante a impossibilidade de dissociação destes.

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historicamente exercem suas influências nas pessoas membros de uma espécie (organismo) e

cultura (pessoa).

Assim, de acordo com dita proposta, agimos como nos foi ensinado e de acordo com

as contingências de reforço mantidas e exercidas pelo grupo, mediante componentes culturais

transmitidos por meio dos comportamentos verbais.

Segundo tais posicionamentos, referida característica filogenética (fala, comunicação

verbal) provocou consequências ontogenéticas, sendo exclusivo da espécie humana o operante

verbal que resulta da sensibilidade ontogenética do comportamento verbal a suas

consequências345

.

No que diz respeito ao reforço de comportamento, expressa Burrhus Frederic

Skinner346

que a diferença entre um rato que pressiona uma barra e recebe comida e o homem

que explora uma máquina de café desconhecida e descobre os mecanismos de acesso à

bebida, é apenas no que se refere a podermos contar nossas experiências.

Dita capacidade de descrever o que se está fazendo é, segundo o autor, o primeiro

sentido da consciência, sendo importante para a pessoa e para o grupo, podendo a descrição

ser referente a um evento interno ou externo.

Assim, desde a infância, somos estimulados a descrever nossos estados, como a

criança que aprende a dizer que está com fome ou que deseja água. Tal comunicação é

importante tanto para ela como para a própria mãe, que saberá mais facilmente interagir com

alguém que comunica seus desejos e necessidades.

Segundo Burrhus Frederic Skinner347

, são as contingências práticas da vida que nos

ensinam a elaborar indagações que nos tornam mais conscientes de nós e dos outros, sendo a

345

SKINNER, B.F. Can psychology be a science of mind?, American Psychologist, v.45, n.11, p.1206-10,

1990, disponível em http://worthylab.tamu.edu/Courses_files/Skinner_AP_1990.pdf, acessado em 13 de janeiro

de 2013. 346

SKINNER, B.F. Questões recentes na análise comportamental. Trad. Anita L. Neri. Campinas, Papirus,

1991, p.62 347

SKINNER, B.F. Questões recentes na análise comportamental. Trad. Anita L. Neri. Campinas, Papirus,

1991, p.77.

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191

consciência de descrever os estímulos e seus efeitos eminentemente verbal quando se trata de

comportamentos racionais e baseados em regras348

.

Ao nosso ver, percebe-se facilmente o reducionismo no Behaviorismo Radical.

Ao reduzir o comportamento a meras consequências do ambiente e atuação de

estímulos, os adeptos de tais perspectivas sucumbem à tentação de simplificação extrema do

desempenho relacional dos seres humanos, olvidando as imensas complexidades nas pessoas,

seja isoladamente, seja em comunhão de interesses.

É evidente, pois, que as experiências realizadas em laboratório, onde as variáveis de

um mundo ideal são controladas, não podem ser tidas como suficientes para entender-se o

mundo real, muito menos ainda permitir-se a transferência de conclusões individuais para a

generalização das situações sociais naturais.

Ademais, a existência de práticas culturais, o emprego da linguagem conforme as

circunstâncias, as regulações sociais, a densidade individual, além do contexto político,

econômico, familiar, bem como das valorações, escolhas, sonhos e desejos, formam uma

ambiência bem mais intricado que os abatimentos behavioristas admitem.

As omissões a tais componentes da realidade comprometem a análise da consciência,

não nos parecendo competente tal perspectiva para a explicação das opções ético-políticas,

nem nos parece ser um caminho promissor para a melhoria na qualidade de vida dos

indivíduos.

3.1.1.4- Consciência como modo ou estado de ser dinâmico e seu componente incorpóreo

ou espiritual

Expressaremos agora algumas formulações que nos parecem razoáveis, baseadas em

suposições mais intuitivas do que propriamente empíricas sem, no entanto, descartar as

últimas.

348

Admite o autor, no entanto, que, quando os comportamentos ocorrem sem qualquer regra estabelecida

(intuitivo), a consciência é não verbal. O Behaviorismo Radical considera o operante verbal e a consciência

como aspectos que distinguem o homem, sendo ambos os produtos da seleção pela consequência (operante

verbal como resultado do condicionamento, e a consciência como seleção de culturas).

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Assim, tudo o que será comunicado guarda o caráter, a um só tempo, permissivo,

provisório e mesmo arriscado de ampliação de meras hipóteses, sem negar o viés de

conjugação e comunhão que evidentemente aproxima as concepções biológicas, sociais,

comportamentais e espirituais em um mesmo prumo.

Sugerimos que a consciência seja entendida como algo superior à mera faculdade de

compreender o mundo e seus frequentadores, sendo propriamente um modo ou estado

dinâmico de ser no mundo, aí incluídos os desenvolvimentos, exercícios e atuações humanas

que envolvem a um só tempo nossas dimensões internas, externas e transcendentais,

misticamente falando.

Propomos, assim, que, sem deixarmos completamente de lado as demais teorias da

consciência e mantendo o contato com o mundo como estado de atualidade, imersamos nas

camadas mais profundas de nosso ser, na percepção de que, no caso humano, não há como

pensar na natureza sem o espírito349

, nem como se conceber o espírito como mero apêndice da

natureza.

Tal concepção possui muito da fenomenologia de Edmund Husserl e formula-se na

admissão de que toda fala de consciência é transitiva, ou seja, a consciência é sempre a

vivência de alguma coisa, pessoa ou estado na vida em relação e por isso mesmo não pode ser

limitada aos aspectos fisiológicos, mesmo que evidentemente estes existam e possuam

importância.

Da mesma forma, por considerar que quem é no mundo o é sempre em interação com

o outro, não entendemos a consciência como reduzível aos seus aspectos cognitivos ou

psicológicos individuais, pois muito do psiquismo, obviamente, é formado por meio das

relações.

349

O conceito de singularidade de Edith Stein aponta que a pessoa humana possui as dimensões do corpo

(material inanimado Köper, e corpo do ser vivo racional Leib), a psique (psíquica) e o espírito (Geist, dimensão

intelectiva que se abre no âmbito dos valores, sendo que os atos de valoração são chamados de sentimentos em

fenomenologia). ALFIERI, Francesco, Pessoa humana e singularidade em Edith Stein, uma nova fundação

da antropologia filosófica, Organização e Tradução Clio Francesca Tricarico, São Paulo: Perspectiva, 2014.

Esclarecemos que passaremos a usar a palavra espírito em sua concepção mística de energia vital presente nos

seres e em contato com o divino.

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Por outro lado, também não pode a consciência ser concebida apenas como resultado

de comportamentos sociais, porquanto se assim fosse, estaríamos invertendo as polaridades,

ou seja, não é o comportamento que ocasiona a consciência, mas é o contrário expresso como

realidade, sem embargo de se admitir que as forças dos hábitos implicam em

condicionamentos de condutas.

Em suma, cremos que a consciência é mais do que mero instinto orgânico, mesmo que

neurobiológico, bem com o supera a emoção e não se conjuga apenas pelos hábitos. Não

somos, pois, apenas moléculas pensantes, nem resultados inconscientes de vivências, muito

menos apenas produtos sociais. Somos o conjunto disso tudo acrescido de algo que nos

caracteriza como ser e individualiza como pessoa humana. Tal componente há que englobar

referida união de fatores e dar-lhe características singulares.

Assim, parece-nos possível pensar que a consciência é impulsionada por nossa

intenção individual de ser de determinada maneira, sempre com os componentes integrativos

e relacionais, envolvendo nós mesmos, o mundo que recebemos ao nascer, os ideais e valores

cultivados conforme a imersão cultural, os contatos humanos desenvolvidos, as emoções

sentidas, os amores gozados, as dificuldades enfrentadas, as tristezas sofridas e até mesmo as

condições ambientais a que fomos submetidos, tudo em constante e dinâmica formação e

reformulação, com base em algo que nos é inato.

Neste aspecto, se agora falamos de consciência como intenção individual de ser no

mundo, uma perspectiva razoável e de possível apresentação é pensar-se que tal intenção não

pode ser apenas de cunho meramente utilitário ou funcional de sobrevivência orgânica ou

mesmo social, pois não se intenta apenas viver, mas viver de determinado modo e de acordo

com nossas concepções de felicidade, igualdade, liberdade e o que achamos justo.

Observemos que, mesmo imersos em um mundo de conhecimento e valores, é nossa

individualização e singularidade que permite desde a adesão total ou parcial a estes às

discrepâncias tendentes a repulsa ou oposição.

Podemos dizer, portanto, que, antes de qualquer consciência manifesta no mundo

material, preexiste outra, imaterial e incorpórea, que apenas aparentemente transcende o

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mundo natural, mas que faz parte de nós e nos fornece tal intenção primordial de ser e agir no

mundo, visando à evolução.

Incluímos, pois, como componente do arcabouço que forma e vivifica a consciência, o

conteúdo místico que podemos chamar de espírito350

e apresentaremos duas hipóteses a

respeito.

Partimos, pois, da percepção de que se existe algo que nos impulsiona para a vida, tal

elemento só pode ser exterior e anterior a ela, pois nada351

se produz sem que algo a tenha

anteriormente vivificado.

Sabe-se que os tecidos se recuperam e os seres e organismos se reproduzem ou se

duplicam, mas o que estamos pondo em relevo são as energias anteriores a tanto, ou seja,

antes dos organismos poderem se replicar, há que existir alguma coisa precedente que as criou

daquele jeito, daí dizermos que a autorreprodução é possível, mas não a autoprodução.

Da mesma forma, se chegamos ao mundo com certa consciência orgânica352

, sendo

aceita a ideia de que desde a concepção humana os componentes celulares são encaminhados

para a constituição de determinados tecidos, e estes se organizam na forma de certos órgãos e

estes órgãos se desenvolvem para exercerem determinadas funções previamente marcadas em

nosso código genético, tudo conforme dita a consciência orgânica, parece-nos que algo

anterior assim programou.

350

Espírito aqui é considerado como sinônimo de alma, misticamente falando, sendo considerada a energia vital

individual que se transmuta, sem perder a identidade, corporificando-se a cada etapa de aprendizado. Queremos

deixar claro que tal concepção obviamente não é inédita, vez que comum a inúmeras religiões, principalmente as

que aceitam a possibilidade da reencarnação, como o kardecismo. Para detalhes de acordo com o espiritismo, ver

KARDEC, Allan, Livro dos Espíritos, tradução de José Herculano Pires, disponível em

http://livrodosespiritos.wordpress.com/as-causas-primarias/capitulo-2-elementos-gerais-do-universo/ii-espirito-

e-materia/, acessado em 1º de janeiro de 2015. 351

Neste aspecto, Edith Stein, ao afirmar a necessidade lógico-teorética da existência de uma matéria-prima,

indica que é necessária uma matéria-prima anterior a qualquer matéria determinada e essa matéria-prima, para

não duplicar os princípios formativos, deve encontrar sua origem mesma num Fiat criador. STEIN, Edith,

Endliches und ewiges: versuch eines Aufstiegs zum Sinn des Seins. Esw 2. Louvain/Freiburg/Basel/Wien:

Herder, 1950 (Ser Finito e Ser Eterno), p.204, citado por ALFIERI, Francesco, Pessoa humana e singularidade

em Edith Stein, uma nova fundação da antropologia filosófica, Organização e Tradução Clio Francesca

Tricarico, São Paulo: Perspectiva, 2014, p.39. 352

Para explicações surpreendentemente anteriores, e, a nosso ver, superiores e mais complexas do que as teorias

neurobiológicas da consciência, também envolvendo a consciência espiritual como aqui concebida, ver a obra de

Pietro Ubaldi, escrita inicialmente de 1932 a 1935. UBALDI, Pietro, A Grande Síntese–síntese e solução dos

problemas da ciência e do espírito, título original La Grande Sintesi, tradução de Carlos Torres Pastorino e

Paulo Vieira da Silva, 23ª edição, Campo dos Goytacazes: Pietro Ubaldi Editora, 2010.

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Por outro lado, o que é vivido, como já exposto, penetra o nosso inconsciente e lá

permanece sempre disposto a ressurgir se um impulso o excita ou um fato o exija. Vimos,

ainda, que o que vivemos, principalmente de forma repetitiva, pode influenciar modificações

intimas no nosso cérebro, afetando e modificando as estruturas materiais, biológicas e

químicas do funcionamento corporal, até mesmo das sinapses.

Podemos concordar, portanto, com a ideia de que, quando vemos uma pessoa

expressar sua consciência em termos cognitivos e valorativos sobre algum fato, tal

consciência é resultado de larga série contínua de interações orgânicas, emocionais, sociais,

culturais, ambientais e as correspondentes adaptações, filtragens, dosagens e equilíbrios

pessoais.

Não há, no entanto, como explicar, seja pela hereditariedade, seja pela transmissão

psíquica do inconsciente coletivo para o inconsciente individual nem por meio de alguma

assimilação cultural instantânea, como, por exemplo, algumas crianças desde cedo apresentam

desenvolvimento de sua consciência já diferenciado, nem como exibem talentos, habilidades,

bons hábitos, modo de ser e mesmo conceitos morais muito antes das demais crianças da

mesma idade e por vezes de maneira superior em relação aos seus irmãos mais velhos, e quiçá

comuniquem determinado comportamento altruístico e demonstrem generosidades típicas de

adultos.

Em sentido contrário, todos conhecemos pessoas que demoram a assimilar os modos

de comportamento ou necessitam de acompanhamento para aprender as disciplinas da vida

escolar, bem como algumas que só a muito custo conseguem congregar os conceitos culturais

de seu ambiente em termos de ética e fraternidade, comportando-se de maneiras bélicas e

hostis, admitindo-se egoístas e nada solidárias, enquanto outras se mostram claramente como

de boa índole, sendo pacatas e colaborativas.

Esclareça-se que estamos apenas evidenciando diferenças de consciências em suas

diversas modalidades de ser no mundo, sem querer sequer insinuar que alguém mais culto seja

mais elevado do que alguém com dificuldades de cognição, nem afirmar que quem segue

silenciosamente as normas sociais é mais digno de elogios do que quem as critica e modifica.

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Observemos que, também, não se está sequer falando nas diferenças de facilidade de

aprendizado, pois as explicações nem sempre pertinentes a respeito da rapidez das sinapses e

demais aspectos do quociente de inteligência, se é que realmente existem, seriam prontamente

sacados pelos adeptos das diversas formas de materialismo existencial cujas limitações já

foram expostas.

Estamos apenas asseverando existirem diferenças entre as pessoas que não

encontramos explicações em nenhuma das conjecturas anteriores.

A primeira hipótese que levantamos, portanto, é que, tendo como razoável o raciocínio

de que nada é autoproducente, necessitando que algo exterior e anterior o vivifique, bem

como se aceitando a proposição de que nossas atuais consciências não são fruto apenas do

contato com o mundo material e humano, podemos concluir que estas devem guardar contato

com uma consciência superior, integrativa e originária, que aceitamos poder ser identificada

como consciência divina, verdadeira criadora de tudo.

Assim, mantendo nossas consciências atuais em contato com a consciência divina,

tendemos a nos aproximar de suas características de beleza, bondade e verdade, atraídos

espiritualmente pelo evolucionar para a perfeição.

As dificuldades de tal hipótese, dentre outras, são, por óbvio, sabermos como tal

contato é aperfeiçoado e com que divindade propriamente estamos mantendo relação, mas não

temos a pretensão de resolver qualquer mistério dessa ordem353

.

A segunda hipótese, também baseada no pressuposto da existência de uma força

incorpórea e anímica inteligente a nos vivificar, repousa na constatação de que existem modos

de ser no mundo cujas elevações morais em termos de solidariedade e compaixão não

encontram explicações isentas de dúvidas, pelo que levantamos a possibilidade não apenas do

contato das consciências com uma consciência divina, mas a suposição da existência anterior

tanto de referidos contatos, como das próprias consciências atuais, pois estas, como já

353

Como bem diz Bertrand Russell, ao se referir sobre o valor da Filosofia, deve-se estudar não para a obtenção

de respostas definitivas, mas por levantar questões que alargam nossa concepção do que é possível, enriquecem

nossa imaginação intelectual e diminuem nossa arrogância dogmática. RUSSELL, Bertrand, Os Problemas da

Filosofia, título original The Problems of Philosophy, tradução de Desidério Murcho, Lisboa: Edições 70, 2008.

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afirmado, se compõem de contínuo fluxo de assimilação e adaptação com tendência evolutiva

constante.

Assim, cogita-se em nossos espíritos/consciências compostos de energias sutis e

transcendentais não terem se originado nesta atualidade, mas em outras anteriores, recordando

que estamos considerando a existência do espírito ou alma como energia que se transmuta,

sem perder a identidade, corporificando-se a cada etapa de aprendizado.

Não há dúvida alguma de que os raciocínios expostos são imersos em conceitos

religiosos e de fé na modalidade crença. Estamos prontamente ciente disso, mas entendemos

que, em se tratando de Religião, Filosofia, Biologia, Psicologia ou qualquer outra matéria que

envolva a pessoa humana, todas as hipóteses merecem consideração, sendo certo ainda que já

não são raras as afirmações dos próprios cientistas de que um dia Ciência e Religião

caminharão juntas.

Respeitando, evidentemente, todas as concepções religiosas e sem querer defender

preceitos místicos, apenas afirmamos que aceitamos como razoável pensar que se o agir

moralmente nos impregna intimamente como já mencionado, e que se é certo que nosso

inconsciente detém tudo o que vivemos e que este acúmulo não é físico, mas energético e

acessível, podemos concluir que nada do que se vive é perdido. E se assim for, quando

morremos, algo também não se perde, permanecendo íntegro e capaz de ser recomposto como

essência de nossa individualidade sagrada que guarda similitude e é atraída pelo divino.

Assim, se a tendência da natureza é a especialização das funções orgânicas, contendo

em si a lei da evolução, parece-nos possível pensar que a substância de nossa personalidade

ou espírito/consciência também mantenha tal convergência.

Indo mais além, podemos verificar que a perfeição moral ainda é um destino muito

longo a ser seguido por todos os que habitam a Terra, não nos sendo pertinente, por falta de

correspondência, cessar de evoluir e migrar para planos superiores, como dizem algumas

religiões, nem nos imiscuir por dissipação na energia cósmica, como dizem outras.

Uma suposição razoável é, pois, perceber que o singular recurso para as consciências

espirituais ainda necessitadas de lapidação é aderirem à nova oportunidade de evolução,

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necessitando, assim, de outro componente orgânico, com a consequente reencarnação material

em um novel mundo histórico, ocasião em que o livre arbítrio retoma seu curso, oferecendo

chances de retificação contínua de nossas tendências, aprimoramento de eventuais qualidades

já alcançadas e novas e superiores aquisições morais.

Nossas consciências ou modo de ser intencional no mundo representam, portanto e

nessa hipótese, a atual estatura de nossa fase espiritual evolutiva que nos aproxima do que

aceitamos como digno de adesão e afasta do que valoramos como repugnante, impulsionando

nossas ações conforme nossa liberdade. Ademais, pela lei da evolução natural, podemos

garantir que todos nos dirigimos à mesma luz, na insaciabilidade pelo sagrado, seguindo

nossas almas as forças irresistíveis da atração do sublime.

O estado de consciência ou modo de ser intencional no mundo é, pois, fenômeno em

contínua elaboração construtiva, cabendo ao nosso livre arbítrio impulsioná-la ou estacioná-

la, mas nunca retrocedê-la, pois tudo já conquistado permanece, mesmo que em estado

latente, e a eventual não utilização das qualidades adquiridas não as elimina, mas tão somente

adormece.

Nesse sentido, esclarecia Edith Stein354

que a identidade de cada pessoa, ou sua

consciência espiritual, na nossa acepção, se dá pela profundidade em que se localiza sua alma,

ou estado/evolução de consciência como aqui dizemos, pois é daí que brotam as decisões mais

importantes e parte a realização concreta mundanal de sua forma essencial sempre em contato

com o divino.

Podemos entender essa profundidade não apenas como exercício de introspecção

particular ou em contato com as dimensões metafísicas, mas também na intensidade empática

das relações que mantemos com as pessoas, ou seja, podemos tanto permanecer na superfície

de nossas sensações orgânicas individuais como mergulharmos no nosso íntimo na tentativa

do reencontro com o essencial, da mesma forma que podemos nos deter na lâmina das

interações sociais ou nos aproximar das pessoas para além de conhecer, passando a

compartilhar acolhimento e esperanças, a partir da sensação do que o outro sente.

354

STEIN, Edith, La estructura de la persona humana, título original Der Aufbau der menschlichen Person,

tradução de José Mardomingo, terceira impressão,Madrid: Biblioteca Autores Cristianos, 2007.

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Guardando infinidade de dimensões, pode-se dizer que o conteúdo de nossas

consciências, além de guardar tudo o que já vivemos, também exibe amplo espectro de

possibilidades de apreensão, seja mantendo pertinência apenas ao mundo material visível, seja

explorando o transcendental místico na procura de nossa razão de existir, seja percebendo que

todos somos corresponsáveis por todos e por tudo o que ocorre.

Da mesma maneira e de acordo com amplo espectro de variações, a qualidade de

nossas consciências pode limitar-se à reprodução acrítica da carga cultural recebida ou pode

ser elevada por meio de questionamentos sobre as razões de o mundo ser como se apresenta e

como podemos modificá-lo.

Percebemos, assim e uma vez mais, o dinamismo de nosso modo intencional de ser e a

imensa diversidade de oportunidades de crescimento e diferenciação, tudo orientado pela

energia natural da perene e incessante evolução.

Frisemos, no entanto, que os encontros ou desencontros indicados na contínua

formação das consciências são de inteira responsabilidade do indivíduo, ante a prevalência do

livre arbítrio.

3.1.1.5- Consciência e suas dimensões fática, normativa, social e humana

Como vimos, propomos a consciência como um modo ou estado dinâmico e individual

de ser no mundo, sempre correlacionada com a vivência de alguma coisa, pessoa ou estado na

vida em relação.

Tudo o que foi exposto nos permite concluir que a complexidade e variedade dos

mecanismos da consciência revelam que, por trás da fachada do controle consciente

supostamente perfeito, existem inúmeros fatores que devem ser levados em conta, sejam estes

biológicos, culturais, sentimentais, inconscientes ou espirituais, sendo sua conformação e a

atividade de nossa inteira responsabilidade.

Cremos que no caso específico da consciência relacionada com a produção do

sentimento do justo, visando à resolução jurídica e judicial de conflitos, havemos que nos

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200

direcionar minimamente nas dimensões fática, normativa, social e humana propriamente dita,

de acordo com a, por assim dizer, filosofia com que encaramos os dados.

A hipótese aqui elaborada é do sentido do Direito colaborar na realização da felicidade

humana, na manifestação da liberdade e garantia da igualdade democrática ponderada

socialmente, pelo que o sentimento do justo idealizado para fins de raciocínio segue o mesmo

rumo. Cremos, todavia, que tudo o que afirmamos a respeito do segundo pode ser aplicado

conforme as variações de conteúdo do primeiro.

Assim, tratando-se de questões jurisdicionadas ou não, o primeiro passo para a

formação da consciência propícia para a formação do sentimento do justo é conhecer, em seus

diversos matizes, a dimensão fática que envolve a questão.

Observemos que, normalmente, o julgador se limita a conhecer as versões dos fatos

trazidos pelas partes para, então, verificar os pontos de conflito e os pedidos correspondentes,

delimitando assim a lide.

Tal procedimento, evidentemente, é essencial para o desenvolvimento processual e

julgamento, mas aqui propomos que para o magistrado obter maior consciência sobre o que

realmente lhe está sendo apresentado, deva assumir uma atitude de maior envolvimento com a

produção das provas e confirmação dos fatos, o que sem dúvida exigirá sua maior dedicação e

demandará sempre crescente independência.

Frisemos que não estamos defendendo qualquer atitude de iniciativa processual por

parte dos magistrados, mas a conservação de suas características de reação apenas mediante

provocação não implicam que, uma vez acionados, os juízes se mantenham inertes na busca

das melhores soluções para as questões jurisdicionadas. Afinal de contas, os fatos não

interessam apenas como fatos, mas pelo sentido que possuem na interação pessoal e

comunitária.

O que sugerimos em termos de conhecimento mais profundo da realidade que cerca o

caso, aí compreendidas as pessoas, suas circunstâncias, desejos, necessidades e esperanças, é

justamente para possibilitar que o magistrado não apenas se assenhoreie de todos os detalhes

relevantes para seu convencimento para poder encontrar a melhor correspondência normativa

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aplicável, mas que também possa sugerir outras formas de composição do litígio, mormente

conciliações na fase inicial.

Entendemos por dimensão normativa a compreensão teleológica das normas

disponíveis à resolução do caso concreto em exame, aí se incluindo os princípios

constitucionais democraticamente vigentes, bem como a interpretação e adaptação especifica

daí decorrente.

Desenvolvendo-se em interação com a dimensão fática, compreendemos que a

dimensão social da consciência põe ênfase nos aspectos comunitários em que as pessoas, os

fatos e as normas estão inseridos. Entender precisamente em qual ambiente se desenvolveram

as questões trazidas a julgamento favorece a real percepção das inúmeras variáveis que devem

ser levadas em consideração na oportunidade da coleta de provas, depoimentos e julgamento

propriamente dito.

Sabe-se que, como o ambiente social pode favorecer ou prejudicar o desenvolvimento

das pessoas e moldar seus caráteres, é imprescindível para a formação do sentimento do justo

compreenderem-se as necessidades dos envolvidos, as oportunidades, estatais ou não,

porventura oferecidas e garantidas, a presença ou não do Poder Público no núcleo ou entorno

de vida das pessoas, a educação formal que receberam, a proteção e assistência social

recebida, dentre inúmeros outros aspectos.

Cremos que, com base em tais percepções, podemos aquilatar com precisão se as

pessoas envolvidas na questão estão aptas a compreender e vivenciar, dentre outros, os

valores da solidariedade, responsabilidade, cooperação, sentimento de pertença, capacidade de

reflexão e cognição da realidade.

Com base nisso, cremos facilitada a verificação do grau de responsabilidade das

partes, influenciando na decisão até mesmo no que diz respeito aos componentes econômicos.

A dimensão humana propriamente dita diz respeito ao maior grau de individualização

da decisão no caso concreto, ou seja, uma vez examinados os fatos, verificadas as normas

aplicáveis e o contexto social a envolver a questão, resta ao magistrado se aproximar

empaticamente das pessoas envolvidas.

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Podemos inicialmente assinalar que a empatia é a identificação essencial de uma

vivência alheia, por via das próprias experiências do sujeito que se aproxima do outro.

Assim, podemos perceber que qualquer opção interpretativa, perante os fatos

concretos e pessoas vivas para quem as decisões serão materializadas, percorre o caminho, ao

mesmo tempo, íntimo, cognitivo, relacional e social do intérprete e aplicador.

Vale dizer com isso que, na prática, desenvolver a capacidade de enxergar o próximo e

suas circunstâncias, com suas especificidades, e a vontade de participar de maneira ativa para

ajudar na compreensão de problemas e busca de soluções, é o caminho para o

desenvolvimento da consciência integral que todos temos em maior ou menor escala.

3.1.2- A sensibilidade

Como visto anteriormente, é a sensibilidade que escolhe aquilo a que devemos prestar

atenção e orienta a inteligência e vontade, assim como conduz nossos sentidos e decisões.

Agora explicitamos como tal componente da natureza humana age para a formação do

sentimento do justo propriamente dito.

Assim, a hélice da sensibilidade possibilita o surgimento dos primeiros raios mais

profundos da percepção humana dos fatos, normas, valores e pessoas envolvidos, porquanto

fruto das interações pessoais do agente do Direito com seus mundos interior e exterior, aqui

também compreendidos os questionamentos e embates com a moral social vigente e por viger.

Por ser a sensibilidade a base da vivência individual e experiência comunitária

empática, caracterizando tudo o que é humano, não se limita, para o presente estudo, às

sensações físicas.

Nos encostes deste trabalho, podemos entender sensibilidade como uma forma

superior de consciência humana, em que os aspectos biológicos, neurológicos, psicológicos e

espirituais estão no exercício de uma resposta pessoal que corresponda com maior acuidade

aos sinais e valores morais, não devendo ser entendida com sentimentalismo.

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Entendamos, pois, para esta explanação, por sensibilidade, a captação humana,

mediante os sentimentos despertados pela percepção individual dos fenômenos, das situações

e seus elementos.

Cremos que a sensibilidade é fator imperioso na formação do sentimento do justo, pois

a prática indica a necessidade de constante atividade íntima compassiva na interpretação da

normatividade posta, possibilitando sua complementação nos casos de omissão e mesmo

superação nos casos de conflito normativo, sempre com adequação concreta da atividade

interpretativa com as regras e princípios constitucionais, levando-se em conta as

especificidades do caso355

.

É claro que não estamos desprezando o Direito Positivo ou pregando a insegurança

jurídica por ausência de critérios na identificação, geração e aplicação de impressões

solipsistas, mas apenas realçando a ideia de que, ante o Direito no Estado Constitucional

poder se caracterizar por garantir maior importância aos princípios, ocorre inevitável e mesmo

inquietante condução à maior liberdade decisória dos juízes, não obstante a sempre exigível

motivação e argumentação nas decisões.

Tal liberdade decisória é necessária ainda mais na atualidade ante a incorporação de

percepções diversas das mesmas questões, variadas opções de resolução e distintos valores e

princípios atuantes, além do conjunto de fatores oriundos da expansão dos povos e da

economia356

.

Ditos fatores, aliados à crescente defesa do direito à felicidade357

, fazem com que o

sentimento do justo assuma características ainda mais amplas e complexas não situadas

355

Veja-se, por exemplo, a decisão do Tribunal Constitucional de Portugal, ao entender que dispositivo do

Código de Processo Penal português é considerado constitucional e compatível com as regras da União Européia

e, assim, um inocente que ficou preso preventivamente por conta de erro grosseiro na apreciação dos fatos tem

direito à indenização, mas não o acusado que cumpriu prisão preventiva e, ao final do processo, foi absolvido

com base no princípio de in dubio pro reo. ACÓRDÃO N.º 185/2010. Processo n.º 826/2008,.3.ª Secção,

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral, disponível em http://s.conjur.com.br/dl/decisao-tribunal-

constitucional.pdf, acessado em 30 de julho de 2013. 356

Percebe-se facilmente que muitas vezes as políticas utilizadas para dinamizar a economia ocasionam

distorções sociais e desequilíbrios nas relações, reforçando o individualismo e o desprezo pelo comunitário,

desenvolvendo-se intensos raciocínios corporativos, mesmo entre empresas e sindicatos. 357

Segundo Zygmunt Bauman, cerca de metade dos bens necessários para a felicidade humana não têm preço de

mercado nem podem ser adquiridos em lojas, tais como amor, amizade, prazeres da vida doméstica, satisfação de

ajudar parentes e ao próximo, autoestima proveniente do trabalho bem feito, reconhecimento, simpatia e respeito

dos colegas de trabalho, além de proteção contra as ameaças de desrespeito, desprezo, afronta e humilhação.

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apenas na racionalidade, mas perpassam o coração das pessoas, sem obrigatoriamente sermos

categoricamente perfeitos.

O aspecto intensamente humano das relações mostra-se, pois, em evidência, sendo

certo que, apesar de Immanuel Kant ter inovado ao colocar em destaque os escrúpulos, que

ele chamou de imperativos categóricos, na tomada de decisão moral, há que se admitir que

tendo em vista a possibilidade de intensidade relativa destes, nossa densidade interior nos faz

contraditória e simultaneamente simples animais bípedes não plumados com unhas não

apenas influenciados por genes egoístas358

que visam a sua egocêntrica perpetuação, mas, ao

mesmo tempo, alcançados por outros aspectos e fatores que nos fazem capazes de

desenvolver canais empáticos não só com outros seres humanos conhecidos e íntimos359

, mas

mesmo com completos desconhecidos, estrangeiros e até com membros de outras espécies

como os animais, plantas e mesmo a Terra360

.

Aproveitamos a explanação para destacar uma vez mais o fato de que, conforme nosso

entendimento, todos os componentes da estrutura tríplice realmente se entrelaçam e

influenciam.

Todos esses critérios são inegociáveis, incompensáveis e de quantificação impossível. BAUMAN, Zygmunt, A

arte da vida, título original The Art of Life, tradução de Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Editora

Zahar, 2009, p.12 e 15. 358

DAWKINS, Richard, O Gene Egoísta, título original The Selfish Gene, tradução de Rejane Rubino, São

Paulo: Editora Companhia das Letras, 2007. 359

Na verdade, a hipótese de Dawkins atualmente guarda aproximação com os estudos de Hopi E. Hoekstra, mas

o que chamou de gene egoísta é contestado pela nova Biologia Genética de Joachim Bauer, dentre outros.

Joachim Bauer investiga a regulação genética dos genes pertencentes ao sistema imunitário e a regulação de

certos genes no cérebro, entendendo que as experiências interpessoais influenciam a atividade dos nossos genes

e moldam a arquitectura sináptica do cérebro (Das Gedächtnis des Körpers , Munique: Editora Piper

Taschenbuch, 2003- [A Memória do Corpo]. O autor descreve em suas epsquisas como o sistema de neurónios

espelho (MNS) orienta os humanos para a intuição e empatia (Why I Feel What You Feel: Intuitive

Communication and the Secret of Mirror Neurons , título original Warum ich fühle was du fühlst,

AmazonCrossing: 2012) e evidencia as modernas descobertas neurobiológicas que conduziram ao conceito de

“cérebro social” (Prinzip Menschlichkeit [O Principio da Humanização] Alemanha: Verlagsgruppe Random

House, 2008) Em seu mais recente livro, The Cooperative Gene: Evolution as a Creative Process, (título

original Das kooperative Gene, AmazonCrossing: 2012) Bauer demonstrou a natureza cooperativa dos genes e

descreveu vários mecanismos de evolução recentemente descobertos que contrastam com o paradigma

darwiniano. 360

Existem, no entanto, paradoxos envolvendo a lógica do capital e a razão da ecologia como, por exemplo, a

ausência de consenso na Conferência Mundial dos Estados sobre o Clima, ocorrida em dezembro de 2009, em

Copenhague e os resultados positivos ao meio ambiente (conceito de bem viver- viver em harmonia consigo

mesmo, com os outros, com as energias da natureza, do ar, do solo, das águas, das montanhas, dos animais, das

plantas e com os espíritos e com a Divindade, sustentada por uma economia do suficiente e decente para todos,

incluídos os demais seres) obtidos na Cúpula Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas e os Direitos da

Mãe Terra ocorrida em abril de 2010 em Cochabamba, na Bolívia, com representantes de 142 países, malgrado

nenhum chefe de Estado ter comparecido, com exceção do então presidente da Venezuela, Hugo Chaves e do

então vice-presidente de Cuba, Estebán Lazo.

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Assim, ressaltemos que o hormônio oxitocina está sendo estudado como capaz de

estimular a autoconfiança e influir nos vínculos de afeto, empatia e generosidade (e assim,

sensibilidade), o que para Paul J. Zak, Angela Stanton e Sheila Ahmedi361

pode sugerir o

componente químico do comportamento ético.

Esclarece Paul J.Zak362

que a oxitocina é ativada por meio de sinais de confiança, ou

seja, quando uma pessoa age em relação à outra com demonstrações de confiança, recebe

desta resposta de maior inclinação ao desenvolvimento de relacionamento mais confiável.

Acrescenta o autor que, por óbvio, vários outros hormônios e circunstâncias

influenciam a complexidade do comportamento, persistindo a necessidade de aprofundamento

filosófico e teológico no estudo da atuação humano; no entanto, defende a ideia de que a

oxitocina atua como um giroscópio que nos ajuda a manter o equilíbrio entre comportamento

baseado na confiança e comportamento arrimado em suspeita, tendo participação na avaliação

se devemos desenvolver sensação de segurança ou nos colocar em guarda diante das situações

que vivenciamos. Afirma ainda que sua presença e sua intensidade nos fazem ser mais

generosos, cooperativos, compreensivos e cuidadosos.

Tais asserções evidenciam possibilidades de influências meramente químicas, além da

razão e da emoção no processo de tomada de decisão, o que parece ser intrigante se

pensarmos em juízes com deficiência ou excesso de dito hormônio, seja tal situação

provocada ou natural.

Assumindo raciocínio meramente especulativo, mas levando-se em conta o direito do

cidadão ser julgado por magistrado com equilíbrio emocional, pode-se pensar no possível

dilema entre o respeito à intimidade dos magistrados e o direito das partes serem julgadas por

juízes com níveis hormonais normais, ou conjecturar-se sobre a submissão dos magistrados,

preservando-se a confidencialidade, a tratamentos de reposição hormonal.

361

ZAK, Paul J. Neurobiologia da confiança, Revista Mente & Cérebro, ano XVII, nº 200, setembro de 2009,

São Paulo: Editora Dueto, pp.30-35. Ver ZAK, Paul J., STANTON, Angela A. e AHMADI, Sheila, Oxytocin

increases generosity in humans, PubMed Central Journals PloS ONE, vol.2, nº 11,novembro de 2007, p.128,

disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2040517/, acessado em 06 de maio de 2013. 362

ZAK, Paul J, The Moral Molecule – the source of Love and Prosperity, New York: Dutton, 2012, p.XIII-

XVI.

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206

Sabe-se que a sensibilidade moldada individualmente nos faz diferentes uns dos outros

e até de nós mesmos em distintas épocas de nossas vidas363

.

Nas relações humanas, a sempre esperada e cultivada racionalidade (ou

racionalização) positivista cede facilmente lugar, como é inequívoco, às manifestações de

personalidade e caráter, emoções, desejos e interesses, gostos, preferências e manifestações

amplas do que se passa não apenas na mente, mas também nos espíritos e íntimo das pessoas.

Seguindo tais perspectivas, pode-se dizer que as percepções364

do belo e do justo

guardam a mesma matriz artística de desenvolvimento.

Desta forma, além de não haver conceito a priori destes ou regra estabelecida para

reconhecê-los, os gostos365

, desejos e consciências dirigem-se à imaginação partindo das

formas e aparências e com base em certo conhecimento prévio.

Mesmo, porém, com apoio no versado, nossas percepções e valorações ultrapassam as

bordas racionais e superam os limites do manifesto, enveredando no terreno da descoberta e

criação, inovação e choque, sentimento e harmonia.

Assim, pertencendo à ordem do sensível, o belo, da mesma forma que o justo, não

pode produzir um conceito indiscutível366

ou moldes de confecção de acordo com aplicações

de técnicas.

É patente o fato de que, se assim não fosse, bastaria se seguirem as regras de esculpir

que qualquer pessoa seria capaz de criar modelagens comparáveis às de Michelangelo. Da

363

Ver PARANHOS, Flávio, O Erro de Kant, Filosofia, Ciência & Vida, ano IV, nº 41, São Paulo: Editora

Escala, 2009, p. 24/25. 364

A faculdade de julgar, como ensina Immanuel Kant, realiza uma ligação entre o conhecimento e a moral,

sendo que, ao contrário do conhecimento, onde o entendimento determina um objeto dado pelos sentidos, e a

moral, cuja vontade deve ser dirigida a um interesse universal, no caso do juízo não há relação de determinação,

mas apenas de reflexão livre dirigida ao prazer e desprazer. KANT, Immanuel, Crítica da faculdade do juízo,

título original Kritik der Urteilskraft, tradução de Valério Rohden e António Marques, 2ª edição, 3ª reimpressão,

Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2008. 365

Sobre a subjetivação da estética pela crítica kantiana ver GADAMER, Hans-Georg, Verdade e Método I –

traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, título original Wahrheit und methode, tradução de

Flávio Paulo Meurer, nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini, 10ª edição, Petrópolis: Vozes, 2008,

p.83-99. 366

KANT, Immanuel, Crítica da faculdade do juízo, título original Kritik der Urteilskraft, tradução de Valério

Rohden e António Marques, 2ª edição, 3ª reimpressão, Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2008.

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mesma maneira ainda não se vivenciou uma fórmula universal de compreensão e efetivação

do justo.

Assim, tanto o belo como o justo podem ser entendidos como noções que não exigem

nem se conformam com a dogmática e normas para sua existência, percepção ou

comunicação.

Interessante é notar que sequer a pretensa universalidade do belo o afasta dos atributos

existenciais públicos do justo, pois tanto um quanto o outro são comunicados e

compartilhados culturalmente pela linguagem.

Ademais, as interrogações de cada período histórico fazem surgir ciclos de expressão e

colocam em questão os parâmetros vigentes, vivenciando suas manifestações, resistências

próprias de cada época e local.

Portanto, da mesma forma que o cubismo só foi aceito como algo belo após algum

tempo e depois de críticas, comunicações (diálogos e difusões) e a formação de público, as

percepções do justo seguem o mesmo itinerário histórico e social, com semelhante resultado

de prazer ou desprazer.

Recorde-se que o senso comum kantiano não pode ser confundido com consenso nem

com o lugar-comum. O "sensus communis" esclarece que todos somos dotados de um sentido

comum que nos capacita a reconhecer o belo por meio de uma finalidade sem fim367

, e

também se manifesta como possibilidade de reconhecimento do justo, ou pelo menos do

injusto368

, provocando alteração de ânimo dos sujeitos.

Pode-se, pois, comparar às considerações de Immanuel Kant sobre o agradável (das

Angenehme) e o belo (das Schöne) com as reflexões sobre o justo e o razoável. Desta forma,

se o agradável tem conotação parcial e particular a cada indivíduo, assim também podemos

entender o razoável, enquanto as noções de belo e justo (ou pelo menos de injusto) são, por

367

Ver entrevista com Evaldo Nascimento, PEREIRA, Patrícia, Espelho, espelho meu...Ciência & Vida,

Filosofia, Ano IV, nº 46, São Paulo: Editora Escala, 2010, p.08-15. 368

Fazemos tal observação pois é muito difícil, senão impossível, o acordo a respeito de uma teoria do justo,

sendo mais comum as pessoas concordarem em identificar algum ato como injusto.

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assim dizer, mais facilmente identificáveis universalmente e proporcionam prazer (ou repulsa)

coletivo.

Portanto, é possível saber de certa maneira e sem maiores complicações se

determinados comportamentos são ou não literalmente legais, mas perceber se algo é belo ou

justo vai além do mero raciocínio, dependendo do sentimento de prazer ou desprazer próprio e

exclusivo de cada sujeito.

Resta claro, pois, que existem limites para a nossa compreensão quando precisamos

apreender alguma coisa emocionalmente e não apenas racionalmente, inexistindo como

indicarem-se fórmulas ou modelos a serem seguidos.

Observemos que tal subjetividade não indica dizer que "gosto não se discute", pois

tanto o gosto quanto o juízo do justo pressupõem a cultura e formação de quem aprecia a

beleza e julga, o que põe em evidência mais um aspecto do entrelaçamento necessário dos

componentes da estrutura tríplice aqui sugerida.

Assim, como anota Immanuel Kant369

, quanto mais cultura o sujeito possuir e quanto

mais diversificada esta for, mais elevada será sua capacidade de julgamento e, acrescentamos,

maior o grau de consciência, sensibilidade e liberdade.

Evidenciamos que, quando aqui falamos em cultura não se está restringindo à cultura

formal ou acadêmica, mas o contrário é que se propõe.

Indicamos, na verdade, que o aumento da cultura na acepção de abertura para relações

e influências é que colabora para maior grau de consciência, sensibilidade e liberdade,

amplificando a capacidade de compreensão e julgamento por ser decorrente dos contatos,

afinidades e diálogos com os mundos e as pessoas estranhas à esfera inicialmente vivenciada

pelo julgador.

369

KANT, Immanuel, Crítica da faculdade do juízo, título original Kritik der Urteilskraft, tradução de Valério

Rohden e António Marques, 2ª edição, 3ª reimpressão, Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2008.

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Desta forma, não existe, ante as inúmeras maneiras de concebê-las e refletir,

concepção única de beleza ou de justiça em vigor, e as distinções a respeito também decorrem

da liberdade de pensamento e intensidade de sensibilidades utilizadas para suas percepções.

Cremos ainda que tanto o belo quanto o justo dependem do talento e vocação dos

agentes de sua divulgação, necessitando ambos da Filosofia370

para interpretá-los, valorar e

autenticar.

Ademais, se a manifestação do belo como manifestação da liberdade de espírito indica

que a arte é necessariamente sem vínculo com qualquer finalidade prática, exprimindo-se sem

qualquer conexão, o justo atende, sem a elas sucumbir ou limitar-se, às finalidades sociais

espaciais, históricas, culturais e mesmo individuais, podendo traduzir-se no sentimento social

de justiça ao mesmo tempo em que este o fundamenta.

Pode-se, neste aspecto de liberdade, comparar o justo jurídico371

com as características

da publicidade que, por utilizar normas, se afasta do conceito de arte, mas guarda suas

características.

Assim, a despeito de utilizar-se de diversas técnicas artísticas, expressar-se de forma

criativa e inovadora e mesmo produzir obras com intensa e eficaz carga comunicativa está a

publicidade sempre subordinada e dependente com relação ao produto, às pesquisas de

mercado, à cobiça do cliente e aos desejos e necessidades (naturais ou artificiais) do público.

De igual forma, o justo jurídico está sempre a serviço de uma comunidade, visando a

preservar as relações no patamar de felicidade, liberdade e garantia da igualdade democrática.

Tal característica de subordinação que afasta o justo jurídico do belo não impede que

tais conceitos voltem a se reaproximar ante a percepção de que é pelas emoções sempre a

postos (além dos pensamentos) que eles são identificados, valorados e confirmados.

A aridez do rigor científico desejado ao Direito na concepção do justo pode, assim, ser

atenuada pela sensibilidade artística, reavendo a visão integral de tais campos intelectuais que

370

Há também necessidade de, no mínimo, Ciência, Religião, Sociologia, Antropologia e Psicologia. 371

Utilizamos a expressão “justo jurídico” apenas para distinguir o justo aferível juridicamente, com base nos

princípios e regras postas e interpretáveis, do “justo divino”.

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são, na verdade, um só e servem ao objetivo comum de expressarmos nossos mundos externo,

interno e secreto, impulsionando as potencialidades criativas humanas e humanitárias dos

envolvidos para maiores amplitudes libertárias.

No mesmo sentido372

, a associação e interpenetração dos saberes científico e artístico e

filosófico resultam na possibilidade de revelação de aspectos híbridos escondidos em suas

linguagens originais, multiplicando os níveis de abstração e ensejando o acesso a vasto

repertório de caminhos cognitivos capazes de melhor expressar as realidades visíveis, sentidas

e intuídas fazendo, quem sabe, surgir uma linguagem universal que transite tanto fora como

dentro das pessoas.

Na verdade, o Direito não só vive (ou deve viver) ensimesmado e vinculado em si,

mas coexiste (ou deve coexistir) livre, em contato com a história e sua localidade, com os

outros e em diversos mundos. E Direto, assim como a vida, só vale a pena se for para nos

fazer ultrapassar e progredir além de nós mesmos, sendo tal atividade sempre exercitada em

compartilhamento comum e para a liberdade e libertação de todos.

3.1.2.1- Os vínculos além dos jurídicos

Acreditamos que o sentimento do justo (e também o sentido do Direito) pode ser

igualmente percebido por meio dos vínculos entre seus sujeitos e agentes e a realidade

vivenciada, podendo tal integração variar conforme o grau de maturidade e afetividade.

Em termos psiquiátricos, diz Donald W.Winnicott373

que o indivíduo normal ou sadio

é a pessoa madura, com correspondência entre o estado emocional, a idade cronológica e seu

ambiente social. Acrescenta o autor que o estudo do desenvolvimento emocional da sociedade

deve dar-se simultaneamente com o estudo dos indivíduos por ser a democracia manifestação

social da maturidade comum.

372

Ver FRÓES, Maira M., Uma ciência sensível, Revista Mente & Cérebro, ano XVI, nº 199, agosto de 2009,

São Paulo: Editora Dueto, 2009, p.56-61. 373

WINNICOTT, Donald W. A família e o Desenvolvimento Individual, título original The family and

individual development, tradução de Marcelo Brandão Cipolla, 2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.

289.

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Podemos, desse modo, nos referir à correspondência entre os vínculos sociais,

afetivos, individuais ou íntimos com os similares efeitos da percepção do sentimento do justo.

Assim, o vinculo social pode ser representado pelo conjunto de relações interpessoais

concretas que conectam pessoas a outras, em atividades de cooperação, solidariedade e

parceria, em uma rede comum que atribui ao indivíduo identidade grupal. O desenvolvimento

dos sentimentos de pertença, aceitação e de valorização pessoal servem como referência e

influência para comportamentos e atitudes.

Os vínculos afetivos definem-se por afinidades e interesses compartilhados com

sentimentos de acolhimento pessoal, disponibilidade emocional e generosidade recíprocos. Os

vínculos individuais ou íntimos referem-se ao equilíbrio privado da pessoa no cotejo entre

seus valores e concepções de vida e suas atitudes e comportamentos reais práticos, podendo

desenvolver-se uma coerência significativa e tranquilizadora ou dissociação

despersonalizante.

Cremos, assim, que o equilíbrio (ou desequilíbrio) entre tais vínculos e a percepção e

transição entre as realidades, mundos ou esferas pública, privada e secreta influenciam a

concepção do sentimento do justo e determinam a qualidade das relações, de um indivíduo

para outro.

Esclarecemos melhor: possuímos componentes culturais, familiares, sociais, pessoais e

íntimos que nos formatam individualmente e nos fazem ser do jeito que somos e da maneira

que encaramos e reagimos ao mundo. Assim, podemos dizer que todos possuímos uma vida

pública, uma particular e, por assim dizer, uma vida secreta, sendo esta última a das emoções.

Tal formatação é uma constante inacabada e trazemos em contínuo amoldamento não

apenas os nossos conhecimentos técnicos, mas também e principalmente nossa intimidade,

sentimentos, pensamentos, emoções, valores e equilíbrio emocional.

Observemos, entretanto, que nem sempre a trajetória entre o que somos e percebemos

e a realidade dos mundos dos outros opera sem dificuldades ou obstáculos.

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212

Apenas para exemplificar trazemos uma cena no Os Miseráveis374

que retrata bem as

dificuldades de transição entre o mundo dos fatos, o mundo dos outros e o mundo particular e

interno, íntimo e próprio do juiz.

Na cena indicada, um prisioneiro está sendo confundido com Jean Varjean e durante o

interrogatório é perguntado quem é. O encarcerado, mesmo aparentando certa debilidade

mental, responde justamente em contraposição ao mundo dos juízes que assistiam o

questionamento, mundo este onde todos são bem vestidos, alimentados, portadores de cultura

sofisticada e poderosos. Assim, diz o cativo que não roubou nada e que sabe ser apenas um

daqueles que não come todo dia.

É nesse contraste de mundos que um juiz é chamado a julgar.

É nesse contato com o "estrangeiro" que o juiz é convocado a utilizar todo o seu

conhecimento técnico e é evidente que os saberes formais são insuficientes a alcançar toda a

realidade.

Cremos que, para se realizar justiça, manifesta-se a necessidade de utilização da

sensibilidade de quem lida com fatos, valores, pessoas e normas.

3.1.2.2- A afetividade

Podemos dizer que os afetos sempre estiveram no eixo central da Modernidade,

mormente na ascensão das instituições políticas democráticas.

Assim e com base em Eva Illouz375

, a afetividade é ressaltada na ética protestante, de

Max Weber, que contém em seu núcleo a análise do papel dos sentimentos na ação econômica

do empresário frente a um Deus imperscrutável, bem como nas implicações afetivas negativas

decorrentes da Modernidade e do capitalismo na análise marxista da chamada alienação e na

colaboração de Émile Durkheim no que diz respeito à solidariedade como feixe de

sentimentos que ligam os agentes sociais aos símbolos centrais da sociedade.

374

HUGO, Victor, Os Miseráveis, Parte I- Fantina, Livro VII- O processo Champmathieu, X – O sistema de

negações, in Obras de Vítor Hugo, Volume II, Porto: Lello & Irmãos Editores, 1969, p.255. 375

ILLOUZ, Eva, O Amor nos tempos do capitalismo, título original Gefühle in Zeiten des Kapitalismus,

tradução de Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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213

Podemos assinalar, contudo, que a primeira e maior dificuldade ao se falar em

afetividade é justamente precisar-se sua definição.

Em termos gerais, a afetividade é considerada sinônimo de emoção, aí englobando

sentimentos de ternura, carinho e simpatia a guiarem os estados de humor e suas ações

correspondentes. Para outros, afetividade refere-se à forma como encaramos nossas vivências

e reagimos a elas, influenciando nosso comportamento.

Diversos autores trabalharam o tema, e o debate a respeito da conjugação, influências

recíprocas e/ou condicionamentos envolvendo a afetividade e a inteligência (ou a emoção e a

razão) já apresentou ao mundo jurídico várias colaborações da Filosofia e Psicologia, sendo

certo que o assunto comporta inúmeras abordagens, dependendo do modelo escolhido como

referência teórica compreensiva.

No dizer de Eva Illouz376

, o afeto não é uma ação propriamente dita, mas uma energia

interna que nos impele a agir, qualificando um ato. Os afetos são, pois, significados culturais e

relações sociais que, compactados, transportam sua energia para os acontecimentos

relacionais e põem em prática ditas definições culturais de maneira pré-reflexiva e

frequentemente de modo inconsciente.

Observemos que nossas colocações indicam a necessidade de reformulação do ideal de

objetividade que por vezes ainda contamina os pensamentos a respeito da justiça. Admitimos,

assim e sem receio de aprisionamentos subjetivos, o fato de que os sentimentos organizam os

arranjos morais e sociais e que, por fazerem parte da realidade humana, merecem sua acolhida

nas esferas jurídicas e políticas.

Entendemos por bem tratar do tema em quatro perspectivas, iniciando por estabelecer

as relações indicadas por H.Wallon, L.S. Vygotsky, e Jean Piaget para nos aproximar da

afetividade em Espinosa e, ao final, explicitarmos o que entendemos necessário para o

processo de formação do sentimento do justo. Pressumimos que o desenvolvimento humano

deve ser explicado pelas relações estabelecidas, mantidas e ampliadas com sua cultura e

ambiente social interacionista.

376

ILLOUZ, Eva, O Amor nos tempos do capitalismo, título original Gefühle in Zeiten des Kapitalismus,

tradução de Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.09-10.

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Henri Wallon defendia a ideia de que o desenvolvimento humano é centrado em

quatro grandes núcleos ou campos funcionais (o movimento, a afetividade, a cognição, e a

pessoa377

) que interagem e se relacionam indissociavelmente.

Segundo seu entendimento, as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas

com os componentes orgânicos (contrações musculares, viscerais etc.), sendo o primeiro

vínculo entre o indivíduo e o meio ambiente378

.

Assim, o recém-nascido sensibiliza as pessoas ao seu redor para satisfazerem suas

necessidades por via de manifestações emocionais379

e a afetividade serviria como elemento

mediador das relações sociais da pessoa com suas experiências no ambiente, proporcionando

seu diferenciar-se.

A afetividade, entretanto, não pode ser considerada apenas em tal aspecto inicial e

biológico, pois envolve diversas outras manifestações e interações, como as próprias

vivências do indivíduo no meio social e o modo de absorção, interpretação, introjeção e

expressão simbólica cultural.

O componente cognitivo faz-se, pois, necessário para a estruturação da pessoa

humana, sendo que H.Wallon defendia haver nas diversas etapas do desenvolvimento um

predomínio alternado entre as duas funções, ora afetiva, ora cognitiva, culminando pela

predominância cognitiva380

.

377

Para o autor, os movimentos que possuem importância para o desenvolvimento do pensamento antes da

linguagem, podem ser instrumentais e expressivos, sendo os primeiros as ações executadas para alcançar um

objetivo imediato sem necessariamente estarem relacionados com outros indíviduos, como comer e andar, e os

segundos caracterizados por possuírem uma função comunicativa intrínseca, estando normalmente associados a

outros indivíduos, como gesticular e sorrir. A inteligência para H.Wallon está diretamente relacionada com as

atividades cognitivas do raciocínio simbólico e linguagem e o campo Pessoa é identificado como o campo

funcional que coordena os demais, responsável pelo desenvolvimento da consciência e da identidade do eu.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança, título original L’évolution psychologique de l’enfant,

Lisboa: Edições 70, 1968. 378

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Título original L’évolution psychologique de l’enfant,

Lisboa: Edições 70, 1968. 379

WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1971. 380

Frisemos, no entanto, que, apesar de entender o desenvolvimento como integrado por conflitos dialéticos, H.

Wallon acreditava, ao contrário de Jean Piaget, que o processo não é tão bem delimitado por fases, podendo

ocorrer regressão, pois um estádio de desenvolvimento integra os comportamentos anteriores sem suprimí-los.

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215

Reconhece, ainda, o autor, que as potencialidades psicológicas dependem

especialmente do contexto sóciocultural, não sendo, pois, suficiente para o pleno

desenvolvimento das habilidades cognitivas o mero aprimoramento do sistema nervoso.

L.S Vygotky tem posição um pouco diversa, afirmando que é por via da inserção na

cultura que o indivíduo se constitui como um ser sócio-histórico, ou seja, é o funcionamento

psicológico fundamentado nas relações sociais concretas entre o indivíduo e o mundo exterior

desenvolvido num processo histórico e mediado por sistemas simbólicos, com ênfase na

linguagem.

Assim, pode-se dizer que, para o autor o desenvolvimento humano sobrevém pela

contínua apropriação dos elementos e processos culturais, ocorrendo nas relações

interpessoais e com o respectivo aglutinamento interno.

Percebemos que também L.S Vygotky381

eleva as relações como fator crucial para o

processo de desenvolvimento. No que diz respeito, especificamente, à afetividade, acentua o

autor que esta se liga à singularidade dos sujeitos, tendo por meio da palavra a possibilidade

de, ao mesmo tempo, se referir ao sistema de relações objetivas compartilhado entre as

pessoas do mesmo grupo cultural (significado) e ao conteúdo propriamente relacionado às

vivências particulares de cada um (sentido), ou seja, a emoção e a razão, afetividade e a

cognição constituem-se relações de complementaridade e não de causalidade ou alternância

como indicava H.Wallon382

.

L.S Vygostky entendia que a internalização da cultura e sua adaptação conforme as

experiências individuais vivenciadas operam-se, também, pela existência do outro como

agente mediador entre o sujeito e os objetos culturais, assumindo a afetividade típico caráter

social.

É certo, registremos, que ditas relações não envolvem somente as esferas cognitivo-

intelectuais, mas, simultaneamente, provocam de acordo com a qualidade, intensidade e

381

VYGOTSKY, L. S. O desenvolvimento psicológico na infância, título original The Problem of the Cultural

Development of the Child, tradução de Jefferson Luiz Camargo São Paulo: Martins Fontes, 1998. 382

VYGOTSKY, L.S., Pensamento e Linguagem, título original Thought and Language, tradução de Jefferson

Luiz Camargo, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.

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duração, repercussões internas e subjetivas nos sujeitos, de natureza basicamente afetiva,

influenciando a apreensão dos fatos, valores, normas e pessoas.

Por sua vez, Jean Piaget383

indicou que a afetividade compreende os sentimentos

propriamente ditos, e em particular as emoções, bem como as diversas tendências,

comportando as chamadas tendências superiores como a vontade, que distingue apenas por

graus. Assinala, ainda, que afetividade não é sinônima de carinho, mas é a condição humana

de toda pessoa ser afetada tanto por elementos externos quanto por sensações internas e ser

capaz de reagir a eles, sendo crucial para o desenvolvimento.

Reconheceu o autor que há uma correspondência (e não sucessão) entre o

desenvolvimento da afetividade e da cognição, afirmando que é a afetividade o móvel

energético das condutas humanas, sendo fator fundamental na socialização, compreendendo o

que diferenciou em sentimentos (prazer, desprazer, simpatia, emoções e vontade) e elementos

energéticos (interesses, esforços, afetos das relações interindividuais, simpatias mútuas e

sentimento morais).

Assim, para Jean Piaget384

, toda conduta é ditada por um interesse, que se relaciona

com a meta da ação correspondente, sendo que de tal interesse denotam valores constituídos

com origem na afetividade e os meios para se atingirem as metas são providos pela

inteligência. Desta forma, as vidas afetiva e intelectual são interdependentes e os sentimentos

exprimem os interesses e os valores das ações estruturadas pela inteligência.

Jean Piaget385

chegou a afirmar que sem o afeto não haveria nem interesses, nem

necessidades nem motivação, sendo condição necessária, mas não suficiente para a

constituição da inteligência.

383

LA TAILLE, Y. Desenvolvimento do juízo moral e a afetividade na teoria de Jean Piaget. In: LA

TAILLE, Y. (Org.) Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus,

1992. p. 47-73. 384

PIAGET, J. La formation du symbole chez l'enfant: imitation, jeu et rêve, image et représentation

Paris: PUF, 1945, disponível em http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/textes/VE/JP45_FdS_TDM.pdf,

acessado em 17 de janeiro de 2015. 385

PIAGET, J. Les relacio s e tre l’affectivité et l’i tellige ce da s le dévéloppe e t de l’e fa t, Bulletin

de Psychologie, 7, 1962, disponível em

http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/textes/VE/JP_54_cours_affect.pdf, acessado em 15 de janeiro de

2015, p. 05.

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217

Ao referir-se a ideia de força psicológica relacionada com a regulação energética da

conduta, o autor acrescentou que a regulação deveria também contar com um sistema de

interesses, alcançando a definição de valor como o aspecto qualitativo do interesse sugerido

pelos sentimentos.

Espinosa, por sua vez, entende que os afetos pertencem tanto ao corpo como à alma,

influenciando tanto a potência de agir do corpo como as ideias386

. Para ele, a causa adequada

de alguma dessas afecções é compreendida como uma ação, e, em caso contrário, uma

paixão387

.

Para o autor, existe relação entre razão e afetividade, pois os afetos ativos são

provenientes do exercício adequado de nossa potência intelectual, daí entender que a

resolução do problema dos afetos é essencialmente um problema de conhecimento, já que o

afeto é uma ideia do que se passa no corpo.

Observemos, no entanto, que não é essencial o conhecimento ser verdadeiro nem

importa se não passe de mera crença, ante a importância apenas do grau de afetividade com

que conhecimentos certos ou crenças corretas nos comprometem.

Ademais, indica que o problema dos afetos remete ao desejo como essência,

responsável pelo desencadeamento da ação, pelo que o nosso comportamento encontra o

ponto de apoio no desejo388

e não na razão.

Apesar das diferenças de entendimento, também se pode perceber a afetividade não

apenas como algo utilitário do ponto de vista de desenvolvimento e cuidados individuais, mas

em sua dimensão humanitária e sensível ampla propriamente dita.

Assim, a afetividade também pode ser vista como demonstração do cuidado que temos

em relação aos outros, aí incluídos nossos semelhantes, mas também a fauna e a flora. Tal

386

GLEIZER, Marcos André, Espinosa & A Afetividade humana, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. 387

Proposição 3, da terceira parte: As ações da mente provêm exclusivamente das ideias adequadas, enquanto as

paixões dependem exclusivamente das ideias inadequadas. SPINOZA, Baruch, Ética, tradução de Tomaz Tadeu,

edição bilingue – Latim-Português, Belo Horizonte: Autêntica Editora, 3ª edição, 2010, p.173. 388

Para Baruch Spinoza, o desejo é a própria essência do homem, isto é (pela prop. 7 da P. 3), o esforço pelo

qual o homem se esforça por perseverar em seu ser. SPINOZA, Baruch, Ética, tradução de Tomaz Tadeu,

edição bilingue – Latim-Português, Belo Horizonte: Autêntica Editora, 3ª edição, 2010, Demonstração da

Proposição 18 da Parte 4, p.283.

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aspecto do comportamento humano pode e deve ser ensinado, correspondendo à possibilidade

de uma grande transformação do ponto de vista individual e coletivo.

A capacidade da formação de um indivíduo afetivo remonta, pois, à constituição de

uma sociedade cada vez mais saudável, caracterizada pela responsabilidade mútua e

consciência solidária, onde a cidadania é realçada e as percepções de valorização do coletivo

se assentam no respeito e garantia da igualdade de todos e concretização das potencialidades

individuais como forma de verdadeira liberdade.

Vislumbra-se, com efeito, o despertar da elevação ética nas relações entre as pessoas,

inaugurando-se o entendimento de que conviver de forma respeitosa e cuidadosa com o outro

representa a melhor maneira de exercício comunitário da democracia republicana.

Enfim, o que também vale registrar é que, como lembra A. R. S. Almeida389

, "a

inteligência não se desenvolve sem afetividade, e vice-versa, pois ambas compõem uma

unidade de contrários".

Percebe-se, pois, que o sujeito é um ser intelectual e afetivo, que pensa e sente

simultaneamente, pelo que a afetividade é parte integrante da elaboração individual e do

conhecimento, o que implica repercussões diretas na formação do sentimento do justo.

3.1.2.3- A empatia e a solidariedade – implicações processuais na escuta e linguagem

Entendemos como empatia, em síntese absoluta, a capacidade inicial de saber como o

outro se sente, tendo como principal fundamento a própria autoconsciência.

Na verdade, “saber” como outra pessoa se sente significa não apenas entender racional

ou logicamente a origem dos sentimentos e admitir a importância destes, mas, implica,

necessariamente, “sentir” o que a outra pessoa está sentindo, na medida de nossas dores.

Em contraposição, Thomas Nagel390

assinala que as experiências conscientes dos seres

são impossíveis de ser completamente compartilhadas da mesma forma por outros

389

ALMEIDA, A. R. S. A emoção na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999, p. 29.

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organismos. O caráter subjetivo é conhecido, assim, somente de um ponto de vista e afirma

que, mesmo limitadamente, apenas pela imaginação e empatia se pode aproximar da

consciência do outro391

, evidenciando que quanto mais diferente de nós for o outro sujeito de

experiência (experiencer), menos sucesso se pode esperar desse empreendimento.

No mesmo sentido fala-se de qualia392

, não obstante sua existência e natureza

continuarem sendo objeto de aceso debate na filosofia da mente contemporânea. Pode-se

entendê-los como os aspectos fenomenais, intrinsecamente subjetivos de nossa vida mental,

como ocorre na percepção das cores, intensidade dos cheiros ou graus de dor, mas também é

possível compreender como propriedades íntimas e particulares de sentimentos.

Edmund Husserl393

esclareceu que um mundo exterior objetivo só é possível ser

percebido intersubjetivamente, ou seja, com uma maioria ou pluralidade de indivíduos

cognoscentes que se encontre em comunicação entre si, pressupondo a percepção dos outros

indivíduos, chamando tal percepção de empatia, mas não chegou a detalhar tal conceito.

Edith Stein394

assinala que na empatia é o próprio indivíduo que vivencia o conteúdo

vivenciado pelo outro, mostrando-se uma espécie de atos experiencial sui generis, pois o

indivíduo empático se vê acompanhado da experiência originária de outra pessoa, apesar de

não tê-la vivido, manifestando-se na sua experiência não originária. Trata a autora, pois, a

empatia como a consciência do outro semelhante a mim, mas que guarda sua unicidade e

390

NAGEL, Thomas, What is it like to be a bat? in Rosenthal, D. (ed.) The Nature of Mind, New York:

Oxford University Press, 1991, p. 422-28, tradução de Paulo Abrantes e Juliana Orione em Cad. Hist. Fil. Ci.,

Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 245-262, jan.-jun. 2005, disponível em

http://vsites.unb.br/ih/fil/pcabrantes/artigos/Nagel_trad.pdf, acessado em 06 de maio de 2014. 391

No mesmo sentido, disse Bernardo Soares: “Ninguém compreende outro. Somos, como disse o poeta, ilhas no

mar da vida; corre entre nós o mar que nos define e separa. Por mais que uma alma se esforce por saber o que é

outra alma, não saberá senão o que lhe diga uma palavra — sombra disforme no chão do seu entendimento”. in

Livro do Desassossego – por Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa), Editora Brasiliense, 2ª edição,

p.339, disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/vo000008.pdf, acessado em 1º de

janeiro de 2014. 392

António R. Damásio diferencia dois problemas envolvendo qualia. O primeiro (qualia I) diz respeito aos

sentimentos serem indissociáveis de qualquer experiência subjetiva e o segundo (qualia II) refere-se a por que e

como tais sentimentos são produzidos. DAMÁSIO, António R. E o cérebro criou o homem. Título original Self

comes to mind: constructing the conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das

Letras, 2011, p.310-322. 393

HUSSERL, Edmund, Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica, título

original Ideen zu einer reinen Phänomelogie und phänomenologischen Philosophie, tradução de Márcio Suzuki,

Aparecida: Ideais &Letras, 2006. 394

STEIN, Edith, Sobre El Problema de la Empatia, título original Zum Problem der Einfühlung, tradução de

José Luis Caballero Bono, Madrid: Editorial Trotta, 2004, p.22-27.

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individualidade, não havendo como se efetivar completa coincidência entre o eu empático e o

sentimento alheio.

Igualmente, quanto mais aceitamos e compreendemos nossas emoções, mais hábeis

seremos na interação com as demais pessoas, possibilitando que nossa capacidade de leitura

de emoções, tanto íntimas quanto as dos outros, adquira maior exatidão.

Dorothy Corkille Briggs395

leciona que a empatia significa a entrada de outra pessoa

no nosso mundo, deixando o visitante temporariamente o seu próprio, para desenvolver a

compreensão dos nossos sentimentos, permanecendo conosco com todas as sutilezas de

significados que uma determinada situação tem para nós. Isentando-se de concordar ou

discordar, a pessoa empática tenta apenas compreender sem julgar.

Em todo caso, saber empaticamente implica algo “abaixo do pescoço”, ou seja, se

racionalmente tudo se situa na cabeça, em atividades cerebrais com utilização dos sentidos e

pretensa racionalidade, o saber no aspecto empático indica que as energias implicadas

percorrem o corpo inteiro, passando pelos sentidos, ingressando na mente, migrando para o

coração/sentimento e exalando-se pela linguagem oral e corporal.

Portanto, agir empaticamente significa também sentir o que o outro sente, por mais

difícil que isso possa parecer.

Sentir que se está sendo compreendido empaticamente conforma um dos mais

importantes componentes da segurança psicológica, porquanto a certeza de que podemos

revelar nossas reações reservadas e de que as pessoas importantes em nossas vidas as

compreenderão ajuda a formação saudável de nossa personalidade e caráter.

Em acréscimo, quanto mais somos compreendidos empaticamente, mais adquirimos a

capacidade de também compreendermos os outros de igual forma, adquirindo um elevado

nível de atuação ética396

.

395

BRIGGS, Dorothy Corkille, A Autoestima do seu filho, tradução de Waltersir Dutra, São Paulo: Editora

Martins Fontes, 2000, p. 102. 396

Cremos que as próprias raízes morais se encontram na empatia, pois é a capacidade de se colocar no lugar de

outra pessoa que leva as pessoas a seguirem certos princípios e comportamentos. Para aprofundamento sobre o

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Observemos, no entanto, que, apesar da apreensão do objeto da vivência do outro (ato

empático) ser importante, as ações e reações que ocorram com o estabelecimento deste ato é

que nos parecem mais relevantes, principalmente quando relacionadas às tomadas de

decisões.

Neste aspecto, Edith Stein397

enfatiza a possibilidade e desejo de uma sociedade se

transformar em uma comunidade, visando a maior aproximação e igualdade nas relações

interpessoais, diferenciando-as como sendo a primeira aquela em que os indivíduos estão um

à frente do outro e assim se comportam, enquanto, na segunda, todos estão em comunhão de

posições e aceitação mútua, sem ninguém estar na frente de outro, mas ambos os seres livres

em interdependência e vivendo em conjunto.

No mesmo rumo, como já foi expresso, as posições de Martin Buber apresentam o

discurso como sendo dialógico e o fato primitivo como a relação, firmando sua antropologia

na ontologia da relação, qual seja, o homem é um ente de relação e, no mesmo sentido, a

relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência.

Desta forma, tanto para Buber como para Edith Stein, o homem individualidade não

existe, pois sempre é o homem com o outro, em papéis complementares, ou seja, homem só

ganha plena condição humana quando se relaciona, e tal relacionamento dá-se, como dito, por

meio do compartilhamento igualitário de experiências empáticas onde vemos o outro como

sujeito e não como objeto.

Ver o outro como sujeito é, por conseguinte, respeitar e propiciar o desenvolvimento

uniforme de todas suas disposições e, para tanto, no dizer de J. G. Fichte398

, há que se

conhecerem, além de seus impulsos e necessidades, os meios necessários às suas satisfações,

sendo crucial que a liberdade e a sinceridade das expressões particulares sejam dirigidas à

meta comum de todo conhecimento, qual seja, o contínuo progresso da humanidade.

tema, ver RIFKIN, Jeremy, The Empathic Civilization- the race to global consciousness in a world in crisis.

New York: Penguin, 2009. 397

STEIN, Edith, Psicologia e scienze dello spirito – Contributi per una fondazione filosofica.Título original

Beiträge zur philosophischen Begründung der Psychologie und der Geisteswissenschaften,Città Nuova. Roma,

1999, p. 159. 398

FICHTE, J. G. Lições sobre a Vocação do Sábio seguido de Reivindicação da Liberdade de Pensamento,

título original Einige Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehten e Zurückforderung der Denkfreiheit,

tradução e apresentação de Artur Morão, Lisboa: Edições 70, 1999, p.57-59.

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Neste aspecto, a solidariedade se mostra como o caminho a ser seguido, na

redescoberta dos laços comuns da irmandade humana.

O desafio do abandono do egoísmo, vencendo a tentação de comportamentos

individualistas e competitivos para dinamizar o amor nas tarefas cotidianas, bem como

superar as tendências isolacionistas no empreendimento da inclusão do outro no mundo da

justiça e verdade, parece ser a maior meta de superação individual e institucional de todos que

lidam com o Direito.

Oferecer solidariedade e viver a solidariedade é processar continuamente a elaboração

de opções e comportamentos sólidos para o bem comum e é, por conseguinte, a oportunidade

de retomarmos nossa humanidade, na capacidade transcendente de sermos mais bondosos e

melhores do que antes.

Deste modo, a determinação, firme e perseverante, de nos preocuparmos com o outro e

nos empenharmos em benefício de quem se encontra em situação de vulnerabilidade,

principalmente aqueles que necessitam de amparo jurisdicional, faz-nos exercitar a abertura

constante à fraternidade, no rumo correto ao aperfeiçoamento individual e social.

Ser solidário399

implica, pois, o fortalecimento dos laços comunitários e resistência a

ideologias das distâncias, ódios e indiferenças, fomentando a cultura do encontro e união, no

destino da vida conjunta.

Tais perspectivas de diálogos com mãos estendidas dispostas ao toque, prontas ao

carinho, disponíveis ao trabalho e ativas na busca do servir, indicam que a real solidariedade

não é apenas passageira, mas cotidianamente vivencial, caracterizando a reserva de valores e

sensibilidade daqueles que se exigem melhores e ativam tais elementos em cada relação.

Cremos que para conseguir o intento de ser útil ao desenvolvimento completo das

pessoas, o Direito e seus agentes, mormente os juízes, devem entrar em contato com outras

399

Evidentemente, estamos falando do ser solidário em prol da justiça e tratamento democrático e percepção

republicana da sociedade e não na solidariedade nos ódios nem nos comportamentos destrutivos de patologias

sociais ligadas a fanatismo, preconceito, intolerância, exclusão e desagregação.

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223

disciplinas e, também no dizer de J. G. Fichte, se refinar na disposição de se tornarem cada

vez mais possuidores dos talentos da sociabilidade.

Esses talentos são por nós identificados como a arte de receber e de comunicar.

Arte de receber é aqui concebida como atitude de, fugindo de guetos intelectuais

herméticos, colocar-se aberto às novas ideias e opiniões, exercitando-se continuamente a

humildade e a educação continuada.

Havemos de ter em conta que dita atuação interdisciplinar não deve ser realizada

apenas de maneira formal, superficial ou mesmo simulada. Havemos de, verdadeira e

sinceramente, travar contato com outras estruturas de pensamento que não apenas o jurídico e

admitir os modos de compreensão dos fenômenos humanos que não o normativo, com a

assimilação dos matizes próprios e consequentes modificações.

Além disso, cremos que se o interprete e aplicador do Direito realmente intenta

compreender o que se passa com as partes, é preciso estar-se sinceramente envolvido com o

outro e assinalar400

a mensagem de que as visões de mundo das pessoas são importantes e

valem o tempo aplicado no processo.

Na verdade, o envolvimento de todos os profissionais, dentre advogados, servidores,

membros do Ministério Público, e os próprios magistrados, deve corresponder a tal busca da

compreensão do outro, confirmando-se a importância cidadã de quem procura o Poder

Judiciário.

Essa compreensão baseia-se na atitude de não desejar mudar os sentimentos do

interlocutor, mas simplesmente se tentar aprender como ele se sente, percebendo as nuanças

de seus sentimentos naquele momento. Assim, quem age com empatia consegue “ver” como o

interlocutor vê e “sentir” como ele sente, em uma interpenetração no mundo do outro.

400

Uma das características do pensamento de Edith Stein decorre da superação da atitude dualista idealismo

versus realismo, sujeito-objeto e empirista-racionalista, para afirmar que a intersubjetividade é a verdadeira

condição da experiência humana. STEIN, Edith, Sobre El Problema de la Empatia, título original Zum

Problem der Einfühlung, tradução de José Luis Caballero Bono, Madrid: Editorial Trotta, 2004.

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224

Para tanto, a arte de comunicar pressupõe inicialmente o que se chama de escuta

empática.

Sabe-se que a escuta401

pode variar desde a simples impostura desta, quando se

permanece apenas olhando para a pessoa, mas desenvolvendo-se pensamento distante, sequer

registrando o que é dito, passando pela escuta seletiva, onde só se registra o que interessa,

pela escuta atenciosa, quando se registra tudo o que a pessoa diz e pela escuta empática ou

sensível, quando, além de registrar o que foi dito, se procura entender e mesmo sentir o que a

pessoa descreve.

Assegura Stephen R. Covey402

que a escuta empática não é apenas registrar, repetir ou

mesmo entender as palavras que estão sendo ditas, mas além dos ouvidos, também e mais

importante, “ouve-se” com os olhos e o coração, sentindo, intuindo e percebendo.

Dita nova conformação indica melhor compreensão do princípio do devido processo

legal, fornecendo-lhe maior abrangência, porquanto pressupõe a oportunidade das pessoas

serem verdadeira e profundamente vistas e ouvidas na defesa de seus direitos. Propicia-se,

com efeito, a oportunidade justa, adequada e com tempo razoável de as partes serem acolhidas

pelo Estado nos seus desejos de reparação403

.

Tal posicionamento implica além do direito à ajuda e consulta legal, com a superação

dos obstáculos referentes à informação jurídica, a presença constante de referida escuta

empática e a utilização de linguagem acessível a todos.

Em tal perspectiva ampliada, autoriza-se o Direito Processual a deixar de ser apenas

um meio, para passar também a ser um modo de se conseguir a solução judicial mais razoável

ao caso concreto, interagindo fundamentalmente com o que está envolvido, revelado ou

oculto nas pretensões.

401

Como se sabe, para Plutarco, após a fala, aprender a ouvir, mormente em silêncio, deve ser a segunda

preocupação do aprendiz de Filosofia, pois evita sucumbirmos à vertigem das palavras. PLUTARCO, Como

ouvir, tradução João Carlos Cabral Mendonça, Henrique F. Cairus e Tatiana Ribeiro, São Paulo: Martins Fontes,

2003. Ao ouvir, aprendemos não apenas a pensar, mas também a perceber, sentir e compreender. 402

COVEY, Stephen R - Os 7 Hábitos das pessoas altamente eficazes, título original The 7 Habits of Highly

Effective People: Powerful Lessons in Personal Change, tradução de Alberto Cabral Fusaro e Márcia do Carmo

Felismino Fusaro, São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 2ª edição, 2000, p. 313. 403

Cf. CAPPELLETTI, Mauro, The Judicial Process, Comparative Perspective, Oxford: Claredon Press –

Oxford, 1991, p. 246-248.

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225

Podemos afirmar que outro efeito prático processual imediato da adoção de atitudes

empáticas por parte dos aplicadores do Direito dá-se no combate a, por assim dizer, veneração

devota do procedimento, ou seja, supera-se o excesso de ritualização do processo para que

sejam adotadas medidas processuais mais adequadas para o caso, tendência esta fortemente

ocorrente nos juizados especiais brasileiros.

Vislumbra-se, ademais, que efeitos processuais das atitudes empáticas podem

ocasionar mudanças de paradigmas a ensejar variações imediatas no modo de agir dos agentes

estatais de dicção do justo.

Na hipótese, verifica-se ser cabível o aprofundamento no Direito Material por via do

Direito Processual, servindo este, como já adiantado, não apenas de meio para se obter aquele,

mas também como modo de conhecê-lo e compreendê-lo404

.

Cremos que, na verdade e a rigor, qualquer processo possui, no mínimo405

, base

constitucional, pois toda interpretação e aplicação pressupõem a correspondência com os

mandamentos constitucionais e nomeadamente exigem equivalência com a teoria dos direitos

fundamentais adotada, mormente no que diz respeito ao que se pode chamar de direitos

fundamentais processuais406

caracterizadores do verdadeiro Estado Democrático de Direito

que propiciam a harmonização de interesses nas esferas pública, privada e coletiva407

.

Verificamos que para fazermos dos processos judiciais reais exercícios de

comunicação efetiva e essencial, havemos de ter em mente que a atuação mais profunda e

delicada dos agentes do Direito indica a verificação não apenas dos bens e interesses

envolvidos, mas também, e ao mesmo tempo, do universo concreto e abstrato das pessoas,

além das pré-compreensões próprias de cada um.

404

Diferenciamos, aqui, “meio” de “modo”, atribuindo ao primeiro função meramente instrumental e direcional

enquanto atribuimos ao segundo a particularidade de ser ativo e dinâmico, operando pela forma, mas indo além

dela, na busca da verdade ou das versões mais próximas do compreensível. 405

Afirmamos que qualquer processo possui, no mínimo, base constitucional, para reforçarmos a ideia de que

além da Constituição e seus princípios positivados, remanescem outros princípios de origem fundamental

passíveis de serem utilizados, seja subsidiariamente ou em ocasiões de conflitos normativos. 406

Ver GUERRA FILHO, Willis Santiago, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, São Paulo:

Instituto Brasileiro de Direito Constitucional/Celso Bastos Editor, 1999, p.31-42. 407

Ideia central de Willis Santiago Guerra Filho, in Direitos Fundamentais, Estado Democrático de Direito e

Interpretação constitucional “ainda que tardia”, GUERRA FILHO, Willis Santiago (Coordenador), Alternativas

poético-Políticas ao Direito a propósito das manifestações populares em junho de 2013 no Brasil, Rio de

Janeiro: Editora Lumen Juris, 2014, pp. 413- 425, p 416.

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Evidentemente que, para tanto, há de ter pragmaticamente o tempo útil necessário, o

que contraria o atual impulsionamento dos órgãos gestores do Poder Judiciário brasileiro em

busca de metas quantitativas de sentenças e tempo recorde de extinção processual.

De outra parte, é intuitivo o fato de que, para a relação processual se tornar um

verdadeiro encontro408

, há que ser atento às peculiaridades das partes, inclusive no que se

refere à linguagem utilizada409

.

Sabe-se que é pela linguagem que é possível articular pensamentos, transmitir

informações, interpretar a realidade, expressar ideologias, manifestar valores, evidenciar

sentimentos e interagir com as pessoas, sendo necessário que os interlocutores estejam

inseridos na mesma comunidade linguística.

Ademais, toda linguagem é dotada de intencionalidade e veicula os valores e as

ideologias adotadas, sendo forte instrumento de ação política. A linguagem não pode, pois, ser

encarada como sendo neutra ante sua inerente subjetividade.

Recorde-se, ainda, que as palavras dentro de um discurso também não são ingênuas,

variando de sentido conforme o contexto410

.

408

Encontro, aqui e em todo o texto, é tomado com o referencial teórico da noção psicodramática. O Encontro é,

pois, considerado experiência essencial de percepção mútua profunda (relação télica oposta à relação de

transferência) e apelo para a sensibilidade, ocasião em que o ser humano se realiza, afirmando o que é essencial

no seu modo de ser e envolvendo o estabelecimento de vínculos por meio da espontaneidade e criatividade.

MORENO, Jabob Levi - Psicodrama – Tradução de Álvaro Cabral, São Paulo:Editora Cultrix, 2002. Maiores

detalhes podem ser encontrados, em BUSTOS, Dalmiro Manuel - Novos rumos em Psicodrama, São Paulo:

Editora Ática, 1992, FONSECA FILHO, José S. - Psicodrama da Loucura – Correlações entre Buber e

Moreno, São Paulo: Ed. Agora, 5ª edição, sem data de publicação. 409

Aqui nos limitamo a discorrer sobre o ato de comunicação propriamente dito. Neste aspecto, frisemos que não

há consenso científico a respeito do raciocínio necessitar dos vocábulos para ser produzido. Entendem alguns

que o pensar seria uma espécie de conversa subjetiva consigo mesmo e daí precisaria das palavras, enquanto

outros acreditam que recorremos, antes das palavras, a “uma linguagem do pensamento”, fundamentada em

imagens mentais e abstrações; no entanto, todos reconhecem que na maioria das vezes as palavras que

escolhemos dizer – ou ouvimos – afetam nossos pensamentos, como podemos facilmente constatar ao ouvirmos

termos ofensivos, agressões e palavrões ou palavras doces, ditas de forma amorosa. Registremos que estudos

recentes desenvolvidos na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, revelaram que as ondas cerebrais de

quem fala e de quem ouve tendem a se tornar similares, e quanto mais o ouvinte está receptivo ao que escuta,

mais seu cérebro se “adapta” ao do interlocutor. O que os estudiosos não sabem ainda é quanto essa proximidade

tem a ver com as palavras em si ou com a entonação, com a empatia despertada pela voz e com as mais diversas

associações afetivas possíveis. Notícia Precisamos de palavras para pensar? O que ouvimos ou escolhemos

dizer afeta a intensidade de nossas ondas cerebrais relacionada à Revista Mente & Cérebro – Scientific

American, Ano XVIII, nº 221, Junho de 2011, São Paulo: Editoral Duetto, 2011, indicada no site

http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/precisamos_de_palavras_para_pensar_.html, acessado em 22 de

junho de 2013. 410

Como se sabe, pessoas de bases culturais ou educacionais diferentes podem falar distintas linguagens com as

mesmas palavras. Ver SANTOS, Boaventura de Sousa, Toward a New Legal Common Sense, UK:

Butterworths LexisNexis, 2002,p.108

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De igual forma, o poder411

é exercido de várias maneiras, sendo uma das mais

eficientes por meio da linguagem412

.

Pode, pois, a linguagem incluir ou excluir na medida em que implica a hierarquia entre

“quem sabe” e “quem não sabe”, distribuindo ou reproduzindo a voz413

ou o silêncio414

de

certos assuntos, difundindo ou escondendo determinadas reivindicações, identificando ou

ignorando anseios, reconhecendo ou desprezando revoltas estatuídas ou desejos negados em

momentos deliberadamente escolhidos.

Neste aspecto, a esfera jurídica aufere contornos expressivos como local de exercício

do poder, sendo o discurso jurídico415

capaz de criar, influenciar, modificar ou extinguir

411

Adotamos a definição de poder (Macht) de Max Weber, qual seja, potência determinada por certa força e

explicitada como ordem dirigida a alguém que, se presume, deve cumpri-la. O poder constitui-se, assim, em toda

oportunidade de impor a sua vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, sendo alta

a probabilidade de tal ordem ser seguida por dado grupo de pessoas, como forma de dominação (Herrschaft).

WEBER, Max. Ciência e Política: Duas Vocações. Título original Wissenschaft als beruf e politik als beruf,

tradução de Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota, 1ª reimpressão, 18ª edição, São Paulo: Editora

Cultrix, 2013. Cf.LEBRUN, Gérard, O que é o Poder, sem indicação de título original, tradução de Renato

Janine Ribeiro e Silvia Lara, 14ª edição, 7ª reimpressão, São Paulo: Editora Brasiliense, 2009, p.12 e 13.

Observe-se que tal sistema de ordem imposta compreende tanto o poder legalmente institucionalizado como o

decorrente dos costumes, preconceitos, crenças e mesmo paixões coletivas que indicam a adoção de certas

práticas, podendo manifestar-se pela coerção ou por graus de confiança (autoridade, legitimidade e influência)

que minimizem e superem eventuais resistências conforme a escala de valores escolhidos. Indicamos, também

anteriormente, que adotamos o posicionamento de que o poder só se justifica se tiver como preocupação central

a pessoa humana em todas as suas dimensões relacionais, inclusive com o meio ambiente, sem com isso

significar qualquer forma de antropocentrismo. 412

Diz Pierre Bourdieu que "O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem

ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não

é da competência das palavras", BOURDIEU, Pierre, O poder simbólico, tradução de Fernando Tomaz, ,4ª

edição, Rio de Janeiro: Bertran Brasil, 2001, p.15. 413

Observe-se que órgãos públicos como a Defensoria Pública, ou profissionais indicados para agirem na defesa

dos mais carentes, necessitam desenvolver voz ativa e independente em suas atuações, sendo certo que a mudez

naqueles que têm o dever de falar é o mais ofensivo e repugnantes dos silêncios. 414

Boaventura de Sousa Santos fala das diversas possibilidades de significados do silêncio como, por exemplo,

aceitação, rejeição, reprovação, intimidação, desacordo, aceitação sem entusiasmo, aprovação emocional, revolta

ou aversão, ausência de capacidade de reação, resignação, respeito ou desrespeito, tensão explosiva ou

necessidade de calma para futura deliberação, etc. SANTOS, Boaventura de Sousa, Toward a New Legal

Common Sense, UK: Butterworths LexisNexis, 2002,p.110. Abade Dinouart fala das várias espécies e causas do

silêncio, como silêncio prudente, artificioso, complacente, bufão, inteligente, estúpido, de humor, de capricho,

aprobatório, desprezo e silêncio político. DINOUART, Abade, El arte de callar, título original L’art de se taire,

principalement en matiére de religion (1771), tradução de Mauro Armiño, 7ª edição, Madrid: Ediciones Siruela,

2007, p.55-61. Frisemos que a atual doutrina processual repele o velho brocardo canônico "qui tacet consentire

videtur", já que o silêncio nada mais prova do que a intenção de calar e é diferente da confissão. Assim,

malgrado a revelia da parte ser caracterizada pela não contestação (silêncio, portanto, quanto ao alegado pela

parte contrária), a presunção de veracidade dos fatos alegados deve ser entendida como relativa, isto é, mesmo

não impugnando o réu os fatos alegados pelo autor, do exame do conjunto probatório, pode resultar a

comprovação da prova em contrário àqueles fatos, derrubando a presunção ocasionada pelo silêncio. 415

Afirma Eduardo Garcia de Enterría que "(...) El mundo jurídico es, pues, un vasto e interminable rumor de

palabras que pretenden, con cierta torpeza y con equilibrios precarios, que cuando se quiebran intentan, por

cierto, recomponerse con nuevas palabras, ordenar la vida social y dirigirla hacia la justicia y la securidad (...)"

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relações pela descrição do que entende serem as condutas desejadas em sociedade e por

controlar as expressões dos interessados416

em um processo e na vida social.

Por ser manifestação de poder, o Direito também usa linguagem própria, a linguagem

das normas, manifestações jurídicas e das decisões. Em todas encontram-se palavras,

expressões e termos que se relacionam (função sintática), que apontam significados (função

semântica) e que são usados por pessoas e para pessoas num determinado contexto social417

(função pragmática), sendo o processo instrumentalizado, via de regra, pela linguagem escrita.

O distanciamento418

ou aproximação entre os cidadãos e a Justiça é comumente

promovido, dentre outras formas e fatores, justamente pela linguagem jurídica presente tanto

das normas quanto nas manifestações profissionais e decisões caracterizadas por termos

técnicos, latinismos e prolixidade excessiva, o que as pode tornar inacessíveis ao cidadão

comum.

Assim, podemos constatar que, comumente os direitos não são conhecidos porque

simplesmente não se entende o que as normas419

querem dizer na prática, impossibilitando o

reconhecimento de eventual mácula e defesa respectiva.

no prólogo de PRIETO, Luis Maria Cazorla, El Lenguaje Jurídico Actual, Cizur Menor: Thomson – Aranzadi,

2007, p.16. 416

Ver OBENG, Samuel Gyasi, Leading Litigants to Speak the Unspeakable: A Linguistic Analysis of

Cross- Examination in Akan Judicial Decisions, Access to Justice – The Role of Court Administrators and

Lay Adjudicators in the African and Islamic Contexts, Hague: Edited by Christina Jones-Pauly and Stefanie

Elbern, Kluwer Law International, 2002, p.23-50. 417

Pode-se citar como exemplo de manipulação histórica do poder das palavras o caso do termo “bacharel”. Na

verdade, bacharel origina-se de baccalarius, que significa o nível mais baixo dos trabalhadores ou dos

aprendizes de cavaleiros sem habilidades e ainda em educação, tendo estes que se manterem solteiros (daí o

termo também significar, em inglês, o homem que não se casou); no entanto, os profissionais do Direito

conseguiram dar como certa uma nova fonte, no caso a palavra latina bacca lauri, que se referia aos ramos que

laureavam os acadêmicos, pelo que se mudou a escrita de baccalarius para baccalaureus como se o termo

derivasse dos louros das vitórias. Cf. http:// www.hotforwords.com/2007/12/06/an-unmarried-degree-what ,

acessado em 30 de maio de 2013. 418

Na verdade e como diz Ginzburg, todos nos sentimos estrangeiros em relação a alguma coisa e a alguém.

GINZBURG, Carlo, Olhos de Madeira- nove reflexões sobre a distância, título original Occhiacci di legno-

Nove riflessioni sulla distanza, tradução de Eduardo Brandão, 1ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras,

2001, p.11. 419

No mesmo sentido, ver BRANCO, Patrícia, O Acesso ao Direito e à Justiça: um Direito Humano à

compreensão, Oficina do CES nº 305, Maio de 2008, Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da

Universidade de Coimbra, Coimbra-Portugal, p.9. e BEZERRA, Paulo César Santos, A Produção do Direito no

Brasil – a dissociação entre direito e realidade social e o direito de Acesso à Justiça, Ilhéus: Editora Editus –

Editora da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, 2003,p.94-97.

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Registremos, ademais, que a patente inflação legislativa torna difícil o conhecimento

das normas até mesmo para os profissionais da área, e é de todo improvável que o cidadão

comum tenha acesso atualizado a todos os seus Direitos e deveres. Isto enseja, neste aspecto,

a possibilidade de flexibilização do princípio de que “ninguém pode ignorar a lei”, pelo

menos no que diz respeito à exclusão do dolo.

De igual forma, ante o provimento jurisdicional também podem ser encontradas

dificuldades para se entender o que está sendo transmitido, o que propicia natural

desconfiança e descrença popular da atuação dos que militam no meio jurídico.

O hermetismo da linguagem jurídica, ademais, colabora para preservar a possível

desigualdade social entre as partes. Assim, obtém vantagem desproporcional aquele que no

embate jurídico possui meios de contratação de advogados, ocasionando evidentes prejuízos a

quem tem menor cultura420

e desenvoltura linguística421

, podendo, ainda, representar

verdadeiro entrave422

na relação entre as partes e o magistrado423

.

Os profissionais do Direito são, como se diz comumente, ótimos intérpretes das

normas, mas hermeneutas deficientes da realidade. Desta forma, possibilitar que o cidadão

que procura a Justiça se expresse livremente, narrando sua versão dos fatos com autonomia

para expressar seus sentimentos, angústias, anseios, desejos e percepção do que é justo é um

grande passo para a recuperação do mundo da vida.

420

Dizemos “menor cultura” no sentido de falta de conhecimento técnico jurídico, não defendendo, por óbvio,

qualquer hierarquia ou superioridade de conhecimento, mas apenas adequação ou prevalência ante o problema

específico. 421

Consideremos, ainda, as dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiências que afetam a capacidade de

compreensão (visuais, auditivas e outras) e por estrangeiros, imigrantes ou não. 422

Nos anos 1990, Lord Woolf of Barnes coordenou pesquisas a respeito do sistema jurídico inglês, visando a

reformas que promovessem o acesso à justiça. Em seu relatório, conhecido como "The Woolf Report", foi

constatado que, dentre outros problemas, magistrados e advogados ainda se utilizavam de linguagem

ultrapassada, rebuscada demais e de difícil compreensão. A partir daí foram estimuladas iniciativas de utilização

do "Plain English" em contraposição ao "legalese", propondo-se o abandono do latim e a utilização de frases

curtas e diretas, substituição de palavras técnicas por outras de uso comum e abolição de palavras arcaicas e

redundantes. Resultados completos da pesquisa podem ser acessados em

http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/+/http://www.dca.gov.uk/civil/final/index.htm, acessado em 08 de

junho de 2013, mormente o documento Access to Justice Report 1996. 423

Fala-se, comumente com óbvia ironia, na existência do dialeto, obscuro e exclusivo para iniciados,

denominado juridiquês. Conta-se, inclusive, com publicações a respeito como, por exemplo, O Judiciário ao

alcance de todos. Noções básicas de juridiquês, Brasília-DF: Associação dos Magistrados do Brasil – AMB,

Ediouro Gráfica e Editora Ltda, 2005. Verifica-se, ainda, a existência de publicações que resumem ou traduzem

a linguagem legal para expressões comuns e compreensíveis por todos.

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A fala permitida, no entanto, deve vir acompanhada pela escuta empática do que é

dito, como já realçado.

Da escuta empática, deve seguir-se a dicção também atenciosa e acessível a respeito

do que está acontecendo processualmente e do que for decidido.

Agindo assim, opera-se, portanto, a integração do cidadão com a Justiça em tripla via:

a fala do interessado, sua oitiva atenta e transmissão compreensível do que foi decidido.

Enseja-se, pois, que o efetivo processo de comunicação entre as partes e o magistrado

possa se materializar em um meio concreto de acesso à Justiça, obtendo a linguagem jurídica

a sua finalidade de comunicação efetiva do que se entende por justo no caso específico.

Em suma, é perceptível que, para agirmos com empatia, é essencial que possamos

estar autoconscientes das emoções, além de ter o autocontrole delas, daí a importância de não

só constatarmos sua presença, mas também sabermos a origem, bem como os fatores

individuais e sociais que as condicionaram ou influenciaram, pois, caso contrário, estaremos

tão envolvidos com os nossos pensamentos, sentimentos e reações íntimas, que dificilmente

seremos capazes de perceber os sentimentos dos outros.

Nota-se, ademais, que, quando nos colocamos no lugar de outra pessoa e quando

realmente conseguimos captar o seu ponto de vista, sem julgamentos precipitados ou

preconcebidos, passamos a ver maior sentido no seu comportamento e nosso grau de

aceitação e tolerância tende a se desenvolver.

Cremos que a atitude empática424

, ora descrita, pode ser assumida não apenas

individualmente, mas também socialmente, em especial, em ocasiões e circunstâncias em que

culturas diversas entrem em contato.

424

Celso Antunes afirma que “O desenvolvimento do potencial humano precisa da solidariedade e da empatia de

uma mão amiga, de um olhar afetuoso, de uma mensagem de esperança, sejam quais forem as crenças que os

alicercem. Para que o ser humano alcance horizontes mais amplos e para que tenhamos certeza de que os que

virão, incomensuravelmente, serão melhores do que aqueles que os prepararam, é indispensável que nossos

filhos e netos encontrem companhias nesse crescimento e que o carinho e o estímulo sejam os alimentos que

abram as janelas para o futuro (...)” in ANTUNES, Celso, A Construção do Afeto – como estimular as

múltiplas inteligências de seus filhos, São Paulo: Augustus Editora, 2000, cap. Introdução,p. VIII.

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Acreditamos, ainda, que podemos desenvolver uma sociedade mais solidária e

comprometida com princípios éticos elevados e relações sinceras, se estivermos conscientes

dos fatores culturais que nos envolvem e nos fazem ser como somos.

Cremos que a preservação dos nossos fatores culturais, combinada com aspectos de

integração sadia, faz-se necessária para o desenvolvimento e conservação de nossa

individualidade como um povo, pois a cultura influencia não apenas na nossa maneira de ser e

comportar, mas penetra o nosso jeito de compreender tais manifestações do ser e condiciona

mesmo a nossa forma de percepção do justo.

3.1.2.4-O amor e a compaixão

Falar de amor em uma tese de Direito pode parecer arriscado e para alguns mais

conservadores certamente será encarado como algo despropositado e mesmo piegas.

Tomando-se, porém, as palavras de Rubem Alves425

e Max Scheler426

e mesmo

correndo o risco de críticas ante o atual esvaziamento de seu sentido, entendemos que o amor

é o prérrequisito para a percepção da realidade e para o conhecimento, sendo a base para

representações sociais democráticas e humanizantes.

É, pois, o amor a teoria moral427

que nos diz não apenas o que não fazer, mas

igualmente o que fazer, como e quando e, principalmente, em defesa de quem fazê-lo428

.

425

ALVES, Rubem, A Pedagogia dos Caracóis, Campinas: Verus Editora, 2010, p.76. 426

SCHELER, Max, Ordo Amoris, in Gesammelte Werke, Bd. 10, Zurique, Francke Verlag, 1957, pp. 347-376,

disponível em http://www.lusosofia.net/textos/scheler_ordo_amoris.pdf, p. 16, acessado em 05 de maio de 2013. 427

Ver FERRY. Luc, Do Amor- uma filosofia pra o século XXI, título original De l’amour: une philosofie

pour Le XXI siècle, tradução de Rejane Janowitzer, Rio de Janeiro: Difel, 2013. 428

Registremos a opinião de Otávio Luiz Rodrigues Júnior a respeito da impossibilidade de se juridicizar o amor

e de sua utilização como fundamento no discurso jurídico, afirmando a necessária delimitação entre amor e

Direito. O autor realizou minuciosa pesquisa a respeito da ausência do amor na maior parte das legislações

estrangeiras e a eloquente ausência do amor nos códigos civis de Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, França,

Bélgica, Argentina, de Quebec, da Holanda e do Equador, Venezuela, Paraguai e do México. O autor reconhece,

no entanto, que dispositivos legais derivados do altruísmo foram historicamente juridicizados e convertidos em

obrigações (ou deveres), como o seguro social, que se constituem num exemplo dessa conversão da caridade e da

filantropia para com os inválidos por exercício de atividades profissionais, os alimentos, o direito real de

habitação, que desde os tempos de Justiniano se procurou resguardar as viúvas, casadas pelo regime dotal, que

ficavam sem teto, porventura abandonadas pelos filhos, a gestão de negócios e a omissão de socorro, dentre

outros institutos. Ver RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luis, O amor desapareceu do Código Civil brasileiro,

de 19.12.2012, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-dez-19/direito-comparado-amor-desapareceu-

codigo-civil-brasileiro, acessado em 20 de dezembro de 2013 e As linhas que dividem amor e Direito nas

constituições, de 27.12.2012, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-dez-27/direito-comparado-linhas-

dividem-amor-direito-constituicoes, acessado em 27 de dezembro de 2013.

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232

Pode-se afirmar inclusive que tendo o amor ativo como pressuposto de todo

comportamento429

, atinge-se o patamar uno e indissociável de se viver uma prática-teórica e

uma teoria-prática430

.

Assim, tendo a insistência no servir e humanizar como base e trampolim, o amor

mobiliza e influencia a um só tempo e em todas as medidas nossas condutas internas e

externas, pessoais e profissionais.

Neste aspecto, já foi escrito que o amor vive no outro e que não devemos amar em

teoria ou apenas no discurso, mas por obras e na verdade, sinceridade e profundidade na

compaixão431

.

Trataremos mais adiante sobre compaixão e espiritualidade, mas podemos adiantar

que a compreensão recíproca dos diversos modos de vida, das filosofias e das crenças leva

naturalmente ao respeito mútuo e ao entendimento das dores e infortúnios que ao mesmo

tempo nos separam e igualam.

A superação das diferenças superficiais e a recuperação da percepção da essência

humana em todos se mostram como fatores primordiais para o início de relações mais

igualitárias e ações pragmáticas em direção ao compartilhamento não apenas das tecnologias,

mas da afetividade e da preocupação com o que sofre, eliminando barreiras e distâncias432

.

Amar não significa, pois, apenas pensamento ou palavras que encantam, mas deve

constituir-se verdadeiramente da causa e efeito de nossas ações concretas na direção de sua

materialização real433

.

429

Rudolf von Jhering, afirmava que na mecânica social existem quatro alavancas. Duas delas são inferiores ou

egoístas: a remuneração e a coação. E outras duas são elevadas ou morais e éticas: o senso de dever e o amor.

JHERING, Rudolf von, A Finalidade do Direito, título original Der Zweck im Recht, tradução de Heder K.

Hoffmann, Tomos I, Campinas: Bookseller, 2002, p.76. 430

Na verdade, como diz Emerich Coreth, não existe um fazer meramente prático que não seja guiado por uma

teoria nem uma teoria que não se refira à vida e às ações práticas. CORETH, Emerich, Questões Fundamentais

de Hermenêutica, título original Gruntfargen der Hermeneutik, tradução de Carlos Lopes de Matos, São Paulo:

EPU – Editora da Universidade de São Paulo, 1973, p.72 431

1 João 3:17-18. 432

Ver LAMA, Dalai, Bondade, Amor e Compaixão, título original Kindness, Clarity, and Insight, segundo a

versão inglesa organizada por Jeffrey Hopkins e Elizabeth Napper, tradução de Cláudia Gerpe Duarte, 4ª edição,

São Paulo: Editora Pensamento, 2006, p.65. 433

Sören Kierkegaard indica que o amor não deve ser apenas estudado, mas vivido na prática, sendo certo que é a

dimensão pragmática das obras que o fazem vivo. KIERKEGAARD, Sören, As obras do Amor- algumas

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A adoção de novos significados da vida solidária cotidiana, superando-se modelos

estatais funcionais e interesses meramente econômicos para operar-se o permanente contato

com a realidade comunitária visando à concreta institucionalização de práticas de justiça na

redenção fraternal da sociedade, indica a necessidade de reorientação a exigir mais intensa

participação democrática e comunitária.

Cremos que o reforço dos laços de cooperação e colaboração mútuas só ocorre

verdadeiramente mediante a prática cuidadosa dos direitos, sendo pela repetição democrática

e pelos exercícios cotidianos da cidadania que se eleva a convivência a patamares e

dimensões da real igualdade e liberdade.

A comunhão com o próximo dá-se pelo encontro e aceitação dialógicos, por via da

compreensão e das ajudas mútuas, mediante superações íntimas e ampliação das consciências

sociais, assim o fazendo com aproximação, cooperação e busca fraterna da superação das

diferenças e divergências históricas, sociais e culturais, bem como por meio da fraternidade e

solidariedade comuns.

É possível, assim, desenvolver o que podemos chamar de ecumenismo434

de

reconciliação435

ante o reestabelecimento da unidade dos destinos de todas as pessoas à

igualdade, liberdade e à democracia reais compartilhadas.

Evidenciamos, com efeito, assim e reiteradamente, o papel decisivo dos agentes do

Direito e da Justiça, mormente dos juízes, em tal operacionalização da esperança e

concretização do justo.

considerações cristãs em forma de discursos, título original Kjerlighedens Gjerninger. Nogle christlige

Overveielser i Talers Forma af S.Kierkegaard. Forste Folge. Anden Folge, tradução de Álvaro L.M. Vlls,

Revisão de Else Hagelund, 3ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2009, p.26. 434

Ecumenismo é aqui empregado no sentido de relação amistosa e de cooperação, no estreitamento dos laços e

destinos mediante atitudes e métodos conscientes de diálogo e escutas sensíveis. Tal se dá pela dinâmica viva de

sentimentos, ideias, manifestações e ações de reconhecimento, respeito e acolhimento do outro. Ademais, por

meio de tais movimentos de intercâmbios ideológicos e culturais, pode-se restabelecer a esperança de destinos

comuns e solidários, apesar das inevitáveis diferenças. Frisemos que tal ecumenismo de reconciliação não é algo

já feito e acabado, mas como tudo em constante construção, a cada dia se faz e se define, pressupondo a vontade

de assim realizar, com suas implicações nos comportamentos éticos e modos de ver e enfrentar a vida. 435

Sobre ecumenismo, ver NAVARRO, Juan Bosch, Para Compreender o Ecumenismo, título original Para

comprender el ecumenismo, tradução Maria Stela Gonçalves e Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Edições

Loyola, 1995.

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234

Para tanto, retomando o que antecipamos, não é apenas pela crença436

que se alcança a

conversão, nem é pelo conhecimento técnico que se consegue alterar a realidade437

, mas só

pelo amor em sua ação típica amorosa que mudanças profundas e definitivas podem ser

realizadas.

Ressaltamos, assim, a substituição da razão instrumental pela razão cordial e sensível,

no desenvolvimento do sentimento de reciprocidade, interdependência e cuidado438

.

Como nos posicionamos anteriormente, é o amor439

a proposição moral que nos diz

não apenas o que não fazer, mas igualmente o que fazer, como e quando e principalmente em

defesa de quem fazê-lo, na doação de si mesmo em prol de alguém, na recuperação da

irmandade e solidificação da solidariedade440

.

436

Na verdade, a crença isolada ou a simples fé sem ação prática correspondente não significam muita coisa.

Uma constatação peculiar pode ser feita a respeito, indagando-se quem na Bíblia nunca duvidou de que Jesus

fosse o filho de Deus. A resposta é clara e evidencia que a crença ou mesmo a fé dependem das ações correlatas

para serem capazes de ocasionar profundas conversões. Caso o leitor não tenha se lembrado, apenas os demônios

nunca tiveram qualquer dúvida a respeito da origem divina do enviado; no entanto, mesmo assim permaneceram

perdidos, apesar da inabalável crença e de tremerem ao ouvir seu nome (Tiago, 2, 19). 437

Karl Popper, criticando a Sociologia do Conhecimento, afirma que a mera consciência das forças sociais e das

ideologias que inconscientemente acossam a todos é insuficiente à superação destas, indagando se os que agem

sob a pressão de uma tirania política se tornam mais livre apenas pelo conhecimento de tal situação. Para o autor,

a autoanálise pode levar a autoilusões e apenas por via de ações práticas podemos estabelecer instituições

democráticas. POPPER, Karl, A sociedade aberta e seus inimigos (2 volumes), título original The Open

Society and Its Enemies, tradução de Milton Amado, São Paulo: EDUSP, 1974, p.230-231. 438

BOFF, Leonardo, A ilusão de uma economia verde, Jornal O POVO, ano LXXXIV, nº 27900, de 17 de

outubro de 2011, Fortaleza-Ceará-Brasil, p. 30. 439

Para maior aprofundamento sobre o tema amor, ver em diversas perspectivas, por exemplo, MAY, Simon,

Amor – uma história, título original Love (A History), tradução de Maria Luiza X. de Borges, Rio de Janeiro:

Zahar, 2012; ORTEGA y GASSET, José, Estudos sobre o Amor, título original Estudios sobre El amor,

tradução de Luis Washington Vita, Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1960; BAUMAN, Zygmunt, Amor

Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, título original Liquid Love – On the Frailty of Humans

Bonds, tradução de Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004; FRANKFURT, Harry G.

As razões do amor, título original The reasons of love, tradução de Marcos Macionilo, São Paulo: Martins

Fontes, 2007; FROMM, Erich, A arte de amar, título original The art of loving, tradução de Milton Amado, São

Paulo: Editora Martins Fontes, 2000; ARENDT, Hannah, O conceito de amor em Santo Agostinho, título

original Le concept d’amour chez Augustin, tradução de Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1997;

FERRY, Luc, A Revolução do Amor- por uma espiritualidade laica, título original La révolution de l’amour,

tradução de Vera Lucia dos Reis, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012; LANCELIN, Aude, LEMONNIER, Marie, Os

Filósofos e o amor- se Sócrates a Simone de Beauvoir, título original Les philosophe et l’amour, tradução de

André Telles, Rio de Janeiro: Agir, 2009; PANIKKAR, Raimon, DÜRR, Hans-Peter, L’a ore – fonte

origi aria dell’u iverso- um dialogo su scienza della natura e religione, título original Liebe- Urquelle des

Kosmos ( Ein gespräch über Naturwissenschaft und Religion), tradução de Annamaria Lossi, Roma: Edizione La

Parola, 2010. 440

Para uma compreensão ampla da possibilidade de o amor ser adotado como filosofia para o século XXI, ver

FERRY, Luc, Do Amor- uma filosofia para o século XXI, título original De l’amour: une philosofie pour Le

XXI siècle, tradução de Rejane Janowitzer, Rio de Janeiro: Difel, 2013.

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235

Observemos que o amor direciona nossos desejos de conhecimento e

comprometimento, ou seja, ao desejar e decidir441

amar, procura-se ser eficaz, buscando

inteligência442

, conhecimento443

, prática444

, disciplina e eficiência para poder cuidar com

coragem e generosidade do que se ama445

.

Amar provoca conhecimento, mas ao mesmo tempo só se pode amar se também se

conhecer verdadeiramente o que se ama. E conhecendo cada vez mais, ama-se cada vez mais

o que, por sua vez, conduz a mais conhecimento na manutenção rítmica e produtiva da

ciranda humana relacional.

Pode-se dizer, neste aspecto, que o amor e o Direito são dispostos não apenas visando

ao acolhimento do outro446

, mas também como forma de melhoria de nós mesmos.

Agindo intensamente com nossas potencialidades, conhecimentos, sensibilidades e

coragem de atuar em direção ao outro que necessita de ajuda, estaremos melhorando

441

Observe-se, contudo, que a disposição para amar não pode ser contida apenas em promessas de amar, vez que

se assim fosse estaríamos como o irmão-que-diz-sim, nas palavras de Sören Kierkegaard, interpretando a

parábola do filho perdido (Mt. 21, 28-31). No caso: " 28 O que acham? Havia um homem que tinha dois filhos.

Chegando ao primeiro, disse: 'Filho, vá trabalhar hoje na vinha'. 29 E este respondeu: 'Não quero!' Mas depois

mudou de ideia e foi. 30 O pai chegou ao outro filho e disse a mesma coisa. Ele respondeu: 'Sim, senhor!' Mas

não foi. 31 Qual dos dois fez a vontade do pai? ‘O primeiro’, responderam eles. Jesus lhes disse: Digo a verdade:

Os publicanos e as prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus”. KIERKEGAARD, Sören, As

obras do Amor- algumas considerações cristãs em forma de discursos, título original Kjerlighedens

Gjerninger. Nogle christlige Overveielser i Talers Forma af S.Kierkegaard. Forste Folge. Anden Folge, tradução

de Álvaro L.M. Vlls, Revisão de Else Hagelund, 3ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2009, p.116. 442

Afirma a Encíclica Caritas in Veritate (Caridade na Verdade), do Papa Bento XVI, p.16, que as exigências do

amor não contradizem as da razão e que não aparecem a inteligência e depois o amor, mas há o amor rico de

inteligência e a inteligência cheia de amor. Papa Bento XVI, http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi,

acessado em 21 de dezembro de 2013. Não obstante ser desnecessário registrar, indica-se que não se adota aqui

qualquer sentido religioso dogmático ou sectário, mas as profundidades filosóficas e éticas das mensagens

papais. 443

No mesmo sentido afirma Paulo Freire que o interesse e a curiosidade precedem o conhecimento e que este só

é válido se pode ser compartilhado, só tem validade se for socializado, só tem importância se servir para

emancipar e libertar. FREIRE, Paulo, Pedagogia da Autonomia - saberes necessários à prática educativa, 3ª

edição, São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997. 444

Jürgen Habermas também assim entende, ao desenvolver sua teoria do conhecimento e reaver o interesse

como aquilo que subjaz a qualquer processo de conhecimento e que funciona como guia deste e das ações

respectivas. Assim, todo conhecimento é fruto de uma ação interessada. HABERMAS, Jürgen, Conhecimento e

Interesse – um novo posfácio, título original Erkenntnis und Interesse, tradução de José N. Heck, Rio de

Janeiro: Zahar editores, 1982. 445

Sören Kierkegaard, recordando Paulo, também afirma que, sendo o amor o pleno cumprimento da lei, não há

tempo a perder, cortando maiores digressões e nos apresentando a tarefa cristã imediata. KIERKEGAARD,

Sören, ob.cit.p.119. 446

Sören Kierkegaard afirma que devemos amar as pessoas que vemos, ou seja, aceitar o outro sem querer

modificá-lo ou moldá-lo aos nossos interesses ou preferências. KIERKEGAARD, Sören, ob.cit.p.193.

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conjuntamente, em uma espécie de combinação de alter e autoajuda no sentido de avanço

conjunto447

.

Santo Agostinho448

afirmava a respeito da escolha das coisas amadas e da intensidade

de tal amor. Para o Bispo de Hipona, o ato de amar é inerente à natureza humana, mas há que

se ter atenção em relação à reta escolha das coisas a serem amadas449

. A escolha ordenada

indicada é o amor que se refere a todos os seres, sendo este o caminho para a transcendência

espiritual e felicidade.

Observemos ademais e definitivamente que o sentido do Direito e da Justiça não está

limitado aos interesses e práticas utilitárias. A economia deve ser de uma vez por todas

compreendida como detentora apenas de forma instrumental450

que serve aos direitos e não o

contrário, não possuindo ambos os fins em si mesmos, mas sempre servindo para a

democratização igualitária da convivência humana451

.

Neste aspecto, Leonardo Boff 452

nos revela as diferenças das duas economias: a dos

bens materiais e a dos bens espirituais. Na primeira, quando mais se dá, menos se tem e na

447

Para Santo Agostinho, pelo amor chega-se à atitude ética para com os outros, sendo o primeiro passo para o

altruísmo e a fraternidade social. AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, A Cidade de Deus: contra os pagãos.

Trad. Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2003, 2v.v.I, 414; v.II, 589 p.

(coleção Pensamento Humano). 448

Afirmou Santo Agostinho: "Vive justa e santamente quem é perfeito avaliador das coisas. E quem as estima

exatamente mantém o amor ordenado. Dessa maneira, não ama o que não é digno de amor, nem deixa de amar o

que merece ser amado. Nem dá primazia no amor àquilo que deve ser menos amado, nem ama com igual

intensidade o que se deve amar menos ou mais, nem ama menos ou mais o que convém amar de forma idêntica".

AGOSTINHO, Santo, A Doutrina cristã- manual de exegese e formação cristã, Trad. Irmã Nair de Assis

Oliveira. São Paulo: Paulus, 2002, Livro I, Cap.27, 28. 449

Disse Santo Agostinho também: ”O amor, que faz com que a gente ame bem o que deve amar, deve ser

amado também com ordem; assim, existirá em nós a virtude, que traz consigo o viver bem. Por isso, parece-me

ser a seguinte a definição mais acertada e curta de virtude: A virtude é a ordem do amor”. AGOSTINHO, Santo,

A Cidade de Deus: contra os pagãos. Trad. Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: Editora Universitária São

Francisco, 2003, 2v.v.I, 414; v.II, 589 p. (coleção Pensamento Humano), XV, 22. 450

Observemos que para Santo Agostinho, o falso amor que se prende ao mundo e o caracteriza é identificado

como cobiça (cupiditas), enquanto o amor justo tendente à eternidade é chamado de caridade (caritas).

ARENDT, Hannah, O conceito de amor em Santo Agostinho, título original Le concept d’amour chez

Augustin, tradução de Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p.24-25. 451

Afirma Giorgio Agamben que uma sociedade só funciona se a justiça não for mera ideia, inerte e impotente

perante o direito e a economia, mas conseguir expressão política capaz de contrabalançar o progressivo

achatamento, num único plano técnico-econômico, dos princípios da legalidade e legitimidade. AGAMBEN,

Giorgio, O mistério do mal – Bento XVI e o fim dos tempos, título original Il mistero del male, Benedetto XVI

e la fine dei tempi, tradução de Silvana de Gaspari e patrícia Peterle, São Paulo: Boitempo; Florianópolis: Ed. da

UFSC, 2015, p. 25. 452

BOFF. Leonardo, É dando que se recebe?, artigo Jornal O POVO, ano LXXXIV nº 27.644, 31 de janeiro de

2011, Fortaleza-Ceará-Brasil, p.28, disponível em

http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2011/01/31/noticamundojornal,2096263/e-dando-que-se-

recebe.shtml, acessado em 10 de fevereiro de 2013.

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segunda ocorre o contrário, quando mais se dá, quanto mais se entrega, quanto mais se

oferece, mais se possui. Quem dá amor453

, acolhida e compreensão mais ganha como pessoa,

mais sobe nos conceitos dos outros e de si mesmo, e mais se humaniza.

Confirma-se, destarte, a máxima franciscana de que é dando que se recebe e que fora

de tal raciocínio tudo não passa de inacabáveis negócios em infindáveis feiras de vaidades454

.

Notemos ainda, o óbvio: amar é um verbo e manifesta-se em sua inerente ação

intransitiva455

. Quando se ama na forma de ágape, ama-se meramente, sem limites, bordas ou

fronteiras456

. Ama-se. Indeterminadamente. Ama-se a todos457

sem sequer se esperar

retribuição ou reciprocidade.

É essa inicial ausência de direção predeterminada que possibilita sua ampla

abrangência e sua disposição de ser determinável pela ação consciente de decidir-se presente.

Ama-se simplesmente; mas é claro que amar é um sentimento e ao mesmo tempo um

mandamento. Acreditamos, pois, ser possível decidir-se amar da mesma forma que decidimos

acreditar em algo458

.

453

Ver também BOULDING, Kenneth, La economia del amor y del temor Una introducion a la economia de

las donaciones, título original: The Economy of Love and Fear. A Preface to Grant Economics, tradução de

Isabel Verdeja Lizama, Col. Alianza Universidad n.º 169, Madird: Alianza Editorial, 1976. 454

Eclesiastes 1- 2- Vaidade das vaidades – diz o Eclesiastes –, vaidade das vaidades, tudo é vaidade! 455

Mário de Andrade (1893-1945) publicou em 1927 o livro chamado exatamente Amar, Verbo Intransitivo. Na

narrativa a respeito da função de uma governanta alemã na iniciação amorosa do filho do patrão, a lição que fica

é que primeiro se aprende a amar intransitivamente para depois poder amar alguém, transitivamente. 456

No entanto, em alguns casos o amor apresenta-se em feição transitiva diretamente a um grupo de pessoas

determinado, mas assim operará em franca feição menor que sua, por assim dizer, intransitividade simples

latente. 457

A Encíclica do Papa Bento XVI, Caridade na Verdade, de 29 de junho de 2009, indica o cuidado da pessoa

humana toda e de todas as pessoas, p.4, item 8 e 5 item 11. Cf. http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi,

acessado em 21 de dezembro de 2013. 458

Em sentido contrário, diz Friedrich Nietzsche que é possível serem prometidos atos, mas não sentimentos, eis

que involuntários. Assim, quem promete amar, odiar ou ser fiel está prometendo algo que não está em seu poder.

Segundo o autor, o que se pode prometer é que os atos correspondentes ao amor, ódio e fidelidade podem

continuar sendo praticados mesmo na ausência dos sentimentos ainda que por outros motivos. Desta forma,

mantêm-se a ilusão de que o amor é imutável e sempre o mesmo e cumprimos a promessa da continuidade da

aparência do amor, mesmo na sua ausência. NIETZSCHE, Friedrich Humano, Demasiadamente Humano –

um livro para espíritos livres, título original Das Wandeerer und sein Schatten, tradução de Paulo César de

Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 59.

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Amar no sentido de ágape é, por conseguinte, mais do que um sentimento. É uma

decisão459

. Um hábito que se exercita e que se transmuta em resolução de ser. É uma virtude

vivida e ativa que supera os vícios e limitações.

Nesse sentido, o amor não é limitado à relação com uma pessoa ou objeto específico,

mas eleva-se em atitude transcendente com base em uma orientação de caráter, de amar o

mundo como um todo460

.

Erick Fromm461

reforça tal percepção, indicando que amar é basicamente dar e não

receber. Esclarece ainda que dar não significa sacrifício ou empobrecimento, mas o contrário,

sendo demonstração de vitalidade e potência, ao comprovar que o doador é superabundante,

pródigo, cheio de vida e, portanto, alegre.

No ato de dar, diz Erick Fromm, algo nasce pela entrega de si e pela aceitação do

próximo, e ambas as pessoas envolvidas são gratas pela vida que para ambas (re)nasceu.

Desse modo, ao doar-se, o indivíduo enriquece a outra pessoa, ao mesmo tempo em

que implica possibilitar fazer da outra pessoa também um doador e ambos compartilham da

alegria de haver trazido algo maior à vida.

Amor, nas palavras do autor, é uma força que produz amor e amar atrai amor, assim

como compartilhar conhecimento atrai participação e relações democráticas conduzem à

convivência justa.

Dando continuidade, Erick Fromm462

esclarece que os passos necessários para se

aprender a amar463

são comuns a qualquer arte. Assim, inicialmente se adquire o domínio

459

ROSSI, Padre Marcelo, Ágape, São Paulo: Editora Globo, 2010, p.90. 460

Sören Kierkegaard afirma que amar não é uma relação entre uma pessoa e outra, mas uma relação pessoa-

Deus-pessoa, ou seja, Deus é a determinação intermediária do amar ao próximo. KIERKEGAARD, Sören,

ob.cit. p.131. 461

FROMM, Erick, A arte de amar, título original The art of loving, tradução de Milton Amado, São Paulo:

Editora Martins Fontes, 2000, p.24-27. 462

FROMM, Erick, A arte de amar, título original The art of loving, tradução de Milton Amado, São Paulo:

Editora Martins Fontes, 2000, p.14. 463

Em sentido contrário, mas referindo-se ao amor sensual, Zygmunt Bauman entende não ser possível aprender

a amar da mesma forma que não se pode aprender a morrer. BAUMAN, Zygmunt, Amor Líquido – sobre a

fragilidade dos laços humanos, título original Liquid Love – On the Frailty of Humans Bonds, tradução de

Carlos Alberto Medeiros, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro- RJ, 2004, p.17.

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teórico e posteriormente se pratica exaustivamente até o ponto dos conhecimentos teóricos e

práticos acabarem por mesclar-se na intuição, essência do domínio de qualquer arte.

Além disso, para nos tornarmos mestres em qualquer arte, temos que considerá-las o

que há de mais importante no mundo. Dessa maneira, amar deve ser considerado mais

importante do que o sucesso, o prestígio, o dinheiro ou o poder, assumindo o papel de único

móvel das atividades pessoais de quem quer saber amar.

Insistimos, no entanto: só se aprende a amar amando, mas isso não implica ausência de

desconformidades ou embates. Para tanto, amar também pressupõe autodisciplina,

concentração (sensibilidade, atenção, presença real), humildade, paciência, persistência,

fidelidade a nós mesmos e aos outros e dedicação em ambos464

.

O amor com a verdade produz consciência465

e responsabilidade social466

e nos

impulsiona a oferecer, disponibilizar, divulgar e compartilhar nós mesmos467

, nosso tempo,

nossas habilidades e mesmo nossas fontes de inspiração, enriquecendo-nos.

Observemos que amar não significa necessariamente, como já adiantado, que ocorra

apenas repouso. É certo que existem pessoas que amam para dentro, amam discretamente,

sem alarde, rebuliço ou divulgação, mas outros amam para fora, demonstrando claramente o

sentimento e exibindo-o sem pudor em declarações e obras, inspirando novos amantes a ainda

mais amar. Em qualquer das hipóteses, amar implica constante movimento e trabalho nas

experimentações do próximo e deste conosco.

Emmanuel Levinas468

assinala a ideia de que o amor ou a relação ética implica a nossa

responsabilidade pelo próximo, independentemente de qualquer relação de dívida ou

464

Sören Kierkegaard afirma que a exigência do amor tem que ser dupla, em parte uma exigência de

interioridade, em parte uma exigência de persistência. KIERKEGAARD, Sören, ob.cit. p.156. 465

Kierkegaard também afiram que o amor é uma questão de consciência e que o cristianismo tornou toda e

qualquer relação humana entre dois indivíduos em uma relação de consciência. KIERKEGAARD, Sören,ob.cit.

p.161-163. 466

Encíclica do Papa Bento XVI, Caridade na Verdade, de 29 de junho de 2009, p.2 e 3, itens 3-7. Cf.

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi, acessado em 21 de dezembro de 2013. 467

No mesmo sentido, diz Erick Fromm que o amor é o único meio de conhecimento completo que transcende o

pensamento e as palavras. Diz o autor que, no ato de amar, de dar-me, encontro-me, descubro-me, descubro-nos

a ambos, descubro o homem. FROMM, Erick, A arte de amar, título original The art of loving, tradução de

Milton Amado, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p.30.

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compromisso, caracterizando-se no reconhecimento do outro para podermos servi-lo, muito

mais do que receber qualquer coisa em troca.

Esclarece ainda o autor que a ideia de justiça objetiva, materializada na racionalidade

da ordem social justa e suas instituições políticas e leis só é aceitável quando baseada no

sentimento fundamental de responsabilidade infinita para com todos.

Assim, podemos dizer que a Justiça brota do amor e este deve vigiá-la469

.

Nesse sentido, acentua João J. Vila-Chã SJ470

que a ideia do amor se insere na busca

de uma plataforma hermenêutica que conduz a um novo pensamento do ser e da vida.

Acrescenta, por conseguinte, que a ordem da justiça pressupõe a ordem do amor,

identificando a Justiça sempre como uma resposta à solicitação do próximo, que irrompe no

horizonte de nossas vidas e provoca um movimento de ruptura com as linhas de continuidade

de nossa trajetória.

Quando se fala em amor, fraternidade e compaixão não há que se pensar em

condolência, pena ou dó, mas na fusão de horizontes pela compreensão das experiências

recíprocas, que se efetiva no ambiente do diálogo e na síntese de percurso das almas471

.

Assim, Justiça, antes de ser ordem institucional, é uma decisão que se converte em

princípio de ação amorosa.

Cremos ser desse modo que deve agir todo aquele que pretende ser justo e,

principalmente, aqueles que querem ser juristas.

468

LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Título original: Totalité et infini. Essai sur l’extériorité. La

Haye: Martinus Nijhoff, 1961, tradução de José Pinto Ribeiro, Lisboa: Edições 70, 1988. 469

LÉVINAS, Emmanuel, Entre nós- ensaios sobre a alteridade, título original: Essais sur Le penser-à-

l’autre. Cet ouvrage, publié dans Le cadre Du programme de participation à la publicacion béneficie du soutien

du Ministère français des affaires Etrangères, de l’Ambassade de France au Brésil et de La Maison Française do

Rio de Janeiro, tradução de Pergentino Stefano Pivatto (coord.), Evaldo Antônio Kuiava, José Nedel, Luiz Pedro

Wagner, Marcelo Luiz Pelizolli, 4ª edição, Petrópolis : Editora Vozes, 2004, p.148. 470

VILA-CHÃ, João J. SJ, O princípio do amor ou o amor como princípio da Justiça. in CASAS, Vicente

Duran, SCANNONE, Juan Carlos, SILVA, Eduardo- compiladores, Contribuciones filosóficas para uma

mayor justicia, Siglo del Hombre Editores, Bogotá- Colômbia, 2006, p.199-221, p.199 e200. 471

RODRIGUES, Marcília, IBAIXE JR., João, Pós-modernidade e Direito sob um olhar humanista, in

GUERRA FILHO, Willis Santiago, PAULINO, Gustavo Smizmaul, IBAIXE JR. João (Orgs.), Direito e

Modernidade: ensaios sobre temas jusfilosóficos atuais, São Paulo: Dobra Editorial, 2012, p.77-90, p.88.

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241

3.1.3- A interpretação

A terceira hélice essencial (interpretação da normatividade) principia na verificação da

normatividade ordinária e constitucionalmente disponível. Repousa também na anotação

doutrinária e explanação jurisprudencial ligadas ao caso estudado de acordo com os ideais

propostos e em sua conformação social, histórico, ambiental e cultural.

Tais atividades traspassam a consciência e sensibilidade do agente e mostram-se,

também e da mesma maneira, com intensa carga subjetiva de acordo com as mesmas

influências do sentido do Direito adotado.

Não há como nos furtarmos de nossa condição humana e por mais que autores desejem

atribuir algo de isenção ou exclusiva e pretensa cientificidade nas interpretações e certeza e

segurança nas atividades dos agentes do Direito, hão se ser admitidas nossas constantes,

inegáveis e insubstituíveis marcas de falibilidade, imprevisibilidade, adaptabilidade e

mutabilidade em todos os comportamentos, principalmente naqueles que se direcionam à

pretensa revelação da verdade e justiça472

.

Na verdade, assim o é e assim sempre será porque, como é cediço e bem assinala

Günter Abel473

, a verdade depende da interpretação, e nos processos de interpretação não se

descobre uma verdade preexistente e à disposição, mas sim perspectivas de referida verdade

ou versões da resposta constitucionalmente adequada.

É claro, pois, que tais perspectivas são alcançadas mediante a interação e integração de

todos os aspectos da vida do intérprete e não apenas de seu intelecto ou razão.

Assim, toda interpretação das normas, fatos e pessoas se inicia, como há pouco

mencionado, pela compreensão ou percepção da realidade que as engloba, sendo que tal

472

Luigi Ferrajoli assinala que dentre os limites da ‘verdade processual’ está a impossibilidade de neutralidade

do órgão julgador, pois, “por mais que se esforce para ser objetivo, está sempre condicionado pelas

circunstâncias ambientais nas quais atua, pelos seus sentimentos, suas inclinações, suas emoções, seus valores

ético-políticos. A imagem proposta por Beccaria do juiz como ‘investigador imparcial do verdadeiro’ é, sob este

aspecto, fundamentalmente ingênua.” FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão- teoria do garantismo penal, título

original Diritto e ragione: teorial del garantismo penale. 2ª edição, São Paulo: RT, 2006, p. 58. 473

ABEL, Günter, Verdade e Interpretação in MERTONN, Scarlett (org.) Nietzche na Alemanha, São Paulo:

Discurso Editorial, 2005, p. 179-199.

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242

realidade, por sua vez, depende de seu próprio sistema de descrição, símbolos e respectivas e

prévias compreensões e interpretações, com todos os matizes, profundidades e reentrâncias.

Posteriormente, passa a atividade de interpretação pela reflexão sobre dita realidade

compreendida, chegando à ação final de dicção e ação a respeito do que foi captado,

entendido e sentido.

Tal ocorre sempre nos limites específicos das capacidades pessoais do hermeneuta.

Percebe-se, como anteriormente realçado, que toda realidade é previamente

compreendida para depois poder servir à interpretação. Assim, a compreensão, interpretação e

concretização do Direito ao obviamente necessitarem da intervenção do intérprete, assumem

suas limitações.

Desta forma, a preocupação com a resposta constitucionalmente adequada ou correta

esbarra na inarredável condição humana e suas características de criatividade, mutabilidade e

movimento.

Pode-se concluir, como bem disse Paulo Queiroz474

, que o que quer que possa ser

pensado, como quer que seja pensado, por quem quer que seja pensado, sempre poderá ser

pensado de várias outras formas.

3.1.3.1- Quando o interior afeta o exterior

A percepção da realidade jurisdicional faz-nos ponderar sobre o arquétipo desejado do

juiz475

, evidenciando os comportamentos esperados a todos os magistrados.

474

QUEIROZ, Paulo, Crítica da Vontade de Verdade, Boletim dos Procuradores da República, Fundação

Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva, Ano XII, nº 83, Abril de 2011, Brasília: Associação Nacional dos

Procuradores da República – ANPR, 2011, p.31/33. 475

Fernando José Bronze propugna pela concepção do jurista como consciente da prático-normativamente

matricial intersubjetividade que pressupõe a experiência da dialogicidade, abertura à reflexibilidade e valoração

da idealidade e da espiritualidade que humanamente o predicam. BRONZE, Fernando José – O jurista: pessoa

ou andróide? Considerações introdutórias, Ad Vno Omnes – 75 anos da Coimbra Editora – 1920-1995,

Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p.73-122.

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243

Não defendemos qualquer exclusiva supremacia ética inerente aos juízes, até porque

sabemos muito bem dos vícios e desvios profissionais possíveis de ocorrência durante a

carreira.

Na verdade, o que queremos reafirmar é a figura humana por trás da toga, cuja

identidade, relações familiares e com amigos e colegas são comprometidas pelo exercício da

magistratura da mesma forma que estas afetam sua prática profissional.

É claro que não é apenas pela leitura de livros sobre virtude que a pessoa adquirirá as

salutares indicações de atuação, nem é apenas falando sobre ética que as profissões ou o

mercado assumirão novos padrões de comportamento ou alcançarão patamares mais elevados

de decência. Para tanto, faz-se necessária a prática efetiva476

.

Cremos que tais perspectivas de comportamentos pessoais e profissionais habituais

podem fomentar certo tipo de caráter e, assim, determinadas práticas e consequentes destinos.

Tal perspectiva recupera a ideia aristotélica que o modo de agir segue sempre o modo

de ser. Assim, cremos fundamental a restauração da interiorização de valores, princípios e fins

norteadores da conduta humana nas consciências dos magistrados para alcançar-se as práticas

correspondentes.

Observe-se que, no dizer de Huberto Rohden477

, mesmo aquele que não tem maior

profundidade espiritual pode ter lampejos intermitentes, mas falta-lhe a luz permanente da

consciência de Deus. Assim, o ideal é que a potencia lucificante das virtudes comuns se torne

real e perene. Desta forma, garante-se que quando desenvolvida plenamente no seu ser-bom a

pessoa passe sempre a ser um benfeitor no seu fazer-bem ético.

476

Indaga Anthony Giddens se é possível viver num mundo em que nada é sagrado, respondendo negativamente

e asseverando que necessitamos todos estar comprometidos com princípios morais que estejam acima das

trivialidades da vida, bem como estarmos preparados para sair em defesa de tais valores sempre que estes

estejam mal definidos ou ameaçados, concluindo que nenhum de nós terá uma razão digna para viver se não tiver

uma causa por que valha a pena morrer. GIDDENS Anthony, O mundo na era da globalização, título original

Runway World, tradução de Saul Barata, 6ª edição, Lisboa: Editorial Presença, 2000, p.55-56. 477

ROHDEN, Huberto, Sabedoria das Parábolas, 5ª reimpressão, São Paulo: Martin Claret, 2009, p.76 e 113.

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Assim, a sequência existencial a ser alcançada é ser-bom para proporcionar o fazer-

bem ético. Diz Huberto Rohden478

que, como os atos ou fatos não representam

necessariamente valores internos, pois neutros, o que lhes dá valor ou desvalor é a atitude

interna "creada"479

pelo livre-arbítrio das pessoas. Assim, é unicamente a realidade do Ser que

pode ser boa ou má, sendo o Agir um transbordamento do Ser.

Destacamos serem as atitudes íntimas que dão valor aos atos externos e não o

contrário, ou seja, atos benéficos não indicam necessariamente o ser-bom do autor e podem

representar apenas apego artificial a moralismos ou expectativas de reconhecimentos ou

ganhos passageiros.

Nessa senda, assumindo consciência social mais ampla e agindo com base na ordem

do compartilhamento das esperanças e práticas sociais amorosamente delineadas na dicção do

que se entende por justo em cada processo, cremos ser possível aos magistrados a efetivação

de suas responsabilidades comunitárias.

Optamos, pois, por não apresentar qualquer tipo de verdades ou valores que devam

influenciar as decisões, mas tão-somente maneiras de ser possíveis de cultivo conforme a

intensidade e densidade preferível e alcançável de cada magistrado, todas visando à realização

dos ideais de liberdade e da igualdade, em aproximação da felicidade de todos.

Neste aspecto, a ideia central é, pois, cultivar as virtudes até atingir a forma

inconsciente, sendo este um dos ensinamentos do Bushidô.

Como dissemos anteriormente, diz-se que nosso comportamento opera partindo de

uma total ignorância (a não consciência), passa pela consciência (ocasião em que

reproduzimos de forma inicialmente mecânica e artificial as artes e movimentos) até atingir a

inconsciência, ocasião em que os ensinamentos estão de tal forma integrada no ser que a

pessoa age sem perceber que assim está agindo, pois simplesmente é.

478

ROHDEN, Huberto, ob.cit. p.136. 479

O autor substitui em seus escritos a palavra “criar” por “crear” ao diferenciar a primeira como transição de

uma existência para outra existência, e a segunda como manifestação da Essência em forma de existência. Desta

forma, exemplifica que o Poder Infinito é creador do Universo, e um fazendeiro é um criador de gado.

ROHDEN, Huberto, Cosmoterapia – a cura dos males humanos pela consciência cósmica. 4ª edição, São

Paulo: Martin Claret, 2009, p.11.

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Desta forma, o cultivo das virtudes pode se iniciar de forma dura e afetada, mas com o

passar do tempo e ante adaptações, persistência e delicadeza, pode chegar a sofisticação

maior, passando a fazer parte de nossos hábitos, caráter e destino.

Nesta etapa agiremos inconscientemente, ou seja, sem necessitarmos sequer nos

lembrar dessas ou daquelas virtudes, porquanto estas estarão inseridas em todo o nosso ser

como parte de nossos pensamentos, sentimentos e ações.

E o interior influenciará fortemente o exterior.

Assim, o Direito, por meio de seus agentes, pode demonstrar vivamente seu caráter

heurístico480

.

Conforme inúmeras variáveis e nuanças, pode o sentido do Direito meramente ocultar

a realidade social na tentativa constante de ordenação, subordinação e sanção dos que ousam

discordar dos contornos e paradigmas estabelecidos normativamente ou mostrar-se

sinceramente como produto da fragilidade e limitação inerentes à condição humana,

admitindo sua insuficiência para solicitar o apoio de outras ciências.

A segunda atitude reflete com sinceridade as correspondentes tormentas e angústias

desconstrutivas das quimeras das leis da civilidade, dos papéis sociais e de nossa pretensa

solidariedade. Desnuda, ainda, sem rodeios ou eufemismos, o lado mais sórdido e ainda

instintivo de todos nós, sendo o primeiro passo para a possível redenção.

Identificamos, com efeito, o sentido do Direito nas relações humanas existenciais

concretas de homens reais, sendo estas sempre repletas de anseios, dúvidas, esperanças e

desesperanças, ideais, aspirações e quedas, exercitando-se no externo quadro variante e

mutável de visar basicamente à perpetuação das situações em curso ou a transformação

libertadora dos homens e do mundo.

480

Adotamos o termo “heurístico” ligado ao sentido do Direito em duas vertentes: a) indicarmos a possibilidade

de alcançarmos o conteúdo do sentido adotado pela verificação da ideologia eleita e as circunstâncias práticas

daí decorrentes; b) percebermos dito sentido como provisório e mutável, conforme as influências das relações

sociais e contatos com outras ciências ou disciplinas. Sobre atividade heurística ver PUCHKIN, V. N.

Heurística: A Ciência do Pensamento Criador. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1976.

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Assim, na medida em que descobrimos corajosamente o âmago do sentido do Direito,

revelamos os valores aceitos e postos em prática por uma sociedade e, portanto, sua

identidade; tudo isso sem que se tome como implicação o reconhecimento de qualquer grau

de superioridade, mas tão-somente aspectos circunstanciais e sequenciais.

O sentido do Direito mostra-se e confirma-se, portanto, intensamente humano e

relacional e, consequentemente, criado ou inventado e não original ou préexistente.

O sentido do Direito surge, pois, das práticas sociais que utilizam e produzem objetos,

conceitos, técnicas e mesmo outros sujeitos, de acordo com a conformação histórica e

política, mediante atos de vontade e manifestações de poder481

.

Malgrado entendermos possíveis ideias comuns, individuais ou coletivas, a respeito do

que deva ser praticado, o sentido do Direito não se mostra como um sentimento metafísico

nuclear e por antecipação de todo ordenamento, como se o Direito Positivo fosse (ou devesse

ser) o duplo humano de um Direito profético ou Direito divindade482

.

A essência do sentido do Direito é, como anteriormente adiantado, fruto da vontade

humana. Tal percepção dá-se conforme as condições políticas, econômicas e sociais de

existência de acordo com os valores que fundamentam as escolhas vencedoras do embate

relacional.

É reconhecido, facilmente, portanto, o fato de que nem as representações sociais, nem

o diálogo nem o sentido do Direito são inocentes ou sem consequências.

481

De igual forma, segundo Michel Foucault, o conhecimento é fundado nas coisas do mundo e fruto de relações

de poder. Segundo o autor, se quisermos realmente conhecer o conhecimento, devemos nos aproximar não dos

filósofos, mas dos políticos, ante a necessidade de compreensão das relações de luta e poder. FOUCAULT,

Michel, A verdade e as formas jurídicas, título original: La verité et les formes juridiques, tradução de Roberto

Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, 3ª edição, 1ª reimpressão, Rio de Janeiro: Nau Editora,

2003, pp.16-17 e 23. Na verdade, entendemos que o sentido do Direito é encontrado justamente nas relações

entre Filosofia e Política, que formam sua base. 482

No mesmo sentido expressa-se Friedrich Nietzsche ao criticar Arthur Schopenhauer na procura da origem da

religião Cfr. NIETZSCHE, Friedrich, A Gaia Ciência, título original Die fröhliche Wissenschaft ,tradução de

Paulo César de Souza, 5ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, itens 98/99 p.122-124, 127

p.149-150, 151 p.160. Ver MELO, Eduardo Rezende, Nietzsche e a Justiça- crítica e transvaloração, São

Paulo: Editora Perspectiva – Fapesp, 2004.

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Na verdade todos atravessam dimensões de poder483

e podem servir para motivar ou

desestimular o início, manutenção ou término de intervenções. São as transformações tanto

das pessoas como das relações e de seu cotidiano que os desenvolvem. De igual maneira, são

as modificações dos saberes que os sustentam.

No mesmo sentido, Jairo Bisol484

defende uma concepção fragmentária do Direito e

assere que mesmo os juristas, recorrem às frações gerais da lei para fundamentar

retoricamente a formulação de normas individuais.

Entende o autor que tal procedimento jurídico-decisório se vale não da lógica de

perseguir a mais ampla subsunção do conflito judicializado ao texto da lei, mas utiliza

estratégias de ocultação dos fragmentos normativos legais que enfraqueçam as teses

defendidas pelo autor e réu no curso do processo ou pela magistratura na fundamentação da

sentença. Conclui, assim, que o discurso normativo do Direito não tem o condão de emprestar

validade às decisões judiciais, pois toda decisão é ato de poder e não de mera cognição.

No mesmo sentido, assinala Jerome Frank485

que as fundamentações das decisões

judiciais são meras racionalizações que ocultam o papel dos valores pessoais, daí oferecerem

um falso quadro de como os juízes chegam às decisões.

Fica evidente, assim, que todo sentido é eminentemente político, por evidenciar

opções que guardam amplitudes, espessuras e graus entre apegar-se ao já construído ou

adotar-se clara vertente abolucionista ao questionar as causas dos fatos, comportamentos e

valores humanamente contextuais.

Assim, em amplo espectro de variações, opções e intensidades, o sentido pode limitar-

se a atuar como recuperador e mantenedor das tensões e diferenças486

sociais ou servir,

483

Esclareçamos que não identificamos, em geral, poder com opressão, até porque dentro de uma sociedade

existem múltiplas e sutis relações de poder e em diferentes níveis. 484

BISOL, Jairo, O vazio e o inacabado da lei: para uma teoria fragmentária do Direito, tese de doutorado

apresentada e aprovada em 2004 na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco em Recife-

Pernambuco. Orientador Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato. 485

FRANK, Jerome, Law and the Modern Mind, Nova York: Anchor Books, Garden City, 1963, conforme

GOLDING, Martin, Filosofia e Teoria do Direito, sem indicação de título original, tradução do Prof. Dr. Ari

Marcelo Solon, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010, p.43 486

O termo "diferença", aqui, não é aplicado como sinônimo de alteridade, mas no sentido negativo de não

semelhança pela exclusão.

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visando à materialização do ideal democrático de Justiça, em constante e ativa expansão e

complementação, colaborando para a emancipação do homem do seu destino inicial.

O sentido do Direito possibilita, assim, um valor heurístico a ser constituído pelo

intérprete/aplicador desde as conexões axiológicas incorporadas tanto na realidade, nas

pessoas, no texto e no próprio intérprete/aplicador.

Assim, na medida em que o sentido do Direito enseja apenas hipóteses provisórias de

percepção para posterior reconstituição prática de conteúdos, conforme as opções valorativas

adotadas, é expressa como necessária uma síntese política487

, para que dita essência eleita do

sentido corresponda ao resultado histórico-relacional de poder das pessoas envolvidas e de

acordo com os efeitos que tal sentido pretende produzir (perspectiva).

Na verdade, o sentido do Direito deve ser encarado como verdadeira estratégia política

emancipatória do povo e não como algo funcionalista de governos circunstanciais.

Tratando-se de governos verdadeiramente democráticos, deve o Direito colaborar na

garantia do descortinamento das inúmeras possibilidades sociais, de forma que as pessoas

escolham os seus destinos de acordo com os caminhos que lhes parecerem de melhor sabor.

Para tanto, intensa imersão crítica no Direito deve ser sempre constante.

Apreende-se, pois, que se reportar ao sentido é também discorrer sobre as

densificações e dimensões dos vínculos entre as pessoas, sejam entre particulares, entre

cidadão e administração ou entre todos e o Poder Judiciário, principalmente no que diz

respeito aos vínculos democráticos de igualdade e liberdade e as expectativas488

daí advindas,

porquanto tais características ensejam distintas concepções, ações, reivindicações, formações

e conformações a respeito do Direito e a Justiça.

487

Síntese política aqui entendida como ligação entre o sentido do Direito e as opções do poder, este constituído

não apenas institucionalmente, mas também pelo conjunto de pequenos poderes e saberes provenientes das

relações sociais. 488

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis acredita que o cérebro, além de planejar o movimento, também

modela o futuro pela expectativa do resultado da ação. Ver http://www.nicolelislab.net/ acessado em 15 de

fevereiro de 2013.

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3.1.3.2-Compreensão, explicação e interpretação

Sabe-se que é possível diferenciar-se entendimento e compreensão, compreender e

interpretar e compreender e explicar, com base na clássica dualidade entre ratio e intellectus.

Tal dualismo se encontra mesmo em Platão e Aristóteles (Platão, República, VI, 511

d, Aristóteles, Met.III, 7. 1012 a 2), sendo que Tomás de Aquino indicou a ratio como a

capacidade do pensamento discursivo racional no sentido mais estrito de mediação e

conclusões, enquanto intellectus passou a ser compreendido na Idade Média como capacidade

mais elevada de intuir imediatamente os dados, o ser e os conteúdos das essências na íntima

penetração da verdade (Tomás De Aquino, Summa Theológica, I, 79, 8).

Foi no racionalismo de Descartes que o conhecimento racional se restringiu à simples

ratio, adotando-se a ideia do pensamento puramente racional ou racional-conceitual, pondo de

lado a visão intelectual.

Com Blaise Pascal, surgiu de novo a diferença, e o nível da pura razão voltou a ser

contestado pela inteligência ou coração489

. É certo que, por inteligência ou coração, não se

entende apenas sentimento irracional, mas, sobretudo, uma faculdade elevada de sensação

intuitiva e de empatia compreensiva, da qual participam também forças emocionais do

sentimento e do amor, formando juntos a faculdade de conhecimento pleno e profundo.

Immanuel Kant490

também realizou a mesma distinção, embora tenha dado novo

significado aos termos. Para o autor, o entendimento (Vestand, que é propriamente a razão) é

a faculdade do conhecimento objetivo destinado às coisas finitas, compreensíveis e limitáveis,

enquanto a razão (Vernunft, que devia ser o intelecto) significa uma faculdade superior, capaz

de captar uma unidade não objetiva e superconceitual, capacidade de pensar, fora do domínio

da experiência, as totalidades últimas, metafisicamente apreensíveis, como o mundo, a alma e

Deus.

489

Contra o “espirit de géométrie”, apresentou Pascal o “esprit de finesse”, confirmando com sua célebre

sentença que “Le couer a sés raisons que La raison ne connait point”.PASCAL, Blaise em Pascal's Pensées,

Nova York: E.P. Dutton, 1958, p.113, pensamentos n.º 425, disponível em

http://www.gutenberg.org/files/18269/18269-0.txt, acessado em 08 de novembro de 2013. 490

Conforme CORETH, Emerich, Questões Fundamentais de Hermenêutica, título original Gruntfargen der

Hermeneutik, tradução de Carlos Lopes de Matos, São Paulo: EPU – Editora da Universidade de São Paulo,

1973, p.47-48.

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Notemos que tais elementos razão e intelecto não se opõem, mas se complementam e

se relacionam de modo que a mediação do pensamento racional, como bem diz Emerich

Coreth491

, pressupõe o imediato da visão intelectual, sendo, pois, “mediação da imediatez”.

Partindo de tal percepção, adotamos a mesma perspectiva de Emerich Coreth na

distinção metódica entre compreender e interpretar.

Assim, compreender significa a "imediatez" da visão da inteligência que apreende um

sentido enquanto interpretar, ao contrário, quer dizer a mediação pelo pensamento racional,

que tem como pressuposto a "imediatez" da compreensão prévia, mediando-a por via de

mecanismos racionais de decomposição, fundamentação e explicação.

Segundo o mesmo autor, pode-se também distinguir explicar de compreender.

Explicar significa, pois, regressar às causas de um fenômeno particular às leis gerais,

mediante nexos de causa e efeito, sendo mais próprio das Ciências da Natureza. Compreender

significa uma apreensão mais elevada de sentido, ultrapassando qualquer explicação causal e

ligando-se seja a valores, vivências e sensações.

Desta forma, mesmo sendo possível explicarem-se todas as notas de uma sinfonia ou

detalharem-se todas as técnicas utilizadas em uma pintura, nunca tais obras podem ser

explicadas492

, mas apenas compreendidas em seus conteúdos de sentidos e de valor.

A questão que surge de tais colocações diz respeito a se, a toda explicação deve

preceder uma compreensão do sentido, isto é, se mesmo os elementos mais objetivos

utilizados para análises de qualquer problema devem ser eles mesmos previamente

compreendidos em seu todo, mesmo que provisoriamente.

Existiria, assim, uma compreensão primeira, mais originária de tudo, antes até das

próprias explicação e compreensão propriamente ditas. Desta forma, toda mediação do

491

CORETH, Emerich, ob. cit. p.48. 492

Explicar uma pintura no sentido de comentar os efeitos das pinceladas ou a composição química das tintas

obviamente, é pura perda de tempo e não tem qualquer sentido maior do que a simples descrição.

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pensamento conceitualmente racional pressuporia uma "imediatez" de apreensão cognitiva do

conteúdo493

.

Na perspectiva de Emerich Coreth, todo compreender significa a apreensão do sentido,

podendo tal apreensão tratar-se de um conteúdo de sentido, de uma relação de sentido, de uma

estrutura significativa ou de um acontecimento de sentido.

Observemos que o sentido de um enunciado está determinado não apenas pelo

contexto de estudo, nem só pela linguagem utilizada, e tampouco exclusivamente pela

funcionalidade porventura demonstrável, mas pelo que o mesmo é compreensível ou

inteligível ante o alinhamento da intuição teórica com a prática relacional.

De toda forma, qualquer explicação diferenciadora já é um sentido derivado de

conhecimento, pois pressupõe uma apreensão de sentido mais original de acordo com os

valores e crenças do intérprete em seu mundo cultural historicamente vivenciado e mediante a

interpretação linguística utilizada.

É válido assegurar haver sido Martin Heidegger quem primeiramente aprofundou o

problema da compreensão, ao introduzir o sujeito que compreende no círculo hermenêutico

até então percebido como possuidor de uma estrutura circular objetiva entre o conteúdo e suas

relações. Assim, o sujeito, um ser-no-mundo que compreende, usa o próprio mundo para

realizar a projeção do sentido.

Desta forma, o explicar e o compreender são precedidos de uma compreensão mais

original e ampla, da mesma forma que qualquer interpretação tem a mesma base primeira.

Esclarece, pois, o autor, que a interpretação se funda na compreensão e a pressupõe, e

não o contrário, ou seja, se interpreta o mundo já compreendido, sendo a interpretação

somente possível com base em uma précompreensão que guia a interpretação494

.

493

Assim, para identificar um objeto, como um livro, devemos ter conhecimento anterior sobre o que é um livro,

sendo tal compreensão fruto do conjunto de experiências e intuições práticas. 494

HEIDEGGER, Martin, Ser e tempo, título original Sein und Zeit, tradução de Márcia Sá Cavalcante

Schuback, 4ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2009, p.148.

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É preciso, contudo, esclarecer que o fenômeno da compreensão se mostra, como bem

diz o pensamento de Edgar Morin495

, complexo ante o dinamismo dos resultados decorrentes

da interação do mundo dado com o mundo interior do intérprete e vivido por este, ambos

ativos, copenetrantes e mutuamente influentes.

Observemos, assim e ainda, que a précompreensão que dá acesso à compreensão deve

ser sempre aberta a progressos e ampliações constantes, dispondo-se a refutações,

reformulações, retificações e aprofundamentos, sob pena de, caso não assim atue, se

transformar em preconceito desfigurador do olhar.

A abertura dos mundos para realidades mais amplas faz com que os iniciais limites

sejam ultrapassados, realizando-se, como já adiantado, o que Hans-Georg Gadamer496

denominou de fusão de horizontes, produzindo um alargamento e enriquecimento do próprio

horizonte497

do mundo em uma espécie não mais de círculo, mas de espiral compreensiva.

Assim, um assunto précompreendido é novamente visitado pela compreensão, sendo

esta ampliada pelo mundo da experiência humana dialogal, recebendo novo impulso

ascendente e possibilitando nova espiral498

de conhecimento agora enriquecido499

. Torna-se

essa nova pré-compreensão a base para novas compreensões, e assim por diante. Tal esquema

ativo é que possibilita a abertura do sentido.

É simples notar, assim, que tudo o que compreendemos o fazemos por via do

imediato de nossas experiências e visões. O sentido e seus conteúdos são daí decorrentes e

posteriormente expandidos ante a complexidade dinâmica das dimensões da realidade,

495

MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre: Editora Sulina, 2007. 496

GADAMER, Hans-Georg, Verdade e Método I- traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica,

título original Wahrheit und methode, tradução de Flávio Paulo Meurer, 10ª edição, Petrópolis: Editora Vozes,

2008, p.287-290. 497

Esclarece Coreth que Horizonte significa uma "(...) totalidade atematicamente co-aprendida ou pré-

compreendida, que entra, condicionando e determinando, no conhecimento – percepção ou compreensão- de um

conteúdo singular, que se abre de maneira distinta dentro dessa totalidade”. Diz o autor que existe uma

multipliciadade de horizontes parciais de espécie diversa e de graus diferentes dentro de um horizonte total, na

qual a vida e a compreensão humana, no seu todo, se realizam. CORETH, Emerich, Questões Fundamentais de

Hermenêutica, título original Gruntfargen der Hermeneutik, tradução de Carlos Lopes de Matos, São Paulo:

EPU – Editora da Universidade de São Paulo, 1973, p.79. 498

CORETH, Emerich, ob.cit.p.92 499

Como é claro, tal figuração em espiral de DNA foi por nós utilizada ao tratarmos da estrutura helicoidal do

sentimento do justo.

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conquanto sejam estas sempre concebidas em aspectos parciais de acordo com o olhar

humanamente fragmentário e finito de cada sujeito.

A contemporaneidade de uma preexistente "imediatez" em conjunto com a imediatez

propriamente dita e aplicada no caso concreto pode ser entendida na área social e jurídica

como firmada em duas dimensões: a primeira é a base cultural que nos impregna

subjetivamente e condiciona sensivelmente o recebimento dos fatos, pessoas e normas, aí

sendo incluídas, mesmo que provisoriamente, as noções, sentidos e sentimentos do belo,

verdadeiro, bom e justo. A segunda, tendo em vista as características humanas primárias, é a

dimensão compreensiva e dialogal das relações.

Desta forma, quanto mais contato com quem dialogamos, melhor o entendimento.

Quanto mais nos aproximamos e mais profundamente nos relacionamos com todas as

dimensões possíveis das pessoas, fatos, normas e valores envolvidos, melhor nossa

comunicação e, consequentemente, compreensão.

Quanto mais familiarizados com o que há no fundo dos acontecimentos, na linguagem

e no silêncio das relações humanas, melhor dialogamos e compreendemos a visão do outro

sobre a mesma coisa que vemos.

A compreensão não se reduz ou se isola às coisas ou às pessoas que dialogam, mas

pressupõe dinâmica apreensão conjunta do sentido por via do compartilhamento e ajustes de

impressões e de compreensões iniciais circundantes e mutantes.

Isto sucede por meio da intermediação emocional, valorativa, linguística e com

influência do uso prático do que pretende compreender.

Desta maneira, a compreensão não é apenas lógica, mas também, e ao mesmo tempo,

retórica, pessoal e particular, além de teórica e prática, abrindo-se em vários graus e

dimensões.

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Compreender o outro é, portanto, compreender o outro humanamente com origem no

mundo e seu contexto, mesmo com as limitações humanas de quem o faz e participa do

diálogo.

A formação do sentido é, pois, e como não poderia deixar de ser, obra humana e,

portanto, não neutra500

, influenciada pelas representações e modos de pensar e ver e nas

bordas dos juízos históricos e contextuais, mesmo que seja sempre aberta a experiências e

intuições heterogeneamente formadas por múltiplos pontos de vista, interesses, desejos e

sentimentos.

Desta maneira, como toda obra humana, a formação do sentido é criada em contato

relacional e dialogal com o mundo humano vivo501

. Tal concepção aberta às experiências

práticas e receptivas às opções sensíveis dos valores, mesmo que essencialmente temporal,

corrigível, ampliável e aprofundável, é livre e legitimamente dotada de autonomia e

independência em referência à noção inicial do sentido.

A compreensão pode, pois, se alargar pela mediação inter-humana pessoal e social e ir

muito além da mera reprodução do que o produtor da coisa, ato ou comportamento pensou ou

desejou, distanciando-se da impressão primeira não apenas temporalmente, mas espiritual e

culturalmente.

Tal modificação de abrangência, cremos, acontece por via da vontade de se

desembaraçar do insulamento íntimo e de se conectar aos outros mediante aderências

emocionais e compreensões valorativas.

500

Expressa Marques Neto: “No pensamento kelseniano, por exemplo, ele supõe, de um lado, que o sujeito pode

ser neutro e, de outro, que a linguagem pode ser pura. Ora, aí faz o quê? Limito-me a aplicar a lei até no sentido

mais literal possível, mas a lei é não neutra, a lei é ela própria uma escolha entre várias. Por que as leis são essas

e não outras, por que elas consagram esses valores e não outros? (…) A lei é um comando que nada tem de

neutro. Daí que, se o Juiz aplica neutramente a lei, que não é neutra, ele também não é neutro. A própria lei

contamina a neutralidade do Juiz, o que não quer dizer que o Juiz deve ignorar a lei.” MARQUES NETO,

Agostinho Ramalho.O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática. Revista ANAMATRA,

São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994. 501

Adotamos a noção antropológica de mundo como sendo a realidade que se apresenta e encontramos,

experimentamos, interagimos e compreendemos somada ao resultado reflexo dinâmico das experiências e

potenciais práticas de interações biológicas, psicológicas e sociais.

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3.1.3.3- Racionalidade e emoção

No universo jurídico, são correntes o incentivo às ilusórias posições de concretude e

fixidez e o ambíguo estímulo às disposições e atitudes incindíveis, caracterizadas pela certeza

e segurança em um mundo humano de aparência sempre mutável - o que revela franco

paradoxo.

É rotineiro, pois, o desejo de identificação de nossas percepções e reações ante os

fatos, legislação e pessoas como algo racional, principalmente dedutivo e isento de vacilações.

Com efeito, é comum percebermos nossas reações aos acontecimentos, atos e fatos

jurídicos como inclinadas a afeiçoarem-se às dimensões das verdades e valores genéricos, a

despeito de suas características perigosamente sedutoras.

Sabemos, no entanto, que não somos apenas animais racionais, mas também animais

emocionais, e que são as emoções, os sonhos e o amor que verdadeiramente nos guiam e dão

sentido à vida.

Cremos que, dentre outras singularidades, as coisas que nos interessam, aquilo que

amamos, o que nos repugna, o que nos comove e o que nos aborrece, tudo isso forma o nosso

caráter e constitui nossa identidade502

, sendo essa carga emocional e associativa que

vivenciamos a nós mesmos e o outro nas relações.

É com essa herança e bagagem emocional em formação constante que apreciamos os

acontecimentos, valoramos as causas, observamos os comportamentos e julgamos o que é

certo ou errado, desejável ou não, aceitável ou intolerável.

É com emoção que vivemos e é com emoção que morreremos.

Apesar, no entanto, de nossa vida inteira ser baseada em emoções ainda é corrente a

velha crendice de que estas são como que pensamentos desvairados que interrompem ou

502

Identidade aqui entendida como consciência de quem somos para nós mesmos, e não apenas embasada na

estabilidade do status social que ocupamos na comunidade ou atividade profissional que desenvolvemos.

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perturbam o raciocínio lógico e justo, afastando-nos do que é verdadeiro e ingressando na

senda traiçoeira do ilusório.

Na verdade, é necessário combater-se tal superstição.

Com efeito, convém relembrar que existem óbvias conexões entre as emoções e a

ética, os valores e as virtudes práticas, estando estas na vida jurídica e judicial, ou seja, para

realmente termos algo como justo ou injusto, é necessário que o acontecimento seja

percebido, avaliado, interpretado e entendido conforme nossos conhecimentos e conceitos do

que é bom, justo e esperado.

Desta forma, o comum é, antes de atuarmos racionalmente, operarmos

emocionalmente, não sendo o magistrado isento de tais características, mesmo em aplicações

especializadas típicas do Poder Judiciário.

A percepção a respeito de quais princípios serão adotados e quais interpretações serão

implementadas para a análise dos fatos, valores, normas e pessoas, ao lado da intensidade e

prevalência deste ou daquele aspecto, passa inevitavelmente por filtros culturais e pessoais

íntimos do julgador. E - insistimos- tais filtros são ativados e ativantes não apenas pela razão,

mas significativamente pela emoção.

Sendo assim, é relevante admitirmos nova percepção da atuação das emoções,

aceitando sua aplicação processual por intermédio da influência na formação e motivação das

decisões judiciais.

Podemos, pois, afirmar que sem afetividade não pode haver efetividade do Direito503

.

Cremos que uma das possibilidades de se aumentar a efetividade da garantia do direito

fundamental de ser bem julgado é dando-se maior atenção à estrutura ética e emocional do

juiz como maneira de superação das lacunas normativas e do risco dogmatizante da técnica

processual, mas sem abandoná-las.

503

BRITTO, Carlos Ayres, discurso de posse como Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal em 19 de

abril de 2012, disponível em disponível em http://anamages.org.br/pdf/DiscursoAyresBritto.pdf, acessado em 20

de abril de 2013.

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Ser bem julgado é aqui entendido como modo sensível de serem encarados não apenas

a legislação, mas também os fatos, as pessoas e todas as circunstâncias envolvidas, ante as

novas realidades de uma sociedade sempre em dinâmicas modificações.

Neste aspecto, as emoções surgem como fatores de avaliação e motivação de tudo

exposto durante o processo, sendo também realçado o fato de que aquelas possuem

influências transculturais e estão em constante inter-relacionamento e mutação.

Evidenciamos, pois, a integração dos componentes técnicos jurídicos aos fatores

sensíveis do julgador na busca interminável pela adequação da consciência individual e social

do magistrado com as correspondentes aplicações justas das normas504

.

Ocorre, por exemplo, a importância das emoções na condução processual, mormente

no que diz respeito à sensibilidade ou indiferença do julgador no deferimento das provas, bem

como na distribuição dinâmica desta e a possível inversão do ônus probante.

É perceptível, desta maneira, o fato de que todo processo, cada decisão e toda sentença

traduzem além de suas estruturas lógicas, os particulares arcabouços ideológicos e

composições emocionais dos magistrados.

Portanto, é válido dizer que as emoções, e não apenas a razão, refletem a tarefa

criadora do juiz, suas faculdades, limites e consequências aliados à sensibilidade pessoal

perante os novos fenômenos sociais e elaboram sua reação diante do caso concreto.

Não há como negar, por exemplo, a clara conjugação entre emoção-razão ante

situações de escassez de recursos estatais e a necessidade de tomar as chamadas decisões

trágicas, bem como na apreciação de questões ambientais, avaliação dos riscos laborais e

considerações sobre as novas formas de família.

504

Em entrevista, afirmou o desembargador José Renato Nalini que o realmente importante para o juiz não é ser

mero conhecedor dos textos normativos, mas desafiado diante de questões concretas, saber atuar com equilíbrio,

sensibilidade, e consciência, além de saber dimensionar a repercussão social das suas decisões. SCOCUGLIA,

Livia, Matéria A sociedade pede juízes obreiros e não gênios, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-

nov-25/entrevista-jose-renato-nalini-corregedor-geral-justica-sao-paulo, acessado em 26 de novembro de 2013.

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De igual maneira, a emoção segue no subjetivismo do julgador na análise da prova

deferida e produzida, principalmente naquelas que digam respeito ao elemento subjetivo das

condutas, mormente as tidas como ilícitas.

3.1.3.4- Criatividade

As atribuições tidas como típicas do Poder Judiciário de fazer prevalecer, acritica e

automaticamente, a solução abstratamente prevista na lei, em recuperação meramente

declarativa de um resultado já previsto como se montasse quebra-cabeças olhando-se a figura

impressa na caixa, já há tempos não correspondem à realidade nem às necessidades sociais.

A atividade criativa do julgador deve guardar, no entanto, e como já mencionado, os

valores-limite compartilhados socialmente, mormente os democraticamente inscritos na

Constituição, evitando-se qualquer escolha arbitrária e sem bordas. Deve, no entanto, ser

preservada a criatividade ativa perante o caso concreto, de maneira a possibilitar a melhor

solução.

Ademais, é certo que, como já afirmado, autonomia não significa isolamento.

Toda autonomia é complexa, já que dependente de condições humanas.

No dizer de Edgar Morin, a autonomia se alimenta de dependência, de uma educação,

de uma linguagem, de uma cultura, de uma sociedade e mesmo de nossas limitações

biológicas505

. Ensina o autor que temos apenas a impressão de sermos livres e na verdade

somos uma mistura de autonomia, liberdade, heteronímia e mesmo de possessão de forças

ocultas que não são simplesmente as do inconsciente trazidas à luz pela Psicanálise506

.

Insistamos, pois, na ideia de que a percepção de quais sejam os graus de extensão e

níveis de profundidade dos valores e limites constitucionais continuam passando pela

505

MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre: Editora Sulina, 2007, p.66. 506

MORIN, Edgar, ob.cit.p.67/68.

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sensibilidade do juiz. Esta é traduzida em constituição pessoal e convicções íntimas, além do

aperfeiçoamento técnico, acadêmico e cultural507

.

Não intentamos desenvolver neste texto qualquer mecanismo de se saber quais

escolhas valorativas/políticas devem ser feitas, mas destacar que o acesso à Justiça e ao

Direito depende de como tais escolhas dos sentidos e alcance das normas ocorrem e são

influenciadas e qual a significação que tais conexões trazem para a sociedade.

É preciso notar que, daí se evidencia o Direito fundamental de o cidadão ter seu

processo analisado por um juiz tecnicamente preparado, emocionalmente bem estruturado,

socialmente atento e virtuosamente comprometido.

Sempre imparcial e independente, mas nunca neutro, esse juiz deve ser capaz de

conviver sensivelmente com o pluralismo cultural e jurídico e a constante ampliação e

redefinição dos direitos em uma sociedade em mudanças. Ao mesmo tempo deve se mostrar

capaz de conservar a finalidade da técnica jurídica e preservar os valores sociais já sob o

matiz constitucional e os que estão em decurso de constitucionalização508

.

Afirmamos processo de constitucionalização no sentido de que a ampliação da

interpretação constitucional por meio de verificação dos interesses, desejos, valores e

sentimentos sociais pode revelar extensões diversas dos primeiros entendimentos de seu texto

ainda não formalmente modificado e mesmo sem tal necessidade.

Assim, com o evoluir das interpretações e sensibilidades, novos valores podem ser

entendidos como já integrantes do Texto Constitucional e que estavam apenas encobertos. Da

507

Registremos o caso de primeira notação de dupla paternidade ocorrida no Brasil, em 2012, quando por

determinação da Justiça, Wilson Alves Albuquerque e Mailton Alves Albuquerque, casados e que contaram com

fertilização in vitro e a barriga solidária de uma prima, utilizando material genético do segundo e um óvulo

doado, puderam registrar sua primeira filha Maria Tereza com dupla paternidade. O segundo filho do casal,

Theo, concebido nos mesmos moldes e agora com material genético de Wilson, também teve seu registro nos

mesmos moldes da irmã. Sentença do juiz CLICÉRIO BEZERRA E SILVA disponível em

http://drarosangelanovaes.blogspot.com.br/2012/03/dupla-paternidade-em-recife-sentenca.html, acessado em 07

de novembro de 2014. Reportagem completa exibida na série dirigida pelo documentarista João Jardim “Família

É Família (Série Documental) - Ep 11. Pai De Todos Os Jeitos”, exibida no canal GNT em 05/11/2014,

disponível no site http://gnt.globo.com/programas/familia-e-familia/episodios/5540.htm. 508

Uma das mais agudas questões a respeito da seleção e formação de magistrados diz respeito à identificação e

ao aprimoramento das vocações. Ante sua intrínseca complexidade, o tema não será aprofundado nesta pesquisa.

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mesma maneira, podem ser inseridos na compreensão normativa aspectos até então sem

percepção ou aceite.

De uma forma ou de outra, esses valores indutores de novas interpretações ensejam

inéditos entendimentos a respeito da profundidade e extensão constitucional e evidenciam sua

constitucionalização em decurso.

Esse processo nem sempre é necessariamente formal. Pode ser dispensada alteração no

texto e operado não apenas com a conhecida interpretação conforme a Constituição, mas,

sobretudo, com o entendimento da Carta Magna conforme a interpretação dos valores sociais.

Isso se dá, porquanto os limites entre os mundos das normas e seu(s) sentido(s), as

escolhas e avaliações pessoais dos agentes públicos envolvidos da dicção do justo e os

princípios e valores constitucionais não são nítidos nem fixos. Ocorrem laços inevitáveis entre

tais realidades que são, na verdade, uma só: a realidade dinâmica do mundo humano,

demasiadamente humano.

Desta maneira, o Direito, na busca de seu sentido socialmente relevante e também

legítimo de transformação da realidade em exercícios de igualdade de liberdades exige dos

seus sujeitos e agentes o abandono do próprio auto alheamento e a reconquista da dimensão

do real.

No mesmo sentido, a efetivação da prevalência e aplicabilidade constitucionais enseja

pontos de contato, ou atrito, com as políticas públicas, bem como pressupõe a superação da

dogmática limitadora ao suplantar formas, modelos e rotinas verticalizadas e excludentes,

além da adaptação de teorias e discursos às dinâmicas sociais.

A conversão de expectativas de satisfação das necessidades e concretização das

expressões das potencialidades em realidades exigem do Direito e da Justiça novas formas de

relacionamento, com adoção de atitudes diversas com todos, inclusive com os demais poderes

públicos.

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Um dos primeiros passos para tanto se dá com origem em novas práticas jurídicas

cotidianas e inclusivas que respeitem as individualidades das pessoas que procuram o acesso à

Justiça.

Ademais, é com o desenvolvimento de atenção empática à singularidade de cada caso

apreciado, com o abandono do tratamento friamente uniforme, indiferente e asséptico, que se

passa ao reconhecimento das singularidades.

É fomentado, com efeito, o compartilhamento das experiências e saberes, e favorecido

o diálogo participativo, transformativo e mutuamente emancipatório, na consciência do

inacabado das normas.

Tal possibilidade impregnada de criativa utopia conclama todos os agentes do Direito

à quebra dos espelhos e ao despir-se das máscaras e capas, na superação da perplexidade de

reconhecerem-se iguais a todas as outras pessoas. Tal ocorre no mesmo tempo que os chama a

descerem de suas torres para um encontro com as demais pessoas no campo aberto das praças,

sem barreiras, barricadas ou fossos, em uma horizontalização das relações de poder e

reconhecimento da igualdade originária.

A proposta é que cada um caminhe com sua alma ressuscitada, cada um com suas

fragilidades e mudos medos, mas todos com fidelidade ao outro, falando a mesma língua da

boa-fé, num diálogo sensível de aprendizagem conjunta e estabelecimento de soluções

jurídicas concretas e humanamente justas.

Para tanto, é preciso inicialmente averiguar as condições reais e contemporâneas que o

mundo enfrenta para podermos propor as soluções que entendemos viáveis.

3.2-Dimensão da aplicação

Propomos, assim, que referidas hélices componentes do sentimento do justo possuam

internamente a vibração específica de seus componentes, mas não só isso. É que se toda

estrutura viva além de consumir, gera energia, hão se ser considerados os efeitos que tal

energia produz.

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Assim, imaginamos a energia produzida por parte de cada uma das hélices,

manifestando-se por meio de vibrações internas próprias de seus componentes que, ativos e

fecundos, também emanam energia e se retroalimentam em rotação espiral ascendente.

Referidas vibrações garantem que as hélices se mantenham em constante evolução

desde o seu surgimento até o momento de sua aplicação, ante a revisitação contínua e em

espiral de seus componentes, malgrado a ocorrência de variação de ritmos e intensidades

durante sua existência.

Concebemos, ainda, a ideia de que tal ocorrência dinâmica de vibração rotativa em seu

eixo de cada hélice na interação conjunta e de coinfluência com as demais hélices

componentes em cada caso vivenciado, sendo tal interação originada e intensificada à medida

que se estuda a solução aplicável.

O sentimento do justo é, pois, vivo, energético e vibrátil, e se pudéssemos olhar para

dentro da estrutura helicoidal proposta, veríamos feixes de energia em vibração interna em

cada uma das hélices, ao mesmo tempo em que ocorreriam trocas energéticas entre estas.

Mesmo ante a constância evolutiva, haverá um momento específico em que o agente

escolherá por aparente descontinuidade do fenômeno para poder aplicar o que é entendido por

justo. Tal dimensão é justamente a do tempo.

É corrente a ideia de que tal interrupção é arbitrária porque imaginamos que o

sentimento do justo está sempre em constante formação, o que inclui retificação, agrupamento

de mais elementos e redimensionamento das ligações dos fatores influentes, com maiores

fluxos de energia e de espécies desta, mesmo após a opção temporal de interrupção para

aplicação.

Assim, apesar de o sentimento do justo nunca estancar sua formação para ser utilizado

no caso concreto, é preciso optar por um momento de sua existência para aplicá-lo.

Na verdade o que é exercitado e aplicado é uma parcela de sua composição colhida

temporalmente, sendo certo que, tendo em vista ser vivo, sua estruturação permanece em

evolução, mesmo após seu aproveitamento no caso prático, continuando a fazer parte do

universo do agente ao lado de outros sentimentos do justo e demais dimensões humanas.

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Dita coexistência com novos sentimentos do justo direcionados a outros casos

concretos e vivências que surgem constantemente formam o que adiante explicaremos como a

membrana dimensional do justo.

Uma vez delineadas ditas hélices, iniciamos a segunda etapa de formação do

sentimento do justo, em referida versão básica.

Como adiantado, a vibração rotativa em espiral interna de cada uma das três hélices

faz com que estas se movam, se agitem e entrem em contato umas com as outras, ocasionando

trocas de energias e compartilhamento de elementos, o que possibilita o burilar-se entre si, ao

mesmo tempo em que se entrelaçam, formando um todo.

Desta forma, a consciência, a sensibilidade e a interpretação normativa entram e

permanecem em contato e em consórcio de energias e elementos, em atitudes de coinfluência

e redefinição, à medida que cambiam subsídios e dados.

Figuramos ainda a ideia de que a dinâmica de contato, repulsa, aproximação,

conjugação, tensão e agrupamento das três hélices entre si faça com que ditas hélices vibrem

com tal intensidade que se entrelaçam e incorporam-se como uma corda, sendo esta tecida

com a energia gerada e potencializada pelas interações de referidas hélices.

O sentimento do justo disponível à aplicação pode ser agora representado não mais

como três hélices em fluxo interativo e rotação espiral concêntrica isolada, mas como única

corda vibrátil, com aparência de estabilidade, energizada por seus componentes internos e em

constante trepidação íntima.

Após tal interação dinâmica que ocorre pelo tempo que o agente do Direito entender

necessário para sua análise e maturação, surge a possibilidade de apresentar-se a primeira

versão do aferível e aplicável, malgrado, conforme adiantamos, o sentimento do justo não

cessar sua conformação.

O referido entrelaçamento ou corda (sentimento do justo) não existe sozinho, mas em

conjunto com outras realidades e dimensões.

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Assim, visualizamos que referida corda não produz qualquer som sem que seja tocada

por outra corda, como a música das cordas de um violoncelo só brota pela intervenção das

cordas de seu arco.

Isto posto, uma vez existente o sentimento do justo em sua formação energética em

configuração de corda e escolhido o momento de sua aplicação509

, propomos nova metáfora a

caracterizar a aplicação do sentimento do justo.

3.2.1- A vontade

Como expressamos, a mera existência do sentimento do justo não significa que este

será expresso automaticamente. Na verdade, sua simples gênese não assegura correspondente

aplicação prática, podendo permanecer apenas em potência idealizada, no que poderia ser

chamado de vibração muda.

Nesta nova representação, põe-se em evidência a noção de que uma situação específica

é perceber o que deve ser justo para o caso, e outra, sem dúvida complementar e essencial

para o sentimento do justo ter impacto tangível na realidade é, obviamente, sua aplicação

concreta de ação na direção do decidido.

Assim, formado o sentimento do justo e diante de uma deliberação, analisamos os

pormenores, os prós e contras, e chegamos a uma determinada decisão interior que, uma vez

tomada, exige uma energia extra para ser posta em prática e poder exercer o desencadeamento

daquilo que anteriormente foi querido e determinado510

.

509

Podemos indagar quando se dá o momento de maturação do sentimento do justo ou, mesmo sem se questionar

sobre referida maturação, perguntar qual seria o momento ideal de escolha da interrupção de seu evoluir para

poder ser aplicado. Tentaremos expor nosso entendimento a respeito a seguir, mas adiantamos que há algo de

arbitrário em tal definição. 510

Embora Thomas Hobbes formule a ideia de liberdade à luz de sua reflexão mecanicista, para o autor, todo

processo deliberativo envolve uma sucessão alternada de desejos, aversões, esperanças e medos, iniciando-se

quando nos sentimos motivados a fazer algo considerado bom, mas interrompido se detectado algum risco de

dano ou prejuízo. A vontade seria, assim, resultado da deliberação e causa derradeira imediatamente anterior à

ação. Diferencia-se, assim, vontade de inclinação, vez que a última não se torna efetiva. Afirma ainda o autor de

Leviatã, que liberdade não se confunde com autonomia da vontade, vez que esta não pode ser concebida como

independente das categorias de causalidade e da necessidade. Reforça, portanto, que a vontade é resultado de

alguma causa mesmo que inconsciente. Não existe para Thomas Hobbes, assim, liberdade de vontade, mas

apenas liberdade do homem, concebida a última no fato deste não se deparar com nenhum obstáculo, interno ou

externo, para fazer aquilo que tem vontade de fazer. Todo ato livre, para Thomas Hobbes, corresponde ao querer.

Nessa perspectiva, a ação revela a vontade e é, então, impossível, que uma ação seja praticada contra a vontade,

vez que o efeito segue-se da causa, a vontade e esta, como se disse, é resultado do processo de deliberação.

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265

Tal fase de aplicação do sentimento do justo vem a depender da vontade (ou intenção)

ativa de quem o possui e atua no presente, pois é apenas no presente que podemos agir.

Portanto, o alinhamento do sentimento do justo com sua ação ocorre por meio da

vontade do indivíduo que o situa em acionamento. É pela ativação concreta da vontade no

mundo real que os desejos se fazem realidade, refletindo o que o individuo acredita, defende e

é.

É lícito dizer que a natureza dessa vontade é compreensível por meio da percepção de

que cada célula de nosso corpo possui a própria vontade vital de existir e continuar vivendo.

Nosso coração deseja bater e continuar batendo; nossos pulmões a se encherem e esvaziarem

de ar; nossos rins e fígado agindo no impulso de filtrar e regenerar elementos de nutrição e

cada órgão de exercer sua função ou finalidade. Tal situação também é verdade no plano

emocional. Segurança, vitalidade, sucesso, amor, alegria e paz interior fazem parte de nossos

desejos mais profundos e assim podemos operar na vida e nas relações.

Assim, o círculo da vontade (desejo) começa internamente. A vontade sempre é fruto

de nossa livre aceitação. A intenção primeira, profunda e íntima, nos situa em movimento,

liderando nossas ações para os resultados esperados e correspondentes.

No mesmo sentido Rudolf von Jhering511

afirmou que um movimento da vontade sem

causa eficiente é inconcebível, sendo que para a vontade dita causa é psicológica, qual seja a

finalidade, agindo as pessoas não em razão de um porquê, mas de um para que. Assim, o que

chamou de lei da finalidade indica que sem finalidade não há volição, ou seja, não há nenhum

querer ou nenhuma ação sem finalidade, sendo esta pertencente ao futuro.

Diz ainda o autor512

que, para a realização da vontade, existe um estádio interior que

principia com o surgimento na psique de ato de imaginação cuja representação da

circunstância futura acena com maior satisfação (finalidade). A decisão de aceite de referida

HOBBES, Thomas, Elementos da Lei Natural e Politica, título original The elements of Law, Natural and

Politic, tradução de Bruno Simões, São Paulo: Martins Fontes, 2000 e Leviatã ou matéria, forma e poder de

um Estado eclesiástico e civil, título original Leviathan, tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza

da Silva. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997. 511

JHERING, Rudolf von, A Finalidade do Direito, título original Der Zweck im Recht, tradução de Heder K.

Hoffmann, Tomo I, Campinas: Bookseller, 2002, p.15. 512

JHERING, Rudolf von, A Finalidade do Direito, ob.cit.p.20.

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proposta e o início da ação decorrem da concepção de vida do sujeito513

e das influências

extrínsecas recebidas, aceitas ou suportadas514

. Assim, a deliberação tomada atesta que a

própria ação jamais é um fim, mas apenas meio para a obtenção de um fim.

É válido dizer, pois, que a conexão entre a intenção interna e a realidade externa dá-se

pelas manifestações acionadas em atitudes concretas e apropriadas do indivíduo, visando a um

fim.

Portanto, nossa vida se move para frente por meio da vontade (desejo), e o íntimo da

vontade é reforçado pelo fluído da própria natureza das pessoas e, pode-se dizer, das

instituições, conforme sua razão de ser.

É permitido afirmar, pois, que a natureza (finalidade) da Justiça como instituição é,

obviamente, realizar a justiça515

, embora existam inúmeras compreensões de qual parâmetro

utilizar. Até mesmo na mais famosa das concepções, a definição de ser esta a vontade de dar a

cada um o que é seu, o problema de qual critério utilizar não é de fácil solução. Ou seja, pode-

se dar a cada um o que é seu conforme seus méritos, sua origem, sua necessidade, suas

intenções, suas potencialidades e inúmeros outros critérios aplicáveis.

Não nos interessa aqui, no entanto, adentrar a discussão de tais discernimentos, mas

nos fixar no que é possível entender como a vontade propriamente dita é manifestada.

513

Rudolf von Jhering entendia que existem duas espécies de fins, que determinam a vontade e orientam as

ações humanas, ou seja, os fins individualistas, que visam às satisfações egoístas, e aqueles altruístas, que se

voltam ao atendimento comunitário. O autor distingue altruísmo de abnegação, embora ambos sejam ações

desinteressadas do ponto de vista egoístico. Assim, afirma que o primeiro não traz prejuízo algum para quem

realiza ações em prol do outro, enquanto o segundo exige um sacrifício de si próprio. JHERING, Rudolf von, A

Finalidade do Direito, ob.cit.p.50. 514

No segundo volume da obra A Finalidade do Direito, Rudolf von Jhering indica que o sofrimento, mais que

o pensamento, é fator de modificação social. GUERRA FILHO, Willis Santiago, Teoria da Ciência Jurídica,

São Paulo- Editora Saraiva, 2001, p.56. 515

Fala-se, pois, em soberania no aspecto jurídico do Estado poder decidir em última instância sobre a eficácia

da normatividade nos limites da legitimidade democraticamente aferida.

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267

3.2.1.1- As escolhas - ato de vontade e sensibilidade

Lenio Luiz Streck516

defende a ideia de que o Direito não é, nem pode ser, aquilo que

o intérprete quer que ele seja, concluindo que o Direito não é nem aquilo que os tribunais

dizem que é, nem é ou será aquilo que a doutrina diz ser, caso se limite a compilar a

jurisprudência desde o repertório de ementários ou enunciados.

Concordamos em parte com o autor no sentido de entendermos que o justo aplicado é

muito mais do que sua tradução normativa admitida ou sua aplicação prática, não se

identificando ou confundindo apenas com ambas.

Não podemos aceitar, no entanto, a aparentemente atribuída dose de insignificância

das decisões judiciais, pois estas na tentativa de aproximação do sentido do Direito e da

Justiça, fornecem versão ou tradução concreta deste para a solução do caso específico.

Na realidade, nas hipóteses de conflitos, sem a densificação do Direito por via das

decisões judiciais, sejam estas correspondentes ou não ao sentido mais profundo do Direito,

não teríamos nada mais do que simples conjunto etéreo de projeções de comportamento

idealizados.

A decisão judicial não é um ato de verdade, nem mesmo quando esta é entendida

como a resposta constitucionalmente adequada, como pretende Streck517

, mas sim ato de

vontade.

O próprio autor, ao afirmar hipóteses518

em que o Poder Judiciário pode deixar de

aplicar uma lei ou dispositivo de lei, claramente, deixa revelar as opções interpretativas

realizadas dentre as várias possíveis e a disposição em aplicá-las e não outra qualquer.

516

STRECK, Lenio Luiz, O que é isto- decido conforme minha consciência?, Porto Alegre: Editora Livraria

do Advogado, 2010, p.107. 517

STRECK, Lenio Luiz, Verdade e Consenso –Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 2ª edição, 2ª tiragem, revista e ampliada, Rio de

Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008, p.317 e 364. 518

Malgrado extensa, entendemos por bem reproduzir as argumentações que o autor desenvolve ao falar de tais

hipóteses. São elas: "(...) a) quando a lei (o ato normativo) for inconstitucional, caso em que deixará de aplicá-la

(controle difuso de constitucionalidade stricto sensu) ou a declarará inconstitucional mediante controle

concentrado; b) quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias. Nesse caso, há que se

ter cuidado com a questão constitucional, pois, v.g., a lex posterioris, que derroga a lex anterioris, pode ser

inconstitucional, com o que as antinomias deixam de ser relevantes; c) quando aplicar a interpretação conforme à

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268

Percebemos, por óbvio, que onde ocorrem opções, há vontades, sejam estas as próprias

e adequadas, ou não.

Não defendemos a noção de que os atos de vontade sejam correspondentes a virtudes e

certezas ou que possuam exatidão e adequação. Nem mesmo afirmamos que tais atos sejam

sempre justos, mas apenas frisamos que qualquer ação interpretativa perante os fatos

concretos e pessoas vivas para quem as decisões serão materializadas percorre o caminho da

vontade do intérprete e aplicador, ante as opções que lhe são possíveis.

A viabilidade de opções revela-se, como já visto, pelo exercício mais ou menos

profundo e denso da capacidade de percepção e análise da realidade envolvendo fatos,

valores, normas e pessoas em cooperação com os demais agentes da atuação processual.

Observamos, desde modo e até mesmo como admitiu Hans Kelsen519

, que toda

interpretação é um ato de vontade ante a efetividade de uma escolha entre as possibilidades

reveladas pelas compreensões e interpretações.

Constituição (verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna necessária uma adição de sentido ao

artigo de lei para que haja plena conformidade da norma à Constituição. Neste caso, o texto de lei (entendido na

sua “literalidade”) permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que

o torne adequado a Constituição (trabalho, aqui, com a distinção-diferença entre “texto e norma”); d) quando

aplicar a nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung), pela qual

permanece a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a sua incidência, ou seja, ocorre a expressa

exclusão, por inconstitucionalidade, de determinada(s) hipótese(s) de aplicação (Anwendungsfälle) do programa

normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal (idem, a distinção “texto-norma”). Assim,

enquanto na Interpretação Conforme a Constituição há uma adição de sentido, na nulidade parcial sem redução

de texto ocorre uma abdução de sentido, na fórmula “esse dispositivo é inconstitucional se entendido no sentido

de...”; e) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a

exclusão de uma palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo; f) quando – e isso é

absolutamente corriqueiro e comum – for o caso de deixar de aplicar uma regra em face de um princípio,

entendidos estes não como standards retóricos ou enunciados performativos. Claro que isso somente tem sentido

fora de qualquer pan-principiologismo. É através da aplicação principiológica que será possível a não aplicação

da regra a determinado caso (a aplicação principiológica sempre ocorrerá, já que não há regra sem princípio e o

princípio só existe a partir de uma regra – pensemos, por exemplo, na regra do furto, que é “suspensa” em casos

de insignificância”). Tal circunstância, por óbvio, acarretará um compromisso da comunidade jurídica, na

medida em que, a partir de uma exceção, casos similares exigirão – mas exigirão mesmo – aplicação similar,

graças à integridade e a coerência". STRECK, Lenio Luiz, em Ministros do STJ não devem se aborrecer com

a lei, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-jun-07/senso-incomum-nao-aborreca-lei-ministra-nancy-

andrighi, acessado em 09 de junho de 2013. 519

Não obstante a pretensão de pureza e estrita obediência do juiz à lei recorde-se que o autor chegou a admitir

que quando tinha a norma fundamental como hipótese (posteriormente tida como ficção) não deixaria esta de

corresponder a ato de vontade (KELSEN, Hans, Teoria Geral das Normas. Trad. de José Florentino Duarte.

Porto Alegre: Fabris, 1986, p. 39). Até mesmo quando o autor se refere à imputação, pode chegar à conclusão de

que é admitida a intervenção da vontade, pois entende que a consequência de um ilícito é imputada ao ilícito,

mas não é produzida pelo ilícito como causa. KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, título original Reine

Rechtslehre, trad. João Baptista Machado, 6ª edição, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003, p. 91 e 394-395.

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269

É claro que é possível criticar como tal vontade foi formada, suas limitações, a

possível injustiça daí decorrente, o arbítrio das opções, a incorreção, ausência de lógica ou

falta de contato com a realidade das escolhas, mas não se pode negar o fato de que todas as

compreensões e interpretações são humanas e, consequentemente, afetadas pelas condições

humanas do intérprete.

Não postulamos, por óbvio, o desapego do magistrado dos parâmetros constitucionais

de interpretação nem acudimos qualquer espécie de criatividade desmedida de princípios sem

base para justificar opções ideológicas de momento.

Realçamos somente a realidade do componente humano indissociável e frágil nas

decisões judiciais, apesar de tais características poderem representar, paradoxalmente, a

segurança do julgamento humanamente sensível.

Nesse aspecto, Sören Kierkegaard520

confirma que o indivíduo é uma subjetividade

que não pode encontrar fundamento em nenhum sistema (exclusivamente, acrescentamos)

racional.

Esclarece o autor que o fato de ser por meio das escolhas que o homem vive a própria

história, e é certo que, ao realizar escolhas, são deixadas de lado outras opções sem a certeza

de que a escolha foi a melhor ou será bem-sucedida ante a realidade da busca de uma verdade

vivenciada e não apenas teorizada.

Tem destaque, assim, a percepção de que em cada ato de escolha, a opção é por um

sentido existencial e mesmo utópico, constituindo-se a própria identidade.

Sabemos, neste aspecto, que as escolhas individuais são reflexos do próprio caráter

correspondente, ao mesmo tempo em que o reforçam, e é o caráter que nos conduz o destino.

Corroborando tal percepção, é possível verificar facilmente na prática judiciária o fato

de que as pessoas deixaram há muito de crer apenas no Direito e na Justiça, idealmente

520

KIERKEGAARD, Sören, O Desespero Humano, título original Sygdommen til Döden, tradução de

Fransmar Costa Lima, São Paulo: Editora Martin Claret, 2001.

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entendidos, para confiar muito mais nas pessoas que dizem o que o Direito e a Justiça são em

suas identidades concretas.

Tal constatação dá-se principalmente no que se refere à aplicação dos princípios e na

jurisdição constitucionais, assumindo os juízes papéis cada vez mais proeminentes na

realização dos ideais de justiça e equidade.

Neste aspecto, podemos afirmar que, seja se tratando de matéria constitucional, seja

lidando com questões normativas outras, é sempre esperado que o juiz adote, mesmo que

aparentemente contra legem, opções mais próximas do sentimento social historicamente

vivido.

São diversos os momentos da história que registram decisões judiciais que, revisando

certezas521

e contrariando o bom senso até então convencionado, ousaram optar por

interpretações mais consentâneas com o desejo social.

Assim, podem ser relembradas as primeiras decisões de nulidade dos contratos de

compra e venda de escravos, a inconstitucionalidade da segregação de alunos negros em

escolas dos Estdos Unidos, o reconhecimento da união estável para homossexuais etc.

Não afirmamos - é bom frisar mais uma vez- que a dogmática deixou de ser

importante. Conforme já aludido, o intento é fazer sobressair a ideia de que além desta, os

fatos, normas, interesses522

e pessoas recebem leituras dos juízes conforme as capacidades

pessoais destes no que diz respeito ao entendimento do(s) mundo(s) e de acordo com o

521

Rubem Alves relembra que as convicções são as principais armas de destruição. Diz o autor que as maiores

atrocidades da história da humanidade, religiosas e políticas foram cometidas por pessoas que não tinham

dúvidas sobre a verdade dos seus pensamentos. ALVES, Rubem, O Benefício da Dúvida, in ALVES, Rubem,

Palavras para desatar nós, Campinas: Editora Papirus, 2011, p.74. Adverte o autor para o fato de que, apesar

da ciência dizer não ter dogmas quanto os seus resultados, são visíveis casos em que cientistas se agarram às

suas teorias e jamais admitem que a verdade possa ser diferente, sem se falar nos dogmas dos métodos, mesmo

evidenciando-se que não há método para se ter ideias boas. ALVES, Rubem, Entre a ciência e a sapiência – o

dilema da educação, 21ª edição, São Paulo: Edições Loyola, 2010, p.108-109. 522

Martin Golding acentua que apesar de ser inevitável os juízes recorrerem a algum suporte normativo para

julgar, não necessariamente dito suporte normativo precisa ser um Direito. Entende que os interesses são mais

fundamentais do que os direitos, pois estes derivam daqueles e os litígios, apesar de serem formulados em termos

jurídicos, representam conflitos entre interesses. GOLDING, Martin, Filosofia e Teoria do Direito, sem

indicação de título original, tradução do Prof. Dr. Ari Marcelo Solon, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Editor, 2010, p.27.

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diálogo (ou monólogo) que travam com as diversas realidades que desafiam constantemente

suas percepções523

.

Oliver W. Holmes524

afirma, no mesmo trajeto, que, mesmo as razões judiciais sendo

dilineadas de forma lógica, por trás desta persiste um julgamento acerca do valor e apreciação

da importância dos fundamentos legislativos concorrentes, embora sejam realizados de forma

desarticulada ou mesmo inconsciente. Assevera ainda que as proposições gerais não decidem

casos concretos. Assim, a decisão dependerá de um critério ou de uma intuição525

mais sutil

do que qualquer premissa maior formulada526

.

Não há, pois, como se entender que os julgamentos sejam realizados sem valorações

íntimas a respeito não apenas dos fatos e pessoas, mas também das normas e princípios, e tais

valorações são escolhas de sentido conforme as limitações do intérprete.

Tais escolhas, por humanas, não guardam as certezas imaginadas como

necessariamente existentes nos textos legais, nos regulamentos e precedentes.

523

Neste aspecto, segundo estudos de neurocientistas da Universidade de Toronto- Canadá, as emoções chegam

a filtrar as informações sensoriais que chegam ao cérebro. Cf. SCHMITZ, Taylor W., DE ROSA, Eve, e

ANDERSON, Adam K. Behavioral/Systems/Cognitive Opposing Influences of Affective State Valence on

Visual Cortical Encoding in The Journal of Neuroscience, June 3, 2009, 29(22):7199-7207;

doi:10.1523/JNEUROSCI.5387-08.2009, disponível em

http://www.jneurosci.org/cgi/reprint/29/22/7199?maxtoshow=&hits=10&RESULTFORMAT=&fulltext=emotio

ns%2C+Toronto&andorexactfulltext=and&searchid=1&FIRSTINDEX=0&sortspec=relevance&resourcetype=H

WCIT, acessado em 06 de maio de 2010. 524

HOLMES, O.W, Collected Legal Papers. Nova Iorque, 1921, p.181, conforme indicação de GOLDING,

Martin, Filosofia e Teoria do Direito, sem indicação de título original, tradução do Prof.Dr. Ari Marcelo Solon,

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010, p.39-30, nota de rodapé nº 21. 525

No mesmo sentido o Juiz Joseph C. Hutchson afirmava, já em 1929, que o juiz realmente decide por

sentimento e não pelo julgamento, valendo-se do sentido intuitivo do que é certo ou errado, bem como se

utilizando de todas as faculdades e artifícios para justificar aquela intuição para si e para os seus críticos.

HUTCHSON, Joseph C. In the Judgement intuitive: the function of the Hunch in judicial Decision, 14 Cornell

Law Quarterly 274-88 (April, 1929), disponível em

http://www.houseofrussell.com/legalhistory/alh/docs/hutcheson.html, acessado em 14 de janeiro de 2015, citado

por GOLDING, Martin, Filosofia e Teoria do Direito, sem indicação de título original, tradução do Prof.Dr. Ari

Marcelo Solon, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010, p.41. 526

HOLMES, Oliver Wendell, La senda del Derecho, tradução de E.A. Ruso, Buenos Aires : Editora Abeledo-

Perrot, 1975, conforme SEBASTIÀ, César Arjona- estudo preliminar e tradução, Los votos discrepantes Del

Juez O.W. Holmes, tradução da edição The Dissenting Opinions of Mr. Justice Holmes, editada por Alfred

Lief, Tha vanguard Press, New York, 1929, Madri: Editora Iustel, 2006, p.23 e 80.

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3.2.1.2- Escolhas e legitimação

A interpretação das normas e da Constituição pelos juízes, obviamente, é relevante e

legítima, mas não é nem pode ser, como bem diz Peter Häberle527

, a única, até porque todos as

vivem, aí incluindo os cidadãos, grupos de interesses, órgãos estatais, agentes públicos e a

opinião pública em geral.

O Direito vivo compartilha, pois, da realidade viva com outros sistemas também

vivos. Daí, no dizer de Edgar Morin528

, as tomadas de consciência autocrítica necessitam ser

estimuladas pela crítica e aquela pressupõe escuta sensível, constante humildade529

e abertura

à revisão.

Todos são, por tais motivos, também legitimados a fornecer suas interpretações

mediante a colocação destas em seu tempo e de acordo com a integração na realidade. Quem

vive a norma a interpreta previamente, participando ativamente do processo hermenêutico e,

consequentemente, da concretização e efetividade normativa.

527

HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

co tribuiç o para a i terpretaç o pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o. Título original Die Offene

Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur Plaralistischen und ‘Prozessualen’

Verfassungsinterpretation, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1997. 528

MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre: Editora Sulina, 2007, p.113. 529

Registremos pedido de desculpas pela demora no julgamento de um processo, expressamente consignado no

voto do relator desembargador Magalhães Coelho, do Tribunal de Justiça de São Paulo. O caso examinado

correspondia à ação de indenização ajuizada por Diva Ferreira em face da Fazenda Pública do Estado de São

Paulo, sob o fundamento de configuração de responsabilidade civil do Estado nos termos do art. 37, § 6º, da CF

decorrente do falecimento de seu filho, atropelado que fora por uma viatura da Polícia Militar do Estado de São

Paulo. Disse o Desembargador que “(...) Não posso iniciar o julgamento dos recursos interpostos nesses autos

sem me referir, brevemente que seja, ao verdadeiro absurdo que aqui se consumou. Em quase trinta anos de

judicatura, raras vezes as omissões das instituições provocaram fato tão perverso, como o que aqui ocorreu. No

ano de 2000, os autores obtiveram sentença de parcial provimento de sua pretensão indenizatória. Os autos do

processo, após a interposição dos recursos, ingressaram nesse Tribunal de Justiça em 2001. Por longos e

inaceitáveis dez anos remanesceram inertes sem que os recursos fossem apreciados, constituindo-se o fato, na

prática, em denegação da jurisdição, responsabilidade da qual o Tribunal de Justiça de São Paulo, como

instituição respeitabilíssima e necessária à garantia do Estado Democrático de Direito, não tem como se furtar.

Embora sem responsabilidade pessoal no fato, vejo-me obrigado a me penitenciar perante os autores, em nome

da minha instituição, por esse verdadeiro descalabro, que se procurará a partir de agora por fim.(...)”.

Desembargador Magalhães Coelho. Voto quando do julgamento do Processo Registro: 2011.0000106207, nos

autos de Apelação / Reexame Necessário nº 9222556-88.2002.8.26.0000, da Comarca de Campinas, em que são

apelantes Diva Ferreira, Fazenda do Estado de São Paulo e Juízo ex-officio, sendo apelados Fazenda do Estado

de São Paulo e Diva Ferreira. 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, disponível em

http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?localPesquisa.cdLocal=5&processo.codigo=RMZ00G9T30000, acessado

em 28 de julho de 2011.

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Realisticamente falando, observamos que a interpretação comumente adotada é a que

reflete as experiências vividas, as condições sociais que influíram para a adoção de tal ou qual

percepção, as possibilidades e necessidades, os grupos concretos de pessoas interessadas, a

opinião pública democrática e pluralista, os processos estimulantes de convencimento, aí se

incluindo a média das expectativas gerais e mesmo o senso comum, além das consequências

práticas de tal interpretação.

Verifica-se, pois, como possibilidade de refinamento dos processos de interpretação, o

constante estabelecimento de comunicação efetiva entre os participantes de tal processo

interpretativo e integrativo, operando-se, no dizer de Peter Häberle 530

, uma hermenêutica

constitucional da sociedade aberta, o que poderíamos estender para a interpretação e

integração de todas as normas.

Assim, as influências, expectativas e obrigações sociais a que estão submetidos os

juízes contêm uma parte de legitimação de seus posicionamentos, indo além da autorização

formal para se alcançar sua vinculação social e, com isso, evitar o arbítrio da interpretação

judicial.

É, pois, no contexto intersubjetivo de fundamentação que tanto o conhecimento

teórico quanto o conhecimento prático assumem maior relevância e integração, tornando

possível a interpretação, com maior profundidade, das normas, fatos e pessoas e, por assim

dizer, concretizar o círculo hermenêutico idealizado por Martin Heidegger de reconciliação da

teoria com a prática.

É possivel, na mesma perspectiva, que tal compreensão e modo de tratar a relação

entre teoria e prática ensejam a complementaridade entre a dogmática e a aplicação

democrática sensível das normas, aproximando o universo dos livros do mundo real.

530

HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

co tribuiç o para a i terpretaç o pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o. Título original Die Offene

Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur Plaralistischen und ‘Prozessualen’

Verfassungsinterpretation, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1997, p.13.

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274

3.2.1.3- Escolhas políticas

Atente-se, no entanto, para o fato de que mesmo adotando os cuidados há pouco

indicados, persistem circunstâncias de indefinição da interpretação.

São estas ainda mais potencializadas quando se evidencia a necessidade da ordem

constitucional e dos ordenamentos jurídicos nacionais enfrentarem situações de adequação às

normatizações estrangeiras531

ou casos que lidem com direitos originários de vários países e

mesmo com organizações internacionais532

, onde as visões de mundo frequentemente se

chocam, na tentativa de prevalência de um sistema sobre o outro.

Note-se,com efeito, que a ideia do mundo jurídico está imune às dinâmicas sociais e

ser refratário aos fenômenos de interesses e ao que poderia ser entendido como política

apresenta inúmeras insuficiências, tanto teóricas quanto fáticas, sendo fruto da crença

idealizada do formalismo jurídico independente e puro533

.

Na verdade, como é cediço e já evidenciado, as respostas/interpretações só se dão ante

a manifestação real do caso específico e o sentido somente ocorre a partir e na situação

concreta.

531

A legislação brasileira permitia a prisão do depositário infiel (Constituição Federal Art. 5º, inc.LXVII e

Código Civil, art. 652), mas o parágrafo 2º do art.5º da Constituição Federal afirma que os direitos e garantias

expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A inadmissão da prisão por dívida e suas

consequências prevista pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, parágrafo 7º) e pelo Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Políticos (art. 11) ratificados pelo Brasil, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a

admitir a tese da supralegalidade, adequando a lei brasileira à ordem jurídica internacional, adotando em

16/12/2009 a Súmula Vinculante nº 25(É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a

modalidade do depósito). Em sentido inverso, o STF, ao deparar o pedido de extradição a país que admitia a

prisão perpétua, passou a entender que só se admite a extradição com a garantia de que a pena máxima aplicada

ao réu será de 30 anos, conforme interpretação da Constituição Federal, artigo 5º, XLVII, c/c art. 91, III do

Estatuto do Estrangeiro-Lei 6.815/80- (caso do sequestrador chileno Maurício Hernandez Norambuena na

Extradição nº 855, em 26/08/2004, feito relatado pelo Min. Celso de Mello). 532

Como, por exemplo, no que diz respeito à importação de carros usados, quando a Corte Europeia tratou a

questão da importação de carros dos EUA como questão de saúde pública e a OMC tratou como limitação à livre

concorrência. De forma semelhante ocorreu quando do Julgamento pelo STF, da Arguição de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF) 101, ajuizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal

Federal (STF), por intermédio da Advocacia Geral da União (AGU), contra decisões de quatro Tribunais

Regionais Federais, 24 Juízos Federais de seis estados e da Vara Federal Ambiental de Curitiba que permitiram a

importação de pneus usados, onde se decidiu pela proibição de tais importações provenientes da Europa, com

posterior extensão às importações com origem no Mercosul. 533

Ver BARROSO, Luis Roberto, No mundo ideal, o Direito é imune à política; no real, não, texto publicado

em 16 de fevereiro de 2010 no sitio www.conjur.com.br, acessado em 25 de março de 2014.

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275

A espacialidade do Dasein, no dizer de Martin Heidegger, indica a quotidianidade e o

sistema de equipamentos (tanto a prontidão-a-mão – Zuhandenheit- como a simples-

existência - Vorhandenheit) com que nos cercamos e a precisão própria que indicamos, mas,

além disso, temos nós mesmos e os outros.

Desta forma, como nossa existência é sempre social e transcorre com outros, o Direito

por manifestar-se na realidade comunitária também assume, reflete e convive com as tensões

sociais e políticas.

Na verdade, pelo fato de a política se referir à ação de uma comunidade e significar

deliberação e processos de escolha e decisão, torna-se aquela uma das dimensões essenciais

de nossas vidas, podendo intervir no mundo para conservar ou mudar um estado de coisas,

influenciando significativamente no que diz respeito às relações entre o Estado e a

comunidade534

.

Deste modo, as opções políticas não são neutras em relação aos valores éticos nem

estão deslocadas do mundo jurídico, até porque a Justiça estatal continua sendo serviço

público e este sempre reflete, de uma forma ou de outra, as opções políticas, legislativas e

administrativas adotadas.

Entendamos bem o afirmado. Não defendemos o argumento de que a Justiça estatal

represente ou se manifeste conforme os interesses político-partidários, nem aja de acordo com

a política econômica de momento ou se submeta a interesses de governos.

Asseveramos somente que a Justiça estatal não pode ignorar as opções legislativas

legitimamente realizadas, cabendo-lhe dar a interpretação conforme a realidade social e a

extensão dos princípios constitucionais vigentes.

534

Podemos mencionar como exemplo de integração sensível da legislação estatal com a comunidade, no

aspecto do reconhecimento da necessidade de tratamento igualitário de todos, a lei estadual que estipula que as

empresas de telefonia celular instaladas no Estado do Mato Grosso do Sul deverão conceder 50% (cinquenta por

cento) de desconto em suas tarifas aos cidadãos portadores de distúrbios na fluência e na temporalização da fala,

ou seja, os portadores de gagueira. (Art. 1º da Lei nº 3.770, de 04 de novembro de 2009- Dispõe sobre a

concessão de desconto na tarifa da telefonia que especifica e dá outras providências – Diário Oficial nº 7.576, de

05 de novembro de 2009).

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276

No que diz respeito ao enfoque administrativo, claro nos parece que os mecanismos de

funcionamento da Justiça, aí incluídos os modos de seleção, treinamento e aprimoramento dos

magistrados, seu grau de independência e autonomia funcional, bem como o número de

servidores e meios tecnológicos postos à disposição do público refletem o grau de evolução

da cidadania de uma nação.

No mesmo rumo, os processos de escolhas políticas refletem e explicitam os valores

adotados, principalmente no que diz respeito à cidadania e às questões de tratamento

verdadeiramente igualitário535

de todos, com o consequente e correspondente nivelamento

jurídico dos estatutos democráticos e republicanos, inclusive no que diz respeito à prestação

pública de contas dos ocupantes de cargos públicos (accountability).

Como visto, operando-se na realidade mundana, a tradição ingênua, que sugere que o

intérprete maneje exclusivamente recursos lógicos e de maneira desinteressada, cede

facilmente à constatação de que aquele interpreta não apenas o que percebe (primeiro aspecto

diferenciador das sensibilidades), mas que sua maneira de ser interfere no como pode o

mesmo perceber. Ou seja, o intérprete assim age de acordo com seus limites e segundo sua

vontade, mesmo que traduzidos com certo refinamento teórico legitimador de seu ato

interpretativo.

Portanto, no mundo real, no dia a dia dos fóruns e na concretização das normas

jurídicas nos processos, reconhecemos que Direito e política convivem e se influenciam. Suas

535

Observemos, por exemplo, que a União Europeia assinou em março de 2007 o tratado das Nações Unidas

sobre os direitos das pessoas portadoras de deficiências (ratificada até dezembro de 2010 por 16 países),

comprometendo-se a garantir a conformidade da legislação, das políticas e dos programas da UE com o disposto

na Convenção, nos limites das suas competências. Assim, segue-se a implementação prática do artigo 1.º da

Carta dos Direitos Fundamentais da UE (que afirma que “A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser

respeitada e protegida.), do artigo 26.º (que estabelece que A União reconhece e respeita o direito das pessoas

com deficiência a beneficiarem de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, a sua integração social e

profissional e a sua participação na vida da comunidade”), e do artigo 21.º que proíbe qualquer discriminação em

razão de deficiência. Concretizam-se, assim, os artigos 10º e 19º do Tratado sobre o Funcionamento da UE

(TFUE) que estabelecem que a União, na definição e execução das suas políticas e ações, tem por objetivo

combater a discriminação em razão da deficiência (artigo 10.º) e autoriza-a a adotar legislação para combater

discriminações desse tipo (artigo 19.º). Ademais, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas

com Deficiência do qual a UE e os Estados-Membros são partes, já vincula os Estados Partes a proteger e a

salvaguardar os direitos humanos e as liberdades fundamentais das pessoas com deficiência. Assim, nos termos

da Convenção, até 2020, todos os países signatários devem desenvolver políticas no que diz respeito a acesso a

educação, emprego, transporte, infraestruturas e edifícios abertos ao público, direito de voto, aumento da

participação na vida política e garantia da capacidade jurídica plena de todas as pessoas com deficiências. Cf.

http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/11/4&format=HTML&aged=0&language=EN&gui

Language=en, acessado em 12 de janeiro de 2015.

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277

proximidades com as modalidades de aquisição, exercício e limitação do poder e satisfação de

prioridades de grupos conforme os valores e ideologias contemporâneas indicam claramente

tais contatos. Em alguns casos, tal intensidade pode fazer chegar ao ponto de se confundir a

legalidade como a política vestida pela norma.

Assim, resta claro que não existe indiferença entre política536

e Direito537

.

Esclareçamos uma vez mais, que a proximidade aqui posta em relevo é entre o Direito

e a Política no sentido de sua prática social e cidadã perante os poderes públicos, bem como

quando o juiz, nas palavras de Karl Engish538

, se abre às correntes de seu tempo, na

compreensão histórica do entendimento do justo.

3.2.1.4 Escolhas intersubjetivas

O paradigma do Estado de Direito, por estar assentado na intersubjetividade, não

poderia ter a dicção da Justiça, uma das suas expressões, como um produto da objetividade

plenipotenciária do texto nem como parto da solidão técnica, autônoma e subjetiva do

intérprete.

Assim, se um Estado quer se identificar com as características democráticas, deve

também exercitar seu Poder Judiciário como poder político atuante ante o comprometimento

com os valores constitucionais nas democracias modernas.

Observe-se que tal aproximação é completamente diversa da possivelmente existente

entre Direito e politicagem ou interesses partidários, cujos riscos e nódoas são evidentes.

536

Diz Streck que “(...) Na verdade, o Direito presta legitimidade à política, compreendida como poder

administrativo, sendo que a política lhe garante coercitividade. Concebendo a política como comunidade

(Polity), o Direito faz parte dela. Compreendida como exercício da política (politics), há uma coimplicação entre

eles na constituição do político. Como ponto de vista partidário, o Direito tem o papel de limitar a política em

prol dos direitos das minorias, definindo o limite das decisões contramajoritárias. O Direito é essencialmente

político se o considerarmos como um empreendimento público. Daí política ou político, no sentido daquilo que é

da polis, é sinônimo de público, de res publica. (...)”. STRECK, Lênio, O Supremo não é o guardião da moral

da nação, Coluna no Conjur de 05 de setembro de 2013, disponível em http://www.conjur.com.br/2013-set-

05/senso-incomum-supremo-nao-guardiao-moral-nacao, acessado em 06 de setembro de 2013. 537

Celso Fernandes Campilongo afirma que o sistema jurídico é sensível ao sistema político, mas processa e

operacionaliza tal sensibilidade nos limites estruturais que o caracterizam, não sendo afetado direta e

instantaneamente com as demandas políticas. Assim, agindo em seu tempo, os tribunais criam sua jurisprudência

diversa da ‘jurisprudência’ política, econômica ou jornalística. CAMPILONGO, Celso Fernandes, ob.cit. p.177 538

ENGISH, Karl, Introdução ao pensamento jurídico – título original Einführung in das Juristische Denken,

tradução de J. Baptista Machado, 7ª edição, Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1989, p.167.

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278

Ademais, a permeabilidade tanto dos valores socioculturais históricos, como das

condições e circunstâncias pessoais íntimas que influenciam os processos de julgamento ou

movimentos decisórios, de escolha ou de adoção entre teses razoáveis de resolução dos

conflitos, impede que o intérprete e o aplicador do Direito se isolem na ambição de

exclusividade de raciocínio subjetivo539

ou na objetividade extremada.

Ressaltemos-se, no entanto, o fato de que, na rotina forense, os juízes deparam

aplicações procedimentais, em que a margem de escolha é diminuta ou mesmo inexistente e a

mera subsunção da norma aos fatos é operada sem maiores dificuldades.

Assim, ocorre, por exemplo, ao se determinar a simples marcha processual como a

citação do réu ou a manifestação da parte contrária no concernente à documentação

apresentada, pelo que devem os juízes respeitar as escolhas normativas e seguir os ritos sem

impor suas vontades próprias.

Não obstante, até mesmo diante da normatização procedimental positiva, possui o juiz

certo espaço onde exerce a vontade nos parâmetros já expostos, mas tal exercício permanece

sendo vontade baseada em valores que condicionam suas ideias e crenças; e, como vontade540

,

pode (e deve) ser influenciada pelos mecanismos sociais legítimos.

Assim, por exemplo, no que diz respeito à produção da prova nos processos, distingue-

se a larga escala valorativa do julgador na definição das controvérsias, bem como nos meios

de prova admitidos.

539

Antonio Castanheira Neves indica, como coordenadas, visando a que as decisões concretas não sejam

expressões das pessoais posições subjetivas do magistrado, que a Constituição deve ser o referente político-

jurídico fundamental, o que conduz a que a decisão concreta deve realizar dita estratégia programática; a

realização do programa finalístico implica sistema de controle de poderes com estrutura processual capaz de

fornecer legitimação às decisões e metodicamente a racionalização da decisão deve dar-se por uma

argumentação tópica. CASTANHEIRA NEVES, Digesta – escritos acerca do Direito, do Pensamento

Jurídico, da sua Metodologia e Outros, vol.1º( O Direito como alternativa humana. Notas de reflexão

sobre o problema actual do Direito), Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p.306 540

Thomas S. Kuhn nega que possa haver escolha isenta de influências de fatores psicológicos, sociais e

culturais, até mesmo para aceitação ou rejeição de teorias científicas, esclarecendo que o mecanismo da escolha

teórica é permeado de persuasão, argumentações e contra-argumentações, independentemente de provas. KUHN,

Thomas S., A Estrutura das Revoluções Científicas, título original The Structure of Scientific Revolutions,

tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira, 9ª edição, 1ª reimpressão, São Paulo: Editora Perspectiva,

2009.

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279

Dependendo da extensão interpretativa que o juiz fizer do Direito à prova, pode

reconhecê-lo na perspectiva constitucional e considerá-lo como Direito fundamental

decorrente dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça ou dar-lhe

conotação mais restrita.

Urge exprimir a noção de que, apesar da regra da liberdade dos meios de prova indicar

como exceção as provas ilícitas541

, tem-se admitido no processo civil542

a utilização de tal

categoria. Tal ponderação é comumente realizada quando a prova foi obtida ou formada

ilicitamente porque não existia outra maneira para demonstrar os fatos em juízo e se for

constatado que tal proibição deva ceder a outro princípio que no caso concreto deva

prevalecer.

Ditos conflitos entre a vedação ao uso da prova ilícita e o Direito à prova como

mecanismo de acesso à Justiça, ambos princípios de categoria constitucional, serão

resolvidos, conforme já anunciado, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Assim, tal se dará com intervenção do julgador e conforme sua percepção dos

interesses específicos tutelados e contrapostos, ocasião em que o magistrado verificará as

prioridades, a necessidade e a adequação que visem a prestigiar o valor jurídico mais

relevante e atingir-se o objetivo da justiça.

Tal flexibilidade continua na definição da dinâmica probatória e na apreciação da

prova produzida. Em tais momentos, se encontram presentes outras dimensões além da

jurídica, mormente as referentes à sensibilidade e experiência do julgador, e todas afetam a

reconstituição dos fatos e sua significação aceitável.

541

Constituição Federal brasileira - artigo 5º, inciso LVI. - in verbis: "são inadmissíveis, no processo, as provas

obtidas por meios ilícitos". 542

Cabe lembrar que a proibição da prova ilícita pode merecer admitir exceções com base no princípio da

proporcionalidade e a fim de preservarem determinados bens e valores dignos de proteção no caso concreto.

Nessa linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal admitiu que a administração penitenciária, com

fundamento em razões de segurança pública, pode, de forma excepcional, interceptar correspondência remetida

aos apenados, ponderando que a inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de

salvaguarda de práticas ilícitas. No caso concreto, o princípio da proibição da prova ilícita e o direito à

intimidade cederam, prevalecendo o valor da segurança pública. HC 70814 / SP – São Paulo, DJ 24-06-1994. 1ª

Turma do STF. Relator Min. Celso de Mello. Sabe-se, também que o próprio Supremo Tribunal dos EUA já se

posicionou no sentido de que a vedação probatória cede quando diante dos casos de descoberta inevitável e

quando a prova ilícita não foi considerada essencial para a descoberta da verdade (independent source e

inevitable Discovery), ou seja, quando os fatos apurados por meio de uma violação das garantias constitucionais

tiverem condições de ser provados por uma fonte independente da ilícita e, no caso da descoberta inevitável, nas

hipóteses em que a prova pudesse ser inevitavelmente ser descoberta por outros meios legais.

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280

Ademais, a gradação do que se entende como finalidade do processo, indo desde

simplesmente aplicar a lei e resolver formalmente os conflitos entre as partes a restaurar

genuinamente as relações pacíficas entre os indivíduos, possibilita que a verdade a ser

alcançada dentro do contexto judicial se mostre bem diferente da verdade não judicial ou

extrajudicial, cabendo ao julgador minimizar essa distância.

Consideramos, assim, que tal atividade de integração formal-real variará conforme o

grau de comprometimento pessoal do juiz em tais operações de descoberta e criação,

assumindo papel clara e variadamente político, ao se conformar com o que é apresentado

pelas partes ou ao se imiscuir na realidade social mais profunda à procura de todos os

elementos de influência de sua convicção.

Sabemos que, para não ser deturpado, o conteúdo das decisões processuais, necessita

coincidir ou corresponder com os fatos que realmente sucederam na situação empírica que

está na base na controvérsia judicial, o que implica sinceridade nas versões apresentadas e

descobertas, ainda que objetivamente possam não corresponder à verdade.

De igual forma, dito conteúdo depende dos cambiantes desempenhos e das pessoais

escolhas e valorações do juiz, ressurgindo a já recorrente percepção da importância de suas

precompreensões, experiências, cultura, base ética e estrutura emocional para tanto.

Tais fatores são expressos como endógenos, rodeiam a condução processual543

e

circundam a apreciação da prova, influenciando o deferimento, produção, apreciação e

543

Sabe-se, por exemplo, do parcial entendimento a respeito do que se deva entender realmente da expressão

garantismo penal na prática da jurisdição criminal brasileira. Percebemos, por vezes, que certos magistrados

confundem a expressão com artificiais considerações que entendem humanísticas e provenientes de seus

exclusivos espíritos libertários, como se nem o Direito Penal nem o Direito Processual fossem simbólicos e

fizessem parte do sistema jurídico, fundamentando seus posicionamentos de extrema e ilimitada amplitude de

defesa como se fossem verdadeiros aspectos das garantias processuais e constitucionais. Podemos dizer que tais

profissionais aparentemente se percebem como, só eles, detentores de consciência social ou algo que o valha,

arvorando-se no papel de pródigos concessores de liberdades, assumindo vertentes de nítida irresponsabilidade

na concessão de habeas corpus. Na verdade, há que se deixar claro o fato de que todos os juízes verdadeiramente

comprometidos com os valores democráticos são sempre garantistas, pois, evidentemente, labutam pela

consecução da justiça. Tal posicionamento, obviamente, implica assegurar todos os direitos processuais e

materiais dos acusados, exercitando-se, ao mesmo tempo, tanto a absolvição e liberdade de inocentes quanto a

condenação de culpados. A garantia da aplicação correta das regras processuais, sem leniência com persecuções

ilegais, mas também sem tolerância com chicanas defensórias, agindo com a mesma aptidão e segurança nos

casos de condenação e absolvição, indicam características mais do que normais e rotineiras dos magistrados.

Desta forma, se a ideia básica no processo penal é a de que os indivíduos nunca deixam de ser sujeitos de

Direito, todos os juízes são garantistas, afinal de contas, em todo o sistema de persecução penal dos Estados de

Direito, converge para o Poder Judiciário, a quem cabe dizer se é ou não cabível a medida penal ou processual

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avaliação dos fatos, normas, argumentos e pessoas, com as óbvias consequências decisórias

daí advindas.

Desta forma, o processo, dependendo das opções do julgador, pode se transformar, ou

não, em diálogo criativo de recuperação do passado e prospecção do futuro.

3.2.1.5- Escolhas e integrações sociais

A criatividade dirigida aos meios e métodos de descoberta da verdade aceitável, enseja

o julgamento adequado e demonstração à sociedade da verossimilhança do que foi levado em

conta para se decidir bem como dos efeitos vindouros de tal decisão.

Logo, é certo que os processos judiciais não se conformam como meras questões de

recuperação de relatos nem de linguagem ou coerência narrativa, mas consubstanciam e

materializam valorações de fatos, pessoas e normas de acordo com as vontades preexistentes

do intérprete em composição com o que é constitucional e normativamente valorado.

No mesmo sentido e em nível mais abrangente, concorda-se que não cabe ao Poder

Judiciário se transformar no principal foro de debate a respeito da vontade popular, cabendo

ao Poder Legislativo tal tarefa fundamental. Observe-se, contudo, que o Poder Judiciário não

poder ficar alheio às reivindicações e expectativas populares.

Neste quadro de relações institucionais, é facilmente verificável na atualidade e em

medida mundial a crescente judicialização de questões de relevância política, social ou moral.

Em tais hipóteses, ocorre clara transferência de domínio e legitimidade do Poder

Legislativo e Poder Executivo para o Poder Judiciário, principalmente quando se tem a

constitucionalização de temas próprios do debate político e o sistema de controle misto da

constitucionalidade544

, como é o caso do Brasil.

penal ao caso concreto examinado. Desta maneira, é obrigação do juiz tanto evitar o cometimento de injustiças,

como o de assegurar a justa pena aos infratores, protegendo tanto o particular quanto a sociedade, sendo em

ambas as hipóteses, garantista de toda forma. 544

O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro combina, como se sabe, com a matriz estaduiniense de

controle difuso, quando qualquer juiz pode decretar a inconstitucionalidade de uma norma no caso concreto, e a

matriz europeia, que permite ações diretas perante a corte constitucional, no caso brasileiro, perante o Supremo

Tribunal Federal mediante larga legitimação ativa (Constituição Federal, art. 103).

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Concebe-se, daí, que os debates a respeito das configurações ou graus de atividade dos

juízes no que diz respeito à expansão ou autocontenção judicial perante as demandas sociais e

as interpretações do Direito vigente ou ausente ultrapassam os interesses particulares das

partes individualmente consideradas para assumir importância social cada vez mais ampla.

Desenvolvem-se, desse modo, contatos ainda mais próximos com a política e a opinião

pública545

, não obstante a dificuldade prática de se definir e alcançar as manifestações

realmente populares546

.

Neste aspecto, como já realçado, defende Peter Häberle547

a noção de que a

interpretação constitucional seja um processo aberto, reconhecendo a ampliação do circulo

dos intérpretes além dos formalmente reconhecidos. Afirma o autor que a conformação da

realidade da Constituição compreende a interpretação das normas constitucionais pertinentes

a essa realidade.

Assim, o desenvolvimento funcional da aplicação da interpretação compreende a

orientação dada pela teoria e pela práxis, o que significa admitir que as discussões legislativas

também fazem parte de tal interpretação, atuando como elemento precursor da interpretação

judicial da Constituição e até mesmo dos processos de mutação constitucional, sempre tendo

em vista as pessoas concretas.

A política não está, portanto, ausente do processo de interpretação constitucional ou

normativa.

545

Observemos que no Brasil as sessões do Pleno do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral

são transmitidas ao vivo por canal de televisão aberto (TV Justiça) e pela internet, sendo que no último caso as

sessões do Conselho Nacional de Justiça também o são. Registremos que não há como negar que os debates

instigam os egos das pessoas, semelhante ao que ocorre nos júris. Diante da plateia, todos viram artistas, ainda

mais quando a plateia é o País inteiro. Desde maio de 2011, a Suprema Corte Britânica também realiza

transmissões de suas audiências de julgamento, por meio da Sky News, disponível em

http://news.sky.com/skynews/Supreme-Court, acessado em 28 de junho de 2013. 546

Observemos que não há como se confundir a opinião pública com opinião publicada, isto é, não há como ser

considerado exclusivamente como opinião pública o entendimento de jornalistas que dominam a imprensa nem

há que aceitar acriticamente a alegada isenção ideológica de meios de comunicação, principalmente por ser

patente a influência de anunciantes, partidos políticos e até mesmo dos interesses do mercado financeiro. De

igual forma, as manifestações em redes sociais refletem diminuta parcela da população com acesso à internet,

interesse e tempo de divulgar suas ideias. 547

HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o. Título original Die Offene

Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur Plaralistischen und ‘Prozessualen’

Verfassungsinterpretation, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1997, pp.26, 27 e 30.

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Evidentemente, não afirmamos, como já mencionado e aqui reforçamos, que o Direito

e seus agentes devem manter contato promíscuo com política partidária ou com políticos

profissionais ou economistas para escolha de seu sentido, nem que a Constituição ou a

legislação sejam interpretadas tomando-se em conta, no dizer de Edgar Morin548

, o envolvente

“holismo vale-tudo” caracterizado por sua abstração excessiva.

Apenas esclarecemos que os agentes colhem, também em elementos extrajurídicos,

influências que determinam as opções possíveis de decisão, principalmente aquelas em que o

resultado possua maior esfera de afetação.

Assim, o Direito e seus agentes são inspirados por uma variedade de fatores, dentre os

quais o nem sempre de fácil captação que é o entendimento social historicamente situado do

justo referente ao caso em análise.

No dizer de Peter Häberle549

, a legitimação das forças pluralistas da sociedade para

participar e/ou influenciar na interpretação das normas, fatos e pessoas reside no fato de que

essas forças representam elementos situados no âmbito da Constituição e exigem as garantias

de igualdade e liberdade, inclusive em dita interpretação de seus direitos.

Ademais, considerando que a Constituição estrutura não apenas o Estado em sentido

estrito, mas também a organização da sociedade, dispondo diretamente sobre setores da vida

privada, não se pode, consequentemente, tratar as forças sociais e privadas como meros

objetos, devendo integrá-las ativamente como sujeitos ativos da interpretação da realidade e

da publicidade da Constituição550

.

548

MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre: Editora Sulina, 2007, p.24 e 53. 549

HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

co tribuiç o para a i terpretaç o pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o. Título original Die Offene

Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur Plaralistischen und ‘Prozessualen’

Verfassungsinterpretation, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,,

1997, p.33 550

Percebemos que, quanto mais as leis despertem interesse da opinião pública ou provocam controvérsias no

seio da comunidade, deve o Judiciário se valer de mecanismos de informação e oitiva social, como o caso das

audiências públicas e amicus curiae (Lei nº 9.882/99).

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3.2.1.6- Escolhas e o (im) possível sem reservas

Inegável, ainda, que o Direito se imiscua diretamente na política, na medida em que as

questões chegam ao Poder Judiciário e este confirma ou invalida atos do Poder Legislativo ou

Poder Executivo, ou mesmo lhes impõe deveres de atuação positiva ou negativa.

Não há como negar, portanto, que, no controle da constitucionalidade por ação e por

omissão, o juiz interfere no âmbito da atividade legislativa. O certo, porém, é que o faz com o

objetivo de resguardar a supremacia da Constituição e sua efetividade.

Em qualquer caso, deve o julgador demonstrar que sua interpretação do Texto

Constitucional é a mais correta, sob pena de se transmutar em franco abuso551

.

Neste aspecto, são correntes as inúmeras críticas a respeito da capacidade ou não dos

juízes examinarem matérias técnicas específicas552

, bem como o risco de elitização dos

debates de questões sociais pela supressão das manifestações dos movimentos populares e

limitações dos canais de expressão da sociedade.

No mesmo sentido, é expressa a noção de que faltam ao Poder Judiciário os

conhecimentos fáticos e técnicos necessários à apreciação das políticas públicas de maior

complexidade.

Neste particular, podemos dizer empiricamente que, hoje os temas mais comuns em

termos de políticas públicas levadas ao Poder Judiciário brasileiro gravitam em torno de

matérias ambientais, o direito à educação e à saúde e questões de improbidade por desvios ou

malversação de recursos públicos.

551

Diz Peter Häberle que o resultado de tal interpretação está submetido à reserva de consistência, expressão

utilizada por Jürgen Habermas (Legitimationsprobleme im Spätkapitalismus, 1973, p.148, conforme nota 73 da

p.42), devendo dita interpretação se mostrar adequada e apta a fornecer justificativas diversas e variadas, bem

como submeter-se a mudanças decorrentes de opções racionais. HÄBERLE, Peter, Hermenêutica

Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação

pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o. Título original Die Offene Gesellschaft der

Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur Plaralistischen und ‘Prozessualen’ Verfassungsinterpretation, tradução

de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p.42. 552

Percebamos, por exemplo, a natural dificuldade dos juízes cuja formação foi baseada no Direito romano-

germânico em entenderem questões de Direito Econômico, cuja natureza está no Common Law dos EUA,

positivado por decisões dos tribunais, com base em usos e costumes, e não em atos legislativos.

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285

As discussões a respeito normalmente se vinculam aos limites de contato entre o

argumento da separação dos poderes e as limitações orçamentárias, invocados pelos

administradores públicos como definidores de seu papel exclusivo de explicar como e quando

atender aos direitos do povo, e o argumento da obrigatoriedade vinculativa dos poderes

públicos cumprirem os direitos assegurados constitucionalmente.

Notemos que, em se tratando de Direitos fundamentais como os Direitos à liberdade,

saúde e à educação, não há espaço para tergiversações. Os chefes do Executivo têm que tomar

as medidas necessárias para concretizá-los faticamente. Pode, pois, o Poder Judiciário, nos

casos de omissão e quando provocado, ordenar as medidas necessárias para tanto, inclusive

com fixação de multas, indenizações553

ou decretações de prisão nas hipóteses de

desobediência.

Cremos que as alegações a respeito do que é entendido como reserva do possível554

,

como forma de proteger os orçamentos públicos, mormente os municipais e estaduais, ante

alegado risco de comprometimento dos serviços coletivos diante de uma decisão isolada,

devem ser vistas com cautela, pois só podem ser críveis se não utilizadas para fraudar ou

protelar o cumprimento dos deveres da administração.

553

Registremos a condenação do Reino Unido no pagamento de indenização a três presos, ante o fato de não ter

sido a eles proporcionado os cursos de reabilitação social que a lei indicava como condição de sua progressão no

regime prisional. Corte Européia de Direitos Humanos, 4ª secção, Case of James, Wells and Lee v. The United

Kingdom (Applications nos. 25119/09, 57715/09 and 57877/09- Strasbourg 18 September 2012, disponível em

http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-113127#{"itemid":["001-113127"]}, acessado em 28

de setembro de 2013. Em 09 de outubro de 2012, a Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Turquia no

pagamento de indenização, sendo que duas condenações dizem respeito ao desrespeito aos direitos dos presos. A

primeira refere-se à discriminação contra um prisioneiro gay, que foi colocado numa solitária sob o argumento

de sua proteção dos outros presos (Deuxième Section, Affaire X c. Turquie, Requête no 24626/09, disponível em

http://s.conjur.com.br/dl/decisao-corte-europeia-direitos-humanos70.pdf, acessado em 10 de outubro de 2013). O

segundo caso diz respeito à indenização aos pais de um condenado que cometeu suicídio, sendo relevante

registrar tentativas anteriores (Second Section case of Çoşelav v. Turkey -Application no. 1413/07, disponível

em http://s.conjur.com.br/dl/decisao-corte-europeia-direitos-humanos71.pdf, acessado em 10 de outubro de

2013). A terceira condenação do País diz respeito ao endereço residencial de uma atriz ter sido divulgado pela

imprensa (Deuxième Section Affaire Alkaya c. Turquie -Requête no 42811/06- disponível em

http://s.conjur.com.br/dl/decisao-corte-europeia-direitos-humanos72.pdf, acessado em 10 de outubro de 2013). 554

Como já anotado, a teoria da reserva do possível sobre a interpretação dos Direitos sociais não pode ser

trasladada para realidades sociais e culturais sem as devidas adaptações, mormente quanto se trata de países com

alto grau de exclusão social e num quadro de ausência de políticas públicas de cunho social. Caso assim ocorra,

estar-se-á privilegiando o normativismo, agora diminuído e agravado por simples questões orçamentárias, e

facilmente negando plena eficácia e efetividade aos Direitos sociais e aos Direitos fundamentais, possibilitando

que o Estado se esquive de promover o padrão mínimo social para uma existência digna. Observemos ainda que,

na crise econômica atual, ao submeter países desenvolvidos à adesão às condições ditadas por órgãos

internacionais de financiamento ou pela União Européia, resta evidenciado que matérias orçamentárias não

podem ser encaradas como meras questões técnicas formais, e sim como verdadeiras condições de soberania,

dignidade social e justiça.

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286

É facilmente perceptivel que os raciocínios com base econômica se mostram

intensamente lógicos, aparentemente corretos e virtualmente os únicos aplicáveis. Na verdade

assim o são apenas sob tais óticas formais, não tendo o condão de imunizar a Administração

quanto ao cumprimento de seus papéis democrático e republicano, nem de fazer prevalecer

conveniências econômicas perante valores constitucionais mais elevados.

O acesso às políticas públicas deve ser sempre garantido ao cidadão e se para sua

concretização houver necessidade de ser acionado o Poder Judiciário, cabe a este não negar

seu papel e garantir o controle efetivo das opções e valorações constantes da Constituição e

das leis.

Tais condutas em nada configuram qualquer tipo de inovação discricionária ou

protagonismo administrativo, mas cumprimento, pelo Poder Judiciário, de seu dever

constitucional, ao tempo em que ressalta a necessidade de os outros poderes fazerem o

mesmo.

No mesmo sentido, expressou-se o ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro

Celso de Mello na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 45555

.

Disse Sua Excelência que, apesar da implementação de políticas públicas não estar

entre as atribuições do Supremo nem do Poder Judiciário como um todo, é possível atribuir

essa incumbência ao Poder Judiciário556

quando o Legislativo e o Executivo deixam de

555

Informativo/STF nº 345/2004 disponível em

http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo345.htm, acessado em 03 de novembro de

2013. 556

Esclarece o Ministro Celso de Mello em seu voto no Recurso Extraordinário 482.611 Santa Catarina (Relator

: Min. Celso de Mello. Recte.(s) : Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Recdo.(a/s) : Município de

Florianópolis que ante a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada ao Supremo Tribunal Federal,

dita Corte “(...) não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e

culturais, que se identificam - enquanto direitos de segunda geração - com as liberdades positivas, reais ou

concretas. (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Afirma ainda que “(...) se assim não for, restarão

comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto

constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas

impostas ao Poder Público”. Esclarece ainda que “Não se ignora que a realização dos direitos econômicos,

sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em

grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de

tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal,

desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação

do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal

hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou

político-administrativa - o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o

estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de

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cumprir seus papéis, colocando em risco os Direitos individuais e coletivos previstos na

Constituição Federal557

.

Não há, pois, no caso, qualquer mácula à ordem e à economia públicas ou violação ao

princípio da separação de poderes, mas antes a promoção de valores sociais, reconhecidos na

Constituição.

No mesmo curso já se expressava Rui Barbosa558

, ao asseverar que o Direito não

permite o arbítrio de nenhum dos poderes, nem mesmo quando se afirma a presença de atos

políticos do Congresso ou do Poder Executivo. Assim, as violações de garantias individuais

não são imunes à ação dos tribunais, nem mesmo quando perpetradas à sombra de funções

públicas ou acobertadas por sofismas que dissimulam a violência.

Como é cediço, a verdadeira Democracia é a democracia do cidadão e se desenvolve

diante as diversas possibilidades e segundo as necessidades da realidade.

Assim, todos os fatos, inclusive as questões políticas, quando relacionadas ao dever e

ao fazer estatais e relativas ao estabelecimento de rumos e metas pelo Estado, são fatos

juridicamente qualificados por dizerem respeito à Nação e à cidadania. No mesmo rumo, se é

existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004). Cumpre advertir,

desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente

aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de

suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar

nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial

fundamentalidade”. Voto disponível em

http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=60&dataPublicacaoDj=07/04/2010&inc

idente=2391964&codCapitulo=6&numMateria=43&codMateria=3, acessado em 03 de novembro de 2013. 557

No mesmo sentido, concluiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar na ação direta de

inconstitucionalidade nº 2010-DF, em 30 de setembro de 1999 ao expressar que “ (...) A DEFESA DA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA REPRESENTA O ENCARGO MAIS RELEVANTE DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal - que é o guardião da Constituição, por expressa

delegação do Poder Constituinte - não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte

falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a

proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações

jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas. O inaceitável

desprezo pela Constituição não pode se converter em prática governamental consentida. Ao menos, enquanto

houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-

institucional”. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2010-2 –Distrito Federal – Medida Cautelar- Relator:

Ministro Celso de Mello. Requerente: Conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requerido:

Presidente da República, Congresso Nacional. 30.09.1999) Íntegra dos votos disponível em

http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev0/files/JUS2/STF/IT/ADI-MC_2010_DF%20_30.09.1999.pdf,

acessado em 28 de novembro de 2013. 558

BARBOSA, Rui, Obras seletas de Rui Barbosa: trabalhos jurídicos. vol. XI. [s/l]: Rio de Janeiro: Casa de

Cultura Rui Barbosa, 1962.p.108.

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certo afirmar que a prevalência do Estado democrático de Direito é o valor da própria justiça,

esta é o valor do magistrado.

À vista disso, podem ser tais fatos políticos sindicados pelo Poder Judiciário,

mormente ao apreciar a existência ou não de uma política pública, sua compatibilidade com

os preceitos constitucionalmente estatuídos e a efetividade da sua implementação, sobretudo

quando estiver em jogo a concretização dos Direitos fundamentais pelo Estado.

Pode, ainda, o Poder Judiciário atuar negativamente, determinando a suspensão ou

interrupção de políticas que afrontem os princípios constitucionais559

.

No mesmo sentido, afirma Luiza Cristina Fonseca Frischeisen560

que, nas práticas

políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas relativas à ordem social

estabelecidas na Constituição Federal, bem como às normas infraconstitucionais direcionadas

ao mesmo fim, não tendo, destarte, discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e

conveniência da sua implementação.

Havendo dúvida sobre dita margem de discricionariedade, cabe ao juiz dar sentido

concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo),

verificando se ele efetiva a concretização da ordem social constitucional.

3.2.2- A estrutura tríplice helicoidal vibrátil da vontade

Formadas por escolhas, também imaginamos a representação da dimensão da vontade

como um novo entrelaçamento, agora igualmente em forma de corda que também possui os

próprios componentes e estruturas dinâmicas.

559

Em termos de garantias de efetividade das políticas sociais, culturais e econômicas, podemos citar o

desenvolvimento dos direitos fundamentais não escritos do tribunal federal suíço de Lausanne, posteriormente

traduzidos para o texto da Constituição Federal de 1999. No mesmo rumo, podemos nos lembrar do direito

fundamental à autodeterminação informativa e à privacidade e integridade em sistemas técnico-informativos e da

equiparação de crianças nascidas dentro e fora do casamento desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional

alemão. Malgrado a controvérsia existente em âmbito doutrinário a respeito de que certas interpretações acabam

atuando como manifestações pontuais de atividade constituinte, o fato é que as atividades judiciais que primam

pela concretização da democracia não podem ser tidas como prejudiciais a esta. Certo é, no entanto, que há

sempre a necessidade e o cuidado de conjugar inovação com a conservação na gangorra do equilíbrio

democrático e social. 560

FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca, Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o

Ministério Público, São Paulo: Editora Max Limonad, 2000, p. 59, 95 e 97.

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Cremos que podemos identificar esses componentes como a cultura, a ética e os

interesses do agente, sendo suas gêneses, posicionamentos e dinâmicas da mesma forma

representadas como em hélices energéticas vibráteis em interação e coinfluência, de maneira a

também se entrelaçarem como uma corda.

Assim entendemos por que surgimos em um mundo cultural, imersos que nos vemos

sempre em processos de constatação, assimilação e revisitação de valores sociais já postos. De

igual forma, somos influenciados e adaptamos a ética social aos limites pessoais, forjados

estes pelo ambiente social, pessoal, familiar e íntimo.

Convivemos, ainda, por vezes em conflito e angústia, com a interação do que sabemos

ser socialmente aceito como correto e acatamos pessoalmente como adequado e nossas

sombras a apontarem por vezes em direções contrárias, visando à consecução de particulares

propósitos. Assim, os interesses pessoais mais íntimos e mesmo não revelados também

entram na composição final de nossa vontade.

Tentaremos expor, mesmo que de forma sucinta, o modo como nossa cultura, nossos

interesses e ética formam nossas convicções para a ação e podem, tanto individualmente

como em conjunto, elevar nossas vontades a práticas sagradas.

3.2.2.1- A cultura561

Podemos, assim, afirmar que nossas ideias (conhecimento e filosofia), crenças

(religião e superstição), valores (moral e ideologia), normas (costumes e leis), atitudes

(preconceito e respeito ao próximo), padrões de conduta (monogamia, tabus), abstração do

comportamento (símbolos e compromissos), instituições (família e sistemas econômicos),

técnicas (artes e habilidades) e artefatos (machado de pedra, telefone) formam nossa

cultura562

, mas o conceito propriamente dito de cultura possui muitas variáveis.

561

Maior aprofundamento sobre o tema pode ser obtido em CUNHA, Danilo Fontenele Sampaio, Patrimônio

cultural – proteção legal e constitucional, Rio de Janeiro: Editora Letra Legal, 2003. 562

MARCONI, Marina de Andrade, PRESOTTO, Zélia Maria Neves, Antropologia – Uma Introdução, 5ª

edição, São Paulo: Editora Atlas S.A, 2001, p.45.

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290

O conceito de cultura563

, pelo menos como utilizado atualmente564

, foi desenvolvido

pela primeira vez565

por Edward Tylor, em 1871, para quem, tomado em seu amplo sentido

etnográfico, é todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes

ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma

sociedade 566

. O autor sintetizou que o termo Kultur era utilizado para representar aspectos

espirituais de uma comunidade, e Civilization dizia respeito às realizações materiais de um

povo.

O autor, no entanto, buscava apoio nas Ciências Naturais, assumindo a perspectiva de

que nada acontece na natureza sem suficiente razão, expressando seu entendimento a respeito

do desenvolvimento das sociedades com base na perspectiva do evolucionismo unilinear567

.

A reação ao evolucionismo inicia-se com Franz Boas568

, ao afirmar que cada cultura

segue o próprio e individual caminho em função dos distintos eventos históricos que enfrenta,

563

Cultura vem dos termos latinos colere, que significa cultivar, criar, tomar conta, cuidar e cultus que significa

instrução. Sobre o conceito de cultura, ver LANDMANN, Michael Filosofia da Cultura, in HEINEMANN,

Fritz. A Filosofia no Século XX,tradução de Alexandre F. Morujão, 4ª edição, Lisboa: Fundação Caloustre

Gulbenkian, 1993, págs. 523- 534, THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura, tradução do Grupo de Estudos

sobre Ideologia, Comunicação e Representações Sociais da Pós-graduação do Instituto de Psicologia da PUCRS,

5ª Edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2000, principalmente o capítulo 3- Conceito de Cultura, págs. 167- 220. 564

Segundo Hannah Arendt (ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro, São Paulo: Perspectiva S.A,

Editora, 2000, p.265), foi Cícero quem primeiro usou a palavra para questões de espírito e da alma, afirmando

em suas Tusculanas, I,13, que a mente se assemelha a um terreno que não pode ser produtivo sem cultivo

adequado, declarando que “Cultura autem animi philosophia est” ou seja, “Na verdade, a Filosofia é a cultura

do espírito”. 565

Observemos, porém, que John Locke já defendia, em 1690 e em outros termos, a existência de uma lei

cultural ou da opinião ou do costume, ao afirmar que “Ninguém, contudo, foge à sanção da censura e da antipatia

dos outros quando age contra o costume, à opinião da companhia que freqüenta, onde quer ser bem visto. E não

há uma só pessoa em dez mil que seja suficientemente forte e insensível para tolerar a antipatia e reprovação

constante do círculo onde vive.” (LEYDEN, Von, John Locke - Ensay on the law of nature, de, Oxford Claredon

Press, 1954, p. 481, citado por BOBBIO, Noberto, Locke e o Direito Natural, tradução de Sérgio Bath,

Brasília-DF: Editora UnB, 1997, p.143 ). Igualmente, Jean-Jacques Rousseau atribuiu à cultura uma importância

significativa para a compreensão dos homens, afirmando que “É fácil de ver, com efeito, que entre as diferenças

que distinguem os homens, inúmeras, consideradas naturais, são unicamente obra do hábito e dos vários gêneros

de vida que os homens adotam em sociedade (...). A mesma coisa acontece com as forças do espírito; a educação

não só estabelece diferença entre os espíritos cultos e os que não o são, como também aumenta a que existe entre

os primeiros na proporção da cultura, pois, quando um gigante e um anão andam pelo mesmo caminho, cada

passo, que um e outro dêem, trará vantagem a mais ao gigante(...)”. ROUSSEAU, Jean-Jacques, Discurso sobre

a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens,1754, tradução de Lourdes Santos Machado,

São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, Coleção Os Pensadores, Volume II, 1999, p.82. 566

TYLOR, Edward, Primitive Culture. Londres: John Mursay & Co. (1958, Nova York, Harper Torchbooks.),

cap.1. p.1, texto traduzido e citado em LARAIA, Roque de Barros, Cultura- um conceito antropológico, Rio

de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 14ª edição, 2000, p.25. 567

Segundo tal entendimento, todas as culturas deveriam passar pelas mesmas fases de evolução (selvageria,

barbária e civilização), o que tornava possível a identificação de cada sociedade humana dentro de uma espécie

de escala que ia da menos a mais desenvolvida, possuindo um nítido caráter discriminatório, uma vez que as

sociedades eram classificadas hierarquicamente com evidente vantagem para as culturas européias, revelando o

seu matiz etnocêntrico.

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sendo que o evolucionismo da cultura só tem sentido quando ocorre em termos de uma

abordagem multilinear.

É interessante, pois, desde logo, frisar a importância de sabermos o que enfrentamos,

por que e como o fizemos, as causas de tal questionamento e quais os valores que

defendemos, sendo certo que, com suporte na compreensão histórica de nosso estado atual

podemos modificar nosso quadro social futuro.

Neste aspecto, Alfred Kroeber569

frisa que o desenvolvimento civilizatório é

caracterizado por ser claramente acumulativo, conservando-se o antigo, apesar da aquisição

do novo, o que é bem diferente da evolução orgânica na qual a introdução de novos traços só

é geralmente possível com a perda ou modificação de órgãos ou faculdades.

Clifford Geertz defende um conceito de cultura essencialmente semiótico e assinala,

como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo

teceu pelo que a cultura pode ser tida como sendo essas teias e sua análise, ou seja, não uma

ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do

significado570

.

Nesse sentido, a cultura pode ser entendida como ordem simbólica ou, nas palavras de

Marilena Chauí571

, pela cultura, os humanos atribuem à realidade significações novas por

meio das quais são capazes de se relacionar pela atribuição de valores às coisas e aos homens

(bom, mau, justo, injusto, verdadeiro, falso, belo, feio, possível, impossível, necessário,

contingente).

568

BOAS, Franz, artigo The Limitation of the Comparative Method of Anthropology, in Science, N.S, Vol.4,

1896, conforme indicação de LARAIA, Roque de Barros, Cultura- um conceito antropológico, 14ª edição, Rio

de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p.109. Franz Boas desenvolveu o particularismo histórico ou a chamada

Escola Cultural Americana. 569

KROEBER, Alfred, O superorgânico, artigo de 1949, in PIERSON, Donald (org.).Estudos de organização

social, São Paulo: Livraria Martins Editora, indicado por LARAIA, Roque de Barros, Cultura- um conceito

antropológico, 14ª edição, Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 2000, p.110. 570

GEERTZ, Clifford - A interpretação das Culturas, tradução não indicada, Rio de Janeiro: LTC – Livros

Técnicos e Científicos Editora S.A, 2001, p.15. 571

CHAUÍ, Marilena, Convite à Filosofia, 12ª edição, 3ª impressão, São Paulo: Editora Ática, 2001, p.294.

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Acrescenta a Filósofa572

que, em termos antropológicos, é possível, então, definir a

Cultura como tendo três sentidos principais: 1- criação da ordem simbólica da lei, isto é, de

sistemas de interdições e obrigações, estabelecidos a partir da atribuição de valores a coisas, a

humanos e suas relações e os acontecimentos; 2- criação de uma ordem simbólica da

linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo, do sagrado e do profano, do visível e do

invisível. 3- conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os

humanos se relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou

através dela, modificando-a.

Podemos assim, ao adicionarmos ao conceito histórico- antropológico de cultura, o

sentido de cultivo do espírito, compreender a cultura como a maneira pela qual os humanos se

humanizam por meio de práticas que criam a existência social, econômica, política, religiosa,

intelectual e artística, mediante um conjunto de mecanismos de controle (planos, receitas,

regras, instruções) para governar o comportamento573

.

Concordamos, ainda, com Clifford Geertz574

, na percepção que somos incompletos e

inacabados e que nos completamos e acabamos por meio da cultura, fornecendo esta, por via

de um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento e como fonte de

informação extrassomática, o vínculo pelo qual os homens são intrinsecamente capazes de se

tornarem o que eles realmente se tornam, individualmente.

Assim, nas palavras de Clifford Geertz:

Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos

individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de

significados criados historicamente em torno dos quais damos forma,

ordem, objetivo e direção às nossas vidas. (...) O homem não pode ser

definido nem apenas por suas habilidades inatas, como fazia o

iluminismo, nem apenas por seu comportamento real, como o faz

grande parte da ciência social contemporânea, mas sim pelo elo entre

572

CHAUÍ, Marilena, Convite à Filosofia, 12ª edição, 3ª impressão, São Paulo: Editora Ática, 2001, p. 294/295

– sublinhamos. 573

GEERTZ, Clifford - A interpretação das Culturas, tradução não indicada, Rio de Janeiro: LTC – Livros

Técnicos e Científicos Editora S.A, 2001, p. 57. 574

GEERTZ, Clifford, ob. cit. p.61.

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293

eles, pela forma em que o primeiro é transformado no segundo, suas

potencialidades genéricas focalizadas em suas atuações específicas. É

na carreira do homem, em seu curso característico, que podemos

discernir, embora difusamente, sua natureza, e apesar de a cultura ser

apenas um elemento na determinação desse curso, ela não é o menos

importante. Assim como a cultura nos modelou como espécie única –

e sem dúvida ainda nos está modelando – assim também ela nos

modela como indivíduos separados. (...) 575

.

Podemos concluir, pois, que nossos símbolos, ideias, valores, atos, comportamentos e

mesmo emoções e sentimentos são produtos culturais e da consciência individual, sendo certo

que pessoas de culturas diferentes veem o mundo de maneiras diversas e reagem a tais

percepções também de forma distinta.

Sabemos, portanto, que nossos processos de escolhas têm fontes nos valores objetivos

(mundo cultural) e nos valores subjetivos (produto intimo de aceitação ou repulsa de

comportamentos) e tomam as dimensões correspondentes à liberdade de escolhas e ações,

sendo certo que dita orientação axiológica nos propicia percebermos as dimensões estéticas,

éticas, comportamentais, religiosas e assim por diante.

Verificamos, porém, que o fato de o mundo ser visto conforme a própria cultura do

observador tem como consequência geral a tendência de se considerar o próprio modo de

vida como sendo o mais correto e natural, revelando-se na supervalorização da própria cultura

em detrimento das demais (etnocentrismo), que pode ser manifestada no comportamento

agressivo ou em atitudes de superioridade, de hostilidade física e verbal576

e, nos graus mais

elevados, traz a origem do racismo e da intolerância.

Na verdade, Sigmund Freud577

não estava de todo equivocado, quando apresentou a

paisagem da história da humanidade como marcada pela violência e agressão, mas é

justamente a cultura uma das facetas que se mostra capaz de nos fazer controlar e ultrapassar

575

GEERTZ, Clifford - A interpretação das Culturas, tradução não indicada, Rio de Janeiro: LTC – Livros

Técnicos e Científicos Editora S.A, 2001, p.64. 576

Neste particular, ver HIRIGIYEN, Marie-France, Assédio Moral - a violência perversa do cotidiano,

tradução de Maria Helena Kühner, 3ª edição, Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2002. 577

FREUD, Sigmund, O mal-estar da cultura, título original Das Unbehagen in der Kultur, tradução de Renato

Zwick, Porto Alegre: L &PM Editores, 2011.

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tais tendências egoístas, embora tal processo de superação invariavelmente seja acompanhado

das resistências correspondentes.

As modificações culturais, assim, podem ocorrer por contato com outras tradições e

costumes, seguindo-se os processos da difusão e integração, estimulando-se o enriquecimento

e aperfeiçoamento de um povo, na medida em que diversificam suas maneiras de encarar os

fatos e comportamentos, multiplicando as informações disponíveis pela variedade de ópticas

utilizadas, conduzindo à fusão de percepções em unidades cada vez mais inclusivas e

transigentes.

Acrescentamos a ideia de que a redefinição cultural pode advir pelas adições de

significados e normas de ação mediante a proximidade com outros mundos e realidades, de

maneira a que o contato permanente com outras culturas e pessoas fomente a percepção de

crescente sensibilidade e dependência recíproca capazes de alterar para níveis mais elevados

de solidariedade e tolerância o curso da evolução de um povo.

É crucial, no entanto, entender que o desenvolvimento progressivo dos ajustamentos

das novas percepções às ações correspondentes e a extensão de influência às normas,

princípios e atuações jurisdicionais, enseja tempo, paciência e persistência, alcançando-se,

com maior ou menor extensão e rapidez, uma acomodação cultural, dependendo da

importância e utilidade que os traços culturais anteriores representavam578

.

O que propomos, ao apresentarmos o sentimento do justo e o sentido do Direito como

integrantes da mesma dimensão do servir ao próximo, é possibilitar um deslocamento cultural

de grande alcance pelo qual a própria pessoa humana seja percebida em constante

sacralização579

.

578

Evidentemente, efeitos deletérios à cultura original ocorrerão, caso tais processos de mudança e adaptação

dos novos fatores culturais sejam artificialmente provocados e impostos, sendo que os desajustamentos em tal

integração podem ocasionar conflitos emocionais nos indivíduos, e estes tenham que preferir valores diversos de

suas necessidades e perfilhar comportamentos distintos dos aceitos naturalmente, podendo produzir, em um grau

mais denso, a perda da unidade psicológica da sociedade. 579

JOAS, Hans, A Sacralidade da Pessoa- nova genealogia dos direitos humanos, título original Die

Sakralität der Person: Eine neve Genealogie der Menschenrechte, tradução de Nélio Schneider, São Paulo:

Editora Unesp, 2012, p.79.

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295

Assim, sugerimos que superando nossas tendências à indiferença e à cegueira

moral580

, operacionalizando um retorno à colaboração solidária e à comunhão caridosa

poderemos atingir práticas mais abrangentes de convivência inclusiva e de pertença comum.

Tais práticas e percepções podem e devem ser estimuladas em todos os ambientes,

pelo que pedimos permissão ao leitor para comentar um exercício por nós realizado no

primeiro semestre do curso de Direito da Faculdade Sete de Setembro em Fortaleza,

justamente denominado “objeto sagrado”, que simboliza tal retomada de consciência.

Cerca de duas semanas antes do término do período letivo, marcamos para o último

dia uma aula especial, logo antes das provas finais. Assim, solicitamos que os alunos

trouxessem de casa qualquer objeto que considerem sagrado, ou seja, qualquer coisa que

guardem com carinho e que sequer pensem em vender ou descartar, independentemente de

eventual valor venal em si, mas só é permitido um objeto por aluno.

Nada esclarecemos sobre o que será feito, mas apenas anunciamos que provavelmente

será uma das aulas que marcará seus trajetos acadêmicos, o que, por si, eleva as expectativas.

No dia designado invariavelmente os alunos trazem uma abundância de fotos,

brinquedos, cartas, caixas, livros e acessórios de beleza, em suma, lembranças de

acontecimentos e ocasiões especiais que marcaram suas vidas.

Solicitamos, assim, que cada um falasse por cerca de um minuto sobre o objeto eleito

e as circunstâncias em que ocorreu seu recebimento e o significado simbólico que possuem.

De forma quase geral, os alunos se emocionaram ao relatarem suas histórias e

recordarem das pessoas envolvidas, transformando uma simples aula de despedida de

primeiro semestre em uma torrente de sentimentos que envolvem gratidão, saudade,

superação e esperança.

580

BAUMAN, Zygmund, DONSKIS, Leonidas, Cegueira Moral- a perda da sensibilidade na modernidade

líquida, título original Moral Blindness – The Lost of Sensibility in Liquid Modernity, tradução de Carlos

Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

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O fecho desejado da aula é justamente este: perceber que na verdade não existe

nenhum objeto sagrado em si mesmo, mas sim pessoas sagradas.

Afinal de contas, são as pessoas que sacralizam as coisas com sua importância

vivencial. Elas é que, por meio de seu carinho e de suas atenções e afagos, transformam

simples coisas em símbolos caros e conferem real significado ao antes meramente simplório.

Concluimos, facilmente que, se não fossem o amor de uma mãe, o desvelo de um pai,

a meiguice de uma avó, o cuidado de um tio, o companheirismo de um irmão, a delicadeza de

um amigo e a ternura de um cônjuge, todos aqueles objetos não passariam de meras formas

frias de papel, plástico, metal, madeira ou vidro.

Atingimos, então, com clareza, a conclusão de que são as pessoas que movem nossos

mundos para órbitas que sequer imaginávamos possíveis e são elas, e não as coisas nem as

vaidades e presunções, que merecem toda a nossa dedicação e desprendimento.

O arremate a que queremos aportar e incutir na mente de alunos do primeiro semestre,

na esperança de que levem consigo tal percepção em todo o curso e em suas vidas

profissionais, é que o mais significativo do mundo, e que afeta nossas vidas são as relações

positivas que desenvolvemos e que em cada processo judicial existem pessoas sagradas.

Portanto, a sacralidade das pessoas envolvidas nas relações jurídicas transpassa suas

órbitas e contamina cada processo, tornando-os também benditos.

Daí por que todo profissional do Direito e da Justiça deve se manter ciente de que, por

trás de cada petição, contestação, colheita de prova, decisões e sentenças, existem vidas de

pessoas divinais, com filhos, irmãos, pais, avós, amigos e cônjuges também consagrados e

que serão atingidos pela atuação do profissional do Direito.

Cremos fortemente não ser à toa que uma pessoa é chamada a servir ao Direito e à

Justiça.

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Concebemos a ideia de que propósitos mais elevados foram traçados para todo aquele

que se prontifica a se aproximar de realidades que desconhece e refazer seus pontos de vista,

cada vez mais autocríticos e sensíveis.

Confiamos em que desígnios maiores foram reservados para aqueles que optaram por

falar por quem não tem voz e de lutar por quem não é capaz, bem como destinos mais

sublimes foram reservados para as pessoas que elegeram combater as iniquidades, dar alento

aos desenganados e esclarecimento aos descrentes.

Acreditamos que responsabilidades e oportunidades de crescimento são oferecidas

àqueles que se dispõem a lutar pela cidadania negada principalmente aos mais carentes, a

defender quem não mais espera, a preservar as prerrogativas democráticas e características

republicanas de igualdade e fraternidade, a lembrar deveres públicos esquecidos e

responsabilidades governamentais olvidadas, a combater o mal em nome de quem foi vítima,

assumir a dor de quem não mais a suporta, guerrear pela dignidade dos famintos de comida e

sedentos de esperança e a ombrear-se com todos os necessitados de justiça, respeito e paz.

Em suma, a formação contínua e atuação cada vez mais profunda de uma cultura de

solidariedade, responsabilidade mútua, cuidado e compaixão, enseja o predomínio da

sacralidade divinal e imanente de todos, com o exercício construtivo e socialmente

responsável das profissões jurídicas.

É que, verdadeiramente e ao final, não importa muito o quanto a pessoa ganha, muito

menos os bens materiais que possui ou o reconhecimento público ou acadêmico, ou o garimpo

de posições sociais, status ou aceitações privadas, dado que o realmente importante é quem a

pessoa se torna.

Cremos que a, por assim dizer, cultura do sagrado, pode dar ensejo a verdadeiras

transubstanciações nas práticas, rotinas, atuações, e posicionamentos de todos os que lidam

com o Direito e a Justiça, influenciando o profissional desde de sua formação mais básica, o

que permite a esperança de novos tempos nas salas de aula, gabinetes, escritórios e tribunais.

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Cremos que tais atitudes podem transmutar as pessoas envolvidas em suas versões

mais puras e elevadas, e ser uma pessoa melhor em um mundo mais justo é a maior

recompensa que se pode ter e o máximo legado que se pode deixar.

Talvez, agindo assim, quem sabe, um dia, nossas fotos serão apresentadas como

objetos sagrados de nossos filhos, netos ou bisnetos.

3.2.2.2- A ética

Acreditamos581

que os cálculos subjetivos de decisão (e probabilidades) são baseados

nas estruturas mentais, com a utilização de modelos de instrução ou protótipos informais

capazes de facilitar as tomadas de decisões, tais como o conjunto de conhecimentos

disponíveis e a emocionalidade decorrente das virtudes das quais o indivíduo é possuidor.

Em tal agrupamento, estão compreendidas as relações preferenciais entre certas

configurações da realidade e as ações que serão efetuadas com o fito de preservá-las, com

supedâneo nos conhecimentos e sentimentos que permitam uma manipulação mental desta

realidade de forma rápida (poder de dedução ou eventualmente intuição).

Em 2002, Vernon L. Smith582

já indicava que a Psicologia Cognitiva reporta vários

exemplos em que considerações do aceitável contradizem as conclusões racionais do modelo

padrão da Ciência Socioeconômica (standard socio-economic science model ou SSSM).

Nesse sentido, pesquisas recentes583

confirmam que a maioria das pessoas não escolhe

o equilíbrio de Nash, levando os pesquisadores a pensar que talvez o altruísmo esteja tão

581

REED, Stefen K. Cognition: Theory and Applications. USA: Wadsworth Publishing Published, 2009. 582

Vernon L. Smith apresenta duas formas de racionalidade coexistentes e coinfluenciantes do comportamento

humano: a racionalidade construtivista, ligada ao pensamento racional cartesiano, limitada por não perceber que

as decisões humanas levam em conta até mesmo mecanismos inconscientes, preferências, conhecimentos,

ignorâncias e desejos não expressáveis em pensamentos nem palavras, além das experiências em contextos

específicos e a racionalidade ecologica baseada na evolução biológica e cultural dos processos de aprendizagem,

normatização, comportamento moral e decisão. SMITH, Vernon L. Constructivist and Ecological Rationality

in Economics, Prize Lecture, Discurso na cerimônia de entrega do prêmio Nobel de Economia de 2002,

disponível em http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/2002/smith-lecture.pdf, acessado em 09 de

agosto de 2014. 583

Experiências feitas pela internet realizadas por Ariel Rubinstein, das universidades de Tel Aviv e de Nova

York, de 2002 a 2004, conforme BASU, Kaushink, O jogo da racionalidade, Revista Mente & Cérebro, ano

XVII, nº 205, fevereiro de 2010, São Paulo: Editora Dueto, pp.76-81.

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enraizado em nossa psique quanto o egoísmo e que o comportamento seja resultado de um

conflito íntimo entre ambos.

Pondera-se, com efeito, na ideia de que a rejeição da racionalidade lógica formal esteja

ligada a uma espécie de metarracionalidade.

No mesmo sentido, já asseverava Fernando José Bronze584

, ao dizer que a pluralidade

das dimensões dos processos e discursos decisórios (contexto histórico, axiologia normativo-

juridicamente polarizada e ponderações prático-analógicas) mostra-se oposta ao linearmente

quantificável, do suficientemente mensurável e do seguramente programável. Registra o autor

a insistência na prestabilidade de modelos instituídos pelo positivismo legalista e pela

epistemologia correspondente585

como um arrogante e obstinado autismo infirmado pela práxis

fundada em base informativa e critérios de preferência assumidos como disponíveis.

Percebemos, pois, que os processos de escolhas das decisões e modos de vida passam

por inúmeras variáveis, mas guardam o intrínseco e definitivo, que é a vontade e

determinação de assim agir e perseverar conforme o sentido eleito.

Além de podemos viver conforme escolhas dinâmicas e o sentido escolhido, devemos

destacar a noção de que a tarefa se faz ainda mais elevada quando decidimos viver

humanisticamente empenhado, assim compreendido o comprometimento na expansão das

percepções além das individuais e egoístas, na conjugação da solidariedade, aceitação do

diverso, tolerância com o diferente, sensibilidade com o outro, cuidado e responsabilidade

para com todos586

.

Com tal determinação, necessariamente são ativadas as sensibilidades comunicativas

dialogantes.

584

BRONZE, Fernando José – Argumentação Jurídica: o domínio do risco ou o risco dominado?(tópicos

para um diálogo pedagógico) Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXVI,

Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp.13-34, p.14-19. 585

É certo, no entanto, que as opções contrárias assumidas pelo Movimento do Direito Livre, a Livre

Investigação Científica (François Gény) e a Jurisprudência de Interesses (Phillipp Heck) também se mostraram

equivocadas ante a fragilidade de seus subjetivismos tautológicos. 586

Recordemos a constituição pastoral Gaudium et Spes (Alegria e esperança) do Concílio Vaticano II

promulgada em dezembro de 1965 pelo Papa Paulo VI, em que são pregados o respeito, o amor e a conciliação

de todos, inclusive da Igreja, com aqueles que pensam diferente de nós. É afirmado que, agindo assim, podemos

inicar um diálogo. PAULO VI, Gaudium et Spes (Alegria e esperança), Disponível em

http://dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/edh_enciclica_gaudium_spes.pdf, acessado em 08 de janeiro de 2013.

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Os adeptos de tais convicções mostram-se disponíveis tanto à revisão constante das

versões tidas como certezas, como dispostos à implementação ativa dos princípios da

igualdade, liberdade e solidariedade, certos de que tais opções influenciam não apenas suas

vidas, mas também as existências de outras pessoas.

Tal fenômeno também assim ocorre quanto ao sentido atribuído ao Direito, sendo

certo que há que se ter sempre em mente que as decisões decorrem inicialmente da atribuição

de sentidos oriunda de textos normativos e que existem limites a tal atribuição, não podendo

ser esta sem bordas nem permitido ignorar o texto constitucional em benefício de qualquer

outro fundamento.

Assim, não há permissão democrática do intérprete atribuir às normas o sentido que

lhe bem convier, pelo que a fundamentação jurídica constitucional mostra-se ao mesmo tempo

como garantia democrática, jurídica e social.

Desta forma, sendo certo que quando se fala em Direito e Justiça se está falando da

aplicação ao caso concreto de normas e princípios jurídicos, também há que ser considerado

que nas interpretações destes devem ser utilizados os elementos morais e sociais (valores e

opções de comportamento e convivência) que influenciaram suas gêneses.

Em outras palavras, o conteúdo das normas e princípios expresso mediante as

interpretações cabíveis, indica a integração587

da Moral e do Direito, mas não de toda moral,

mas apenas aquela elevada socialmente como fundamento das normas e princípios jurídicos.

No mesmo rumo, como bem disse o Ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro

Carlos Ayres Britto588

, as pessoas não querem apenas viver, mas viver bem e ser felizes.

Como já consignado, a felicidade não pode ser encarada como um projeto individual e

solitário, mas sim feito propósito social abrangente e difuso. Desta forma, a felicidade só pode

587

Afirma Rudolf Von Jhering que tanto o Direito não pode cumprir sua missão sobre a Terra sem a atitude

Moral, como a Moral sem a coação. JHERING, Rudolf von, A Finalidade do Direito, título original Der Zweck

im Recht, tradução de Heder K. Hoffmann, Tomo II, Campinas: Bookseller, 2002, p.12. 588

BRITTO, Carlos Ayres, discurso de posse do Ministro Ricardo Lewandowski no Tribunal Superior Eleitoral,

Ata da 41ª sessão, de 22 de abril de 2010, disponível em www.tse.gov.br,Jurisprudência > Pesquisa >

Julgamentos > Consulta – Atas. Consulta em 22 de abril de 2013.

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realmente ser assim considerada se todos tiverem pelo menos a mesma oportunidade de

alcançá-la, com a garantia do pleno desenvolvimento das potencialidades pessoais e sociais.

Diz Carlos Ayres Britto que tal propósito só é alcançado em um real estado de

harmônica união de todos com todos sob a marquise sem fim das instituições sociais e do

Estado, destacando-se a proteção da Justiça.

Somente quando as instituições são fiéis às suas funções é que se tornam fontes de

coesão e dignas de todo acatamento, ante a colaboração sincera e efetiva à sedimentação da

cultura de serviço à coletividade e atendimento às finalidades que esta traçou.

Diz ainda Carlos Ayres Britto como as instituições plasmam o caráter de toda uma

coletividade, cabendo indagação a respeito das causas das instituições não funcionarem

conforme o comprometimento social original e infielmente se desviarem de suas funções.

Conquanto existam vários fatores e aspectos dignos de nota, havemos de recordar

sempre o fato de que as instituições são compostas de seres humanos e estes é que por vezes

são infiéis a elas.

Desse modo, a pergunta retoma o foco para o essencial humano e a dúvida é remetida

a por que os seres humanos traem as instituições que deveriam servir com toda eficiência e

devoção, toda honestidade e independência, toda criatividade e transparência.

Acrescenta ainda Carlos Ayres Britto que a ambiência normativa em que se criam e se

movimentam as instituições é geralmente boa, não havendo défice de normatividade, mas

apenas defeito de interpretação e aplicabilidade ante o descompasso da vontade da

Constituição em relação à vontade subjetiva dos seus intérpretes e aplicadores.

Assim, sem vontade de bem interpretar e aplicar uma constituição contemporânea

eminentemente democrática e humanista, toda a arquitetura normativa igualitária, ética e

fraterna fica reduzida, na prática, “(...) a um conjunto de pedantes, enfatuadas nominalidades,

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desastrosos equívocos metodológicos, arcaísmos axiológicos e tudo o mais que signifique

apatia cívica, prestidigitação ética e inautenticidade democrática”589

.

Ousamos afirmar que a variedade dos sentidos assumidos pelo Direito tem como base

primeira as pessoas que, situadas em seus contextos temporais e culturais, optam pelos

sentidos de suas vidas, imantando as instituições e normas com as intensidades das decisões,

direcionamentos teleológicos, subjetividade valorativa e decisões políticas correspondentes.

Acentuamos a ideia de que tal impregnação reflexa de sentido tem por base as próprias

pessoas e suas conformações.

Percebamos, no entanto, que não asseveramos que tudo o que for edificado em cima

de tais fundações seja desprovido de alicerces normativos ou etereamente desvinculado da

realidade, nem que tais construções sejam sempre positivas, corretas ou conformes os

preceitos constitucionais590

. Apenas evidenciamos os liames entre as conformações pessoais

dos agentes do Direito e o sentido por estes atribuídos à sua interpretação e prática.

Evidenciamos, com efeito, que ante a indiscutível incerteza de tais atividades jurídicas

valorativas, não é apenas desejável, mas essencialmente necessário, que, nos Estados

democráticos de Direito, seus agentes desenvolvam e mantenham persistentes autorreflexões e

reconstituições críticas a respeito dos modelos adotados, principalmente nos momentos

normativos de criação do Direito, sejam estes tanto quando da prescrição legislativa como na

judicativa decisão concreta.

No mesmo rumo, assere com propriedade Arthur Kaufmann591

que o Direito e o

processo de criação jurídica se correlacionam inseparavelmente, ou seja, nem o Direito existe

sem procedimento (tal como o ontologismo-objetivismo) nem unicamente como

procedimento (tal o funcionalismo-subjetivismo), mas apenas em procedimento, que é a

realização de algo.

589

BRITTO, Carlos Ayres, discurso de posse do Ministro Ricardo Lewandowski no Tribunal Superior Eleitoral,

Ata da 41ª sessão, de 22 de abril de 2010, disponível em www.tse.gov.br,Jurisprudência > Pesquisa >

Julgamentos > Consulta – Atas. Consulta em 22/04/2013. 590

Recordemos a figura do macaco juiz que utilizava óculos de ouro sem lentes na cidade do Pega-trouxa que

condenou Pinóquio a quatro meses de prisão.COLLODI, Carlo, As Aventuras de Pinóquio, título original: Le

Avventure di Pinocchio, tradução de Pietro Nassetti, São Paulo: Martin Claret, 2002, p.74 591

KAUFMANN, Arthur, Filosofia del derecho, sem indicação de título original, tradução de Luis Villar Borda

e Ana María Montoya, 2ª edição, Bogotá: Universidad Externato de Colômbia, 2006, p.30 e 23.

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Opera-se, com efeito, a superação da cisão sujeito-objeto e dá-se relevância aos

conteúdos ativos, aí incluídos aspectos normativos, sociais, filosóficos e políticos, e aos

diálogos externos, internos e íntimos na configuração dos sentidos do Direito e da Justiça.

A percepção é que estes existem sempre dinamicamente, além de possuírem

referências axiológicas e culturais compreensíveis e procurarem ser, não apenas socialmente

adequados, verdadeiramente eficientes e eficazes em suas missões normativas (aspecto

funcionalista de ser instrumento ideológico-político ou normativo-tecnológico de estratégias

socialmente programática-planificadoras)592

, dotados que são de fundamentação ontológica

que possibilita a autocrítica e superação de suas expressões históricas.

Evidenciamos a noção de que o Direito, na mesma direção, e como recordam Antonio

Castanheira Neves593

e Arnaldo Vasconcelos594

, não o é antes da sua realização (a

determinação da essência não comprova a existência), porquanto apenas na realização é que

adquire sua autêntica existência e realidade. Mesmo após a sua aplicação, no entanto,

havemos de ter em mente a mediação normativo-juridicativamente constitutiva da realização

do Direito.

Ademais, na aplicação do Direito, temos de fazer a necessária mediação entre o que a

normatividade positivamente pressuposta afirma e a decisão ótima de acordo com as

condições apresentadas e conforme dimensões outras da realidade que não apenas a jurídica.

Tal ocorre em uma índole intencional não simplesmente “cognitivo-analítica e lógico-

dedutiva, mas prático-normativa e normativo-teleologicamente constitutiva a exigir sempre

fundamentação”595

.

Esclarece, ainda, Antonio Castanheira Neves que a decisão se traduz na escolha dentre

as várias opções, com a consideração de todos os efeitos ou consequências de cada alternativa

e a valoração de tais consequências segundo uma ordem ou escala de valores (sistema de

592

CASTANHEIRA NEVES, Antônio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p.11 e 30. 593

CASTANHEIRA NEVES, Antônio, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, Boletim da

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora,1993, p.25-26 594

VASCONCELOS, Arnaldo. Direito, Humanismo e Democracia. 2ª edição, São Paulo: Malheiros Editores,

2006, p.23 e 25. 595

CASTANHEIRA NEVES, Antônio, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, Boletim da

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p.41.

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preferências conforme os fins e em sentido funcionalístico-formal) que justifiquem a escolha,

sempre se pressupondo anterior valoração no sentido axiológico-material.

Conclui o mesmo autor o fato de ser no juízo (o juízo jurídico) que se encontra o

âmago (punctum crucis) da concretização e condução à realidade do sentido do Direito e da

Justiça.

Adverte, ainda, que, mesmo se recusando o determinismo jurídico (o determinismo

lógico-subsuntivo) não há que se debandar para o polo contrário do decisionismo e

irracionalismo jurídico596

, pois a humanidade do Direito vai além da consideração de sua

socialidade, da sua legalidade597

e da sua cientificidade, devendo firmar-se numa “reflexão

argumentativa em que se assuma axiologicamente o sentido humano-comunitário do Direito

enquanto tal” 598

.

Retornamos ao ponto já exposto. O Estado não cria o Direito nem seu sentido, mas

apenas os reconhece, o que evidencia o pluralismo jurídico corrente.

Portanto, podemos concluir que a seleção das normas sociais que devam receber a

qualificação de jurídico dá-se por meio das proposições culturais e éticas havidas como

respostas hábeis às exigências do bom e do justo, conforme a adesão de certa comunidade

histórico-cultural e as necessidades sociais temporalmente presentes e percebidas com base

em valores e princípios metapositivos sempre passíveis de modificação.

Frisamos, uma vez mais, que podemos rever e desenvolver nossos posicionamentos

éticos visando a uma melhor e mais solidária conformação social, por meio da

conscientização de que além da mesma origem possuímos também o mesmo futuro, ante as

incontornáveis interligações e recíprocas influências.

596

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, Boletim da

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p.33-34. 597

Adverte Giorgio Agamben que a hipertrofia do direito revela, através de legalidade formal, a perda de toda

legitimidade substancial e que a tentativa moderna de fazer coincidir legalidade e legitimidade, procurando

assegurar, através do direito positivo, a legitimidade de um poder, é insuficiente, esclarecendo que as instituições

de uma sociedade só continuarão vivas se ambos os princípios se mantiverem presentes e nelas agirem, sem

nunca pretender que coincidam. AGAMBEN, Giorgio, O mistério do mal – Bento XVI e o fim dos tempos,

título original Il mistero del male, Benedetto XVI e la fine dei tempi, tradução de Silvana de Gaspari e patrícia

Peterle, São Paulo: Boitempo; Florianópolis: Ed. da UFSC, 2015, p. 11. 598

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Digesta – escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua

Metodologia e Outros, Volume 2º (Método Jurídico), Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p.335.

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3.2.2.3- Os interesses e nossas sombras

Podemos asseverar que vivemos as voracidades típicas de uma sociedade cada vez

mais empolgada com a rapidez e multiplicidade de decisões, como se a vida fosse feita de

intermináveis e imediatas tomadas de posição.

A velocidade desejada e mesmo exigida é tanta que, por vezes, não há sequer tempo

de se aproveitar o que foi decidido.

São frequentes as atitudes de descarte do presente em busca de promessas de uma

melhor vida imediatamente futura, como se cada conquista servisse apenas para completar

momentaneamente a ausência que se prolonga e a carência de uma satisfação que não se finda

no alcançado.

Tudo parece ocorrer como se o preenchimento da fenda da insuficiência constante não

se desse nunca. Agimos como o que alcançamos se incorporasse em tal sugadouro de

esperanças e desejos e, paradoxalmente, o sumidouro das queixas e desejos aumentasse,

alimentando-se da própria incompletude e privação, em eterno fluxo de tentativas de

finalização do não concluível.

Tal realidade prática se integra ao universo jurídico e influencia a escolha do sentido

do Direito e da Justiça conforme a ordem de validade ética dimensionada e a correspondente

função social que se pretenda, com implicações imediatas nos fundamentos interpretativos e

critérios valorativos das normas a serem adotados.

Dito padrão de existência possui reflexos no modelo metódico-jurídico, com apoio nos

pressupostos constitutivos e a intencionalidade do pensamento jurídico599

.

Esclarece Antonio Castanheira Neves600

que às funções diversas de uma ordem

jurídica pressuposta (função legitimante imputável ao direito pré-moderno, a função

constitutiva de uma legalidade no direito moderno-iluminista e a função de validade crítica

599

CASTANHEIRA NEVES, Antônio, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, Boletim da

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p.9. 600

CASTANHEIRA NEVES, Antônio, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, Boletim da

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p.13.

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306

atual) correspondem sistemas de valores, princípios fundamentantes e estruturas institucionais

também diferentes, de acordo com a diversidade estrutural e intencional das ordens jurídicas

vigentes no mesmo tempo histórico.

Nem sempre tal percepção, entretanto, foi verificada. Segundo Fernando José

Bronze601

, ao longo da época pré-positivista, o Direito não passou de um relativamente

autônomo capítulo da ‘filosofia prática’, preocupada com o que “devemos fazer” e na

realização do “bem” e da “justiça”.

Assim, a Idade Média preservou o Direito e a Filosofia fechados em seus axiomas e o

positivismo insistiu no modelo da tautológica racionalidade (ou racionalização) característica

da orientação analítico-linguística, chegando até aos nossos dias com os insistentes equívocos

e ilusões de decisões previsíveis por meio de raciocínios instrumentalistas.

A contemporaneidade de tal entendimento sucede com a teoria analítica da decisão e a

análise econômica602

do Direito603

, pautadas por uma racionalidade (ou racionalização)

tecnológica indiferente às exigências humanas.

Podemos atualmente exemplificar esse posicionamento objetivante da natureza

humana e adesão ao dinamismo feérico de tudo, ao verificarmos que se encontra em voga

apresentar-se a teoria dos jogos604

como modo de destacar o paradoxo lógico da racionalidade

diante de opções complexas que envolvam perdas e ganhos.

601

BRONZE, Fernando José – Argumentação Jurídica: o domínio do risco ou o risco dominado?(tópicos

para um diálogo pedagógico), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXVI,

Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp.14-19. 602

ROSA, Alexandre Morais da, LINHARES, José Manuel Aroso, Diálogos com a Law & Economics, 2ª

edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2011. 603

Recordemos que uma das consequências do caso Dreyfus foi a reformulação da justiça militar francesa, sendo

atribuída a George Clemenceau a frase que diz ser suficiente juntar a palavra ‘militar’ a uma palavra para fazê-la

perder significação. Assim, a justiça militar não é justiça como a música militar não é música. Curiosamente a

mesma frase é também atribuída ao cômico Grouxo Marx. CORRÊA, Getúlio, Dreyfus e a Justiça Militar, in

FREITAS, Vladimir (Coord.), Juízes e Judiciário: História, casos, vidas, Curitiba: Ibrajus/Ajufe, 2012, pp.50-

57. Cremos que o mesmo ocorre com a expressão análise econômica do Direito. 604

Os exemplos mais comuns são o Dilema do Prisioneiro e o Dilema do Viajante criados por Albert Tucker em

1950. No primeiro, dois presos, suspeitos de terem cometido um crime grave, são interrogados separadamente e

cada um pode escolher entre incriminar o outro – e ter a pena abrandada- ou permanecer em silêncio – o que

deixará a polícia sem provas apenas se o outro acusado também permanecer em silêncio. O segundo indica que

dois viajantes percebem que suas obras de arte idênticas foram danificadas pela companhia aérea e o gerente,

separando-os, afirma que cada um deve escrever o valor delas em valor inteiro de 2 e 100 dólares. Se os dois

marcarem o mesmo número, o gerente aceitará o valor e pagará a cada um a quantia mencionada, mas se

escreverem números diferentes, ele considerará o mais baixo como preço correto e pagará aos dois dito preço,

mas com um bônus de dois dólares ao que tiver anotado o número mais baixo e a penalidade de igual valor ao

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Tais ênfases pretendem evidenciar possíveis comportamentos racionais605

a serem

adotados como forma de maximização das hipóteses, como se as pessoas sempre fizessem

opções com base em critérios racionais egoísticos que tal teoria poderia prever.

Malgrado a sofisticação dos estudos a respeito de previsões de comportamentos,

devemos indagar sinceramente se é de toda forma crível que os possíveis resultados obtidos

sejam verificáveis fora do contexto analisado e em pessoas com culturas, comportamentos

éticos e sentimentos diversos dos estudados.

Na verdade, mesmo no apogeu da Psicologia Behaviorista, quando se acreditava que

os comportamentos poderiam ser explicados por estímulo e resposta, já se duvidava de que os

seres humanos fossem assim tão previsíveis, calculistas ou calculáveis, mesmo tomando-se

por base qualquer teoria que prometa certeza de suas conclusões racionais.

Na realidade, havemos de nos recordar que nos jogos humanos somos ao mesmo

tempo peças e jogadores imersos na infinidade de variáveis da cultura geral, dentre elas

normas escritas e não escritas, assumindo regras costumeiras e intuídas e por meio de atitudes

celebradas e outras abjetas, além de caracterizados por nossas consciências individuais e a

natural imprevisibilidade que nos distingue.

outro. Tais exercícios são baseados no chamado “Equilíbrio de Nash” – matemático John, F. Nash Jr. da

Universidade de Princeton. Ver sobre o assunto MÉRÓ, László, Moral Calculations: Game Theory, Logic and

Human Frailty, translated by Anna C. Gosi-Greguss, English Version Edited by David Kramer, New York:

Corpenicus – Springer Verlag, 1998. 605

Vernon Smith, que dividiu o prêmio Nobel de Economia em 2002 com Daniel Kahneman, admite as

limitações racionais do entendimento a respeito da teoria econômica experimental. SMITH, Vernon L..

Constructivist and Ecological Rationality in Economics, Prize Lecture, Discurso na cerimônia de entrega do

prêmio Nobel de 2002, disponível em http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/2002/smith-

lecture.pdf, acessado em 09 de agosto de 2013. Discurso disponível em

http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/2002/smith-lecture.pdf, acessado em 09 de agosto de

2013. Para maior aprofundamento sobre as ideias de Vernon Smith, ver SMITH, Vernon L. An Experimental

Study of Competitive Market Behavior, Journal of Political Economy, 70, 111-137, 1962, disponível em

http://www.pitt.edu/~jduffy/expecon/Smith62.pdf, acessado em 09 de agosto de 2013. SMITH, Vernon L,

BACKERMAN, S; DENTON, M; RASSENTI, S. Market Power in a deregulated electrical industry: an

experimental study, Economics Science Laboratory- University of Arizona, 1997, disponível em

http://www.hks.harvard.edu/hepg/Papers/2011/Old/Backerman_MktPwr_1997.pdf , acessado em 09 de agosto

de 2013; SMITH, Vernon L.; CAGINALP G. PROTER D. Momentum and Overreaction in Experimental

Asset Markets, International Journal of Industrial Organization, 18, pp.187-204, 2000, disponível em

http://www.technicalanalysis.org.uk/momentum/CaPS00.pdf, acessado em 09 de agosto de 2013.

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308

Impossível, assim, é se prever qualquer conduta humana além da mera presunção de

possibilidade de concretização dos comportamentos estimulados e desejados de acordo com

determinado paradigma esperado, mas nem sempre verificável.

Neste rumo, contrapondo-se aos posicionamentos da teoria dos jogos, mas sem negar a

teoria econômica de utilidade esperada606

, Daniel Kahneman e a Psicologia Cognitiva indicam

que outros fatores, além dos conscientes, influenciam decisões, como as emoções, atitudes e

memórias anteriores.

Segundo Daniel Kahneman, nas hipóteses de decisões complexas onde as

consequências futuras são incertas, as pessoas não se baseiam exclusivamente na

racionalidade, mas antes confiam em atalhos mentais, princípios genéricos ou regras

empíricas607

, sempre seguindo a ideia de quando se trata de ganhar nossa aversão ao risco é

muito maior do que quando se trata de perder (Teoria do Prospecto608

).

Segundo o autor, as pessoas tendem a simplificar os processos de escolhas609

, com alta

possibilidade de erros sistemáticos (ilusão cognitiva610

) causados pela dificuldade humana de

julgar subjetivamente probabilidades.

606

A teoria da utilidade esperada indica que por serem motivadas principalmente por incentivos materiais, as

pessoas avaliam o estado da economia e os possíveis efeitos de seu comportamento de acordo com dados

disponíveis. 607

É o que se chama de heurística da disponibilidade, ou seja, as pessoas têm uma tendência de concentrarem-se

em fatores particulares conhecidos, em vez de verificarem a situação geral, o que pode reforçar a dissonância

cognitiva, que ocorre quando se nega ou negligencia a realidade na tentativa de aliviarem-se as angústias da

contradição das evidências contrárias com as crenças cultivadas. FESTINGER, Leon, A Theory of Cognitive

Dissonance, California: Stanford University Press, 1957. Tony Brabazon reconhece a influência das matrizes

comportamentais no processo de decisão, mas conclui não poder precisar quando os mesmos atuam

significativamente no mercado como um todo. BRABAZON, Tony, Behavioural Finance: a new sunrise or a

false dawn? Working Paper, Summer School, 2000, University of Limerick, 2000, disponível em

http://wenku.baidu.com/view/03d9b56baf1ffc4ffe47ace7.html, acessado em 09 de agosto de 2013. 608

Segundo a Teoria do Prospecto, tendemos ser avessos ao risco quando estamos ganhando e propensos ao risco

quando estamos perdendo. Em outras palavras, não é para ganhar, mas para não perder que estamos dispostos a

mais sacrifícios. Ver KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect Theory: An analysis of decision

under risk. Econometrica, 47, 263-291, 1979 disponível em

http://www.hss.caltech.edu/~camerer/Ec101/ProspectTheory.pdf, acessado em 09 de agosto de 2013 e

http://prospect-theory.behaviouralfinance.net/, acessado em 08 de agosto de 2013. Maiores detalhes sobre a

teoria do prospecto podem ser conhecidos na tese de doutorado de MACEDO Jr., Jurandir Sell. Teoria do

Prospecto: uma investigação utilizando simulação de investimentos, apresentada no Programa de Pós-

Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2003, disponível em

http://i9forex.com/wp/wp-content/uploads/fx-pt/038-teoriadoprospecto.pdf, acessado em 09 de agosto de 2013. 609

Talvez o primeiro economista a falar claramente sobre a interdependência dos fenômenos de mercado, com o

estudo das relações que já existem, tenha sido Ludwig von Mises. VON MISES, Ludwig, Ação Humana: um

tratado de economia, título original Human Action: a treatise in economics, tradução de Donald Stewart Jr. -

3.ed. - Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990. 872p, disponível em

http://www.ordemlivre.org/ebooks/Ludwig+von+Mises+-+A%C3%A7%C3%A3o+Humana,acessado em 10 de

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309

A grande questão é justamente a eliminação ou diminuição de tais ilusões baseadas em

crenças relacionadas a probabilidades de eventos incertos, bem como saber o que determinam

tais crenças.

De qualquer forma, as conclusões gerais do autor indicam que: a) a maneira como um

problema é apresentado pode alterar a decisão do investidor; b) os investidores tendem a

realizar os ganhos prematuramente e aumentar sua exposição ao risco na tentativa de

recuperar perdas e c) o sofrimento associado à perda é maior que o prazer associado a um

ganho de mesmo valor. A teoria crê explicar vários comportamentos, desde investidores a

taxistas ou jogadores de corridas de cavalos.

Neste aspecto e como adiantado, sabemos que os estímulos internos podem

influenciar as tomadas de decisões, bem como que a aprendizagem pela observação de outros

comportamentos611

pode ensejar mudanças de atitudes, além da tendência ao otimismo612

.

agosto de 2013. A proposição básica do autor, que utilizou o termo praxeologia para designar a ciência da

Lógica da ação humana, é que os humanos agem, e agem impulsionados por valores com intenção de atingir um

fim. O axioma misesiano da ação humana traz derivações lógicas, como agir significa trocar, isto é, substitui-se

uma situação ou estado por outro. Diz ainda o autor que as ações humanas ocorrem no tempo, mas o tempo é

escasso, pois o homem é mortal. Assim, ante tal escassez, surge a necessidade de se fazer uma escolha entre fins

distintos, atribuindo então valores diferentes aos fins possíveis. Valorando-se um dos fins mais do que outros,

abre-se mão dos últimos, daí por que a ação humana é na verdade um comportamento propositado e esperançoso,

ou seja, age-se com a decisão de se atingir um fim que se entende possível mediante comportamentos

significativos para a obtenção do desejado, mesmo que o futuro seja incerto. Mises deixa claro que em ação

existem apenas indivíduos. Desta forma, conceitos como "governo", "grupos" e "o coletivo" não são reais, mas

apenas se baseiam nas ações dos indivíduos. Ludwig von Mises também rejeitava a ideia de se estudar o

comportamento humano com as mesmas características das Ciências Naturais simplesmente porque a ação

humana é fruto de tais propósitos e escolhas, além do fato de as pessoas aprenderem com a experiência e, a partir

daí, poderem mudar suas escalas de valores, preferências e mesmo objetivos. VON MISES, Ludwig, Theory

and History – An Interpretation of social and Economics Evolution, Yale University Press, 1969, on line

edition, The Mises Institute 2001, disponível em http://mises.org/pdf/TheoryHistory.pdf, acessado em 10 de

agosto de 2013 e VON MISES, Ludwig ,The Ultimate Foundation of Economics Science – an essay on

method. D Van Nostrand Company Inc. Princeton, New Jersey- 1962, disponível em

http://mises.org/books/ultimate.pdf, acessado em 10 de agosto de 2013. As críticas mais frequentes sobre o

pensamento do autor referem-se à sua compreensão da Economia como uma ciência a priori e dotada de Lógica

aplicada. 610

KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. On the psychology of prediction, Psychological Review, 80:

273, 1973, disponível em http://heatherlench.com/wp-content/uploads/2008/07/kahneman-tversky.pdf, acessado

em 09 de agosto de 2013. 611

Como sabemos, aprendemos a linguagem de origem, música e mesmo como interagir socialmente em

determinada comunidade, utilizando-nos muito mais da observação e pela exposição contextual do que qualquer

mecanismo de racionalidade cartesiana. 612

De acordo com Tali Sharot, o otimismo é sempre mais comum do que o pessimismo, independentemente da

faixa etária ou grupo socioeconômico. Identifica a autora o otimismo como um dos fatores que levaram à crise

econômica global de 2008. SHAROT, Tali Optimism Bias- a tour of the Irrationally Positive Brain, New

York: First Vintage Books Editon, 2012.

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310

Nesse sentido, a Psicologia Cognitiva613

estuda o tratamento da informação, os

processos da atividade do cérebro e o comportamento dos indivíduos para tentar identificar os

fatores que afetam esse comportamento. Aí são incluídas as relações das pessoas com o meio

ambiente, as diversas percepções de uma mesma situação, a memorização, a recordação, as

opções eleitas para a resolução dos problemas e as tomadas de decisões.

Notemos que não apenas fatores externos e incentivos extrínsecos moldam os

comportamentos614

, mas também fatores menos conscientes tipicamente intuitivos, tais como

percepções, convicções, modelos mentais e memórias de decisões anteriores e as

consequências pretéritas, as emoções envolvidas, os estados mentais, as tendências e atitudes

psicológicas. Ademais, são computadas as opções à disposição e o tempo para a tomada de

decisão615

.

Em suma, aceitamos atualmente o comportamento humano como adaptável em

dependência de seus fatores externos e internos, de acordo com contexto e com as condições

percebidas.

Desta forma, as pessoas se utilizam tanto de suas experiências e do senso comum

individual como do senso corrente em determinada coletividade, tudo isso posicionado não

613

A Psicologia Cognitiva analisa a elaboração do fenómeno mental humano, com o objetivo de entender o

comportamento. Para Robert J. Sternberg, a Psicologia Cognitiva trata do modo como as pessoas percebem,

aprendem, recordam e pensam sobre a informação, estudando as bases biológicas da cognição, as imagens

mentais, a atenção, a consciência, a percepção, a memória, linguagem, a resolução de problemas, a criatividade,

a tomada de decisões, o raciocínio, as mudanças cognitivas durante o desenvolvimento ao longo da vida.

STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva, título original Cognitive Psychology, tradução de Maria Regina

Borges, Porto Alegre: Artmed Editora, 2000. 614

Não deixam de ser inquietantes os estudos dirigidos por Chris Reiber e Jaroslav Flegr no sentido de que

determinados vírus podem não apenas alterar o humor, mas realmente influenciar os comportamentos. O

primeiro chegou à conclusão de que o vírus da gripe nos torna mais sociáveis do que o normal, como que agindo

propositalmente para incrementar o potencial da transmissão do parasita e isto foi pesquisado nas 48 horas após a

exposição do vírus e quando o mesmo ainda não tinha manifestado seus sintomas (REIBER, Chris,

SHATTUCK, Eric C., FIORE,Sean, ALPERIN, Pauline, et al, Change in Human Social Behavior in Response

to a Common Vaccine, Annals of Epidemiology Vol. 20, Issue 10, Pages 729-733, disponível em

http://www.annalsofepidemiology.org/search/quick, acessado em 26 de março de 2013). O segundo estuda os

efeitos no comportamento causados pelo parasita toxoplasma gondii, cujo hospedeiro é o gato, mas pode infectar

qualquer mamífero, inclusive o homem, em quem ocasiona o aumento da produção de dopamina. Segundo o

autor, os homens infectados mostraram-se mais propensos a ignorar regras e a ser mais desconfiados e

ciumentos. As mulheres infectadas, por outro lado, mostraram-se mais acolhedoras, conscientes, persistentes e

também moralistas. Tanto homens como mulheres se mostram mais apreensivos em comparação com os

controles não infectados. (FLEGR, Jaroslav, Effects of Toxoplasma on Human Behavior, disponível em

Schizophr Bull. 2007 May; 33(3): 757–760. Published online 2007 January 11. doi: 10.1093/schbul/sbl074,

acessado em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2526142/?tool=pmcentrez, acessado em 26 de

março de 2013. 615

TVERSKY, Amos, Elimination by aspects: a theory of choice. Psychological Review, 79: 281-299, 1972-

b, disponível em http://psycnet.apa.org/journals/rev/79/4/, acessado em 09 de agosto de 2013.

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311

apenas conforme os propósitos admitidos, mas também com os desejos secretos e

inconfessáveis, oriundos de nosso egoísmo continuamente latente.

A vida cotidiana oferece-nos inúmeros exemplos de como nossa vontade firme se

mostra envolta com ingredientes ao mesmo tempo claros e obscuros, luzidios e sombrios,

todos como parcelas reveladoramente essenciais de nós mesmos e de nossas atuações.

Podemos, mesmo que superficialmente, relembrar três episódios ficcionais em que os

interesses foram marcantes no processo de deliberação, na perspectiva de que o direito pode

ser estudado através da literatura.

Observemos que nos exemplos narrados as decisões são claramente discutíveis, vez

que a literatura, como a vida, sempre atinge aspectos ambíguos e apresenta soluções

questionáveis.

3.2.2.3.1- O Mercador de Veneza – é possível a farsa em nome do justo?

Muitos autores já se dedicaram a examinar a peça616

escrita por William Shakespeare

entre 1596 e 1598, e o enredo é bastante conhecido.

Em suma, Antônio, o verdadeiro mercador de Veneza, ao tentar ajudar seu amigo

Bassânio a cortejar a bela e rica herdeira Pórcia, torna-se seu fiador num empréstimo que o

enamorado fez ao financista judeu Shylock. A condição de Shylock é, no entanto, singular: se

Antônio não conseguir pagá-lo na data especificada, saldará com uma libra de sua própria

carne.

Impossibilitado de pagar a fiança, Antônio é preso e levado ao tribunal. Bassânio e

Pórcia chegam a Veneza com dinheiro emprestado por Pórcia para pagar Shylock, mas na sala

de julgamentos, e perante o próprio Duque de Veneza, o credor recusa a oferta do dobro do

que havia sido emprestado originalmente, e exige sua libra de carne de Antônio.

616

SHAKESPEARE, William, O Mercador de Veneza, título original The Merchant of Venice, tradução de

Beatriz Viégas-Faria, Porto Alegre: L & PM, 2007. Ver sobre o assunto SILVA, Maritza Maffei, O Mercador de

Veneza de William Shakespeare: um encontro na encruzilhada da literatura, do direito e da filosofia, in

TRINDADE, André Karam, GUBERT, Roberta Magalhães e NETO, Alfredo Copetti (Orgs.), Direito e

Literatura – Reflexões Teóricas, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.

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Pórcia, disfarçada de um jovem doutor em direito, pede, uma vez mais, perdão da

dívida, mas Shylock recusa. O contrato deve ser cumprido e toda a estabilidade de Veneza

depende disso, argumenta.

Por ocasião da extração da carne do peito de Antônio, Pórcia aponta uma falha no

contrato. Shylock pode remover apenas a carne, e não o sangue de Antônio, de modo que se o

credor derramar uma gota sequer do devedor, suas terras e bens seriam confiscados, de acordo

com as leis de Veneza.

Shylock, então, admite aceitar a oferta de dinheiro, porém Pórcia argumenta que ele

não teria mais direito por tê-la recusado, e exige o cumprimento da lei segundo a qual, por

tentar tirar a vida de um cidadão da cidade, deve o judeu legar metade do que tem ao governo

e metade a Antônio, com sua vida à mercê do Duque. O Duque poupa a vida do usurário, mas

Shylock é obrigado a se converter ao cristianismo e transmitir suas propriedades à sua filha e

seu marido.

Além do patente antissemitismo, a peça aborda, dentre outros aspectos, os limites da

interpretação do Direito. No entanto, não nos interessa tratar das questões jurídicas

propriamente ditas, nem sobre a exatidão histórica dos preceitos normativos utilizados no

drama, nem muito menos sobre a aplicação de princípios contratuais ou regras de

competência. Também não nos seduz tecer comentários a respeito da justiça ou não do

desfecho.

É-nos suficiente, no presente contexto, ressaltar, uma vez mais, como os interesses

pessoais podem subverter o bom senso e resistirem aos apelos teleológicos e convites de

compaixão e graça. No mesmo rumo, a peça nos permite expor como é desconcertante

verificar a aceitação que um julgamento se dê sem verdadeiro juiz, mas sim por uma pessoa

evidentemente parcial e não legitimada, em nome de uma espécie de equidade misercordiosa

claramente tendenciosa.

Como é visto no drama, tal juiz travestido distorceu sua identidade e utilizou de

astúcia, habilidade e estratégias de excessivo legalismo não necessariamente para reconstruir

o que entendia por justo, mas com a única finalidade de salvar o amigo de seu amado. A

interpretação utilizada foi claramente voluntarista, contornada à proteção da parte que

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pretendia beneficiar, bem como serviu-se da imprecisão e ambiguidade da linguagem para

ocultar o desejado e superar o déficit ético presente.

Tal encenação foi tão bem sucedida que, ao final, conseguiu transformar o autor da

demanda em réu e a questão civil em penal, e nem mesmo a própria religião o antigo credor

pode manter, sendo reduzindo a estrangeiro sem bens numa terra que não nunca foi sua.

E o mais assustador é que os leitores, em geral, simpatizam com a retórica de Pórcia,

esquecendo-se que sua decisão, discricionária e tendenciosa, foi realizada sob a aparência do

devido processo legal e uma vingança foi ornamentada com as vestes do direito e da justiça.

3.2.2.3.2- O Julgamento de Páris- entre suborno e sedução.

Conta-se que a Guerra de Tróia foi causada por um simples evento, normalmente

chamado "O Julgamento de Páris ".

Diz o mito617

que no banquete de casamento de Peleu e Tétis, Éris, a deusa da

discórdia, não foi convidada618

. Como retaliação, a diva enviou uma maçã de ouro com a

inscrição "Para a mais bela" com a clara intenção de causar cizânia. Três deusas, Hera, Atena

e Afrodite se apresentaram e Zeus, não podendo escolher a quem dava o pomo, atribuiu o

julgamento a Páris, um mortal.

As concorrentes se colocaram perante Páris e cada uma tentou suborná-lo à sua

maneira. Hera prometeu-lhe o trono da Ásia e Europa. Atena acenou com a sabedoria e

Afrodite prometeu-lhe o amor da mais bela mulher.

Páris, mesmo cativado pela beleza de Hera, cedeu às promessas e deu a jóia a

Afrodite.

617

SCHWAB, Gustav, As mais belas histórias da Antiguidade Clássica- os mitos de Tróia, vol.02, título

original Die Shönsten Sagen des klassischen altertums tradução de de Hildegard Herbold, 5ª edição, São Paulo:

Paz e Terra, 2015, p.14-17. 618

Outras versões dizem que a deusa Éris estava presente e lançou a discórdia apenas porque não conseguia se

controlar com a felicidade alheia.

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Tal decisão, anos depois, corroborada com o rapto de Helena, originou a guerra de

Tróia.

O que gostaríamos de aqui frisar não é o favorecimento do amor em detrimento da

riqueza, sabedoria, vitórias e glória, nem o tema recorrente da mulher poder ser causadora de

infelicidade, mas que o mito revela que desde sempre nossas decisões guardam as mesmas

dores e as promessas de cura nem sempre são as mais sensatas.

Observemos, inicialmente, que Páris se deparou com o mais básico dos eventos em

qualquer decidibilidade, qual seja, numa situação de escolha, ao elegermos determinada

prioridade, infalivelmente deixamos de contemplar outras hipóteses.

Outra angústia decorrente das limitações humanas é nunca sabemos exatamente a

abrangência das consequências de nossas decisões, sendo imprevisível o desenrolar da opção

feita, bem como não temos acesso ao que poderia ter ocorrido, caso outra escolha tivesse sido

nomeada.

Páris poderia ter escolhido qualquer das outras deusas e, com os atributos adquiridos,

tentar conquistar Helena ou, quiçá, outra mulher que fosse seu verdadeiro amor, mas nunca

saberemos se os esforços resultariam em algum sucesso.

A advertência primeira, dentre as muitas existentes no mito, diz respeito ao

reconhecimento dos instintos619

como impulsionadores de certas escolhas, bem como o aviso

que nossas decisões, caso sejam assim implementadas, podem causar consequências graves

não só a nós mesmos, mas a um conjunto indeterminado de pessoas.

Observemos que Páris não escolheu territórios nem vitórias ou glórias, bens ou

atividades que, de uma forma ou de outra, poderiam trazer melhorias para o povo de Tróia.

Ao inverso, preferiu egoisticamente o amor de uma mulher que sequer conhecia, mas era

prometida como possuidora não de caráter elevado ou sabedoria única, mas apenas beleza

sedutora.

619

Observamos que estamos aqui frisando os instintos e não as emoções ou o sentimento do justo.

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Outro aspecto humanamente comum na narrativa é que Páris, ao optar por dar a

prenda dourada a Afrodite, sequer o fez com sinceridade, vez que o texto dá a entender que o

herói inclinava-se para os encantos de Hera, mas sucumbiu ao fascínio da sensualidade, o que

pode ser considerado luxúria.

Na verdade, há que se admitir que no evento ocorreram verdadeiras e clássicas

tentativas de suborno por parte das três deusas. E Afrodite corrompeu Páris não com dinheiro,

poder, importância ou glória, mas com a possibilidade de ser invejado por todos, ao possuir a

mais bela das mulheres.

Frisemos que deusa assegurou o amor de Helena, mas não esclareceu a situação

pessoal da prometida, nem a série de mortes nem a sequência de destruição que daí adviriam,

e nem muito menos garantiu que Páris amaria a raptada, nem, se amando, tal amor seria na

mesma intensidade, daria frutos e valeria a pena. Somente foram feitas promessas de prazeres

num reino de aparências.

Vemos, claramente, pois, que a decisão de um eleito foi pervertida. Não se pensou

nem na pátria, nem nos cidadãos. As consequências foram desastrosas e suportadas por quem

não teve qualquer participação no processo decisório. E a sombra da corrupção envolveu a

todos.

Nada mais tragicamente atual.

3.2.2.3.3- Hémon e Tirésias na cura da razão.

A tragédia Antígona620

, de Sófocles, é por demais conhecida e também já foi analisada

por inúmeros autores, mas não nos custa contarmos brevemente a história.

Antígona era filha de Édipo e Jocasta, e irmã de Etéocles, Ismênia e Polinice, tendo

sido a única que acompanhou Édipo quando este foi expulso de seu reino, Tebas.

620

SÓFOCLES, Antígona, versão do grego de Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa: Fundação Caloustre

Gulbekian, 2008.

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316

Quando voltou à cidade-estado, após a morte de Édipo no exílio, Antígona encontrou

seus irmãos brigando pelo trono, morrendo ambos em combate, sendo o reino herdado por

Creonte, tio deles.

Creonte fez uma sepultura com todas as honras para Etéocles, que defendera a cidade,

e deixou o corpo de Polinice exposto à putrefação e a dilaceração pelos animais, proibindo

qualquer um de enterrá-lo.

Antígona tentou convencer Creonte a autorizar os rituais fúnebres ante a maldição que

acompanharia o insepulto. Mesmo tendo recebido ameaça de morte, a heroína subverte a

decisão do novo rei por estar indo de encontro às leis eternas e realiza a cerimônia sagrada,

sendo descoberta e condenada a ser lacrada em uma caverna até sua morte.

Podemos constatar que durante toda a peça, Creonte apresenta-se com um padrão

deliberativo simples, ao levar em conta apenas o interesse cívico, que, segundo ele, se

encontrava acima de tudo, até mesmo do amor e da piedade, sendo justificável qualquer ação

ou decisão que tenha como intento conservar a ordem e a manutenção do status quo.

Para o rei-usupardor, o curso do que entende por ação justa pode conduzir até mesmo

à impiedade, desde que o realizado cumpra com o bem-estar da cidade, o único bem

intrínseco a ser buscado a qualquer custo621

.

Nas palavras de Martha C. Nussbaum622

, o mundo prático e racional de Creonte se

reduz a que as pessoas produzam e se dediquem civicamente, negando as exigências dos laços

familiar e afetivo quando esses se choquem com o interesse dito patriótico.

Assim, expõe a autora623

, Creonte gosta que as coisas pareçam retas e não tortas ou

sinuosas; fixas e não fluidas; singulares e não plurais; comensuráveis e não incomensuráveis,

621

O nazismo também pregava a renúncia total à existência e à liberdade individuais em prol da comunidade,

com adesões acadêmicas desastrosas para a filosofia. Cfr. FAYE, Emmanuel, Heidegger, a introdução do

nazismo na filosofia – sobre os seminários de 1933-1935, título original Heidegger, l’introduction Du Nazisme

dans la Philosophie – autour des Séminaires Inédits de 1933-1935, tradução de Luiz Paulo Rouanet, São Paulo: É

Realizaçoes, 2015. 622

NUSSBAUM,Martha C., A Fragilidade da bondade - fortuna e ética na tragédia e na filosofia greca,

título original The fragility of godness, tradução de Ana Aguiar Cotrim e Aníbal Mari, São Paulo: Editora WMF

Martins Fontes, 2009, p.49. 623

NUSSBAUM,Martha C., ob.cit. p.50.

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317

o que fornece, pelo menos aparentemente, retidão e estabilidade, mas, evidentemente, nega a

riqueza e complexidade da natureza discrepante, confusa e mesmo conflitante das relações

humanas.

É evidente que tal posicionamento a respeito do que é justo e bom olvida inúmeras

particularidades das pessoas envolvidas e nega pretensões legítimas, padronizando

comportamentos como se fosse possível homogeneizar vontades e inquietações de uma

sociedade inteira.

Creonte, ao considerar o que entende por civismo como única fonte de valor, chega a

negar os valores humanos e a desrespeitar as opiniões contrárias, não reconhecendo como

digno de cuidado as pretensões, preocupações, dores e sentimentos de quem não se amolde a

tal teoria simplificante do mundo e não seja domesticado a tal concepção estreita da realidade.

Ressalta Martha C. Nussbaum624

que Antígona também se empenhou em uma

simplificação do mundo, traçando, na sua imaginação, um pequeno círculo em torno dos

membros de sua família, ou seja, o que está dentro é família, portanto ente amado e amigo; o

que está fora é não-família e, portanto, em conflito com a família.

Como afirmado, os valores sacraficiais na ação de Antígona, bem como seu

entendimento mais profundo sobre comunidade e hierarquia do costume e leis divinas, já

foram examinados por muitos, pelo que preferimos analisar o papel de Creonte, agora sob a

percepção de seu filho Hémon e do místico Tirésias.

Hémon, mesmo que submisso ao pai, tentou fazê-lo ver que necessitava ouvir os

outros (Não tenhas pois um só modo de ver nem só o que tu dizes está certo, e o resto não.

Porque quem julga que é o único que pensa bem, ou que tem uma língua ou um espírito como

mais ninguém, esse, quando posto a nu, vê-se que é oco. Mas não é vergonha que um homem,

ainda que seja sábio, aprenda muita coisa, e não distenda demasiado a corda - vv 704-711) e

procura chamá-lo à cura da razão (Não há Estado que seja pertença de um só homem- v 737;

É que te vejo falhar no cumprimento da justiça - v 743).

624

NUSSBAUM,Martha C., ob.cit. p.54-55.

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318

O cego ancião, sacerdote de Apolo, entra em cena para admoestar Creonte para sarar

de uma doença da razão comum a todos os seres humanos, que é a fúria pelo controle com

suas concomitantes impiedades625

(Tirésias- Quanto mais vale prudência do que riqueza?

Creonte- Tanto, penso eu, quanto maior for o prejuízo da insensatez.Tirésias- É dessa doenca

que estas afectado. vv- 1050 - 1052).

Assim, afirma que a boa deliberação está ligada ao aprendizado com os outros, à

renúncia da obstinação voluntária e à flexibilidade afetuosa em busca de fins humanos,

advertindo que verdadeiras tragédias ocorrem quando não conseguimos agir com tal finura

(Tirésias- Errar é comum a todos os homens. Mas quando errou, não é imprudente nem

desgraçado aquele que, depois de ter caído no mal, lhe dá remédio e não permanece

obstinado. A teimosia merece o nome de estupidez.vv.1025-1028).

A peça indica, além de outros tantos matizes, que a sensibilidade aberta aos clamores

externos é que consente a percepção das riquezas que existem no mundo, admite a pluralidade

de valores e reconhece a necessidade de cooperação genuína que, ao final, leva ao amor.

Podemos dizer, nas palavras de Martha C. Nussbaum626

sobre a alma sofocleana, que

vivemos como a imagem da Psykhé de Heráclito, qual seja, como uma aranha sentada no

meio de sua teia de relações complexas, sendo influenciados não apenas fisica, mas também

emocionalmente, por qualquer puxão em alguma parte de sua estrutura, estando aptos a

interpretar e responder com empatia a todos destinos que se entrelacem com o nosso.

A razão prática a ser valorada inclina-se, portanto, à cooperação e coordenação entre

desejos, paixões, angústias, vocações, dores e amores das pessoas envolvidas nas relações,

tudo conjugado com a vontade firme e decidida de conviver reconhecendo as diferenças e

respeitando as divergências, no fundamentado propósito de fazer do espaço comum, um

mundo melhor e mais justo.

625

NUSSBAUM,Martha C., ob.cit. p.68. 626

NUSSBAUM,Martha C., ob.cit. p. 60.

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319

3.2.3- O retorno a Ulpiano – o Jus como atividade e vontade

Como sabemos, o estilo de Eneo Domitius Ulpiano se caracteriza por ser fácil,

contando com linguagem clara e concisa, confirmando ao mesmo tempo o espírito prático e

profundo do Direito Romano.

Embora haja controvérsia a respeito da origem da palavra Direito vir de justiça627

,

Eneo Domitius Ulpiano o define como a arte do bom e do equitativo (jus est ars boni et

aequi), fragmento que já foi objeto de inúmeros estudos mas que merece nossos comentários.

Apesar de muitos criticarem que tal definição não passa de uma frase retórica,

concordamos com sua concisão e elegância, ao ponto de proporcionar a verificação da

natureza humana em todos os seus matizes.

A palavra ars, empregada pelos gregos como téchne, não tem sentido propriamente de

arte como sendo simples expressão da individualidade ou criatividade, desvinculada de

qualquer ordem ou rito. Antes disso, pode ser entendida como uma habilidade mediante a qual

se cria ou produz algo, de acordo com certas regras e talento, visando a um objetivo maior628

.

627

De acordo com Ricardo Gines Garcia (GARCIA, Ricardo Gines, Exegesis: Digesto, Libro Primero, Titulo

Primero, Fragmento Primero, Proemio -D. 1, 1, 1, pr-, disponível em

http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCUQFjAA&url=http%3A

%2F%2Fwww.edictum.com.ar%2FmiWeb4%2Fexegis%2FEXEGESIS%2520D%25201.1.1.pr.doc&ei=JrOdU-

25I4--sQSqo4DwDA&usg=AFQjCNHuQIpkPdSamP5toa_UCBS-d3A0bg, acessado em 15 de junho de 2014.

Referido texto também foi utilizado como base para citações sobre o tema). Alguns autores entendem que o

vocábulo jus provém do verbo jungo, que significa juntar, unir ou enlaçar, no sentido que as pessoas se ligam

através dos negócios , como os bois no jugo.Outros acham que o termo deriva de jurare, que significa jurar, o

que pode indicar uma relação com Jovis-Juppiter, que era a divindade que castigava o perjúrio. De acordo com

Di Pietro (DI PIETRO, A., Derecho Privado Romano, Buenos Aires: Depalma, 1996, pág. 38) o termo jus se

vincula com o vocábulo indoiraniano yaus, que era empregado nos texto indianos (yóh) e iranianos (yaos) para

significar como uma pessoa ou coisa, a partir de uma situação normal ou profana, poderia obter resultados

ótimos caso seguisse determinados ritos. Esta também é a opinião de García Bazán (GARCÍA BAZÁN, F.,

Aspectos inusuales de lo sagrado, Valladolid: Trotta, 2000, pág. 50) ao afirmar que as origens da palavra latina

jus remonta às raízes indoeuropeias yous y yewos que significa regularidade ou conformidade, assim como

derivam em sanscrito yos que expressa sentido de regularidade e em avéstico (lingua iraniana antiga) yaôs...dâ,

que significa colocar em estado ritualístico. Assim, da alternancia da raíz indoeuropeia (yous y yewos) derivam

também ious-ius que em latim arcaico expressa a ideia de regularidade ou conformidade com o sentido de

direito. Em latim, a origem de todas as derivações é o substantivo ius-iuris (nominativo y genitivo), com o

sentido de regularidade ou direito. Concluem os autores que pode-se afirmar que, diversamente do expressado

por Ulpiano, ius não é derivado de iustitia, mas o contrario, ou seja, iustitia e outros vocábulos derivam da

palabra latina ius-iuris cuja origem se remonta provavelmente ao indoeruopeu. 628

FERRATER MORA, J., Diccionario de Filosofía, Barcelona: Ariel, 1999, pág. 3450.

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Assim, a ars iuris dos romanos era caracterizada por seu pragmatismo em resolver o

caso concreto, mas, mesmo utilizando-se até certo ponto da mesma linguagem e método,

sempre dependeu da maior destreza ou talento do jurista629

.

De acordo com Lapieza Elli, a palavra latina bona é derivada do adjetivo bônus-a, -um

e era comum no século I a.C, se empregar o singular bonum para designar o espiritual, e o

plural bona para os bens materiais, mas posteriormente tais termos foram utilizados

indistintamente, não necessariamente em sentido moral (em grego, kálon) mas também

podendo ser utilizado com relação a algum interesse, vantagem ou utilidade630

.

O termo latino Aequi, aequum (no grego epieíkeia) traduzido por equidade, justiça e

igualdade, significa plano, de proporções mensuradas, uniformidade, lisura e prudência631

,

conforme a antiga tradição grega desde Aristóteles632

em que o equitativo não

necessariamente era o de acordo com a lei.

Assim, o justo surge como correção da justiça legal conforme as especificidades

fenomênicas do caso concreto, na medida em que a universalidade da lei se mostra

incompleta, o que exige do intérprete sua prudente e particular contribuição na tentativa de

encontrar o melhor Direito633

.

A equidade romana, no entnato, na época clássica, complementando a concepção

grega de epieíkeia, autorizava o pretor a introduzir uma interpretação viva e mais ajustada à

realidade, de acordo com a consciência social vigente e conforme as circunstâncias

específicas do caso ou na ausência de regulação.

629

KUNKEL, W., Historia del Derecho Romano, Barcelona: Ariel, 1973, pág. 120 630

LAPIEZA ELLI, A. E., Historia del Derecho Romano, Buenos Aires: DePalma, Cooperadora de Derecho y

Cs. Ss., Bs. As., 1981, pág. 15.

631 GARCÍA BAZÁN y AA.VV., Temás de Filosofía del Derecho, Buenos Aires: Leuka, 2002, pág. 59.

632 ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos, tradução de Mário da Gama Kury, 3ª edição, Brasília: Editora UnB,

1992. 633

Interessante é notar que, segundo Jean Piaget, o conceito de justiça nas crianças evolui da indiferenciação das

noções do justo e do injusto com as noções de dever e desobediência de acordo com as determinações dos

adultos. Posteriormente, passa pelo questionamento moral das regras e a preocupação com a igualdade e

reciprocidade de sanções, para, por volta dos onze-doze anos, esboçar-se uma nova atitude possível de

caracterização pelo sentimento de equidade, como um desenvolvimento do igualitário no sentido da relatividade,

com consideração das circunstâncias pessoais. PIAGET, Jean, O juízo moral na criança, título original Le

jugement moral chez l’enfant, tradução de Elzon Lenardon, São Paulo: Summus, 1994, p. 236-237.

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Posteriormente, na época romana pós-clássica e por influência do cristianismo,

aequitas assumiu um conteúdo mais de acordo com a humanidade, autorizando a suavização

pelo juiz do rigor da interpretação das normas.

Em suma, podemos afirmar que a definição de Jus não diz respeito ao sistema

normativo (Direito objetivo) nem ao Direito subjetivo, mas à atividade própria e peculiar (ars)

que desenvolviam os juristas clássicos de acordo, até certo ponto, com a mesma linguagem e

estilo intelectual, visando a encontrar soluções mais adequadas e úteis (bonum) aos conflitos

interpessoais concretamente apresentados, de acordo com o sentido desejado pela realidade

social (aequm), prevalecendo este sobre aquele.

Afirma também Eneo Domitius Ulpiano que Justitia est constans et perpetua voluntas

jus suum cuique tribuendi (Digesta, Livro I, Título 1, De Justitia)

Enveredamos, assim, pelo sentido da primeira parte da afirmação, ou seja, a vontade

constante e perpétua de dar a cada um o que é seu indica não apenas a vocação do justo no

sentido de simples perpetuidade e continuidade democrática, mas também sugere que, para

ser concretizada, a justiça necessita da ação firme e resoluta do intérprete.

Confirmamos, portanto, que as intenções e percepções do justo são insuficientes,

precisando ocorrer a intervenção corajosa e virtuosa do intérprete por meio da ativação de sua

vontade para a ação concreta no caso específico.

3.2.4- As mãos que dedilham

Retomando a metáfora do violoncelo na dimensão de aplicação do sentimento do

justo, pode-se imaginar a corda da vontade do agente entrando em contato com a corda do

sentimento do justo.

Assim, caso ambas vibrem na mesma frequência e intensidade, o som a ser produzido

será harmônico e afinado. Caso contrário, apenas sentiremos o arranhar de uma contra a outra

e sons estridentes e socialmente incômodos serão percebidos.

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Devemos ressaltar, no entanto, que, nem mesmo a percepção compartilhada da mesma

vibração do sentimento do justo, indica que estejamos a caminho de uma justiça unívoca e

uníssona.

É que não apenas o posicionamento do arco da vontade em contato com a corda do

sentimento do justo provoca o som desejado do justo, mas as pressões nas cordas fazem com

que o mesmo sentimento do justo também possa variar em sua sonoridade de acordo com as

circunstâncias que influenciam o ato de tocar em dita corda pela vontade e/ou pelo dedilhar da

mesma.

A mesma forma representativa do violoncelo volta a nos auxiliar e pode ser facilmente

visualizada.

Assim, percebemos que jamais as músicas são executadas de idêntica maneira, nem

que os músicos utilizem o mesmo arco, o mesmo violoncelo e igual partitura. É que o exato

posicionamento dos dedos nas cordas e a mínima diferença de intensidade, duração e vibração

destes, bem como a angulação e força do arco indicam resultados diferentes, a despeito de tais

efeitos serem também possíveis e potencialmente harmônicos e correspondentes ao que

basicamente proposto.

O fato é que, mesmo compartilhando idêntico ou assemelhado sentimento do justo,

todos possuímos a percepção individual, bem como agudeza exclusiva a respeito de sua

vibração, o que na verdade enriquece a convivência, estimula o compartilhamento de

interpretações e possibilita a variedade das versões do que seja aplicável no caso concreto.

De qualquer forma, ressaltamos é que, se for aplicado pelo agente o sentimento do

justo que foi sincera e livremente percebido, mesmo que em qualquer de suas versões,

ocorrerá preservação do almejado sentido de justiça e a membrana do justo634

permanecerá

íntegra, mas sem garantias de exatidão e inteira identidade, pois variantes de acordo com as

possibilidades e limites pessoais do intérprete e aplicador.

634

Trataremos do conceito de membrana do justo adiante.

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Insistimos neste ponto. A representação proposta evidencia que o sentimento do justo

percebido por uma pessoa nunca pode ser a única versão a ser aceita e aplicada.

Ante a subjetividade635

e as evidentes variedades de fatores e influências em cada uma

das hélices essenciais que passam a se mostrar estruturais no caso específico e vibram de

acordo com as capacidades de interação e integração de cada sujeito com seu povo, cultura e

anseios, o que for considerado como justo ao caso concreto só pode verdadeiramente

representar uma das várias versões possíveis para o caso concreto.

As almejadas segurança e certeza são, portanto, alcançadas nos limites possíveis das

interações de todos os elementos do sentimento do justo e da vontade dos agentes envolvidos.

Ressaltamos que, mesmo diante da inexistência de garantias definitivas no sentido do

sentimento do justo aferido corresponder verdadeiramente à justiça, pelo menos se está mais

próximo de uma conclusão sincera e, portanto, passível de ser prontamente revista e

espontaneamente aperfeiçoada não apenas pelo agente do Direito que o definiu, mas também

por todos os destinatários e doutrinadores.

Cremos ainda cabível a continuidade da analogia com o violoncelo.

Sabe-se que o músico deve conhecer todas as particularidades de seu instrumento,

estar ciente da partitura a ser seguida e desenvolver a sensibilidade de interpretar ditas notas

escritas, em adição ao fato de que deve praticar constantemente até chegar próximo à

perfeição.

De forma semelhante, podem as pessoas agir ao emitirem um julgamento,

principalmente se forem juristas, ou seja, devem ser estudados tecnicamente os fenômenos

(verificação da normatividade disponível e aplicável), desenvolver-se a consciência social e

exercitar-se a sensibilidade a cada dia e em cada processo, sendo certo que a partitura a ser

seguida é o sentido adotado do Direito conforme os compromissos de diretivas éticas eleitas, e

não necessária ou exclusivamente apenas leis positivadas.

635

Percebemos, assim como Jürgen Habermas, que a subjetividade é deduzida da intersubjetividade pressuposta

pela interação contínua.

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Tais noções podem ser, portanto, comparadas com a mão que comprime as cordas e a

que segura o arco.

Assim, hábeis em escolher seus posicionamentos e a carga de compressão a ser dada

às cordas do violoncelo e do arco nelas, a mão que dedilha a corda do sentimento do justo

pode ser tida como o sonho, e a outra que maneja o arco da vontade pode ser representada

pela liberdade.

Afinal de contas, apenas os sonhos conduzem nossos sentimentos do justo e somente a

liberdade indica o tom a ser dado às nossas opções práticas de justiça.

Cremos, pois, que o sentimento do justo (e suas hélices da sensibilidade, consciência e

interpretação), a vontade (com seus componentes formados pela cultura, ética e interesse), o

dedilhar dos sonhos e da liberdade, e as caixas de ressonância interna e externa estão envoltos

todos com a espiritualidade do agente, sendo esta que serve como partitura íntima.

Até agora estamos nos reportando à elaboração pelo próprio agente, de todos os

elementos aqui indicados, mas pode-se pensar na hipótese da corda do sentimento do justo e o

arco da vontade serem apresentados previamente como já aperfeiçoados, cabendo ao agente a

liberdade restrita apenas quanto aos sonhos e à liberdade.

Outra hipótese mais drástica ainda é o agente não apenas receber o violoncelo já

pronto e “afinado”, mas também ser colocado diante de uma partitura onde cada matiz sonoro

a ser executado já esteja previa e completamente determinado e as eventuais vibrações

calculadamente previstas, sem qualquer margem de interpretação artística.

Cremos que tais hipóteses últimas ocorrem conforme o grau de democracia porventura

existente nas sociedades. Assim, quanto mais densa a democracia, com maior espontaneidade,

o sentimento do justo é elaborado, assim como é criada a vontade, desenvolvidos os sonhos e

exercitada a liberdade. Nas ditaduras é o inverso que ocorre.

Notamos, pois, que, para o exercício da jurisdição não ser neutralizado em termos

sociais mais profundos e não se deixar inibir no exercício de poder a si atribuído, precisa-se

desligar da mera subsunção racional-formal dos fatos às normas e abandonar o conformismo

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de reproduzir as diferenças sociais mediante julgamentos padronizados para, questionando as

causas dos fatos ou dos valores constantes nas normas, passar a operar na expansão dos

Direitos sociais e sua conscientização popular.

Como dito, cabe ao Poder Judiciário a tarefa de materializar, por via de seus

julgamentos, o que passou a ser seguro idealmente, manifestando-se como concretizador da

Constituição na adoção de interpretações normativas ligadas às sensibilidades sociais. Torna-

se o Poder Judiciário, assim, o garante contra as lesões dos Direitos fundamentais e

componente básico da emancipação social por meio do próprio Direito.

Tal legitimidade636

judicial637

como parte real de um Estado de Direito democrático e

aspecto prático do acesso a uma justiça de qualidade guarda, igualmente, intrínseca relação

com a atuação judicial sempre pertinente com fins socialmente elevados e humanamente

sensíveis, possibilitando que de modo concreto o povo se reconheça em cada decisão.

Acesso à Justiça de qualidade, nesta concepção, diz respeito a terem as partes em

litígio o Direito de ter suas pretensões julgadas por um juiz que possua, além do

conhecimento técnico dogmático, consciência da efetividade dos princípios previstos na

Constituição, aliada à sensibilidade, desejo, tempo, disposição e estrutura emocional para

apreciar os dramas humanos postos à sua consideração, mostrando-se transparente em seus

raciocínios e franco em seu comprometimento638

ético, superando a burocracia clássica de

simples resolução de processos.

636

Legitimidade do Poder Judiciário aqui entendida como dizendo respeito ao reconhecimento de sua validade e

segurança como instituição estatal, aliada à certeza de toda a sociedade de que suas decisões serão acatadas e

servirão como fator impeditivo da multiplicação dos conflitos. FARIA, José Eduardo, A crise do Poder

Judiciário no Brasil, Justiça e Democracia – Associação Juízes para a Democracia, São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, nº01, 1996, p.46. 637

Tendo em vista as dimensões deste trabalho, não serão analisados mais profundamente os diversos matizes a

respeito da legitimidade dos juízes. Sobre tal assunto, ver CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital,

Fundamentos da Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p.82. Em igual sentir AFONSO, Orlando

Viegas Martins, Poder Judicial – independência in Dependência, Coimbra: Almedina, 2004, p.51,

CAPPELLETTI, Mauro, Juízes Legisladores?, título original Giudici Legislato?, tradução de Carlos Alberto

Alvaro de Oliveira, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p.95 , FERRAJOLI, Luigi. Justicia penal

y democracia. Jueces para la Democracia, n. 4, Madrid, set. 1988, p. 5. 638

Em razão da natureza humana dos juízes (malgrado alguns se entenderem um pouco acima de tal percepção),

não se afasta o risco de arbitrariedades e manipulação do que se entende pelos princípios, mas o que é proposto é

uma maior abertura do Judiciário à sociedade e, consequentemente, às críticas daí decorrentes.

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326

Neste aspecto, recordemos a reflexão inicial de EU e TU639

também idealizado por

Martin Buber, em que a palavra é expressa como dialógica e o fato primitivo como a relação.

Percebemos, portanto, que ao adotar esse posicionamento, ocorre o chamado encontro quando

duas pessoas se reconhecem mutuamente como EU e TU, em uma relação próxima, igualitária

e respeitosa das características de cada um.

É, pois, pela proximidade de nossas humanidades que passamos a conhecer a realidade

do outro, com todas as suas angústias e circunstâncias particulares.

Compreendemos, assim, que as expectativas legítimas dos particulares junto ao Poder

Judiciário também incluem tais atos de proximidade e sensibilidade de todos que atuam nas

lides jurídicas com a realidade humana.

O protagonismo social e político do sistema judicial e do primado do Direito640

parte,

como já realçado, da percepção que as sociedades democráticas não podem funcionar sem um

Poder Judiciário eficiente, eficaz, justo e independente.

A atuação do juiz assume, pois, conotações intensamente emancipatórias e

comprometidas com os ideais de uma democracia social mais intensa e profunda.

Saber o que é fundamental para essa legitimação constante do Direito e da Justiça

pressupõe indagarmos o que é essencial para suas existências. É necessário saber o que, caso

não esteja presente, não apenas evidenciaria sua ausência ou revelaria a falta, mas ocasionaria

a morte pela perda da substância e do conteúdo daqueles, deixando-os apenas com a casca,

forma, corpo ou letra, enquanto o espírito ali já não mais habitaria.

Os filósofos antigos, no dizer de Rubem Alves641

, reduziam o essencial a quatro

elementos fundamentais: a água, a terra, o ar e o fogo. Realmente, não há como se imaginar o

mundo sem chuva, mares, rios e oceanos, nem o mundo sem calor do Sol e o fogo

639

Seguimos as proposições de Martin Buber (que foi o fundador da chamada Filosofia do encontro, Filosofia

do diálogo). BUBER, Martin, Eu e Tu, título original: Ich und Du, Tradução de Newton Aquiles Von Zuben, 6ª

edição, São Paulo: Editora Centauro, 2003. 640

SANTOS, Boaventura de Sousa, Para uma revolução democrática da Justiça, São Paulo: Editora Cortez,

2007, p.15. 641

ALVES, Rubem , As Coisas Essenciais in ALVES, Rubem, Palavras para desatar nós, Campinas: Editora

Papirus 2011, p. 54-57.

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correspondente, sem os ventos, nuvens e pássaros, nem sem terra, flores, florestas e animais.

Sem tais elementos, o mundo não seria.

Em igual sentir, identificamos a essência do Direito e da Justiça de um Estado de

Direito como ligada a duas dimensões já vistas: 1- transparência das decisões, partindo esta do

conhecimento da realidade pelos agentes estatais, mormente os juízes, aí se incluindo a

democracia no conhecimento dos fatos, valores, normas e pessoas e na produção da prova e 2-

comportamento ético como forma de legitimação judicial.

Como visto, a primeira dimensão essencial indica que a transparência das decisões

pressupõe a consciência de que a realização da justiça “envolve condicionantes sociais e

culturais resultantes de processos de socialização e de interiorização de valores

dominantes”642

, o que exige constante explicitação das influências culturais na percepção da

realidade pelos julgadores.

Como já realçado, a intensidade e a complexidade das realidades sociais atuais

ensejam a clara necessidade de ser modificada a ação dos aplicadores do Direito, superando as

questões correntes em torno da organização e composição dos tribunais, técnicas de gestão,

ritmos e andamentos processuais643

para ingresso no território comum do político e do

jurídico, na tentativa da integração das formas de regulação política, jurídica e social em

patamares verdadeiramente mais democráticos, republicanos e, principalmente, mais

humanos.

Cremos que é com a perene reflexão crítica sobre o Direito e a Justiça, pela

compreensão da diversidade das percepções culturais de todos os agentes envolvidos, ao lado

do esforço para captar-se as diversidades e heterogeneidades das pessoas e seus mundos, que

é operada uma maior e mais profunda visibilidade dos fatores específicos em análise,

possibilitando uma aproximação mais intensa da justiça para o caso concreto.

642

Cfr. FERREIRA, António Manuel Carvalho de Casimiro em sua dissertação de Doutoramento em Sociologia

Trabalho Procura Justiça- A Resolução dos Conflitos Laborais na Sociedade Portuguesa, Coimbra, 2003,

p.260. 643

Embora tais questões guardem intensa pertinência com acesso à justiça, a dimensão desta tese impede que tais

assuntos sejam tratados em profundidade.

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A necessidade de que as decisões sejam culturalmente sensíveis e transparentes indica

que a legitimidade e a legitimação judicial devem ser consequentemente analisadas no âmbito

de sua independência e imparcialidade.

A segunda dimensão, ligada intrinsecamente à dimensão ética das atuações e

comportamentos dos julgadores, lida com os componentes de liberdade e independência.

Verificamos, assim, que sem tais elementos, o Direito e a Justiça se reduziriam a

normas, talvez programáticas, quiçá funcionais, mas apenas letras e códigos sem qualquer

espírito e sem nenhum coração.

3.2.4.1- Liberdade e independência do juiz

A independência é traço essencial à função de julgar644

, constituindo base do

verdadeiro Estado de Direito e definindo-se como o dever do juiz decidir com base nos

princípios e valores que fundamentam a Constituição e em conformidade com sua

consciência645

, sendo esta livre de qualquer influência646

interna ou externa.

Significando a negação de sujeição a qualquer poder647

e caracterizando-se no

julgamento realizado de acordo com a percepção dos fatos, valores, normas e pessoas

apresentados e conforme o Direito aplicável, é a independência assinalada por implicar a

autonomia externa do Poder Judiciário em suas relações com os Poderes Executivo e

Legislativo e autonomia interna em suas relações com os outros juízes da mesma ou superior

instância.

644

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça estabelecida como órgão judicial principal das Nações Unidas

prevê que sua organização se dará por um corpo de magistrados independentes (art. 2º). Antes de assumir as

obrigações do cargo, cada membro da Corte declarará solenemente, em sessão pública, que exercerá suas

atribuições com toda imparcialidade e consciência (artigo 20). 645

Consciência humana que inclui o direito de equivocar-se e o de mudar de opinião. 646

Falamos, assim e com a criatividade do bom humor, que todo juiz só deve estar sujeito a duas pressões: a

atmosférica e a arterial (!). 647

Na verdade, os tempos contemporâneos confirmam o interesse político do Poder Executivo e do Poder

Legislativo na confirmação de suas ações pelo Poder Judiciário justamente pelo fato de obterem, se assim o for,

o reconhecimento de um Poder independente ficando, com isso, mais forte o respaldo popular. De igual forma,

esperar que o Poder Judiciário decida questões polêmicas em vez de apresentar emendas constitucionais ou

projetos de lei poupa os políticos de desagradarem eleitores ou perderem votos.

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3.2.4.1.1-Da independência estrutural

Expressa-se a independência, nas palavras de Stephen G Breyer648

mediante a proteção

constitucional da vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, da autogestão do Poder

Judiciário, inclusive no que diz respeito às iniciativas de normas procedimentais, da

autoridade disciplinar que o Poder Judiciário possui com relação aos equívocos de seus

próprios membros, independência com relação à declaração de impedimento ou suspeição649

e

da segurança da efetividade das decisões judiciais650

.

Notamos, assim e obviamente, que a independência do juiz em todos os seus matizes é

absolutamente indispensável não apenas para que o magistrado atue de modo impessoal (e,

consequentemente, para que possa ser imparcial em seus julgamentos), mas por fundamentar

uma cultura jurídica de obediência aos princípios e valores que fundamentam a Constituição,

sendo incentivo a que todos assim se comportem.

3.2.4.1.2- Independência interna

Eugênio Raúl Zaffaroni651

esclarece que em uma democracia moderna nenhum juiz

pode ser concebido como empregado do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, da Corte

ou do Supremo Tribunal, não se concebendo a estrutura do Poder Judiciário na forma

hierarquizada de um exército.

648

BREYER, Stephen G, na Conferência Judicial Independence in the U.S. ministrada na Suprema Corte

Americana, em Washington, D.C. Outubro de 1995, publicada na Issues of Democracy Electronic Journals of the

U.S.. Contents Independence of the Judiciary p.6, acessado através do site http://www.ssrn.com, em 1º de março

de 2013. 649

O que atribui a cada juiz o dever ético de se afastar de qualquer caso em que algum interesse seu ou de seus

familiares esteja em questão, bem como se não se sentir suficientemente imparcial, acrescentando o autor que

tais regras aumentam a percepção de integridade do Poder Judiciário aos olhos do público. BREYER, Stephen G,

ob.cit.p.10. 650

Considerando que o Poder Judiciário é um poder simbólico, a efetividade de suas decisões tem que ser

garantida sob pena de descrédito e ausência de independência, ganhando contornos trágicos quando a

desobediência vem do próprio Estado, como no caso Cooper v. Aaron, em que a Suprema Corte Americana

decidiu sobre o término da segregação racial em estabelecimentos de ensino, ônibus e restaurantes e o Estado de

Arkansas resistiu, tendo sido necessário o envio de tropas federais para garantir o cumprimento da decisão, bem

como o caso Brown v.Board of Education, em 1957, quando o Presidente Dwight D. Eisenhower encaminhou

tropas para Little Rock, Arkansas, como mesmo fim. Ver BREYER, Stephen G,ob.cit. p.11. 651

ZAFFARONI, Eugênio Raúl, Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1995, p.88.

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Assevera o autor que a independência interna somente pode ser garantida dentro de

uma estrutura judiciária que reconheça dignidade a todos os juízes, sendo somente as

diferenças de competência admissíveis.

Sabe-se, no entanto, que na rotina judiciária as características humanas são exercitadas

com todas as suas cores e matizes e o mesmo cenário é visto em toda a carreira, não sendo

rara a identificação de magistrados sedentos de promoções e ávidos por apoios de pessoas

influentes com o fito de favorecer-lhes em suas ascensões profissionais.

Seguindo o mesmo perfil, pode-se mencionar a possibilidade de juízes sensíveis aos

pedidos, influências ou insinuações de juízes de tribunais superiores652

, em uma por assim

dizer influência paralela ou indireta.

Assim ocorre, por exemplo, na hipótesse de um político querer influenciar a decisão

de um magistrado de primeiro grau, mas apesar de não possuir contato com ele, detém

proximidade com um colega seu ou com um desembargador ou com um ministro de tribunal

superior. Desta forma, valendo-se do contato em comum, o político pode vir a exercer

influência no juiz de primeira instância, caso este se mostre receptivo às aproximações de seus

colegas de mesma instância ou de instâncias outras.

Neste rumo, podemos dizer empiricamente que, em muitas ocasiões similares de

julgamentos, magistrados mostram-se paradoxal e convenientemente dóceis e sensíveis

quando a causa envolve “pessoas importantes” e amargos e duros nas hipóteses de “pessoas

comuns”.

Notamos, pois, que mecanismos estruturais de carreira devem ser elaborados com a

finalidade de proteção da independência dos magistrados, evitando-se estímulos ao

carreirismo653

e bajulação.

652

Sabe-se que nas alturas o ar é sempre mais rarefeito. 653

Sobre, por assim dizer, “estratégias na vida funcional”, ver posicionamento de Vladimir Passos de Freitas e a

contraposição de Lenio Streck, em FREITAS, Vladimir Passos de, Manual de sobrevivência e sucesso nas

carreiras jurídicas, publicado no site do CONJUR em 07 de julho de 2013, disponível em

http://www.conjur.com.br/2013-jul-07/segunda-leitura-manual-sobrevivencia-sucesso-carreiras-juridicas,

acessado em 21 de julho de 2013 e STRECK, Lenio Luiz, Vinte dicas republicanas para ter sucesso como

(N)DCCJ, publicado no site do CONJUR em 18 de julho de 2013, disponível em

http://www.conjur.com.br/2013-jul-18/senso-incomum-vinte-dicas-republicanas-sucesso-ndccj, acessado em 21

de julho de 2013.

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Assim, ao serem adotados critérios claros e mais objetivos possíveis referentes às

remoções, promoções e ocupações de cargos administrativos, garante-se a ausência de

ingerências políticas internas ou externas a favor deste ou daquele magistrado.

3.2.4.1.3- Independência de convencimento

Como recorda Piero Calamandrei654

, a independência implica isolamento pessoal do

magistrado no momento de julgar, ou seja, se materializa na desvinculação de toda e qualquer

pretensa subordinação hierárquica, ao mesmo tempo em que confronta o juiz consigo mesmo,

frente a frente, sem pode se esconder atrás do biombo da ordem superior ou da mera

legalidade arguida.

Nesse aspecto, há que se incentivar o magistrado a se manter nos limites de sua

sobriedade e nas fronteiras de seu convencimento, evitando qualquer tipo de sedução perante

a opinião pública ou membros de outros poderes.

Não defendemos qualquer tipo de insensibilidade social nem que o magistrado não

conheça as impressões populares sobre o assunto em lide, mas que conserve sua postura de

independência ante os possíveis aplausos ou vaias, não caindo muito menos nas armadilhas de

se tornar um mero confirmador das ações do Poder Executivo ou chancelador das chamadas

“razões de Estado ou interesse da nação”.

A independência une-se, pois, ao princípio do livre convencimento motivado655

para a

consagração do entendimento e vontade do juiz no ato de julgar656

, firmando-se o preceito de

que é dever ético do magistrado exercer tal percepção sem influências ou desvios657

.

654

CALAMANDREI, Piero, Eles, os Juízes vistos por um advogado¸título original Elogio dei Giudici scritto

da um avocato, tradução de Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 351. 655

Entende-se por livre convencimento motivado ou persuasão racional, a possibilidade de o julgador apreciar,

de forma autônoma e sem tabela de valoração, as provas produzidas constantes do processo, sendo tal apreciação

base de sua decisão que, consequentemente, deve ser fundamentada. Neste aspecto, o art. 131 do Código de

Processo Civil brasileiro anterior à lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, afirma que o juiz apreciará livremente

a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não legados pelas partes, mas

deverá indicar na, sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. O novo código de Processo Civil

não fala expressamente sobre tal princípio, embora expresse no seu art.371 que o juiz apreciará a prova constante

dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de

seu convencimento. Afirma ainda que, nos fundamentos das decisões ou sentenças, devem os juízes analisar as

questões de fato e de direito, não se considerando fundamentadas aquelas que se limitarem à indicação, à

reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida,

empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, invocar

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As exigências contemporâneas para a resolução dos conflitos coletivos e que

envolvem questões distributivas ou de natureza social fazem com que os juízes necessitem

abandonar concepções individualistas e atitudes formalistas, obtendo a certeza jurídica e a

segurança processual por outros meios que não os exclusivamente objetivos legais ou

positivados, cabendo-lhes maior abertura para a subjetividade das situações, pessoas e novos

conceitos normativos e sociais, com a adoção de constante aprofundamento e sensibilidade

sociais658

, na procura do alcance efetivo e prático das normas e princípios constitucionais.

motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, não enfrentar todos os argumentos deduzidos no

processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, se limitar a invocar precedente ou

enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob

julgamento se ajusta àqueles fundamentos, deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente

invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do

entendimento (Art. 489, §1º), bem como na hipótese de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os

critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e

as premissas fáticas que fundamentam a conclusão (§ 2º), acrescentando que a decisão judicial deve ser

interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé (§

3ª). O art. 381 do Código de Processo Penal esclarece que, na sentença, o juiz deverá indicar os motivos de fato

e de Direito em que se fundar a decisão, e o art. 155 do mesmo diploma afirma que o juiz formará sua convicção

pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares não

repetíveis e antecipadas, esclarecendo que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições

estabelecidas na lei civil. O art. 93, IX da Constituição Federal afirma que todos os julgamentos dos órgãos do

Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões. O Direito português também confere relativa

liberdade ao juiz, determinando o Código de Processo Civil que o Tribunal deve "apreciar livremente a conduta

da parte que não compareça" (art. 357º, n° 2), o que significa analisá-la conforme as demais provas oferecidas,

devendo todas as decisões ser fundamentadas, não podendo as justificativas consistir na simples adesão aos

fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (art. 158º). Ademais, conforme o art. 264º, o juiz só pode

fundar a decisão nos fatos alegados pelas partes, sem prejuízo dos fatos notórios que não carecem de alegação ou

de prova e os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art. 514º),

sendo ainda explicitado que o tribunal coletivo aprecia livremente a prova, decidindo os juízes segundo a sua

prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º). 656

Neste sentido processual, esclarece Paul Ricoeur que o ato de julgar compreende a conjugação do

entendimento (do que é percebido como verdadeiro ou falso) e da vontade de tomar uma posição no sentido de

representar a distribuição do que se entende por justo ao caso, interrompendo-se a incerteza e o caos,

restabelecendo a ordem, evitando-se a vingança pelas próprias mãos e dando às partes antagônicas um sentido de

pertença à mesma sociedade. RICOEUR, Paul O Justo ou a essência da Justiça, título original Le juste, Lisboa:

Instituto Piaget 1997, pp.163-169. 657

Aqui a honra e a integridade do juiz estão implícitas, sendo a reabilitação da ética como modo de atuação

profissional essencial na seleção, formação e acompanhamento do juiz. 658

Pode-se exemplificar como decisão que teve em conta a realidade social vivenciada por duas pessoas acusadas

de furto de duas melancias, a exarada em 2003 pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº 124/03 - 3ª Vara

Criminal da Comarca de Palmas (TO), a respeito das liberdades provisórias do acusados. Fundamentou o

magistrado: “Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os

ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o

princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da

prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que

sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema

penitenciário nacional). Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população

sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o Consenso de

Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização europeia. Poderia dizer

que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres

humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça neste mundo? Poderia mesmo admitir minha

mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei

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333

Assim agindo, resta ampliado o convencimento necessário para a resolução da causa,

em superação aos clássicos contornos de uma perspectiva de justiça meramente corretiva,

estimulando a atingir as dimensões de uma justiça distributiva659

.

Verificamos, pois, que, em razão da confiança institucionalmente recebida e ante a

promessa de ser o guardião dos valores constitucionais660

, o magistrado, com adoção do juízo

de valor a ser aplicado, não pode decidir em contrariedade a tal entendimento, sob pena de

haver arbítrio ou corrupção661

. Deliberar conforme o entendimento de terceiro mostra-se

inadequado e temerário ante a renúncia, pelo magistrado, de sua exclusiva competência,

configurando-se traição de seu compromisso social.

3.2.4.1.4- A independência dos juízes interessa a todos?

Considerando que a independência dos juízes, como dito, se mostra como garantia de

sua imparcialidade e, portanto, necessária à real caracterização de uma sociedade que prima

pelo respeito dos valores constitucionais, a pergunta sobre se tal independência pode causar

problemas para algumas pessoas pode parecer despropositada.

Percebemos, no entanto, intuitiva e empiricamente, que a independência da

magistratura pode causar desconfortos e dificuldades para membros das elites governantes662

e para certa gama de empresários e políticos que primam por usar o Estado em seu benefício.

agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás.

Intimem-se.” Noticia em vários jornais brasileiros e no site do Tribunal de Justiça de Tocantins/Brasil,

http://www.tj.to.gov.br/, em noticias de 02 de abril de 2004, “Decisão de juiz tocantinense ganha destaque na

Imprensa”, acessado em 07 de fevereiro de 2013. 659

Neste aspecto, ver FARIA, José Eduardo, A crise do Poder Judiciário no Brasil, in Justiça e Democracia –

Associação Juizes para a Democracia- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº01, 1996, p 18-64. 660

Ver GARAPÓN, Antoine, O Guardador das Promessas- justiça e democracia, tradução de Francisco

Aragão, título original Le guardien des promesses. Justice et démocratie, Lisboa: Editora Instituto Piaget, 1998. 661

Corrupção aqui entendida como qualquer forma desvirtuada de adulteração da vontade, visando a atender a

interesses particulares e/ou egoísticos, vícios ou conveniências, podendo ser materializada por ação ou omissão e

motivada por ganhos financeiros, prestígio, favores ou qualquer outra vantagem indevida. 662

O Supremo Tribunal Federal brasileiro já decidiu que EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO.

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. CONVOCAÇÃO DE JUIZ. PRINCÍPIO DA

INDEPENDÊNCIA DOS PODERES. Convocação de Juiz para depor em CPI da Câmara dos Deputados sobre

decisão judicial caracteriza indevida ingerência de um poder em outro. Habeas deferido.

(HC 80089, Relator Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2000, DJ 29-09-2000 PP-00071

EMENT VOL-02006-02 PP-00282 RTJ VOL-00175-01 PP-00305). No mesmo sentido, voto do ministro Celso

Peluzo: “(...) Havendo, pois, à míngua de outra perceptível, nítida relação entre a convocação do Juiz e os atos

jurisdicionais por ele praticados, força é dar logo pela aparência de grave ilegalidade daquela e pelo óbvio risco

de dano irreparável a esse”. É que, conforme velha, aturada e conhecida jurisprudência desta Corte, decisões

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Pode ainda a independência dos juízes ocasionar empecilhos para membros de

organizações criminosas que depararão juízes imunes à corrupção, pressões ou seduções.

A independência é capaz de criar constrangimentos para outros membros do próprio

Poder Judiciário que gostariam de que todos os juízes permanecessem tímidos, servis,

obedientes e seguidores acríticos da jurisprudência dos tribunais superiores, o que facilitaria

suas buscas por ascensões na carreira.

Na verdade, para o juiz que quer apenas algum alpinismo social e/ou na carreira,

enriquecimento material, prestígio, influência, trânsito livre no poder e mesmo certo culto à

sua personalidade, a independência não lhe faz falta, pois se contenta em cumprir

burocraticamente o seu mister de pôr fim formal aos processos, sem se incomodar em

procurar a resolução justa do conflito ou em restabelecer os laços sociais entre os litigantes,

limitando-se a procurar servir a quem o possa ajudar no progresso na carreira663

.

judiciais só podem, como objeto de controle de sua legitimidade, ser revistas no âmbito dos remédios jurídico-

processuais e pelos órgãos jurisdicionais competentes, ou, em caso de suposto desvio ou abuso, pelas 33

instâncias das correspondentes corregedorias, em procedimento próprio. Assim como não pode o Judiciário

submeter nenhum membro do Poder Legislativo a procedimento em que seja obrigado, sob cominações

adequadas à condição de testemunha ou de acusado, a prestar ‘informações e esclarecimentos’ sobre votos que,

em certo sentido ou número, haja dado no Parlamento, no exercício legítimo da sua função política, tampouco

pode o Legislativo, ainda que por via de Comissão Parlamentar de Inquérito, controlar a regularidade ou a

legalidade de atos jurisdicionais, obrigando magistrado a dar, além das que constam dos autos, outras razões de

sua prática, ou a revelar as cobertas por segredo de justiça, que umas e outras coisas ofendem, de modo grosseiro

e frontal, o princípio constitucional da separação e independência dos poderes (cf. HC n. 86.581, Rel. Min. Ellen

Gracie, DJ 19/5/2006; HC n. 80.539, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 1/8/2003; HC n. 80.089, Rel. Min. Nelson

Jobim, DJ 29/9/2000; HC n. 79.441, Rel. Min. Octávio Gallotti; DJ 6/10/2000; HC n. 71.049, Rel. Min. Ilmar

Galvão, DJ 17/03/1995). Ao propósito, ao julgar a ADI n. 2.911-ES (Rel. Min. Carlos Britto, DJ 2/2/2007), o

Plenário desta Corte declarou a inconstitucionalidade de norma de Constituição estadual que obrigava o

Presidente do Tribunal de Justiça a comparecer à Assembleia Legislativa, mediante convocação, sob pena de

crime de responsabilidade. Na ocasião, deixou patente que a atual Constituição da República só atribui ao Poder

Legislativo competência para exercer fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial

sobre as unidades administrativas do Poder Judiciário, e apenas por intermédio do Tribunal de Contas. “Qualquer

outro ato com pretensões de revisão ou de controle administrativo e, sobretudo, jurisdicional, romperia o sistema

constitucional de freios e contrapesos, agredindo o princípio da separação de poderes (art. 2º da Constituição da

República).” (HC 96.549-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, julgamento em 21-10-08, DJE de

28-10-08). 663

Afirma Jean-Denis Bredin que “Nenhum debate sobre a independência do juiz é útil se estiver separado de

uma reflexão sobre a estatura intelectual e social do juiz (...). Oferecida a um juiz sem competência, sem reflexão

ou ainda a um juiz socialmente mal tratado, a independência seria inútil, e poderia não ser mais do que o meio do

arbitrário, uma arma da mediocridade, na melhor das hipóteses um conforto receoso”.BREDIN, Jean-Denis,

artigo L´indépendance le la justice, c´est quoi?, (in Libération de 06 de maio de 1991), citado por GARAPON,

Antoine,O Guardador das Promessas- justiça e democracia, título original Le guardien des promesses. Justice

et démocratie, tradução de Francisco Aragão,Lisboa: Editora Instituto Piaget, 1998, p.270.

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Assim, nessas últimas hipóteses, a independência não interessa ou faz falta, chegando

mesmo a atrapalhar ou constranger, pois a parcialidade ou tendência do julgador faz-se mais

clara pela renúncia à dita prerrogativa.

3.2.4.1.5- Independência e desvio de poder – o juiz prevaricador664

Repousa caracterizado o desvio do poder no mau uso da competência, atuando o

agente público com fim diverso daquele para o qual aquela lhe foi atribuída, podendo ocorrer

tanto o desvio de poder dos membros do Poder Executivo e do Poder Legislativo, como o

desvio de membros do Poder Judiciário, sendo que, no último caso, se mostra a decisão

judicial viciada665

, alheia ao interesse público e apartada dos princípios jurídicos e também

morais de aplicar as normas ao caso concreto666

.

Neste aspecto, percebemos, infelizmente, a existência de juízes que, por ações ou

omissões, renunciam à sua independência, tornando-se, por assim dizer, cúmplices na

perpetuação das diferenças sociais, ao eternizar valores e consagrar interpretações já não

aplicáveis à sociedade, mas favoráveis a determinados grupos667

.

664

Etimologicamente, prevaricação significa andar torcido, de maneira obliqua ou desviando-se da linha reta, ou

seja, o juiz prevaricador é aquele que se desvia da retidão, viola as normas e princípios, aparta-se da verdade e da

exatidão, afasta-se dos seus deveres, viola a confiança social e atua corruptamente no exercício da função, seja

por ação ou por omissão. 665

Frase atribuída à filósofa russo-americana Ayn Rand: Quando você perceber que, para produzir, precisa obter

a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens,

mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho,

e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber

que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem

temor de errar, que sua sociedade está condenada. Cf. http://www.aynrand.org/site/PageServer?pagename=index,

acessado em 22 de janeiro de 2013. 666

Sobre o tema ver CLAS, Elisa Maria Güidi, La Prevaricatión Judicial en España y en el Derecho

Comparado, Barcelona: J.M. Bosch Editor, , 2006 e CLAS, Elisa Maria Güidi, El perfil criminológico del

juez prevaricador, Barcelona: J.M. Bosch Editor, 2003. 667

Crítica ferrenha à instituição do júri, mas também aos juízes corruptos pode ser vista na comédia As Vespas,

de autoria de Aristófanes em 422 a.C. Observe-se que o personagem principal, Filoclêon, desenvolvia evidente

comportamento patológico ante sua obsessão com o poder de julgar (na verdade, ele não julgava, mas apenas

condenava). Observe-se que algumas falas do personagem são significativamente precisas quanto sua verdadeira

vocação e motivação: O filho Bdeliclêon tenta mostrar ao pai que na verdade ele não passa de um joguete nas

mãos dos poderosos, respondendo Filoclêon: “Que criatura é mais feliz, mais afortunada que um juiz? Que vida

é mais gostosa que a dele? Que animal é mais temível, principalmente na velhice? E acrescenta: E este salário

me serve de proteção contra todos os males, e de armadura contra todos os projéteis (...) Isto não é uma

verdadeira soberania, igual à de Zeus? Falam de nós como do próprio Zeus. Se fazemos barulho em nosso

tribunal, todos os parentes gritam: “Ah Zeus, que tempestade desaba sobre o tribunal!”. ARISTÓFANES, As

Vespas, As Aves, As Rãs, tradução de Mário da Gama Kury, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p.40 e

45.

O inverso pode ser encontrado na história real, ante a figura do chamado bom juiz Magnaud, no início do século

XX, orientador da jurisprudência sentimental, malgrado ambos se afastarem do arquétipo desejável de um

verdadeiro juiz.

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336

Tal renúncia à independência pode ocorrer quando o juiz simplesmente acata a

corrupção franca e direta, vendendo suas decisões ao melhor preço, ou de modo mais sutil,

quando acata normas ou atos manifestamente ilegais ou inconstitucionais, abdicando de seu

poder de restabelecer o justo, mostrando-se pacífico ante os arbítrios e colaborador com os

interesses políticos, econômicos ou institucionais ilegítimos porventura existentes668

.

Na verdade, geralmente, o juiz prevaricador, na medida em que favorece os detentores

do poder em prejuízo da justiça, se aproveita dos primeiros ao angariar simpatias e promessas

de influências positivas em torno de seu avanço na carreira, o que não deixa de ser uma das

formas mais comuns de corrupção.

Exemplos históricos de tais posicionamentos podem ser citados, como no caso de

membros da magistratura alemã669

que acataram, sem resistência ou questionamentos, as

normas antissemitas. Da mesma forma, recordemos dos juízes franceses durante a ocupação

nazista na República de Vichy, que preferiram imergir na interpretação técnica da legislação

discriminatória em vez de combatê-la, bem como professores de Direito e advogados.

No mesmo rumo comportaram-se juízes durante os períodos das ditaduras que tiveram

curso na América Latina, Espanha e Portugal, que se calaram às atrocidades, violências e à

668

Neste aspecto, são comuns os argumentos de que nada adiantaria dar uma solução justa, pois esta seria

revogada pelas instâncias superiores ou, no mesmo sentido, de que se não fosse ele juiz a dar vazão aos

interesses que sucumbiu, outro juiz o faria. Excluindo-se a hipótese de corrupção financeira, social ou

institucional, pode-se dizer que na primeira hipótese o magistrado mostra-se covarde ao não decidir conforme

sua consciência e preferir render homenagens aos juízes que entende serem superiores; na segunda hipótese, o

magistrado procura convencer-se de sua fraqueza, mostrando-se confuso quanto à densidade ética dos demais

colegas e preferindo carregar consigo a cicatriz da desonra a levar o arranhão leve e superficial de um aparente

descrédito perante os Tribunais. 669

Na verdade, como exposto com riquezas de detalhes por Ingo Müller, não apenas os Tribunais alemães

durante o Terceiro Reich, mas os advogados e professores de Direito desempenharam papeis importantes para o

declínio do Direito e disfarçaram com roupagem filosófica e jurídica os atos arbitrários, discriminatórios e

crimes perpetrados “legalmente”. O desenvolvimento de uma série de interpretações jurídicas não convencionais

demonstrou nitidamente que os graus de acolhimento e colaboração de tais setores à ideologia, política e

administração nazista chegaram ao ponto de ultrapassar as próprias leis discriminatórias, com utilização de

argumentos mais do que duvidosos a respeito da interpretação do Direito de acordo com o nacional-socialismo,

contando, dentre seus adeptos, com Carl Schmitt. De tais interpretações hostis e antissemitas, destacam-se a

crença de um Estado de emergência nacional a justificar a transgressão das leis, o interesse do Estado acima do

Direito, a aplicação retroativa de leis penais, traição culposa, o princípio de que não há delito sem punição

prevalecendo sobre o princípio de que não há delito sem lei, ilegalidade e delito material acima da formal, bem

como conceitos pseudo acadêmicos como a doutrina teleológica, interpretação legal criativa, captura da

essência, dentre outras. MÜLLER, Ingo, Los Juristas del Horror – la “Justicia” de Hitler: el passado que

Alemania no puede dejar atras, Título original Furchtbare Juristen: Die unbewaltigte Vergangenheit unserer

Justiz, tradução de Carlos Armando Figueredo, Bogotá: Libreria Jurídica, 2009.p. 43, 55, 61, 65-68, 73, 80, 101,

102, 104, 112, 114 e 123.

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corrupção praticadas, dentre os quais membros da magistratura brasileira670

, que deram

aplicação aos atos institucionais e aceitaram as alegadas razões de segurança nacional,

mantendo com os representantes do arbítrio uma convivência amistosa e pessoalmente

conveniente, sendo alguns, inclusive, promovidos por merecimento ante os serviços

prestados.

Tal submissão voluntária ao poder, seja qual for o argumento671

, mostra-se própria ao

enfraquecimento do Poder Judiciário, com valoração do carreirismo e incentivo à sedução

pelo poder, podendo ocasionar, por assim dizer, uma contaminação em relação aos demais

membros da categoria ao moldar suas consciências e comportamentos.

Assim, os juízes mais frágeis de caráter, vendo o ilusório sucesso funcional do juiz

prevaricador, tornam-se adeptos fáceis do encanto das aparentes e superficiais conquistas,

passando a reproduzir o mesmo modelo de atuação em um círculo vicioso de aviltamento,

desonra e descrédito da Justiça.

O assunto foi objeto da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção672

que

estabeleceu, no seu artigo 11, que, tendo presentes a independência do Poder Judiciário e seu

papel decisivo na luta contra a corrupção, cada Estado Participante, sem menosprezar a

independência do Poder Judiciário, adotará medidas para reforçar a integridade e evitar toda

oportunidade de corrupção entre os membros do Poder Judiciário, podendo tais medidas

incluir normas que regulem a conduta de seus membros.

670

É verdadeiro o fato de que mesmo em tempos de regimes políticos não democráticos, o Estado continuou

exercendo sua jurisdição e desempenhando, sem maiores preocupações a respeito de sua legitimidade e da

realidade socioeconômica, suas três funções básicas: instrumental (de resolução de conflitos), política (como

mecanismo de controle social, reforçando estruturas de poder) e simbólica (na vertente de legitimar práticas e

costumes legalizados, delimitando as expectativas sociais dos padrões de equidade e justiça) Cfr. SANTOS,

Boaventura de Sousa, Sociología Jurídica Crítica – para un nuevo sentido comum en el derecho, Madrid:

Editorial Trotta/Ilsa, 2009, p.108. 671

Não são raros os casos em que os juízes que aderiram aos sistemas opressores, arguem, como motivos de suas

decisões ou fundamentos para seu convencimento, expressões ambíguas como “razões de Estado”, “para evitar

conflitos sociais iminentes”, ou “salvaguarda da ordem”. 672

Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, promulgou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,

adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 09 de

dezembro de 2003.

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338

3.2.4.1.6- Independência significa Imunidade (irresponsabilidade)?

A noção de responsabilidade adotada nesta pesquisa surge como componente da

estrutura do próprio Poder Judiciário e seu foco mira sempre o reconhecimento e acolhimento

do outro, principalmente quando este outro está em condições de maior vulnerabilidade e sua

extensão abrange toda a humanidade e natureza, sem limites de espaço e tempo.

Ooutra percepção mais restrita e técnica, no enanto, pode ser adotada para fins de

esclarecimento do comportamento de seus agentes.

Assim, considerações a respeito da independência do Poder Judiciário indicam a

questão de se é possível conceber, em um regime democrático, um Poder sem

responsabilização de seus membros673

.

A resposta moderna674

é no sentido negativo ante a simples conclusão de que os juízes,

ao exercerem o poder estatal de dizer o Direito, podem violar os princípios e regras aplicáveis,

daí decorrendo a óbvia consequência675

da responsabilização676

.

Consolida-se, pois, o entendimento de que a independência não possui um fim em si

mesmo, mas representa um valor instrumental que tem por objetivo resguardar a

imparcialidade e consagrar a cidadania677

.

673

Ver sobre o tema GARAPÓN, Antoine (dir.), Les Juges – un pouvoir irresponsable?, Paris: Éditions

Nicolas Philippe, 2003. 674

Aliás, nem tão moderna assim. O Código de Hammurabi já expressava que: 5º - Se um juiz dirige um

processo e profere uma decisão e redige por escrito a sentença, se mais tarde o seu processo se demonstra errado

e aquele juiz, no processo que dirigiu, é convencido de ser causa do erro, ele deverá então pagar doze vezes a

pena que era estabelecida naquele processo, e se deverá publicamente expulsá-lo de sua cadeira de juiz. Nem

deverá ele voltar a funcionar de novo como juiz em um processo. 675

Consequência esta derivada e inerente ao chamado sistema de freios e contrapesos (checks and balances)

devendo ocorrer um equilíbrio entre o valor instrumental da independência judicial (externa e interna) e o

princípio democrático da responsabilização. Sobre alguns tipos de responsabilização, ver CAPPELLETTI,

Mauro, The judicial Process in Comparative Perspective, Oxford: Claredon Press- Oxford, Oxford University

Press, 1991, capítulo 3 Who Watches the Watchmen? p.72-104. 676

É claro que a relação poder-responsabilidade tem evidentes conotações históricas que, pela diminuta extensão

deste trabalho, não serão exploradas. De igual forma, complexo é o exame da extensão da responsabilidade e sua

divisão por entre as instâncias nos casos de confirmações da decisão inicial pelos tribunais superiores e mesmo

na hipótese de coisa julgada, bem como corresponsabilidade das partes processuais,questões estas também não

aprofundadas por extrapolarem o objetivo aqui proposto. 677

A expressão self-restraint é encarada, por vezes, como a postura submissa do Poder Judiciário no confronto

dos Poderes Legislativo e Executivo, colocando-se abaixo destes no que diz respeito ao exercício de seu poder

judicial e as políticas públicas, conquanto possa ser encarado apenas como discrição e prudência, cautela e

circunspecção ou como contraposição ao conceito de ativismo judicial (este tido como decisões judiciais

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Assim, os juízes podem ser responsabilizados678

em termos disciplinares correcionais

e na esfera civil, não sendo descartadas as hipóteses de sanções decorrentes de corrupção ou

prevaricação, nas hipóteses de erros679

grosseiros e franca percepção do dolo do julgador.

Em Portugal, essa possibilidade está consignada no art. 216º da Constituição. No

Brasil, a responsabilização é prevista como decorrente do princípio constitucional de

responsabilidade do Estado por ato de seus agentes (art. 37), mas não existem registros de sua

ocorrência.

Na verdade, o Supremo Tribunal Federal680

, em inúmeras oportunidades, assentou que

a regra geral é de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder

Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados em lei, principalmente no que diz

respeito às indenizações.

O entendimento é o de que a responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou

omissão voluntária - de caráter imputável - a existência de dano e a existência de nexo causal

entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado.

Assim, analisando o fato de que o Direito à indenização por dano material, moral ou à

imagem encontra-se no rol dos Direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no

criadoras de novas perspectivas do direito e das práticas políticas públicas). Cfr. SOARES, António Goucha, A

transformação do Poder Judicial e seus limites, Working Papers nº 1/00, SOCIUS- Centro de Investigação em

Sociologia Económica e das Organizações, Lisboa: Instituto Superior de Economia e Gestão. Universidade

Técnica de Lisboa, 2000, p.12-13. 678

Fala-se em responsabilidade institucional - relativa à utilização do orçamento com sua estrutura, compras,

prédios, gastos com pessoal, etc, decisional - relativa aos erros e consequências das decisões judiciais - e de

comportamento - relativa aos comportamentos dentro e fora das Cortes, no sentido de sua imparcialidade,

integridade e independência. Cfr. GEYH, Charles Gardner, Rescuing Judicial Accountability from the realm

of political rhetoric, Research Paper Number 61 September 2006, acessado no Social Science Research

Network electronic library at: http://ssrn.com/abstract=933703 em 03 de março de 2013. 679

A Suprema Corte do Reino Unido anunciou, no dia 11 de maio de 2011, a modificação do entendimento a

respeito do pagamento de indenização por erro judicial para aqueles que foram condenados, começaram a

cumprir a pena e depois conseguiram comprovar a inocência. Até então, a justiça britânica considerava

necessário o réu provar ser inocente para fazer jus à reparação por erro da Justiça. Agora a Corte de Apelações

da Inglaterra admite que o conceito de erro judicial abranja os casos de anulação da condenação do réu ante o

surgimento de provas que, se tivessem sido apresentadas no julgamento, o corpo de jurados teria decidido pela

inocência, mas manteve de fora de tal conceito as hipóteses em que tal conclusão é incerta e quando houve

algum erro grave no processo investigatório.O direito de reparação de vítimas de erro judicial está previsto no

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, da ONU. Decisão na íntegra pode ser consultada

em http://s.conjur.com.br/dl/decisao-suprema-corte-reino-unido7.pdf, acessado em 12 de maio de 2013. 680

Resta nº 111.609-9, Relator Ministro Moreira Alves, julgado em 11.12.1992, DJU de 19.03.1993; RExt nº

505.393-8, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 26.06.2007, DJU de 05.10.2007.

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art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal681

e a responsabilidade Civil do Estado por atos

de seus agentes está consagrada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal682

, além do Código

Civil683

definir a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar, a conclusão lógica seria que os

atos praticados por agentes do Estado que ensejarem danos a terceiros serão indenizados pelo

Ente estatal, independentemente de dolo ou culpa, o que incluiria os atos do próprio Poder

Judiciário.

Ocorre que o entendimento jurisprudencial é no sentido de que, diversamente do que

ocorre com o Poder Executivo, o Poder Judiciário e o Legislativo, no exercício de suas

funções típicas, em regra, não criam o dever de indenizar para o Estado, ainda que possa

resultar algum dano de tais atos. Limita-se tal responsabilidade apenas a situações

excepcionais, em que for demonstrada a ocorrência de dolo ou culpa grave.

A exceção é consagrada partindo do entendimento de que a análise de teses,

raciocínios e descrições de fatos ensejam interpretações e presunções, o que indica a

conformação do já exposto no sentido de que a tomada de decisão é uma opção dentre várias

possíveis, guardando as características de falibilidade humana, seguindo-se os princípios do

livre convencimento e a independência dos magistrados.

De qualquer modo, toda atividade jurisdicional sempre vai produzir dano ao perdedor

do litígio e tais circunstâncias são conhecidas de todos que submetem seus entendimentos em

681

Constituição Federal, in verbis: "Art. 5º. (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,

além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,

a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de

sua violação; (...)". 682

Constituição Federal, in verbis: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º - As pessoas jurídicas de

direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus

agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos

de dolo ou culpa." 683

Código Civil, in verbis : "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

“Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito

reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo

iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem

absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.” (...)” Art. 927.

Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único.

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de

outrem."

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juízo. Daí não ser garantida a correspondência das percepções e entendimentos a respeito dos

fatos, normas aplicáveis ou interpretações dos litigantes com as sensibilidades jurisdicionais.

Assim, não se pode punir o Estado apenas porque o juiz decidiu deste ou daquele

modo, mesmo que tal ato tenha gerado dano para alguém, fora das hipóteses de dolo, culpa

grave ou fraude previstas legalmente684

.

O Conselho da Europa indica que os juízes devem ser isentados de qualquer

responsabilidade civil pessoal relacionada com o exercício de suas funções, desde que ajam

de boa-fé, sendo que a Carta Europeia sobre o Estatuto do Juiz685

prevê a possibilidade de

ação de regresso por parte do Estado contra o juiz em caso de negligência grosseira e

inescusável desde que exista acordo prévio do órgão de gestão da magistratura.

Na esfera disciplinar, se os juízes se limitassem a aplicar os textos legislativos, o mero

controle recursal seria suficiente para comandá-los, mas vivemos uma época em que o juiz é o

guardião dos valores constitucionais, não sendo mais suficiente a simples aplicação das leis

684

Tais como: art. 5º, LXXV, da Constituição Federal (LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro

judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença), art. 133 do Código de Processo

Civil anterior à Lei 13.105/2015 (Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de

suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que

deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses

previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência

e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias), art. 143 do novo Código de Processo Civil indica que O

juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I - no exercício de suas funções, proceder

com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou

a requerimento da parte. O art. 1.744 do Código Civil, ao tratar de tutela (Art. 1.744. A responsabilidade do juiz

será: I - direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente; II -

subsidiária, quando não tiver exigido garantia legal do tutor, nem o removido, tanto que se tornou suspeito), art.

630 do Código de Processo Penal, ao tratar de revisão criminal (Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer,

poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. § 1o Por essa indenização, que será

liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal

ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça. § 2o A indenização não será devida: a) se o

erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou

a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação houver sido meramente privada) e arts. 49 (Art. 49 -

Responderá por perdas e danos o magistrado, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou

fraude; Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a

requerimento das partes. Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente

depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não

lhe atender o pedido dentro de dez dias) e 56 (Art. 56 - O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar

a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do magistrado: I - manifestadamente

negligente no cumprimento dos deveres do cargo; Il - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e

o decoro de suas funções; III - de escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou cujo proceder funcional seja

incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário) da Lei Orgânica da Magistratura

(LOMAN). 685

Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes - Conselho da Europa- 1998, disponível em

http://www.asjp.pt/wp-content/uploads/2010/04/Carta-Europeia-Sobre-o-Estatuto-dos-

Juízes.pdf, acessado em 19 de abril de 2014.

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nem aceitável a mera subjetividade do juiz686

, pelo que alguma forma de controle e

responsabilização deve ser prevista para que nem as partes nem o próprio Estado sejam

submetidos a conviver e suportar as ações de um juiz preguiçoso, parcial, desonesto ou

mesmo covarde.

Ocorre que, no caso específico, surge uma conexão tênue sobre controle das decisões

judiciais e mácula à independência, porqunato o primeiro poderia se transmutar em meio de

perseguição ideológica e tentativa de alinhamento dos juízes.

Assim, a maior parte dos países adota a fórmula dos conselhos superiores da

magistratura, com diversos modelos de composição, sendo mais indicado o modelo misto de

estruturação, com elementos da magistratura e membros da sociedade indicados por

designação política687

.

686

Nesse mesmo sentir, GARAPON, Antoine, O Guardador das Promessas- justiça e democracia título

original Le guardien des promesses. Justice et démocratie, tradução de Francisco Aragão, Lisboa: Editora

Instituto Piaget, 1998, p.270. 687

Em Portugal, o Conselho Superior da Magistratura é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de

Justiça e composto por 16 membros, sendo dois designados pelo Presidente da República, sete eleitos pela

Assembleia da República e sete juízes eleitos pelos seus pares, de harmonia com o princípio da representação

proporcional (art.218º da Constituição Portuguesa); Sobre críticas à atuação do Conselho Superior da

Magistratura português, ver MAGALHÃES, Pedro Coutinho, O Sistema Judicial em Portugal: ineficácia e

ilegitimidade, (p.418), in BARRETO, Antônio (org.), Justiça em crise? Crises da Justiça, Lisboa: Publicações

Dom Quixote, 2000, p.411-424. No Brasil, o Conselho Nacional da Justiça é também presidido pelo Presidente

do Supremo Tribunal Federal e composto por 15 membros de mais de 35 e menos de 66, com mandato de dois

anos, admitida uma recondução, sendo: um ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo

tribunal, um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal, um ministro do Tribunal

Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal, um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo

Supremo Tribunal Federal, um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal, um juiz de Tribunal

Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça, um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal

de Justiça, um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho, um juiz do

trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho, um membro do Ministério Público da União, indicado

pelo Procurador-Geral da República, um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo procurador-

geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual, dois

advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil , dois cidadãos, de notável

saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal, 103-B

da Consituição Federal do Brasil.

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3.2.4.1.7- Independência e controle – quem controla688

o controlador689

e influências

internas

Ao optar por abandonar concepções normativo-formalistas e adotar maior

sensibilidade social, deixando de ser uma instituição fechada em si e apegada aos textos

legais, permitindo que as mudanças sociais e circunstâncias históricas e contextuais

influenciem seus posicionamentos e interpretações dos princípios constitucionais, alargando

suas reflexões a respeito das carências e valores nem sempre correspondentes aos

costumeiramente vivenciados pelos juízes, situa-se o Poder Judiciário no terreno das

discussões e opções políticas690

.

Assim, resta evidente que lidará diretamente com as omissões, escolhas e ausências do

Poder Executivo e do Poder Legislativo, passando a ponderar sobre o não-dito, o não-feito, o

não-valorado, o calado e emudecido, o desprezado e esquecido, o maldito e o ignorado,

iniciando decisões que envolvem intensos conflitos de interesses e fissuras sociais.

Normalmente após ser vislumbrada tal mudança de papéis dos juízes, começam a ser

criados, propagados e incentivados temores691

de um governo dos juízes ou mesmo de caos

judicial692

na hipótese dos juízes permanecerem isentos de controles diretos, mesmo sabendo-

se de suas vinculações à Constituição, aos princípios gerais do Direito e aos graus recursais

688

Ou Quis custodies ipsos custodiet- quem guarda o guardião como indagado por Juvenal nas suas As Sátiras

nos 1º/2º séculos. (Satire 6.346–348), bem como em Platão na A República. A pergunta é feita a Sócrates,

"Quem guardará os guardiões?" ou, "Quem irá nos proteger dos protetores?" e a resposta de Platão é que os

guardiões irão se proteger deles mesmos e que devemos contar a eles uma "mentira carinhosa" que é a de eles

são melhores do que os que eles servem e é, então, responsabilidades deles guardar e proteger aqueles que são

menos do que eles mesmos. Cfr. http://pt.wikipedia.org/wiki/Quis_custodiet_ipsos_custodes%3F acessado em

30 de julho de 2013. 689

Ver sobre o assunto CAPPELLETTI, Mauro, The judicial Process in Comparative Perspective, Oxford:

Claredon Press- Oxford, Oxford University Press, 1991, capítulo 3 Who Watches the Watchmen? pp.57-113. 690

Sobre o tema ver FRANCK, Thomas M., Political Questions – Judicial Answers, Princeton: Princeton

University Press, 1992, MITAU, G. Theodore, Decade of Decision – The Supreme Court and the

Constitucional Revolution, New York: Charles Scrbner´s Sons ed, 1967 e TOCQUEVILLE, Alexis de, Da

Democracia na América, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000. 691

Ver LEMOINE, Yves, Le complot des Juges – Le politiques en accusation, Paris : Éditions Du Félin, 1993. 692

Malgrado se defender que o juiz possua cada vez maior aproximação e contato com as várias dimensões da

realidade social e que a lei não é o único instrumento de regulação social, não cremos ser verdade que as normas

admitam interpretações ilimitadas nem se justifica qualquer interpretação baseada apenas em critérios

ideológicos do aplicador, não podendo o juiz se intitular, em uma sociedade livre e igualitária e ante os limites da

Constituição, como redentor das desigualdades e senhor do Direito .Ver ENTERRIA, Eduardo García de,

MENÉNDEZ, Aurelio Menéndez, El Derecho, La Ley y el Juez, Cuadernos Civitas, Madrid:Editorial Civitas,

1997, p. 49-51.

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internos, sendo comumente divulgada a pretensa invasão das áreas e questões políticas cujas

exclusividades são reclamadas pelo Poder Executivo e Poder Legislativo.

Assim, com a assunção desse papel inovador e contra-hegemônico e quando começa a

incomodar as posições e opções classicamente liberais anteriormente inquestionáveis e

correspondentes às classes privilegiadas, abre-se e disponibiliza-se o Poder Judiciário às

cobranças de suas responsabilidades que aparecem sob a forma do chamado controle externo.

Não obstante a ideia republicana e democrática de que nenhum Poder é incontrolável

ou insindicável, é intuitivo o fato de que o controle externo, seja por meio de conselhos

superiores da magistratura693

, seja pela responsabilização legal direta do magistrado, pode ser

utilizado como forma de manipular, intimidar e mitigar a independência judicial. Assim pode

ocorrer com a aliança dos demais poderes e grupos de pressão no sentido de interferência

direta no processo de escolha dos componentes de tais conselhos694

e correspondente

condução do ato de atuar ou pelo fortalecimento dos tribunais superiores de forma a esvaziar

as competências, prerrogativas e liberdades dos juízes, principalmente os de primeiro grau.

Assim, a independência do Poder Judiciário, por consistir-se em uma das salvaguardas

da democracia, pode ocasionar resistências e combates de grupos econômicos e políticos mais

adeptos a ideologias contrárias. Tais categorias conseguem, por vezes, comparecer ao Poder

Judiciário mediante a utilização da própria estrutura da instituição, com emprego de

instrumentos de controle e avaliação em tese lícitos, mas manejados com seletividade e

funcionalidade.

Deste modo, mesmo sendo evidente que sob o ponto de vista da organização interna

dos tribunais a independência dos juízes também prepondera sobre qualquer outro princípio, e

existe a garantia de que o magistrado não será submetido a qualquer tipo de ingerência ou

693

A expressão Conselho Superior da Magistratura apareceu pela primeira vez na França, com a lei de 30 de

agosto de 1883, que instituiu o Conseil Supérieur de la Magistrature como denominação assumida pelas seções

unidas da Cour de Cassacion funcionando como tribunal disciplinar. 694

O Conselho Nacional de Justiça -CNJ foi criado pela Emenda Constitucional 45/2004 e sua

constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (doravente STF) por sete votos contra

quatro, em 13.4.2005, Relator Ministro Cezar Peluso, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (doravante

ADIN) proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), e dele partiram mudanças significativas no

perfil do Judiciário brasileiro, destacando-se a fixação do teto salarial, o fim do nepotismo, pesquisas

importantíssimas (p. ex., Justiça em Números), a verificação da situação carcerária nos presídios, metas de

produtividade e a função disciplinar exercida pela Corregedoria Nacional.

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constrangimento da própria estrutura judiciária, o certo é que pressões internas695

oriundas dos

órgãos de cúpula do Poder também podem comprometer a independência dos juízes.

Tal possibilidade pode se concretizar por intermédio de interferências diretas no ato de

julgar- invadindo-se a esfera da alçada do juiz de primeira instância, com manobras de

deslocamento de competências - ou por métodos indiretos - como o mau uso do poder

administrativo correcional ou indicações dos critérios696

utilizados nas promoções e/ou

remoções, visando à intimidação dos juízes e alinhamento destes aos entendimentos dos

tribunais.

Neste aspecto, a depender dos países e conforme as características autoritárias,

absolutistas e excludentes em atividade, podem ser comparadas as instâncias judiciárias com

corporações mais ou menos próximas das hierarquias militares e eclesiásticas.

Assim, por vezes o exercício do poder jurisdicional identificado como verdadeira

hierodulia (sagrado serviço) é esquecido pelos tribunais que, com suas estruturas centralizadas

e piramidais, corporificam mera hierarquia (sagrado poder)697

.

Ali, completa dedicação, entrega e compartilhamento; aqui, autoinjunção de única e

verdadeira dirigente capaz de ditar a justiça. Na primeira, individualidade que serve a todos;

na segunda, instituição que segue a lógica da autorreprodução e perpetuação através de

enquadramento e doutrinação de pensamento único, da interpretação exclusiva da dogmática e

mesmo de uma privilegiada liturgia. Ali o desapego; aqui a concentração. Ali, a criatividade e

sensibilidade; aqui, a intolerância às críticas e pensamentos destoantes, vistos estes como

ofensas, afrontas, rebeldias e irresponsabilidades.

695

Eugenio Raul Zaffaronni afirma que um juiz não pode ser concebido, em uma democracia moderna, como

submetido a qualquer hierarquia, sendo um Poder Judiciário verticalmente militarizado tão aberrante quanto um

exército horizontalizado, ZAFFARONNI, Eugenio Raul, Poder Judiciário, crise, acertos e desacertos, São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p.88. 696

Nesse aspecto, a movimentação administrativa do magistrado, bem como os critérios de promoção, longe de

parecerem assuntos internos ou corporativistas, possuem grande importância social, pois podem ser manipulados

para influenciar a independência do juiz, seja por privilegiarem os juízes mais dóceis e manipuláveis, seja por

poderem ser utilizados para perseguir e prejudicar os mais independentes. 697

Ver BOFF, Leonardo, Por que persiste a Igreja-poder?– artigo Jornal O POVO, ano LXXXIII nº 27.470,

09 de agosto de 2010, p.28, em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4731,

acessado em 15 de agosto de 2013.

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Podemos, nas palavras adaptadas de Leonardo Boff698

, embora existam variações de

percepção e modos de atuação, compreender tendências a dois modelos básicos de Justiça.

A primeira é a Justiça que se sustenta no poder-instituição, com exclusiva linguagem,

ritos, vestes e liturgias, com caráter organizativo hierárquico centralizado e tendente ao

absolutismo, compromissada que é com a hipervalorização descontextualizada da norma.

O outro modelo pode ser dito como a Justiça com base no poder-nação, onde as

diversas formas de viver-se a mesma fé na democracia igualitária e fraterna são aceitáveis e o

diálogo com a sociedade é estimulado, como forma de manter sua contemporaneidade e

promover decisões mais próximas da Justiça idealizada. O compromisso, aqui, não é em

seguir dogmas jurisdicionais de instâncias superiores, apesar de levá-las em consideração

como qualquer outro argumento, mas garantir-se, por assim dizer, uma constante inserção no

mundo real, transformando este em mundo mais fraterno pela conversão humanista de seus

agentes.

É intuitiva, entretanto, a percepção de que a convivência de tais tendências nem

sempre é isenta de atritos internos e externos e entre si.

Nas estruturas hierárquicas da Justiça baseada no poder-instituição, as violências

praticadas contra seus integrantes são, na maioria da vezes, diretas, outras vezes disfarçadas e

simbólicas. Por vezes, claramente repressivas e punitivas e, por vezes agem sutilmente ao

mitificar e quase idolatrar autoridades ou instituições jurisdicionais. Ademais, ao mesmo

tempo premia atitudes e modos de pensar reprodutores dos cânones, incentivando obediências

cegas e promovendo carreiras servis.

Assim, muitas vezes juízes conservadores, convenientes e bem comportados perante as

decisões dos tribunais são facilmente promovidos a desembargadores e estes a ministros,

remontando todos, cada um a sua maneira e vez, à estrutura sempre fácil de conduzirem-se

institucionalmente de acordo com a lei e a ordem em detrimento da lógica da vida e dos

valores sociais.

698

BOFF, Leonardo, Um outro jeito de ser Igreja, Jornal O POVO, Ano LXXXIII, nº 27.491, segunda-feira,

30 de agosto de 2010, p. 26, Fortaleza-Ceará-Brasil e Onde está a verdadeira crise da Igreja, de 23/07/2010,

disponível em http://alainet.org/active/39704, acessado em 31 de agosto de 2013.

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A subserviência exercitada acaba, pois, concretamente introjetada, frequentemente

reproduzida e seguidamente revalorizada, cristalizando-se em uma forma de dar continuidade

a esse tipo de estrutura perversa de mera reprodução de certezas, ritos e símbolos.

Dizemos perversa não apenas por não aceitar adaptações das interpretações das

normas ao caso concreto ou por desprezar a tolerância à natureza humana mais humana, mas,

acima de tudo, por desviar carreiras, seduzir consciências e desvirtuar jovens juízes e torná-

los substancialmente insensíveis, institucionalmente carreiristas699

e pessoalmente

desprezíveis700

.

É intuitivo o fato de que para colaborar com a criação de uma Justiça cada vez mais

sensível e próxima do cidadão há que se adotar regras, por assim dizer, de uma democracia e

autonomia pedagógicas, ampliando as definições de espaço e tempo, fatores que definem a

democracia do conhecimento.

Assim, utilizando a fala de Rubem Alves701

, a democracia dos julgamentos pressupõe

a criação e manutenção de um espaço manso onde se tenha permissão, liberdade e segurança

para se explorar o desejo de conhecer e sentir. Seriam, assim, possibilitadas, maiores e

melhores interpretações dos fatos, valores, normas e pessoas.

Em sentido contrário, o juiz que se limita a reproduzir a jurisprudência dos tribunais,

agindo com excesso de respeito que o conduz à incapacidade de crítica e adaptação ao caso

concreto, abandona a toga e se torna mera sombra a acompanhar o corpo nem sempre

saudável, nem sempre isento de mazelas, nem sempre ágil, nem sempre lúcido e nem sempre

socialmente comprometido dos entendimentos de outros juízes.

699

Piero Calamandrei já falava de juízes contaminados com o que chamou de conformismo, identificando este

como a doença que causa no magistrado o pavor da independência própria e o que o conduz a sequer esperar

pelas recomendações externas, mas a precedê-las, não se dobrando a pressões dos superiores, pois as imagina e

satisfaz antecipadamente. CALAMANDREI, Piero, Eles, os Juízes vistos por um advogado¸título original

Elogio dei Giudici scritto da um avocato, tradução de Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fontes, 2000,p. 279. 700

Ver INGENIEROS, José, El Hombre Mediocre, 18ª edición, Mexico: Editorial Porruá, 2007. 701

ALVES, Rubem, A pedagogia dos caracóis, Campinas: Verus Editora, 2010, p.59

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É abandonada, nesses casos, a parcela mais cara da função judicante, que é ser o lar do

próprio convencimento, para se bandear com vistosas, sedutoras, mas nem sempre confiáveis

consciências alheias.

Percebemos, ademais, que domesticando o juiz ao entendimento dos tribunais, é

ensejada a paralisação de seu pensamento independente e próprio às adaptações sociais

concretas e contemporâneas, além de promover a fossilização da jurisprudência. Assim, sem

questionamentos dos próprios entendimentos ou sem a possibilidade de apreciar outros pontos

de vistas, os tribunais tendem ainda mais à conservação de suas decisões anteriores,

dificultando suas revisões e as sempre necessárias aberturas a outras perspectivas.

Resta, assim, apreendido o fato de que tal agir jamais pode ser embaraçado com

alguma forma de bom funcionamento de todo o sistema judicial, nem confundido como

maneira de promover o respeito e confiança para com a administração de justiça nem

identificado como mera conveniência de os tribunais não terem que apreciar recursos ou

examinar novas teses. Nenhum propósito de alegada segurança jurídica pode ser confundido

com máculas à independência ou forma de limitação prática da revisão de posicionamentos.

Na realidade, fragilizando o pensamento e a criatividade dos juízes que mantêm

contato maior e mais próximo da realidade dos fatos e das pessoas, tal entendimento fomenta

o contrário do proposto.

Conforme tal percepção, sobra valorizada clara irresponsabilidade institucional em

relação aos valores constitucionais em densificação social, passando, uma vez mais, a deter-se

no que está nos livros e acórdãos e não no que está na realidade da vida vivida.

Ante a possibilidade de ingerências internas tendentes a macular a independência do

juiz, estas fizeram com que juízes latino-americanos firmassem, em maio de 2008, no México,

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a denominada “Declaração de Campeche”, documento que prega um patamar mínimo a

respeito da independência do Poder Judiciário702

.

Os princípios elaborados703

são:

1- Os direitos fundamentais e as liberdades dos indivíduos

reconhecem como medida de proteção o direito à tutela judicial

efetiva, a cargo de juízes independentes e imparciais, pertencentes a

Poderes Judiciários igualmente independentes, que contem com as

condições que os permita assegurar aos magistrados os pressupostos

objetivos para o exercício da jurisdição com as qualidades assinaladas.

Os Estados subscritores se comprometem a assegurar de modo

permanente o respaldo dos poderes políticos do Estado à consolidação

da independência dos poderes judiciais e dos juízes, evitando toda

ação ou decisão que possa condicionar política, econômica, social ou

funcionalmente a independência do Poder Judiciário, como Poder do

Estado, ou aos juízes. Outrossim, assumem o compromisso de adotar

as decisões e ações que melhor contribuam aos propósitos assinalados,

assegurando condições favoráveis para o melhor exercício de uma

magistratura independente e imparcial, só sujeita à Constituição e à

lei, com estrito respeito ao princípio da hierarquia normativa e livre de

toda pressão, condicionamento ou ingerência indevida externa.

2- Sendo a independência e imparcialidade do juiz natural

indispensáveis para o exercício da função jurisdicional, essas

qualidades devem ser preservadas no âmbito interno dos Poderes

Judiciais, de modo que não resultem, direta ou indiretamente, afetadas

pelo exercício de atividades disciplinares de actividades disciplinarias

de acusação ou de governo do próprio poder. Deve-se garantir aos

juízes que por sua atividade jurisdicional, na medida de como decidem

os casos a eles confiados, não sejam nem premiados nem castigados,

702

Ver artigo de MACIEL, Cláudio Baldino, Independência e declaração de Campeche, de 07 de dezembro de

2008, publicado no site Judiciário e sociedade, acessado em 24 de fevereiro de 2013. 703

Disponível em http://www.fam.org.ar/FAM.asp?id=160, acessado em 24 de fevereiro de 2013. Nossa

tradução.

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estando ditas decisões só sujeitas à revisão dos tribunais superiores

conforme indique o respectivo direito interno.

3- No exercício da jurisdição, os juízes não se encontram

submetidos a autoridades judiciais superiores, sem prejuízo da

faculdade destas de revisar as decisões jurisdicionais através dos

recursos legalmente estabelecidos.

4- Os ataques à independência judicial devem ser sancionados pela

lei que deverá prever os mecanismos por meio dos quais os juízes

inquietados ou perturbados na sua independência possam obter o

apoio dos órgãos superiores ou de Governo do Poder Judiciário.

3.2.4.1.8- Independência e influências externas – o poder político

A relação entre Direito e Poder é um problema recorrente na história do pensamento

político e jurídico, pois estão na verdade, mesclados em uma mesma realidade.

Haja vista a abrangência do tema e a existência de vasta bibliografia704

a respeito, com

amplas abordagens, nos limitaremos a tratar apenas agora de um aspecto singular e de modo

mais do que resumido, - a possibilidade de abertura do Poder Judiciário a grupos de pressões.

Relembra Mauro Cappelletti705

que o objetivo principal, a essência e a própria

natureza da função judicial é ter-se uma decisão tomada por uma terceira pessoa imparcial

depois das partes terem tido uma oportunidade justa de apresentar e defender seu caso, sendo

para isso necessária a ocorrência de certas circunstâncias, como a ausência de pressões

exercidas contra os juízes seja pelo Poder Executivo, políticos ou fontes outras de poder,

públicas ou privadas.

Questiona-se, no entanto, a possibilidade de grupos de pressão, sejam estes

representados diretamente por políticos ou por organizações sem representatividade

704

Cfr. BOBBIO, Norberto, Direito e Poder, título original Diritto e Potere, tradução de Nilson Moulin, São

Paulo: UNESP, 2008, FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, Estudos de Filosofia do Direito- Reflexões sobre o

Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito, São Paulo: Editora Atlas S.A, 3ª edição, 2009, JOUVENEL,

Bertrand de, O Poder – história natural do seu crescimento, título original Du pouvoir: historie naturelle de su

croissanse, tradução de Paulo Neves, São Paulo: Editora Peixoto Neves, 2010, VIANELLO, Lorenzo Córdova,

Derecho y poder- Kelsen Y Schmitt frente a frente, Mexico: Fondo de Cultura econômica, 2009. 705

CAPPELLETTI, Mauro, The judicial Process in Comparative Perspective, Oxford: Claredon Press-

Oxford, Oxford University Press, 1991, capítulo 3 Who Watches the Watchmen? p.70.

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parlamentar, terem acesso aos juízes, visando a expor suas ideias e receios, em uma por assim

dizer atitude democrática de participação popular na tomada de decisão que afeta a todos.

Assim, formalmente, é prevista uma participação de tais grupos, no chamado Amicus

Curiae. Oriundo do Direito dos EUA, o Amicus Curiae (amigo da Corte e não das partes)706

é

um instituto de matriz democrática uma vez que permite terceiros passarem a integrar a

demanda, sem configurar propriamente assistência, mas como forma de legitimação social

extraordinária, para discutir objetivamente teses jurídicas que vão afetar a sociedade como um

todo, tendo previsão na lei brasileira nº 9.882/99, que regulamenta o controle concentrado de

constitucionalidade por via de ação707

.

No que se refere às intervenções informais dos grupos de pressão ou lobbies, a atitude

mais corrente entre os juízes é de simples recusa de interação ou, quando muito, marcação de

audiência conjunta para que a outra parte presencie a fala de tais grupos.

3.2.4.1.9- Mitigações à independência dos juízes- as decisões vinculantes

Alguns mecanismos processuais modernos criados para fazer frente ao elevado

número de processos e visando à uniformização da jurisprudência, favorecendo o critério de

certeza e efetividade dos julgados, podem se transformar, no entanto, em asfixia da

criatividade e adaptação das normas aos fatos e pessoas reais e concretamente em exame.

De igual forma e no mesmo sentir de busca à otimização dos serviços judiciais podem

as atuações administrativas dos conselhos de magistratura seguir o mesmo destino de

uniformização excessiva e mesmo interferência no convencimento pessoal do magistrado a

respeito dos casos submetidos ao seu exame.

Dois exemplos claros representam tais possibilidades: as decisões vinculantes e as

ingerências internas.

706

Originado de leis romanas, foi plenamente desenvolvido na Inglaterra pela English Common Law e,

atualmente, é aplicado com grande ênfase nos Estados Unidos (EUA). 707

Lei nº 9.882/99- art. 6º, § 1º: "§1º - Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que

ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita

parecer sobre a questão, ou, ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência

e autoridade na matéria".

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Como sabemos, visando a facilitar os julgamentos posteriores e divulgar o

posicionamento quase unânime dos tribunais a respeito de determinada matéria, é utilizado o

mecanismo processual de sumular as decisões, ou seja, os tribunais seguem o brocardo ubi

idem ratio, ibi idem jus (onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito) e sintetizam

o entendimento por meio de um enunciado claro e conciso denominado "súmula" (no Brasil)

ou uniformização de jurisprudência no julgamento ampliado do recurso de revista (em

Portugal).

Esclareçamos que, mesmo diante das súmulas, os juízes continuam livres para decidir

de acordo com suas convicções, mesmo que isso signifique contrariar a jurisprudência

sumulada, pois estas servem apenas para divulgar o posicionamento atual dos tribunais,

atuando somente como direção possível para as futuras decisões708

.

A questão refere-se, pois, à independência do juiz e à adoção das chamadas decisões

vinculantes, ou seja, a controvérsia surge justamente na modificação da natureza das

jurisprudências dos tribunais que, nesses casos, deixam de ser apenas consultivas ou

orientadoras para não poderem ser contrariadas e terem que ser seguidas por todos os

membros do Poder Judiciário, em todas as instâncias e em todos os casos assemelhados.

Nessas hipóteses, transmutando-se a mera influência dos entendimentos dos tribunais

para a consagração destes, estabelecendo uma relação de subordinação relativamente às

futuras decisões.

Assim, além de inovarem no princípio consagrado da legalidade de que ninguém é

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, que agora passa a

ser entendida com o complemento de ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei ou decisão judicial vinculante, mitiga-se o princípio da

708

No Direito inglês e estaduniense desenvolveu-se a doutrina dos precedentes obrigatórios, em que a decisão

judicial soluciona o caso especifico, mas estabelece determinado precedente com força vinculante de modo a

assegurar que, em litígios futuros, sejam aplicados os precedentes das decisões anteriores, ou seja, as regras

consuetudinárias estabelecidas vão sendo aplicadas aos casos novos à medida que forem surgindo, sendo que tal

sistema permite maior flexibilidade por admitir que as cortes superiores modifiquem as decisões das cortes

inferiores e, em certos casos, possam inclusive superar (override) suas decisões anteriores. Ademais, o

precedente é limitado pelos fatos e condições particulares daquilo que deu ensejo a sua criação, ou seja, verifica-

se o precedente para determinar se o princípio nele deduzido constitui a fundamentação para a decisão que se

quer proferir, podendo ser seguido. Nos casos em que tal precedente não servir, poderá ser criado outro

precedente, o que, consequentemente, garante a evolução jurisprudencial.

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soberania popular para criar o, por assim dizer, princípio de como pessoas que não foram

escolhidos para representar o povo nem para fazer as leis dizem o conteúdo da lei.

Essas tentativas de uniformização de entendimentos, no entanto, não são nada novas

no Brasil e agora assumem novas faces.

O Brasil-Colônia aplicava as Ordenações Afonsinas (1446), quando os chamados

“estilos da Corte” eram considerados como fonte do Direito e representavam a

jurisprudência709

da época, assim como nas Ordenações Manuelinas (1521), em que estavam

consignadas as regras de interpretação conforme o decidido na Mesa Grande dos

Desembargadores (Tribunal Pleno) e posteriormente registrado no chamado Livros dos

Assentos (que adquiria caráter normativo-Livro V, Título LVIII) e nas Ordenações Filipinas

(1603), que reproduziu tais vinculações.

Igualmente, os tribunais das relações, passaram a atribuir a mesma força vinculante

aos seus julgados, o que perdurou até a Lei de 18.08.1769, conhecida como Lei da Boa Razão,

que limitou o efeito vinculante apenas às decisões da Casa da Suplicação.

O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro foi elevado à categoria de Casa da

Suplicação, em 1808, para as causas oriundas do Brasil, passando a ter a mesma competência

da Casa da Suplicação de Lisboa, sendo que tal situação permaneceu até 18.09.1828, quando

foi criado o Supremo Tribunal de Justiça, mais tarde denominado Supremo Tribunal Federal

(1890), cujas decisões não tinham o mesmo caráter dos 'assentos' portugueses, extinguindo-se

assim a figura da decisão vinculante no Direito brasileiro.

As súmulas, sem efeito vinculante, foram introduzidas no Brasil em 1963, por

iniciativa do próprio Supremo Tribunal Federal, por sugestão do Presidente da Comissão de

Jurisprudência, ministro Victor Nunes Leal, com a mudança do Regimento Interno do STF.

Eram, pois, como um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais com o objetivo de

abreviar o julgamento dos casos que se repetissem, sendo as primeiras súmulas editadas em

1964. A partir de então, os outros tribunais também passaram a emitir as respectivas súmulas.

709

Ordenações Afonsinas, livro II, título XI: “Estabelecemos e pomos por lei que, quando algum caso for trazido

em prática, que seja determinado por alguma Lei do Reino, ou estilo da nossa Corte, ou costume dos nossos

reinos antigamente usado, seja por eles julgado...”.

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354

Tal situação perdurou até 2004 quando a Emenda Constitucional nº 45 incluiu, dentre

outros, o art. 103-A, para prever a possibilidade da edição, pelo Supremo Tribunal Federal710

,

das chamadas súmulas vinculantes711

em matérias reiteradas e constitucionais712

. O argumento

utilizado foi de privilegiar-se a uniformidade das decisões e guardar-se maior segurança na

prestação jurisdicional, primando-se pelo princípio da igualdade ao evitar dar-se interpretação

diversa às normas nas mesmas questões fáticas.

Assim, com a intenção de dar maior celeridade713

aos feitos processuais, evitando-se

delongas desnecessárias quando as matérias constitucionais já possuíssem jurisprudência

pacífica em determinada direção e visando a esclarecer o posicionamento a respeito

porventura em controvérsia com as administrações públicas em todos os seus níveis e que

acarretassem grave insegurança jurídica e a relevante multiplicação de processos, foi criada a

possibilidade do Supremo Tribunal Federal714

, de ofício ou por provocação, mediante decisão

710

No que diz respeito às súmulas do STF anteriores à Emenda Constitucional nº 45/2004, o art. 8º da própria

EC esclarece que somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes

publicação na imprensa oficial, ou seja, permanecem com sua natureza apenas interpretativa não vinculante

enquanto não houver confirmação pelo próprio STF. 711

Antes disso, com a Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, foi introduzida a ação direta de

constitucionalidade que permitia a vinculação da decisão do Supremo Tribunal Federal, sendo que a Emenda nº

45 unificou o rol dos legitimados ativos para a propositura da açao direta de constitucionalidade – ADC e ação

direta de inconstitucionalidade – ADIn (regidas pela Lei 9.868/99), conferindo efeito vinculante a todos os

instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.Cfr. LIMA,

Martônio Montálverne Barreto, Súmula Vinculante e Constituição Dirigente: uma questão de soberania, in

Constituição e Estado Social – os obstáculos à concretização da Constituição, Francisco José Rodrigues de

Oliveira Neto (et al) Organizador, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p 275-286. 712

A permanência do controle concentrado de constitucionalidade, ao lado da possibilidade de controle difuso,

enseja realmente um mecanismo processual e político da constitucionalidade nacional, pelo que as súmulas

vinculantes em matéria constitucional se mostram necessárias a maior coerência do sistema normativo, daí a

previsão de vinculação das súmulas que examinem ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias

de constitucionalidades (art. 102, § 2º da CF de 1988). Critica-se, no entanto, a extensão do mesmo patamar de

obrigatoriedade a súmulas que tratam de outras matérias que não as constitucionais. Na verdade, seria mais

razoável que apenas a Administração Pública ficasse vinculada aos limites impostos pela decisão, preservando-

se a independência dos juízes. 713

Existe a ilusão de que a velocidade é salvadora na busca da verdade ou da felicidade, não respeitando as

limitações das compreensões e exigindo sempre um resultado tido como eficiente e ligado à relação

custo/benefício (ver ROSA, Alexandre Morais da, Crítica à hermenêutica do conforto: A súmula –

vinculante- como se imagem fosse, in OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de, et al (org.).

Constituição e Estado Social – os obstáculos à concretização da Constituição, Coimbra: Coimbra Editora,

2008, p 29-40. 714

No mesmo sentido de dar maior celeridade processual e vincular as instâncias inferiores, foi editada a Lei n.º

11.418/2006, acrescentando o art. 543-A ao Código de Processo Civil, que trouxe o procedimento pelo qual o

Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão

constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, sendo estas consideradas como as relevantes para

toda a sociedade, ultrapassando os interesses subjetivos das partes da causa, e calcados em assuntos econômico,

político, social ou jurídico, sendo esclarecido que haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar

decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. Igualmente, o art. 543-B, também

acrescentado pela mesma lei, afirma que quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica

controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal e caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia

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355

de dois terços dos seus membros, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional,

aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em

relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas

esferas federal, estadual e municipal, na forma estabelecida em lei715

(103-A, caput, e § 1º da

Constituição Federal) bem como proceder à sua revisão ou cancelamento716

.

e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte,

sendo certo que, julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos

tribunais, turmas de uniformização ou turmas recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se,

sendo ainda esclarecido que, mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos

termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. A Lei

13.105/2015 indica que: Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da

citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo

Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou

pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente

de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de

justiça sobre direito local. Afirmando ainda que Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do

Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula

vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e

em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo

Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V -

a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Ademais, prevê-se decisão

monocrática do relator nos casos de apelação (Art. 1.011) nas hipóteses do art. 932, incisos III a V, ou seja III -

não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos

da decisão recorrida; IV - negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal

Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal

Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em

incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; V - depois de facultada a

apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do

Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo

Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c)

entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. Por

fim, prevê o novo Código de Processo Civil que: Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão

irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver

repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou

não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os

interesses subjetivos do processo. § 2o O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para

apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. § 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso

impugnar acórdão que: I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II - tenha

sido proferido em julgamento de casos repetitivos; III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou

de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal. 715

Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. 716

Os requisitos para aprovação, revisão ou cancelamento são os mesmos: (a) quórum mínimo de dois terços

dos membros do Tribunal; (b) somente matéria constitucional, após reiteradas decisões, poderá ser objeto da

súmula vinculante, ficando afastadas questões de outra natureza e poderão ser provocadas por aqueles que

podem propor a ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, o Presidente da República, a Mesa do Senado

Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou

entidade de classe de âmbito nacional, Defensor Público-Geral da União, a Mesa de Assembléia Legislativa ou

da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal e os Tribunais

Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais

Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares, sendo

que o Município poderá propor, incidentalmente, ao curso de processo em que seja parte, sem que este seja

suspenso (art. 103 da CF e art. 3º da Lei 11.417/06), sendo certo que, revogada ou modificada a lei em que se

fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação,

procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso (Art. 5o da Lei 11.417/2006).

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O § 3º do art. 103 da Constituição Federal prevê que do ato administrativo ou decisão

judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação

ao Supremo Tribunal Federal717

. Este, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou

cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a

aplicação da súmula, conforme o caso, ou seja, criou-se, ainda mais, um recurso diretamente

para o Supremo Tribunal Federal, sem se passar por qualquer instância.

O novo Código de Processo Civil brasileiro718

indica que o juiz poderá julgar

improcedente liminarmente a demanda, além dos casos de decadência e prescrição,

independentemente da citação do réu, se o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do

Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo

Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos

repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou

de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito

local (art. 332).

O mesmo Código indica que não está sujeita ao duplo grau de jurisdição previsto no

caput do art. 496, quando a sentença estiver fundada em: I - súmula de Tribunal superior; II -

acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em

julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de

demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - entendimento coincidente com

orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada

em manifestação, parecer ou súmula administrativa. (§ 4º do art. 496).

Dito diploma processual assume nitidamente a intenção de uniformizar a

jurisprudência, ao afirmar em seu art. 927 que: Os Tribunais devem uniformizar sua

jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente e observarão I - as decisões do Supremo

Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de

súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de

717

O art. 102 da Constituição Federal também prevê, no seu §1.º, a possibilidade do STF apreciar diretamente a

arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF (regida pela lei nº 9.882, de 03 de dezembro de

1999), decorrente desta Constituição, bem como no § 2.º, que as decisões definitivas de mérito, proferidas nas

ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e

efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo em todas as esferas

(administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. 718

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.

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resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial

repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria

constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a

orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Assegura, ainda, que os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do

órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta

ordem, e a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os

órgãos a ele vinculados. Aduz, por fim, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e

dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do

País, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia.

Prevê dito instituto processual muito próximo ao já adotado na Alemanha por meio do

que foi chamado originalmente de “processo-modelo”719

e no novo código identificado como

incidente de resolução de demandas repetitivas.

Idealizado na Alemanha para prevenir o surgimento de demandas repetitivas na

jurisdição administrativa, tal instituto pode ser utilizado nos casos em que a legalidade de uma

medida administrativa for questionada em mais de 20 processos. Em tais hipóteses, o Tribunal

pode julgar um ou mais processos que servirão como paradigmas e suspender os demais até o

julgamento final dos mesmos.

719

Art. 92 –A do Código de Contencioso Administrativo (Verwaltungsgerichtsordnung), disponível em

http://www.gesetze-im-internet.de/bundesrecht/vwgo/gesamt.pdf, acessado em 06 demarço de 2013. Redação

original : § 93ª (1) Ist die Rechtmäßigkeit einer behördlichen Maßnahme Gegenstand von mehr als zwanzig

Verfahren, kann das Gericht eines oder mehrere geeignete Verfahren vorab durchführen (Musterverfahren) und

die übrigen Verfahren aussetzen. Die Beteiligten sind vorher zu hören. Der Beschluß ist unanfechtbar.

(2) Ist über die durchgeführten Verfahren rechtskräftig entschieden worden, kann das Gericht nach Anhörung der

Beteiligten über die ausgesetzten Verfahren durch Beschluß entscheiden, wenn es einstimmig der Auffassung ist,

daß die Sachen gegenüber rechtskräftig entschiedenen Musterverfahren keine wesentlichen Besonderheiten

tatsächlicher oder rechtlicher Art aufweisen und der Sachverhalt geklärt ist. Das Gericht kann in einem

Musterverfahren erhobene Beweise einführen; es kann nach seinem Ermessen die wiederholte Vernehmung

eines Zeugen oder eine neue Begutachtung durch denselben oder andere Sachverständige anordnen.

Beweisanträge zu Tatsachen, über die bereits im Musterverfahren Beweis erhoben wurde, kann das Gericht

ablehnen, wenn ihre Zulassung nach seiner freien Überzeugung nicht zum Nachweis neuer

entscheidungserheblicher Tatsachen beitragen und die Erledigung des Rechtsstreits verzögern würde. Die

Ablehnung kann in der Entscheidung nach Satz 1 erfolgen. Den Beteiligten steht gegen den Beschluß nach Satz

1 das Rechtsmittel zu, das zulässig wäre, wenn das Gericht durch Urteil entschieden hätte. Die Beteiligten sind

über dieses Rechtsmittel zu belehren.

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O Código considera julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em I -

incidente de resolução de demandas repetitivas e II - recursos especial e extraordinário

repetitivos ( art. 928).

Assim, indica que é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas

repetitivas quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham

controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à

segurança jurídica a ser instaurado pelo juiz ou relator, por ofício, pelas partes, pelo

Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição (Art. 976).

Tal incidente deve ser julgado no prazo de um ano (art. 980) e a tese jurídica será

aplicada, de acordo com o art. 985: I - a todos os processos individuais ou coletivos que

versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo

tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou

região; II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar

no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986. E, caso não

observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação (§ 1º).

Percebemos, pois, intensiva tendência na adoção de soluções uniformes e rápidas a

vincularem as demais instâncias.

Verificamos, contudo, que os defensores da edição de súmulas e decisões vinculantes

observam aspectos meramente operacionais ao se acabar com divergências jurisprudenciais e

conflitos em temas relevantes e pertinentes à ordem constitucional, colaborando para minorar

o acúmulo de processos nos tribunais.

Como bem diz Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini720

, no entanto, não há que se

negar que as súmulas vinculantes e institutos correlatos denotam clara mitigação ao princípio

do contraditório ainda mais quando as possibilidades de sua edição fazem referência a

expressões ambíguas, como “grave insegurança jurídica”.

720

SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. O prazo razoável para a duração dos processos e a

responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional. In: WAMBIER, Teresa

Arruda Alvim... (et alii (Coord). Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pp.44-45.

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Cremos que não há dúvida de que tal expressão pode ser utilizada para, de forma

transversa, obter-se a avocação de processos politicamente danosos para o Poder Público ou

para o governo de situação, sem que os reais interessados possam dele participar

efetivamente.

Apontamos para outro risco ainda mais grave no que diz respeito à vinculação de

decisões em geral, qual seja e como expressamos anteriormente, a hipótese de juízes e

tribunais serem transformados em Pinóquios ao contrário.

Abdicando da imaginação, pois, espírito de aprendizagem, liberdade, curiosidade

criativa e sensibilidade só aferível verdadeiramente ante o contato próximo com a causa e as

pessoas diretamente interessadas, corre-se o risco de transformarem juízes em meros bonecos

de madeira, facilmente manipuláveis e limitados a reproduzir, sem qualquer consciência

“grilante” em seus ombros ou mesmo responsabilidade, o que se afirmou era a verdade.

Na verdade, como bem diz Edgar Morin, num universo de pura ordem, não haveria

inovação, criação, evolução. Não haveria existência viva nem humana. Do mesmo modo

nenhuma existência seria possível na pura desordem, porque não haveria nenhum elemento de

estabilidade para se instituir uma organização. As organizações têm necessidade de ordem e

necessidade de desordem721

.

Talvez uma solução mais plausível seja o direcionamento das decisões vinculantes

apenas ao Poder Público. Desta forma, cremos que a segurança jurídica seria preservada,

evitar-se-ia o grande número de processos em que os órgãos públicos são reiteradamente

descumpridores da legislação e garantir-se-ia que a jurisdição estatal funcionasse em proveito

operacional nas causas entre particulares.

Observamos, ademais, que a mitigação de eventual abusividade na utilização das vias

recursais poderia ter sido conseguida por outros meios processuais bem mais simples, como

limitação das hipóteses de recursos ou mesmo multas por litigância de má-fé decorrentes de

tal descomedimento.

721

MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre: Editora Sulina, 2007,p.89.

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3.2.4.1.10- Independência processual relativa do juiz?

Como visto, os mecanismos processuais de uniformização de jurisprudência, seja por

meio de súmulas seja por julgamentos ampliados dos recursos e reclamações, foram

idealizados no sentido de permitir uma equalização das situações jurídicas assemelhadas,

independentemente da qualidade da defesa dos direitos, permitindo, idealmente, melhor e

igualitária distribuição de justiça, ao evitar o prolongamento das disputas, servindo a

unificação da jurisprudência para atender os casos repetitivos, auxiliando, assim, no

descongestionamento dos tribunais.

Opera-se, neste aspecto funcional e utilitário da justiça, o fortalecimento dos

princípios da segurança jurídica e da efetividade do processo, mormente quando o Estado é o

agente descumpridor da legislação e dos princípios constitucionais.

É evidente que a jurisprudência dos tribunais superiores pode representar uma direção

a ser seguida pelos demais órgãos integrantes do Poder Judiciário, sendo também razoável

pensar-se útil para a segurança jurídica722

que aqueles tribunais mantenham jurisprudências

razoavelmente estáveis, evitando-se a fragilidade ante bruscas e integrais alterações de

entendimento sobre questões de Direito.

Resta saber, entretanto, se é socialmente desejável se limitar o poder de interpretação

dos juízes de instâncias inferiores condicionando sua independência aos posicionamentos dos

tribunais superiores.

Corre-nos, a nosso ver, o risco de permitir a colonização do sentido das normas e fatos

para reproduzi-los e consolidá-los definitivamente como corretos, verdadeiros e com

aparência de neutralidade por força de uma violência discursiva que domestica o pensamento

722

Neste aspecto, bem se posiciona Canotilho, ao afirmar que “(...) O homem necessita de segurança para

conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam

os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito.

Esses dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de

alguns autores considerarem o princípio da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica

da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos

objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito –

enquanto a proteção da confiança se prende mais com os componentes subjetivos da segurança, designadamente

a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos dos actos”. CANOTILHO, José

Joaquim Gomes. -Direito Constitucional e Teoria da constituição, 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 256.

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crítico pela simulação de que todo o trabalho hermenêutico já fora realizado e a verdade

desvelada, banalizando-se a atividade judicial em uma hermenêutica do conforto723

.

Como dito anteriormente, da mesma maneira que não há como se conceber a

unicidade de interpretações de fatos, não se pode concluir pela existência de apenas uma

decisão correta e aplicável em todos os casos, cabendo ao juiz fazer prevalecer a que melhor

se coaduna com os princípios constitucionais dentre todas as interpretações possíveis. E tal

percepção só pode ocorrer por meio de um processo igualitário e único em sua

individualidade.

Assim, superando posicionamentos replicadores do que é apresentado pelos códigos e

a mera atitude de garantia formal, é por meio da busca pela verdade real que o juiz supera a

antiga caricatura de permanecer como mero espectador724

do processo para se tornar um

realizador da prova, visando a fundamentar o seu livre convencimento, ciente de que as

desigualdades econômicas e culturais são também refletidas nos processos e são capazes de

influenciar na produção probatória e na revelação da justiça ao caso concreto.

Na realidade, propõe-se uma vez mais que num cenário de busca da credibilidade das

decisões judiciais, os magistrados manifestem concretamente sua obrigação e

responsabilidade de constituir seus julgamentos com base nos elementos constantes nos autos

e que foram alvo de profundo debate com os jurisdicionados envolvidos, tendo sido a prova

colhida com transparência, amplitude e paridade de armas, permanecendo sempre à

disposição dos jurisdicionados para avaliações e considerações.

Portanto, se nem o livre convencimento motivado pode servir para criação de uma

redoma de isolamento do magistrado ou possibilitar uma justificativa artificial para o não

enfrentamento das questões suscitadas pelas partes, muito menos a adoção acrítica de decisões

dos tribunais devem seguir o mesmo rumo.

723

Cfr. ROSA, Alexandre Morais da, Crítica à hermenêutica do conforto: A súmula – vinculante- como se

imagem fosse, in OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de, et al (org.). Constituição e Estado Social –

os obstáculos à concretização da Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p 39. 724

Não há como se confundir juiz imparcial com juiz passivo.

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Verificamos, pois, que o incentivo ou vinculação à adoção do entendimento perfilhado

pelos tribunais725

faz com que sejam olvidados os conceitos de pluralismo jurídico726

e

ativismo judicial727

, ressuscitando a ideia já aparentemente superada da existência de uma

lógica interna a um sistema jurídico coeso, seguro e baseado na certeza, que sabemos

inexistente.

Na verdade, a justiça deve ser baseada na complexidade (e não uniformidade) das

relações humanas e no reconhecimento e aceitação das diferenças, como a necessária

adaptação das interpretações não apenas aos fatos, mas às pessoas envolvidas.

Igualmente, a vinculação jurisprudencial728

reforça a estrutura hierarquizada e

centralizada da justiça, confundindo o fato de as cortes superiores decidirem em sequência às

demais instâncias com a existência de maior segurança ou justiça em tais decisões,

menosprezando a maior proximidade com o caso que ocorre justamente no juízo de primeiro

grau.

725

O Conselho Nacional de Justiça brasileiro considerou inadequada a utilização, para fins de qualificação em

concurso de promoção, remoção e permuta de magistrados, do critério da qualidade de sentença como

correspondendo à sua confirmação pelos tribunais, vez que isso abala a independência do juiz, afirmando, em

suma, que “Ao se adotar, na análise da qualidade da sentença, parâmetros que se vinculam à sua confirmação,

reforma parcial ou total, ou, ainda, anulação pelo Tribunal, estar-se-á privilegiando magistrados cujas sentenças

tiveram reforma em menor número. Além disso, “(...) poderá compelir o magistrado de primeiro grau, que tem

interesse na movimentação funcional, a seguir o entendimento adotado pelo Tribunal, no caso concreto,

desrespeitando, por conseguinte, a garantia do exercício da função com liberdade e o princípio do livre

convencimento motivado.Procedimento de Controle Administrativo de que se conhece e a que se julga

parcialmente procedente” (CNJ – PCA 200810000017996 – Rel. Cons. Altino Pedrozo dos Santos – 76ª Sessão

– j. 16.12.2008 – DJU 30.01.2009). - destacamos. Sobre critérios e modos de avaliação da Justiça, ver BREEN,

Emmanuel (dir), Évaluer la justice, Paris: Presses Universitaire de France (www.puf.com), 2002. 726

Fala-se em pluralismo jurídico como sendo um conjunto de ordens normativas que coexistem e se interligam,

quer sejam reconhecidas ou não pelo Estado, tais como os ordenamentos e regimes jurídicos transnacionais

(acordos, tratados, convenções, declarações e protocolos com efeitos jurídicos), as ordens normativas das

comunidades indígenas, dos presidiários, das comunidades de assentamentos rurais, das existentes nas

comunidades dos morros cariocas brasileiros e mesmo as normas do Direito Canônico, quer sejam encaradas

como principal fonte do Direito (superando o Direito Estatal) ou derivadas como categoria dos costumes ou

necessidades sociais atuais. Fala-se, assim, da coexistência de várias ordens normativas com a ordem normativa

estatal, sem necessariamente serem mutuamente exclusivas, contando com vários pontos de contato, associações,

sobreposições e interpenetrações. 727

Aqui entendido como liberdade de julgamento baseada na aferição pessoal e motivada do juiz em relação aos

valores vivenciados na época e com o exercício do conhecimento e interpretação da realidade e das pessoas, mas

sempre com base nas opções constitucionais. 728

No que CANOTILHO, J.J. Gomes afirmou ser uma espécie de positivismo jurisprudencial jurisdicional.

CANOTILHO, J.J. Gomes, Formação de Magistrados ou Formação de Juristas? Uma carta para Bolonha

in Scientia Ivridica – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LIII, nº 298, Janeiro-abril,

Minho: Universidade do Minho, 2004, p.16.

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363

Percebemos, assim, que as vinculações das decisões judiciais a qualquer instância que

não os valores constitucionais ou deles decorrentes implicam ofensa a um só tempo a vários

princípios basilares do Estado Democrático de Direito como o do devido processo legal729

, do

livre convencimento do juiz, do contraditório730

, da ampla defesa731

e do duplo grau de

jurisdição732

.

Ademais, essas atitudes maculam o acesso à justiça, pois limitam a apreciação da

causa e excluem qualquer outra interpretação que não a consagrada pelos tribunais,

dogmatizando, por assim dizer, ditas decisões, sejam estas vinculativas ou não.

3.2.4.1.11-Independência, orçamento e pessoal

Considerando que o Poder Judiciário não dispõe de meios próprios para a efetivação

de suas sentenças, mormente aquelas que implicam maiores despesas por parte do Estado, o

choque e as tensões com o Poder Executivo são inevitáveis, mormente ante decisões que

implementam direitos econômicos e sociais assegurados pela Constituição.

Em tais hipóteses, o Poder Judiciário é normalmente acusado de invadir competências

e de ser utilizado na judicialização733

da política734

, o que ocasiona retaliações ou hostilidades

entre os Poderes735

.

729

Devido processo legal é o direito das pessoas saberem como os atos processuais ocorrerão e suas derivações,

como os direitos à citação, ao conhecimento do inteiro teor da acusação, a um julgamento rápido e público, à

igualdade entre as partes, à proibição da prova ilícita, ao contraditório, ao juiz natural e imparcial, ao duplo grau

de jurisdição, à ampla defesa, à realização da argumentação que entender pertinente, além de outros, podendo ser

resumido na possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo seus diretos

de forma ampla e conforme seu entendimento. Conforme avaliamos, na aplicação acrítica das súmulas opera-se

mera simulação da aplicação de dito princípio. 730

O princípio do contraditório é entendido como a garantia da parte poder manifestar-se sobre os argumentos da

parte contrária, bem como se manifestar sobre os documentos apresentados e as provas produzidas. 731

O princípio da ampla defesa consiste na utilização de todos os fatos e provas permitidos na defesa dos direitos

e interesses, inclusive contra o próprio Estado. 732

Duplo grau de jurisdição é a possibilidade das partes obterem, por via de recurso das causas julgadas em

primeira instância, o direito de revisão por órgão jurisdicional superior. No julgamento da ADC nº 1 o Supremo

Tribunal Federal brasileiro entendeu que a cláusula do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal (garantia da

ampla defesa com os recursos a ela inerentes) aplicava-se somente aos processos de interesses pessoais, entre

partes privadas e não àqueles de controle de constitucionalidade, inexistindo violação à cláusula pétrea do inciso

IV do art. 4º do art. 60 da Constituição. 733

Ver FARIA, José Eduardo, A crise do Judiciário no Brasil, p.23-51, LIMA JR. Jayme Benvenuto (org.),

Independência dos Juízes no Brasil, Recife: MNDH/NE e GAJOP, 2005. 734

Ver HAENEL, Hubert; FRISON-ROCHE, Marie-Anne, Le Juge et le politique- Les nouvelles règles du

jeu, Paris : Press Universitaires de France, 1998.

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364

Notamos que, tendo o modelo de separação de poderes e de autogoverno o objetivo de

libertar a condução dos assuntos judiciais de possíveis ingerências do Poder Executivo, é

certo que um dos componentes de tal independência funcional reside na autonomia

administrativa e no controle do próprio orçamento e pessoal736

.

Sabe-se, portanto, que um dos modos mais simples e eficazes de se tentar conter

qualquer instituição dá-se pelo controle de seu orçamento737

e de pessoal, não ficando o Poder

Judiciário isento de tais tentativas de dominação.

Assim, a redução ou congelamento dos recursos encaminhados ao Poder Judiciário,

além do aviltamento dos salários dos juízes, reduções de jurisdição, desestabilização dos seus

quadros de pessoal738

e obstruções de projetos de interesse do Poder Judiciário apresentam-se

como táticas possíveis de utilização pelo Poder Executivo739

ou Legislativo para, ao lado de

sua neutralização política740

decorrente da redução das questões pertinentes à sua alçada de

735

Ver de GEYH, Charles Gardner, Rescuing Judicial Accountability from the realm of political rhetoric,

Research Paper Number 61 September 2006, acessado no Social Science Research Network electronic library at:

http://ssrn.com/abstract=933703 em 03 de março de 2013. 736

Afirma a Carta Magna de Magistrados, adotada pelo Conselho Consultivo dos Juízes Europeus (CCJE) do

Conselho da Europa, dentre seus princípios fundamentais relativos aos juízes e sistemas judiciais que reiteram os

critérios fundamentais do Estado de Direito, a independência do poder judicial, o acesso à justiça e os princípios

de ética e responsabilidade no contexto nacional e internacional, que: (...) Independência do Judiciário (...).

2. A independência judicial e a imparcialidade são requisitos essenciais para o funcionamento da justiça.

3. A independência judicial deve ser legal, funcional e financeira. Deve ser garantida em relação aos demais

poderes do Estado, para aqueles que buscam justiça, juízes e a sociedade em geral, por meio de regras nacionais

ao mais alto nível. O Estado e cada juiz é responsável por promover e proteger a

Independência judicial. (...)

7. Após consulta ao Poder Judiciário, o Estado deve garantir os recursos humanos, materiais e financeiros

necessários para o bom funcionamento do sistema de justiça. A fim de evitar a influência indevida, os juízes

devem receber uma remuneração adequada e ser dotados de um regime de pensões adequado, a ser estabelecido

por lei.(...) 9. O Judiciário deve estar envolvido em todas as decisões que afectam o exercício das funções

jurisdicionais (organização dos tribunais, dos procedimentos e outra legislação).

10. No exercício de sua função de administrar a justiça, os juízes não devem estar sujeitos a quaisquer ordens ou

instruções, ou de qualquer pressão hierárquica, e deve ser vinculado apenas pela lei.

Texto origina disponível em https://wcd.coe.int/ViewDoc.jsp?Ref=CCJE-

MC%282010%293&Language=lanEnglish&Ver=original&BackColorInternet=DBDCF2&BackColorIntranet=F

DC864&BackColorLogged=FDC864, acessado em 02 de fevereiro de 2013. 737

Ver DOUAT, Étienne (dir.), Les budget de la justice en Europe – Étude compare France, Allemagne,

Royaume-Uni, Italie, Espagne et Belgique, Paris: Mission de recherché «Droit et Justice», La Documentation

française, 2001. 738

Ver FABRI, Marco; JEAN, Jean-Paul; LANGBROEK; PAULIAT, Hélène (dir.) RIVERO-CABOUAT,

Noëlle, L’Ad i istratio de La Justice e Europe et L’Évaluatio de sa qualityé, Paris: Montchrestien,

2005. 739

É interessante esclarecer que, na realidade brasileira, diferente da portuguesa e francesa e malgrado a

denominação causar confusões de atribuições, o chamado Ministério da Justiça não diz respeito ao Poder

Judiciário ou à sua administração, estando circunscrito ao âmbito do Poder Executivo com as competências

ligadas à segurança pública e iniciativas de leis. 740

Ver SANTOS, Boaventura de Sousa, Sociología jurídica crítica – para un nuevo sentido común en el

Derecho, Madrid: Editorial Trotta/Ilsa, 2009, pp.103 e 125 .

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365

apreciação, tentar intimidar, dominar e curvar a consciência dos juízes ao desviar suas

preocupações idealistas para os problemas estruturais e financeiros741

.

Ademais, uma carreira pouco atrativa do ponto de vista financeiro também ocasiona o

enfraquecimento da independência dos juízes, pois os candidatos mais talentosos, preparados

e autônomos intelectualmente, serão naturalmente atraídos para carreiras mais bem

remuneradas, podendo afluir ou permanecer apenas os mais tímidos e influenciáveis742

.

No mesmo sentir, simples manobras legislativas e políticas tendentes a não assegurar o

número proporcional de varas, juízes ou pessoal de apoio em relação às demandas processuais

pode lançar o Poder Judiciário a patamares medíocres de atuação.

Paralisando seus trabalhos pela inevitável ineficiência decorrente da impossibilidade

de andamento processual e comprometendo na prática sua independência mediante a

obstrução de seus mecanismos de fluxo de atuação, a imagem do Poder Judiciário pode ser

facilmente aviltada, enfraquecendo-o perante a opinião pública, ensejando diminuição de seu

prestígio social e político.

Notamos, com efeito, que, para um Poder Judiciário forte e constantemente

independente, é imprescindível sua autonomia orçamentário-financeira, com reflexos na

seleção e formação dos juízes, bem como na sua política de pessoal, sendo tal característica

indispensável para a permanência de um Estado democrático de Direito743

.

741

Ver Protecting Judicial Independence - A Global Effort uma entrevista com Judge Cynthia Hall in

Issues of Democracy Electronic Journals of the U.S. Contents Independence of the Judiciary p.13, acessado

através do site http://www.ssrn.com, em 1º de março de 2014. 742

Segundo o então conselheiro José Lúcio Munhoz, do Conselho Nacional de Justiça, ao se manifestar em

seminário do "Programa Valorização - Juiz Valorizado, Justiça Completa", seminário promovido pelo CNJ na

sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília, em 18 de junho de 2013, nos últimos cinco anos, 83

magistrados pediram demissão, cerca de 200 pediram aposentadoria precoce, e mais de 100 aprovados em

concurso público desistiram de ingressar na carreira. Indicou o palestrante que tal evasão é decorrente do

interesse em seguir outras carreiras consideradas mais atraentes. Notícia veiculada

Em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/25164-magistrados-de-todo-o-pais-definem-propostas-para-melhorar-a-

carreira-e-o-judiciario, acessado em 19 de junho de 2013. 743

A MEDEL - Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades (organização internacional de associações

de magistrados) deliberou por assembleia geral, realizada em 03 de novembro de 2012, produzir uma Declaração

a respeito uma reação às medidas de redução severa do orçamento do serviço público de justiça e à

independência dos tribunais na União Europeia. Texto disponível em http://www.asjp.pt/wp-

content/uploads/2012/11/MEDEL_mo%C3%A7%C3%A3o-de-Bucareste_PT.pdf, acessado em 12 de novembro

de 2013.

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366

3.2.4.1.12- Independência, remuneração e reforma

As garantias constitucionais de independência e imparcialidade ensejam

prerrogativas744

aos juízes que os diferenciam funcionalmente dos demais servidores estatais,

dentre elas a inamovibilidade745

, irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade746

, sendo

certo que a segurança de uma aposentadoria com as mesmas garantias econômicas do nível

salarial quando na ativa constituem componentes necessários e corolários lógicos da própria

independência.

Assim, as tentativas de equiparação funcional dos juízes ao funcionalismo público

geral, com a consequente dependência ao regime de aposentadoria comum e seus critérios

remuneratórios e condicionamentos, pode ocasionar antecipada perda de independência.

É que a redução futura dos vencimentos, além de contrariar o princípio constitucional

de irredutibilidade de vencimentos, pode ensejar atitudes não eticamente comprometidas do

magistrado, como a antecipada procura por futura complementação de renda mediante

simpatias excessivas frente a certos escritórios de advocacia ou paralisação de processos

polêmicos ou que afetem grupos econômicos, sem se descartar as hipóteses de corrupção

propriamente dita.

Não sendo o juiz um funcionário comum, mas representando o papel de agente

político ao lado do Poder Executivo e Poder Legislativo, não pode ser submetido, nem direta

nem indiretamente, a qualquer dos outros poderes, cabendo a atuação positiva do

744

O termo certo – insistimos- é prerrogativa e não privilégio, este último caracterizado por circunstâncias,

benefícios ou tratamentos preferenciais infundados, o que não é o caso dos magistrados ante o interesse público e

social envolvido, malgrado a identidade desvirtuada dos termos ser comumente utilizada para ataques e

desvirtuamentos. 745

Apesar da prerrogativa da inamovibilidade constituir garantia de maior tranquilidade ao exercício

independente e democrático da magistratura, sua origem na França ligou-se ao Direito de propriedade. É que no

antigo regime um assento comprado em um Parlamento era propriedade privada e não podia ser retirado por

ninguém. VAN CAENEGAN, Raol C. Juízes, Legisladores e Professores, título original Judges, legislators and

professors: Chapters in european legal history, tradução de Luiz Carlos Borges, Rio de Janeiro: Elsevier Editora,

2010, p.97. 746

Vitaliciedade, que significa que o juiz, após um período de prova de sua aptidão para o cargo, adquire o

direito de não perder esse cargo, a não ser por processo judicial. A vitaliciedade confere estabilidade e segurança

ao pleno exercício funcional, fortalecendo o Estado Democrático de Direito; a inamovibilidade, que é a

impossibilidade de transferência ou remoção do juiz de sua vara sem a concordância deste, e a irredutibilidade de

vencimentos, sendo tal garantia indicada para não submeter o Judiciário aos demais poderes, bem como evitar

que o magistrado fique à mercê da tentação da corrupção.

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corporativismo nesse sentido de defesa das prerrogativas contra qualquer reforma

previdenciária que dificulte o exercício da independência por toda a vida funcional.

3.2.4.1.13- Independência, imprensa, publicidade dos atos e transparência

Uma das polêmicas referente à transparência do Poder Judiciário e sua sintonia com os

sentimentos sociais diz respeito à publicidade747

e à divulgação dos pensamentos, ideias e

opiniões dos juízes e a comunicação de suas decisões através da imprensa.

Ademais, resta ainda patente a questão das decisões judiciais deverem ou não ressoar

o que é falado nas ruas, sempre se correndo o risco de seguirem-se sentimentos exacerbados,

leigos e manipuláveis pela imprensa748

, sem necessariamente corresponderem a interpretações

jurídicas.

No que diz respeito às informações processuais ou constantes do processo e que

tenham sido conhecidas no exercício de suas funções, além do resultado ou tendência de

resultado de um processo, é claro que o juiz deve manter reserva, sob pena de prejulgamento e

consequente reconhecimento de manifesta parcialidade.

Tratando-se de declarações extraprocessuais dos juízes a respeito de temas da

atualidade política, ainda não existe um posicionamento pacífico se deve o juiz se manter

isolado e em total silêncio ou, pelo contrário, se deve manifestar suas opiniões sobre os temas

que afetam a realidade social749

.

Assim, as opiniões variam entre aqueles que entendem que o juiz, por ser detentor de

farta experiência, pode colaborar para a prevenção de litígios e para a formação de opinião

geral ao divulgar seus posicionamentos com base na liberdade de expressão, além do cidadão

747

Quanto à publicidade dos atos judiciais, não há divergências doutrinárias de monta, sendo princípio

consagrado no sentido de todos os atos praticados pelos magistrados serem registrados e formalizados nos autos,

com franco acesso às partes, com exceções e limitações que normalmente dizem respeito a casos envolvendo

menores e família. 748

Recordemos a corrente diferenciação entre opinião pública e opinião publicada, sendo a última a patrocinada

pela imprensa sem necessariamente representar verdadeiramente o sentimento popular ante a visão particular de

seus editores ou mesmo sem corresponder à verdade dos fatos. 749

Ver WINTER, Lorena Bachmaier, Imparcialidad Judicial y Liberdad de Expresión de Jueces y

Magistrados – Las Recusaciones de Magistrados del Tribunal Constitucional, Cizur Menor: Thomson

Aranzadi, 2008, p.55-88.

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368

ter direito de saber o posicionamento ideológico de quem o vai julgar e o posicionamento

contrário, que entende dever o juiz se manter longe dos debates para preservar sua

independência e imparcialidade. Desta maneira, cada ordenamento prevê um sistema de

incompatibilidades e proibições mais ou menos rígido a respeito.

Outro aspecto do mesmo fenômeno refere-se à transparência pública dos julgamentos

mediante transmissão televisiva, via internet ou pelo rádio.

Sabe-se que o Poder Judiciário, para parecer ser o que é em termos de independência,

tem que ser literalmente visto em ação750

, pelo que se discute ainda sem conclusão clara a

respeito da conveniência de transmissão dos julgamentos pelas redes de televisão, internet e

rádio, mesmo diante do preceito de que os processos são públicos751

.

No Brasil, os julgamentos do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal e do

Tribunal Superior Eleitoral possuem transmissão ao vivo, contando, inclusive com

retransmissão dos casos mais polêmicos. Percebamos, no entanto, que essas hipóteses trazem

apenas as sustentações orais das partes, os votos e debates dos ministros, não sendo o caso de

oitiva de testemunhas ou depoimentos pessoais, o que poderia embaraçá-las, constrangê-las

ou mesmo as expor a vinganças ou hostilidades.

Observemos a curiosa pesquisa de Melissa Bateson, Daniel Nettle e Gilbert Roberts 752

da Universidade de Newcastle, na Grã-Bretanha, ao indicar que o lado bom do ser humano se

mostra mais facilmente quando alguém está nos observando. Com base em tal aspecto,

podemos especular que os magistrados tendam a maior pudor em seus votos ou pelo menos

em um maior capricho nas suas justificativas caso as sessões estejam sendo gravadas ou

transmitidas ao vivo pelos meios de comunicação.

Distinta feição a ser mencionada refere-se às manifestações críticas de jornalistas e

pessoas do povo a respeito dos julgamentos de importância local, regional ou nacional.

750

Principalmente nas cidades pequenas ou onde o poder político exerce forte influência. 751

Como se sabe, apenas em específicos casos envolvendo Direito de Família e menores as audiências são

restritas às partes. 752

BATESON, Melissa, NETTLE, Daniel, ROBERTS,Gilbert, Cues of being watched enhance cooperation in

a real-world setting, disponível em Biology Letters, Biol. Lett. doi:10.1098/rsbl.2006.0509, Published online

http://www.staff.ncl.ac.uk/daniel.nettle/biology%20letters.pdf, acessado em 25 de março de 2013.

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369

Nesse aspecto, nada mais razoável nos Estados Democráticos de Direito que todo

agente público esteja sujeito a críticas, mesmo certas ou erradas, justas ou injustas, razoáveis

ou exageradas, corretas ou desvirtuadas.

Em igual sentir, o Poder Judiciário não pode se arvorar em único poder isento de

responsabilidade com a opinião pública ou usar suas prerrogativas para intimidar, constranger

ou limitar as informações e apreciações das pessoas.

Outro aspecto da relação Poder Judiciário-Imprensa diz respeito à possibilidade de os

juízes e tribunais proibirem os meios de comunicação de cobrir e/ou divulgar questões

envolvendo empresários, políticos e funcionários públicos, mormente no que se referem à

corrupção, atos de improbidade e crimes eleitorais.

As pessoas interessadas na não divulgação dos conteúdos jornalísticos normalmente

ingressam com ações judiciais alegando que o conteúdo das matérias ou críticas dos

jornalistas são ofensivas à honra ou invadem sua privacidade753

e buscam sanções que

proíbam a imprensa de publicar qualquer matéria sobre elas ou que obriguem a retirada de

material on line considerado ofensivo, tendo conseguido relativo sucesso754

.

753

A posição da jurisprudência alemã sobre proteção à imagem e à privacidade que adotava a chamada “teoria

das esferas” (Sphärentheorie) que dividia a privacidade em esfera íntima intangível, esfera sigilosa e privada e

esfera social, foi substituída pelo chamado sistema de proteção por camadas. O caso deveu-se à princesa

Caroline de Mônaco, após ter se casado com Ernst August Prinz von Hanover ter ido morar na Alemanha, onde

foi fotografada em momentos de intimidade e suas imagens publicadas em jornais alemães. Seu inicial processo

restou infrutífero, tendo ajuizado reclamação junto à Corte Constitucional (BVerfGE 101, 361, de 1999),

também sem êxito. O caso foi levado ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que considerou ter havido

violação do artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, tendo em vista que as fotos da princesa não

foram tiradas em ambientes públicos e ela não estava em missão oficial, daí não existir interesse público capaz

de justificar a invasão da privacidade. A questão foi devolvida aos tribunais alemães e, em 2008, o caso foi

novamente para o Tribunal Constitucional, que manteve a decisão do Tribunal Federal, então baseado no

“sistema de proteção por camadas”. Dito modelo teórico indica, em suma, que a imagem da pessoa só pode ser

divulgada com sua autorização, excepcionando-se tal regra quando a pessoa for relevante para a história

contemporânea, mas não quando a difusão da imagem lesar um interesse legítimo de seu titular. Cf.

RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz, Mudança na jurisprudência alemã sobre vida privada, disponível em

http://www.conjur.com.br/2012-jul-18/direito-comparado-mudanca-jurisprudencia-alema-vida-privada, acessado

em 18 de julho de 2013; MIRANDA, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato.

Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2012. e BARRETO, W. P. Os direitos da personalidade na

jurisprudência alemã contemporânea. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 41, Jan-mar-2010 (Gustavo

Tepedino-Diretor), Rio de Janeiro: Editora Padma, 2010, p. 135-159. 754

Podemos ainda citar como exemplo a decisão, em julho de 2009, do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal

de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), de proibir o jornal O Estado de S. Paulo e o portal

Estadão de publicar reportagens que contivessem informações da Operação Faktor, mais conhecida como Boi

Barrica, envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República, José Sarney (PMDB-

AP). Ver REE 2009 00 2 010738-6 AGI 2009 00 2 010738-6 12ª VCV BSB 113988-3/09 ORDINÁRIA e

Agravo de Instrumento n. 2009.00.2.010738-6, no site http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-

bin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=plhtml06&SELECAO=1&ORIGEM=INTER&CDNUPROC=

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370

A jurisprudência brasileira ainda vacila entre reconhecer o Direito à privacidade e à

imagem755

e o grave problema de se fomentar casos de censura judicial756

, ao inibir a

capacidade da imprensa de informar sobre questões de interesse público.

Na verdade, como disse o ministro Carlos Alberto Menezes Direito no julgamento do

ADPF nº 130 em 30 de abril de 2009, que considerou a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67)

incompatível com a atual ordem constitucional757

, na permanente tensão constitucional entre

os Direitos da personalidade e a liberdade de informação e de expressão, deve-se defender a

liberdade, pois o preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do

que o preço da livre circulação das ideias, até porque existem normas aptas a repudiar

eventuais abusos que ocorram em nome da liberdade de imprensa.

3.2.4.1.14-Independência e Direitos Humanos

Percebemos facilmente que possível redução da liberdade de interpretação das normas,

fatos, provas e pessoas por parte dos magistrados ocasionariam inevitáveis fragilizações não

apenas do Poder Judiciário, mas da sociedade como um todo, correndo-se o risco de passar-se

a conviver com aumento das violações de Direitos Humanos em nítida regressão a uma

atmosfera tóxica de corrupção, impunidade e anemia cívica.

Neste panorama, podemos afirmar que a compressão à liberdade de pensar do juiz

abalaria intimamente sua capacidade crítica e criadora, reduzindo-o ao silêncio e comodismo,

mesmo diante da realidade dinâmica e mutante.

20090020107386REE) e Cf.http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,liminar-contra-o-estado-e-

inconstitucional--diz-anj,412043,0.htm, acessado em 17 de março de 2013. 755

No dia 1º de outubro de 2012, entrou em vigor trecho da nova Lei de Educação na Inglaterra e no País Gales,

aprovada em 2011. A seção 13 do chamado Education Act 2011 garante aos professores o anonimato em casos

de acusações do cometimento de algum crime contra um de seus alunos. A justificativa apresentada foi a de

proteger os professores de acusações levianas dos estudantes. Observemos que o anonimato é garantido até que

seja formalmente aberto processo criminal contra ele, além de poder ser afastado com autorização judicial

atendendo o interesse da Justiça como, por exemplo, a divulgação de fotos do professor para ajudar a Polícia a

encontrar possíveis vítimas. Texto original em http://s.conjur.com.br/dl/trecho-education-act-2011-impede.pdf,

acessado em 1º de outubro de 2013. 756

Mais informações a respeito de censura oficial, ameaças e prisões, crimes contra jornalistas podem ser

colhidas no site do Commitee to protect Journalists – CPJ, http://www.cpj.org/pt. 757

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seq

objetoincidente=12837, disponibiliza a íntegra do processo ADPF nº 130.

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Favorecendo carreirismos e sepultando consciências, tal cenário poderia promover o

alinhamento ideológico dos magistrados às forças políticas dominantes e fomentar a completa

hierarquização do Poder Judiciário, faltando apenas que às togas se grudassem insígnias

conforme os graus de estabilidade que garantissem ao sistema.

A ausência de interlocução com a sociedade, certamente, ensejaria a apatia dos

magistrados, mantendo o jurisdicionado sem respostas adequadas às necessidades atuais e em

constante mutação.

A resistência à adesão de tão pérfido perfil do Poder Judiciário é obrigação de todo

juiz que dignifica o cargo e enobrece a função.

É certo que o juiz independente sofre investidas, internas e externas, por suas atitudes

não colaboracionistas, mas se este é o preço a pagar-se, onera com satisfação.

Assim, é evidente que a independência dos magistrados guarda ligação estreita com as

ideias de democracia e Direitos Humanos, pois a efetividade destas só é garantida por um

Poder Judiciário livre de qualquer ingerência política.

Vários tratados, pactos e orientações referentes a Direitos Humanos mencionam a

necessidade da independência do juiz para a consagração do Estado de Direito, ao mesmo

tempo em que falam na garantia de julgamento independente e imparcial como um dos

direitos humanos fundamentais758

.

Tem-se como exemplos759

a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948

(art. 10)760

, o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969 ( art. 8º- tratando das garantias

758

Nesse aspecto, a interpretação dos tratados e convenções a respeito de refugiados é ainda fonte de tensão

entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, mormente no que diz respeito aos refugiados dos chamados

“estados falidos”, onde a imigração forçada encontra, por vezes, resistências dos órgãos da administração dos

Estados procurados como destino, bem como no que se refere aos refugiados que são perseguidos por grupos não

estatais e cujas forças públicas de seus países de origem não possuem meios de oferecer proteção, como as

pessoas que fogem da FARC – forças armadas revolucionárias da Colômbia ou do chamdo Estado Islâmico,

Cabe, pois, aos juízes, por meio de suas interpretações, formarem o real conteúdo das normas e acordos

internacionais e gizarem sua abrangência, sendo que tal missão só é cabível a juízes verdadeiramente

independentes. Ver Justice A. M. NORTH e BHUTA, Nehal, The Future of Protection – the role of the judge,

acessado através do site http://ssrn.com/abstract=808624, em 2 de março de 2013. 759

Vários outros diplomas internacionais mencionam a importância de um Judiciário independente para a

consolidação da democracia e direitos humanos, tais como a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos do

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372

judiciais)761

, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (OEA – art. 14)762

, a

Declaração de Viena e Programa de Ação de 1993 adotados na Segunda Conferência Mundial

sobre os Direitos Humanos (na sua primeira parte, parágrafo 27)763

, a Convenção Européia de

Homem e das Liberdades Fundamentais – 1950, Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos –

1966, Princípios fundamentais sobre a independência da magistratura – ONU- 1985, Estatuto do Juiz Europeu-

elaborado pala Associação Européia de Magistrados – Grupo Regional da União Internacional de Magistrados-

1993, Recomendação (94) do Comitê de Ministros do Conselho da Europa sobre a independência, eficácia e

papel do juízes, Carta Européia sobre o Estatuto dos Juízes, aprovada em 1998 pelo Conselho da Europa em

Estrasburgo, Estatuto Universal do Juiz, aprovado em 1999 pelo Conselho Central da União Internacional de

Magistrados, em Taipé ( Taiwan), Resolução C5-0265/ 1999, adotada em 2000, pelo Parlamento Europeu, sobre

a independência dos juízes e dos tribunais, Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, adotada em

2000 em Nice.( cf. SANTOS, Boaventura de Sousa – coord. PEDROSO, João, BRANCO, Patrícia, O

Recrutamento e a Formação de Magistrados: Análise comparada de sistemas em países da União

Europeia, p.2-3, disponível em http://ojp.ces.uc.pt.,acessado em 15 de março de 2014), além do Comentário nº 1

(2002) do grupo de trabalho do Conselho Consultivo dos Juízes Europeus (CCJE-GT) sobre o projeto de

Bangalore relativo ao Código de Deontologia da Magistratura (ONU), Comentários aos Princípios da Consulta

Judicial de Bangalore (Março de 2007 (ONU) e, no que diz respeito ao Conselho da Europa, do Conselho

Consultivo dos Juízes Europeus (CCJE): a Carta Européia dos Juízes (1988), Parecer nº 1 (20001) do CCJE

sobre as normas relativas à independência e à inamovibilidade dos juízes, Parecer nº 3(2002) do CCJE sobre os

princípios e regras que regulam os imperativos profissionais aplicáveis aos juízes e em particular a deontologia,

as incompatibilidades e a imparcialidade, Parecer nº 4 do CCJE, à atenção do Comitê de Ministros do Conselho

da Europa sobre a formação inicial e contínua dos juízes, a nível nacional e europeu, Parecer nº 6 (2004) do

CCJE, à atenção do Comitê de Ministros do Conselho da Europa sobre o processo equitativo num prazo razoável

e o papel dos juízes no processo, levando em consideração os modos alternativos de regulação dos litígios,

Parecer nº 7 (2005) do CCJE sobre «justiça e sociedade», Parecer nº 09 (2006) do CCJE à atenção do Comitê de

Ministros da Europa sobre «o papel dos juízes nacionais na aplicação efetiva do direito internacional e europeu»,

Parecer nº 10 (2007) do CCJE sobre os Conselhos Superiores de Magistratura (Conseil de la Justice) ao serviço

da sociedade; outrossim, a Recomendação nº R (94) 12 do Comitê de Ministros do Conselho da Europa sobre a

independência, a eficácia e o papel dos juízes, manifestações de associações internacionais de Magistrados (UIM

– União Internacional de Magistrados « Estatuto Universal do Juiz – Taipé 1999, MEDEL- Magistrados

Europeus para a Democracia e as Liberdades – Elementos de um estatuto europeu da magistratura – Palermo

1993), bem como outros instrumentos regionais e nacionais que estabelecem princípios de ética judicial, tais

como Princípios de Burh House, relativos à Independência da Magistratura Internacional, código Ético dos

Magistrados (Itália- 1994), declaração de Pequim relativa aos Princípios da Independência do Judiciário na

Região de Lawasia (1995), as Diretrizes de Latimer House para a Common-wealth (1998), Princípios de Ética

Judicial ( Canadá, 1998), Carta de Direitos dos Cidadãos Perante a Justiça (Espanha, Pleno do Congresso dos

deputados- Abril de 2002), Código de Conduta dos Juízes Norte Americanos (EUA American Bar Association,

2004 edition), Código de Ética Judicial (Tribunal Penal Internacional- 2005), Código Modelo Ibero-Americano

de Ética Judicial (2006), Guia para a Conduta Judicial – Inglaterra e País de Gales ( edição revista, 2006), a

declaração Ética de Wels, da Associação de Juízes Austríacos (Novembro de 207), Código Modelo de Conduta

Judicial da Associação Americana de Advogados « ABA EUA, 2007) e Código de Ética da Magistratura

Nacional (Brasil- Conselho Nacional de Justiça- CNJ 2008) 760

Artigo 10: Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um

tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer

acusação criminal contra ele (...). 761

Artigo 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro

de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido

anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus

direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 762

Art. 14- Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de

ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial,

estabelecido por lei (...). 763

parágrafo 27: Cada Estado deve ter uma estrutura eficaz de recursos jurídicos para reparar infrações ou

violações de direitos humanos. A administração da justiça, por meio dos órgãos encarregados de velar pelo

cumprimento da legislação e, particularmente, de um Poder Judiciário e uma advocacia independentes,

plenamente harmonizados com as normas consagradas nos instrumentos internacionais dos direitos humanos, é

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373

Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (artigo 6º)764

, o art. 1º do Estatuto Universal

do Juiz, aprovado em 1999 pelo Conselho Central da União Internacional de Magistrados, em

Taipé ( Taiwan)765

e o Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o

Tratamento dos Delinqüentes, adotou os Princípios Básicos Relativos à Independência da

Magistratura766

.

essencial para a realização plena e não discriminatória dos direitos humanos e indispensável aos processos de

democratização e desenvolvimento sustentável. 764

Art. 6º - Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, eqüitativa e publicamente, num prazo

razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a

determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em

matéria penal dirigida contra ela. 765

Artigo 1.º Independência. No conjunto das suas actividades, os juízes devem garantir os direitos de todas as

pessoas a um processo justo. Devem accionar todos os meios disponíveis para permitir que os assuntos sejam

apreciados em audiência pública num prazo razoável, perante um tribunal independente e imparcial estabelecido

por lei, a fim de determinar os direitos e obrigações em matéria civil, ou a realidade das acusações em matéria

penal. A independência do Juiz resulta indispensável para o exercício de uma justiça imparcial no respeito

pela lei. A independência é indivisível. Todas as instituições e autoridades, nacionais ou internacionais, deverão

respeitar, proteger e defender esta independência. Artigo 2.º Estatuto A independência do Juiz deve estar

garantida por uma lei específica, que lhe assegure uma independência real e efectiva relativamente aos demais

poderes do Estado. O Juiz, como depositário da autoridade judicial, deverá poder exercer as suas funções com

total independência relativamente a todas as forças sociais, económicas e políticas, e independentemente

dos demais juízes e da administração da justiça- destacamos. 766

Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura:

Considerando que, na Carta das Nações Unidas, os povos do mundo afirmam, nomeadamente, a sua

determinação em criar as condições necessárias para que a justiça possa ser mantida e a cooperação internacional

seja efectivada, desenvolvendo-se e encorajando-se o respeito pelos direitos do homem e liberdades

fundamentais, sem qualquer discriminação,

Considerando que a Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra concretamente os princípios da

igualdade perante a lei, da presunção da inocência e do direito que assiste a todas as pessoas a um julgamento

justo e público por um tribunal, legalmente estabelecido, competente, independente e imparcial,

Considerando que os Pactos Internacionais sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e os Direitos Civis

e Políticos garantem o exercício desses direitos, e que o Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos garante ainda o

direito a ser julgado sem demora excessiva,

Considerando, no entanto, que é freqüente que a situação real não corresponda aos ideais em que se apóiam esses

princípios,

Considerando que a organização e a administração da justiça em cada país devem ser inspiradas por esses

princípios, e que devem ser desenvolvidos esforços para os tornar integralmente realidade,

Considerando que as normas que regem o exercício da função judicial devem visar permitir que os juízes possam

actuar em conformidade com esses princípios,

Considerando que os juízes se pronunciam em última instância sobre a vida, as liberdades, os direitos, os deveres

e os bens dos cidadãos,

Considerando que o Sexto Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos

Delinqüentes, na sua Resolução 16, pediu ao Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinqüência

que incluísse nos seus objectivos principais a elaboração dos princípios orientadores relativos à independência

dos juízes e à selecção, à formação profissional e ao estatuto dos magistrados judiciais e do Ministério Público,

Considerando que, por conseguinte, é pertinente examinar em primeiro lugar a função dos juízes no sistema

judicial e a importância da sua selecção, formação e conduta,

Os seguintes Princípios Básicos, formulados para ajudar os Estados membros na sua tarefa de garantir e

promover a independência da magistratura devem ser tomados em consideração e respeitados pelos Governos no

âmbito da sua legislação e prática nacionais e ser levados ao conhecimento dos juízes, advogados, membros do

poder executivo e legislativo e do público em geral. Os Princípios foram elaborados pensando, sobretudo nos

juízes de carreira, mas aplicam-se igualmente, quando seja caso disso, a juízes não profissionais.

Independência da magistratura

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374

Outrossim, a ONU, em 1994, aprovou a Resolução número 41, por meio da qual a

Comissão de Direitos Humanos decidiu recomendar a criação do cargo de relator especial

sobre a independência do Poder Judiciário.

Portanto, anualmente dito relator apresenta seu relatório a respeito do

acompanhamento da situação da independência da magistratura no mundo, ao mesmo tempo

em que investiga denúncias sobre restrições à independência da magistratura e informa o

Conselho Econômico e Social sobre suas conclusões, identifica e registra atentados à

independência dos juízes, advogados e pessoal auxiliar da Justiça, identifica e registra

progressos realizados na proteção e fomento dessa independência e faz recomendações para

aperfeiçoar a proteção do Poder Judiciário e da garantia dos direitos pelo Poder Judiciário.

Em de novembro de 2002, foi aprovado o chamado Código de Bangalore767

sobre a

Conduta Judicial de 2001, aprovado pelo Grupo Judicial de Fortalecimento da Integridade da

Justiça, tal e como foi revisado na Reunião em Mesa-Redonda de Presidentes de Tribunais

Superiores, celebrada no Palácio da Paz de Haia, Países Baixos, afirmando dentre seus valores

a independência judicial768

.

1. A independência da magistratura será garantida pelo Estado e consagrada na Constituição ou na legislação

nacional. É dever de todas as instituições, governamentais e outras, respeitar e acatar a independência da

magistratura.

2. Os juízes devem decidir todos os casos que lhes sejam submetidos com imparcialidade, baseando-se nos

factos e em conformidade com a lei, sem quaisquer restrições e sem quaisquer outras influências, aliciamentos,

pressões, ameaças ou intromissões indevidas, sejam directas ou indirectas, de qualquer sector ou por qualquer

motivo.

3. A magistratura será competente em todas as questões de índole judicial e terá autoridade exclusiva para

decidir se um caso que lhe tenha sido submetido é da sua competência nos termos em que esta é definida pela lei.

4. Não haverá quaisquer interferências indevidas ou injustificadas no processo judicial, nem se submeterão as

decisões dos tribunais à revisão. Este princípio é aplicável sem prejuízo da revisão judicial ou da atenuação ou

comutação, efectuada por autoridades competentes, de penas impostas pelos magistrados, em conformidade com

a lei.

5. Todas as pessoas têm o direito a ser julgadas por tribunais comuns, de acordo com os processos legalmente

estabelecidos. Não serão criados tribunais que não apliquem as normas processuais devidamente estabelecidas

em conformidade com a lei, para exercer a competência que pertença normalmente aos tribunais ordinários.

6. Em virtude do princípio da independência da magistratura, os magistrados têm o direito e o dever de garantir

que os procedimentos judiciais são conduzidos em conformidade com a lei e que os direitos das partes são

respeitados.

7. Cada Estado membro tem o dever de proporcionar os recursos necessários para que a magistratura possa

desempenhar devidamente as suas funções. 767

Ver www.ohchr.org 768

(...) Valor 1 : INDEPENDÊNCIA

Princípio: A independência judicial é um pré-requisito do princípio da legalidade e uma garantia fundamental da

existência de um julgamento justo. Em conseqüência disso, um juiz deverá defender e demonstrar a

independência judicial tanto em seus aspectos individuais como institucionais.

Aplicação: 1.1 O juiz deverá exercer sua função judicial de forma independente, partindo de sua avaliação dos

fatos e em virtude de uma compreensão consciente da lei, livre de qualquer influência externa, de induções,

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375

No final de 2008, o Conselho Nacional de Justiça brasileiro aprovou o Código de ética

da magistratura nacional769

, afirmando este, entre os seus princípios, o da independência770

.

Ademais, não obstante a existência de tribunais internacionais, a efetiva proteção dos

Direitos Humanos passa, evidentemente, pelos tribunais nacionais, devendo estes ser,

necessariamente, independentes como única forma de prevalência dos princípios aplicáveis.

Notamos, de efeito, que a independência do Poder Judiciário faz parte do sistema das

garantias fundamentais, sendo, por si, também um Direito fundamental.

3.2.4.2- Da imparcialidade vs neutralidade

A independência e a imparcialidade mostram-se, pois, intrinsecamente interligadas,

formando a base para um julgamento justo, sendo a primeira pressuposto indispensável a

segunda e a segunda sendo o limite da primeira, ou seja, é a independência que garante um

julgamento imparcial e é a imparcialidade que vai assegurar que o juiz não abuse de sua

independência, beneficiando ou prejudicando uma das partes.

pressões, ameaças ou interferências, sejam diretas ou indiretas, provenientes de qualquer fonte ou por qualquer

razão. 1.2 O juiz deverá ser independente em relação à sociedade em geral e em relação às partes particulares de

um litígio que tenha de resolver como juiz.1.3 O juiz não apenas estará livre de conexões inapropriadas com os

Poderes Executivo e Legislativo e de influências inapropriadas por parte dos citados poderes, senão que também

deverá aparentar ser livre das anteriores aos olhos de um observador razoável.1.4 Ao cumprir suas obrigações

judiciais, um juiz será independente de seus companheiros de oficio no que diz respeito a decisões que esteja

obrigado a tomar de forma independente. 1.5 O juiz deverá fomentar e manter salvaguardas para o cumprimento

de suas obrigações judiciais, com o objetivo de manter e aumentar a independência do Judiciário. 1.6 O juiz

exibirá e promoverá altos padrões de conduta judicial, com o propósito de reforçar a confiança do público no

Judiciário, que é fundamental para manter a independência judicial 769

Publicado no Diário da Justiça, páginas 1 e 2, do dia 18 de setembro de 2008. 770

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da

Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e

capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade

profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o

fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos.

Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana,

objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas.

CAPÍTULO II - INDEPENDÊNCIA

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na

atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências

externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência.

Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.

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376

A imparcialidade traduz-se na posição de terceiro que o magistrado deve assumir na

observação de um dado processo e ante os interesses de que as partes são portadoras,

assegurando-se a objetividade do julgamento no caso concreto, sem que isso represente o

desconhecimento da realidade771

subjacente a todas as lides ou alienação772

das tensões sociais

em desenvolvimento.

Assim, a imparcialidade indica que o juiz deve estar ciente da diversidade dos grupos

que interagem na sociedade e se encontram no processo, não podendo agir com nenhum tipo

de preconceito qualquer que seja a sua origem (raça, cor, gênero, religião773

, idade, orientação

sexual, status social ou econômico, deficiência, educação, cultura ou qualquer outro).

771

Neste aspecto, NALINI, José Renato, A Rebelião da Toga, Campinas : Editora Millennium, 2006, p.275. 772

O Código de Conduta de Bangalore (conforme já citado) afirma, dentre seus valores : Valor 2:

IMPARCIALIDADE Princípio: A imparcialidade é essencial para o desempenho correto das funções

jurisdicionais. A imparcialidade se refere não só à decisão em si mesma, senão também ao processo mediante o

qual se toma essa decisão. Aplicação: 2.1 O juiz deverá desempenhar suas tarefas judiciais sem favoritismo,

predisposição ou preconceito. 2.2 O juiz garantirá que sua conduta, tanto fora como dentro dos tribunais,

mantenha e aumente a confiança do público, dos advogados e dos litigantes na imparcialidade do juiz e do

Judiciário. 2.3 O juiz deverá, dentro do razoável, comportar-se de forma que minimize as ocasiões nas quais

possa ser necessário que ele seja desqualificado para conhecer ou decidir sobre assuntos. 2.4 Quando um

processo está submetido ou poderá vir a ser submetido a um juiz, este não realizará intencionalmente nenhum

comentário, dentro de um limite razoável, que possa vir a afetar o resultado ou vir a deteriorar a imparcialidade

manifesta do processo. O juiz também não fará nenhum comentário em público ou de qualquer outra forma, que

possa afetar o julgamento justo de uma pessoa ou de um determinado assunto. 2.5 O juiz ou juíza se

desqualificará para participar em qualquer processo no qual não possa decidir o assunto em questão com

imparcialidade ou no qual possa parecer a um observador razoável que o juiz é incapaz de decidir o assunto de

forma imparcial. Os referidos processos incluem, mas não se limitarão a, situações nas quais: 2.5.1 O juiz tenha

realmente predisposição ou preconceito em relação a uma das partes ou possua conhecimentos pessoais sobre os

fatos probatórios controvertidos relativos ao processo; 2.5.2 O juiz tenha atuado previamente como advogado ou

como testemunha material no assunto controvertido; 2.5.3 O juiz, ou algum membro de sua família, tenha um

interesse econômico no resultado do assunto sujeito à controvérsia. A desqualificação do juiz não será necessária

se outro tribunal não puder ser constituído para conhecer da causa ou quando, por circunstâncias urgentes, a não-

participação do juiz possa produzir uma grave denegação de justiça. 773

Registre a decisão em 2012 da Corte regional de Colônia, na Alemanha, que entendeu que a circuncisão

religiosa realizada na criança contraria seu Direito fundamental de manter sua integridade corporal,

acrescentando que a liberdade religiosa não seria atingida porque a criança poderia escolher posteriormente ser

submetida à circuncisão. Observe-se o aparente desconhecimento ou negligência com parte essencial das

religiões judáicas e mulçumanas e que vem sendo praticada a literalmente milênios. Matéria de CASTILLO,

Michelle, German court rules circumcision goes against "fundamental right of the child to bodily integrity

disponível em http://www.cbsnews.com/8301-504763_162-57461810-10391704/german-court-rules-

circumcision-goes-against-fundamental-right-of-the-child-to-bodily-integrity/, acessado em 27 de junho de 2013.

Em agosto de 2012, as primeiras queixas formais contra rabinos foram registradas na pequena cidade alemã Hof,

na Bavária católica. No caso, o rabino David Goldberg foi denunciado por quatro cidadãos alemães ao promotor

local. Matéria de AHREN, Rapahel, Criminal charges filed against German rabbi for performing

circumcisions, disponível em http://www.timesofisrael.com/criminal-charges-filed-against-german-rabbi-for-

performing-circumcisions/, acessado em 02 de agosto de 2013. Matéria Germany Charges Rabbi David

Goldberg over Circumcisions after Cologne Ruling: Yona Metzger Visits a respeito também pode ser vista

no site youtube, em http://www.youtube.com/watch?v=S3AOTYfqsSI, acessado em 01 de outubro de 2013.

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377

Como já mencionado, os conceitos de imparcialidade e neutralidade são

inconfundíveis, uma vez que a primeira representa a posição de distanciamento774

do juiz, em

um dado processo, em relação às partes e seus interesses, enquanto a segunda manifesta

indiferença em relação aos valores envolvidos, mormente os valores político-ideológicos.

Percebemos, desde logo, que tal indiferença e dita neutralidade são incompatíveis com

a natureza essencialmente valorativa do ser humano775

. Ademais, tendo em vista que todas as

774

O Código de Ética da Magistratura Nacional brasileiro indica entre seus princípios:

IMPARCIALIDADE

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e

fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de

comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento,

vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:

I - a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte

contrária, caso seja solicitado;

II - o tratamento diferenciado resultante de lei.

CAPÍTULO IV

TRANSPARÊNCIA

Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos, sempre que possível,

mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo

contemplado em lei.

Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou mandar informar aos

interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de forma útil, compreensível e clara.

Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma

prudente e eqüitativa, e cuidar especialmente:

I - para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus procuradores;

II - de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo

depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos,

doutrinária ou no exercício do magistério.

Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por

reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.

Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os órgãos de controle e de

aferição de seu desempenho profissional.

CAPÍTULO V

INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para

uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o

exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos

em geral.

Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa

física que possam comprometer sua independência funcional.

Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios

disponibilizados para o exercício de suas funções.

Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida

razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial. 775

Diferencia Afonso, isenção, imparcialidade e independência, afirmando que ser isento significa não estar

comprometido com os próprios pré-juízos, ódios, paixões, simpatias e antipatias, nem com a opinião alheia, seja

de pessoas, organizações ou grupos de pressão, em estrito comprometimento profissional, entendendo que a

imparcialidade é uma garantia da isenção como a independência é uma garantia da imparcialidade, devendo-se

ser imparcial para poder ser isento e independente para ser imparcial. Entende que a isenção é atributo pessoal do

juiz, a imparcialidade um requisito processual e a independência um princípio político processual caracterizador

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pessoas valoram tudo o que as rodeia, os juízes não estão imunes à realidade social nem

escapam da política e das questões ideológicas776.

Dizer-se que alguém ou um magistrado é neutro em relação a determinado assunto ou

questão social é, na verdade, possibilitar mera tentativa de disfarçar a opção tradicional

eleita777

, ou seja, é validar a continuidade da vinculação com as ideologias dominantes,

furtando-se do contato com novas ideologias e outras interpretações dos fatos e da própria

legislação778

.

Assim, entendemos não ser possível falar em neutralidade em qualquer das ciências,

muito menos nas ciências preponderantemente humanas ou sociais, pois toda e qualquer ação

humana é, naturalmente, valorativa e, ao se valorar, se afasta qualquer tipo de isenção de

percepção, sendo certo que não se deve confundir a atitude de não favorecer ou prejudicar

qualquer das partes por sentimentos de antipatia ou simpatia (imparcialidade), com

neutralidade, que seria a inexistente isenção de valores.

Sabemos que a missão principal do Poder Judiciário é assegurar a implementação do

princípio da igualdade e assim age também ao declarar inconstitucionais as leis que visem a

favorecer grupos minoritários privilegiados e ao fazer prevalecer os princípios e objetivos

constitucionais.

Os juízes ditos “neutros” não estão aptos a tal missão, porquanto se resumem a se

mostrarem insensíveis e apáticos à realidade em que se inserem, olvidando os valores e

opções constitucionalmente previstas e conformando-se a se tornarem cúmplices da

perversidade e diferenciação social em curso, colaborando de maneira mal disfarçada na

conservação do poder por aqueles que o detêm.

do poder judicial num Estado de direito. AFONSO, Orlando Viegas Martins, Poder Judicial – independência

in Dependência, Coimbra: Almedina, 2004, p.65-66. Na verdade, dá o autor à isenção as características da

imaginária neutralidade. 776

Zaffaronni rejeita a ideia de neutralidade, afirmando que não existe neutralidade ideológica, a não ser a apatia,

o irracionalismo ou a decadência do pensamento, aspectos indignos para qualquer pessoa, principalmente para

um juiz. ZAFFARONNI, Eugenio Raul, Poder Judiciário, crise, acertos e desacertos, São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1995, p.92-93. 777

Ver DROMI, Roberto, El Poder Judicial, México: Ed. Tucuman, UNSTA, 1982. 778

De igual forma, entende-se não existir poder estatal neutro. Sobre a teoria do direito público do ‘poder

neutro’, ver SCHMITT, Carl, O Guardião da Constituição, título original Der Hüter der Verfassung, tradução

de Geraldo de Carvalho, Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, caps.7 e 8, pp.193/218.

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Notamos, assim, que a liberdade de julgamento implica, obviamente, uma adesão

pessoal do juiz aos valores reconhecidos constitucionalmente e vivenciados na época do

julgamento, com nítido exercício de opção política e implementação de determinada postura

filosófica no que se refere à concretização do previsto na Constituição, o que nos traz a ideia

do chamado ativismo judicial779

, principalmente no que diz respeito ao conhecimento e

interpretação da realidade e dos fatos780

.

Outrossim, ao se querer garantir a igualdade das partes, deve-se assegurar a igualdade

na realização, produção e valoração das provas na descoberta da verdade, não sendo mais

razoável que o juiz permaneça na posição, tanto cômoda quanto omissa, de aguardar que as

partes tragam aos autos o que entendem ser suficientes à elucidação dos fatos e à revelação

das normas aplicáveis.

Observemos, ainda, a inevitável particularidade do juiz na análise da prova,

principalmente no que diz respeito ao elemento subjetivo dos crimes.

A ampliação do acesso à Justiça781

e a garantia do sentido do Direito guardar

semelhança com o sentimento do justo, bem como a própria legitimação do Poder Judiciário

passam, portanto, pela atuação comprometida do juiz com os princípios constitucionais e

mesmo pelo exaurimento dos poderes instrutórios do julgador782

, mantendo a independencia

como afirmação democrática e a imparcialidade como objetivo processual, mas nunca neutro

como fundamento de atuação.

3.2.4.3- Sonhos e desejos

Vimos, portanto, ser por meio da vontade que as interpretações e percepções deixam o

plano teórico para ingressarem no concreto da vida, mormente nas atividades decisórias.

779

Na verdade, pode-se afirmar que a independência também está diretamente ligada à criatividade judicial

tendente à realização do que se entende por constitucionalmente justo; no entanto, tendo em vista a abrangência

do tema, reafirmamos que o ativismo judicial não será aprofundado neste trabalho. 780

Sobre tal assunto, ver STEIN, Friedrich, El Conocimiento Privado Del Juez, título original não indicado.

Tradução e notas de Andrés de La Oliva Santos, Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis S.A, 1999. 781

Ver sobre a legitimação através do procedimento, MARINONI, Luiz Guilherme, Da Teoria da Relação

Jurídica Processual ao Processo Civil do Estado Constitucional, in Revista Jurídica nº 347, Setembro, São

Paulo: Editora Fonte do Direito, 2006, pp.11- 43. 782

Insistamos neste ponto: superando o antigo ditado que “o que não está nos autos não está no mundo”, cabe ao

juiz trazer, aos autos, o mundo. Tal posicionamento ativo tem imediatos reflexos na produção e análise das

provas e mesmo na inversão de seu ônus.

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380

Como também examinado, e nos dizeres de Antonio Castanheira Neves783

, a decisão

jurídica nunca poderá ser reduzida racionalmente, sendo influenciada, dentre outros fatores,

pela urgência prática da decisão resolutiva784

, pelo conhecimento parcial da realidade e pela

seleção de uma relevância, dentre outras importâncias.

Desta forma, cremos restar claro que o entendido como urgente, realidade e relevância

não podem ser reduzidos a resultados de raciocínios lógicos e matemáticos, sendo na verdade

frutos de nossas percepções de sentido e mesmo finalidade existencial.

Assim, podemos dizer que decidimos conforme o conteúdo de nossas duas caixas

interiores, conforme esclarece Rubem Alves785

, com base nas ideias de Santo Agostinho786

.

Ensina Santo Agostinho que na mão direita temos a caixa de ferramentas, isto é, estojo

que contém qualquer coisa útil que sirva para fazer outra, como um lápis, um martelo ou uma

ideia. São tais coisas e os meios para se viver que nos dão poder.

Por sua vez, na mão esquerda carregamos uma caixa de brinquedos, isto é, recipiente

de coisas inúteis e que não nos dão poder, mas alegria, como a dança, a poesia, a música, a

literatura e os sonhos e desejos. É o que nos dá razões para viver.

783

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, Boletim da

Faculdade de Direito- Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p.32. 784

Podemos exemplificar como caso de hipótese urgente de resolução ante os fatores culturais envolvidos e a

necessária adoção de perspectiva democrática e igualitária de tratamento, a decisão do Tribunal Regional Federal

da 4ª Região em julho de 2011. No caso, atendendo a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal

em Santo Ângelo- Rio Grande do Sul, determinou o Tribunal que o Instituto Nacional da Seguridade Social –

INSS admitisse o ingresso na Previdência Social e, consequentemente, aceitasse os requerimentos de salário-

maternidade formulados pelas indígenas Kaingang, de idade de 14 a 16 anos, provenientes da Terra Indígena

Inhacorá, no Município de São Valério do Sul/RS, permanecendo a necessidade de atendimento às demais

exigências previstas em lei. De acordo com a legislação previdenciária brasileira, o benefício de salário-

maternidade consistente em pagamento de renda mensal correspondente à sua remuneração integral durante 120

(cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste

(art.71 e 73 da Lei 8.213/91) somente é concedido para gestantes a partir dos 16 anos de idade (dita idade

mínima para ingresso na Previdência Social foi adotada visando a coibir o trabalho infantil). Ocorre que, como

as indígenas da etnia Kaingang começam a trabalhar no meio rural, se casam e geram filhos de forma bastante

precoce, o Tribunal entendeu que a concessão de benefícios previdenciários deve ocorrer de forma diferenciada,

de acordo com as características culturais de referida comunidade, adaptando-se o sistema previdenciário à tal

realidade. Tribunal Regional Federal da 4ª região, Processo nº Apelação/Reexame Necessário nº 5000323-

44.2010.404.7105 - Processo Eletrônico - E-Proc V2 – TRF da 4ª região, Relator Desembargador Federal

Rômulo Puzzolatti- 5ª Turma, disponível em

http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=50003

234420104047105&chkMostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrige

m=TRF&sistema=&hdnRefId=&txtPalavraGerada=, acessado em 30 de julho de 2013. 785

ALVES, Rubem, A Educação dos sentidos e mais, Campinas: Verus Editora, 2005, p.09-18. 786

Santo Agostinho falava de ordem de utilidade e ordem de fruição. AGOSTINHO, Santo, A Doutrina cristã-

manual de exegese e formação cristã, São Paulo: Editora Paulus, 2002, p.42-45 e 58.

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381

Afirmam os autores que a primeira caixa só é importante se servir à segunda, ou seja,

são os sonhos e desejos787

que dão ordens à inteligência no sentido desta inventar as

ferramentas necessárias para a concretização dos primeiros. Sem sonhos ou desejos, a

inteligência resta quase inútil, limitando-se às tarefas rotineiras.

Basta, entretanto, que seja instigada pelo desejo de que a inteligência cresce e se

dispõe a fazer coisas até então impossíveis. Assim, pode-se dizer que a emoção procura a

inteligência para poder concretizar os sonhos e desejos.

Sabe-se que o desejo é conduzido por nossas convivências, crenças, valores,

necessidades, preferências e opções, tudo conforme o grau de consciência do mundo, dos

outros e de nós mesmos788

, bem como de acordo com o que se acha que é, do que aparenta

ser, do que poderia ser, do ontem, do hoje e do possível amanhã.

No mesmo trajeto, o desejo789

conforma-se com o encontrado ou ultrapassa as

limitações que se apresentam utilizando as esperanças e utopias sempre necessárias e

imprescindíveis790

ao combate do excesso de lucidez791

.

787

Para maior aprofundamento a respeito do papel do desejo no progressivo acontecer da psyqué e o conflito

intrapsíquico, ver ROCHA, Zeferino, O desejo na Grécia Antiga, Recife: Editora Universitária da Universidade

Federal de Pernambuco, 2012. 788

Fala-se comumente que não podemos nos livrar de nós mesmos. 789

São várias as escolas psicanalísticas e filosóficas que tratam da motivação das condutas humanas,

extrapolando o objeto deste trabalho maiores discussões a respeito. Assim, superficialmente pode-se enumerar a

da integração do libido (Sigmund Freud), busca de individualização (Carl Gustav Jung), controle da vontade do

poder (Alfred Adler) ou desenvolvimento da personalidade (Carl Rogers). Podemos, no entanto, concordar com

Abraham Maslow, no sentido de que as várias classes de determinantes dos comportamentos (necessidades

fisiológicas, de segurança, necessidades sociais, de reconhecimento, de auto superação ou auto realização) são

sempre motivadas e influenciadas biológica, cultural e circunstancialmente. STEPHENS, D.C. (Ed.) O Diário de

Negócios de Maslow (inclui ensaios e cartas Originais). Trad. Nilza Freire. Rio de Janeiro: Ed. Quality-Mark,

2003. 790

Dizia Nietzsche que o ilógico é necessário aos homens e dele nasce muita coisa boa. Assim, o ilógico

acompanha o homem em suas paixões, na linguagem, na arte, na religião e em tudo o que empresta valor à vida.

Assim, segundo o autor, mesmo o homem mais racional precisa de sua ilógica relação fundamental com todas as

coisas. NIETZSCHE, Friedrich, A Gaia Ciência, título original Die fröhliche Wissenschaft ,tradução de Paulo

César de Souza, 5ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 38. 791

Caso o leitor seja tentado a pensar que o mundo da razão é real, único e o que interessa, basta pensar um

pouco sobre algumas vivências corriqueiras para questionar nosso grau de lucidez nos últimos tempos. Assim,

por exemplo, perguntamos: qual o grau de racionalidade e sanidade encontrado nas compras de impulso, no

potencial poluidor das sacolas de plástico, no efeito-estufa, no twitter de celebridades, na dependência

angustiante de celular (inicialmente tal comportamento compreendia apenas a angústia do "no mobile" – daí o

nome nomofobia, mas atualmente compreende também a falta de conexão com internet), tabagismo, trânsito nas

grandes cidades, desmatamento, magreza das modelos, hoolligans, títulos nobiliários (ver Acórdão da Corte de

Justiça da União Européia- Tribunal de Justiça- Segunda Secção, Processo nº C-208/09, de 22 de Dezembro de

2010, a respeito recente decisão referente à Lei austríaca relativa à abolição da nobreza que impede que os

cidadãos austríacos adquiram mesmo por via da adoção um apelido composto por um antigo título nobiliárquico.

Disponível em http://s.conjur.com.br/dl/decisao-tribunal-justica-uniao-europeia10.pdf, acessado em 05 de

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Não estamos sós nesta perspectiva. Aristóteles792

ensinava que são três os elementos

da alma que governam a ação refletida e a percepção da verdade: a sensação, o pensamento e

o desejo.

Esclareceu Aristóteles que a escolha é o desejo deliberado, reflexo da excelência moral

da pessoa. Afirmou que a origem da ação é a escolha, e a origem da escolha está no desejo e

no raciocínio dirigido a um fim, daí a impossibilidade da escolha se dar sem a razão, o

pensamento e a disposição moral.

Neste aspecto, reafirma-se que é a vontade793

o fundamento do mundo, tendo em vista

que o homem primeiro deseja e somente depois conhece o que desejou.

Diz Bertrand Russell que o desejo é força de todas as ações e que o papel da razão é

apenas nos dizer como buscar aquilo que buscamos e não dizer o que deveríamos procurar794

.

Assim, só ansiamos pelo que, especializando os propósitos, nos aguça os sentidos,

lisonjeia as sensações, deleita as vontades, descondiciona as preferências, encanta os gostos e

ultrapassa as expectativas.

Em resumo, só desejamos e nos importa o que para nós tem sabor, na perspectiva

primeira da palavra sapientia dada por Friedrich Nietzsche795

e Roland Barthes796

.

janeiro de 2013), na monarquia e mesmo no mercado de ações? O que se tem de equilíbrio mental em fabricar e

comercializar armas, financiar guerras civis e patrocinar golpes militares? O que existe de saudável em se deter

patentes de remédios e traficar drogas? Qual o grau de higidez emocional em se impedir ajuda humanitária? O

que se tem de salutar no sexismo, preconceitos, intolerâncias e terrorismo? Todos são apenas exemplos da nossa

contemporaneidade. 792

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos, tradução de Mário da Gama Kury, 3ª edição, Brasília: Editora UnB,

1992, Livro VI, p.114, 1139 b. 793

Vale registrar que Arthur Schopenhauer fala em Vontade, mas no aspecto de ser esta identificada como uma

força vital que conduz o mundo, em entendimento que não corresponde ao aqui identificado.

SCHOPENHAUER, Arthur, O Mundo Como Vontade e como Representação, título original Die Welt als

Wille und Vorstellung, tradução, apresentação, notas e índice de Jair Barboza, São Paulo: Editora Unesp, 2005. 794

RUSSELL, Bertrand, No que acredito, título original What I Believe, tradução de André de Godoy Vieira,

Editora Porto Alegre: L& PM Pocket, 2010. Bertrand Russell acreditava que a natureza é neutra e somos nós

quem criamos valores e são os desejos que o conferem. Ob.cit. p.41. 795

Segundo Friedrich Nietzsche, a palavra grega que designa o sábio se prende etimologicamente a sapio, eu

saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado. NIETZSCHE, Friedrich, A filosofia

na época trágica dos gregos, título original Philosophie im tragischen Zeitalter der Griechen, tradução de

Gabriel Valladão Silva, São Paulo: Editora L & PM Editores, 2011. 796

BARTHES, Roland, Lição, título original: Leçon. Texte de la leçon inugurale prononcée le 7 janvier 1977 au

College de France, Tradução Ana Mafalda Leite, Lisboa: Edições 70, 2007, p.37.

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O conhecimento que interessa e realmente vale a pena não é, portanto, apenas o

decorrente de métodos, até porque nem sempre os saberes científicos produzem sabores, mas

o saber que torna possíveis e intensifica o sal e os temperos saudáveis da vida, estando estes

sempre relacionados com liberdade e igualdade.

O saber é, pois, precedido do sabor que o orienta.

Assim, embora não seja exato se inicialmente valorizamos e depois desejamos, ou o

contrário, é interessante notar que se tudo ocorre com a intermediação do desejo, assim

também ocorre com a apreensão dos fatos, pessoas e normas e entre estas e suas

interpretações, e entre as últimas e as decisões.

Pode-se antecipar, portanto, a ideia de que, se nossos atos provêm diretamente dos

desejos797

, podemos inferir que também dos desejos decorrem os conhecimentos que

buscamos para suas satisfações, o mesmo se aplicando em relação às interpretações da

normatividade, com as decisões daí decorrentes.

Assim, ao desejarmos concretizar o que entendemos por justo, passamos a atividades

de conhecimento, interpretação e decisão conforme as linhas de conduta aspiradas e nos

limites que as percebemos e ansiamos.

Observa-se, portanto, é que, apenas pela mudança das dimensões dos desejos podem

ser modificados os cenários de condutas ativas correspondentes.

É possível assinalar, pois, que uma possível reorientação da Modernidade se assenta,

dessa maneira, na retomada de direção no sentido de serem asseguradas às pessoas as mesmas

condições de dignidade, no exercício das potencialidades individuais, em adição a um sistema

judicial íntegro, eficiente e socialmente sensível, de maneira que seja garantido que a pessoa

possa ser e viver conforme seus desejos e de acordo com o que suas faculdades indiquem.

797

Adiantamos ainda que partimos do entendimento de que os desejos provêm das emoções e sentimentos.

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Adotamos também aqui o princípio ético fundamental utilizado por Albert Schweitzer

Quinet798

de reverência pela vida, na percepção de que tudo o que é vivo deseja viver e tudo o

que é vivo tem o Direito de viver, inclusive os sonhos de um mundo e pessoas melhores e a

crença de que somos partes integrantes de tais possibilidades - acrescentamos.

Tal modo de pensar e operacionalizar o Direito e a Justiça indica a sintonia com os

reclamos da sociedade e do Planeta, com a preocupação de nos tornarmos mais humanos,

mais sensíveis, mais inclusivos e mais solidários no cotidiano prático e concreto das rotinas

processuais.

A proposta indicada é o retorno ao nível humano primeiro, onde o ato de amar

eficazmente ao próximo é percebido na medida em que trabalhamos em prol de um bem

comum que dê resposta às suas necessidades reais799

, aí incluídas as carências de Direitos e

Justiça.

É nessa realidade possível onde se nota que a solução para uma justiça humana não

está em prédios, computadores, imagens virtuais de processos, salas, togas, gravatas ou

códigos. Todos esses elementos são superficialidades inertes e externas aos dramas pessoais

dos envolvidos em questões jurídicas e judiciais, sendo certo que é pelo toque humano

sensível que se vivifica o justo.

Não é, pois, no raciocínio que habita o justo, mas é no fato de sentir que a justiça se

revela. É no coração que reconhecemos o outro. É na alma que descobrimos o sagrado alheio.

É no interior que compreendemos as pessoas. É no olhar afetuoso que penetramos o(s)

mundo(s). É na fala empática que incluímos o diferente. É pelo foco terno que as imagens

aparecem nítidas.

No mesmo rumo, são as palavras compassivas que salvam. É na escuta sensível que

entendemos os dramas, externos e internos, de cada um, incluindo os nossos. É a proximidade

delicada com todos os matizes da realidade que nos faz compreender que somos todos

798

SCHWEITZER, Albert Quinet, The Ethics of Reverence for Life, disponível em

http://www1.chapman.edu/schweitzer/sch.reading4.html, acessado em 06 de novembro de 2013. Ver

COLOMBO, Enrico, Albert Schweitzer, São Paulo : Edições Loyola, 2010. 799

Encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in veritate (Caridade na Verdade), de 29 de junho de 2009. Cf.

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi, acessado em 21 de dezembro de 2013.

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inacabados e que nos completamos com os outros. É no contato profundo que sentimos como

somos igualmente carentes de atenção e zelo.

É, enfim, sendo humano e adotando o sentido humanizante nas nossas percepções,

ações, reações, opções, valorações e decisões que as relações, mesmo as aparentemente

estranhas, diferentes e diversas, são sacralizadas.

Observemos, ainda, que nada pode ser realizado sem o impulso da criação e este é

baseado na realidade do sonho. E a realidade do sonho sempre impregnou a existência

humana de sermos melhores, mais solidários, mais compreensivos e mais justos.

As realizações dos ideais do Direito e de Justiça são impossíveis sem pessoas que

sintam intensamente em suas consciências as possibilidades de sonhar.

Podemos até afirmar que sem o sonho de tais realizações, o profissional do Direito e

da Justiça está a um passo da corrupção; corrupção não apenas em termos econômicos, mas

corrupção de valores, identidade e propósitos. Corrupção de si mesmo.

Podemos até mesmo dizer que o profissional que não sonha por uma realidade melhor

não merece continuar em exercício. Afinal de contas, o profissional que desiste de sonhar e

acomoda-se com o posto, ingressa no delírio de conformação proposto pelas forças da

estagnação e mediocridade.

Assim, deixando-se dominar pelas estruturas vigentes, torna-se um dos seus

elementos. E em vez de falar, cala-se. No lugar de combater, retira-se. Em vez de realizar,

abstém-se. Ao contrário de entregar-se, poupa-se.

Reafirmamos, pois, que são as pessoas as verdadeiras responsáveis pela concretização

dos ideais de justiça, cabendo-lhes realizar as opções de vida e de atuar de acordo com os

ideais que possuem.

Assim, percebemos pela consolidação real do sentimento do justo pelas manifestações

de vontades, que se vive o sonho de uma sociedade mais justa e igualitária.

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4- Os efeitos da atividade do sentimento do justo

Conforme apontado, a primeira visão a respeito do surgimento e da aplicação do

sentimento do justo indica a formação simultânea e aparentemente independente das três

hélices que, uma vez formadas, entram em contato vibrátil e se coinfluenciam para, ao final,

se entrelaçam em forma de corda, estando pronta para ser afetada pela linha da vontade do

agente responsável pelo julgamento, conforme seus sonhos e liberdade, envoltos que estão em

sua espiritualidade.

Está é a imagem básica do fenômeno.

Ocorre que vislumbramos outra perspectiva que entendemos ainda mais próxima da

realidade dinâmica.

Assim, a despeito de a imagem das três hélices permanecer a mesma, agora propomos

que desde suas gêneses sejam detectáveis coinfluências maciças, de maneira que os elementos

da consciência, sensibilidade e a interpretação da normatividade ordinária e

constitucionalmente disponível iniciem suas estruturações já em contínua interação

energética, rotatividade vibrátil e revisitação em espiral.

Desta maneira a sensibilidade influencia a consciência que responde e influencia em

retorno à sensibilidade, ao mesmo tempo em que entusiasma a interpretação da

normatividade. Esta fornece parâmetros para a consciência, da mesma maneira como recebe

dados da sensibilidade. A sensibilidade por sua vez imanta a interpretação e é energizada pela

consciência, de forma que as três hélices desde o nascimento até a maturação de aplicação se

desenvolvem em vibração e interação constantes.

Tal vibração energética continua e até mesmo se intensifica quando do entrelaçamento

e se expande ainda mais na densificação da massa novelar membrânica800

do sentimento do

justo básico e geral do indivíduo, estando esta a envolver todos os fenômenos.

800

O conceito que temos de massa novelar ou membrana dimensional do justo é a seguir exposto.

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Também entendemos que assim ocorre com relação ao entrelaçamento dos

componentes da vontade. Percebemos que a vontade pode ser representada pela interação de

três estruturas em forma de hélice (hélices da cultura, a da ética e do interesse), que vibram e

interagem desde a sua origem.

Teorizamos, portanto, o fato de que ditas hélices também surjam em coimplicação.

Propomos, de igual maneira que tais hélices se desenvolvem em intenso contato e

coinfluência, quando se tramam entre si em forma de corda apta a ser aplicada em relação ao

sentimento do justo, até o ponto de opção de aplicação.

Podemos até cogitar ainda na ideia de que tanto o sentimento do justo quanto a

vontade surjam em interação, com pontos de influência recíprocos, de maneira que não seja

possível se delimitar, com precisão, até quando e em que intensidade a cultura, a ética e os

interesses influenciem a consciência, a sensibilidade e a interpretação da normatividade e

vice-versa.

Desta maneira todos os componentes do sentimento do justo e da vontade de sua

aplicação estariam em uma vibração tão forte e em interação tão próxima que tudo seria

tecido em um só novelo energizado e pulsátil.

A segunda visão guarda os mesmos fundamentos da primeira, mas se caracteriza por

indicar constante integração energética e vibrátil de todos os componentes, podendo-se

visualizar melhor as respectivas influências e consequências mútuas.

Temos, assim, a corda do sentimento do justo formada pelos elementos da

consciência, sensibilidade e a interpretação da normatividade ordinária e constitucionalmente

disponível em contínua interação energética e vibrátil, agora em contado com a corda da

vontade, por sua vez composta pelas hélices da cultura, a da ética e do interesse, dispostas às

mãos dos sonhos e da liberdade.

Entendemos, ainda, que ditas estruturas também entram em contato energético bem

como em choques e colisões com outras estruturas sociais e jurídicas semelhantes ou

assemelhadas, recebendo influências de fatores próprios do organismo ao mesmo tempo

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mundanal e humano, em que se situa, aí incluindo-se outras reverberações do sentimento do

justo emitidas por outras pessoas.

Como expresso, na realidade, não advogamos na composição do sentimento do justo

qualquer juízo meramente imediato ou irreflexivo, mas a conjugação das hipóteses de

comportamento normativamente previstas com as particularidades que surjam da verificação

do caso em exame.

Ademais, indicamos que tal fenômeno ocorra por via de meditação ampla e sensível de

tudo e de todos envolvidos no caso real e mesmo em projeção para os casos futuros.

Podemos dizer que o produzido por tal interação ressoa interna e externamente, ou em

outras palavras, o som resultado das interações age em caixas de ressonância e ocorre tanto no

íntimo do agente como socialmente.

Resta saber se tal ressonância volta a influenciar seus elementos primeiros e as cordas

e vibrações das demais pessoas.

4.1- As diversas caixas de ressonância

Temos, portanto e até agora, as cordas do sentimento do justo (com seus elementos da

consciência, sensibilidade e a interpretação da normatividade) e da vontade (por sua vez com

seus componentes da cultura, ética e interesses) em interação, dispostas a serem manejadas

conforme os posicionamentos e a carga de compressão a ser dada às mesmas pelas mãos dos

sonhos que dedilham a primeira e da liberdade que maneja o arco da segunda.

O som do justo emitido, porém, é energia dispersada que entra em contato com outras

estruturas e energias, recebendo os influxos de retorno. Percebemos que o som produzido por

tal interação repercute na sociedade, mas não só nela. O som também ecoa no próprio íntimo

do agente. Como dita emissão também possui energia, produz também agora seus

correspondentes efeitos típicos.

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Teorizamos, pois, a ideia de que dito fenômeno possua o condão de colaborar para a

modificação de sua estrutura, aí incluindo as próprias cordas e mesmo as próprias mãos que o

determinaram originariamente.

Importa indicar é que, se nada no mundo ocorre sem causa, efeito e finalidade, a

aplicação de uma versão do justo também trará consequências práticas não apenas no caso

específico, mas também influenciará casos futuros e o próprio agente e seus componentes.

Indicamos, pois, como existentes, duas caixas de ressonância, quais sejam, a da

comunidade em geral que receberá o produzido como o aplicável no caso concreto,

correspondendo a tantas caixas de ressonância individuais quanto forem os componentes da

comunidade e a caixa de ressonância íntima de quem produziu dita versão do justo.

Assim, uma vez aplicado no mundo, o sentimento do justo inicialmente receberá os

influxos das partes diretamente envolvidas e da comunidade. Estes poderão ser confirmativos

do tom proposto. Podem ser, entretanto, negativos e censurarem, repelirem ou proporem a

retificação da gradação exposta, sempre em inúmeras variações e tudo em diálogo coletivo801

de revitalização producente.

Neste aspecto, esclarece Edith Stein que a comunidade em sua estrutura802

não possui

uma existência separada da dos indivíduos que a compõem, uma vez que a liberdade cabe

apenas aos indivíduos e as relações entre estes se passam principalmente mediante atos

sociais, com a comunicação de sentidos e correspondentes efeitos e respostas, em

desdobramento recíproco. Daí podermos afirmar que a comunicação empática entre os

indivíduos também é aqui percebida como possibilidade entre comunidades, de acordo com as

vivências sensíveis e o reconhecimento do outro como individuo.

801

Fala-se que somos todos como anjos de uma asa só, ou seja, só conseguimos voar se abraçarmos outra pessoa

e formos abraçados por ela em acordo de diálogo, compreensão e desenvolvimento mútuo. 802

Edith Stein analisa as vivências dos indivíduos em relação aos outros, no que diz respeito à forma de

compartilhamento e acolhimento, daí definindo o caráter típico do agrupamento social como comunidade,

sociedade ou massa. A última é caracterizada por suas ações serem próprias de uma coletividade psíquica

sugestionada sem valoração independente, bem como pelos indivíduos não se comportarem com base em

nenhuma possibilidade de compreensão, nem sequer de confrontação ou disputa ou utilização do outro como

objeto, visando a determinados fins e utilização de certos meios, como é característico da sociedade. STEIN,

Edith. Psicologia e scienze dello spirito – Contributi per una fondazione filosofica. Ob.cit. p. 259.

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Em momento simultâneo, o agente prolator da decisão receberá referidas

reverberações em seu íntimo, em diálogo agora reservado com suas sombras e luzes, seja

fortalecendo as convicções anteriores, seja modificando-as.

Assim, metaforicamente, o sentimento do justo produzido ressoa externa e

internamente, de forma a possibilitar a própria transfiguração de seus componentes.

Em outras palavras, nesta forma de interação e coinfluência, o fenômeno complexo do

sentimento do justo revelado e posto em atuação comunitária se perfaz com a possibilidade de

modificação de sua estrutura, nas dimensões conjuntas das cordas, arco e mãos.

4.2- A membrana dimensional do justo

Havemos de recordar, uma vez mais, o óbvio: o sentimento do justo não surge nem

permanece alheio no éter, como que largado no espaço e sem referencial. O sentimento do

justo ocorre e atua em um mundo real e humanamente perceptível, pelo que age na realidade

concreta do vivenciado.

Visualizamos, pois, a ideia de que a vibração constante de tal interação das cordas do

sentimento do justo com a vontade cria, ainda, outros efeitos na realidade do agente.

Assim, concebemos a noção de que referidas cordas vibráteis não estão apenas no

mundo psíquico/racional do agente, e que suas ondas de energia continuam entrando em

contato com outras ondas vibráteis das demais concepções do próprio autor, mantendo a

coinfluência contínua até o ponto em que, formando um conjunto com as vibrações de

assemelhada intensidade e frequência de casos outros, expanda-se de tal maneira em

enovelamento coinfluenciante que forme o que pode ser chamado de massa novelar ou

membrana ou novelo dimensional do justo, a englobar inúmeros aspectos do universo

psíquico/emocional/racional da pessoa.

Tal membrana, brana ou novelo dimensional do justo, nada mais é que a dimensão

existencial ou universo de percepções, ao mesmo tempo pessoal e social, que indicará o modo

de comportamento e envolverá caracteristicamente a atuação do agente nos casos futuros, o

que também pode ser entendido como cultura jurídica histórica, social e pessoalmente situada.

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391

Tal dimensão ou universo pode ser visualizado como uma massa transparente e em

revolução dentro da qual os vários componentes coexistem em incidência recíproca e

permanentemente em ligação energética vibrátil coinfluenciável.

Cremos que, por meio de tais metáforas, podem ser compreendidas as diferenças

existentes nas compreensões pessoais a respeito do justo, mesmo que os agentes estejam

observando o mesmo fenômeno jurídico. Tal aspecto é ainda mais potencializado quando

lidamos com ordens normativas diversas.

Observemos, pois, que cada universo do justo permanece único e coerente apenas se

tomadas em conta suas leis específicas oriundas de suas hélices formativas, pelo que pode

aparentar total absurdez, caso comparado com outras membranas também válidas.

Referida composição pode ensejar a aparente preponderância da subjetividade nas

decisões, uma vez que nenhuma pessoa conseguiria deixar de cumprir os condicionamentos

de seu universo pessoal.

É que, mesmo acreditando que o universo de cada pessoa está sempre em expansão e

retificação, estamos apenas frisando que no momento de aplicação do justo os condicionantes

de sua formação, evidentemente, se caracterizam por serem limitados em sua existência

circunstancial.

Sem dúvida, dita aparência de extrema subjetividade é inegável, mas concebemos

ainda outra imagem como sendo real ou pelo menos possível.

Assim, além de as três hélices do sentimento do justo guardarem contato direito e

constante com o mundo dos fatos e ser contínua a expansão dos universos, entendemos que tal

ampliação ocasiona inevitáveis contatos com outros espaços e diversos orbes, por não falar

em dimensões e disciplinas paralelas, o que garante sua constante formação (formação esta a

qual inclui, inevitavelmente, deformações do original).

Tal fenômeno permite a interação continuada e potencializa a possibilidade de

mudanças e atrações gravitacionais de fatores outros que não os inicialmente percebidos ou,

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em sentido contrário, conflitos e repulsas do que não é aplicável, tudo a caracterizar a fluência

energética e a dinâmica vibrátil de que somos compostos.

Assim, a aparente subjetividade realmente vem a ser o resultado da interação de

subjetividades diversas, não existindo subjetividade exclusivamente composta de impressões

pessoais e desligadas do entorno cultural/relacional.

Ressaltemos, pois, que tudo permanece em contato dialógico, ou seja, a membrana do

justo do agente se relaciona com outras membranas, agentes, repercussões, ecos e efeitos em

diversas caixas de ressonância dispostas na realidade mundanal, pelo que tais intercâmbios e

influências podem ensejar tanto identidades reforçadas como fissuras e rasgos.

4.3- A aceitabilidade legítima em Jünger Habemas

Tais colocações nos remetem ao pensamento de Jünger Habemas no que diz respeito à

ação comunicativa intencional ocorrida entre dois ou mais sujeitos que argumentam em busca

de um acordo consensual803

.

Como se sabe, a idéia básica que se fundamenta a teoria do direito e da democracia

habermasiana toma como ponto inicial, nas palavras do autor804

, "a força social integradora de

processos de integração não-violentos, racionalmente motivadores, capazes de salvaguardar

distâncias e diferenças reconhecidas, na base de manutenção de uma comunhão de

convicções”.

Assim, a proposta da filosofia da intersubjetividade indica uma dialética

correspondente que busca estados sintéticos no acordo consensual entre sujeitos racionais

comunicativos livres e iguais, ou seja, a materialização normativa de sistemas éticos depende

803

Ver AZEVEDO Paulo Roberto, A Democracia Comunicativa: uma exposição da idéia de democracia em

Jürgen Habermas a partir da análise dos volu es da obra “Direito e De ocracia, e tre facticidade e a

validade", Revista Tempo da Ciência ( 14 ) 27 : 135-156, 1º semestre 2007, da Unioeste — Universidade

Estadual do Oeste do Paraná — Campus de Toledo, disponível em http://e-

revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia, acessado em 13 de outubro de 2015. 804

HABERMAS, Jünger, Direito e democracia, entre facticidade e validade, título original Faktizität und

Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats, tradução de Flávio Beno

Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, vol.I, p. 22.

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393

da aceitação moral destes modelos por parte dos influenciados, sob pena de, assim não

ocorrendo, estabelecer-se uma tensão entre sistema jurídico e mundo da vida.

Para o autor, tanto a validade social como a obediência fática de uma regra variam de

acordo com a fé na sua legitimidade805

, pelo que, ao centralizar a ordem jurídica nos

processos intercomunicativos, o direito supera sua estrutura abstrata reguladora para

constituir-se em um sistema de ação real, dinâmico e ativo no mundo da vida como força de

integração entre a facticidade e a validade.

O mundo da vida, em suas palavras806

, compõe-se de:

“(...) uma rede ramificada de ações comunicativas que se difundem

em espaços sociais e épocas históricas; e as ações comunicativas, não

somente se alimentam das fontes das tradições culturais e das ordens

legítimas, como também dependem das identidades dos indivíduos

socializados. Por isso, o mundo da vida não pode ser tido como uma

organização superdimensionada, a qual os membros se filiam, nem

como uma associação ou liga, na qual os indivíduos se inscrevem,

nem como uma coletividade que se compõe de membros. Os

indivíduos socializados não conseguiram afirmar-se na qualidade de

sujeitos, se não encontrassem apoio nas condições de reconhecimento

recíproco, articuladas nas tradições culturais e estabilizadas em ordens

legítimas e vice-versa. A prática comunicativa cotidiana, na qual o

mundo da vida certamente está centrado, resulta, com a mesma

originariedade, do jogo entre reprodução cultural, integração social e

socialização”.

Nessa concepção, o direito passa a ser então componente social do mundo da vida,

contribuindo como força de integração entre facticidade e validade na medida em que normas

805

HABERMAS, Jünger, Direito e democracia, entre facticidade e validade, título original Faktizität und

Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats, tradução de Flávio Beno

Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, vol.I, p. 50. 806

Ibidem, p. 111.

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394

e valores forem expostos comunicativamente nos diálogos intersubjetivos, apresentando

argumentos mobilizadores para a aceitabilidade.807

A teoria jurídica da positividade racionalista dirige-se, assim, para a interação

comunicativa, e as regras de aceitabilidade se estabelecem na ação discursiva em busca de

consenso, sempre em intregração progressiva.

Para Jünger Habermas, a formação dos processos normativos dá-se, pois, nos

processos dialógicos argumentativos, o que revela a interrelação entre poder político e

normatividade jurídica. Tal decorrência indica a necessidade do estabelecimento de princípios

que garantam a eqüidade dialógica bem como instituições aptas a fornecer garantias externas

à eqüidade argumentativa, como uma justiça independente.

O que desejamos realçar é que a proposta de procedimentos de livre interação

comunicativa centrados na argumentação em busca do consenso, tendo por objetivo a

produção racional da opinião e da vontade, aproxima-se do que entendemos como um dos

matizes da membrana do justo.

Desta maneira, a aceitação das normas e decisões judiciais dependem, pois, de

processos argumentativos como via democratizadora, sendo certo que a intercomunicação

entre o agente prolator da decisão com os receptores da mesma deve permanecer aberta para o

recebimento do contrafluxo social e, agindo assim, a membrana do justo permite ser

influenciada e modificada para os casos futuros, na orientação mais próxima possível do

consenso social.

5- Rupturas, artificialidades e esperanças.

Percebamos que tanto a primeira versão do sentimento do justo, como na realidade

todas as outras, e até mesmo a definitivamente adotada para o caso em apreciação, são sempre

provisórias e retificáveis.

807

( Ibidem, p. 58).

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Basta, pois, que qualquer elemento de alguma das hélices se mostre frágil, decaia, se

modifique ante novas percepções, ganhe contornos após melhor meditação ou mesmo

desapareça ante a não confirmação fática dos pressupostos que embasavam sua existência,

para que toda composição inicialmente entendida como estruturante do aplicável no caso

concreto se dissolva, possibilitando que se comece nova etapa de formação do sentimento do

justo.

Defendemos, pois, que o argumento de que rupturas internas das três hélices possam e

na verdade devam ocorrer de forma natural e correspondente à própria dinâmica de percepção

e sensibilidade dos agentes, dando ensejo a novas formas, densidades e extensões da

membrana do justo que vivencia.

Tais hipóteses podem ocorrer tanto no desenvolvimento do processo na primeira

instância, onde as apreciações e sentimentos do julgador a respeito do que seria justo no caso

examinado são objetos de transformações conforme as provas são realizadas e depoimentos

são colhidos, como na segunda instância, quando a existência dos componentes do justo

percebido será examinada em cada uma de suas conexões.

Tudo isso é normal e mesmo natural, fazendo parte da dinâmica própria do que é vivo.

Devemos, no entanto, ressaltar é que, em sentido diverso, caso aplicada outra versão

de conteúdo artificial comprometida com interesses, ambições, políticas ideológicas ou

finalismos econômicas, contrário ao espontaneamente percebido e aceito, estamos

corrompendo e vilipendiando o sentido do Direito.

Em tal perspectiva, uma das consequências é a de fissuras da membrana do justo,

podendo referidas fendas comprometerem integralmente a dimensão experenciada ao ponto

de os rasgos romperem toda a dimensão do justo vivenciada pelo agente. Nessa hipótese, nova

membrana surgirá, mas agora artificialmente pensada, fabricada e exposta à consumação.

Em tais casos, passaremos a viver em um ambiente artificial e sem verdadeira vida e a

membrana dimensional será tão estreita, frágil, fina e volátil como a de bolhas de sabão,

correspondendo aos interesses e seguindo o destino de quem a sopra.

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Podemos comparar tal mundo camuflado e produzido com as florestas dos parques

temáticos.

À primeira vista e aos olhos destreinados e ingênuos das crianças, são elas todas muito

exuberantes, repletas de detalhes e com reproduções quase perfeitas do mundo real, aí

incluindo sons, texturas, cores, luzes, sombras e animais.

Quando falta energia, entretanto, e as estruturas de emergência se fazem presentes, é

revelado o que já se sabia ou intuía: as carcaças das árvores são ocas e as armações de ferro

retorcidas. De igual forma, os sons são artificiais, gravados e reproduzidos em contínua e

previsível variação, as cores são tintas, as luzes são de refletores, as texturas são de plástico,

os rios são de azulejo, o ar é refrigerado, a terra é peneirada e os animais de pelúcia. Apenas

as sombras são reais. Assustadoramente reais.

5.1-Variações e anomalias – riscos sem imunidade

Como visto, cremos ser mediante a interação dos elementos de consciência,

sensibilidade e interpretação, ao lado de componentes da cultura, ética e interesses,

coadjuvados pelos sonhos e liberdade que se apura humanamente o sentimento do justo e

ocorrem as decisões.

Desta forma, podemos concluir, em análise abrangente, que a dinâmica do justo

compõe complexamente do conjunto em interação dos elementos do sentimento do justo e os

da vontade sincera e sensivelmente percebidos de acordo com os pressupostos ideais de

garantias dos direitos inerentes à pessoa humana e de suas correspondentes aplicações nos

casos em exame, passando a formar a cultura jurídica historicamente vivenciada pelo agente e

por um povo, conforme as ressonâncias decorrentes.

A formação apresentada faz recordar fortemente as concepções de fato, valor e norma,

mas aqui queremos ressaltar como parte essencial da gênese do sentido do Direito os fatores

humanos derivados de nossa sensibilidade e consciência que transpassam todos os aspectos da

estrutura proposta.

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Destacamos, assim, a noção de que o sentimento do justo aplicado se constitui

verdadeiramente da dimensão oriunda da integração das estruturas indicadas e da verificação

contingente dos valores que fazem a vida humana digna de ser vivida, consubstanciando-se na

sua aplicação efetiva e afetiva.

Frisemos, uma vez mais, que tal estrutura, mesmo sendo capaz de transmitir aos fatos

examinados as características por assim dizer “hereditárias” de concepções anteriores, como

nas hipóteses de precedentes, não se denota fixa ou imutável, mas verdadeiramente

impermanente e versátil.

Ditas variações decorrem de modificações acontecidas individualmente, em pares ou a

um só tempo em todas as hélices de sua composição (consciência, sensibilidade e

interpretação da normatividade pela vertente do sentimento do justo e cultura, ética e

interesses pela concepção da vontade), além dos efeitos na realidade mundanal resultado da

interação advirem do intercâmbio com outras estruturas sociais e indivíduos, operando

constante e recíproca influência.

Advirtamos, ainda, para a ideia de que tal estrutura não é isenta de mutações ou

anomalias e reconhecemos que a intensa individualidade dos termos utilizados os possa levar

às mesmas aproximações com os riscos de arbítrio e atitudes despóticas808

já criticadas, o que

aparentemente retoma as mesmas dificuldades das teorias anteriores.

Percebemos, assim e francamente, que inúmeras interpretações a respeito do que seja

justo podem ser exercitadas e sem dúvida tais circunstâncias portam aparentemente

inevitáveis riscos.

Dizemos “aparentemente” porque, se o desejado é uma sociedade pluralista e

tolerante, sem dúvida, há que se aprender a conviver com antagonismos e ideologias as mais

diversas.

808

Como expõe Ingo Müller, em regimes totalitários e ditatoriais, o juiz imerso pode também desvirtuar o

Direito e perverter a Justiça, subvertendo-os aos interesses do Estado, aquiescendo em cumprir formalmente o

papel de confirmação dos valores normatizados, solidificando o status quo e colaborando para a estabilidade das

violações dos Direitos, ao passo que contribui para o aprofundamento das violências e coopera na perpetuação

do arbítrio. MÜLLER, Ingo, Los Juristas del Horror – la “Justicia” de Hitler: el passado que Ale a ia o

puede dejar atras, Título original Furchtbare Juristen: Die unbewaltigte Vergangenheit unserer Justiz, tradução

de Carlos Armando Figueredo, Bogotá: Libreria Jurídica, 2009.

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398

Desta forma, os “riscos" de prevalência de raciocínios reacionários, conservadores e

insensíveis são reais e merecem ser combatidos, mas fazem parte do diálogo democrático

necessário.

Na verdade, se algo faz parte da substância das coisas, não podemos afirmar que

estasmos diante de riscos, mas sim de sua própria maneira de ser. Aliás, pior seria a existência

de pensamentos monolíticos e inquestionáveis, abeirados da prepotência e simpatizantes de

tiranias, mesmo acadêmicas.

Desta forma, a densificação específica do sentimento do justo para o caso concreto

analisado expressa inegavelmente elementos sensíveis e éticos de quem a realiza, trazendo em

conjugação valores e racionalidade e ao mesmo tempo sensibilidade e objetividade, sem

qualquer preocupação em propagar uma neutralidade humanamente inexistente ou defender

uma impessoalidade asséptica.

Por outro lado, sabemos que, ao falarmos em sentimento do justo, pode ser dado a

entender que nos referimos à existência de algo ao mesmo tempo íntimo e consagradamente

superior que possibilite alcançar a verdade a respeito das questões morais, em operações que

ocorram por mera preferência sem qualquer racionalização, argumentação ou motivação.

Não é, no entanto, o caso. Em nenhum momento, sustentamos a ideia de que o

sentimento do justo deva ser encarado como algo à margem do Estado, mas também não

limitamos sua percepção à mera correspondência com a normatividade.

Na verdade, como já mencionado, o identificamos mais proximamente como produto

da interação de fatores diversos dentre eles os normativos, doutrinários, jurisprudenciais,

principiológicos, culturais, éticos, ambientais e individualmente específicos para o caso em

exame, podendo daí ser erigidos fundamentos para outros casos.

É de deixarmos claro que não propomos nenhum conceito ou instituto próximo da

perfeição, pois percebemos tudo como aperfeiçoável, mas ressaltando a percepção e aplicação

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do Direito como fenômeno vivo e densamente humano, sujeito às inseguranças809

próprias de

todos.

Desta forma, o sentimento do justo não é algo formalmente apreciável ou reduzível,

mas apenas gerado com origem na normatividade, em conjunto com os fatores humanos

particularmente vivenciados, sendo verificável concretamente em cada caso conforme os

sonhos e a vontade do agente.

5.2- Por entre certezas e dúvidas

O leitor pode estar se perguntando se tudo o aqui proposto pode trazer muita

insegurança jurídica e revelar a fragilidade das instituições. É verdade.

Diversamente do que se incentiva em termos de se obter certeza sobre tudo, em uma

valorização cada vez mais frequente do pragmatismo imediato e a produção de rápidas

“verdades” e exercitáveis “certezas” a qualquer custo, reafirmamos nossa crença de que se

deve pôr em evidência nos processos de escolha a possibilidade da dúvida, com seus desvios,

seus passos em falso, defeitos e riscos.

Reforçamos a ideia de que é com origem na admissão de tal fragilidade que se pode

realizar a fortaleza da procura constante pelo socialmente aceitável e democraticamente

almejado, além de colocar o julgador sempre aberto à admissão dos equívocos e reformulação

dos entendimentos iniciais.

Tais circunstâncias devem ocorrer principalmente na órbita interna nas hipóteses de

aplicação dos princípios e conceitos jurídicos indeterminados que, por sua natureza precisam

ter os seus sentidos integrados conforme os elementos do caso concreto, sobretudo quando

tais categorias entram em eventual confronto.

809

Não concebemos tais inseguranças como detentoras de caracteres negativos, mas sim de feições

impulsionadoras da constante construção dos sentidos. Tal se dá por meio da superação das certezas paralisantes

e concepção do diálogo e da dúvida como pontos de partida primordiais para a superação de nós mesmos.

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De igual modo, as mesmas possibilidades de alargamento do que se entende por justo

no caso concreto pode ocorrer, por exemplo, na verificação dos fatos típicos e na graduação

das penas nos processos criminais.

No último aspecto, como bem diz e exemplifica Karl Engish810

, apesar de a graduação

das penas englobar os limites dogmáticos, subsiste um resíduo de apreciação pessoal que não

é susceptível de análise racional.

Observemos que na ideação da quantidade de pena suficiente e necessária para a

"prevenção individual" e da "prevenção geral" subsiste uma zona a ser preenchida pelos

conceitos axiológicos e teleologicamente articulados do juiz penal, sem que com isso se

autorize tratar-se de uma decisão irracional ou arbitrária.

Na verdade, ante a permissão e os limites legais e supralegais da decisão nos casos de

aplicação de pena, verificamos que não ocorre arbítrio, mesmo admitindo que são inevitáveis

as valorações do julgador e sabendo que não é possível prever exatamente o resultado final da

interpretação dos fatos, normas e pessoas.

Não defendemos- insistimos- qualquer órbita de decisionismo, nem muito menos

atribuindo ao juiz uma legitimidade inexistente811

.

Estamos apenas demonstrando o óbvio. Deve o juiz estar sempre atento à realidade

social e a natureza humana dos fatos em apreciação, nunca admitir a prevalência do

pragmatismo sobre as razões propriamente jurídicas nem se colocar em um patamar de

isenção de equívocos tão comum aos reflexos da vaidade. Assim, a dúvida pode ser elo tão

forte e duradouro quanto as certezas, conservando, no entanto, o fluxo sempre constante de

suas convicções temporárias.

810

ENGISH, Karl, Introdução ao pensamento jurídico, título original Einführung in das Juristische Denken,

tradução de J.Baptista Machado, 7ª edição, Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1989, , p.162-164. 811

No aspecto de como o exagero de autoridade acrítica e dissociada da realidade humana pode transformar

juízes em ditadores, ver a bem humorada adaptação realizada para a disciplina Filosofia do Direito, com o tema

"Realismo Jurídico Norte Americano", da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas

Gerais/UFMG, postado por Mirandovski. O video refere-se ao desenho animado dos personagens Pink e

Cérebro, no episódio Der wirklich grosse diktator (O ditador realmente grande), escrito por Liz Holzman e

dirigido por Mike Milo, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=G9D2tyC-

w4k&feature=player_embedded, acessado em 10 de fevereiro de 2013.

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É evidente o fato de que deve o juiz decidir e deverá fazê-lo sob o ângulo do Direito,

conforme os valores sociais e constitucionais e valendo-se do que entende da dogmática e da

doutrina. E é também claro que tudo se dará de acordo com a interpretação dos fatos, pessoas

e normas, no âmbito de sua insuperável condição humana valorativa naturalmente falha e

indissociavelmente limitada, com o apoio inegável de suas percepções e nos contornos

pessoais de tais discernimentos.

Insistamos, uma vez mais: o livre convencimento não significa abandono da

dogmática, descaso em relação às provas colhidas no processo ou mera convicção íntima, pelo

que sempre exige fundamentação concreta vinculada à prova dos autos com base normativa

aplicável, em uma interpretação razoável do que seja justo para o caso concreto.

Daí a transparência total do processo decisório deve ser exposta, pois a estabilidade e

o desenvolvimento das instituições sociais requerem que os critérios de aplicação de

princípios da justiça sejam claros, públicos e razoáveis e assim tenham sido exercitados.

Ademais, não é suficiente dizer que os responsáveis pela tomada de decisões aplicarão

esses princípios na forma que lhes pareça no momento correto, nem muito menos aceitável

uma confiança excessiva812

nas virtudes pessoais ou na intuição dos juízes813

.

Estamos, pois, pondo em relevo que apesar do convencimento pessoal do juiz a

respeito da melhor interpretação e valoração dever estar de acordo com os critérios

socialmente relevantes e constitucionalmente reconhecidos, não se supera nem as limitações

da própria condição humana nem a necessidade de se alcançar um sentido mais amplo do

Direito que o posto originalmente.

812

O afastamento da lei injusta pregado pela Escola do Direito Justo de Hermann Kantorowicz, toda vez que a

experiência, o sentimento ou a consciência do magistrado assim apontasse, não superou a insegurança daí

advinda. Cremos que a espera de eventual reforma legislativa ou a desobediência civil não são opções práticas a

este respeito. Malgrado não ser objeto de aprofundamento deste trabalho, podemos adiantar, mesmo que de

modo superficial, que sempre é possível a adoção de interpretação conforme os valores e princípios

constitucionais de ampliação constante da cidadania e os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, de

maneira a superar as premissas do individualismo racionalista. 813

CASAS, Vicente Durán, S.J., Tres prioridades relativas a la justicia, CASAS, Vicente Duran,

SCANNONE, Juan Carlos, SILVA, Eduardo- compiladores, Contribuciones filosóficas para uma mayor justicia,

Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2006, p.40

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Observe-se, uma vez mais, que ao aludir-se à ponderação ou razoabilidade das opções

interpretativas não se está elevando tal perspectiva, no dizer de Lenio Luiz Streck814

, a álibis

persuasivos de uma violência simbólica, arbítrio judicial ou cometimento de ativismos815

,

nem aceitando qualquer conversão em indeterminação discricionária a cargo do julgador

própria de elevado teor de subjetivismo e de solipsismo decisional.

O temor de Lenio Luiz Streck na verdade dirige-se à imaginária possibilidade do juiz,

no exercício do que entende existir como solidão crônica e isolamento agudo, tirar de sua

consciência encapsulada que não sai de si 816

alguma decisão meramente intuitiva e desligada

da realidade, seja esta normativa ou fática.

Na verdade, a primeira objeção a tal posicionamento baseia-se simplesmente na

inexistência de tais situações, como evidenciado ao falarmos sobre o sentimento do justo.

Como o próprio autor admite817

, somos sempre seres-no-mundo, em relação com as

coisas, pessoas e com o ambiente de significâncias. Assim, não há como se admitir uma

pessoa atuante na sociedade, ainda mais um juiz, que realmente creia que seu conhecimento

seja fundado exclusivamente em suas experiências interiores e exclusivas e que não

demonstre qualquer assimilação ou contato com as tradições morais, jurídicas, religiosas ou

normativas que há onde vive818

.

No mesmo sentido, não se pode abstrair o local onde o intérprete se encontra. O ter

que estar em algum lugar ao mesmo tempo em que nos limita é a condição de possibilidade do

falar, pelo que é impossível de se imaginar um Robinson Crusoé sem os limites de sua

consciência formada antes do naufrágio e sem os decorrentes da própria ilha e da convivência

com Sexta-Feira.

814

STRECK, Lenio Luiz, O que é isto- decido conforme minha consciência?, Porto Alegre: Editora Livraria

do Advogado, 2010, p.47. 815

Aqui o sentido é nitidamente pejorativo, malgrado podermos entender o ativismo apenas com a determinação

pelo Judiciário do cumprimento da Constituição ante as omissões legislativas ou administrativas, conforme

exposto anteriormente. 816

STRECK, Lenio Luiz, O que é isto- decido conforme minha consciência?, Porto Alegre: Editora Livraria

do Advogado, 2010, p.57. 817

STRECK, Lenio Luiz, ob.cit.,p.47. 818

Na verdade e como bem diz Bruno Romano, o ego sum é na verdade ego cum, ou seja, o eu sou é na verdade

eu sou com. ROMANO, Bruno, Filosofía Del Derecho y la cuestión Del espíritu, título original Filosofia Del

Diritto e la questione dello spiritto, tradução de Abelardo Rivera Llano, Bogotá: Grupo Editorial Ibañez, 2007, p.

118.

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Pode-se dizer, portanto, que nem mesmo as crianças recém-nascidas são desprovidas

de referências, pois, como o Direito, não escolhem elas o mundo em que atuarão, mas desde

seus nascimentos ingressam nas relações com os contextos existenciais históricos que as

condiciona e limita. Em outras palavras, o jurista não só não tem condições de dispensar o

mundo, mas precisa estar dentro deste para poder compreendê-lo, e não fora.

Não há, pois, qualquer possibilidade das decisões judiciais819

partirem de um grau zero

de sentido820

, como teme Lenio Luiz Streck ou de uma Terra do Nunca onde o fetiche dos

conceitos fosse inabalável e fixo para sempre.

Cremos que tal "fantasma de Lenio Luiz Streck", na verdade, nunca fez parte de

qualquer Corte, nem assustou corredores dos Tribunais ou arrastou correntes em nenhuma

vara.

819

James L. Gibson já afirmou que "as decisões dos juízes são uma função da qual eles preferem fazer, atenuado

pelo que eles pensam que deveriam fazer, mas restrito por o que percebem é viáveis fazer". E por '"viável",

indica o Professor James L. Gibson que juízes operam dentro das normas públicas e privadas da função judicial e

de sua própria instituição, restringidas pela necessidade de salvaguardar a legitimidade institucional e pela

"ambiência sociopolítica” além dos limites naturais dos textos constitucionais e legais, as brodas do caso

concreto e as indicações dos precedentes aplicáveis. GIBSON, James L. (1983), From Simplicity to

Complexity: The Development of Theory in the Study of Judicial Behavior, 5 Political Behavior 7–49 DOI:

10.1007/BF00989985, disponível em http://www.springerlink.com/content/h048505626110185/, acessado em 30

de dezembro de 2013. Em pesquisa, os professores James L. Gibson e Gregory A. Caldeira concluíram que 65%

dos entrevistados concordaram com a declaração que "juízes do Supremo Tribunal têm uma grande margem de

manobra nas suas decisões, mesmo quando eles afirmam ser 'interpretação' Constituição." A maioria das pessoas

também concordou com esta declaração: "Juízes sempre dizem que suas decisões baseiam-se na lei e a

Constituição, mas em muitos casos, juízes são realmente basear suas decisões sobre suas próprias crenças

pessoais". Concluíram os autores que aparentemente a maioria dos estadunienses rejeita o modelo mecânico de

decisão (simples aplicação da lei ao caso concreto) e acreditam que os juízes têm discrição e decisões

discricionárias com base em suas ideologias e valores. O interessante é perceber que a maioria dos ianques, ao

reconhecer que o juiz exercita poder discricionário em seu exercício de julgamento, o faz com o que professores

J.L.Gibson e G.A.Caldeira chamam de "critério baseado em princípios", ao contrário de "tomada de decisões

interesseira" que o público atribui aos políticos. Os autores concluem que tal concepção da política judicial

discricionária, mas baseada em princípios processa visões realistas compatíveis com legitimidade judiciária.

Acrescentamos que, mesmo o público leigo percebendo tal complexidade no comportamento dos juízes,

admitindo que eles se preocupam com os resultados de suas decisões além de vários outros elementos, na

tentativa de conciliar o presente com o passado e com a consciência de que aquilo decidido hoje pode moldar o

futuro, para alguns acadêmicos tal realidade humana ainda parece ser difícil de aceitação. GIBSON, J. L. and

CALDEIRA, G. A. (2011), Has Legal Realism Damaged the Legitimacy of the U.S. Supreme Court?. Law

& Society Review, 45: 195–219. doi: 10.1111/j.1540-5893.2011.00432.x, disponível em

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1540-5893.2011.00432.x/full, acessado em 30 de Dezembro de

2013. Dados inicialmente referenciados no texto What We Think About When We Think About the Court,

de Linda Greenhouse (publicado no The New York Times, edição de 28 de dezembro de 2011 e disponível em

http://opinionator.blogs.nytimes.com/tag/affordable-care-act/, acessado em 30 de dezembro de 2013). 820

STRECK, Lenio Luiz, ob.cit.,p.27.

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404

Não negamos a possibilidade de arbitrios judiciais ou de decisões desprovidas de

fundamentação ou mesmo sem liame com a realidade, mas tal se dá não por existência maciça

de juízes solipsistas, mas por desvios de conduta isolados.

Retomando a linha precedente, intentamos enfatizar que, como a interpretação não se

limita às normas, mas inclui também pessoas, valores e fatos circunstancialmente situados, é

forçoso reconhecer a densa necessidade de aguda aproximação sensível do julgador com as

circunstâncias comunitárias e individuais nas quais os Direitos ou o bem-estar de outrem

estejam em questão.

Cremos que, com suporte em tal maior sensibilização do julgador821

, aprofundam-se

suas percepções dos diversos matizes que compõem a(s) realidade(s) e ampliam-se as

possibilidades de adequação dos textos normativos à realidade social no caso concreto822

.

Insistimos uma vez mais. Tais percepções manifestamente não dispensam o dever de

formar adequada, obrigatória e suficiente motivação das decisões, nem autorizam o julgador a

821

As audiências públicas realizadas pelos tribunais podem ser tidas, nas palavras de Willis Santiago Guerra

Filho, como uma forma de legitimação pelo procedimento, mostrando-se como maneira democraticamente

adequada de colaborar no atendimento às exigências sociais com a garantia da participação coletiva na discussão

da medida a ser adotada e da adequação dos meios a serem empregados. GUERRA FILHO, Willis Santiago,

Jurisdição constitucional no direito estrangeiro e no Brasil em perspectiva ( e prospectiva) comparada,

Revista Diálogo Jurídico, nº 17, Salvador, 2008, disponível em

http://www.direitopublico.com.br/revistas/12232906/jurisdicao_constitucional_willis.pdf, acessado em 22 de

janeiro de 2013. 822

Observa-se prática cada vez mais frequente no Supremo Tribunal Federal brasileiro, no que diz respeito a,

verificando o descompasso da aspiração social em relação à norma constitucional, alterar o sentido da norma

constitucional, mediante decisões fundadas em princípios. A primeira impressão sobre o tema pode ser positiva

no que se refere à tentativa de aproximação do Texto Maior à realidade social, mas não há como se negar certa

dose de insegurança, vez que não se pode antever qual será o resultado das interpretações utilizadas no

julgamento, já que a densidade e profundidade aplicadas aos princípios invocados são de todo desconhecidas.

Talvez uma das possibilidades de se minimizar tal insegurança seja o Supremo Triunal Federal, percebendo que

sua decisão vai além da dogmática e pode ensejar modificação de sentido da norma constitucional, apelar para a

oitiva da sociedade, seja por meio dos formalmente admitidos amicus curiae, seja pelo aporte de participações

populares, por meio de audiências públicas, recebimentos de pareceres, documentários, participação de debates e

qualquer outro recurso de oitiva popular. Frisemos que não estamos defendendo que os juízes ou tribunais

decidam simplesmente conforme o desejo expressado pelo povo, mas que eles não podem estar alheios aos

anseios, agonias, frustrações e esperanças da comunidade que vivencia o problema e conviverá com a solução

encontrada. Intenso debate a respeito da importância da opinião pública nos julgamentos foi verificado no

julgamento pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro das Ações Diretas de Constitucionalidade nº 29 e nº 30 e

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578 referente à Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, que

alterou a Lei Complementar nº 64/90 que, de acordo com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, estabelece

casos de inelegibilidade. Vídeo do trecho específico da sessão de julgamento disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=CrCFvbEBynU&feature=youtu.be&t=9m32s, acessado em 23 de fevereiro de

2013.

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abdicar da dogmática nem o exoneram de procurar base constitucional, social e doutrinária

em seu raciocínio e vontade decisórios.

Na realidade, é o contrário que pretendemos afirmar. Queremos reforçar a ideia de que

a consciência do julgador não pode estar conectada apenas em sua exclusiva subjetividade,

mas sim intersubjetivamente atrelada às significâncias variáveis (também) dos outros, no(s)

mundo(s) compartilhado(s) que vivemos e nos diálogos cotidianos em constante elaboração.

Julgar não é, pois, simples manifestação de subjetivismo, mas exercício de liberdade e

responsabilidade, pressupondo estas os componentes de humildade, igualdade, cooperação e

solidariedade.

5.3- Margens de perspectivas e horizontes de possibilidades

Mesmo admitindo que o termo denota variada pluralidade de narrativas, o que

propomos ao falarmos de sentimento do justo é fazermos a transição da tensão ideal Direito-

Poder para a análise circunstancial do caso concreto.

Admitimos desde já que o sentimento do justo, por manter intenso contato com o que é

sensível socialmente e possuir berço histórico e experiencial, não sendo inato, se aproxima

muito do que também pode ser chamado de sentimento ético.

Não há dúvida disso, mas temos de recordar as distâncias entre Ética e Direito.

O primeiro termo é sempre subjetivo e o segundo é objetivamente plasmado de acordo

com o decidido inicialmente. Desta forma, pode ser entendido que o sentimento ético, situado

fora do Direito, é capaz de condicionar os institutos jurídicos, aí compreendida normatividade

e juridicidade, e correspondentes atuações dos agentes, enquanto o sentimento do justo os vai

implementar concretamente.

Portanto, as razões de ser do Direito condicionam seus institutos e influenciam as

atuações de seus agentes e sem dúvida fazem parte dele em sua vertente situacional

materializada através da vontade.

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Cremos ainda que ditas razões surjam do diálogo social existencial humano formando

a base da compreensão e interpretação da normatividade.

Advirtamos, contudo, para o fato de que as razões idealizadas, uma vez tocadas pela

realidade individualmente considerada, podem assumir contornos além dos iniciais.

Esses contatos são efetivados por meio do conjunto de individualidades atuantes no

caso concreto, ai se incluindo os próprios magistrados além das partes. Tal ocorre na medida

da capacidade de cada um e sempre visando à satisfação não apenas dos envolvidos, mas

também dos interesses comuns e a necessidade coletiva. O resultado conceitual e prático, por

sua vez, não pode ser reduzido a fórmulas abstratas, mas compreendido também como em

constante evolução, sendo definíveis no caso examinado.

Desta forma, partindo dos conteúdos éticos preexistentes, passando para a substância

normativa, bem como de acordo com os dados fáticos ocorrentes e a realidade humana

individualizada, as decisões concretas levam em conta aspectos que favorecem sensível e

conscientemente a transcendência de referidos pressupostos em direção à justiça aplicada

materialmente, sendo tais decisões, mesmo que sempre provisórias, questionáveis e

retificáveis, passíveis de se tornarem paradigmas para casos futuros.

Escapamos, assim e a um só tempo, do jusnaturalismo meramente idealizado e do

positivismo restrito.

Na verdade e como realçado, não são abandonadas as bordas iniciais da

normatividade, mas apenas não nos conformamos com a ideia de que o fluxo de todas as

influências existentes e tendentes a atingir a formação das decisões siga afunilando somente

para uma foz específica da positividade estreita e esta seja tida como barreira.

Propomos, pois, a abertura a amplo delta de possibilidades jurídicas construíveis no

caso concreto e que a normatividade represente apenas uma fronteira não apenas a indicar

limites, mas também possibilitar visões de algo mais além dela.

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Neste aspecto, Rudolf von Jhering823

reivindicava a noção de que o Direito não se

reduzisse a elaborações conceituais e fosse sempre permeável às necessidades, aos fins,

interesses e valores sociais.

Dizia o autor, retomando as ideais de John Locke824

, que Direito, Moral e costumes

não são inatos nem procedem de uma razão atemporal, mas são conquistados por meio da

experiência825

.

Nas palavras de Rudolf von Jhering826

, o indivíduo ao chegar ao mundo se vê

entrelaçado em certas leis de convivência. Com o desenvolvimento das relações surgem os

princípios que concernem a dita convivência, repartindo o indivíduo com a sociedade sua

pulsão de conservação. De tal inclinação social surge a ética. Quando o afirmado o é pela

sociedade, o denominamos moral ou o chamamos de costume social. Quando tal ordem social

se mantém integra por meio do poder externo do Estado, surgem as leis.

Assim, diz o autor, com a sociedade começa o ético e todas as circunstâncias

decorrentes possuem como finalidade a subsistência, o bem-estar e a prosperidade da

sociedade.

Desta forma, assinala Rudolf von Jhering827

, nosso sentimento jurídico depende dos

acontecimentos reais que se tem feito realidade na história, mas dito sentimento se eleva

acima dos fatos, porque generaliza o concreto e conduz a hipóteses que, nesse sentido, não

estão contidas nas instituições.

823

Tomamos aqui por base duas conferências vienenses A Luta do Direito e Sobre o nascimento do sentimento

jurídico. JHERING, Rudolf Von, Sobre el nacimiento del sentimiento jurídico, título original Über die

Entstehung des Rechtsgefüles, tradução de Federico Fernández-Crehuet, Madrid: Mínima Trotta, 2008.

JHERING, Rudolf Von, A Luta pelo Direito, título original Der Kampf ums Recht, tradução de Pietro Nassetti,

São Paulo: Editora Martin Claret, 2003. 824

As ideias de John Locke a este respeito estão contidas em An Essay Concernig Human Undertanding,

principalmente no capítulo III do Livro I (No innate practical principles). LOCKE, John, Ensaio sobre o

entendimento humano, título original Essay concerning human understandig, Tradução de Anoar Aiex, (Os

Pensadores), São Paulo: Nova Cultural, 1991, também disponível em

http://www.earlymoderntexts.com/pdf/lockess1.pdf, acessado em 12 de março de 2013. 825

Neste aspecto, Thomas Hobbes já enfatizava em 1650 que todo conhecimento, seja este oriundo das

sensações ou da ciência, é baseado em experiências. HOBBES, Thomas, Elementos da Lei Natural e Politica,

título original The elements of Law, Natural and Politic, tradução de Bruno Simões, São Paulo: Martins Fontes,

2000, p.24. 826

JHERING, Rudolf Von, Sobre el nacimiento del sentimiento jurídico, título original Über die Entstehung

des Rechtsgefüles, tradução de Federico Fernández-Crehuet, Madrid: Mínima Trotta, 2008, p.42. 827

JHERING, Rudolf Von, Sobre el nacimiento del sentimiento jurídico, título original Über die Entstehung

des Rechtsgefüles, tradução de Federico Fernández-Crehuet, Madrid: Mínima Trotta, 2008, p.39.

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Malgrado, porém, as ideias jurídicas e os princípios éticos partirem de um determinado

grau de civilização e poderem compartilhar da mesma essência, nem sempre foi assim e

evidentemente variações sempre serão detectáveis entre os povos. Assim se dá justamente em

virtude da individualidade histórica vivenciada. Igualmente, eventuais cercanias culturais

ensejarão proximidades éticas e jurídicas.

Verifica-se, portanto, que o sentimento do justo encontra no ambiente forte fator de

influência.

Quando nos referimos ao ambiente nos dirigimos à ambiência familiar, social, política,

cultural e emocional de uma pessoa ou povo. Desta forma, em quadras de revoluções, guerras

internas, fortes debates políticos e crises econômicas, o sentimento do justo alcançará

patamares diversos dos porventura atingíveis em tempos de paz. Em igual sentir, o ambiente

familiar e de criação de um individuo gerará neste, por via de sua história única vivenciada,

aspectos a serem levados em conta, consciente ou inconscientemente, na percepção futura do

que seja justo.

Não apenas os aspectos históricos vividos no passado, porém, são ativadores do

sentimento do justo, porquanto este na verdade nunca está concluído. O que se vivencia agora

somado à possibilidade de abstração de casos futuros, também contribuem para a percepção

do justo.

Desta maneira, afirmamos que o sentimento do justo se concretiza historicamente no

caso específico, mas ao mesmo tempo se abstrai para os demais casos futuros, sendo sempre

retificável.

Os princípios gerais do Direito e a analogia seguiriam, pois, tal itinerário do justo,

representando a aplicação atual do sentimento do justo percebido tanto em épocas passadas

como contemporaneamente intuído.

Admitimos que a expressão “sentimento do justo” seja realmente conceito

indeterminado, mas insistimos em que sua determinação é possível e se estabelece no caso

concreto.

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Notemos que não se pode confundir tal entendimento com apego às concepções

decisionistas, tendo em vista propormos que as zonas de contato do julgador se ampliem cada

vez mais, estando o mesmo aberto a conhecimentos e extensões de todas as ordens.

Ressaltamos, como já adiantado, que tal concepção vai além do caso específico,pois a

conjugação de todos os sentimentos do justo aplicados podem estruturar uma rede de

influências permanente que, por sua vez, pode servir para a formação de aplicações,

contribuindo para a constituição da cultura jurídica de um povo. Obviamente, tal percurso

ocorre entre erros e acertos, e assim caminhamos todos.

Por fim, nos resta, uma vez mais, evidenciar o fato que as concepções do justo são

inúmeras, assim como variáveis são as conformações e as atuações da vontade. Podemos,

inclusive, nos aproximar do princípio da incerteza também concebido em forma quântica,

mesmo com relação à energia dos sonhos e a força da liberdade.

Pequenas mudanças em cada componente da corda do sentimento do justo ou no

entrelaçamento da vontade, bem como qualquer variação dos sonhos e da liberdade,

ocasionam reflexos imediatos nos sons produzidos, sendo possível afirmar que tal ocorre com

a própria velocidade do pensamento e influenciam o comportamento em outras dimensões,

como previsto na chamada ação fantasmagórica à distância também própria da Física

Quântica828

.

Outro detalhe importante a ser relembrado é o fato de que as energias são liberadas

pelo movimento e o que está em movimento encontra algo e, nesse encontro, interno ou

externo, todas as coisas dialogam, interagem e se transformam, pois todo encontro nos dá a

certeza de modificação das partes.

A vida do Direito é, pois, perene e incessantemente atual, pois se modifica a todo

instante, sendo o sistema normativo apenas o ponto de partida e nunca de chegada.

Isto posto, havemos admitir que ainda outras indagações permaneçam em aberto, tais

como, onde os genes das hélices são formados, como e por quem? Seriam precondicionados e

828

Ocorre tal ação quando duas partículas quânticas se entrelaçam, de forma que o que acontece com uma afeta

imediatamente a outra, não importando se ambas estivessem em extremos opostos da galáxia.

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condicionantes, preexistentes ou formados pela cultura? Existe a possibilidade de se

identificar com precisão quanto se dá (ou se deveria dar) exatamente o momento de

maturação do sentimento do justo ou o momento de escolha de integração do seu evoluir para

sua aplicação? Onde tal sentimento do justo surge, ou seja, na mente ou no coração metafísico

das pessoas, sede de suas emoções?

São questões como estas que guardam o mistério da existência humana e nos levam a

uma espiritualidade possível em sua existência e influência.

5.4- A espiritualidade pela compaixão- o cuidado e a responsabilidade

Saber-se espiritual ou cultivar a espiritualidade deve ser aqui compreendido no sentido

de nossas preocupações deixarem os estreitos caminhos da individualidade e ousarmos nos

interessar e incomodar com a sorte dos demais companheiros de jornada terrena.

Cultivar a espiritualidade não corre o risco, assim, de ser confundido com confissões

religiosas em seu sentido mais estreito de ritualística e hábitos. Firma-se o ser espiritual como

modo de ser e viver conectado com os demais indivíduos do Planeta e que procura alcançar a

plenitude das relações pelo respeito, consideração e dignificação de todas as relações,

transcendendo o posto, em busca de um pressuposto ideal de convivência pacífica e

proposição de igualdade, liberdade e felicidade, via fraternidade.

Propomos, assim, que na atuação jurídica prática, a espiritualidade seja exercitada

mediante a superação da mera abstração normativa ante a ligação constante entre o

entendimento do justo na historicidade socialmente convivida e sua efetividade consequencial

no mundo real.

Para tanto, os princípios da dignidade, boa-fé829

, confiança, cuidado, responsabilidade,

igualdade e solidariedade se mostram-se sempre necessários como forma de garantir que tal

extensão plasmática do Direito aplicado se mantenha em constante correção de seus vínculos

e rumos e as ligações permaneçam socialmente significativas.

829

Princípio da boa-fé previsto nos arts. 187 e 422 do Código Civil brasileiro. Art. 187- Também comete ato

ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim

econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 422 - Os contratantes são obrigados a guardar,

assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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É, assim, pelo resgate da centralidade das pessoas que se ressalta a importância da

preocupação com o outro, por suas circunstâncias, por sua origem e seu destino, podendo ser

identificado como aplicação do princípio do cuidado.

O cuidado830

é aqui expresso na atitude de desvelo, de bom trato, de atenção, zelo e de

inquietação pelas pessoas, na ação de pensar no outro, na demonstração de interesse e

preocupação. Essa atitude indica a participação no destino dos semelhantes, em suas buscas,

em seus sofrimentos e angústias, aproximando-nos de sua vida até mesmo no

compartilhamento de nossas limitações, sendo tal atuação conjunta fortalecedora de ambos.

Dita aplicação não é apenas aproveitada no plano pessoal, mas possível e desejável

também na área jurídica profissional, como forma de resgate de nossa condição humana,

evitando-se a apática indiferença da tecnicidade processual.

Em igual sentir, entendemos uma faceta do princípio da responsabilidade831

como a

compreensão de que não sabemos tudo sobre tudo e que devemos admitir nossos erros e levar

em conta nossas limitações técnicas e pessoais nas tomadas de decisão.

A certeza e segurança jurídica propostas ensejam, pois, a análise conjunta de tais

dimensões subjetivas alargadas, promovendo-se a segurança jurídica das relações por meio

não mais da imutabilidade ou rigidez acrítica, mas justamente pelo caráter de constante

aprimoramento e (re)estabilização do Direito aplicado em situações humanas concretas

vivenciadas comunitariamente.

É certo que tal expectativa há de ser dilatada pela compreensão de que, em vez da

razão (logos) é o sentimento (pathos) que nos faz sensíveis a tudo o que está em volta, nos

une e envolve com as pessoas.

Tal proposta indica que é passando pela ternura e pela compaixão que estabelecemos a

cidadania ampla e seremos capazes de ver, ouvir e sentir o outro como ser sujeito de Direitos

830

BOFF, Leonardo, Saber Cuidar: ética do humano-compaixão pela Terra, Petrópolis: Editora Vozes,1999. 831

Sobre a busca de uma ética em uma civilização tecnológica, ver JONAS, Hans, O Principio

Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Título original Das Prinzip

Verantworgung: versuch einer ethic für die technologische zivilization, Rio de Janeiro: Contraponto/ ED PUC-

RIO, 2006.

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e de nossos espontâneos deveres, reavendo nossa humanidade mais essencial e renunciando,

no que diz respeito ao acesso à Justiça, à tentação de reduzir o tratamento processual à mera

ocorrência de processos findos a qualquer custo.

Dito exercício processual da espiritualidade pressupõe integração das pessoas com as

outras, no permanente desenvolvimento da sensibilidade responsável, ultrapassando a mera

consulta aos códigos ou manuais de conduta.

Propomos, portanto, que apenas com a assunção voluntária e consciente de seus papéis

sociais complexos e disposição para reaprender a pensar a realidade é que os juízes

conseguirão religar os continentes humanos, fáticos e normativos por meio de decisões

socialmente significativas em uma urdidura conjunta dos destinos solidários.

Tal fato de ordem social e individual concorre para a verificação óbvia de que os fins

humanos do Direito e da Justiça só podem ser obtidos com o incentivo e valorização das

comunhões entre as pessoas diretamente em relação jurídica, seus agentes (mormente juízes) e

os destinatários (partes e Estado).

Para tanto, a aproximação emocional (empatia832

), solidariedade e a hospitalidade

(compaixão) mostram-se condições essenciais para superação de eventuais bloqueios oriundos

de crenças institucionais limitadoras, conseguindo-se ir além de concepções ideológicas

confinantes e possibilitando-se suplantar práticas estatais hostis à integração e eliminar

eventuais conflitos entre a razão e a emoção.

Como se sabe, a compaixão833

, talvez a mais humana das virtudes, se abre ao próximo

sem se deter em ideologia, religião, status social ou diferenças culturais.

É possível entender a compaixão como algo mais adiante da compreensão do modo de

vida, da filosofia e das crenças, bem como um tanto mais além do que a própria empatia, pois,

832

Defendemos claramente que as análises críticas dos comportamentos não são necessariamente transmutadas

em ausência de empatia e desumanização. Na verdade, eventuais distanciamentos só ocorrem quando os

interlocutores não se reconhecem nas relações ou desprezam realidades alheias, o que é aqui veemente

combatido. 833

António R.Damásio tenta esclarecer como fisiologicamente a compaixão ocorre, mas não consegue dizer por

que ocorre. DAMÁSIO, António R., E o cérebro criou o homem. Título original Self comes to mind:

constructing the conscious brain, tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2011,

p.162-165.

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longe de significar pena ou piedade, diz respeito a passar por algo com outra pessoa, sentindo

sua dor e compreendendo, porque vivencia, seu ponto de vista.

Assim, percebemos a compaixão834

como um modo de relacionamento em que o

indivíduo constrói com o outro um patamar superior de respeito mútuo e desejo de felicidade,

na certeza de que somos todos iguais e na aceitação, sem humilhação, das fragilidades e

fraquezas de todos. A compaixão é o amor que atingiu a maioridade e não mais espera que as

pessoas se comportem como santos na Terra, demonstrando a mais pura compreensão que se

possa ter835

.

Agindo sem qualquer barreira ou distância, na convicção de que podemos nos

comunicar em relações genuínas mediante encontros de sentimentos reais, confiança e ternura

recíprocos, atua com a devida compaixão quem acolhe o outro com o calor de um coração

bondoso e procura atender e servir, na medida do possível e autorizado, suas necessidades.

A motivação que guia quem age com a compaixão é justamente anular as indiferenças

e abolir as separações, o que implica assumir a paixão do outro, seu sofrimento, padecimento,

sua solidão e dor, na reunião ativa de procedimentos solidários; e isso sem qualquer reflexão

prévia maior nem argumentação ou discurso, mas pelo simples desejo de ser bom836

.

Atua com a compaixão, seja pessoal ou profissionalmente, quem se dispõe a ir ao

encontro do outro simplesmente por desenvolver a essencial natureza humana compassiva, no

entrelaçamento social inerente à nossa espécie837

.

Cremos que o verdadeiro fundamento humano é ser voltado para o próximo, em

atuação de cooperação, cuidado e respeito, não se identificando com meras manifestações

modernas dos instintos básicos de comer, lutar, fugir e reproduzir, nem se esgotando em

qualquer aplicação de teoria dos jogos de interesses.

834

Ver TORRALBA, Francesc, La Compasión, título original em catalão La compassió, tradução de Ramon

Sala Gili, Lleida: Milenio Publicaciones, 2012. 835

OSHO, Compaixão, o florescimento supremo do amor, título original Compassion, tradução de Denise de

C. Rocha Delela, 2ª edição, São Paulo: Cultrix, 2012, p.15, 16 e 21. 836

Ver AQUINO, Tomás de, A Caridade, a Correção Fraterna e a Esperança – questões disputadas sobre a

virtude, título original Questiones Disputatae De Virtutibus, quaestio 2,3 et 4, tradução de Paulo Faitanin e

Bernardo Veiga, Campinas: Ecclesiae, 2012. 837

BOFF, Leonardo, Princípio de Compaixão e Cuidado, com a colaboração de Werner Müller, edição

original em língua alemã Prinzip Mitgefühl, tradução de Carlos Almeida Pereira, Petrópolis: Vozes, 2001.

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É claro que tais instintos e empenhos básicos existem e são próprios de nosso cérebro

primitivo reptiliano. É sempre bom recordar, no entanto, que possuímos outros componentes

cerebrais superiores que nos permitem refletir sobre o mundo, nós mesmos e os outros, pelo

que não vivemos apenas na base de impulsos.

Buda838

afirmava que a extinção de todas as paixões (nirvana) só seria alcançado pela

meditação sobre quatro atitudes imensuráveis do amor que existe dentro de nós e em tudo, a

saber: maitri , a benevolência expressa no desejo de proporcionar amizade e felicidade a todos

os seres, karuna, a compaixão como forma de libertar todas as criaturas da dor e sofrimento,

mudita, alegria com a felicidade alheia, e upeksha, equanimidade que nos capacita a amar a

todos com igual intensidade e de maneira imparcial.

O iluminado também percebeu que nossos impulsos menos nobres devem ser

reconhecidos, mas controlados e educados pelo redirecionamento das energias para o cultivo

da compaixão, alegria e gratidão na convivência com os outros.

Na verdade, a solidariedade e compaixão sempre fizeram parte de nossas vidas, sendo

certo que as tradições orientais e as três principais religiões monoteístas chegam a conclusões

semelhantes a respeito da nossa natureza e não há qualquer espiritualidade que dispense

altruística preocupação com os outros839

.

O islamismo já indicava em Maomé que ninguém pode ser um crente se não deseja

para seu próximo o que deseja para si mesmo, sendo a misericórdia (hilm) uma virtude

tradicional ao lado da tazakkah, que significa refinamento e generosidade para com o trato do

outro.

O judaísmo rabínico indica a importância da compaixão no estudo e nas interpretações

da Torá, fomentando a inspiração do cuidado com os outros como forma de elevação

espiritual necessária. Afirma-se que o maior princípio da Torá pode ser expresso em ama teu

próximo como a ti mesmo840

, sendo os demais textos meros comentários841

.

838

ARMSTRONG, Karen, 12 passos para uma vida de compaixão, título original Twelve steps to a

Compassionate Life, tradução de Hildegard Feist, São Paulo: Editora Schwrcz, 2012. p.14. 839

ARMSTRONG, Karen, 12 passos para uma vida de compaixão, título original Twelve steps to a

Compassionate Life, tradução de Hildegard Feist, São Paulo: Editora Schwrcz, 2012, p.14 e 43. 840

Sören Kierkegaard indica que esse fecho do mandamento (como a ti mesmo) é a contenção do amor perante o

egoísmo e sua abertura à eternidade e à humanidade inteira, não havendo justificativa limitadora sobre como

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Os cristãos desde sempre acreditam que o maior mandamento de todos é amar a Deus

sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Um patamar superior, no entanto, foi

alcançado, quando Jesus se mostrou preocupado com todos e passou a conviver com os

rejeitados e humilhados, como as prostitutas, leprosos, epilépticos e mesmo com os presos

políticos e traidores.

São numerosos os modelos da cristandade acerca da compaixão, com o testemunho de

que é possível exercitá-la em tudo o que vivemos.

Assim, por exemplo, São Paulo afirmava que devemos imitar Jesus e que a compaixão

é o teste da verdadeira espiritualidade, qualificando nossas ações. Por sua vez, Santo

Agostinho frisou que as escrituras não ensinam nada além da caridade e que qualquer

passagem que pareça pregar o ódio deve ser interpretada de maneira alegórica. São Francisco,

em seu modo arrebatador de amor ao próximo, se colocou a serviço da compaixão, orando

para ser verdadeiro instrumento da paz por meio do perdão, da união, da fidelidade, verdade,

alegria e luz, consolando e compreendendo sempre e se doando por inteiro.

As demonstrações de compaixão fora da religiosidade também são inúmeras e

podemos reconhecê-las cotidianamente, bastando prestar atenção nos atos de candura e

desvelo dos pais e educadores, nas ações de bravura dos bombeiros e policiais que atuam na

proteção de pessoas que sequer conhecem, na abnegação de médicos e enfermeiras nos

hospitais, no trabalho hercúleo das assistentes sociais, na dedicação dos defensores públicos,

nos esforços dos advogados, nas diligências dos membros do Ministério Público e na faina

diária dos juízes ao tentarem fazer o melhor possível em busca da verdade e da justiça.

Parece-nos claro, portanto, que podemos exercitar a compaixão em tudo o que

fazemos, não havendo motivo para excluir tal prática do meio jurídico e judicial. Na verdade,

talvez seja justamente nesse meio que a compaixão deva ser mais intensamente exercida, pois

é nas audiências e nos autos que muito da iniquidade humana é revelada, ao mesmo tempo em

amar o próximo. KIERKEGAARD, Sören, As obras do Amor- algumas considerações cristã em forma de

discursos, título original Kjerlighedens Gjerninger. Nogle christlige Overveielser i Talers Forma af

S.Kierkegaard. Forste Folge. Anden Folge, tradução de Álvaro L.M. Vlls, Revisão de Else Hagelund, 3ª edição,

Petrópolis: Editora Vozes, p.32-33. 841

Conta-se que um pagão prometeu ao sábio Hillel que se converteria caso o sábio conseguisse recitar a Torá

inteira com um pé só. Hillel respondeu: O que é odioso para ti, não faças ao teu semelhante. ARMSTRONG,

Karen, 12 passos para uma vida de compaixão, ob. cit. p.42.

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que a esperança de justiça se faz presente, exigindo a preservação ou restabelecimento da

dignidade porventura maculada.

Cremos ainda que quando lidamos com qualquer questão ou problema com

compaixão, a sinceridade e a boa motivação842

, alcançamos soluções reais, mais amplas e

duradouras, superando as superficialidades dos contentamentos rápidos que nas mais das

vezes se mostram provisórias.

Ademais, a compaixão indica que o outro é qualquer pessoa que precisa de ajuda e

justiça, em qualquer de suas manifestações de carência.

Assim, o outro é todo aquele vitimado pelas conjunturas econômicas, violentado pela

negligência dos governos, abandonado pela indiferença do Estado, esquecido nas sombras da

ignorância, alcançado pelos vícios, atingido por seu destino familiar inicial e afetado pela

inconsciência da sempre ocorrente esperança de uma vida melhor e que vale a pena ser vivida.

A compaixão, portanto, deve versar na forma como tratamos a todos, o que enseja uma

autocrítica constante e adaptação de nossas condutas pessoais e profissionais, também se

alargando a comiseração no exercício do poder por meio das instituições.

Podemos dizer, por fim, que muito do verdadeiro grau de civilização de um povo pode

ser aferido pelo grau de exercício de sua compaixão, como, por exemplo, pela maneira de

tratamento das crianças e idosos, a forma de recepção dos imigrantes pobres e sem

qualificação técnica, a maneira como as pessoas com deficiências físicas ou mentais são

acolhidas, o modo como as pessoas segregadas por causa de sua raça, crença ou origem são

abrigadas, as medidas protetivas aos pobres, excluídos e marginalizados, o tratamento

oferecido aos que precisam de remédios e hospitais, as medidas de proteção ambiental, a

tolerância religiosa, a igualdade de gênero, a escuta comunitária e demais formas de inclusão

social, bem como as condições técnicas e práticas de liberdade e independência dos juízes.

842

LAMA, Dalai, Bondade, Amor e Compaixão, título original Kindness, Clarity, and Insight, segundo a

versão inglesa organizada por Jeffrey Hopkins e Elizabeth Napper, tradução de Cláudia Gerpe Duarte, 4ª edição,

São Paulo: Editora Pensamento, 2006, p.68.

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O novo paradigma institucional aqui sugerido diz respeito à redefinição das relações

jurídicas e judiciais em consonância com tais nortes e aponta para perspectivas mais humanas

e sensíveis das práticas cotidianas nos tribunais.

A recuperação da essência sagrada de todos nós espera a reação ética de estímulo à

humanidade participativa, cooperadora e solidária, tendo como requisito a entrega de si em

serviço ao próximo.

5.5- Os prérrequisitos - servir por meio da sacralização e da fé.

Já tratamos do amor como requisito da formação da sensibilidade nos componentes do

sentimento do justo e agora queremos ressaltar que podemos dar sem amar, mas não podemos

amar sem dar.

E dar significa doar-se em prol de alguém, em benefício de outrem, na recuperação da

irmandade e solidificação da solidariedade.

Tal doação pressupõe a não espera pelo pedido nem o aguardo da súplica, mas a

procura pelos necessitados, no amparo primeiro aos desvalidos pela ajuda precoce aos

abandonados, reconhecimento adiantado aos desprezados, defesa antecipada dos injustiçados

e mesmo evitação de toda iniquidade.

Na verdade, como adiantamos anteriormente, a compreensão dos fatos, pessoas,

normas e valores denota-se limitada quando a cingimos ao nosso discernimento racional,

porquanto tudo deve ser também compreendido emocionalmente e não apenas

intelectualmente.

Paul Ricouer843

, embora indique que nem as circunstâncias da Justiça (como

instituição ou procedimento) nem os seus canais ou argumentos são de amor, revela o

entrelaçamento dos conceitos, surgindo a Justiça como meio necessário para o amor.

843

RICOUER, Paul, Amor e Justiça, título original Amour et justice, tradução de Miguel Serra Pereira, Lisboa:

Edições 70, 2010, p.38.

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Entendendo ser o amor uma realidade supramoral, conclui Paul Ricouer que este só

ocorreria na esfera da vida prática mediante a intervenção da Justiça considerada em seu ideal

de distribuição e igualdade.

Assim, segundo o autor, as ideias de reconhecimento, solidariedade, endividamento

mútuo844

e compaixão podem significar o ponto de equilíbrio, mesmo instável, no horizonte

da dialética (e diálogo, acrescentamos) do amor e da justiça, sendo que todos se dirigem às

ações responsáveis pelo outro845

.

Ademais, se o desejável é uma humanidade participativa, cooperadora e solidária, há

que se garantir inicialmente a Justiça para, depois, oferecer a caridade.

Assim, para se superarem as relações feitas de Direitos e deveres e se conseguir atingir

as relações de gratuidade, misericórdia e comunhão, há antes de tudo que se reconhecer e

respeitar os legítimos Direitos de todos.

Para darmos algo de nós, precisamos antes assegurar que cada um tenha recebido o

que é seu por Justiça, ao oferecer ao outro o que é dele, o que lhe pertence em razão do seu ser

e do seu agir846

.

E esse outro é tanto o próximo já vizinho quanto aquele que se aproxima e aquele

distante de quem devemos nos aproximar, tornando todos visíveis, reconhecidos,

identificados e respeitados.

Cremos que é desse modo que deve agir todo aquele que pretende ser justo e,

principalmente, aqueles que querem ser juristas.

844

Consciência e sentimento de dependência mútua, elevando a ideia de justiça a maior grau de solidariedade. 845

Inevitáveis as percepções de integração do amor e justiça através das palavras de São Paulo em Coríntios 13,

1-7: 1- Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa

ou como o sino que tine. 2- E ainda que tivesse o dom da professia e conhecesse todos os mistérios e toda a

ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. 3-

E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para

ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. 4- O amor é sofredor, é benigno; o amor não é

invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. 5- Não se porta com indecência, não busca os

seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; 6- Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. 7- Tudo

sofre, tudo crê, tudo suporta. 846

Encíclica do Papa Bento XVI, Caridade na Verdade, de 29 de junho de 2009, p.2 e 3. Cf.

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi, acessado em 21 de dezembro de 2013.

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É nesse servir que deve se mover principalmente o juiz, ao apreciar não apenas as

normas, mas fatos e pessoas, não confundindo imparcialidade com indiferença.

É esse o modo desejado de atuação do magistrado com o uso do Direito e à procura da

Justiça: ser pessoa em comunidade de pessoas, realizando obras humanas, renunciando a

letargia pela consciência de seu poder-ser e aceitando a responsabilidade de sua libertação e

do próximo, em ampla e plena comunicação e integração comunitárias, na expressão de sua

humanidade essencial e existência autêntica847

.

É, portanto, romanticamente848

se incomodando e se inquietando com o sofrimento das

pessoas, com suas angústias e seus destinos e compartilhando seus conhecimentos que se

serve ao próximo, conseguindo restabelecer-se a igualdade, a liberdade, a harmonia, confiança

e convivência. Consequentemente, é alcançando a paz que o magistrado realiza a prestação

jurisdicional sensivelmente simétrica e democrática.

A paz é estendida não apenas como a simples ausência de conflito ou mera produção

técnica de acordos entre governos, visando a interesses econômicos.

Na verdade, como bem afirmou a Pastoral da Criança849

, a verdadeira paz é obtida por

via de uma percepção maior de liberdade, mediante a garantia de que todas as pessoas tenham

trabalho, moradia, comida, roupa, educação, saúde, compreensão e amor.

Paz é o exercício da boa qualidade de vida, em clima de harmonia e bem-estar na

comunidade e com respeito ao meio ambiente850

, desenvolvendo-se visão de uma vida plena e

satisfatória no simples exercício do Direito à felicidade; e tudo isso independentemente do

volume e qualidade de consumo, e como meio do encontro com todos com base no amor.

847

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, Digesta – escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua

Metodologia e Outros, vol.1º (O papel do jurista no nosso tempo), Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p.18 e

20. 848

Disse a desembargadora federal Maria Helena Cisne por ocasião de sua posse na presidência do Tribunal

Regional Federal da 2ª região em março de 2011 que "(...) Por seu turno o Juiz da Nova Era, ao abraçar essa

difícil e importante carreira, deve encarar a Justiça de uma forma também romântica, porque o amor deve

permear todas as ações humanas, principalmente as daqueles que se arvoram em juízes dos juízos alheios

(...)".CISNE, Maria Helena, discurso de posse. Revista Justiça & Cidadania, edição nº 129, abril de 2011, Rio de

Janeiro: Editora Justiça & Cidadania, 2011, p.9-11. 849

http://www.pastoraldacrianca.org.br. acessado em 23 de dezembro de 2013. 850

Cf. ROSSI, Padre Marcelo, Ágape, São Paulo: Editora Globo, 2010, p.111/112.

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Estamos novamente falando do amor e compaixão que implicam ações mutuamente

interdependentes de, além do reconhecimento da igualdade do próximo, desenvolver-se

cuidado (atividade em prol de quem se ama), responsabilidade, respeito (conhecimento da

individualidade, ausência de exploração e preocupação com o desenvolvimento pessoal), e

compreensões recíprocas.

Tal qualidade de vida compreende além do respeito aos Direitos, mas também a

prestação jurisdicional sensivelmente correspondente, segura e eficaz.

De igual sorte, é válido assinalar que os juízes e os demais agentes que fazem parte da

Justiça só serão realmente instrumentos dessa verdadeira paz se tiverem como ideal a ser

materializado em suas ações cotidianas, mesmo imperfeitas porque apaixonadas851

, a

distribuição de amor, união, verdade, esperança e fé852

.

Para tanto, a Justiça não pode ser apenas observadora da realidade ou reprodutora de

paradigmas legais.

Mesmo falha porque humana, a prestação jurisdicional humanamente comprometida e

desejada age conscientemente porque sensível, de forma real e profunda, porque sincera e

sagrada, pois atua com fé853

na humanidade, além dos autos e no mundo na busca da

felicidade compartilhada.

851

Escolhemos aqui a palavra paixão para exprimir este aspecto prático, em vez de amor (seja como Philia,

Ágape ou Eros) tendo em vista que a paixão, como a vida, é imperfeita e demanda movimento e sentimentos

intensos na busca da completude da solidão inerente, contando com os conteúdos de padecimento e esperança,

em um revolver de vínculos instáveis e frágeis no constante tecimento de imagens e expectativas de uma vida

plena. Na paixão, a superação do desamparo é seguida de uma estranha força que acompanha o incansável desejo

de preenchimento do espaço potencial (WINNICOTT, Donald W, O Brincar e a Realidade, título original

Playing and Reality, tradução de José Octávio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre, Rio de Janeiro: Imago Editora,

1975) com criatividade e espontaneidade, na construção de novos e impensáveis paradigmas e possibilidades. O

ideal do amor é, pois, vivenciado nas paixões. 852

Registremos que fé aqui não se manifesta, necessária e exclusivamente, como questão religiosa, mas coaduna-

se, no dizer de Erick Fromm, com a convicção enraizada na própria experiência que se tem de pensamento ou

sentimento, traduzindo-se nas qualidades de certeza e firmeza que nossas convicções possuem, com raízes na

atividade produtiva intelectual e emocional. Observa o autor que ter fé requer coragem, capacidade de correr

riscos e a disposição de aceitar mesmo a dor e a decepção. FROMM, Erick, A arte de amar, título original The

art of loving, tradução de Milton Amado, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p.90-98. Fé também pode ser

entendida como abertura ao incompreendido ou incompreensível. 853

Inevitável é reconhecer, abstraindo o componente religioso, a exatidão filosófica da Oração da Paz de São

Francisco. Assim, indica-se à Justiça e aos seus agentes que onde houver ódio que levem o amor; onde houver

discórdia que levem a união; onde houver dúvidas que levem a fé; onde houver erro que levem a verdade; onde

houver desespero que levem a esperança. E que haja consolo ante suas falhas, mas insistência em sua redenção.

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Para tanto, os integrantes do Poder Judiciário e de todas as profissões jurídicas devem

manter uma atitude de constante conversão pela autocrítica, sendo a renovação particular e

íntima essencial.

Neste aspecto, recentemente, o Papa Francisco concitou toda a Cúria Romana a tal

atitude de restauração e revigoramento, com o fito de se curar de todas as doenças internas e

evitar as tentações. Cremos que tudo o que foi dito se aplica integralmente aos membros do

Poder Judiciário e profissões inerentes à Justiça854

.

854

Destaque-se, pela relevância do exemplo, o discurso do Papa Francisco, no encontro com os cardeais e

colaboradores da Cúria Romana para a troca de bons votos de natal, em 22 de dezembro de 2014, cuja

reprodução aqui fazemos questão de realizar, malgrado a extensão, por sua significativa importância histórica:

“A Cúria Romana e o Corpo de Cristo. Queridos irmãos, No final do Advento, encontramo-nos para as

tradicionais saudações de Boas Festas. Dentro de alguns dias, teremos a alegria de celebrar o Natal do Senhor; o

acontecimento de Deus que Se fez homem, para salvar os homens; a manifestação do amor de Deus que não Se

limita a dar-nos alguma coisa nem a enviar-nos qualquer mensagem ou determinados mensageiros, mas dá-Se

Ele mesmo a nós; o mistério de Deus que toma sobre Si a nossa condição humana e os nossos pecados para nos

revelar a sua Vida divina, a sua graça imensa e o seu perdão gratuito. É o encontro com Deus, que nasce na

pobreza da gruta de Belém, para nos ensinar a força da humildade. Na verdade, o Natal é também a festa da luz

que não é aceite pelo povo «eleito», mas foi-o pelas pessoas pobres e simples que esperavam a salvação do

Senhor.

Antes de mais nada, quero desejar a todos vós – colaboradores, irmãos e irmãs, Representantes Pontifícios

espalhados pelo mundo – e a todos os vossos queridos um Santo Natal e um Ano Novo feliz. Desejo agradecer-

vos cordialmente pelo vosso empenho diário ao serviço da Santa Sé, da Igreja Católica, das Igrejas Particulares e

do Sucessor de Pedro.

Uma vez que somos pessoas e não números ou meros nomes, recordo de maneira particular quantos, durante este

ano, terminaram o seu serviço por razões de idade, por ter assumido outras funções, ou porque foram chamados

para a Casa do Pai. Penso também em todos eles e nos seus familiares e exprimo-lhes a minha gratidão.

Desejo, juntamente convosco, elevar ao Senhor um vivo e sentido agradecimento pelo ano que está para nos

deixar, pelos acontecimentos vividos e por todo o bem que Ele quis generosamente realizar através do serviço da

Santa Sé, pedindo-Lhe humildemente perdão pelas falhas cometidas «por pensamentos e palavras, actos e

omissões».

E, partindo precisamente deste pedido de perdão, queria que este nosso encontro e as reflexões que partilharei

convosco se tornassem, para todos nós, apoio e estímulo para um verdadeiro exame de consciência que prepare o

nosso coração para o Santo Natal.

Quando pensava neste nosso encontro, veio-me à ideia a imagem da Igreja como o Corpo Místico de Jesus

Cristo. É uma expressão que, como explicou o Papa Pio XII, «deriva e quase brota daquilo que aparece com

frequência exposto na Sagrada Escritura e nos Santos Padres». A propósito, São Paulo deixou escrito: «Pois,

como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, constituem

um só corpo, assim também Cristo» (1 Cor 12, 12).

Neste sentido, o Concílio Vaticano II lembra-nos que, «na edificação do Corpo de Cristo, existe diversidade de

membros e de funções. É um mesmo Espírito que distribui os seus vários dons segundo a sua riqueza e as

necessidades dos ministérios para utilidade da Igreja (cf. 1 Cor 12, 1-11). Por isso, «Cristo e a Igreja são o

“Cristo total” (Christus totus). A Igreja é una com Cristo».

Faz-nos bem pensar na Cúria Romana como um pequeno modelo da Igreja, isto é, como um «corpo» que

procura, séria e diariamente, ser mais vivo, mais saudável, mais harmonioso e mais unido em si mesmo e com

Cristo.

Na realidade, a Cúria Romana é um corpo complexo, formado por muitos Dicastérios, Conselhos,

Departamentos, Tribunais, Comissões e por numerosos elementos que não têm todos a mesma tarefa, mas estão

coordenados em ordem a um funcionamento eficaz, edificante, disciplinado e exemplar, não obstante as

diferenças culturais, linguísticas e nacionais dos seus membros.

Entretanto, sendo a Cúria um corpo dinâmico, não pode viver sem se alimentar e tratar. Com efeito, a Cúria – tal

como a Igreja – não pode viver sem manter uma relação vital, pessoal, autêntica e sólida com Cristo. Um

membro da Cúria que não se alimente diariamente com semelhante Alimento tornar-se-á um burocrata (um

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formalista, um funcionalista, um mero funcionário): um ramo que pouco a pouco seca e morre e é lançado fora.

A oração diária, a participação assídua nos sacramentos, especialmente na Eucaristia e na Reconciliação, o

contacto diário com a Palavra de Deus e a espiritualidade traduzida em caridade vivida são o alimento vital para

cada um de nós. Seja claro para todos nós que, sem Ele, nada poderemos fazer (cf. Jo 15, 5).

Em consequência, o relacionamento vivo com Deus alimenta e fortalece também a comunhão com os outros, isto

é, quanto mais estivermos intimamente unidos a Deus, tanto mais estaremos unidos entre nós, porque o Espírito

de Deus une e o espírito do maligno divide.

A Cúria é chamada a melhorar, a melhorar sempre, crescendo em comunhão, santidade e sabedoria para realizar

plenamente a sua missão. No entanto ela, como qualquer corpo, como todo o corpo humano, está sujeita também

às doenças, ao mau funcionamento, à enfermidade. E aqui gostava de mencionar algumas destas prováveis

doenças, doenças curiais: as doenças mais habituais na nossa vida de Cúria. São doenças e tentações que

enfraquecem o nosso serviço ao Senhor. Creio que nos ajudará ter o «catálogo» das doenças – na esteira dos

Padres do deserto, que faziam tais catálogos – de que falamos hoje: ajudar-nos-á a preparar-nos para o

sacramento da Reconciliação, que constituirá, para todos nós, um bom passo a fim de nos prepararmos para o

Natal.

1. A doença de sentir-se «imortal», «imune» ou mesmo «indispensável», descuidando os controles habitualmente

necessários. Uma Cúria que não se auto-critica, não se atualiza, nem procura melhorar é um corpo enfermo. Uma

normal visita ao cemitério poder-nos-ia ajudar a ver os nomes de tantas pessoas, algumas das quais talvez

pensassem que eram imortais, imunes e indispensáveis! É a doença do rico insensato do Evangelho, que pensava

viver eternamente (cf. Lc 12, 13-21), e também daqueles que se transformam em patrões, sentindo-se superiores

a todos e não ao serviço de todos. Tal doença deriva muitas vezes da patologia do poder, do «complexo dos

Eleitos», do narcisismo que se apaixona pela própria imagem e não vê a imagem de Deus gravada no rosto dos

outros, especialmente dos mais frágeis e necessitados. O antídoto para esta epidemia é a graça de nos sentirmos

pecadores e dizer com todo o coração: «Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer» (Lc 17, 10).

2. A doença do «martismo» (que vem de Marta), da atividade excessiva, ou seja, daqueles que mergulham no

trabalho, negligenciando inevitavelmente «a melhor parte»: sentar-se aos pés de Jesus (cf. Lc 10, 38-42). Por

isso, Jesus convidou os seus discípulos a «descansar um pouco» (cf. Mc 6, 31), porque descuidar o descanso

necessário leva ao estresse e à agitação. O tempo do repouso, para quem levou a cabo a sua missão, é necessário,

obrigatório e deve ser vivido seriamente: passar algum tempo com os familiares e respeitar as férias como

momentos de recarga espiritual e física; é preciso aprender o que ensina Coélet: «Para tudo há um momento e

um tempo para cada coisa» (3,1).

3. Há também a doença do «empedernimento» mental e espiritual, ou seja, daqueles que possuem um coração de

pedra e uma «cerviz dura» (Act 7, 51); daqueles que, à medida que vão caminhando, perdem a serenidade

interior, a vivacidade e a ousadia e escondem-se sob os papéis, tornando-se «máquinas de práticas» e não

«homens de Deus» (cf. Heb 3, 12). É perigoso perder a sensibilidade humana, necessária para nos fazer chorar

com os que choram e alegrar-nos com os que estão alegres! É a doença daqueles que perdem «os sentimentos de

Jesus» (cf. Flp 2, 5-11), porque o seu coração, com o passar do tempo, se endurece tornando-se incapaz de amar

incondicionalmente o Pai e o próximo (cf. Mt 22, 34-40). De fato, ser cristão significa «ter os mesmos

sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Flp 2, 5), sentimentos de humildade e doação, desprendimento e

generosidade.

4. A doença da planificação excessiva e do funcionalismo. Quando o apóstolo planifica tudo minuciosamente e

julga que, se fizer uma planificação perfeita, as coisas avançam efetivamente, torna-se um contabilista ou

comercialista. É necessário preparar tudo bem, mas sem nunca cair na tentação de querer conter e pilotar a

liberdade do Espírito Santo, que sempre permanece maior e mais generosa do que toda a planificação humana

(cf. Jo 3, 8). Cai-se nesta doença, porque «é sempre mais fácil e confortável acomodar-se nas próprias posições

estáticas e inalteradas. Na realidade, a Igreja mostra-se fiel ao Espírito Santo na medida em que põe de lado a

pretensão de regular e domesticar – domesticar o Espírito Santo! – (…) Ele é frescor, criatividade, novidade».

5. A doença da má coordenação. Quando os membros perdem a sincronização entre eles e o corpo perde o seu

harmonioso funcionamento e a sua temperança, tornando-se uma orquestra que produz ruído, porque os seus

membros não colaboram e não vivem o espírito de comunhão e de equipe. Quando o pé diz ao braço: «Não

preciso de ti»; ou a mão à cabeça: «Mando eu», causando assim mal-estar e escândalo.

6. Há também a doença do «alzheimer espiritual», ou seja, o esquecimento da «história da salvação», da história

pessoal com o Senhor, do «primitivo amor» (Ap 2, 4). Trata-se de um progressivo declínio das faculdades

espirituais, que, num período mais ou menos longo de tempo, causa grave deficiência à pessoa, tornando-a

incapaz de exercer qualquer atividade autônoma, vivendo num estado de absoluta dependência dos seus pontos

de vista frequentemente imaginários. Vemo-lo naqueles que perderam a memória do seu encontro com o Senhor;

naqueles que não fazem o sentido deuteronómico da vida; naqueles que dependem completamente do seu

presente, das suas paixões, caprichos e manias; naqueles que constroem em torno de si muros e costumes,

tornando-se cada vez mais escravos dos ídolos que esculpiram com as suas próprias mãos.

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7. A doença da rivalidade e da vanglória. Quando a aparência, as cores das vestes e as insígnias de honra se

tornam o objectivo primário da vida, esquecendo as palavras de São Paulo: «Nada façais por ambição, nem por

vaidade; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em vista os

próprios interesses, mas todos e cada um exatamente os interesses dos outros» (Flp 2, 3-4). É a doença que nos

leva a ser homens e mulheres falsos e a viver um falso «misticismo» e um falso «quietismo». O próprio São

Paulo define-os «inimigos da cruz de Cristo», porque «gloriam-se da sua vergonha, esses que estão presos às

coisas da terra» (Flp 3, 18.19).

8. A doença da esquizofrenia existencial. É a doença daqueles que vivem uma vida dupla, fruto da hipocrisia

típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que nem doutoramentos nem títulos acadêmicos podem

preencher. Uma doença que acomete frequentemente aqueles que, abandonando o serviço pastoral, se limitam às

questões burocráticas, perdendo assim o contacto com a realidade, com as pessoas concretas. Deste modo criam

um mundo paralelo seu, onde põem de lado tudo o que ensinam severamente aos outros e começam a viver uma

vida escondida e muitas vezes dissoluta. A conversão é muito urgente e indispensável para esta gravíssima

doença (cf. Lc 15, 11-32).

9. A doença das bisbilhotices, das murmurações e das críticas. Desta doença, já falei muitas vezes, mas nunca é

demais. Trata-se de uma doença grave, que começa de forma simples, talvez por duas bisbilhotices apenas, e

acaba por se apoderar da pessoa fazendo dela uma «semeadora de cizânia» (como satanás) e, em muitos casos,

«homicida a sangue frio» da fama dos próprios colegas e confrades. É a doença das pessoas velhacas que, não

tendo a coragem de dizer diretamente, falam pelas costas. São Paulo adverte-nos: «Fazei tudo sem murmurações

nem discussões, para serdes irrepreensíveis e íntegros» (Flp 2, 14-15). Irmãos, livremo-nos do terrorismo das

bisbilhotices!

10. A doença de divinizar os líderes: é a doença daqueles que fazem a corte aos Superiores, na esperança de

obter a sua benevolência. São vítimas do carreirismo e do oportunismo, honram as pessoas e não Deus (cf. Mt

23, 8-12). São pessoas que vivem o serviço, pensando unicamente no que devem obter e não no que devem dar.

Pessoas mesquinhas, infelizes e movidas apenas pelo seu egoísmo fatal (cf. Gal 5, 16-25). Esta doença poderia

atingir também os Superiores, quando fazem a corte a algum dos seus colaboradores para obter a sua submissão,

lealdade e dependência psicológica, mas o resultado final é uma verdadeira cumplicidade.

11. A doença da indiferença para com os outros. Quando cada um só pensa em si mesmo e perde a sinceridade e

o calor das relações humanas. Quando o mais experiente não coloca o seu conhecimento ao serviço dos colegas

menos experientes. Quando se teve conhecimento de alguma coisa e guarda-se para si mesmo em vez de a

compartilhar positivamente com os outros. Quando, por ciúmes ou por astúcia, se sente alegria ao ver o outro

cair, em vez de o levantar e encorajar.

12. A doença da cara fúnebre, ou seja, das pessoas rudes e amargas que consideram que, para se ser sério, é

preciso pintar o rosto de melancolia, de severidade e tratar os outros – sobretudo aqueles considerados inferiores

– com rigidez, dureza e arrogância. Na realidade, muitas vezes, a severidade teatral e o pessimismo estéril são

sintomas de medo e insegurança de si mesmo. O apóstolo deve esforçar-se por ser uma pessoa gentil, serena,

entusiasta e alegre, que transmite alegria onde quer que esteja. Um coração cheio de Deus é um coração feliz que

irradia e contagia com a alegria todos aqueles que estão ao seu redor: disso nos damos conta imediatamente!

Assim, não percamos aquele espírito jubiloso, bem-humorado e até auto-ironico, que faz de nós pessoas amáveis,

mesmo nas situações difíceis. Quanto bem nos faz uma boa dose de são humorismo! Far-nos-á muito bem recitar

frequentemente a oração de São Tomás More. Eu rezo-a todos os dias; faz-me bem!

13. A doença do acumular, ou seja, quando o apóstolo procura preencher um vazio existencial no seu coração

acumulando bens materiais, não por necessidade, mas apenas para se sentir seguro. Na realidade, nada de

material poderemos levar conosco, porque «a mortalha não tem bolsos» e todos os nossos tesouros terrenos –

mesmo que sejam presentes – não poderão jamais preencher aquele vazio, antes torná-lo-ão cada vez mais

exigente e profundo. A estas pessoas, o Senhor repete: «Dizes: “Sou rico, enriqueci e nada me falta” – e não te

dás conta de que és um infeliz, um miserável, um pobre, um cego, um nu (...). Sê, pois, zeloso e arrepende-te»

(Ap 3, 17.19). A acumulação apenas torna pesado e retarda inexoravelmente o caminho! Vem-me ao pensamento

uma anedota: Outrora os jesuítas espanhóis descreviam a Companhia de Jesus como a «cavalaria ligeira da

Igreja». Lembro-me de um jovem jesuíta que mudava de casa e, ao carregar num caminhão os seus muitos

haveres: malas, livros, objetos e presentes, ouviu um velho jesuíta, que o estava a observar, dizer para ele, com

um sorriso sábio: E esta seria a «cavalaria ligeira da Igreja»? As coisas que transportamos são um sinal desta

doença.

14. A doença dos círculos fechados, onde a pertença ao grupo se torna mais forte que a pertença ao Corpo e,

nalgumas situações, ao próprio Cristo. Também esta doença começa sempre com boas intenções, mas, com o

passar do tempo, escraviza os membros tornando-se um cancro que ameaça a harmonia do Corpo e causa um mal

imenso – escândalos – especialmente aos nossos irmãos mais pequeninos. A auto-destruição ou o «fogo amigo»

dos companheiros de armas é o perigo mais insidioso. É o mal que fere a partir de dentro; e, como diz Cristo,

«todo o reino dividido contra si mesmo será devastado» (Lc 11, 17).

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424

Cremos, pois, que a fé-fidelidade que pode nos conduzir à transformação da sociedade

em algo melhor e mais justo é a fé na humanidade, baseada na convicção de sua possível

santificação a cada dia.

Cremos essencialmente que podemos realizar todo projeto que nos eleve a todos,

transportando-nos a realidades mais solidariamente comprometidas e socialmente

responsáveis.

15. E a última: a doença do lucro mundano, dos exibicionismos, quando o apóstolo transforma o seu serviço em

poder, e o seu poder em mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poder. É a doença das pessoas que

procuram insaciavelmente multiplicar o seu poder e, para isso, são capazes de caluniar, difamar e desacreditar os

outros, inclusive nos jornais e revistas; naturalmente para se exibir e demonstrar-se mais capazes do que os

outros. Também esta doença faz muito mal ao Corpo, porque leva as pessoas a justificar o uso de todo e qualquer

meio contanto que alcancem tal fim, muitas vezes em nome da justiça e da transparência! Isto faz-me recordar

um sacerdote que chamava os jornalistas para lhes contar – e inventar – coisas privadas e confidenciais dos seus

confrades e paroquianos. Para ele, contava apenas aparecer nas primeiras páginas, porque deste modo sentia-se

«forte e fascinante», causando tanto mal aos outros e à Igreja. Coitado!

Irmãos, naturalmente todas estas doenças e tentações são um perigo para todo o cristão e para cada cúria,

comunidade, congregação, paróquia, movimento eclesial, e podem atingir seja a nível individual seja

comunitário.

É preciso deixar claro que o único que pode curar qualquer uma destas doenças é o Espírito Santo, a alma do

Corpo Místico de Cristo, como afirma o Credo Niceno-Constantinopolitano: «Creio no Espírito Santo, Senhor

que dá a vida». É o Espírito Santo que sustenta todo o esforço sincero de purificação e toda a boa vontade de

conversão. É Ele que nos faz compreender que cada membro toma parte na santificação do Corpo e no seu

enfraquecimento. É Ele o promotor da harmonia. «Ipse harmonia est»: diz São Basílio. E Santo Agostinho

observa: «Enquanto uma parte adere ao corpo, a sua cura não é impossível; pelo contrário, o que foi cortado, não

pode ser tratado nem curado».

A cura é fruto também da conscientização da doença e da decisão pessoal e comunitária de se curar suportando,

com paciência e perseverança, o tratamento.

Portanto, chamados – neste período de Natal e durante todo o tempo do nosso serviço e da nossa existência – a

viver segundo «a verdade no amor, cresceremos em tudo para Aquele que é a cabeça, Cristo. É a partir d’Ele que

o Corpo inteiro, bem ajustado e unido, por meio de toda a espécie de articulações que o sustentam, segundo uma

força à medida de cada uma das partes, realiza o seu crescimento como Corpo, para se construir a si próprio no

amor» (Ef 4, 15-16).

Queridos irmãos!

Li uma vez que os sacerdotes são como os aviões: são notícia apenas quando caem, mas há tantos que voam.

Muitos criticam e poucos rezam por eles. É uma frase simpática mas também muito verdadeira, porque esboça a

importância e a delicadeza do nosso serviço sacerdotal e o grande mal que um só sacerdote que «cai» pode

causar a todo o corpo da Igreja.

Assim, para não cair nestes dias em que nos preparamos para a Confissão, peçamos à Virgem Maria, Mãe de

Deus e Mãe da Igreja, que cure as feridas do pecado que cada um de nós traz no seu coração e que sustente a

Igreja e a Cúria a fim de serem sãs e sanadoras, santas e santificadoras, para glória do seu Filho e para a salvação

nossa e do mundo inteiro. Peçamos-Lhe que nos faça amar a Igreja como Cristo, seu Filho e nosso Senhor, a

amou e que tenhamos a coragem de nos reconhecer pecadores e necessitados da sua Misericórdia e que não

tenhamos medo de deixar a nossa mão entre as suas mãos maternas.

Formulo os melhores votos de um Santo Natal para todos vós, vossas famílias e vossos colaboradores. E, por

favor, não vos esqueçais de rezar por mim! Do fundo do coração, obrigado!”.

PAPA FRANCISCO, Encontro com os cardeais e colaboradores da Cúria Romana para a troca de bons votos de

natal,em 22 de dezembro de 2014, disponível em

http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/december/documents/papa-francesco_20141222_curia-

romana.html, acessado em 27 de dezembro de 2014.

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425

Acreditamos que esse tipo de fé855

é fundamental para ultrapassarmos qualquer

aparente barreira política, ideológica, econômica, geográfica ou de mercado.

É essa qualificação de fé indispensável à superação dos egoísmos globalmente

incentivados e que nos capacita a triunfar sobre doutrinas utilitaristas e interesses

individualistas ao fazer prevalecer o cuidado mútuo.

Cremos que tal se dá de forma intensa e revolucionária pela adoção do sagrado856

no

outro.

Indica Hans Joas857

que a origem dos Direitos Humanos, bem como sua continuada

disseminação e intensificação de adesão decorre de um progresso não linear de compreensão e

proteção cada vez mais profundas e universais da dignidade da pessoa humana, nem sempre

relacionadas com alguma tradição religiosa, pelo que estamos cientes de que toda modificação

de pensamento e abordagem sofre fluxos e refluxos, mas mesmo assim avançamos.

O sagrado não significa apenas o oposto ao profano, mas se refere a aquilo pelo qual

estamos dispostos a nos sacrificar, assim como tudo pelo que arriscaríamos nossas vidas.

A proposta aqui apresentada é justamente na sacralização das pessoas todas,

independentemente de credo, gênero, raça, origem, condição ou situação, de maneira a

orientar o sentido teórico e prático da Justiça e do Direito858

.

855

Observe-se que nas faculdades e academias a fé pode ser fortalecida, mas apenas no ambiente jurisdicional,

seja oficial ou não, dita fé é manifestada. Assim, fortalece-se a fé com o estudo e as reflexões acadêmicas e

manifesta-se tal fé na prática jurisdicional. 856

O termo "sagrado" é aqui utilizado também como despido das noções místicas, excludentes, intocáveis,

incompreensíveis ou relativas a respeito profundo e irrefletido ou ao absoluto, mas na percepção da importância

transcendente de todos nós, superando-se a indiferença com o outro e conjugando-se o encontro dialógico

igualitário, mediante processo de sensibilização profunda. A adoção do sagrado no outro é, pois, dotar as

instituições, seus agentes e práticas do humanismo do amor. 857

JOAS, Hans, A Sacralidade da Pessoa- nova genealogia dos direitos humanos, título original Die

Sakralität der Person: Eine neve Genealogie der Menschenrechte, tradução de Nélio Schneider, São Paulo:

Editora Unesp, 2012. 858

Émile Durkheim foi o primeiro, em termos sociológicos, a referir-se à sacralidade das pessoas. Disse o autor:

"(...) Essa pessoa humana, cuja definição é como a pedra-de-toque a partir da qual o bem deve se distinguir do

mal, é considerada como sagrada, como se diz, no sentido ritual da palavra. Ela tem algo dessa majestade

transcendente que as Igrejas de todos os tempos emprestam aos seus Deuses; é concebida como investida dessa

propriedade misteriosa que produz vazio em volta das coisas santas, que as subtrai aos contatos vulgares e as

retira da circulação comum. E é precisamente daí que vem o respeito da qual faz objeto. Quem quer que atente

contra a uma vida de um homem, à liberdade de um homem, à honra de um homem, nos inspira um sentimento

de horror, análogo àquele sentido pelo crente que vê profanarem seu ídolo. Uma moral desse tipo não é

simplesmente uma disciplina higiênica ou uma sábia economia da existência; é uma religião na qual o homem é,

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Sacralizar o outro é a condição que nos faz interessar por ele para servi-lo, por este

outro, próximo ou distante, visto ou nas sombras, reconhecido ou desprezado, que é também

parte de nós.

Tal concepção atinge criticamente os projetos políticos e atuações estatais, com as

consequentes influências nos posicionamentos jurisdicionais ante eventuais questionamentos

de opções administrativas ligadas à vida coletiva, sobretudo às políticas públicas que digam

respeito a populações carentes, meio ambiente, habitação, saúde, educação, emprego e

liberdade, além de afetar as concepções do que é necessário sacrificar agora visando

beneficiar gerações futuras.

Não negamos a triste realidade que ainda nos acompanha, quando o egoísmo, a

violência, a intolerância e a injustiça se apresentam cotidianamente no mundo e que legiões de

pessoas, homens, mulheres e crianças sofrem atualmente os efeitos de tais distanciamentos do

sagrado.

Propomos, porém, justamente reagir a tal situação, recuperando nossa identidade mais

elevada e intensificando nossas sensibilidades e atuações na direção de sacralizar todas as

ao mesmo tempo, o fiel e o Deus.. (...) Essa religião da humanidade tem tudo que necessita para falar aos seus

fiéis em um tom não menos imperativo que as religiões que ela substitui. Em vez de se limitar a bajular nossos

instintos, nos incumbe um ideal que excede infinitamente a natureza; pois nós não somos naturalmente essa

sabedoria e pura razão que, livre de qualquer motivo pessoal, legislaria no abstrato sobre sua própria conduta.

Sem dúvida, se a dignidade do indivíduo proviesse de suas constituições individuais, das particularidades que o

distinguem de outrem, poder-se-ia temer que ele se tranque em uma espécie de egoísmo moral que tornaria

impossível qualquer solidariedade. Mas, na realidade, ele a recebe de uma fonte mais alta e comum a todos os

homens. Se tem direito a esse respeito religioso, é porque tem em si algo da humanidade. É a humanidade que é

respeitável e sagrada; ora, não está toda nele. Ela está dispersa em todos seus semelhantes; assim, ele não pode

tomá-la como finalidade de sua conduta sem ser obrigado a sair de si mesmo e a se dispersar para fora. O culto

do qual ele é, ao mesmo tempo, e objeto e agente, não se dirige ao ser particular que ele é e que carrega seu

nome, mas à pessoa humana, onde quer que ela se encontre, sob qualquer forma que se personifique. Impessoal e

anônimo, tal propósito paira, portanto, bem acima de todas as consciências particulares e pode assim servir-lhes

de centro de encontro. (sublinhamos) (...) Em definitivo, o indivíduo assim entendido, é a glorificação, não do

eu, mas do indivíduo em geral. Tem por incumbência, não o egoísmo, mas a simpatia para tudo que é homem,

uma piedade mais ampla para todas as dores, para todas as misérias humanas, uma ardente necessidade de

combatê-las e de suavizá-las, uma sede maior de justiça (...). Uma religião que tolera os sacrilégios abdica

qualquer império sobre as consciências. A religião do indivíduo não pode, portanto, deixar-se ultrajar sem

resistência, pois corre o risco de arruinar seu crédito; e como constitui o único laço que nos liga uns aos outros,

uma fraqueza desse gênero não pode dissociar-se de um início de dissolução social. Assim, o individualista, que

defende os direitos do indivíduo, defende ao mesmo tempo os interesses vitais da sociedade; pois impede que se

empobreça de forma criminosa essa última reserva de ideias e de sentimentos coletivos que constituem a própria

alma da nação (...)". DURKHEIM, Émile, artigo O individualismo e os intelectuais, título original

L’individualisme et les intellectuels, publicado originalmente em Revue Blue, 4e série, t. X, 1898, p.7-13,

publicado na Revista de Direito do Cesusc, n. 2, jan/2007, p.299-311, passagem às fls. 03, 05.07 e 09 disponível

em http://virtual.cesusc.edu.br/portal/externo/revistas/index.php/direito/article/viewFile/98/88, acessado em 17

de fevereiro de 2015.

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dimensões da vida humana, incomodando-nos ainda mais fortemente com o destino de todas

as pessoas, principalmente aquelas com as quais o destino nos colocou frente a frente e que

requerem atenção imediata.

O embasamento desta nova maneira de encarar o humanitarismo, sem dúvida, não é

senão o reforço da fórmula canônica de não fazer ao outro o que não gostaríamos que

fizessem conosco859

e sua expressão corolária de não deixar que se faça com o outro o que

não gostaríamos que fizessem conosco860

.

Esse comportamento, no entanto, nada tem de egoísta ou qualquer cunho negocial, no

sentido de não fazer algo apenas para não ser prejudicado em contrapartida. Na verdade,

significa que, compreendendo a dor do outro, modificamos nossas ações e redefinimos

prioridades, passando a nos comportar de maneira mais consciente e sensível no serviço a que

nos dispomos.

Admitemos, assim, o fato de que tal modo de perceber o outro e o mundo aproxima-se

da tarefa do teólogo, que estuda todas as coisas à luz do sagrado, na perspectiva da luz divina

compartilhada.

Aqui não desenvolvemos, é claro, apenas aspectos de alguma racionalidade puramente

prática, mas verdadeiramente ingressamos no universo da empatia, solidariedade e compaixão

em suas dimensões práticas mais efetivas, pelo que os críticos podem afirmar que tais

concepções indicam a pretensão de sermos e nos comportamos como santos.

E isto é realmente verdade. Temos todos a vocação para a santidade861

.

Convém deixar claro, no entanto, o fato de que santidade não é sinônimo de perfeição,

mas sim de fidelidade ao Deus que está em nós e no próximo e à nossa própria vocação de

859

Aparentemente quem primeiro formulou tal “regra de ouro” foi o sábio chinês Confúcio (551-479 a.C).

ARMSTRONG, Karen, 12 passos para uma vida de compaixão, título original Twelve steps to a

Compassionate Life, tradução de Hildegard Feist, São Paulo: Editora Schwrcz, 2012, p.13. 860

FERRY, Luc, Do Amor- uma filosofia pra o século XXI, título original De l’amour: une philosofie pour Le

XXI siècle, tradução de Rejane Janowitzer, Rio de Janeiro: Difel, 2013, p.88. 861

Sören Kierkegaard afirma que, como o cristianismo quer impregnar tudo com a relação da consciência e o

amor, é uma questão de consciência que deve proceder de um coração puro e de uma fé sincera, pode-se dizer

que os cristãos formam um povo de sacerdotes. KIERKEGAARD, Sören,ob.cit. p.160, 163 e 175.

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sermos os melhores seres humanos que possamos ser, apesar de nossa dimensão terrena, para

podermos servir melhor.

Santificar-se pressupõe, assim, a consagração de nossas atitudes em direção ao outro e

em benefício deste, sendo certo que tal perspectiva tem como pressuposto o conhecimento de

maneira sensivelmente crítica e não ingênua da realidade.

É, pois, o amor pela humanidade inteira e a procura pelo bem comum que nos faz

identificadores e conhecedores das intimidades e carências, dos diálogos interrompidos e das

circunstâncias por vezes mudas das partes até então invisíveis no caso judicial concreto.

É a solidariedade e a caridade, frutos do amor em ação, que geram responsabilidade e

compromissos com todos.

É com base em tais pressupostos que nos unimos com os ainda dissociados, com os à

margem de suas potencialidades, com os esquecidos em seus Direitos, maltratados em suas

injustiças e invisíveis em sua humanidade.

É esse o princípio de solicitude consistente em ter cuidado e carinho por um outro e pelos

outros, como diz Paul Ricoeur862, que designa a relação originária do si com o diverso de si e

implica o viver bem consigo e com os demais.

Defendemos, pois, a ideia de ser esse o princípio a ser seguido tanto nas microrrelações

estabelecidas entre amigos e familiares, como nas macrorrelações, aí incluídos os

relacionamentos sociais, econômicos, políticos e jurídicos e que pode nos trazer a felicidade

de ser e viver como um justo.

5.6- Como se reconhece um justo?

As escolhas foram feitas com base nas percepções advindas das análises profundas dos

fatos, valores, normas e pessoas, por meio de um estado de ser dinâmico, com emprego da

sensibilidade e seus componentes afetivos, empáticos, amorosos e de solidariedade e

862

RICOEUR, Paul, O si-mesmo como um outro, título original Soi-même comme un autre,tradução de Lucy

Moreira César, Campinas: Editora Papirus, 1991, p.212.

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compaixão, ensejando uma interpretação criativa posta em atividade por meio de escolhas

temperadas nas dimensões culturais e éticas de uma pessoa humana envolta ao mesmo tempo

com suas sombras e tendências à sacralização.

É sabido, porém, que até mesmo um ímpio pode simular um ato de bondade e justiça.

O que então poderíamos dizer que caracteriza uma pessoa justa? E qual seria, pois e no

dizer de J. G. Fichte863

, a vocação do sábio?

Cremos que o justo é reconhecido pelo constante desenvolvimento e aplicação

cotidiana das virtudes, sendo pelo seu fortalecimento que se pode fomentar uma aproximação

às sensibilidades sociais necessárias às formas mais elevadas de justiça.

A densificação das virtudes, com as bases na empatia e compaixão, na percepção

solidária de cada ser como manifestação de valor a ser respeitado, pode, assim, ensejar a

superação da nossa condição de meros pecadores que tentam suplantar as próprias tentações

mundanas para nos tornarmos heróis de nós mesmos, no resgate do contato com nossa origem

divinal.

Tendo em vista não ser a oportunidade de traçarmos comentários mais alongados a

respeito de quais virtudes devam ser intensificadas, sabedores que somos da dificuldade de

identificarmos quais devam prevalecer conforme as circunstâncias temporais, espaciais e

humanas vivenciadas, optamos por resumir as atitudes desejadas de um justo em cinco

preceitos gerais adaptáveis a cada situação concreta, até porque se não há verdadeiramente

valores universais isentos de questionamentos e ajustes, cremos poder dizer que há interesses

comuns.

Na verdade, os preceitos indicados acomodam-se no aspecto filosófico do karatê

moderno estilo Shotokan criado pelo Mestre Gichin Funakoshi864

, constituindo-se os lemas

(Dojo kun) de referida arte marcial.

863

FICHTE, J.G, Lições sobre A Vocação do Sábio, seguido de Reivindicação da Liberdade de Pensamento,

título original Einige Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehten e Zurückforderung der Denkfreiheit,

tradução de Artur Morão, Lisboa : Edições 70, 1999. 864

FUNAKOSHI, Gichin, Karatê-Dó- O meu modo de vida, título original Karate-dó- My way of life,

tradução de Euclides Luiz Calloni, São Paulo: Cultrix, 1980. FUNAKOSHI, Gichin, NAKASONE, Genwa, Os

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Assim, deve o justo "Esforçar-se para a perfeição do caráter", ou seja, desenvolver sua

educação inicial em contato com sua cultura, valores e padrões de comportamento aceitos,

mas sempre acompanhado de constante autocrítica e investimento nas revisões de pontos de

vista com o intuito de alcançar maior compreensão da realidade e seus diversos matizes.

O justo busca sempre manter "fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão", no

sentido de não ser seduzido por aparências e frivolidades das vaidades passageiras, não se

deixando levar por emoções negativas e impulsos destrutivos, mostrando-se fiel à direção

compassiva, tolerante e paciente na apreciação das realidades alheias.

"Criar o espírito de esforço" é outra característica a ser desenvolvida, qual seja,

manter-se em constante educação formal e espiritual, alimentando ideias e atitudes de

persistência e superação de suas deficiências, na certeza que a tenacidade na procura de

sermos melhores a cada dia nos indica a geração de devotada serenidade e leal tranquilidade.

"Respeito acima de tudo" representa a densificação do tratamento igualitário e implica

ver o outro como ser dotado das mesmas potencialidades e direitos que nós mesmos,

merecendo ser aceito como igual, tratado como irmão e amparado e cuidado em suas

fragilidades como gostaríamos de assim o ser, na convicção que todo ser humano tem o

mesmo valor como pessoa.

"Conter o espírito de agressão" indica o desenvolvimento da ponderação e prudência

em todos os comportamentos, com ampliação da tolerância e compreensão das características

de pluralidade social, em contínua atitude de reeducação dos pensamentos, sentimentos e

atitudes.

No que diz respeito à vocação do sábio, a identificamos com o servir; servir ao

próximo, sem esperar recompensas, e servir sempre, pelo melhor de si, com a finalidade de

ajudar a todos na concretização de suas potencialidades, no rumo do aperfeiçoamento mútuo e

felicidade compartilhada.

vinte princípios fundamentais do Karatê – o legado espiritual do Mestre, título original The Twenty Guiding

Principles of Karate, tradução de Henrique A. Rêgo Monteiro, São Paulo: Cultrix, 3ª edição, 2012.

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Cremos ainda que caracteriza o justo a constância das suas decisões de acordo com o

desiderato de ser e agir como tal, o que implica paradoxalmente a inconstância de suas

certezas, ou seja, para o justo permanecer sendo justo, há que, conforme adiantado,

reexaminar constantemente suas convicções com o fito de verificar se estas continuam

íntegras ou se merecem reformulação social e adaptação ainda mais próxima do humano.

Para tanto, o justo há que duvidar de si e ao mesmo tempo se arriscar.

A dúvida frequente das próprias palavras e comportamentos é indicada ante o fato de

que pessoas repletas de certezas e exatidões serem geralmente incapazes da misericórdia e,

como vimos, não se faz justiça sem solidariedade e compaixão.

Afirmamos a necessidade de arriscar-se não como sinônimo de atitudes irresponsáveis

e inconsequentes, mas como maneira de exercitar a liberdade criativa de novas soluções para

antigos problemas, no movimento correspondente às novas percepções da realidade e das

pessoas.

Tal arriscar-se interpretativo e decisório há que ser feito de acordo com as

oportunidades e estratégias históricas, espaciais e sociais que o intérprete/aplicador achar

suficientes, sempre tendo em mente a possibilidade de retorno aos entendimentos anteriores

ou novas adaptações ante as reações sociais advindas.

Em termos de comportamento em geral, cremos que o justo submete tudo o que escuta

a três esferas iniciais, quais sejam, duvidam, criticam e só assim determinam o que aceitam ou

não o que está sendo apresentado como real.

Posteriormente, também submete a informação que ouviu a outros três momentos de

teste, ou seja, indaga a si mesmo se tem certeza absoluta de que a notícia é verdadeira. Se

realmente for verdade, indaga ainda se a divulgação da notícia é útil. E, finalmente, se for

verdadeira e útil, questiona o justo se sua revelação terá a marca da bondade.

Caso a notícia passe pelo teste, sendo verdadeira, útil e bondosa, mesmo assim o justo

pensa duas vezes antes de propalá-la, tendo em mente a conservação constante da dignidade

das pessoas e da própria, além de preservar as relações.

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O justo, na sabedoria de sua existência, deve, ainda e em derradeiro, cultivar as

virtudes como maneira de se precaver dos disfarces da vaidade, do acalentar da soberba e dos

sussurros do abuso de poder. Tais conselheiros nunca deixam de coabitar com o justo, pelo

que não devem ser negados, mas muito bem reconhecidos e compreendidos em suas

linguagens e estratégias, para só assim poderem ser combatidos e evitados.

6- Sentimento do justo e vida jurisdicional prática.

Como se sabe, as tendências inovadoras de Rudolf von Ihering que visavam a uma

maior conexão do Direito com os interesses da vida foram classificadas como jurisprudência

da vida, jurisprudência da realidade, jurisprudência de interesses e ainda outras expressões no

mesmo sentido.

De qualquer forma, a ideia comum é a de que o juiz completa, segundo critérios social

e sensivelmente teleológicos, as lacunas do Direito.

Evitamos intencionalmente qualquer digressão a respeito do movimento do Direito

livre ou alternativo ou qualquer de suas variações, nem nos aventuraremos a distinguir com

precisão a evolução das fases de jurisprudência dos conceitos, a jurisprudência dos interesses

e a jurisprudência dos valores, mas podemos indicar que, compartilhando de aproximações

com a última vertente, entendemos que as lacunas do Direito e a própria interpretação não

apenas das normas, mas também dos fatos e pessoas, são percebidas de acordo com forte

conteúdo axiológico conforme a valoração do agente responsável pela solução jurídica do

problema.

Desta maneira, cremos que o ponto central da rotina decisional judicial incide na

materialização do que se entende por justo na realidade dos casos particulares e não na mera

aplicação formal de regras gerais e abstratas.

Cremos ser esta a realidade ocorrrente no mundo inteiro e em todos os tempos e

verdadeiramente não se trata de questão inédita. Afinal de contas, o Direito mostra-se com

caracteres próprios de melhoria das relações, regulando não apenas as atuais e futuras, mas

também discorrendo sobre as já do passado, e para tanto, sempre se utiliza do sentimento do

justo.

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Oscar von Büllow865

já afirmava, e a experiência confirma, que uma lei que todos

sabem que os tribunais não mais aplicam ou caso apliquem, minimizem ao extremo seus

iniciais efeitos, perde toda sua importância para a vida prática.

Assim, saber quais os princípios ou direcionamentos que conduzem aos juízos

valorativos do juiz, bem como entender o que leva em consideração em termos de reflexão

racional e sensibilidade a orientar as decisões judiciais mostra-se decisivo para a preparação

das argumentações das partes e para o desenvolvimento do próprio processo, ai incluindo-se a

produção da prova.

A atividade jurisdicional, porém, não apenas referenda o estático, mas de igual forma,

também se direciona para a transcendência de nossas limitações, sendo que em uma hipótese

ou na outra, tudo é nitidamente vinculado à vida prática e não a cogitações etéreas ou

simplesmente idealizadas.

O Direito existe para a vida e o Direito realmente importante para a vida é aquele que

resolve as questões atuais e ao mesmo tempo nos projeta para além de nós mesmos,

cultivando dever-seres relacionais e existenciais.

6.1- A teoria estruturante de Friedrich Müller

Friedrich Müller866

deu novos contornos ao conceito de norma jurídica, retirando a

carga teórica que caracteriza a interpretação/aplicação das normas jurídicas em geral e das

865

Afirmou Oscar von Bülow que "Não com as determinações jurídicas legais, mas sim com as determinações

jurídicas judiciais é que o poder jurídico estatal diz sua última palavra! Uma ciência do Direito que nada

pretenda compreender do Direito judicial revoga a sua própria autorização de existir", tradução livre de no

original: Nicht schon mit den gesetzlichen, sondern erst mit den richterlichen Rechtsbestimmungen spricht die

rechtsordnende Staatsgewalt ihr letztes Wort! Eine Rechtswissenschaft, die vom richterlichen Rechts nichts

wissen will, spricht sich selber die Existenzberechtigung ab!. BÖLOW,Oskar von, Gesetz und Richteramt.

Leipzig: Verlag von Duncker & Humblot 1885, p. 45, disponível em

http://archive.org/details/gesetzundrichte00blgoog, acessado em 11 de fevereiro de 2013. Como se sabe, o

surgimento da Escola do Direito Livre coincidiu com a publicação de tal obra e defendia a teoria da comunidade

do povo (Volksgemeinschaft) detentora no plano jurídico da concepção romântica do espírito do povo

(Volksgeist). Tal concepção entendia o Direito como uma forma de vida da coletividade popular e dimensionava

o Estado de Direito não como submissão do Estado à lei, mas ao Direito popularmente indicado, substituindo o

principio da legalidade pelo de juridicidade. 866

MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito, título original Strukturierende Rechtslehre, tradução

de Peter Naumann e Eurides Avance de Souza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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normas de direitos fundamentais em especial, estruturando tal processo em três planos: a)

programa da norma; b) âmbito da norma; e c) norma de decisão.

Assim, sua hermenêutica tem forte inspiração na tópica ao problematizar a partir de

pontos retóricos iniciais – os topoi ou locus, que podem ser identificados inicialmente como

sendo o produto da hermenêutica tradicional dos textos normativos.

Com essa compreensão inicial do texto da norma (programa da norma), indica o autor

que caminhamos até a norma jurídica com a consideração dos dados reais do caso concreto

(âmbito da norma). Em seguida caminhamos da norma jurídica até a norma de decisão, sendo

esta a que determina a solução do caso e somente então se dá a concretização da norma.

Afirma o autor que o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a inicial visão do

território normativo, correspondendo em geral ao programa normativo (ordem ou comando

jurídico na doutrina tradicional), pois a norma compreende uma fração da realidade social.

Desta maneira, o conceito de concretização se baseia na práxis, percebendo a norma

jurídica como resultado da interação da realidade do caso concreto com o texto de norma, em

uma aceitação implícita da interdisciplinariedade como elemento incontornável na

concretização do Direito, admitindo que na prática isso sempre ocorreu, com maior ou menor

consciência dos juízes, procuradores e advogados.

Nessa conformação, o agente do Direito passa a ter um papel central, visto ser o

responsável por converter o fator parcial de solução tópica dos problemas em norma jurídica

em si, promovendo o trabalho de concretização mediante a constituição da norma decisória

específica.

Portanto, a norma jurídica não preexiste no texto legal, pois só adquire sua estrutura

em meio ao processamento analítico de experiências concretas no quadro de uma teoria da

geração do Direito867

.

867

MÜLLER, Friedrich. O Novo Paradigma do Direito – Introdução à teoria e metódica estruturantes do

direito. Sem indicação de título original, Tradução de Ana Paula Barbosa-Fohmann e outros, 2ª edição, São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 150.

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A norma jurídica é, desta forma, resultante de um processo tópico-dialético entre o

texto legal a priori e o meio fático do caso, tendo tal concepção intensa ligação entre o Direito

e realidade, pois só assim contribuiremos para uma decisão jurisprudencial correta e justa.

Desta forma, à luz da Teoria Estruturante, a norma jurídica vai muito além do mero

texto de norma, vez que deve passar por um processo de concretização, conforme os topoi do

caso individual.

Verifica-se, portanto, que, na gênese da norma, inúmeros aspectos extrajurídicos

encontram-se presentes de acordo com o caso concreto.

Começa a ser vislumbrado o fato de que a dicção objetiva do texto de norma dá lugar a

elementos subjetivos, devendo-se observar aspectos econômicos, culturais, psicológicos,

sociais, entre outros, visando ao máximo o contato do texto legal à realidade para a melhor

solução do problema encarado pelo Direito.

Na vida real e jurisdicional, busca-se a solução mais adequada e equilibrada possível

para o caso, deixando de lado toda dedução aparentemente lógica e indagando-se além da

norma, ou seja, estruturando cada interpretação conforme o caso concreto.

Superada, pois e de uma vez por todas, está a visão positivista tradicional de entender

que a decisão judicial consiste na escolha de uma gama de soluções logicamente possíveis

ante das possibilidades de interpretação dentro da “moldura” da lei para aceitarmos que

somente a realidade dá vida à norma abstrata no plano concreto.

Em suma, o pensamento de Friedrich Müller indica que o alcance das soluções justas

para o caso historicamente apresentado só será possível mediante o estabelecimento das

decisões, tendo-se por base a Constituição e como fundamento as diversas distinções que

caracterizam a situação e as partes, aí incluídas todas as circunstâncias e contingências

marcadas por diferenciação particular e pluralismo social.

O conhecimento jurídico assume, assim, forte conotação de saber prático, abrindo-se

para a compreensão da realidade pessoal das partes envolvidas, transcendendo a dogmática

academiscista.

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6.2- O sentimento constitucional de Pablo Lucas Verdú

Pablo Lucas Verdú parte da ideia de que a normatividade da Constituição só se vê

realmente realizada mediante sua capacidade de conformação apropriada com a vida em

comunidade, ou seja, configura-se no relacionamento com as estruturas da vontade popular

para daí obter sua legitimidade democrática.

Dita força normativa constitucional, no entanto, vai além da natureza jurídica inicial

de suas normas, enveredando tanto em relação ao poder constituinte derivado como na

aplicação prática das normas no caso concreto. Explicitam-se, portanto, as dimensões

constitucionais formais, materiais e mesmo espirituais na dinâmica real das relações humanas.

Em qualquer das hipóteses, portanto, é destacada a permanência da intensidade dos desejos e

esperanças comunitários que fundamentam a concretização do idealizado

constitucionalmente.

Diz o autor868

que o sentimento constitucional é a expressão da afeição pela justiça e

pela equidade, e concerne aos valores de liberdade e igualdade, tomando como alicerce a

convivência democrática e consequente exercício efetivo da autoconsciência dos cidadãos de

serem parte de uma unidade política fundada no respeito ao pluralismo.

O que entendemos, assim, como norteador seja da dinâmica constituinte, seja da

aplicação normativa comum, é o sentimento do justo aferido comunitariamente.

O entendimento, pois, de que a interpretação constitucional se faz como acontecer

cultural compartilhado por todos os componentes de uma sociedade aberta e é retrato da

expressão viva de um povo, ensejou a verificação, por parte de Pablo Lucas Verdú869

, de que

o indivíduo que não se conecta com sua história nacional nem vivencia a realidade do povo,

não alcança o autêntico sentimento de personalidade humana, ou seja, afasta-se de sua

essência mais intima; e, com isso, concluímos, perde parte da autoconsciência e mesmo

parcela importante de sua capacidade de julgamento.

868

VERDÚ, Pablo Lucas, O sentimento constitucional – aproximação ao estudo do sentir constitucional

como modo de integração política, título original El sentimiento constitucional: aproximación el estúdio Del

sentir constitucional como modo de integración política, , tradução de Agassiz Almeida Filho, Rio de Janeiro:

Editora Forense, 2006, p.10 869

VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la Constitución como ciencia cultural. Madrid: Dykinson, 1998, p. 40.

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Percebemos, pois, a importância dos fatores psicossociais na formação e

complementação do Texto Constitucional e do próprio Estado870

, sendo patente a conjugação

dos elementos extrajurídicos com os elementos jurídico-normativos.

Exprime o autor a ideia de que os princípios jurídicos da democracia geralmente

residem na estrutura espiritual do individuo e mesmo na opinião pública, aí compreendida a

própria consciência social do que o Direito é e o que poderia ser, no que se refere à sua

dinâmica adequação e ruptura com a realidade.

Desta maneira, a ausência ou eventual carência de tal consciência e decorrente

sentimento constitucional, mostram-se como fatores de deslegitimação das práticas jurídicas,

com riscos de regressões democráticas.

Havemos de admitir, também, a importância do condicionamento dos seus valores e

sentimentos, pois é muito mais provável que uma decisão justa seja estabelecida por uma

pessoa dotada de personalidade que permita se comportar criticamente perante a realidade,

bem como manifestar-se autonomamente criativa e atuar profundamente consciente da

responsabilidade social da atuação jurídica, não se identificando com a aplicação mecânica de

rígidas normas abstratas.

Recorda-se o autor de que foi Helmut Coing871

quem sublinhou intensamente as

conexões entre o sentimento jurídico, a personalidade humana e os valores, acrescentando que

o sentimento jurídico brota da vida como impulso vivente e cobra sentido ao ponderar

valorativamente o Direito vigente como ordenação para a convivência.

Assim, só se pode compreender o conteúdo do sentimento jurídico quando o

percebemos em conexão com um sistema de valores. A dito sistema de valores também se

encontra vinculado o ideal de personalidade, produzindo dita conexão os Direitos

fundamentais, individual e socialmente considerados, a serem respeitados inclusive pelo

Estado872

.

870

Como assinalou Montesquieu, o sentimento característico da monarquia é a honra, na democracia a virtude e

na aristocracia a moderação. 871

COING, Helmut, Die obersten Grundsätze des Rechts - ein Versuch zur Neugründung des Naturrechts,

Heidelberg: Schnieder, 1947. 872

VERDÚ, Pablo Lucas, O sentimento constitucional, ob. cit. p.60.

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Para Pablo Lucas Verdú873

, o conteúdo do sentimento jurídico se expressa, partindo

das ideias de Erwin von Riezler874

, como triplo teor, ou seja, emocional, cognitivo (ou

intelectivo) e volitivo, operando tanto com respeito ao Direito vigente como ao ideal.

Assim, o sentimento jurídico se manifestaria de três maneiras dinamicamente

entrelaçadas e fluidas: o sentir sobre o que é o Direito, aí compreendida a capacidade intuitiva

de captar e aplicar o Direito vigente com justiça, o sentir sobre o que deve ser o Direito

existente como ideal jurídico e o sentir como referência à atitude perante o Direito, isto é o

sentimento de respeito à ordem jurídica vigente, exteriorizado na exigência de sua realização.

Desta forma, esclarece o autor, ditas manifestações apontam para os objetivos do

sentimento jurídico, ao conjugarem três investigações indispensáveis sobre o Direito, a saber:

a lógica, que indica o que o Direito é; a fenomenologia, que responde como é o Direito e a

estimativa ou deontológica, que revela como deve ser o Direito.

Frisa o autor875

que o sentimento jurídico implica um conteúdo ético, principalmente

com relação ao reconhecimento e respeito aos Direitos alheios, e brota da estimação, por

intermédio da consciência, do bom e do justo. Entende o autor que o conhecimento da ideia

de Direito reside em pura intuição existente em nossa consciência, daí defender o argumento

de poder considerá-la como fonte do Direito.

Reforça Pablo Lucas Verdú876

tudo o exposto com relação à efetividade da

Constituição, afirmando que o sentimento constitucional consiste na adesão interna às normas

e instituições fundamentais de um país, experimentada como favoráveis à integração,

manutenção e desenvolvimento de uma justa convivência

No que diz respeito à segurança jurídica, parte o autor877

da percepção de que tal

conceito não é algo exato, mas possui origem e alcance ideológicos, sendo certo que as leis só

podem criar segurança jurídica em um âmbito muito específico e limitado. Ademais, não é

propriamente a abstração, nem o formalismo, tampouco o individualismo racionalista, que

873

VERDÚ, Pablo Lucas, O sentimento constitucional, ob. cit. p.54. 874

RIEZLER, Erwin von, Das Rechtsgefühl Rechts-psychologische Betrachtungen, M nchen:Biederstein,

1946. 875

VERDÚ, Pablo Lucas, O sentimento constitucional, ob. cit.p.56-57. 876

VERDÚ, Pablo Lucas, O sentimento constitucional, ob. cit., p.75. 877

VERDÚ, Pablo Lucas, O sentimento constitucional, ob. cit., p.88-89, 91.

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impulsionam a legislação e as decisões judiciais, mas sim o sentimento jurídico

(Rechtsgefühl) e a consciência jurídica (Rechtsbewusstein).

Nesse passo, exprime878

que não devemos nos assombrar com o fato de se conceder ao

juiz a faculdade de apartar-se da lei se esta parece não coincidir com as relações analisadas

concretamente, até porque o juiz, como todos, não pensa logicamente, mas psicologicamente

e não se pode fazer nada para tentar fugir ou contrariar tal natureza humana.

Diz ainda que o juiz precisa, para exercer diligentemente suas funções, recorrer

constantemente ao sentimento jurídico (Rechtsgefühl), sendo certo que em caso de conflito

entre este e os códigos, o bom juiz se inclina para o primeiro.

Existe, pois,uma relação intrínseca entre a Constituição, a cultura e os valores e

sentimentos de justiça da sociedade.

Assim, o Texto Maior não é uma ordem jurídica desvinculada das influências do meio

social, mas guia de convivência pacífica baseada da expansão das estimas e importâncias

estabelecidas por meio de constante diálogo comunitário em uma sociedade aberta, na

perspectiva dinâmica de um vir a ser melhor e mais justo.

6.3-A força normativa da Constituição de Konrad Hesse e a vontade do justo

Konrad Hesse879

, ao dar realce à chamada vontade de Constituição (Wille zur

Verfassung), explicitou que, ao lado dos fatores históricos, políticos e sociais como elementos

de influência para a realização autêntica, legítima, intensa e efetiva da Constituição, há que

existir claramente na consciência geral e principalmente nas consciências dos agentes do

Direito e da Justiça a disposição de orientar-se em conformidade com dita ordem estabelecida.

Opondo-se às percepções a respeito da preponderância do Poder no embate com a

Constituição880

e na submissão da normatividade à força determinante das relações fáticas e

878

VERDÚ, Pablo Lucas, O sentimento constitucional, ob. cit., p.82-83, 91 879

HESSE, Konrad, A Força Normativa da Constituição, título original Die Normative Kraft der Verfassung,

tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p.10-11. 880

A oposição de Konrad Hesse é explicitamente contra as concepções de Ferdinand Lassalle. Dizia o último que

o conflito entre a Constituição escrita e a Constituição real, a primeira sucumbe como simples folha de papel,

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dos interesses políticos, nega Konrad Hesse que o Direito, principalmente o Direito

Constitucional, resuma-se à "miserável função – indigna de qualquer ciência- de justificar as

relações de poder dominantes"881

.

Defende o autor a ideia de que ao lado do poder determinante das relações fáticas

expressas pelas forças sociais e políticas, persiste a força decisiva do Direito Constitucional,

esclarecendo que o significado da ordenação jurídica somente pode ser apreciado

integralmente caso sejam considerados os contextos jurídicos e fáticos com seus

condicionamentos recíprocos.

Assim, não se pode tomar qualquer elemento, seja este político, social ou jurídico, de

forma isolada, pois, se assim fosse, teríamos, a um só tempo, norma sem realidade e realidade

esvaziada de qualquer elemento normativo.

Norma e realidade formam, portanto, a mesma corporificação existencial882

. Neste

aspecto, a essência da norma é ser vigente, atuando na realidade conforme as condições

históricas de realização (eficácia) que compreendem, além das condições naturais, técnicas,

econômicas e sociais, o substrato espiritual do povo, ou seja, "as concepções sociais concretas

e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a

autoridade das proposições normativas"883

.

Esclarece ainda o autor que a Constituição é a um só tempo reflexo das condições

fáticas, sociais e políticas de sua vigência e também energia que procura imprimir na

realidade certa ordem e conformação à realidade política e social. Desta forma, a chamada

Constituição jurídica está em coordenação com a Constituição real, condicionando-se

mutuamente.

LASSALLE, Ferdinand, A Essência da Constituição. Título original Über Die Verfassung Tradução de Walter

Stönner, 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen – Júris, 2001,p. 41-42. 881

HESSE, Konrad, ob.cit.p.11 882

No mesmo sentido, afirma Jorge Miranda que a Constituição é elemento conformado e elemento conformador

das relações sociais, bem como resultado e factor de integração política, refletindo a formação, as crenças, as

atitudes mentais, a geografia e as condições econômicas de uma sociedade e simultaneamente imprime-lhe

caráter, funciona como princípio de organização e dispõe sobre direitos e deveres de indivíduos e grupos, rege

seus comportamentos, racionaliza suas posições recíprocas perante a vida coletiva. a soma resultante da norma,

da realidade e do querer social. MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional. Constituição e

inconstitucionalidade. 3ª Ed.revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, t.II, p.67. 883

HESSE, Konrad, ob. cit. p.15.

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Diz Konrad Hesse884

, pois, que a interpretação tem significado decisivo para a

consolidação e preservação da força normativa da Constituição e dita interpretação há de

privilegiar os condicionantes dos fatos concretos da vida, correlacionando-os com as

proposições normativas da Constituição.

Assim, segundo o autor, a interpretação adequada ocorre quando concretiza o sentido

(Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais fáticas apresentadas para a prática,

operando construtivamente de acordo com as mudanças das relações concretamente

expressas.

O que deve ser realçado, portanto, é o fato de que a Constituição só adquire força

normativa quando logra realizar sua pretensão de eficácia. E, para tal eficácia, há que se ter

como certo que a realidade constitucional só é verdadeiramente alcançada na concordância e

desejo das pessoas no cotidiano e, no plano jurídico e judicial, pelas adesões das pessoas

incumbidas de realizarem, mesmo que contensiosamente, dita aspiração (agentes do Direito e

da Justiça).

As concepções de Konrad Hesse sustentam que a força normativa da Constituição

varia conforme a convicção de todos a respeito da inviolabilidade da Lei Fundamental e de

acordo com a intensidade da vontade da Constituição. Dito sentimento constitucional é,

portanto, fator de natureza axiológica correspondente ao que é oferecido pelos próprios

destinatários. A eficácia da Constituição é, desta forma, deslocada da análise de aspectos

fáticos (força) para o condicionamento ético885

.

A tensão entre norma e fato é, pois, mais bem entendida na recordação do elemento

comum que as integra, qual seja, o humano.

Assim, além da razão, experiências e circunstâncias, o que é capaz de unir eficazmente

as previsões normativas com os aspectos concretos da realidade não é encontrado em

884

HESSE, Konrad, A Força Normativa da Constituição, título original Die Normative Kraft der Verfassung,

tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p.22 e 23. 885

COELHO, Inocêncio Martires, Konrad Hesse/Peter Häberle:um retorno aos fatores reais do poder,

Revista de Informação Legislativa, a.35, n.138, Brasília: Senado Federal, abr/jun, 1998, p. 185-191, disponível

em http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/376, acessado em 29 de março de 2013.

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nenhuma idealização ou pensamento abstrato atemporal e desprovido de origem, mas repousa

na consciência e na atividade de um povo, dentre eles seus agentes do Direito e da Justiça.

A força vital e da eficácia da Constituição é, pois, correspondente à energia cultural e

conscencial de seu povo.

Além da origem de tais forças, há de se aduzir a respeito da direção que tais forças

seguirão.

Neste aspecto, cremos que novos elementos precisam se fazer contemporâneos para

melhor orientação humana e democrática do fluxo de ditas energias.

Assim, apesar do inevitável subjetivismo essencial e inerente, inicia-se a concretização

constitucional, com origem na percepção do que sejam o presente e as condições e

circunstâncias vividas. O presente pode ser entendido como sendo a atualidade dos

sentimentos sociais de integração ou estado espiritual de cada tempo, além dos elementos

sociais, políticos e econômicos que o conformam dinamicamente.

No confronto de tal percepção da realidade com o que se compreende como previsto e

indicado nas normas constitucionais, passam-se a operacionalizar as modificações ou

adaptações. O resultado de tais conclusões é sempre temporário, mas sua intensidade é

dirigida também ao futuro, malgrado a retificação continuar sempre pulsante.

Verificamos, portanto, que a própria interpretação das realidades fática, normativa e

desejável é decisivamente influenciada pelo que as pessoas optam a respeito do que significa

e deva ser aplicado em termos de honradez, sinceridade, dignidade, boa-fé, lisura, dentre

vários outros elementos comportamentais.

De igual forma, a prática institucional, mesmo de matiz constitucional, realizada por

quem incumbe aplicar as normas, é alcançada pelo que ditos agentes percebem a respeito de

responsabilidade, moralidade, probidade, idoneidade, decência e mesmo generosidade,

tolerância, compaixão e demais virtudes.

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No mesmo rumo e como já mencionado, pode-se dizer que os comportamentos dos

cidadãos guardam ligação com a disposição de orientar a própria conduta segundo as

percepções subjetivas da ordem estabelecida.

Assevera Konrad Hesse886

que tal vontade de Constituição se origina, portanto, de três

vertentes: compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa que proteja o

Estado contra o arbítrio desmedido e disforme, na compreensão de que a ordem constituída é

legitimada pelos fatos e na consciência de que o proposto só pode ser eficaz através de atos de

vontade.

Verificamos, uma vez mais, que a disciplina de aplicação prática, viva e vivificante

das normas constitucionais, e, portanto, mutável e adaptável às mudanças condicionantes das

percepções, guarda contato com a condição humana dos seus agentes.

A força da Constituição conjuga, por conseguinte, elementos racionais, sociais e

históricos necessários à sua efetivação com todas as fortalezas e vulnerabilidades essenciais

das percepções emocionais de um povo.

Desta forma, a vontade da Constituição, decisiva para a práxis constitucional, pode ser

considerada como correspondente às opções oriundas do sentimento do justo dos cidadãos.

Não imaginamos que a eficácia constitucional ocorra sem tensões e tendências práticas

contraditórias, mas apenas ressaltamos que, na dinâmica que envolve Direito e Poder e,

principalmente, na configuração do sentimento do justo, os elementos humanos sempre se

exprimem como componente mais intenso.

Em suma, é fortalecida a compreensão de que o futuro democrático dos Estados

depende da aproximação, preservação e energia da força normativa da Constituição em

relação ao seu pressuposto fundamental, qual seja, a essência tipicamente humana.

A silhueta do Direito, portanto, não é econômica ou funcional, mas humana.

886

HESSE, Konrad, ob. cit. p.19-20.

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6.4 - Peter Häberle e a abertura e cooperação como elementos do sentimento do justo

Como se sabe, Peter Häberle, ao tomar como ponto de partida a tensão entre a

realidade constitucional e a própria Constituição, funda sua obra no pluralismo887

e na ideia de

integração como possibilidades de realização de Estados Constitucionais dignos de efetivação,

principalmente no século XXI.

Suas ideias de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição888

, na superação do

modelo lógico-dedutivo marcante do positivismo clássico e com alargamento dos controles de

constitucionalidade para todos os cidadãos e grupos sociais, baseia-se na clara constatação de

que não só as partes formais nos processos ou as autoridades públicas vivenciam a realidade

constitucional, mas todos nós889

.

Reconhece Peter Häberle890

, na sociedade aberta, amplo quadro de intérpretes da

Constituição, a saber, os que exercem função estatal (Tribunal Constitucional e demais órgãos

do Poder Judiciário, assim como o Legislativo e o Executivo), as partes no processo judicial,

legislativo e administrativo (autor, réu, recorrente, testemunha, parecerista, associações,

partidos políticos etc.), os grandes estimuladores do espaço público democrático e pluralista

887

Pluralismo é compreendido como representação de uma diversidade de interesses e ideias continuamente

modificada. O pluralismo nasce e é vivido em todos os cidadãos, partidos políticos, entidades representativas,

grupos privados, enfim, por toda a sociedade e depende do grau de tolerância e disposição do povo para ser

interiorizado e praticado, assim como os níveis de dignidade e de ética no campo político dependem da cultura

política de cada povo. 888

HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

co tribuiç o para a i terpretaç o pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o. Título original Die Offene

Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur Plaralistischen und ‘Prozessualen’

Verfassungsinterpretation, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor

1997. 889

São nítidas as influências do pensamento de Karl Popper e sua sociedade aberta crítica e também racional

(POPPER, Karl, A sociedade aberta e seus inimigos (2 volumes), título original The Open Society and Its

Enemies, tradução de Milton Amado, São Paulo: EDUSP, 1974 e Sociedade aberta, universo aberto, título

original Offene gesellschaft - offenes universum, tradução de Maria Helena Rodrigues de Carvalho, 2ª edição,

Lisboa: Dom Quixote, 1991.) bem como as ponderações de Ferdinand Lassalle, que entendia como segmentos e

aspectos que compõem uma sociedade necessitam ser ouvidos e respeitados, além de deverem ser levadas em

conta a consciência coletiva e a cultura geral do povo; no entanto, adverte Ferdinand Lassalle, assumindo

criticável tendência sociológica determinista e pessimismo, que os fatores reais de poder possuem como

instrumento de repressão e efetivação de sua vontade a força organizada (forças armadas), enquanto o povo é o

detentor da força desorganizada (rebelião). Sendo assim, a força organizada sai sempre vitoriosa no embate

contra a força desorganizada, fazendo que a chamada Constituição real, baseada na preponderância dos

interesses dos poderosos, sempre seja mais forte do que uma Constituição escrita, que se resumiria a uma mera

folha de papel. LASSALLE, Ferdinand, A Essência da Constituição. Título original Über Die Verfassung

Tradução de Walter Stönner, 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen- Júris, 2001. 890

HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

co tribuiç o para a i terpretaç o pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o, ob. cit.p.19-23.

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(imprensa, rádio e televisão e contemporaneamente podemos acrescentar as redes sociais,

jornalistas, leitores, igrejas, teatros, editoras, escolas, etc.), e a doutrina constitucional, com

participação de todos os demais intérpretes.

Assim, todos os cidadãos possuem legitimidade para apresentar suas interpretações e

ideias a respeito do que seja constitucionalmente previsto e o justo a ser aplicado.

Desta maneira, acrescentou à teoria constitucional de opções a teoria constitucional da

tolerância, onde a força normativa constitucional é oriunda não de um texto acabado e

definitivo, mas sim um projeto (Entwurf) em contínuo desenvolvimento891

.

O pensamento do possível ou pensamento pluralista de alternativas de Peter Häberle é

firmado na abertura a várias opções e compromissos de acordo com as também possíveis

diversas realidades e constante indagação a respeito da adaptação das visões normativas às

necessidades do tempo.

Tal projeto pluralista indica o esforço no sentido de propiciar, na maior medida

possível, a realização dos valores constitucionais. Referida dinâmica de realização é, pois,

também constituída pelo reconhecimento de que minorias étnicas, religiosas e outras são

fatores formadores do Estado e assim devem ser reconhecidos e prestigiados, bem como

incentiva a adaptabilidade do Texto à evolução social constante em uma sociedade complexa

e plural.

Os princípios adotados por Peter Häberle na interpretação constitucional originam-se

na cultura e na interpretação contextual do Direito, ou seja, na percepção da formação plural

do civismo e na necessidade de se interpretar as normas com os acréscimos de pensamentos

livres e correspondentes ao “humus cultural” que envolve a todos.

Mesmo admitindo a ampla variação de perspectivas no estudo do que se deve entender

como Constituição de um Estado, reafirma o autor892

que o modelo de Estado Constitucional

891

HÄBERLE, Peter, Demokratische Verfassungstheorie im Lichte des Möglichkeitsdenken, In Die

Verfassung des Pluralismus : Studien zur Verfassungstheorie d. offenen.Gesellschaft Königstein/TS: Athenäum,

1980, p.4. 892

HÄBERLE, Peter. La Constitución como Cultura, Anuário Iberoamericano de Justicia Constitucional nº 6,

p.177-198, Madrid: Centro de Estudos Políticos Y Constitucionales, 2002, p. 178.

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democrático e pluralista com princípios de Estado Social encontra fundamento antropológico

na dignidade do homem, de onde deriva uma série de direitos individuais de liberdade e

igualdade.

A Constituição não se resume, pois, em ser uma espécie de lei qualificada de maior

autoridade formal, mas seu conteúdo material e suas funções possuem os fundamentos de uma

vida digna. Desta forma, ao estabelecer a separação dos poderes e objetivos do Estado, a

Constituição estimula e limita, normatiza e organiza as funções e poder estatais, ao mesmo

tempo em que, pelo estabelecimento de procedimentos para debates de controvérsias, com

reconhecimento e inclusão das minorias, e eleições democráticas a cargos temporários,

operacionaliza a Lei fundamental a legitimação dos agentes estatais.

O pluralismo de ideias e interesses concorrentes e mesmo adversários (mas não

inimigos) e as tensões constantes entre cultura e política e Direito e Poder, integram-se

conscientemente no que é histórica e geograficamente possível. Assim, o nível atual de

desenvolvimento é fruto de amplo desenvolvimento secular no tempo e no espaço, com

variantes correspondentes à cultura política dos povos.

Identifica o autor893

a tríade religião, ciência e arte como aspectos de consolidação da

sociedade aberta, capazes de fazerem renascer continuamente os recursos para o

desenvolvimento do Estado constitucional. Tudo isso estabelece, na verdade, os valores

consagrados e tendentes a uma sociedade receptiva no âmbito da tolerância, respeito à

dignidade dos semelhantes e consciência social ampla894

. Em uma frase - antes de nada, a

Constituição é cultura895

e a doutrina constitucional pode ser tida como ciência jurídica textual

e cultural896

.

893

HÄBERLE, Peter. La Constitución como Cultura, Anuário Iberoamericano de Justicia Constitucional nº 6,

p.177-198, Madrid: Centro de Estudos Políticos Y Constitucionales, 2002, p. 190. 894

Indica o autor como componentes de uma cultura jurídica europeia que, juntos, constituem sua identidade, a

saber: conhecimento da historicidade de seu Direito, desenvolvido ao longo de mil e quinhentos anos com base

filosófica grega, a cientificidade ( dogmática jurídica), a independência dos órgãos jurisdicionais, neutralidade

ideológico-confessional do Estado no que diz respeito à liberdade de culto, a multiplicidade e unidade dos

direitos nacionais e a particularidade e universalidade da cultura jurídica europeia, principalmente no que diz

respeito aos direitos do homem. HÄBERLE, Peter. La Constitución como Cultura, Anuário Iberoamericano de

Justicia Constitucional nº 6, p.177-198, Madrid: Centro de Estudos Políticos Y Constitucionales, 2002, p. 186-

187. 895

HÄBERLE, Peter. La Constitución como Cultura, Anuário Iberoamericano de Justicia Constitucional nº 6,

p.177-198, Madrid: Centro de Estudos Políticos Y Constitucionales, 2002, p. 184. 896

HÄBERLE, Peter. La Constitución como Cultura, ob. cit. p.195.

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Assevera Peter Häberle, em suma, que a Constituição não é uma ordem jurídica

dirigida apenas para os juristas, mas possui eficácia essencial e serve também como guia para

os não juristas, ou seja, para os cidadãos, a Constituição é expressão de um estado de

desenvolvimento cultural e meio de autorrepresentação de um povo, como reflexo de sua

herança cultural e fundamento de novas esperanças897

.

Afirma, assim, o autor898

, que os textos da Constituição devem ser cultivados para

serem autênticos e seus graus de densidade aparecem de maneira variável pois compreendem

também em si elementos culturais não jurídicos que formam um produto compacto final.

A identidade da Constituição899

pluralista se faz, portanto, como resultado da interação

da tradição com o legado cultural e as experiências históricas, por um lado, e as perspectivas,

possibilidades reais e de configuração futura, por outro.

Conclui o autor que a interpretação constitucional não se constitui de um evento

puramente estatal900

, mas, por ser viva e aberta a diversas estratificações culturais e

diferenciações identitárias de todos, admite e solicita o acréscimo do método de Direito

Comparado aos demais métodos clássicos de interpretação (textual, histórico, sistemático e

finalista).

Esta percepção se aproxima, portanto, de uma hermenêutica valorativa, com

recorrência à Moral como maneira de enfrentamento das insuficiências das normas

positivadas, admitindo o processo argumentativo baseado em valores abertos e plurais dos

diversos grupos sociais (potências públicas) cuja atividade é enfatizada.

897

HÄBERLE, Peter. La Constitución como Cultura, ob. cit. p.194. 898

HÄBERLE, Peter, Teoria de la Constitución como Ciencia de la Cultura. Título original Verfassungslehre

als Kulturwissenschaft , tradução de Emilio Mikunda, Madrid: Tecnos, 2000. p.35-36. 899

Afirma Paulo Bonavides que não há teoria constitucional de democracia participativa sem uma teoria material

da Constituição. BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito

Constitucional de luta e resistência, por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade.

São Paulo: Malheiros, 2001, p.25 900

Peter Häberle faz uma diferença entre interpretação em sentido lato, praticada pelos agentes sociais

envolvidos no processo hermenêutico, e a interpretação em sentido estrito, como sendo a praticada pelos agentes

tradicionalmente encarregados disso, como parlamentares e juízes. Esclarece o autor que os juízes

constitucionais recebem influências e participações qualitativas e de conteúdo de vários grupos sociais.

HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

co tribuiç o para a i terpretaç o pluralista e ‘procedi e tal’ da o stituiç o, ob. cit.p.31-32.

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O reconhecimento do pluralismo social legítimo e capaz de se fazer presente exige a

correspondente repartição ou compartilhamento das responsabilidades democráticas, não

podendo ocorrer qualquer apoderamento exclusivo de tal múnus social.

Assim, ao lado das forças políticas deliberativas do Estado formadas de representantes

do povo e com seus anseios sintonizados, deve atuar a Justiça como instituição responsável de

ajustar as atividades dos particulares e mesmo estatais aos contornos constitucionais.

Agindo de tal forma, a Justiça colaborará participativamente não apenas para otimizar

a Constituição, mas também em sua formação ideal e materialização social.

As críticas mais comuns a tais concepções indicam que, para que as propostas

realmente possam ocorrer, há necessidade de pressupostos institucionais firmes, base social

estável e uma cultura política desenvolvida, o que é de todo raro. Afirma-se, ainda, que, ao se

atribuir a legitimação da Constituição a entes externos, é provocado um enfraquecimento do

processo legislativo e redução do elemento normativo.

Não entendemos desta maneira. Cremos que o processo legislativo é sempre

fortalecido pela confirmação de sua base popular e a participação e colaboração do povo na

conformação de sua realidade não pode ser encarada como sinal de desprestígio de quem quer

que seja.

Ademais, mesmo os intérpretes formal e oficialmente considerados encontram-se no

mundo real, pelo que reúnem e se orientam pela teoria e pela prática, sendo de todo vantajoso

o contínuo aprofundamento nos contatos com o mundo a que pertence e influencia.

No mesmo sentido, a ampliação do círculo de intérpretes decorre da integração da

realidade no processo interpretativo, e tal colocação só tende a aprimorar as percepções de

todos, evitando monopólios de qualquer ordem.

Igualmente, pensar na existência de “sociedades portadoras de cultura política

desenvolvida” e em outras sociedades desprovidas de condições materiais que possibilitem as

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diversas manifestações interpretativas901

é, cremos, inclinar-se a concepções elitistas irreais e

tender para formulações exclusivistas de legitimação políticas já ultrapassadas.

O constitucionalismo902

moderno proposto por Peter Häberle indica, ainda, a riqueza

da possibilidade e mesmo necessidade da comparação de textos normativos, das teorias e das

jurisprudências entre os países como forma de recepção e produção de uma prática

jurisdicional humanamente mais densa.

Ao operar uma síntese entre a Constituição e a realidade global em que as influências

ocorrem reciprocamente e os pontos de contato dos sistemas jurídicos se intensificam a cada

dia, reformula Peter Häberle a metodologia interpretativa até então consagrada desde as

iniciativas de Friedrich Carl von Savigny (métodos textual, histórico, sistemático e finalista).

Assim, supera o autor a ideia tradicional de a interpretação ser dirigida à compreensão

e explicitação do sentido de um texto para adotar conceito mais amplo de interpretação903

,

adotando um quinto método de interpretação, a saber, o direito comparado, sobretudo no

campo dos Direitos Humanos904

.

Exprime, assim, o autor, como já adiantado, a ideia do Estado Constitucional

Cooperativo905

em que continua estimulando a abertura do processo constitucional a uma

maior pluralidade de sujeitos, agora com relação a ordens jurídicas internacionais de proteção

de direitos humanos e fundamentais.

901

Podemos verificar a influência de Peter Häberle em vários casos práticos do Supremo Tribunal Federal

brasileiro. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira, VALE, André Rufino do, A influência do pensamento de Peter

Häberle no STF, de 10 de abril de 2009, disponível em http://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-

peter-haberle-jurisprudencia-supremo-tribunal-federal, acessado em 30 de março de 2013. 902

Tem-se por constitucionalismo o conceito de Canotilho, ou seja, "a teoria que ergue o princípio do governo

limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma

comunidade (...) é no fundo uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do

liberalismo". CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da constituição, 7ª ed.

Coimbra: Almedina, 2003, p. 47. 903

Esclarece Peter Häberle que ninguém pode prescrever ao juiz qual dos métodos é preferível no caso concreto,

sendo que a combinação dos métodos permanece aberta, guiada pela experiência judicial e, em última instância,

pelo recurso às concepções de justiça. VALADÉS, Diego (Org.), Conversas acadêmicas com PETER

HÄBERLE, título original Conversaciones académicas com Peter Häberle, traduzido, do espanhol, por Carlos

dos Santos Almeida, São Paulo: Saraiva, 2009, p.179. 904

VALADÉS, Diego (Org.), Conversas acadêmicas com PETER HÄBERLE, título original Conversaciones

académicas com Peter Häberle, traduzido, do espanhol, por Carlos dos Santos Almeida, São Paulo: Saraiva,

2009, p.10 905

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo, tradução de Marcos Maliska, São Paulo: Editora

Renovar, 2007, pp. 11/12.

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Identifica o autor como sendo Estado Constitucional Cooperativo aquele que deixa de

permanecer voltado para si mesmo e se disponibiliza como referência para os outros Estados

Constitucionais membros de uma mesma comunidade. A aceitação e o compartilhamento de

ideias e princípios tendem, pois, a aproximar os âmbitos interno e externo dos Estados,

gerando a prevalência do Direito comunitário sobre o Direito interno, principalmente no que

diz respeito à proteção dos Direitos Humanos.

No mesmo sentido e ampliando os componentes de integração das interpretações

possíveis, Marcelo Neves906

recomenda a aproximação das ordens constitucionais e o diálogo

entre as ordens estatais, internacionais e supranacionais como maneira de entrosamento e

persuasão a garantir premissas basilares em prol do surgimento e do desenvolvimento de uma

jurisdição constitucional internacional de proteção aos Direitos Humanos capaz de ser

aplicada sem ofensa absoluta à soberania estatal, na conservação do respeito cultural e

jurídico de cada realidade.

Assim, no que diz respeito aos sistemas protetivos dos Direitos Humanos no plano

internacional, já se pode contar com a intervenção das cortes internacionais e aplicação das

convenções celebradas. Exercita-se o que J.J. Gomes Canotilho identificou como sendo

Interjusfundamentalidade, ou seja, a interação decisória de tribunais constitucionais, cortes

internacionais, comunidades e outros organismos do Poder Judiciário interno que detêm o

poder jurisdicional para efetivação e concreção dos Direitos fundamentais.

No mesmo rumo, além de Peter Häberle incentivar o estudo comparado entre diversos

sistemas nacionais de Justiça, indica os amici curiae como ampliação da possibilidade de

maior legitimidade democrática das decisões dos tribunais, principalmente dos tribunais

constitucionais, ante o recebimento de novas perspectivas das mesmas realidades.

Desta forma, defende o autor a ampliação dos sistemas de informação dos

magistrados, principalmente dos juízes constitucionais, por via de audiências públicas e

intervenções de eventuais interessados, como maneira de contribuir para o cumprimento da

função de integração dos distintos grupos que formam a sociedade.

906

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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451

Tal perspectiva vai além do processo tradicional de conhecimento processual que

envolve a investigação dos elementos fáticos e jurídicos, proquanto aprofunda a verificação

dos elementos morais, éticos e humanos de todos os casos.

Ademais, esses exercícios de pluralidade possibilitam dilatar a consciência de todos a

respeito das implicações práticas e repercussões econômicas e sociais das decisões, além de

dotarem o julgador de mais amplos conteúdos probatórios e disponibilizarem subsídios

técnicos mais precisos.

Destacando a importância dos agentes que fazem parte de tal ambiência, admite Peter

Häberle que a independência interna e a integridade do magistrado, principalmente o

constitucional, só podem ser garantidas limitadamente por normas legais externas, afirmando

que, em última instância, muito se depende da personalidade do magistrado e da qualidade da

sentença que forja a confiança popular907

.

Afirma ainda o autor que não existe norma jurídica senão norma jurídica interpretada

e, portanto, sempre uma norma com duração limitada ante a temporarialidade das percepções,

pois plenamente substituível futuramente por outra interpretação.

Desta forma, esclarece Peter Häberle, a norma não é pressuposto, mas o resultado de

sua interpretação, realçando a ideia de que além da pré-compreensão inerente a todos os

intérpretes, há de se levar em conta a chamada pós-compreensão (Nachverständnis).

Referida pós-compreensão é, para o autor, constituída pelos fatores temporalmente

condicionados que servirão para se obterem resultados compreensivos supervenientes da

norma.

Neste aspecto, chega o autor a incentivar a noção de que a jurisdição constitucional

também se arrisque em julgar com base nos princípios gerais de justiça comparados, ousando

julgar impopularmente e contra a opinião pública, provando estar acima da inconstância da

907

VALADÉS, Diego (Org.), Conversas acadêmicas com PETER HÄBERLE, título original Conversaciones

académicas com Peter Häberle, traduzido, do espanhol, por Carlos dos Santos Almeida, São Paulo: Saraiva,

2009, p.7.

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democracia de consenso, demonstrando ser o Tribunal dos cidadãos e contribuindo para a

consciência constitucional908

.

Surge daí a possibilidade de advir mutação constitucional historicamente situada

(Verfassungswandel) ou a evolução na interpretação ante as mudanças de valorações. Desta

forma, a continuidade da Constituição somente é possível se passado e futuro estiverem

associados909

e em moto-continuo de produção e recepção de interpretações.

Os interesses de todos os segmentos sociais que se apresentam como fatores de

formação e preservação da unidade política a que dão consistência e legitimidade, são

potencialmente conflitivos, mas, mesmo assim, devem ser levados em conta em toda

interpretação normativa, até porque novas leituras de um mesmo texto, mesmo constitucional,

são sempre possíveis910

.

Assim, a norma aplicada concretamente sempre faz surgir outra norma e, quanto mais

democrática e aberta forem suas interpretações e sujeitas a críticas, maior probabilidade de se

garantir a preservação das forças vivas sociais, operando-se a constância da legitimação dos

intérpretes, incluindo-se principalmente os agentes do Poder Judiciário.

Desta forma e tomando-se em conta tudo o que foi dito, podemos dizer que o

pensamento de Peter Häberle possui na ideologia democrática sua base interpretativa da

Constituição aberta e que serve para uma hermenêutica de variação e mudança911

,

reafirmando que o ponto de partida de interpretação e aplicação de qualquer Constituição é o

homem e sua dignidade.

Mesmo admitindo que a dignidade humana surja com o nascimento, é indo além dos

textos normativos e por meio dos processos culturais abertos de socialização pluralista e

908

VALADÉS, Diego (Org.), Conversas acadêmicas com PETER HÄBERLE, título original Conversaciones

académicas com Peter Häberle, traduzido, do espanhol, por Carlos dos Santos Almeida, São Paulo: Saraiva,

2009, p.15. 909

HÄBERLE, Peter. Zeit und Verfassung. in: DREIER, Ralf; SCHWEGMANN, Friedrich. Probleme der

Verfassungsinterpretation. Baden-Baden: Nomos, 1976, p.295-296. 910

Cf. COELHO, Inocêncio Martires, Konrad Hesse/Peter Häberle: um retorno aos fatores reais do poder,

Revista de Informação Legislativa, a.35, n.138, Brasília: Senado Federal, abr/jun, 1998, p. 185-191, disponível

em http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/376, acessado em 29 de março de 2013, p.191. 911

BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.471.

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interpretações continuamente sensíveis e criativas que se tornam possíveis suas

implementações e compartilhamentos.

Tais ações colaboram para a formação da cultura jurídica de um povo que será

utilizada nos demais casos práticos mediante nova onda de diálogos e influências fraternais.

E pelas repercussões práticas de tais reconhecimentos histórica e espacialmente

situados que o justo pode ser alcançado por pessoas concretas nos casos reais.

Percebemos facilmente que, mesmo após intensa dedicação, a doutrina não conseguiu

libertar-se da permanência de considerável grau de imprecisão nos critérios apresentados,

porquanto é ampla a margem de interpretação.

Entre certeza de uma norma e a sugestão de justiça, entretanto, admitimos preferir a

última, mesmo que insuficientemente delimitada. A par disso, mesmo que o posicionamento

de tal solução no interior do sistema jurídico seja questionável, acreditamos na probabilidade

que seus efeitos sejam menos danosos no caso concreto do que a opção

formalista/funcionalista, além de possibilitar futura correção.

Verificamos, assim, a não indicação dos elementos necessários para delimitação

precisa da intervenção proposta nem a presença de critérios seguros a respeito do que esta

pode desencadear indicam que a questão subjacente a tais posicionamentos, e que se mostra

mais complexa, é exatamente como fazer operacionalizar a gênese e constante verificação do

sentimento do justo, pois o Poder Judiciário não vive de pesquisas, mas de decisões.

7- Ações com segurança nas inseguranças decorrentes

Um dos temas cruciais, que embasam toda a angústia das decisões, refere-se a saber se

um juiz que aplica uma lei parcial (ou discriminatória ou maculadora de direitos humanos)

assume tais características ou se o juiz pode, ou deve, fazer algo juridicamente aceitável a

respeito.

Na verdade, a maior dificuldade reside justamente em saber para que e para quem a lei

serve, em cada caso posto em julgamento.

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Partindo de tal questionamento, é possível verificar alguns comportamentos básicos

nitidamente desvirtuados dos juízes, de acordo com a zona de conforto eleita, ou seja: a) uns

aplicam a lei, imbuídos do espírito normativista puro ou próximo a isso; b) outros aplicam a

lei pendendo para o lado do mais fraco, seja por carência afetiva, necessidade de afirmação

popular ou qualquer motivo; c) uma boa parcela aplica a lei segundo sua particular visão de

mundo, seja ela qual for, cristã, neoliberal, muçulmana, marxista, e por aí vai sem fim,

adotando-se o mesmo narcisismo patológico anteriormente mencionado; d) há ainda os que a

aplicam de forma aleatória, sem método e sem ter noção da carga valorativa que imprimem

nos seus julgados.

Qualquer dessas quatro formas, cada uma mais desastrosa do que a outra de exercer a

magistratura, tem implicações práticas. Poucos são, contudo, os que procuram identificar a

quem a lei serve e menos ainda são aqueles que realmente descobrem, apesar de obviedades

por vezes ululantes.

Superando-se, no entanto, as concepções normativistas e funcionalistas, resta procurar

saber a quem o Direito (e não a lei) realmente deve servir. A resposta parece estar claramente

inscrita nas constituições democráticas

Aqui não é proposta forte guinada referencial no que diz respeito às inseguranças ante

as imprecisões da expressão sentimento do justo.

É que a incerteza e insegurança são aqui admitidas, mas não como pontos fracos e sim

justamente identificadas com o seu oposto. Ou seja, abandonando as certezas positivamente

limitadas e limitadoras, atravessando juízos pré-moldados e confirmações meramente

reprodutoras de soluções um dia indicadas, a adoção do sentimento do justo adverte para a

necessidade de contínuo aprofundamento de pontos tanto do conhecimento como do

sentimento, atingindo-se patamares ao mesmo tempo mais densos e mais humanamente

tangíveis.

Tais estruturas normativas e jurisdicionais são evidentemente humanas e daí incertas,

falíveis e frágeis, pelo que o fortalecimento de algum aspecto vivenciado na prática deve ser

adotado para se minorarem tais efeitos, pois evitá-los é impossível.

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Podemos adiantar que entendemos o fortalecimento das virtudes do magistrado como

uma maneira possível de sua aproximação às sensibilidades sociais mais elevadas de justiça.

Como bem ressaltou Norberto Bobbio912

, propomos é que não há que se conformar em

quantificar os Direitos, nem de se especular a respeito de sua natureza ou fundamentos, nem

se indagar eternamente se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos.

O que verdadeiramente interessa é perquirir qual é o modo mais seguro para garanti-

los de maneira social e individualmente sensível e qual modo de concretizá-los de acordo com

a realidade da vida.

Tal base axiológica humanamente perceptível é que deve dar suporte para a razão de

ser e consequente autonomia do Direito.

Ademais, cremos que o Direito contemporâneo não pode esgotar sua capacidade de

atuação apenas na apresentação de resposta às situações de ameaça concreta, ou na função

reparatória de lesões já ocorridas.

Na verdade, a intensificação da função promocional do Direito no estímulo à atuação

solidária mais abrangente e uma sociedade mais justa se tornam cada vez mais importantes.

Deste modo, podemos reafirmar que o Direito possui a própria autonomia e sentido,

sendo estes fundamentados no sentimento do justo, que responde não à pergunta de para que

serve, mas sim a quem serve.

De tal modo, levando-se em conta a compreensão autêntica de problemas humanos,

referentes a princípios e dimensões ético-jurídicos constituídos além de qualquer limitação

mecânica-silogística das normas, inserido no exercício das dimensões humanas e conforme as

relações dialógicas dos casos concretos situados historicamente, corresponde o Direito à

912

BOBBIO, Noberto. A Era do Direito, Tradução Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Editora Campus,

1992.

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realidade cultural vivenciada e aos valores e princípios normativos pertencentes à ética de

cada época913

.

Evidencia-se, portanto, o fato de que nem o Direito, nem a Justiça ou o julgador estão

sozinhos no planeta, nem o chamado mundo jurídico é isolado dos demais universos das

outras ciências, artes e perspectivas.

Assim sendo, as afirmações do Direito e da Justiça, por meio de seus agentes, a

respeito do que seja a interpretação ou aplicação das normas no caso concreto devem se

sujeitar não apenas às próprias entranhas, mas também revelarem-se permeáveis às análises e

críticas da doutrina, abertos às sensibilidades comunitárias e mesmo compassivos à realidade

das pessoas diretamente atingidas pelas normas e decisões.

O existente no mundo jurídico é vivente no mundo concreto e por isso os

participantes do último devem poder reafirmar os acertos e apontar os equívocos

interpretativos porventura realizados pelos agentes do Estado. E estes devem adotar a rotina

de sempre permanecerem acessíveis à constante possibilidade de correção e retorno ao

sentimento do justo.

Tal reflexão há que ocorrer mediante opções culturais dentre aquelas que melhor

confiram sentido humano e ecológico às práticas humanas914

, sendo estas ligadas à validade

com fundamento axiológico crítico responsabilizante capaz de conjugar, ao mesmo tempo,

913

CASTANHEIRA NEVES, Antonio, O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia

do Direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2002. p.55. 914

A dinâmica da realidade traz rotineiramente aos processos impactos da tecnologia na vida das pessoas e os

efeitos correspondentes. Tais circunstâncias ensejam que os magistrados optem por opções de solução que

entendem mais próximas do socialmente aceitável, sopesando as sensibilidades individuais com o

correspondente comunitário. Assim, podemos citar como exemplo o indeferimento do pedido de indenização por

dano moral feito contra a amante do ex-marido pela ex-esposa que fora “traída virtualmente” por este. Entendeu

a 9º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que o dever de fidelidade existe apenas entre os

cônjuges e não se estende a terceiro. Este último não é obrigado a zelar pelos deveres reciprocamente assumidos

pelo casal, mesmo que a esposa, segundo alega, tenha sido exposta à situação vexatória em razão da relação

extraconjugal mantida pelos demandados pela via virtual e com isso sofrido sofrimento emocional intenso,

submetendo-se a tratamento psiquiátrico. Apelação Cível, Processo nº 70040793655, Comarca de Erechim. 9ª

Câmara Cível, Apelante Ozilda Antunes Gomes , Apelado Josilandia Almeida Aguilar e Marcos Paulo Alves dos

Santos, disponível em

http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=indeniza%E7%E3o+dever+de+fidelidade&tb=jurisnova&pesq=ementario&parti

alfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac

%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%2

9&requiredfields=&as_q=&ini=0, acessado em 24 de janeiro de 2013

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igualdade, liberdade e a responsabilidade por si e pelos outros, no reconhecimento mútuo da

solidariedade intrínseca nas relações intersubjetivas.

É manifesto que tais colocações podem soar demasiadamente utópicas e

aparentemente sem base lógica verificável ou mecanismos indicativos de repetição e

padronização. É verdade. Nada do que aqui foi proposto é exclusivamente funcional, mas

intensamente humano. E isso é o que imaginamos faltar atualmente no meio jurídico.

Por enquanto é importante recordar que o Direito é reflexo da incompletude de todos e

que o destino das pessoas, assim como a Justiça, não está paralisadamente escrito nem aqui

nem nos céus, mas resta incompleto e em constante e dinâmica grafia na Terra.

Cremos que, agindo em tal perspectiva sensível e libertadora, o Direito poderá, nas

palavras de Antonio Castanheira Neves915

, “(...) cumprir a sua autêntica função de Direito –

afirmar-se como a última instância crítica (...) da comunidade, através da qual o homem se

afirmará na sua dignidade indisponível à prepotência do poder, seja o poder de outros

homens, seja o poder do poder político”.

8- A preservação da sistematicidade

É possível se pensar que o aqui proposto pode afastar o Direito de sua sistematicidade.

Assim não o cremos. Na verdade, acreditamos que a sistematicidade é preservada, mas

agora percebida em novos ângulos.

Na verdade, admitem-se facilmente as dificuldades referentes à delimitação precisa da

noção de sistema, pois existem inúmeros enfoques sistêmicos nas distintas áreas do

conhecimento.

No caso específico da linguagem jurídica, é comum a associação entre as expressões

sistema jurídico e ordem ou ordenamento jurídico916

, pelo que tentaremos inicialmente trazer

915

CASTANHEIRA NEVES, Antonio ,Digesta, vol. II. Coimbra: Coimbra Editora, 1985. 916

KERCHOVE Michel van de; OST François, Le Système Juridique entre Ordre et Dèsordre, Paris: Presses

Univeristaires de France, 1988, p. 22.

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uma noção aceitável de sistemas jurídicos para, ao final, propormos uma aproximação

admissível.

8.1- Direito e sistema917

O vocábulo Sistema tem origem grega, e significa aquilo que é construído (synistemi),

esclarecendo Márcio Pugliesi918

que a noção de sistema sempre engloba duas ideias: relação e

organização, ou seja, os elementos do sistema se relacionam e adquirem uma organização,

sendo que a complexidade varia em função do número de tais elementos e relações.

Esclarece ainda o mesmo autor919

que é incorreto pensar que todos os sistemas são

identicamente organizados, mas é possível identificarem-se ou definir alguns aspectos

estruturais e funcionais invariantes dos sistemas, como os constituintes de entrada e saída,

fluxois, conexões, meios de informação e decisão.

No entendimento de Maria Helena Diniz, Sistema:

É o aparelho teórico mediante o qual se pode estudar a realidade. É,

por outras palavras, o modo de ver, de ordenar, logicamente a

realidade, que, por sua, vez, não é sistemática. Todo sistema é uma

reunião de objetos e seus atributos (que constituem seu repertório),

relacionados entre si, conforme certas regras (estrutura do sistema),

que variam de concepção a concepção.920

Então, todo sistema pressupõe uma pluralidade de elementos, que podem ser de

natureza variada e que devem ser integrados entre si921

, ou como diz Norberto Bobbio, o

sistema se mostra como ‘totalidade ordenada922

.

917

Percorreremos basicamente o mesmo itinerário de raciocínio e autores mencionados em MENDONÇA, Paulo

Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, mormente p 113-146. 918

PUGLIESI, Márcio, Teoria do Direito, 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p.58 919

PUGLIESI, Márcio, ob.cit. p.63-64. 920

DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 8 921

KERCHOVE Michel van de; OST François, op. cit., p. 25. 922

BOBBIO Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, tradução de Cláudio de Cicco e Maria Celesta C. J.

Santos, São Paulo: Polis; Brasília, Universidade de Brasília, 1989 (orig. 1982), p. 71.

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459

Desta forma, a existência de tal ordem pressupõe um relacionamento coerente entre os

entes que a formam e, aplicada ao ordenamento jurídico, referida noção implica uma

coerência entre as normas que dele fazem parte, como esclarece Maria Helena Diniz:

O sistema jurídico é o resultado de uma atividade instauradora que

congrega os elementos do direito (repertório), estabelecendo as

relações entre eles (estrutura), albergando uma referência à

mundividência que animou o jurista, elaborador desse sistema,

projetando-se numa dimensão significativa. O sistema jurídico não é,

portanto, uma construção arbitrária.923

Outro aspecto a ser destacado é a necessidade da unidade do sistema de identificação e

harmonização, ou seja, a existência de traços de identidade que permitam indicar o que faz

parte do sistema e o que não faz, sendo certo que os princípios desempenham esse papel 924

.

Resta, pois, saber quais são os elementos constitutivos dos sistemas.

Supondo, de logo, que estes podem ser normativos, valorativos, de tarefas e atitudes,

práticos e institucionais925

, concluimos que seus elementos correspondem aos diferentes tipos

de diferentes entidades, sendo que, no caso dos sistemas jurídicos, encontramos fatos, valores

e normas (e pessoas, acrescentamos).

Além de tais elementos, é preciso verificar como operam as relações entre eles,

observando-se inicialmente que os critérios de verificação variam conforme o grau de

abertura do sistema pesquisado, ou seja, tratando-se de sistemas fechados, autorreferenciados

e não submetidos a pressões externas, utilizam-se critérios diversos daqueles usados para

análise de um sistema aberto, receptivo às influências e demandas do meio em que está

inserido e até mesmo de outros sistemas.

Em tal aspecto relacional, pode-se afirmar que ditas relações são estáticas e dinâmicas;

formais e materiais; lineares e circulares etc.

923

DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 9 924

KERCHOVE Michel van de, OST François, op. cit., p. 25. 925

KERCHOVE Michel van de, OST François, op. cit., pp. 30-31.

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Indicam Kerchove e Ost926

que também há de se ver como se dá a interação dos

sistemas com o meio no qual está inserido, pois tal feitio indica suas fronteiras e eventuais

existências de outros sistemas ou subsistemas subordinados ao primeiro, além de possibilitar a

análise das possibilidades de adaptação e flexibilização do sistema a novas situações.

8.2- Tipos de sistema

O enfoque sistemático do Direito desde a Idade Moderna trouxe intensivo impacto no

mundo jurídico, principalmente pela superação do raciocínio casuístico e adoção de noções de

unidade e organicidade das normas jurídicas.

Tal repercussão ensejou a percepção de três formas de sistema identificadas por

Michel van de Kerchove e Francis Ost927

como sendo sistemas estáticos e sistemas dinâmicos;

sistemas formais e sistemas materiais; sistemas circulares e sistemas lineares.

8.2.1- Sistemas estáticos e sistemas dinâmicos

A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen possui como uma de suas características

principais a distinção entre sistemas estáticos e dinâmicos no que diz respeito à relação entre

as normas jurídicas que o compõem.

Assinala o autor:

A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a

norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem

espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a

norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela

é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas

jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das

outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou

níveis de normas jurídicas928

.

926

KERCHOVE, Michel van de, OST François, op. cit., p. 31. 927

KERCHOVE, Michel van de, OST François, op. cit., p. 52. 928

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, título original Reine Rechtslehre, 6ª edição, trad. João Baptista

Machado. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003, p. 310.

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No mesmo sentido, Norberto Bobbio929

esclarece que sistema dinâmico é aquele

fundado por um critério de autoridade, no qual todas as normas jurídicas têm validade

determinada pela forma de sua criação e retiram o seu fundamento de validade de uma norma

pressuposta, denominada norma fundamental. Já o sistema estático representa um modelo em

que cada norma tem a validade aferida em função de seu conteúdo que deve ser compatível

com os axiomas que orientam aquela ordem normativa.

Normalmente, os sistemas de normas jurídicas são considerados de tipo dinâmico ante

a obediência dos critérios de competência e validade, de acordo com um determinado

processo de elaboração930

.

Desta forma, para Hans Kelsen, seria inviável a existência de um sistema jurídico

estático ante a inexistência de apoio em norma superior que fundamentasse as normas, não

podendo estas se fundamentarem. Assim, é notada a necessidade da construção do significado

das normas, com base nos padrões de organização sistêmica instituídos pela Norma

Fundamental.

Assim, como se sabe, a figura geométrica da pirâmide poderia ser utilizada para

representar o sistema jurídica kelseniano. Cada norma nova para ter validade e entrar no

sistema, deveria ser validada por sua norma antecessora, pois esta já foi validada por outra

norma, até chegarmos à norma pressuposta fundamental, que representaria o topo da

pirâmide931

.

A figura da pirâmide não seria a única possível a explicar o funcionamento do

ordenamento jurídico.

Tércio Sampaio Ferraz Jr faz uso de um círculo para representá-lo, pois os

ordenamentos jurídicos não são homogêneos, embora coesos. Diz o autor:

O caráter imperativo ou vinculante de suas normas depende da coesão

de sua estrutura que pode ser rígida, flexível, etc. Não há uma norma a

929

BOBBIO Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, op. cit., p. 72. 930

BOBBIO Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, op. cit., p. 73. 931

BITTAR, Eduardo C.B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 2ª ed. São Paulo:

Atlas, 2002, pg. 470.

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conferir-lhe unidade, porque os ordenamentos contêm séries

normativas plurais. A hierarquia legal, portanto, é uma das estruturas

possíveis do sistema dinâmico, que pode, de momento para momento,

assumir outros padrões (padrão-efetividade, padrão-legitimidade,

padrão dos regimes de exceção etc.). O que explica, no direito

moderno, a predominância do padrão constitucional, fundado no

princípio da legalidade, e que conduz a dogmática a pensar no

ordenamento como um sistema unitário, é uma razão de ordem

ideológica: a forte presença do Estado e a concepção liberal do

direito.932

Há necessidade de destacar o fato de que, conforme esclarece Michel Troper933

, não há

uma definição clara por parte de Hans Kelsen a respeito do conteúdo da norma superior, que

serve de pressuposto de validade para as demais normas do ordenamento jurídico, ainda mais

quando tal norma superior fundamenta as demais.

Conclui o autor que, na verdade, mesmo no sistema dinâmico, o conteúdo da norma

inferior também se mostra relevante para sua aplicação, pois deve corresponder ao conteúdo

político da norma superior. Assim, não apenas a situação de subordinação das normas

influencia sua aceitação como parte do sistema, mas também as próprias características

estáticas de conformidade ideológica934

.

Desta maneira, evidenciamos que o sentido da norma jurídica não pode ser aferido

apenas pelo fato de estar ela inserida em uma determinada ordem jurídica, mas também pelas

relações entre todas as normas, o que fortalece a visão sistêmica do direito.

Concordam Kerchove e Ost935

e Michel Troper936

a ideia de que o Direito Positivo das

sociedades modernas é, na verdade, em parte dinâmico e, em parte, estático, sendo

fundamentado tanto na autoridade formal de sua estruturação como com base em seu

conteúdo.

932

FERRAZ JR. Tércio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito – técnica, decisão, dominação, sexta

edição. São Paulo: Atlas, 2008, p. 179. 933

TROPER Michel, Pour Une Théorie Juridique de LÉtat, Paris: P.U.F., 1994, p. 169. 934

TROPER Michel, op. cit., p. 170. 935

KERCHOVE Michel van de; OST François, op. cit., p. 62. 936

TROPER Michel, op. cit., p. 175.

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463

Notamos, desde já, que na combinação entre regras gerais, que servem de fundamento

para as decisões, e a análise do caso concreto para a aplicação da norma mais consentânea

com a realidade considerada, a importância da atuação dos juízes é ressaltada.

8.2.2-Sistemas formais e materiais

Além do fundamento de validade das normas integrantes do sistema, impõe-se

verificar seu conteúdo e a sua forma de elaboração, malgrado entendermos forte vinculação

entre tais perspectivas.

Assim, ao colocar-se em relevo o aspecto formal como elemento estruturante do

sistema normativo, tem-se como pressuposto o nexo entre as normas, independentemente de

seu conteúdo.

Quando se destaca o aspecto material ou substancial de um sistema, pondera-se sua

estruturação com suporte em elementos extranormativos, como instituições, princípios e

valores que na verdade constituem as normas e, consequentemente, o próprio sistema.

Com efeito, os sistemas jurídicos não podem ser encarados como os sistemas

matemáticos que possuem relações puramente formais e baseadas em processos dedutivos.

Na realidade, por se sustentarem em opções ideológicas, os sistemas jurídicos fundam-

se em normas jurídicas que possuem certos valores previamente instituídos e expressam-se

por modelos sistêmicos claramente “axiologizados”.

Em suma e nas palavras de Michel van de Kerchove e Francis Ost 937

e Claus-Wilhelm

Canaris938

, podemos dizer que os sistemas jurídicos formais e materiais são verdadeiramente

complementares ante a existência conjunta de suas características de adequação valorativa e

unidade da ordem jurídica.

937

KERCHOVE Michel van de; OST François, op. cit., p. 66. 938

CANARIS Claus-Wilhelm, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito,

tradução de António Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

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464

Referida visão sistemática no campo do Direito serve de base para a chamada

interpretação sistemática e adequação valorativa, o que resulta na inserção nas normas no

contexto mais geral da realidade jurídica produzindo maior congruência entre Ética e Direito,

mormente com aplicação do princípio isonômico939

.

8.2.3- Sistematicidade formal e suas insuficiências

Tentaremos agora traçar detalhes a respeito dos sistemas formais, destacando algumas

de suas características, como seu caráter dedutivo, a formalização, a axiomatização, a

decidibilidade, a independência, a coerência e a completude.

Sobre o caráter dedutivo dos sistemas formais indica a influência da racionalização do

Direito ocidental a partir da Idade Moderna, com intensiva influência nos sistemas

racionalistas de Direito Natural dos séculos XVII e XVIII.

A despeito de o enfoque dedutivista do sistema jurídico poder servir como referência

para variadas concepções teóricas sobre o Direito, é preciso admitir suas limitações e verificar

os necessários fundamentos analíticos, factual e contextual, para a interpretação e aplicação

das normas, mormente quando é percebido que estas se valem até mesmo por meio de

mecanismos intuitivos, ou da utilização de elementos da tradição, costumes e princípios

gerais, todos estes fortemente marcados pelo subjetivismo e, evidentemente, afastados de

esquemas lógico-formais.

Não há, pois, que se falar na concepção silogística da atividade judicante de tomar-se o

processo de aplicação do Direito como mera relação entre uma premissa maior (a lei) e uma

premissa menor (o fato). As normas processuais relativas às provas, aí incluindo as permitidas

e seus modos de coleta e documentação, além das bordas de apreciação, indicam claramente

que o raciocínio jurídico não é tão preciso quanto os formalistas intentam.

Como afirmado, não defendemos a ilogicidade do Direito, mas ressaltamos que a

lógica jurídica não é formal, mas valorativa, sendo certo que a referência lógico-dedutiva

pode existir a partir de tal base axiológica.

939

CANARIS Claus-Wilhelm, op. cit., p. 19.

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465

Assim, uma vez especificado e adotado o valor das condutas e das sanções porventura

pertinentes a não adoção das soluções jurídicas propostas para a resolução das questões,

podemos deduzir as consequências jurídicas daí decorrentes, preservando a concepção

sistemática.

Quanto à formalização, como traço característico dos sistemas formais, a ideia de se

seguirem protocolos de formalização de normas e se adotarem critérios de verificação do que

seja jurídico faz parte da tradição ocidental.

O exame de aspectos fáticos e valorativos, além dos puramente normativos, indica a

axiomatização dos sistemas formais, intrinsecamente relacionada com as propriedades de

decidibilidade do sistema e a independência dos axiomas.

Michel van de Kerchove e Francis Ost 940

indicam que a decidibilidade se refere a

existência de critérios intrassistêmicos de formação e admissibilidade dos axiomas, enquanto

a independência dos axiomas implica uma redução ao máximo da quantidade de proposições

que estruturam o sistema e que sirvam para ele como um todo.

Os autores revelam a fragilidade de tais características, ao evidenciarem o fato de que

os sistemas jurídicos concretos contêm diversas proposições de caráter implícito, que

necessitam de explicitação, como os ‘princípios morais’941

por exemplo, e que servem como

direcionamento tanto para o legislador, como para o juiz e o jurista, de forma geral.

Outro aspecto a ser verificado diz respeito à origem de tais valores, ou seja, a inserção

dos princípios nos sistemas de Direito derivariam do próprio sistema ou estariam em uma

posição exterior.

Entendemos que, na verdade, os valores inicialmente surgem na sociedade e só

posteriormente esta mesma sociedade os elege a fazerem parte de uma regulação e proteção

estatal diferenciada, alçando-os à esfera jurídica. Assim, nas normas jurídicas representam,

tão-somente, os valores sociais previamente estipulados elevados a patamares de maior

exigência e controle formal.

940

KERCHOVE Michel van de; OST François, op. cit., p. 78. 941

KERCHOVE Michel van de; OST François, op. cit., p. 78.

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466

Não se trata de defender uma verticalidade dedutiva axiomática, vez que a dogmática

jurídica consagra o princípio de que a lei especial prevalece sobre a geral, negando, pois, que,

em todas as situações, as normas retiram seus fundamentos das normas anteriores.

É certo, ainda, que a utilização rigorosa de axiomas pode impedir a aplicação maior

dos princípios gerais nos casos inéditos, dificultando assim a decidibilidade dos juízes e a

atuação dos intérpretes, comprometendo a flexibilidade e adaptabilidade a novas situações.

Assim, não é, portanto, admissível no Direito uma decidibilidade nos moldes exclusivos dos

sistemas axiomáticos.

O aspecto de independência dos sistemas formais, caracterizado pela pressuposição da

ausência de sobreposição normativa não corresponde, no entanto, à realidade, havendo

inúmeros casos de conflitos normativos, sejam estes aparentes ou reais, tendo a dogmática

jurídica desenvolvido técnicas de seleção das normas aplicáveis a cada situação.

No que diz respeito à questão da coerência, estase refere à unificação do Direito e da

harmonização das normas.

Neste aspecto, esclarece Maria Helena Diniz, a antinomia pode ser entendida como

"(...) conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de

direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas

conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular"942

.

As antinomias existem, como regra geral, entre normas conflitantes do mesmo

ordenamento jurídico e que tenham o mesmo âmbito de validade, seja temporal, espacial,

material ou pessoal.

Então, para que se admita a ocorrência de antinomia jurídica, há de se observar que as

normas que expressam ordens ao mesmo sujeito emanem de autoridades competentes num

mesmo âmbito normativo e de abrangência, os comandos normativos se contradigam e o

sujeito destinatário da norma se encontre na posição insustentável de não ter claramente

norma válida a seguir, sendo certo que, se seguir uma, ferirá a outra.

942

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito: introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica, 24 ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p.503.

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467

No caso do ordenamento jurídico nacional, o conflito que venha a existir entre regras é

passível de solução com base no art. 2º da Lei de Introdução ao Direito Nacional (antiga Lei

de Introdução ao Código Civil), observando-se a sua validade, vez que uma regra revoga

outra, ao que se chama antinomia de 1º grau.

Quando, porém, o conflito se dá entre princípios, tem-se a antinomia de 2º grau, ou

seja, havendo igual posicionamento hierárquico perante à Constituição, exatamente por conta

da unidade da Carta Magna, deve-se saber qual dos princípios será aplicado, pois não há

hierarquia entre os mesmos.

Assim, ocorrendo conflito principiológico, a solução se dará mediante o critério

valorativo, escolhendo-se o princípio mais adequado com base no critério da relevância.

O equilíbrio do ordenamento jurídico é mantido, pois, mediante a utilização de vários

critérios como forma de harmonizar as normas, visando à garantia de coerência do sistema

jurídico.

A ordem jurídica, então, não pode ser tratada como um sistema puramente formal,

sobretudo quando se tem em vista o fato de que até mesmo no procedimento de solução de

antinomias, de natureza eminentemente técnica, a análise das características de cada caso tem

grande relevância.

No que se refere à chamada completude, última característica clássica dos sistemas

formais, a sua verificação no direito é ainda mais problemática, ante a percepção de lacunas.

Em tais hipóteses, a própria dogmática indica a aplicação da analogia, costumes e

princípios gerais do Direito como forma de integração normativa.

8.2.4- Sistematicidade material e a aproximação do real

Os sistemas jurídicos não se enquadram com perfeição no modelo lógico-formal,

possuindo certa sistematicidade de cunho material.

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468

Na realidade, é preciso admitir que, conforme Michel van de Kerchove e Francis

Ost943

, é identificável o fato de que as sistematicidades formal e material possuem claras

interdependência e completude.

Neste aspecto, enquanto a sistematicidade formal permite ser encarada como

possuidora de conteúdo lógico e rígido, sem maiores preocupações sobre a finalidade e as

razões de existência do sistema, o sistema material denota um perfil teleológico e orgânico,

caracterizado pelo equilíbrio e harmonia real de seus critérios de análise mais sensíveis do que

a mera coerência lógica, admitindo a relevância dos fatos para a correta e justa interpretação

da normatividade e construção da solução justa para o caso concreto.

Em tal completude e interdependência, a realização de valores baseados em critérios

dedutivos, além de certos pressupostos dos sistemas formais como a coerência e a completude

servirem de garantia para a segurança jurídica do ordenamento. Entendemos, ainda, que os

princípios adotados pela ordem jurídica, tais como função social, solidariedade e tratamento

isonômico, por exemplo, representam aspectos materiais da realidade intersubjetiva.

Enfim, além da interdependência, os sistemas jurídicos formais e materiais exprimem

uma relação de complementaridade, havendo a dupla necessidade de as normas jurídicas

terem suas validades conferidas por critérios previamente estabelecidos e ao mesmo tempo

correspondam em suas interpretações e aplicações práticas ao percebido como justo pela

sociedade e apoiado pelo costume, pelos princípios gerais de direito e da jurisprudência.

Fácil é, pois, perceber que, ao lado da lógica formal e abstração das normas, convivem

o raciocínio axiológico e suas percepções fáticas, histórica e espacialmente situadas,

acompanhadas de fatores particulares do intérprete e aplicador do Direito.

Tais fatores mais subjetivos referem-se a elementos psicológicos, adesões ideológicas,

concessões particulares, agudezas individuais e sensibilidades singulares, tudo a fundamentar

a percepção do justo no caso concreto.

943

KERCHOVE Michel van de, OST François, op. cit., p. 90.

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469

Neste rumo, para a aplicação da analogia, desdobramento dos princípios gerais do

Direito, uso de interpretações extensivas e teleológicas e abrandamento ou excitação dos

textos normativos, há de ser efetivada intensa apreciação valorativa, tudo a escapar da

concepção meramente formal.

A jurisprudência, por ser derivada do caráter orientador dos tribunais, bem como

provedora das soluções para as lacunas e antinomias e aplicadora de soluções integrativas,

colabora para a formação de uma espécie de senso comum decisório, tendo por base a

realidade em questão e a normatividade disponível, é, portanto, comprovação clara do caráter

complementar entre a sistematicidade formal e material no Direito.

8.2.5- Sistemas lineares, circulares e em espiral

Como já visto, a concepção hierárquica piramidal de Hans Kelsen, em sua percepção

linear e diretiva vertical acerca do sistema jurídico, parte da ideia de que as normas que o

integram possuem relação de mera subordinação entre si, ou seja, aquelas que figuram nos

estratos mais elevados do ordenamento jurídico servem de fundamento para as situadas nos

níveis mais baixos.

Outras correntes de pensamento no Direito seguem o padrão de circularidade,

notadamente as de perfil realista e sociológico, em que as decisões judiciais ocupam o centro

do sistema e não nos axiomas formadores do ordenamento jurídico.

Ocorre que, nas palavras de Michel van de Kerchove e Francis Ost 944

tal concepção

resulta apenas no deslocamento dos princípios condicionantes do sistema, indo da

manifestação legislativa para a manifestação judicial, sendo que as decisões dos tribunais são

utilizadas também de maneira linear e diretiva.

Defendem os autores945

a possibilidade de as “hierarquias entrelaçadas” (hierarquies

enchevêtrées) servirem de base o padrão sistemático para o Direito, ante a complexidade de

seus elementos e suas inter-relações.

944

KERCHOVE Michel van de; OST François, op. cit. p. 104. 945

KERCHOVE Michel van de OST; Fraçois, op. cit. p. 105.

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470

Assim, a concepção referida indica a ocorrência de relações espirais entre os

elementos do sistema, de maneira que não há neste tipo de sistema caminho único,

hierarquizante, entre os seus componentes, ocorrendo uma pluralidade de relações entre eles,

que poderão ser de ordem dedutiva ou indutiva, conforme o caso.

Destacam os autores946

o fato de que, em tal modelo sistemático do tipo espiralizado,

existem hierarquias entrelaçadas em que, apesar da verificação de gradações entre os

elementos, admitem que os elementos de nível inferior por vezes possam subverter tal lógica,

como quando os processos decisórios fornecem novas interpretações normativas sobre os

casos concretos, de forma que podem tais decisões se tornarem mais relevantes do que os

próprios textos normativos.

Tal percepção chega a propor que a interpretação da norma constitui a própria base

para a construção de seu significado por parte dos órgãos encarregados da aplicação do

Direito, rompendo com o entendimento clássico de que a ordem jurídica teria sua formação

com base nas previsões normativas oriundas dos órgãos legislativos.

A sistematicidade espiral (bouclée) indicada pelos autores947

caracterizar-se-ia, assim,

pela admissão de criação conjunta das normas por autoridades legislativas, administrativas e

judiciais, sendo as primeiras versões legislativas das normas revisitadas e revistas pelo Poder

Judiciário (principalmente no que diz respeito ao controle da constitucionalidade) e

administração (quando esta propõe a lei e posteriormente a regulamenta).

O fato é que, realmente, o fenômeno jurídico admite vários enfoques e as instituições

de Direito estão em constante mutação, em virtude de contingências históricas e culturais.

8.3- Uma sistematicidade específica para o Direito e a complexidade de Edgar Morin

A complexidade dos fenômenos jurídicos não pode derivar para o tratamento

assistemático do Direito.

946

KERCHOVE Michel van de, OST François, op. cit. p. 107. 947

KERCHOVE Michel van de, OST François, op. cit. p. 108.

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A proposta de Michel van de Kerchove e Francis Ost é da adoção de um enfoque

sistêmico particular para o Direito, que associe circularidade e hierarquia, de maneira a

possibilitar que o raciocínio tópico se insira na estrutura sistemática do ordenamento jurídico.

Cremos que a ideia mais aceitável de Direito como sistema948

, bem como as

percepções a respeito de sua autonomia, estão ligadas à consideração de ser ele, no dizer de

Edgar Morin949

, um sistema vivo e, por isso, fecundo, auto-organizado e tornado complexo

pelo desequilíbrio das interações com o meio ambiente e seus ecossistemas.

É, pois, o Direito um sistema autoeco-organizador que utiliza informações que vão

além do aspecto comunicacional e se apresentam como memória, saber, mensagem, programa

ou matriz organizacional.

Esclarece Edgar Morin que a ideia de auto-organização postula a lógica da

complexidade, com a percepção da individualidade do ser vivo advinda dos contextos

fenomênicos, bem como por sua correspondente autonomia organizacional, organísmica e

existencial.

Desta forma, enquanto o sistema fechado não tem qualquer individualidade nem troca

com o exterior, mantendo relações limitadas com o meio ambiente, o sistema autoeco-

organizador não se basta nem é autossuficiente, mas necessita de matéria/energia, informação

e ordem do meio ambiente para a própria formação.

Exemplifica Edgar Morin que a chama de uma vela, a constância do meio interno de

uma célula ou de um organismo, e mesmo o ego950

, têm em comum o desenvolvimento de

desequilíbrio no fluxo energético que os alimenta, sendo certo que sem tal fluxo ocorreria

desordem organizacional, com inevitável definhamento.

948

Observemos a crítica de Raimon Panikkar a respeito de sistemas, considerando-os artificiais perante o

dinamismo da vida, afirmando que não é a dialética nem a lógica que deduzem o destino do mundo, mas sim o

componente divino. PANIKKAR, Raimon, Os maiores são os mais humildes in BARLOEWEN, Constantin

Von, Livro dos Saberes – diálogos com os grandes intelectuais de nosso tempo, título original Le Livre des

Savoirs, tradução de Will Moriz, São Paulo: Editora Novo Século, 2010, p.309. 949

MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre : Editora Sulina, 2007, p.21, 22, 26, 32. 950

Sigmund Freud indica que o Ego é um sistema aberto ao mesmo tempo sobre o Id e o Superego, constituindo-

se com origem em ambos. MORIN,Edgar, ob. cit. p.23.

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Assim, o aparente equilíbrio de um sistema é baseado no paradoxo de ser ao mesmo

tempo mutante, ou seja, as estruturas permanecem as mesmas, ainda que seus componentes se

renovem sem cessar.

No mesmo contexto, tal sistema também se fecha para preservar a identidade

(autonomia), mas o faz pela abertura.

Desde modo, as leis de organização da vida são de desequilíbrio, recuperação ou

compensação e seu entendimento é encontrado não apenas no próprio sistema, mas também

em sua relação constitutiva com o meio ambiente.

Segundo o autor, complexidade951

vai além das quantidades de unidade e interações,

compreendendo incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios e mesmo contradições

dentro de sistemas ricamente organizados, ligada que está a certa mistura íntima de ordem e

desordem.

Esclarece Edgar Morin que o pensamento complexo não recusa a clareza e a ordem,

mas apenas as considera insuficientes para agir no mundo real de mudanças constantes952

.

Ademais, a complexidade situa mundo e sujeito de maneira recíproca e inseparável: o

mundo só pode aparecer como um ecossistema de um ecossistema para um sujeito pensante e

este, por sua vez, é resultado de etapas de desenvolvimento influenciadas pelo ecossistema.

No mesmo sentir, a complexidade evita a disjunção e a anulação do sujeito e do

objeto, indicando que estes isoladamente considerados são conceitos insuficientes por

privarem ambos do entorno de si, justamente constituído pelo outro.

Tal entendimento afirma ainda que sujeito e objeto devem permanecer abertos às

influências e formações recíprocas, possibilitando conhecimentos ao mesmo tempo mais ricos

e menos certos, ampliando nossa visão sobre o que aparentemente se mostra como

contraditório ou inaplicável.

951

MORIN, Edgar. Ob. cit. p.35 e 39. 952

MORIN, Edgar, ob.cit. p.83.

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As incertezas inerentes à complexidade ensejam, pois, a correção umas das outras pelo

diálogo de suas limitações, operando-se constantes revisões das convicções, tomando em

consideração inclusive o ecossistema social ao superar qualquer ideia de síntese dialética.

Na perspectiva de Edgar Morin953

, o lugar a ser ocupado não é o lugar-trono estático,

mas o lugar em movimento, imerso em realidades não ideais abertas às dúvidas e hesitações,

produzidas todas continuamente pela diversidade das existências, pelo abandono das

presunções de exatidão e pelas rupturas com verdades incontestáveis.

Com esta posição, opera-se o refinamento do próprio conceito de sujeito, agora

integrado ao ecossistema amplo natural, social, familiar e mesmo em contato com os próprios

mundos internos por vezes ainda submersos pelo entulho da infalibilidade automistificada,

tomados que estão pela vaidade avolumada, encobertos pelos escombros das experiências

emocionais inibitórias e obstruídos pela ignorância das potencialidades da factível vida plena

em liberdade dependente e integrada.

Referir-se à autonomia do Direito pressupõe, pois, além da complexidade de sua

formação constitucional e normativa, sua convivência com as assimetrias das versões dos

fatos em questão e a coexistência com as expectativas sociais e com outras autonomias das

demais áreas do conhecimento que o influenciam.

Realiza-se, por assim dizer, neste condomínio de interações, o retorno integrador das

realidades banidas pela dogmática cartesiana.

Ademais, tratando com fatos humanos, a autonomia do Direito interage com as

complexidades dos próprios agentes atuantes (juiz, pessoas-partes, Ministério Público,

auxiliares da Justiça, testemunhas etc.) e suas correspondentes amplidões éticas e emocionais

a guiar a autocrítica de suas compreensões, valorações, escolhas, raciocínios e argumentações.

A autonomia do Direito é, assim, alimentada pela dependência contextual de uma

educação, de uma linguagem, de uma cultura, de uma sociedade e de seus agentes atuantes e

seus objetos sujeitos (partes e advogados por sua vez sujeitos também autônomos e

953

MORIN, Edgar. Ob.cit. p.49.

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dependentes), sempre em interação e interrinfluência com a diversidade dos mesmos

elementos.

O desafio da complexidade da autonomia do Direito deve ser também percebido não

como imune aos condicionamentos das mudanças sociais ou implicações econômicas e

tecnológicas, mas como um modo de ser autônomo e fiel ao seu sentido de crescimento

humanitário, preservando sua maneira de conduzir-se ética e humanamente perante aos

mercados cada vez mais predatórios e aos processos de marginalização social.

É claro, pois, que o Direito é afetado pela realidade histórica em que está inserido e

que tem limitações de atuação e resistência perante a eventuais arbítrios. Por outro lado, sua

incompletude e insuficiência são benéficas no sentido de que apenas tal percepção possibilita

o aprendizado, adaptação e atualização, além de propiciar a recusa de manter-se fechado na

crença de que o que acontece hoje vai continuar acontecendo para sempre

(contemporaneísmo954

).

A questão fundamental surge, desde aí, como sendo o desafio de saber mudar

conservando-se autônomo e sem perder sua essência humanitária, isto é, ser sempre Direito,

mas sem ser sempre o mesmo.

Saber mudar não significa controlar a mudança, mas saber lidar com os novos mundos

que aparecem, com as angústias que agora se mostram, com as lutas que ganham voz, com as

situações densas e imprevisíveis que surgem nos dramas humanos em descortinamento.

Em resumo, se fosse ao Direito perguntado claramente - Quem é você?, a resposta

mais sensata e psicologicamente plausível seria - Eu somos955

.

Na aparente incorreção, revela-se a complexidade do Direito e de todos nós, na

constatação do paradoxo de que o singular na gramática é plural na essência. Tal conclusão

não se opera intelectual, mas existencialmente.

954

MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo. Título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre: Editora Sulina, 2007, p.83. 955

Colocações inspiradas no texto Quem sou?, de Rubem Alves, in ALVES, Rubem, Palavras para desatar

nós, Campinas: Editora Papirus, 2011, p.156-160.

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Somos, pois, muitos habitantes em um só corpo. Os eus moram conosco e cada um

toca uma música diferente com instrumentos diversos. Somos seres em poses para fotógrafos,

nos esgueirando para melhor coincidir com a escorregadia imagem que possuímos de nós

mesmos. Somos Legião956

, como já nos foi advertido. Somos, a um só tempo, nós e nossos

intrusos. Nós e nossas formas e deformidades. Nossas luzes e trevas, beleza e extravagância.

Somos cientes e enganados, cruéis e magnânimos, ternos e arrogantes. Nossas eus-partes

despertam e dialogam conforme os estímulos e consciências.

E a cada dia somos novos, mas como pássaros com rastros957

.

Persiste, assim, a esperança. Por via de mudanças interiores, nós e o Direito podemos

ser o que quisermos. De possessos, podemos passar a ser libertos. E mais: podemos ajudar as

pessoas a promoverem as próprias libertações.

Basta, ressaltamos uma vez mais, não perdermos a condição de sujeito desse processo,

nem esquecer o horizonte autocrítico ou a essência da procura pelo justo.

956

Marcus 5, 1 a 20, Mateus 8, 16 , Marcos 1, 32-34, Marcos 1, 21-28, Marcos 9, 14-29, Lucas 4, 40-41, Lucas

8, 26-39, Lucas 4, 31-37, Lucas 9, 37-43, Mateus 8, 28-34,Mateus 15, 21-28, Marcos 7. 24-30, Mateus 17, 14-

21. 957

Disse Fernando Pessoa, por meio de Alberto Caeiro:

ANTES O VÔO DA AVE

Antes o vôo da ave,

que passa e não deixa rastro,

Que a passagem do animal,

que fica lembrada no chão.

A ave passa e esquece,

E assim deve ser.

O animal,

onde já não está

E por isso de nada serve,

Mostra que já esteve,

o que não serve para nada.

A recordação

é uma traição à Natureza,

Porque a Natureza

de ontem não é Natureza.

O que foi não é nada,

e lembrar é não ver.

Passa, ave, passa,

e ensina-me a passar!

- Alberto Caeiro, poema Antes o voo da ave, disponível em

http://www.fpessoa.com.ar/heteronimos.asp?Heteronimo=alberto_caeiro, acessado em 31 de Dezembro de 2013.

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9- O retorno sensível da tópica e da poética e suas importâncias na concepção dinâmica

do sentimento do justo

A retomada da tópica no pensamento jurídico e o recobro de seu método na tentativa

de resolução dos problemas jurídicos mostra-se como forma aproximada de trazer o mundo

real cada vez mais perto do universo jurídico.

Os contatos com os problemas humanos em uma realidade também marcada pelas

características pessoais das partes envolvidas indicam a densificação do jurídico na esfera

sensível do real e no contato com os fatos social e intimamente vivenciados.

Apartando-se das meras ficções idealistas de um Direito perfeito em um mundo de

formas e aproximando-se das dores, angústias, pesares, desejos e esperanças concretas,

podemos dizer que a tópica volta a representar uma tentativa de fazer o mundo jurídico mais

afetivo e pessoal, na busca incessante de fazer justiça.

Verificamos, pela recuperação realizada por Theodor Viehweg958

, em seu marcante

livro Tópica e jurisprudência, cujos fundamentos serão fortemente utilizados, bem como nas

lições e dados principalmente encontrados na obra de Paulo Roberto Soares Mendonça959

,

com os acréscimos dos pensamentos de Tércio Sampaio Ferraz Jr960

e Maria Helena Diniz961

,

que podemos pensar em uma concepção sistemática do Direito e do sentimento do justo a ser

empregado cada vez mais humanamente caracterizável.

9.1- Fundamentos da tópica no Direito

O termo tópica tem matriz na expressão grega topos, correspondente à palavra latina

locus e refere-se à ideia de lugar-comum e ponto de vista, além de poder ser entendido como

ângulos de visão, níveis de percepção ou mesmo versão aceitável do que é examinado.

958

VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos

jurídico-científicos, tradução da 5. ed. Alemã, Profª. Kelly Susane Aflen da Silva, Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris, 2008. 959

MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar,

2003. 960

FERRAZ JR. Tércio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito – técnica, decisão, dominação, sexta

edição. São Paulo: Atlas, 2008 e Direito, Retórica e Comunicação. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1997. 961

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito: introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica, 24 ed., São Paulo: Saraiva, 2013.

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477

O pensamento tópico, característico da Antiguidade Greco-Romana foi retomado por

Theodor Viehweg, e direcionada à análise da matéria jurídica. Propôs o autor que o estudo das

Ciências Jurídicas incorporasse o processo de aplicação do Direito, superando a mera análise

estrutural do ordenamento jurídico e da relação entre suas normas.

Theodor Viehweg recuperou as bases da tópica mediante o pensamento de Aristóteles,

pois este a estudou em um dos seis livros do Organon, abordando a arte da disputa, que fazia

parte do domínio dos retóricos e sofistas962

.

9.1.1- A tópica de Aristóteles963

, Cícero e Theodor Viehweg

A tópica de Aristóteles, como se sabe, indicava como método964

de investigação a

constituição do raciocínio dialético partindo de opiniões majoritariamente aceitas a respeito de

qualquer problema e, a partir daí, desenvolvia a capacidade de replicar cada argumento, de

forma a verificar sua veracidade ou adequabilidade.

Neste rumo, Aristóteles965

estabeleceu quatro tipos de raciocínio: o demonstrativo ou

apodítico, em que há uma relação dedutiva entre premissas, sendo verdadeira a premissa de

que se parte; o dialético, exatamente aquele que parte de opiniões “geralmente aceitas” por

todos ou pela maioria; o erístico ou contencioso, formado pelas opiniões tidas como

geralmente aceitas, mas que efetivamente não o são, ou pelas opiniões sabidamente não

aceitas de forma majoritária e, por fim, o paralogístico ou falso raciocínio, que parte de

proposições que não se mostram nem primeiras, nem verdadeiras, e muito menos geralmente

aceitas966

.

962

VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos

jurídico-científicos, tradução da 5. ed. Alemã, Profª. Kelly Susane Aflen da Silva, Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris, 2008.p. 22. 963

As observações sobre a tópica e o Direito tiveram por base a pesquisa de Paulo Roberto Soares Mendonça,

inclusive no que diz respeito às referências e notas de rodapé referentes a Aristóteles in MENDONÇA, Paulo

Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 964

ARISTÓTELES, Órganon: Categorias, Da interpretação, Analíticos anteriores, Analíticos posteriores,

Tópicos, Refutações sofísticas; tradução, textos adicionais e notas Edson Bini, Bauru/SP: EDIPRO, 2005,

Tópicos, Livro I, I, p. 347-348. 965

ARISTÓTELES, Tópicos, Tradução de Leonael Vallandro e Gerd Bornheim, in Os Pensadores, v.IV, São

Paulo: Abril Cultural, 1973, Livro I, I, p. 348-349. 966

Eduardo Bittar, ao tratar da Tópica em Aristóteles ensina: “De fato, o raciocínio, como discurso (lógos) que

é, classifica-se em demonstrativo (1), dialético (2), erístico (3), além dos paralogismoí (4). Em (1), o raciocínio

parte de coisas verdadeiras e primordiais (coisas que têm credibilidade não por outras, mas por si mesmas) ou de

coisas que originam através de coisas primordiais e verdadeiras; em (2), o raciocínio parte de coisas plausíveis,

que são aquelas que parecem adequadas e verossimilhantes para todos, para a maioria ou para os sábios ou para

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A capacidade de argumentar intelectual, casual e filosoficamente era a maior das

intenções aristotélicas, de forma que no aspecto intelectual os tópicos possibilitam a

investigação, sendo certo que a aceitação dos argumentos expressos sobre determinado tema

permite o início da própria refutação correspondente, alargando a possibilidade filosófica de

encontrar os verdadeiros fundamentos dos problemas e das soluções de aplicação possíveis967

,

sendo este o princípio de todas as investigações.

O raciocínio dialético parte de premissas verossímeis dotadas de credibilidade,

contando com expressiva aceitação (endoxa), mas não correspondendo, obrigatoriamente, a

qualquer verdade comprovável, mas apenas a plausibilidade de tais premissas.

A tópica, por conseguinte, cuida de opiniões aceitas que estabelecem soluções para

problemas, sendo associada ao instrumental dialético dos processos argumentativos,

expressando-se como capaz de oferecer soluções para problemas, desde a apresentação e

refutação entre teses até se chegar a uma versão aceitável.

Nos Tópicos, Aristóteles tipifica os problemas da seguinte forma: problemas do

acidente (Livros II e III), baseados em situações momentâneas, que podem ser alvo de

alteração, sem alterar a essência de alguma coisa; problemas do gênero (Livro IV), que

enfocam os elementos - parte da essência da coisa, muito embora não sejam exclusivos dela, e

que servem inclusive de referência para o agrupamento de coisas semelhantes; problemas da

propriedade (Livro V), que retratam um predicado da coisa, que não indica a sua essência,

mas a diferencia das demais; e problemas da definição (Livros VI e VII), que implicam a

apresentação analítica dos traços fundamentais de alguma coisa por meio de uma frase.

A investigação aristotélica parte de problemas e proposições, sendo os primeiros o

ponto de partida dos raciocínios e as segundas formadas a partir dos argumentos utilizados na

solução dos problemas, além de serem ambos derivados dos já mencionados tópicos do

gênero, da definição, da propriedade e do acidente.

alguns dentre estes; em (3), o raciocínio parte de coisas que parecem ser plausíveis (aparência), quando em

verdade não o são (essência); em (4), constrói-se o raciocínio sobre supostos e premissas desprovidas de

qualquer base científica que autorize resultados satisfatórios ou precisos, tendo-se como consequência um

raciocínio desviado, que se encontra à latere do que verdadeiramente é. Estes, pois, os raciocínios e seus

característicos primordiais e distintivos”. BITTAR, Eduardo C. B., Curso de Filosofia Aristotélica: leitura e

interpretação do pensamento aristotélico, Barueri: Manole, 2003, p. 295. 967

ARISTÓTELES, Tópicos, op. cit., Livro I, II, p. 349-350.

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Partindo da fixação do sentido das proposições, problemas e argumentos,

Aristóteles968

criou um esquema de raciocínio que serviria de base para as atividades

intelectuais da Baixa Idade Média, principalmente na criação de proposições, delimitação de

sentido das expressões, diferenciação entre as coisas e investigação de semelhança969

.

Aristóteles, no Livro VIII dos Tópicos, trata exatamente do método a ser adotado ao

propor questões970

, elencando três etapas a serem percorridas neste processo: a escolha da

base em que serão propostas as questões, a organização mental das questões e, por fim, a sua

apresentação ao adversário. Indica o autor que a escolha das fontes dos argumentos e dos

topoi diz respeito aos âmbitos já mencionados do gênero, da definição, da propriedade e do

acidente, que são objeto dos Livros de II a VII dos Tópicos.

No livro VIII, Aristóteles elabora uma espécie de manual de técnicas de construção e

manejo de argumento, estabelecendo as premissas necessárias do raciocínio que servem de

suporte para distintas situações, assim como a forma de apresentação dos argumentos ao

adversário.

O arranjo e a formulação das questões indicadas pelo autor, com premissas necessárias

e premissas auxiliares, além dos recursos de indução, sustentação, evidenciação do argumento

e a dissimulação, formam basicamente as mesmas concepções argumentativas utilizadas no

pensamento jurídico medieval, com intensas aproximações com o raciocínio jurídico da

atualidade971

.

Aristóteles972

reconhece a possibilidade de chegar-se a conclusões verdadeiras com

base em premissas falsas, indicando que em tais hipóteses não se verifica a consistência

estrutural do raciocínio, uma vez que a conclusão está correta, embora as premissas da

argumentação não sejam as responsáveis por este fato973

.

968

ARISTÓTELES, Tópicos, op. cit., Livro I, XIII, p. 361. 969

Aristóteles detalha os passos destes procedimentos dialéticos, voltados a tornar mais claro o conhecimento,

em Tópicos, op. cit., Livro I, 347-349. 970

ARISTÓTELES, Tópicos, op. cit., Livro VIII, I, p. 517. 971

ARISTÓTELES, Tópicos, op. cit., Livro VIII, I-III, p. 517-528. 972

ARISTÓTELES, Tópicos, op. cit., Livro VIII, 11, p. 153. 973

ARISTÓTELES, Tópicos, op. cit., Livro VIII, 12, pp. 154-155.

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As bases dos raciocínios tópicos e argumentativos do pensamento aristotélico foram

de fundamental importância para a cultura jurídica ocidental, sendo também adotadas por

Cícero e aplicadas pelos próprios juristas romanos, além de terem servido de fundamento para

o pensamento jurídico medieval e para as vertentes tópicas do Direito, no século XX,

aproximando-se, como já adiantado, dos modernos precedentes.

Theodor Viehweg também se valeu das considerações de Marco Túlio Cícero, que

elaborou uma versão simplificada da tópica aristotélica no ano de 44 A.C.

Segundo o autor974

, a tópica de Cícero resultou da sistematização da tópica de

Aristóteles a pedido do jurista romano Trebatius Testa, com forte inclinação de caráter prático

e com o intuito de dar ao modelo aristotélico uma ordenação, por meio de um catálogo de

tópicos. Desta forma, a preocupação de Cícero era essencialmente prática, enquanto a de

Aristóteles era teórica, daí a afirmação de Viehweg975

de que “àquele [Aristóteles] interessam

essencialmente as causas; a este [Cícero], em troca, os resultados”.

Assim, a tópica de Cícero é caracterizada marcadamente por organizar e mostrar um

conjunto das máximas que serviriam como fundamento na resolução de problemas.

Os topoi expostos por Cícero eram, pois, utilizados em situações do Direito privado

romano, como casamento, herança, direitos dos filhos etc., servindo de conexão entre o

pensamento aristotélico e a jurisprudência romana, que também utilizava raciocínios voltados

à resolução de problemas, evidenciando clara vinculação entre o pensamento tópico e as

raízes da tradição jurídica ocidental976

.

Como já destacado, a tópica é uma técnica voltada à resolução de problemas.

974

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 27. 975

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 30. 976

Fixou o Filósofo um critério de organização dos topoi científicos da seguinte forma: topoi referentes ao todo e

topoi relacionados com determinadas situações. No todo, foram destacadas as definições, partes do todo

(divisão) e as suas designações (etimologia). Nos topoi aplicáveis apenas a determinadas relações são

estabelecidas conexões entre gênero, espécie, semelhança, diferença, contraposição, circunstâncias concorrentes,

causa, efeito e comparação. VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 29.

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Para Theodor Viehweg977, o problema envolve “toda questão que aparentemente

permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de

acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que

buscar uma resposta como solução.”

Como já evidenciado, o raciocínio tópico é marcadamente utilizado no contexto das

situações para as quais não há uma solução ou orientação decisória previamente estabelecida,

cabendo o desenvolvimento e eleição de opções plausíveis e a adoção de uma delas para o

caso concreto e que possa vir a servir de base para a solução de problemas semelhantes no

futuro.

Assim, do acúmulo de tais soluções possíveis e dadas aos problemas forma-se,

segundo Theodor Viehweg978

, um acervo de respostas para problemas, que constitui um

sistema.

Sobressai o autor, ainda, a importância de se investigar qual tipo de enfoque será

destacado no processo de aplicação do direito, a saber, o do sistema ou o do problema.

É que, se o destaque for centrado no sistema, os problemas e suas soluções passam a

ser analisados de acordo com o catálogo de deduções aceitos pelo sistema, adotando-se sua

padronização. Tal inclinação faz com que as próprias existências das questões sejam

percebidas de acordo com referida estandardização, ou seja, só é problema aquilo que o

sistema reconhece como tal. Nesta hipótese, caso não corresponda ao já verificado e aceito, a

questão não é jurídica, podendo pertencer a outras dimensões.

Em outra vertente, se o problema passa a ser o ponto de referência básico, caso um

determinado sistema dedutivo não ofereça uma solução, admite-se a busca em outros sistemas

uma forma de resolução.

Assim, a tópica parte exatamente deste segundo tipo de abordagem, assumindo como

relevante a resolução dos problemas e não o apego a insuficiências sistêmicas.

977

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 34. 978

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 34.

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482

Destaca Theodor Viehweg979

a possibilidade do que denomina de tópica de primeiro

grau resultante de um procedimento quase instintivo e que ocorre quando se está diante de um

problema para o qual não existe um referencial decisório prévio, sendo, entretanto, necessário

oferecer imediatamente uma solução.

Indicou o autor como tópica do segundo grau o procedimento que parte de pontos de

vista já consolidados, contidos nos denominados catálogos de topoi, muito utilizado, como já

mencionado, nas atividades acadêmicas no Ocidente, deste a Antiguidade.

A amplitude e a incidência dos topoi é variada, podendo representar lugares-comuns

próprios de cada esfera do conhecimento, sendo alguns genéricos enquanto outros podem ser

relacionados especificamente a determinadas matérias. O modo de pensar tópico, entretanto, é

comum qual seja a preocupação com o problema.

Raciocinar com base no problema exige uma capacidade de buscar soluções que ao

mesmo tempo sejam aceitáveis em termos sistêmicos e correspondam às peculiaridades do

caso sob análise, o que exige do intérprete e aplicador muito mais sensibilidade e consciência

social.

Inexiste incompatibilidade lógica entre o raciocínio tópico e a existência de premissas

orientadoras do pensamento, pois agir de acordo com topoi implica uma relação de

complementaridade entre a análise específica do problema estudado e a verificação da

adequabilidade das premissas.

Assim, longe de qualquer atuação arbitrária, o que se verifica é a construção tópica das

premissas desde a análise dos problemas, sendo tais premissas tabuladas e organizadas

logicamente, pelo que os sistemas encontram nos próprios problemas sua fonte de geração de

premissas, que se alteram e se ampliam na mesma proporção em que surgem problemas ou

em que são formuladas soluções renovadas para problemas previamente existentes. No dizer

de Theodor Viehweg980

“o modo de buscar as premissas influi na índole das deduções e, ao

contrário, a índole das conclusões indica a forma de buscar as premissas.”

979

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 36. 980

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 40.

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O uso da analogia e os tipos distintos de argumento utilizados em Direito (a símile, a

contrario, a maiore ad mines etc.) 981

têm base tópica982

e orientação dialética, sendo certo que

a noção de catálogo de topoi, não cria um sistema estanque e sim um conjunto que deve ser

dotado de certa flexibilidade, a fim de que se possa adequar a novos problemas.

Para tanto, a interpretação constitui um precioso instrumento deste estabelecimento de

argumentos e raciocínios coerentes e aceitáveis, possibilitando a superação de premissas

antigas sem rupturas traumáticas, na adaptação das máximas vigentes no sistema aos novos

problemas da vida real.

Neste sentido, a Hermenêutica Jurídica fornece consideráveis contribuições para a

afirmação da tópica no Direito, tendo Theodor Viehweg983

defendido a ideia de que o

raciocínio tópico não conduz a vinculações absolutas e ao reconhecer que alguns vínculos são

indispensáveis, obtêm-se um mínimo de consenso e previsibilidade, malgrado não lidar com

verdades e sim com opiniões majoritariamente aceitas, surgidas em razão de procedimentos

argumentativos.

Constatamos, pois, que os esquemas meramente lógico-dedutivos são insuficientes

para lidar com questões que envolvam raciocínios dialéticos.

9.1.2- A tópica segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr984

Ressalta Tércio Sampaio Ferraz Jr a origem anterior a Aristóteles do termo topoi na

argumentação, como lugares (comuns), fórmulas, variáveis no tempo e no espaço, de

reconhecida força persuasiva no confronto das opiniões e a importância de catálogos de topoi

(loci) como meios auxiliares para a orientação na discussão de problemas.

Observa o autor que a tópica no mundo jurídico, ante a vinculação entre a

Jurisprudência e a Retória, caracterizou o estilo de pensamento dos pré-glosadores, glosadores

e pós-glosadores, estando presente na Idade Média e nas lectiones et lectures.

981

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 40. 982

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 40. 983

VIEHWEG Theodor, Tópica e Jurisprudência, op. cit., p. 41. 984

FERRAZ JR. Tércio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito – técnica, decisão, dominação, sexta

edição. São Paulo: Atlas, 2008, p.302-306.

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Esclarece Tércio Sampaio Ferraz Jr. que, por sua origem, é possível dizer que a tópica

apareceu simultaneamente como uma teoria dos lugares comuns e como um sistema da

argumentação e dos raciocínios dialéticos.

Assim, em uma acepção estrita, a tópica era, no seio da Retórica, um conjunto mais ou

menos organizado de categorias gerais, nas quais se agrupavam argumentos básicos para as

técnicas da disputa e da persuasão. Tratava-se, então, de um ou mais repertórios de termos-

chave, que facilitavam a busca de premissas (ars inveniendi).

Em uma acepção mais ampla, a tópica se revela como técnica de raciocínios dialéticos

que tinham como premissa opiniões verossímeis, assimilando-se a um modo de pensar não

apodítico.

Atualmente, diz Tércio Sampaio Ferraz Jr, ao falamos em tópica, pensamos em técnica

de pensamento que se orienta para problemas, ou seja, é um estilo de pensar e não

propriamente um método. Assim, não é a tópica um conjunto de princípios de avaliação da

evidência nem serve para averiguar a adequação de explicações propostas nem ainda critério

para solucionar hipóteses. Desta forma, a tópica é um modo de pensar problemático que

permite abordar problemas desde eles próprios e neles terminar a análise.

Diz o autor, assim, que pensar topicamente significa manter princípios, conceitos,

postulados com caráter problemático, mantendo-se o pensamento aberto a diversas

abordagens que podem partir de pontos de vista distintos, mantendo-se sempre abertos e

inconclusivos.

Desta maneira, desde pontos de vista (topoi) variados, trata a tópica de séries

argumentativas, não pressupondo o pensamento tópico qualquer totalidade sistematizada,

admitindo partir de conhecimentos fragmentários ou de problemas como dados que dirigem e

orientam a argumentação para se chegar a uma solução dentre as muitas possíveis.

Indica Tércio Sampaio Ferraz Jr que os chamados catálogos de topoi podem apresentar

classificações diferentes, como os lugares-comuns de qualidade (sabedoria, prestígio,

inteligência, originalidade) e quantidade (maioria, generalidade, normalidade), da existência

(que afirmam a superioridade do atual e presente) e da essência (que indicam a superioridade

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do cerne, do núcleo, do básico) e da pessoa (que afirmam a superioridade da personalidade, da

autonomia, do mérito e da dignidade). Esclarece o autor que a intenção da tópica é a produção

de efeitos persuasivos e, portanto, se exprime necessariamente assistemática na busca de

premissas próprias para as discussões específicas.

Ressalta o autor, com base em Theodor Viehweg, que a interpretação jurídica se

desenvolve dentro do estilo tópico ante a necessária flexibilidade da interpretação dos fatos,

pois se admitem a ocorrência de versões destes, e a imprescindível abertura do jurista para a

variedade de sistemas que possam resolver os problemas.

Sugere, por fim, o autor, que se distinga tópica material de uma tópica formal.

Assim, a primeira é o conjunto de regras referentes à argumentação dos participantes

que têm em vista interesses subjetivos; aqueles podem se manifestar de modo pessoal ou

impessoal. Pessoais são as manifestações que se adéquam a quem se manifesta, como as

partes não profissionais que se dizem indefesas, honestas, injustiçadas, de boa-fé. Impessoais

são as que cabem apenas para o papel exercido pelas pessoas nas circunstâncias específicas,

como os participantes profissionais que se manifestam impessoalmente, valendo-se de uma

tópica material que se utiliza de lugares-comuns, como serenidade, imparcialidade,

responsabilidade e interesse da justiça.

Esclarece o autor que a força da argumentação está ligada tanto a um recte dicere

(tópica formal), quanto ao bene dicere (tópica material), sendo certo que a última é

conseguida muitas vezes pela utilização das categorias de mudança (adjectio, ou acréscimo de

uma parte não pertencente ao todo; transmutatio, ou troca de uma parte no interior do todo;

immutatio, ou substituição de uma parte do todo por outra que vem de fora e não pertencia ao

todo; detractio, ou retirada de uma parte pertencente ao todo).

A tópica formal é o conjunto de regras capazes de conduzir a argumentação no que se

refere ao processo propriamente dito. Assim, se desenvolveria topoi que dizem respeito ao

ônus da prova, ordem dos recursos, forma dos arrazoados e sentenças, orientando o

andamento processual.

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Constata o autor que, como técnica de pensamento, a tópica (material e formal) leva a

argumentação judicial a redefinições de conceitos, utilização de analogias e interpretações

extensivas, mostrando-se assistemática e sem necessário rigor lógico, impossibilitando a

redução das decisões a silogismos.

Esclarece Tércio Sampaio Ferraz Jr. que de modo geral, a tópica pode ser

compreendida como um estilo de pensar e que constituía, para os juristas, uma atitude cultural

de elevado grau de confiabilidade em suas tarefas práticas.

9.1.3- A tópica segundo Maria Helena Diniz985

Entende Maria Helena Diniz que a argumentação tópica é um modo típico do

raciocínio jurídico que procede por questionamentos sucessivos, denotando uma relação

“pergunta-resposta”.

Esclarece a autora que a tópica é uma técnica de pensamento aberta e problemática,

podendo o magistrado, ante situações sem meios de resolução, utilizar repertórios de pontos

de vista que guiem a solução dos problemas das lacunas.

Assim, todas as valorações de argumentos e elaborações de propostas de respostas

seguem o problema concreto verificado, com ampla possibilidade de soluções aceitáveis ante

as diversas indagações que surgem naturalmente no curso da causa e que se valem da

aplicação de muitos sistemas conforme as premissas adotadas, mas tendo-se como limite a

própria questão em análise.

Ressalta a autora que se há vários sistemas, há múltiplas soluções, evidenciando a

tópica que o sistema jurídico não pode ser algo definitivo, imutável e fechado, pressupondo

sempre a consideração dinâmica do Direito e a adoção da ideia de sistema aberto e elástico

como capaz de oferecer soluções satisfatórias986

985

DINIZ, Maria Helena, As Lacunas no Direito, 9ª edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p.122/131. 986

DINIZ, Maria Helena, ob. cit. p.125-126.

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Portanto, a tópica, como auxiliar na aplicação do Direito, indica maior adaptabilidade

das interpretações às realidades sempre mutantes e modificáveis, dinamizando os raciocínios,

revisando as certezas e arejando as convicções.

Assim, na sentença, o magistrado apenas admite uma, dentre a possibilidade de várias

outras hipóteses de resolução, como a mais provavelmente adequada e razoável para o caso

concreto, sendo certo que aquele deve permanecer sempre aberto à revisão de seus pontos de

vista e entendimentos.

Recorda-se Maria Helena Diniz de que Theodor Viehweg propôs a distinção de tópica

do primeiro e do segundo grau, sendo a primeira aquela que toma uma serie de ponto de vista

como ponto de partida e a segunda a que se vale de uma espécie de catálogo de tópicos.

Esclarece ainda Maria Helena Diniz que os órgãos judicantes se valem inicialmente da tópica

de primeiro grau, ao elegerem um dos possíveis argumentos como o mais adequado ao caso

examinado e a tópica de segundo grau como reforço de argumentação.

Segundo a autora, o pensamento tópico se mostra como inventivo e dinâmico,

possuindo, quando se ocupa da integração da lacuna, dois aspectos correlacionados, mas

independentes: a) a constatação e avaliação dos quadros em que um caso traz uma lacuna e ;

b) o preenchimento da lacuna. Observa Maria Helena Diniz que o próprio conceito de lacuna

é recurso hermenêutico que possibilita o procedimento persuasivo, que tem por finalidade

obter uma decisão possível e mais favorável, sendo o pensamento tópico essencial, por

possibilitar a argumentação e utilização de critérios para a resolução dos casos em que a

legislação é omissa.

Assevera a autora que a argumentação tópica é guiada inicialmente pela intuição,

sendo a mais importante aquela da descoberta ou heurística.

Assim, acentua a autora, os magistrados realizam uma observação geral do caso em

apreço e articulam sua consciência com base nos dados normativos e fáticos, lançando sobre

eles seus sentimentos e valores, mas sempre com o propósito de chegarem à solução mais

justa. Desta forma, decide o magistrado pela sua convicção gerada pela análise de todos os

fatores envolvidos e não meramente por via do raciocínio. Este último é utilizado da intuição

primeira e para redigir as justificativas e fundamentos jurídicos das decisões.

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Conclui, pois, a professora, que a tópica, como modalidade pré-lógica, busca as

premissas para atingir uma possível solução, sendo que a lógica recebe tais premissas e

submete-se, pois, à primeira, servindo para a formação dos argumentos de adequação da

solução indicada. Assim, restam demonstrados o caráter dinâmico do Direito e a abertura do

sistema jurídico, sempre adaptável à realidade concreta da vida.

9.1.4- Tópica, argumentação e decisão – a tópica exlética

Ante o exposto, é notória a estreita conexão da tópica com as questões levadas ao

Poder Judiciário.

Na verdade, as partes processuais e o próprio magistrado lidam com opiniões opostas,

em diálogo de exposição e confrontação, ante problemas específicos e práticos, em

conjugação com as interpretações normativas realizadas por todos os envolvidos.

Ao apresentar sua decisão, o magistrado, após levar em conta os diversos argumentos

das partes e considerar a melhor interpretação indicada para o caso, opta pela solução mais

adequada à questão.

Ocorre, então, diariamente nos tribunais abordagens tópicas, superando-se a dogmática

ao admitir e fomentar a abertura das discussões e aceitar as ponderações de várias percepções

do mesmo fenômeno fático e jurídico.

As argumentações empreendidas nos processos, aí se incluindo a própria manifestação

do magistrado na fundamentação de suas decisões, são, pois, manifestamente caracterizadas

pelo raciocínio tópico.

As pretensões universalizantes, dedutivas e apriorísticas do pensamento sistemático

são aqui mitigadas pelo pensamento tópico, porquanto este surge da análise do caso concreto,

ou seja, é um pensamento a posteriori e não a priori, além de dar-se mediante um decurso de

elaboração.

Na verdade, o conhecimento jurídico se faz pela verossimilhança e aproximação entre

os diversos olhares, que confirmam determinadas verdades, respeitando as singularidades,

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mas se conserva sempre aberto para as diversas visões sobre as verdades e certezas de ontem,

hoje e amanhã, em um pensar em movimento.

Cremos que tal movimento em construção dá-se interna e externamente ao agente.

Assim, diz-se internamente no que se refere à localização da decisão que inclui as

partes claramente envolvidas na lide e o juiz e suas características emocionais singulares

perante o objeto da pesquisa, sendo evidente que cada descrição do justo carrega consigo dose

inequívoca de peculiaridade de quem a produz, não havendo conhecimento fora do sujeito. E

mencionamos a construção externa, quando aceitamos que fora dos sujeitos há apenas

informação que, descoberta e processada pela dimensão individual, permite o conhecimento

também individual, de acordo com sua possível compreensão, mas também entendemos que

tal conhecimento no âmbito jurídico influencia além da lide, afetando o exterior.

No mesmo sentido, expressamos a noção de que o pensamento tópico exige do

intérprete e aplicador muito mais sensibilidade e criatividade para operar de maneira

casuística e argumentar problematicamente no âmbito do sistema jurídico, possibilitando a

renovação constante do próprio sistema, a cada nova interpretação e distinta aplicação das

normas.

Assim, afirmamos que a tópica desejada e indicada para análise dos problemas e

questões jurídicas é a exlética987, ou seja, a que aceita “níveis de realidade” e, portanto, não

mais se conforma ao pensamento dialético.

Desta forma, adotamos o raciocínio de que tudo se comunica de maneira

polissistêmica e complexa, ensejando não modelos formais, ou mecânico-lineares, mas

padrões ideais variáveis ou sistêmicos não lineares, ou seja, não se procura um só modelo de

concepção, pensamento, percepção, sensibilidade, vontade e decisão, mas um padrão ideal

que permite estádios de aproximação diferenciados e profundidades singulares do que se

entende buscar como justo.

987

Pelo menos a título de literatura, o termo exlectics foi usado pela primeira vez por Eduardo de Bono (1977).

Cfr. MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, título original Introduction à la pensée complexe,

tradução de Eliane Lisboa, 3ª edição, Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.

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A tópica exlética admite, pois, a sempre desejada coexistência da segurança jurídica

com a contradição, fragilidades e paradoxos humanos, tentando alcançar a melhor versão da

verdade pela captação do maior número possível dos lados e particularidades específicas do

caso em apreciação, aí se incluindo a experiência existencial e o saber instituído do

magistrado.

O justo é, pois, aqui concebido como fruto inacabado da formulação humana no

interior da diversidade, sempre em renovação por via de suas atividades de constante fluição,

refluição e confluição das vertentes complexas dos movimentos espirais da consciência,

sensibilidade e interpretação.

Buscamos, assim, abandonar o mito da linearidade do pensamento, a ideologia

disjuntiva do vencedor e a qualidade fabricada conforme os padrões parciais impostos, bem

como as decisões acrítica e conservadoras típicas da dialética, para se propor a composição

não linear dos segmentos, em atividade conjuntiva das diversidades, visando a melhor

aproximação da verdade.

Tal produção cultural é genuinamente humana por meio do ato crítico-avaliativo

aberto e em espiral construtivista e contextual, fomentando as constantes flexibilidade e

adaptabilidade, bem como a atividade da alteralidade pela transversalidade,

transdimensionalidade, translateralidade e transdisciplinaridade.

A tópica exlética indica, ainda, como característica, a produção de maior liberdade e

responsabilidade de todos os agentes e sujeitos de Direito, uma vez que atuará forte e

democraticamente engajada com o sentimento do justo imerso na sociedade em que atua,

atingindo e influenciando destinos de pessoas reais, não se limitando a elucubrações teóricas.

Sob tal óptica, é claramente perceptível que em cada processo julgado o magistrado

opera uma aproximação possível da verdade mediante a constituição dos fatos efetivamente

vivenciados pelas pessoas envolvidas na lide e pela interpretação situacional e concreta das

normas aplicáveis.

O magistrado - é certo- não se vale apenas da verificação da normatividade posta, nem

mesmo do exposto pelas partes ou dos elementos trazidos pela instrução probatória

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desenvolvida, mas também por seus conhecimentos privados e experiência particular, sendo

também influenciado em seu convencimento por inúmeros fatores extrajurídicos.

Essa dinâmica pessoal e íntima ocorre com procedência na percepção de quais fatos

devem ser entendidos como relevantes a serem utilizados para a delimitação da lide e

desenvolvimento de todo o processo.

Tal fórmula de sentir e pensar também é reproduzida no deferimento dos meios de

prova, condução da audiência conforme a percepção dos pontos controvertidos, na análise do

produzido em juízo, na valoração da prova, no convencimento da opção mais justa para o caso

e na correspondente justificação das decisões.

Nesse processo de aproximação possível dos fatos ocorridos no passado, existe, pois,

por parte do magistrado o desenvolvimento de uma espécie de lógica específica do Direito,

além de fazer operar elementos de convencimento jurídicos, extrajurídicos e mesmo

extraprocessuais na argumentação de suas decisões.

Assim, é válido dizer que toda atividade de exercício do Direito e, principalmente, nos

julgamentos, estão atividades de perceber, pensar, interpretar, criar, sentir e dizer o que se

percebe por justo, exigindo dos sujeitos e agentes não apenas conhecimentos técnicos, mas

também uma espécie de familiaridade experiencial e mesmo intuitiva com as questões

apresentadas e com os resultados possivelmente previstos a afetar a todos.

Podemos afiançar em tal contexto e, inicialmente, que, para serem obtidas decisões

sempre sensíveis à realidade e preocupadas com a valorização do que é humanamente

importante, a prática jurisdicional deve sempre envolver, de forma constante e interativa, a

conexão de todos com todos, valorizando-se a condição humana dos envolvidos. Cremos que

assim persistirá ou será restabelecida a comunicação dialógica, que é característica de

verdadeiro Estado democrático de Direito.

Havemos de reconhecer que, para tanto, apenas a proximidade dos sujeitos e agentes

com as condições do caso concreto é capaz de possibilitar as melhores interpretações e

escolhas cabíveis dentre as combinações admissíveis. Desta forma, o abeirar-se da realidade

fática e a vizinhança com as pessoas envolvidas na lide fazem com que orbitemos na mesma

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atmosfera humana e sejam conhecidos as particularidades e limites a serem considerados nas

decisões.

Somos crédulos no fato de que, agindo assim, os magistrados evitam a padronização

das decisões e a mera reprodução acrítica de jurisprudências, possibilitando a adoção de

outros atos combinatórios das soluções praticáveis conforme as características de cada caso.

Com amparo nessa dinâmica, passam os juízes a denotar suas decisões

fundamentadamente de maneira viva, original e humanamente típica perante a realidade.

A pulsação existencial dos feitos processuais chega, pois, a superar a letra e o texto

das normas, com a especial característica de apesar de ser verdade que não se pode mudar o

que ocorreu, existe nos processos a vantagem de que se pode reescrever o fim previsto das

histórias e a ventura dos personagens vivos que humanamente se mostram e humanamente

esperam ser acolhidos.

9.2- A poética em Giambattista Vico e o processo catársico.

Como se sabe, a Poética988

é um conjunto de anotações das aulas de Aristóteles sobre

poesia e arte, sendo considerado o primeiro escrito que procurou, especificamente, analisar

determinadas formas de arte e literatura.

Discorrendo sobre elementos e estilos que deveriam ser seguidos e sistematizando o

formato e a estética dos gêneros literários gregos, o texto que nos chegou conta com 26

capítulos e é composto por uma introdução geral sobre a arte poética, seguida de uma

digressão detalhada sobre a poesia trágica e a épica, concluindo com uma comparação entre

ambas.

O primeiro termo empregado por Aristóteles que chama a atenção é mímesis989

. É a

mimese o conceito fundamental em que assenta a atividade poética (caps. 1 a 5), a tragédia

988

ARISTÓTELES, Poética, Aristóteles, prefacio de Maria Helena da Rocha Pereira, Tradução e notas de Ana

Maria Valente, 3ª edição, Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 2008. 989

O termo de origem grega será transliterado como mimese ante seu aspecto fonético, no que pese o termo

original poder ser considerado como intraduzível. Cfr. ARISTÓTELES, Poética- edição bilíngue, tradução,

introdução e notas de Paulo Pinheiro, São Paulo: Editora 34, 2015, p.8, nota 1.

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(cap. 6) e a epopéia (caps. 23 a 26) e pode ser traduzido, por falta de vocábulo português mais

exato, por imitação.

Pode-se dizer, em resumo990

, que para o estagirita, poesia é uma imitação pela voz,

enquanto as artes plásticas imitam pela cor e forma, a dança pelo ritmo, e a poesia lírica, a

tragédia e a comédia imitam pelo ritmo, pela linguagem e pela melopéia.

Observemos, contudo, que se a produção da imagem poética (mimema) não se

confunde com a experiência objetiva das coisas e ações, tampouco é mera reprodução do

ocorrido. É que em sua composição, algo de novo é também introduzido na restauração dos

fatos, textos e movimentos, inclinando-se para representar as coisas como poderiam ou

deveriam ser991

.

A tragédia é considerada uma arte poético-mimética que utiliza os meios de ritmo,

linguagem e melodia para apresentar um enredo de forma dramática, ou seja, não por meio de

uma narrativa, mas de atores em cena992

.

Assim, na tragédia e através de seus elementos de composição do enredo (mythos),

constituição dos personagens (ethe), pensamento introduzido (diánoia), elocução (léxis),

espetáculo visual (ópsis) e a composição do canto (melopoiía), é possível a releitura mimética

dos caracteres e paixões, com a capacidade de provocar, através da compaixão e temor, um

efeito catártico no espectador, depurando-se as emoções que estejam em excesso, de tal modo

que, ao final do espetáculo, permaneça uma sensação de libertação, calma e apaziguamento na

platéia e mesmo nos atores.

Aristóteles diferenciou o poeta do historiador. Para ele, o segundo descreve os eventos

que de fato aconteceram, sendo esta sua ação finalística, enquanto o primeiro se refere ao que

poderia ter ocorrido, sendo que a tragédia deseja uma catarse final. Esclarece, pois, que a

990

ARISTÓTELES, A Arte poética, tradução de Pietro Nassetti, São Paulo: Martin Claret, 2011, p.12. 991

ARISTÓTELES, Poética- edição bilíngue, tradução, introdução e notas de Paulo Pinheiro, São Paulo: Editora

34, 2015, p.8-9. 992

ARISTÓTELES, Poética- edição bilíngue, tradução, introdução e notas de Paulo Pinheiro, São Paulo: Editora

34, 2015,p.17.

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poesia é, então, mais filosófica e, portanto, universal, enquanto a história se refere ao

particular993

.

Podemos afirmar que Giambattista Vico994

resgatou a poética995

ao defender uma

filosofia da imaginação, com o primado da fantasia sobre a razão. Para o autor, a filosofia

tópica sobrepõe-se sobre a racional e a poética é aqui entendida como uma forma pura do

espírito, sendo a intuição considerada a primeira linguagem do homem e sua forma de

conhecimento.

Assim, para o autor, a primeira forma do conhecimento é traduzida pelas formas

poéticas, ou seja, pela vida sensitiva e pela vida da fantasia, em processo que se verifica no

ser, como um ciclo em espiral a promover novas descobertas.

Desta maneira, as manifestações de riso e choro de um bebê são expressões do “sentir

sem refletir”. Quando a criança passa a falar, começa o período das fábulas, e imaginação se

sobrepõem à racionalização. Depois o homem consegue raciocinar e chega ao estágio superior

para depois, em espiral voltar a uma nova barbárie que guarda um pouco desse interior e se

repete em evolução996

.

Para Vico, nosso universo é muito mais rico em emotividade e fantasia do que

normalmente nos damos conta, sendo certo que o senso comum não é um dado da razão ou do

costume, mas é uma disposição natural, enquanto as tradições e as leis, não são verdades

filosóficas, mas formação consuetudinária e arbitral.

Pretende o autor que as pessoas possam compreender-se reciprocamente e que exista

um mundo humano comum participativo e acessível a todo indivíduo. Sua convicção é de que

a fantasia, só ela e seus elementos essencialmente humanos, e não a razão absoluta e

993

ARISTÓTELES, Poética- edição bilíngue, tradução, introdução e notas de Paulo Pinheiro, São Paulo: Editora

34, 2015, p.95-97. 994

VICO, Giambattista, Principj di Scienza Nuova, disponível em http://www3.niu.edu/english/vico/vico.htm,

acesasdo em 13 de outubro de 2015. 995

GUERRA FILHO, Willis Santiago, Fragmentos sobre Vico, manuscrito inédito, setembro de 2015,

disponibilizado gentilmente pelo autor quando da sessão de qualificação em 25 de setembro de 2015. 996

SOUZA, Vilma De Katinszky Barreto de, A história e a filologia na Ciência Nova de Giambattista Vico,

Fragmentos, número 33, Florianópolis/ jul - dez/ 2007, p. 293/307, disponível em

https://periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/viewFile/8671/8012, acessado em 13 de outubro de 2015.

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apriorística, tem a capacidade de aprofundar o conhecimento da natureza humana e,

acrescentamos, realizar a justiça.

Verificamos que os processos judiciais possuem, em seu âmago, inúmeros pontos de

contato com a poética e com demais formas artísticas, e da mesma maneira não apenas como

mera imitação do ocorrido997

, vez que vivos e reais, mas como integração de versões e

composição de uma obra nova.

O que nos interessa registrar, ainda, é que os vários conceitos utilizados para descrever

como a arte imita a vida acabam por nos fazer perceber que a vida, principalmente a contida

nos processos, supera o mais criativo dos autores e, portanto, merece ser sempre acolhida com

esmero, sensibilidade artística e acuidade delicada.

Podemos dizer que não apenas o enredo é preponderante na promoção do

acontecimento processual trágico, vez que muito se obtém pela construção ou revelação dos

personagens durante todo o curso da ação.

Observemos que não é apenas ao final do feito que os agentes se expõem, mas durante

toda a, por assim dizer, representação cênica jurídica, é que os personagens vão sendo

desvendados através de seus valores, medos, esperanças, utopias e mesmo descrenças.

Mas no curso processo ocorre ainda outro fenômeno. Os personagens são modificados

pelo contato com as versões apresentadas e mediante o diálogo empreendido. A rigor,

ninguém sai o mesmo de um processo ou de uma audiência, da mesma maneira que assim

ocorre após um espetáculo cênico profundo.

Assim, há de ser observada a possibilidade de se desenrolarem novos dramas e

ansiedades de acordo como o Direito é percebido e reproduzido, mormente no que diz

respeito às possibilidades de modificação da realidade ou das ficções legais pelo próprio

997

Observemos que, em sentido contrário, os mais apegados à pretença certeza e segurança poderiam argumentar

que os processos judiciais devam se afastar o mais possível da concepção de ser algo artístico, vez que em toda

arte há sempre muito de subjetivo e os talentos empregados sempre ostentam algo de manipulativo na

insinceridade da mera aparência.

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Direito concretizado, daí não serem os processos apenas reproduções da vida, mas uma forma

de vida998

.

Os profissionais do Direito não são, no entanto, reais historiadores, vez que é de todo

impossível reportar com exatidão, seja por escrito ou oralmente, os fatos ocorridos, bem como

inatingível a real percepção das intenções do elenco, mas tão somente seus propósitos

imediatos.

Ademais, se os historiadores possuem a missão de revelarem como e porque os fatos

ocorreram, os profissionais do Direito também se preocupam com o que deveria ou poderia

ter ocorrido999

, fornecendo hipóteses de desfecho para os dramas ainda em desenvolvimento.

Observemos, ainda, que a capacidade de reconstrução parcial da verdade é sempre

limitada pelo tempo razoável da duração do processo, bem como pelas bordas humanas de tal

atividade, sendo claro que a captação do ocorrido e os sentidos correspondentes se dão com a

influência de pré-leituras da realidade.

Parece-nos claro que tanto a literatura quanto o teatro proporcionam uma visão1000

da

vida humana em toda sua potencialidade, complexidade e dramaticidade.

No entanto, como bem diz Pierre Hadot1001

, apesar da arte, de maneira geral, poder ser

auxiliar poderoso da filosofia1002

, nunca poderá ser a vida mesma.

998

Foge das perspectivas do presente trabalho a apresentação mais pormenorizada das relações entre Direito e

Literatura. Remetemos o leitor a TRINDADE, André Karam, GUBERT, Roberta Magalhães, Direito e

Literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito, in TRINDADE, André Karam,

GUBERT, Roberta Magalhães e NETO, Alfredo Copetti (Orgs.), Direito e Literatura – Reflexões Teóricas,

Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pp.11-68. 999

NUSSBAUM, Martha. Poetic Justice- the literary imagination and public life, Boston – Massachusetts:

The Alexander Rosenthal Lectures, Northwestern University Law Scholl, Beacon Press, 1995 e Paisajes Del

pensamiento- la inteligência de las emociones, título original Upheavals of Thought, Barcelona: Editora

Paidós, 2008. 1000

Diz-se comumente que ao lermos um livro de Direito conhecemos a vida por fora e ao lermos literatura

conhecemos a vida por dentro. 1001

HADOT, Pierre, La filosofia como forma de vida- conversaciones com Jeannie Carlier y Arnold L.

Davidson, título original La philosofophie comme manière de vivre, tradução de Maria Cucurella Miquel,

Barcelona: Editora Alpha Decay, 2009, p.209. 1002

Diz Rubem Alves que a leitura é um lugar secreto de subversão porque os livros nos levam a outros mundos

e ao voltarmos ao mundo em que vivemos, os vemos de maneira diferente. E isso sem falar nas entrelinhas que

só a alma é capaz de entender. ALVES, Rubem, A Pedagogia dos Caracóis, Campinas: Verus Editora, 2010,

p.19 e 29.

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Assim, apesar da poesia1003

, da literatura, da pintura e da música1004

poderem mostrar-

se aptas a exercícios espirituais mediante meditações sobre a vida1005

e a morte, ou servirem

como itinerários da consciência e da alma, com intenso valor dramático real e profundidade

existencial, o certo é que a vida precisa ser vivida.

Em termos mais diretos: é possível que a arte apresente um mundo novo ao apreciador

e é factível que nova sensibilidade influencie seu trabalho ou mesmo sua maneira íntima de

ser, mas a arte simplesmente não muda o mundo.

Quem faz isso são as pessoas através de suas experiências vividas, no que pese

passíveis de serem influenciadas pelas manifestações artísticas.

Desta forma, a literatura, cinema, a fotografia1006

e demais manifestações estéticas

noticiam acontecimentos e colaboram para nosso entendimento mais reservado, mas há que se

1003

A possível relação entre poesia e Direito pode ser entendida por tratarem, em primeira e última análise, com

a alma humana e sua aptidão para o amor, seja este egoísta ou altruísta. Poesia e Direito expressam-se pela

palavra e lidam com a realidade, mas sonham com a harmonia, seja esta íntima ou externa, isolada ou

comunitária, o que não significa confundir harmonia com mero ordenamento, mas sim tê-la como sintonia e

correspondência. E ambos, Direito e Poesia só são verdadeiros e profundos se o sentimento está presente. 1004

Arthur Schopenhauer afirma que a música distingue-se das outras artes por não necessitar de qualquer

complemento para expressar-se. A música é, portanto, puro sentimento íntimo que fala da essência, enquanto as

outras artes falam apenas de sombras. Parodiando Leibniz, diz o autor que "Música é um exercício oculto de

metafísica no qual a mente não sabe que está filosofando", entendendo pertinente realizarem-se analogias entre a

música e o mundo fenomênico. SCHOPENHAUER, Arthur, O Mundo Como Vontade e como Representação,

título original Die Welt als Wille und Vorstellung, tradução, apresentação, notas e índice de Jair Barboza, São

Paulo: Editora Unesp, 2005,p.338 e 347. 1005

Sabemos que é possível ensinar-se compaixão pela literatura, como no caso citado por Rubem Alves

envolvendo sua neta e a leitura do livro “O patinho que não aprendeu a voar”. Disse a menina de cinco anos:

"Vovô, eu não consigo ver uma pessoa sofrendo sem sofrer. Quando vejo uma pessoa sofrendo, o meu coração

fica junto do coração dela...” . ALVES, Rubem, A Pedagogia dos Caracóis, Campinas: Verus Editora, 2010,

p.14. Existe alguma definição melhor de compaixão? 1006

Registremos que várias fotos, principalmente por seu conteúdo explicitamente denunciante e mesmo sem

legendas, abalaram consciências e políticas mundiais e colaboraram para denunciar a profundidade do

sofrimento humano diante da guerra, do descaso da política ou do desespero da fome e, com isso, mudaram os

rumos dos acontecimentos. Os exemplos são vários: a foto de Kim Phuc, com então nove anos, correndo

desesperadamente com a pele em desintegração e o resto de roupas em chamas, em oito de junho de 1972 após

um avião norte-americano ter bombardeado com napalm a população de Trang Bang, no Vietnã (fotógrafo Nic

Ut); a foto de jovem chinês anônimo em pé em frente a uma linha de vários tanques durante a revolta da Praça de

Tiananmen de 1989 na República Popular Chinesa (fotógrafo Jeff Widener); a foto do protesto suicida do monge

budista Thich Quang Duc que se sacrificou numa rua movimentada de Saigon em 11 de junho de 1963 por

protestar contra a opressão à religião Budista. A foto de 1994 de uma menina na região de Ayod, Somália,

totalmente desnutrida e a ponto de morrer enquanto, num segundo plano, um urubu esperava o momento de se

apropriar do cadáver (fotógrafo Kevin Carter e prêmio Pulitzer de foto jornalismo). Fotos disponíveis em

http://www.guiadelojas.com/fotografia/historia_fotos_historicas.html, acessado em 02 de outubro de 2015. Sobre

o significado da fotografia e como as que as imagens constroem uma simbologia daquilo que o homem é capaz

de fazer e convidam à reflexão, ver SONTAG, Susan, Diante da dor dos outros, título original Regarding the

pain of others, tradução de Rubens Figueiredo, Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.

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ponderar que todas as formas artísticas possuem limites, vez que não são as próprias

experiências.

Evidencia-se, portanto, que muito mais criativa, inesperada, rica e diversificada que a

ficção é a própria vida. E tais características ocorrem fielmente todos os dias na frente de

todos os agentes do direito.

Assim, por exemplo1007

, como imaginar que um doente de Aids, com curso superior

em agronomia, volte para a sua cidade do interior e seja dela expulso a pedradas, submetendo-

se a pedir esmolas na cidade vizinha, até ser posteriormente auxiliado a pedir processualmente

um benefício previdenciário?

Em qual livro um pai se apropria de dinheiro público para comprar brinquedos ao seu

filho de cinco anos em expiação agonizante, vindo a ser processado criminalmente após a

morte deste, exibindo, por ocasião do interrogatório, dentre lágrimas e suspiros, o atestado de

óbito e as fotos da criança no leito hospitalar, em seu último sorriso desenganado, por entre os

benditos brinquedos?

Em que livro, ou filme, seis pessoas arregimentam outras trinta para furtar o Banco

Central através de um túnel de oitenta metros passando por uma das avenidas mais

movimentadas de uma cidade, furtando o equivalente a cerca de 164 milhões de reais?

Em qual peça encontra-se a história de um paraplégico que monta empresas fantasmas

e movimenta, em dois anos, cerca de um bilhão de reais? Em qual conto o prefeito se

apropria de verbas públicas destinadas à leite de um programa de assistência aos desnutridos e

compra carros de luxo? E a menina espanhola grávida que foi traficar cocaína no Brasil por

influência do namorado?

1007

Os casos citados são reais. Para maior compreensão, ver, por exemplo,

http://opovo.uol.com.br/opovo/fortaleza/764750.html,(morador de rua encontrado por servidor da justiça);

http://www.noolhar.com/opovo/fortaleza/502858.html (assalto ao Banco Central);

http://www.direito2.com.br/tjce/2007/mai/3/alex-ferreira-gomes-tem-nova-condenacao (doleiro condenado);

http://www.portalaz.com.br/noticia/municipios/145764_ex-

prefeito_de_elesbao_veloso_e_condenado_em_acao_criminal_pelo_mpf.html ( prefeito e apropriação de verba

pública para compra de leite).

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Não há dúvida que tragédias são diariamente judicializadas, mas o que nos conforta é

que todo processo representa uma possibilidade de reescrita do fim previsto.

Em cada ação, a ventura dos personagens manifesta-se, no dizer de François Ost1008

,

em um palimpsesto onde a segunda inscrição dá-se por cima da inicial raspada, mas não a

encobre totalmente, podendo esta ser vista através da transparência do tempo.

Tal processo de reescrita recebe, queiramos ou não, todas nossas fragilidades,

angústias e dúvidas, e em suas linhas restam espremidas nossa alma, nossa loucura, nossos

desertos, amores e vida, representando o que nos tornamos, refletindo o que esperamos ser e

espelhando o possível sobrevir.

Por entre as linhas do novo texto a ser não apenas lido, mas verdadeiramente

encenado, transpiram estranhas criaturas que são os nossos sentimentos e percepções, além da

sempre presente possibilidade de equívocos em todos os matizes, tudo ocorrendo em uma

escrita ou tragédia conjunta.

Assim, nas audiências e peças processuais se constrói o destino mútuo dos que lá

atuam, sendo todos, ao mesmo tempo, responsáveis e influenciados pela escrita e

dramatização de tal obra coletiva.

No direito, são os próprios personagens que trabalham em coautoria criativa, seguindo

apenas um roteiro básico dos ritos processuais, sem esquecer que, além das cenas externas,

desenrolam-se dramas internos, movidos por composições prévias, mas desprovidos de

qualquer sina considerada.

São inúmeras as peças que os profissionais do Direito tecem e vivenciam diariamente

e todas com fortes doses de emoção, sejam porções de raivas e indignações ou mesmo

quinhões de compreensão, tolerância, perdão e, principalmente, compaixão.

1008

François Ost esclarece que o raciocínio jurídico acaba por propiciar a presença de um texto num outro texto

por vias de citações, compilações e referências. Noutros casos, um texto remeterá para o seu paratexto (esboços,

preâmbulos) e ora um texto remete para outro texto (metatexto) que propõe seu estudo crítico (exemplifica a

doutrina como um metatexto enxertado na jurisprudência e na legislação). De qualquer forma, em quase todos os

casos, os textos jurídicos derivam de textos anteriores. OST, François, O Tempo e o Direito, título original Le

Temps du Droit, tradução de Maria Fernanda Oliveira, Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p.102.

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A compaixão, como já frisado, talvez seja a mais humana das virtudes e abre-se ao

outro como amor, sem se deter em ideologia, religião, status social ou diferenças culturais.

A compaixão anula as indiferenças e implica assumir a paixão do outro, seu

sofrimento, padecimento, solidão e dor, na reunião ativa de procedimentos solidários.

E isso sem qualquer reflexão prévia maior, nem argumentação ou discurso, não se

questionando se o outro vitimado foi atingido pelas conjunturas econômicas, pela negligência

do Estado, pelas sombras da ignorância, por vícios ou por seu destino familiar inicial.

Age-se em direção ao encontro do outro simplesmente por nossa natureza compassiva,

no entrelaçamento social inerente à nossa alma. É a pessoa procurando outra e encontrando a

si mesmo.

Propomos, portanto, que os fundamentos e propósitos do sentido do direito e do

sentimento do justo, verdadeiramente humanos, sejam o poético, e que o esperado desfecho

processual se dê pela catarse da compaixão e suas características de cuidado, esmero,

sensibilidade, acolhimento e dedicação.

Garante-se, assim, que, ao final, todos, platéia e personagens, saiam de cena mais

livres e melhores, deixando o palco mais justo e socialmente sensível, sob o aplauso

reconhecido das gerações futuras que aguardam, esperançosas, para estrearem seus próprios

destinos.

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Conclusão

Em apertada síntese, podemos concluir que para uma sociedade mais igualitária e

justa, o sentido do Direito e o sentimento do justo devem guardar intrínseca relação de

correspondência em sua prática real no acolhimento de questões humanas.

Em suma, verifica-se que a realidade forense se desenvolve além do roteiro básico e

sistemático dos ritos processuais, onde as partes apresentam seus dramas internos e interesses

próprios, podendo se ombrear com lisura ou não, sendo certo que o mundo jurídico prático

guarda em seu núcleo todas as vertentes das características humanamente sensíveis.

Imiscuído em tal contexto, o magistrado deve participar ativamente da exposição e

demonstração dos elementos nos autos com base nas inevitáveis percepções pessoais, levando

em conta, para o deslinde dos fatos, seu entendimento sobre as partes envolvidas, a

interpretação das normas e a correspondente apreensão dos valores que entender cabíveis e

aplicáveis ao caso concreto, dosando suas intensidades e concentrações com apoio não apenas

na doutrina e na jurisprudência, mas também em todo o conjunto social em que se encontra

imerso.

Ademais, acentuamos que, para alçarem e se manterem em patamares dignos de

julgadores, devem os magistrados realizar constantes exercícios da humildade e de revisão de

suas impressões e provisórias certezas, da mesma forma que as partes devem se esmerar em

expor com sinceridade e boa-fé suas versões da realidade.

Daí a importância tanto de o juiz estar ciente da possibilidade de influência

inconsciente bem como da necessidade de ampliar sua exposição a novos eventos, culturas,

modos de vida, percepções de valores e comportamentos, com o intuito de expandir seus

padrões deliberativos, assumindo a receptividade de novas sensibilidades, com a intenção de

ampliar as dimensões possíveis do julgar cada caso com as especificidades únicas que lhe são

próprias.

Tal panorama aproxima a análise jurídica de uma lógica específica do Direito, afastada

de qualquer razão científica de conteúdo clássico.

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Neste aspecto, concluimos que as dinâmicas procedimentais e decisórias se

desenvolvem levando em conta não apenas a legislação aplicável, mas são intensamente

caracterizadas pela busca de uma solução sempre equitativa, razoável, pertinente e oportuna, o

que afasta a atividade real dos magistrados das tradicionais concepções que os ligavam apenas

ao afirmado positivamente pelas normas.

A solução a ser anunciada pelos magistrados deve se apresentar, pois, sempre

preocupada em conciliar o Direito em vigor com o que é considerado justo e socialmente

aceitável para as partes e para o público, assumindo os juízes o papel de auxiliares e

complementos indispensáveis dos legisladores na síntese almejada entre a equidade e a norma

no caso concreto.

Indicamos, em abreviação, a ideia de que, tendo em vista a realidade jurídica e judicial

operar em frequentes tentativas de conciliação técnica entre a submissão às normas e a

solução socialmente admissível, o encargo dos que lidam com o Direito é constantemente

ampliado, pois deixa o jurista de ser mero operador de gatilhos lógicos para se transmutar em

agente político responsável por atos que atingirão não apenas o destino das partes diretamente

envolvidas, mas também a comunidade de hoje e futura.

Confirmamos, desta feita e uma vez mais, a função complementar exercida pelos

magistrados na concepção da norma indicada a cada caso real, fornecendo especificamente a

argumentação necessária para que a solução adotada seja reconhecida como a socialmente

mais desejada na situação expressa.

Não nos podemos esquecer, contudo, de que vários questionamentos podem surgir de

tais colocações, como a presença ou não de franqueza no entendimento e exposição dos fatos,

possível manipulação interpretativa das normas, emprego de desvios ou adoção de atitudes

nem sempre virtuosas dos magistrados, além dos inevitáveis perigos de subjetivismo e

exercício de arbitrariedade e, mais densamente, podemos examinar a ocorrência de afinidades

entre as normas e os anseios populares e interrogar as relações abrangendo a verdade e a

justiça.

É conformada, assim, a ideia de que todos os envolvidos com a dicção do que se

entende por justo se encontram no âmago das próprias sombras, e nada há mais humano do

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que isso. Na maioria dos casos, porém, esperamos sinceramente encontrar uma solução que se

conforme ao mesmo tempo com o ordenamento e o sentimento do justo.

Ademais, o percurso mental por parte do julgador em seu processo decisório não se

resume apenas à apresentação de um silogismo que se inicia com a norma, passa pela

apreciação do fato e aporta na conclusão. Se assim fosse, seria reduzido o ato de julgar a mera

aplicação dedutiva e mecânica de regras ou preceitos. De igual forma, caso assim ocorresse,

seria razoável dizer que, se tal atividade fosse reproduzida por qualquer pessoa, seria atingido

sempre o mesmo resultado, sendo certo que tal percepção nada tem com os fatos que

envolvam pessoas.

É de todo óbvio que a evolução do Direito e da Justiça recebe a colaboração, de modo

variável e conforme os casos, da legislação e de outras decisões dos magistrados nos eventos

concretos, além da influência da doutrina, desenvolvendo ainda preocupação de servir como

paradigma para outras hipóteses da vida prática.

São, com efeito, realizadas reinvenções de soluções viáveis e adaptáveis às

circunstâncias particulares, mantendo-se a constante intenção de regulamentação e ordenação

das atividades humanas de acordo com os valores consagrados socialmente e as circunstâncias

verificadas, consoante os possíveis resultados das decisões e de modo mais equitativo,

sistemático e coerente possível.

Superando-se a dicotomia entre Direito Positivo e Direito Natural, elegemos como

conteúdo do sentido do Direito a busca compartilhada da felicidade, liberdade e igualdade,

sendo tais fatores correspondentes ao sentimento do justo que devemos cultivar e exercitar

mediados pela vontade.

Expressamos, com efeito, suas estruturas dinâmicas na forma imaginativa de tríplices

hélices vibráteis.

Observamos, no entanto, que a gênese do sentimento do justo é a mesma,

independentemente de seu conteúdo, pelo que podemos concluir que aquele deve acompanhar

o sentido do Direito adotado, ou seja, para sabermos se um julgamento foi justo e adequado,

precisamos verificar a correspondência entre um e outro e não apenas entre o Direito Positivo

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e a decisão, nem entre o pretenso Direito Natural e a deliberação, mas sempre entre o sentido

do Direito e o sentimento do justo aplicado.

Como já adiantado, é constante a advertência sobre a possibilidade de o sentimento do

justo do julgador não guardar similitude com o sentido do Direito democraticamente adotado.

Desta forma, apesar do sentimento do justo permanecer sempre comum em todos os tempos e

culturas, diferenciando-se apenas quanto ao seu conteúdo, pode se distinguir do sentido do

Direito constitucionalmente indicado ante eventuais desvios da consciência, sensibilidade e

interpretação normativa do intérprete.

Nesses casos de incompatibilidade entre o sentido democraticamente eleito e o

sentimento do justo contrário, entendemos que deva prevalecer o primeiro a não ser que

fortemente contrário à dignidade humana, daí ser preponderante que as decisões sejam as

mais transparentes possíveis.

Por outro lado, observamos que, mesmo o sentimento do justo correspondendo ao

sentido eleito do Direito, impõe-se conjugar a vontade de realização prática de ambos.

Assim, é por ser essencial a ação de pô-los em exercício que a vontade se torna fator

de relevância para a prática jurídica e judicial.

Portanto, podemos ter o melhor dos sentidos do Direito, encontrando-se teórica e

doutrinariamente como o mais democrático, bem como o mais amplo e o mais sofisticado

modo de perceber e também regular as relações sociais, além de se poder ter o sentimento do

justo correspondente a tais diretrizes, devidamente elaborado e desenvolvido de acordo com a

consciência, sensibilidade e interpretação adequadas para o caso, mas tudo isso fica apenas

em potência inerte, caso a vontade do agente não corresponda a tais diretrizes.

Notemos, pois, claramente que, se a ação correspondente ao sentido do Direito e ao

sentimento do justo não surgir de maneira eficaz, a oportunidade de se fazer justiça terá sido

desperdiçada.

Como fortalecer a vontade de correspondência democrática quando em relação ao

sentido eleito, na superação dos sentimentos egoístas, individualistas e covardes, e como

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também fortalecer a vontade de resistência aos sentidos não democráticos é tarefa das mais

complexas e que exigem dedicação diária de todos que se realizam e se humanizam nas

atividades jurídicas e jurisdicionais, indicamos para tanto o cultivo das virtudes e a adoção de

atitudes que caracterizam as pessoas justas.

Defendemos, ainda, a preservação da sistematicidade do estudo e da aplicação do

Direito, agora por via do que chamamos de tópica exlética e da poética, que admite a

coexistência da segurança jurídica com a contradição, fragilidades e paradoxos humanos.

Concebemos, pois, o justo como fruto sempre inacabado da elaboração humana no

interior da diversidade, em constante renovação na existência complexa dos movimentos

espirais da consciência, sensibilidade e interpretação, em adição à vontade e seus

componentes culturais, éticos e correspondentes interesses.

Tudo isso ocorre em processo crítico-avaliativo aberto e em espiral construtivista e

contextual, fomentando a constante flexibilidade e adaptabilidade na busca da distribuição

igualitária dos efeitos benéficos e compartilhamento das responsabilidades daí inerentes.

Finalizando, podemos recordar o mito de Parsifal1009

, em sua nova chance diante do

rei enfermiço no castelo da terra devastada e na frente do Graal.

Nesse momento, Parsifal perguntou de que sofria o rei e, mais importante, a quem o

Graal servia. Então, o rei se levantou sadio, revelando-se avô de Parsifal e afirmando que o

herói herdaria o reino, agora próspero, dali a três dias, o que restou acontecendo.

Podemos fazer um paralelo de tal passagem com a vida dos juristas e do Direito,

tomando-se o Graal como o sentimento do justo sempre buscado.

O mito narra que a busca realizada na verdade tratava da jornada espiritual da

personagem, na sua procura interior pelo sentido da vida. Ademais, na história, o longo e

espinhoso caminho para o reencontro do Castelo do Graal foi trilhado não por atos heroicos e

1009

O personagem/mito também é identificado como Peredur, filho de Evrawc, com equilante francês Perceval e

alemão Parsifal. Chrétien de Troyes escreveu a primeira história de Parsifal (Parsifal, o conto do Graal). Existem

outras versões como Parsifal, de Wolfram von Eschenbach, A morte de Artur, de Thomas Malory e Persifal de

Robert de Boron, além da ópera do mesmo nome de Richard Wagner.

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feitos bélicos, mas com todas as agruras, quedas e angústias próprias da condição humana

neste mundo.

Verifica-se ainda que foi por intermédio dos relacionamentos e não em nenhum

compêndio de Filosofia, muito menos em códigos, que o herói descobriu o fato de ser com o

envolvimento afetivo sincero com os outros que começamos a descobrir o que realmente

importa na vida, e tal conclusão nos autoriza a rever nossas prioridades, refazer destinos e

retomar caminhos porventura abandonados por insensibilidade, medo ou covardia.

Vimos na lenda e neste texto, que é por via da solidariedade e da compaixão que nos é

permitido enxergar além de nós mesmos, verificar a doença espiritual que nos assoma e o

deserto existencial que nos cerca, possibilitando tomar as decisões certas no rumo de

corajosamente assumirmos a ideia de que só seremos felizes e livres, se de forma igualitária

assim nos dispusermos a realizar na vida de todas as pessoas.

Expressamos, pois, nosso entendimento de que o sentido do Direito e da vida e o

sentimento do justo correspondente só podem ser encontrados nas transformações que

realizamos em nós mesmos e no mundo, com a convicção de que, ante a mesma criação

divina de todos, somos igualmente destinados a compartilhar do mesmo direito de bebermos

da taça transbordante da verdadeira e ampla justiça.

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do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3A

monocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=&ini=0,

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- http://opovo.uol.com.br/opovo/fortaleza/764750.html,(morador de rua encontrado por

servidor da justiça); http://www.noolhar.com/opovo/fortaleza/502858.html (assalto ao Banco

Central).

-http://www.direito2.com.br/tjce/2007/mai/3/alex-ferreira-gomes-tem-nova-condenacao

(doleiro condenado).

- http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1385808-5602,00.html ( quadrilha peruana e

venda de gordura humana).

-http://www.portalaz.com.br/noticia/municipios/145764_ex-

prefeito_de_elesbao_veloso_e_condenado_em_acao_criminal_pelo_mpf.html ( prefeito e

apropriação de verba pública para compra de leite).

-http://www.judiciary.state.nj.us/decisions/DavidGoldman_110218.pdf, acessado em 27 de

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Filmes, reportagens e literatura citados.

- Filme Instinto Secreto, do diretor Bruce A. Evans (2007, título original Mr.Brooks).

- Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde (ou O médico e o monstro) de Robert Louis

Stevenson, publicada originalmente em 1886.

- Filme Seção Especial de Justiça, 1974, do Diretor Costas Bravas, que adaptou o livro

L'affaire de la section speciale do historiador Hervé Villere.

- Filme Cisne Negro (Direção de Darren Aronofsky, com Natalie Portman, Mila Kunis,

Vincent Cassel, Barbara Hershey e Winona Ryder- 2011.

- HUGO, Victor, Os Miseráveis, Parte I- Fantina, Livro VII- O processo Champmathieu, X –

O sistema de negações, in Obras de Vítor Hugo, Volume II, Porto: Lello & Irmãos Editores,

1969.

- COLLODI, Carlo, As Aventuras de Pinóquio, título original: Le Avventure di Pinocchio,

tradução de Pietro Nassetti, São Paulo: Martin Claret, 2002

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- Mário de Andrade (1893-1945) publicou em 1927 o livro chamado exatamente Amar, Verbo

Intransitivo.

- Reportagem dirigida pelo documentarista João Jardim “Família É Família (Série

Documental) - Ep 11. Pai De Todos Os Jeitos”, exibida no canal GNT em 05/11/2014,

disponível no site http://gnt.globo.com/programas/familia-e-familia/episodios/5540.htm.